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Pró-Reitoria Acadêmica Escola de Direito Curso de Direito
Trabalho de Conclusão de Curso
A POSSIBILIDADE DO USO DA PSICOGRAFIA COMO PROVA
JURÍDICA.
Autor: Ana Beatriz Sitta Martins
Orientador: Prof. MSc. Moacir Pereira Calderon
Brasília - DF
2015
ANA BEATRIZ SITTA MARTINS
A POSSIBILIDADE DO USO DA PSICOGRAFIA COMO PROVA JURÍDICA.
Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito da Universida-de Católica de Brasília, como requi-sito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientador: Professor MSc. Moacir Pereira Calderon
Brasília 2015
FOLHA DE APROVAÇÃO
Dedico este trabalho aos meus pais, João e Márcia, que batalharam dia a dia em prol dos meus estudos, à mi-nha irmã Bruna Sitta, que me moti-vou durante toda a graduação e aos meus queridos padrinhos Rosimeire e José Raimundo, meus grandes exemplos e enfim, colegas de profis-são.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço a Deus que me permitiu chegar até aqui segurando minha mão nas horas difíceis, sempre soprando “Filha, eu acredito em você.” e povoando a minha vida com amigos e familiares capazes de en-cher meu coração de paz e alegria.
Agradeço aos meus pais, que me com todo carinho do mundo me ensi-naram que o estudo é a melhor herança que um filho pode receber de um pai e a minha irmã caçula que enxugou meu choro e me deu colo quando eu pensei em desistir de tudo, é por eles que eu estou aqui.
Agradeço aos meus amigos, antigos e recentes, que sempre torceram e me transmitiram força e ao meu querido namorado, que chegou já na reta final desse meu caminho, traçado entre doutrinas e artigos, para me encher de es-tímulo e de vontade de crescer cada dia mais um pouco.
Por fim, porém não menos importante, agradeço a toda a equipe docen-te que me acompanhou nos últimos anos, em especial ao professor Calderon, pela orientação, paciência, animo e contribuição para a concretização deste trabalho.
A todos vocês, que de alguma forma participaram e contribuíram para o sucesso dessa graduação, muito obrigada.
“O critério da verdadeira justiça está em querer cada um para os outros o que para si mesmo quereria" (Allan Kardec)
RESUMO
Referência: MARTINS, Ana Beatriz Sitta. A possibilidade do uso da psico-grafia como prova jurídica. 2015. 30 pág. Trabalho de Conclusão de Curso de Direito – Monografia. Universidade Católica de Brasília, Taguatinga – DF.
A possibilidade de utilização do documento psicografado como prova judicial tem sido assunto de diversos debates nos últimos anos, a repercussão do caso Ercy Cardoso, ocorrido em Porto Alegre no ano de 2006 e as comemorações ao centenário do médium Chico Xavier em 2010, colocaram a mediunidade em evidência, o que estimulou reflexões sobre sua presença no cotidiano da soci-edade. A dificuldade de se encontrar escritos que relacionam a mediunidade e a justiça, bem como a carga religiosa e dogmática que rodeia o tema psicogra-fia, é responsável pela pobreza jurisprudencial e pela marginalização de um instrumento probatório que, aliado ao acervo juntado aos autos, é capaz de esclarecer a dinâmica dos fatos analisados. O presente trabalho vem demons-trar que a carta psicografada é agasalhada pelo conceito de documento des-crito na legislação processual vigente, sendo, portanto prova lícita, de espécie documental, passível de ser juntada aos autos de um processo judicial.
Palvras-chave: Psicografia. Prova lícita. Possibilidade. Documento. Chico Xa-vier.
Abstract
The possibility of using psychographic as legal proof document has been the subject of frequently debates in recent years, the impact of the case Ercy Car-doso, held in Porto Alegre in 2006 and the celebrations to medium Chico Xavi-er's centenary in 2010, put the mediumship in evidence, which stimulated reflec-tions on its presence in the daily life of society. The difficulty of finding writtens relating mediumship and justice, as well as religious and dogmatic concepts around this theme, is responsible for judicial poverty and marginalization of a probationary instrument, that combine with the other elements of the process, can help to clarify the dynamics of the facts. This study demonstrates that psychographed letter is wrapped up by the document concept described in the applicable procedural law, and therefore is a lawful evidence, document type, which can be attached to the file of a lawsuit..
Key-words: Psychography. Legal Proof. Possibility. Document. Chico Xavier.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 10
CAPITULO 1: BREVE HISTÓRICO ................................................................. 12
1.1 HISTORIA DO ESPIRITISMO – AS IRMÃS FOX, ALLAN KARDEC E O
FENÔMENO DAS MESAS GIRANTES ........................................................ 12
1.2 O ESPIRITISMO NO BRASIL. ................................................................ 14
1.3 A MEDIUNIDADE. ................................................................................... 16
1.4 CONCEITO E TIPOS DE PSICOGRAFIA ............................................... 19
CAPITULO 2: DAS PROVAS NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO .......... 22
2.1 O DIREITO PROCESSUAL BRASILEIRO E SEUS PRINCÍPIOS
BASILARES .................................................................................................. 22
2.2 CONCEITO E OBJETO DAS PROVAS .................................................. 25
2.3 TIPOS E CLASSIFICAÇÕES DE PROVA .............................................. 26
CAPITULO 3: A PSICOGRAFIA COMO PROVA JURIDICA .......................... 29
3.1 A PSICOGRAFIA NOS TRIBUNAIS ....................................................... 29
3.2 OPINIÕES FAVORÁVEIS AO USO DA PSICOGRAFIA COMO PROVA
JUDICIAL ...................................................................................................... 33
3.3 OPINIÕES CONTRÁRIAS AO USO DA PSICOGRAFIA COMO PROVA
JUDICIAL: PROJETO DE LEI 1705/2007 ..................................................... 34
CONCLUSÃO .................................................................................................. 37
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 39
REFERÊNCIAS FILMICAS .............................................................................. 40
10
INTRODUÇÃO
O tema “psicografia”, por estar ligado ao espiritismo e a mediunidade é
polemico e instigante, foco de debates e discussões cientificas e religiosas,
ainda mais calorosas quando o foco é a sua utilização como prova judicial.
A falta de previsão legal específica, bem como a escassez de doutrinas
“clássicas” do Direito que abordam o assunto é causa de uma pobreza juris-
prudencial que se assemelha a uma lacuna, um buraco aberto no contexto
normativo brasileiro, o que mostra a relevância do assunto e a necessidade de
uma discussão técnica.
O presente trabalho tem como objetivo geral expor e discutir a possibili-
dade do uso da carta psicografada como meio de prova lícita no Processo Pe-
nal, com fundamento nos princípios constitucionais e processuais penais da
ampla defesa e do contraditório, da busca pela verdade Real, do livre conven-
cimento motivado e do In dúbio pro reo.
No campo dos objetivos específicos foi estudado a história do Espiritis-
mo desde o seu surgimento nos Estados Unidos da América com o chamado
“Caso da Irmãs Fox”, o conceito e os tipos de prova admitidos no processo pe-
nal brasileiro e por fim casos conhecidos em que a psicografia foi admitida co-
mo prova judicial nos Tribunais Brasileiros.
O método utilizado para a análise foi o bibliográfico, restaram analisadas
obras específicas sobre o assunto, revistas jurídicas e diversos artigos científi-
cos publicados nos últimos anos.
No primeiro capítulo abordar-se-á a história do espiritismo partindo do
caso das irmãs Fox em 1848 e da disseminação da doutrina por Allan Kardec,
será narrado a chegada da doutrina no Brasil e os conceitos principais correla-
tos a mediunidade e a psicografia.
O segundo capítulo trata do direito processual penal brasileiro e seus
princípios, são abordados os conceitos gerais de prova e seus meios de produ-
ção.
Por fim, o terceiro capítulo do presente trabalho aborda a psicografia
como prova judicial, são apresentados três casos em que a prova psicografada
11
foi levada aos tribunais brasileiros, o caso Humberto de Campos, ocorrido em
1944 no Rio de Janeiro, o caso Maurício Garcez datado de 1976 na cidade de
Goiânia- Goiás e o Caso Ercy Cardoso do ano de 2006, manchete na cidade
de Porto Alegre- Rio Grande do Sul; opiniões favoráveis e contrárias ao uso da
psicografia como prova judicial são anexadas ao capítulo e um estudo em torno
do Projeto de Lei nº 1715/2007 conclui a parte final do trabalho.
Dessa forma, foi traçada uma organização que se inicia com a origem do
espiritismo e sua disseminação como doutrina, passa pelos conceitos básicos
de prova no processo penal brasileiro, e termina com a exposição de casos
reais em que a psicografia foi levada aos Tribunais e do Projeto de Lei nº
1705/2007 que objetivava proibir o uso de documentos psicografados como
prova judicial.
12
CAPITULO 1: BREVE HISTÓRICO
1.1 HISTORIA DO ESPIRITISMO – AS IRMÃS FOX, ALLAN KARDEC E O FENÔMENO DAS MESAS GIRANTES
A história do Espiritismo tem seu marco inicial em 1848, com a pesquisa
do chamado “Caso das irmãs Fox”1, ocorrido no Estado de Nova York, nos Es-
tados Unidos, quando pela primeira vez na história foi registrado o contado en-
tre encarnados e desencarnados.
Em dezembro de 1847, os alemães Sr. John D. Fox, sua esposa D.
Margareth Fox e suas duas filhas Kate, com sete anos à época e Margareth,
com dez, instalaram-se em uma casa no vilarejo de Hydesville, no Estado de
Nova York, Estados Unidos, a mudança correu normalmente, entretanto no
início do ano de 1948, fenômenos estranhos começaram a aparecer na resi-
dência dos Fox, batidas nas paredes, sons de arranhões, estalos na madeira e
ruídos de móveis sendo arrastados passaram a ser ouvidos com frequência
pela família.
No dia 31 de março de 1948, os eventos na residência dos Fox, toma-
ram uma sequência contínua e intensa e foi diante desses eventos que Kate
Fox, a caçula da família se dispôs a contatar a força invisível que ali agia, a
menina desafiou o desencarnado a repetir, com batidas na parede, as palmas
que ela batia, ali ficou comprovado que os ruídos provinham de uma inteligên-
cia humana invisível, capaz de entender os comandos da menina e realizar
com perfeição o lhe era solicitado.
A Federação Espírita de Brasília, disponibilizou em seu site, trechos do
depoimento de D. Margareth Fox, narrando como ocorreram os primeiros con-
tatos e detalhando que a força invisível foi capaz de compreender e responder
com precisão as perguntas que eram feitas:
Então pensei em fazer um teste que ninguém seria capaz de respon-der. Pedi que fossem indicadas as idades de meus filhos, sucessiva-
1 Disponível em < http://www.orientacaoespirita.org/historia.htm> Acesso em 18/04/2015
13
mente. Instantaneamente foi dada a exata idade de cada um, fazendo pausa de um para outro, a fim de separar, até o sétimo, depois do que se fez uma pausa maior e três batidas mais fortes foram dadas, correspondendo a idade do menor, que havia morrido. Então perguntei: Eh um ser humano que me responde tão correta-mente? Não houve resposta. Perguntei: É um espírito? Se for, de du-as batidas. Duas batidas foram ouvidas assim que fiz o pedido. Então eu disse: Se for um espírito assassinado dê duas batidas. Essas foram dadas instantaneamente, produzindo um tremor na ca-sa. Perguntei: Foi assassinado nesta casa? A resposta foi como a precedente. A pessoa que o assassinou ainda vive? Resposta idênti-ca, por duas batidas. Pelo mesmo processo verifiquei que fora um homem que o assassinaram nesta casa e os seus despojos enterra-dos na adega; que a família era constituída de esposa e cinco filhos, dois rapazes e três meninas, todos vivos ao tempo de sua morte, mas que depois a esposa morrera. Então perguntei: Continuará a bater se chamarmos os vizinhos para que também escutem? A resposta afir-mativa foi alta.
2
O comunicante foi identificado como Charles B. Rosma, um mascate as-
sassinado na residência dos Fox em 1843, cujo corpo foi enterrado na adega
do local, realizadas escavações à época, foram encontradas roupas e cabelo
humano, entretanto o esqueleto do mascate só foi encontrado mais de 60 anos
depois do crime, em 1904, alojado em uma parede falsa na adega da casa, ao
lado de uma lata de alumínio comumente usada pelos mascates da época.
A imprensa norte americana, já havia à época dos primeiros contados,
noticiado o caso e admitido, com base nos relatos de diversas testemunhas,
como sendo verdadeiras as provas da comunicação entre os mundos, sendo o
esqueleto encontrado em 1904 a prova cabal de que o espírito de Charles se
comunicava com a família Fox.
A crescente difusão do caso das meninas nova iorquinas, fez nascer no
mundo uma significativa curiosidade acerca da espiritualidade e da possibilida-
de de comunicação entre os planos físico e espiritual, em momento que não é
sabido ao certo, tornou-se frequente em países como Estados Unidos, Canadá,
França, Alemanha, Itália e Inglaterra o fenômeno conhecido como Mesas Gi-
rantes3, que consistia em um grupo de pessoas reunidas em torno de uma me-
sa e com suas mãos sobre ela, o móvel que se erguia involuntariamente en-
quanto os reunidos recitavam o alfabeto e batia no chão quando mencionada a
2 Disponível em < http://www.febnet.org.br/wp-content/uploads/2012/06/Irmas-Fox.pdf > Acesso
em 18/04/2015 3 Disponível em < http://www.orientacaoespirita.org/historia.htm > Acesso em 19/04/2015
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letra que o comunicante desejava o que permitia que a comunicação aconte-
cesse por meio de frases completas.
Em 1955, o professor Hyppollite Léon Denizard Rivail, estudioso de fe-
nômenos paranormais foi convidado a participar de uma das reuniões e conhe-
cer as mesas girantes, ao constar os fatos, Rivail deu início a dois anos de
pesquisas intensas, que tiveram como resultado o esclarecimento de que a
mesa, assim como as paredes da casa da Família Fox, eram meros instrumen-
tos de comunicação, um tipo de telefone, pelo qual os desencarnados manti-
nham contato com o plano.
As pesquisas do professor Rivail transformaram-se em livro em 19574,
tendo o docente assumido o pseudônimo de Allan Kardec e publicado o Livro
dos Espíritos, contendo conceitos, princípios e fundamentos basilares da dou-
trina espírita que foi, a partir daí, difundida pelo mundo.
O caso das irmãs Fox, entrou para história da paranormalidade como o
marco da origem do espiritismo, o ponto de inicio de fenômenos, testes e pes-
quisas que formaram o conceito religioso e filosófico que foi apresentado ao
mundo por Allan Kardec como Doutrina Espírita.
1.2 O ESPIRITISMO NO BRASIL.
A revista “O Reformador” publicada pela Federação Espírita Brasileira,
trouxe em sua edição datada de abril de 2000, páginas 5-7, um contexto histó-
rico da difusão do espiritismo no Brasil, traçando uma linha do tempo entre os
primórdios da colonização e a fundação dos primeiros centros espíritas do Pa-
ís.
Os primeiros experimentadores da espiritualidade no Brasil surgiram dos
homeopatas, os médicos Bento Mure e João Vicente Martins, chegados ao
Brasil no ano de 1840, aplicavam passes em seus pacientes, prenunciando
ensinamentos sobre o Cristo e sobre a Caridade a cada cura alcançada, mas
4 Disponível em < http://www.espirito.org.br/portal/artigos/unidual/curso/curso-12.html >Acesso
em 19/04/2015
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foi em 1844 que Mariano José Pereira da Fonseca, o Marquês de Maricá, pu-
blicou no País um livro com os primeiros ensinamentos sobre o espiritismo.5
O fenômeno das mesas girantes começou a ser registrado no Brasil em
1853, noticiado pelo jornal O cearense, o grupo espírita mais antigo surgiu nes-
sa mesma época no Rio de Janeiro coordenado pelo homeopata e historiador
Melo Morais, foi em razão dos ensinamentos difundidos pelo grupo carioca que
o Livro dos Espíritos recebeu relativa aceitação na época, haja vista que os
escritos de Kardec se tornavam visíveis e compreensíveis nas reuniões.
Os primeiros livros espíritas escritos em português, surgiram também no
Rio de Janeiro, em meados de 1860, o texto “Os tempos são chegados”, um
dos capítulos do livro “A Gênese” de Allan Kardec, chegou em terras brasileiras
por intermédio do imigrante frânces Casimir Lietaud, tendo sido traduzido por
Alexandre Canu.
Em setembro de 1865, quando ainda figurava o Império, foi fundado em
Salvador, Bahia, o Grupo Familiar de Espiritismo, o primeiro centro espírita
constituído sob a ótica apresentada por Allan Kardec, que se espalhou por ou-
tros Estados da Federação no decorrer do referido ano.
No ano de 1873 surgiu a primeira entidade jurídica do espiritismo, a So-
ciedade Grupo Confúcio, foi a responsável pela tradução e difusão dos escritos
de Kardec o que originou o 1º Congresso Espírita Brasileiro, realizado no Rio
de Janeiro em 1881, 3 anos depois surgiu no cenário nacional a Federação
Espírita Brasileira e posteriormente o Conselho Federativo Nacional que reunia
e organizava em um só núcleo todas as Federações Espíritas do País.
Em que pese o estudo acerca da evolução do espiritismo no Brasil ainda
ser carente de aprofundamentos, a religião espírita vem apresentando conside-
rável crescimento no número de adeptos, segundo o censo de 2010 realizado
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE apenas 1,3% da po-
pulação brasileira se declarava espírita em 2000, tendo esse número subido
para 2% no ano de 20106 e alcançado a marca de 3,1% em 2013, segundo
pesquisa do Instituto Datafolha.
5 Disponível em
<http://www.sistemas.febnet.org.br/acervo/revistas/2000/WebSearch/page.php?pagina=97> Acesso em 19/04/2015 6 Disponível em <http://censo2010.ibge.gov.br/noticias-
censo?id=3&idnoticia=2170&view=noticia> Acesso em 19/04/2015
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O mencionado IBGE afirma ainda que o Brasil tem 3,8 milhões de pes-
soas que se declaram espíritas e segundo a Federação Espírita Brasileira, 30
milhões de “simpatizantes”. Em números oficiais, entre 2000 e 2010, o número
de seguidores do espiritismo cresceu 65% no Brasil.7
Atualmente o Brasil possui cerca de 5.000 centros espíritas e a literatura
sobre o tema traduzida e escrita no idioma local ultrapassa a média de 3.000
títulos publicados.8
1.3 A MEDIUNIDADE.
Superada a fase histórica envolta na origem e chegada ao Brasil dos en-
sinamentos do Espiritismo, faz-se necessário, para que se entenda o processo
de produção de uma carta psicografada a introdução de alguns conceitos para-
lelos a doutrina de Kardec.
A palavra “mediunidade” pode ser entendida, em seu sentido estrito,
como “meio” ou “intermédio”, tal expressão foi tomada por Allan Kardec, codifi-
cador da doutrina Espirita, para designar as pessoas que são portadoras de
dons mediúnicos, conceituando a Mediunidade como sendo a faculdade que
permite o intercâmbio entre os planos físico e espiritual.
O conceito de Mediunidade é apresentado no dicionário da língua portu-
guesa como a “qualidade de médium”, sendo médium “Pessoa capaz de esta-
belecer relações entre o mundo visível e o mundo invisível; pessoa que, se-
gundo os espíritas, pode servir de intermediário entre os vivos e os espíritos
dos mortos.”.9
Seguindo estes conceitos, Kardec disserta em O livro dos Médiuns , pá-
gina 235, que “Todo aquele que sente, em qualquer grau, a influencia dos Espí-
ritos é Médium”, explicando que através do pensamento e da corrente de ener-
gia, as entidades da esfera extra-física – espíritos – podem atuar sobre o todo
indivíduo, ainda que de forma imperceptível, o que torna comum os casos de
pensamentos que surgem “do nada” como informações sopradas, de inspira-
7 Disponível em < http://gospelhoje.com.br/espiritismo-continua-crescendo-brasil/> Acesso em
20/04/2015 8 Disponível em <http://www.orientacaoespirita.org/historia.htm> Acesso em 20/04/2015
9 Disponível em <http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-
portugues&palavra=m%E9dium> Acesso em 30/03/2014
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ções, sonhos e imagens, lugares nunca antes visitados mas que parecem co-
nhecidos, pessoas que transmitem a impressão de serem velhas conhecidas.
Em que pese a máxima de que todos são Médiuns em razão das corri-
queiras interferências espirituais, vale salientar que só se qualifica assim aque-
le cuja faculdade se mostra de maneira mais intensa, na forma de efeitos cla-
ros, não somente por intuições cotidianas, aqueles que são denominados Mé-
diuns compõem um grupo de pessoas que aprimora e exerce sua faculdade de
maneira plena, não apenas por singularidades diárias ou intuições espaçadas.
“159. Todo aquele que sente, num grau qualquer, a influência dos Espíri-tos é, por esse fato, médium. Essa faculdade é inerente ao homem; não constitui, portanto, um privilégio exclusivo. Por isso mesmo, raras são as pessoas que dela não possuam alguns rudimentos. Pode, pois, dizer-se que todos são, mais ou menos, médiuns. Todavia, usualmente, assim só se qualificam aqueles em quem a faculdade mediúnica se mostra bem caracterizada e se traduz por efeitos patentes, de certa intensidade, o que então depende de uma organização mais ou menos sensitiva. É de notar-se, além disso, que essa faculdade não se revela, da mesma ma-neira, em todos. Geralmente, os médiuns têm uma aptidão especial para os fenômenos desta, ou daquela ordem, donde resulta que formam tan-tas variedades, quantas são as espécies de manifestações.”
10
Um exemplo marcante sobre a faculdade mediúnica é o personagem
Caíque, da telenovela “Alto Astral” que vem sendo exibida pela Rede Globo de
Televisão desde novembro de 2014, na trama o jovem interpretado pelo ator
Sergio Guizé sofre diversas intervenções mediúnicas quando criança sendo
capaz de ver e conversar com espíritos desencarnados, sofrendo e com medo
de suas percepções Caíque decide não desenvolver seus dons, o que faz ces-
sar as manifestações até sua vida adulta, quando em consequência de uma
missão e de um amor de outra vida, este volta atrás e decide aprimorar e de-
senvolver seus dons.
A doutrina espirita classifica o Médium de acordo com a natureza de su-
as manifestações, em uma analogia simples, o processo se assemelha a rotina
de um hospital que lista seus profissionais de acordo com suas especialidades
médicas; as principais espécies de mediunidade levantas por Allan Kardec em
seus estudos transcritos nas obras “O livro dos Médiuns” e “O livro dos Espíri-
tos” são os médiuns de efeitos físicos, os sensitivos ou impressionáveis, os
10
KARDEC, Allan – O Livro dos Mediuns. 1999. Federação Espírita Brasileira. Pág. 234
18
audientes, os videntes, os sonambúlicos, os curadores, os pneumatógrafos e
os escreventes ou psicógrafos.
Sob essa ótica, entendem-se como médiuns de efeitos físicos aqueles
aptos a produzir efeitos materiais tais como movimentar objetos, produzir ruí-
dos, nessa categoria enquadrava-se Anna Prado, a médium paraense falecida
em 1923, tem seus dons de materialização demonstrados na obra “O Trabalho
dos Mortos” publicado pela Federação Espírita Brasileira no ano de 1921.11
Os sensitivos ou impressionáveis, são aqueles aptos a perceber a pre-
sença de espíritos por impressões vagas onde a extremidade de seus corpos
parecem ser levemente tocadas por algo, todos os médiuns independente se
sua “classe” são sensitivos, haja vista que todos agem como um canal de co-
municação entre o desencarnado e o plano físico.
Quanto aos audientes e os videntes, a nomenclatura já induz ao enten-
dimento das duas faculdades, o audiente é o médium apto a ouvir a voz do es-
pírito comunicante, seja de forma intima na forma de “uma voz inteiror” ou na
forma externa e clara como em uma comunicação inter vivos, já o médium vi-
dente é aquele cuja faculdade consiste em ver os comunicantes, sendo alguns
capazes de exercê-la de maneira consciente e estando acordados, e outros em
estado sonambulídico.
Os médiuns sonambúlicos agem sob a influência do seu próprio espírito,
na doutrina espírita acredita-se que durante o sono o espírito encontra-se livre
para exercer suas atividades além do plano físico, entende-se que ao contrario
do corpo físico, o corpo espiritual não necessita do descanso, motivo pelo qual
se “desprende” da sua forma física durante o período do sono.12
Os curadores são os médiuns que tem o dom de, através do magnetis-
mo, curar pessoas através do toque, do olhar ou do gesto, sem o uso de medi-
cações. Nessa classe, o exemplo mais marcante é do Médium João de Deus,
brasileiro, morador de Luziânia em Goiás, famoso no Brasil e no Mundo por
realizar tratamentos e cirurgias espirituais.
11
Disponível em <http://www.autoresespiritasclassicos.com/Autores%20Espiritas%20Classicos%20%20Diversos/Mediuns/Ana%20Prado/Ana%20Prado.htm> , Acesso em 01/04/2014 12
Disponível em:< http://www.espirito.org.br/portal/artigos/elferr/atividade-noturna.html> Acesso em 01/04/2014
19
Os médiuns pneumatógrafos e psicógrafos, são aqueles cuja faculdade
está ligada a escrita, os primeiros são aptos a obter a escrita direta dos espíri-
tos, ou seja, o comunicante escreve de forma livre, sem o auxilio da mão do
médium, o segundo age como se emprestasse sua mão ao comunicante para
que este escreva e se comunique, o psicógrafos possuem ainda uma subdivi-
são entre mecânicos, intuitivos e semimecânicos, aqui temos como exemplo
mais conhecido o Médium brasileiro Chico Xavier, cuja a fama atingiu níveis
mundiais e deu origem a diversas obras filmográficas como “Nosso lar”, “Chico
Xavier” e “As mães de Chico Xavier”, Chico atendia em um pequeno centro
espírita em Uberaba onde psicografava desde cartas dirigidas a familiares a
poemas e textos de personalidades como Eça de Queiroz e Augusto dos Anjos
13.
1.4 CONCEITO E TIPOS DE PSICOGRAFIA
A psicografia é a faculdade mediúnica, pela qual os Espíritos se comuni-
cam através da escrita, tal comunicação é exercida pelos Médiuns Escreventes
ou Psicógrafos, que influenciados pelas entidades e passam a ser o canal, a
via de transporte utilizada por aqueles que buscam o contato com os encarna-
dos.
Allan Kardec, conceitua a psicografia como “Escrita dos Espíritos pela
mão do Médium”14, em interpretação geral e estrita do conceito a psicografia
pode ser entendida como o ato do Espírito de mover a mão do Médium inter-
mediário.
Assim como ocorre com a mediunidade no caráter geral, a psicografia
possui três classificações específicas das de acordo com a mecânica do pro-
cesso mediúnico.
Allan Kardec detalha no capítulo XIII do Livro dos Médiuns a psicografia
indireta obtida por médiuns escreventes pneumatógrafos, aqui o comunicante
transmite sua mensagem sem o auxilio direto do médium, ou seja, não há con-
tato direto entre o Médium e o espírito, não ocorre o tradicional processo em
13
TIMPONI, Miguel – A Psicografia Ante aos Tribunais, o caso Humberto de Campos.2010. Federação Espírita Brasileira. Pág. 433-441. 14
KARDEC, Allan - O livro dos Médiuns. 1999. Federação Espírita Brasileira. Pág. 335.
20
que o a mão do encarnado é “emprestada” ao espírito, este se comunica por
meio da formação de palavras, com a movimentação de objetos. O processo
da psicografia indireta se assemelha ao conhecido “Tabuleiro de Ouija”, comu-
mente retratado em obras literárias e filmográficas do gênero do terror, onde
em uma espécie de prancheta rodeada por letras e números grafados em suas
extremidades, o espírito movimenta de maneira independente e involuntária um
lápis formando palavras.
No mesmo capítulo Kardec explica a psicografia direta como sendo
aquela em que o comunicante necessita do auxilio direto do Médium para que
sua mensagem seja transmitida, o intermediário permite que o comunicante
tome controle de sua mão e escreva a sua mensagem.
O Médium escrevente que possui a faculdade da psicografia direta, pode
se encaixar em três sub classes, intuitivo, semi-mecânico ou mecânico, de
acordo com o grau e procedimento das manifestações.
O Psicógrafo Intuitivo, não deixa o seu corpo físico no momento em es-
creve, neste caso, o Espírito mensageiro atua sobre a alma do Médium e não
sobre a sua mão, o Mensageiro identifica-se com a energia do Médium e lhe
transmite suas idéias e vontade, o receptor as capta e, voluntariamente, escre-
ve o que lhe é “dito em pensamento”, logo o Médium, tem conhecimento ante-
cipado do que escreve, mas tal pensamento não é seu, age como um intérprete
que para transmitir o pensamento, precisa compreendê-lo, apropriar-se dele e
traduzi-lo.
Os semi-mecânicos, assim como os intuitivos, não abandonam o corpo
físico no momento da escrita, ocorre o Espírito age sobre a mão do receptor
que não perde o controle desta, apenas recebe um tipo de impulso, uma força
que a movimenta, o Médium tem a faculdade mecânica e a intuitiva, visto que
mantém o contato pelo pensamento e pelo movimento, pelo ato da escrita, ele
tem parcial conhecimento sobre o que escreve haja vista estar consciente e
recebendo intuições.
Os Médiuns Psicógrafos Mecânicos, o tipo mais complexo de mecanis-
mo mediúnico no campo da psicografia, aqui apesar de assim como os demais,
não abandonar o corpo físico, o Médium não tem controle de sua mão, tam-
pouco tem consciência do que escreve, neste caso o Espirito comunicante age
21
diretamente no cérebro do receptor, enviando impulsos nervosos para a mão
deste que em reação, movimente-se de maneira completamente involuntária.
Uma vez entendido o Médium como corpo intermediário e a psicografia
como um meio de contato e comunicação, a carta psicografada tem servido de
consolo aos familiares que sofrem com a saudade e com a dor de ter perdido
um ente querido.
22
CAPITULO 2: DAS PROVAS NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO
2.1 O DIREITO PROCESSUAL BRASILEIRO E SEUS PRINCÍPIOS BASILA-RES
Ao tratar de Princípios, específicos ou constitucionais, em qualquer ramo
do Direito, faz-se necessário primeiramente, entender a importâncias de tais no
ordenamento jurídico.
Em uma analogia simples, ao projetar e construir uma casa o engenheiro
precisa preparar o terreno e fazer base de sustentação, instalar as vigas que
nortearão a construção e a manterão em pé, assim também ocorre no Direito,
os princípios são o pilares que sustentam o melhor direito e que norteiam o
operador durante essa “construção”, assegurando a coerência na aplicação
das normas nas mais diversas áreas do direito.
Os princípios são normas com elevado grau de generalidade, passí-vel de envolver várias situações e resolver diversos problemas, no to-cante à aplicação de normas de alcance limitado ou estreito. Além do mais, parece-nos correta a denominação feita por Robert Alexy, men-cionando serem os princípios “normas que ordenam que algo seja re-alizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas.
15
Destarte, dentro do arcabouço principiológico que norteia o direito pro-
cessual penal, merece destaque aqui, quatro institutos que têm sido, por vezes,
asfixiados pela mão inquisitória do Estado acusador, quais sejam, a ampla de-
fesa e contraditório, a busca da verdade real, o livre convencimento motivado e
o in dúbio pro reo.
O principio da ampla defesa e do contraditório é garantido ao Réu pela
Contituição Federal de 1988, que em seu artigo 5º, inciso LV disserta “aos liti-
gantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes;” e se caracteriza, na prática, pelo ato de contradizer a suposta ver-
15
NUCCI, Guilherme de Souza- Princípios Constitucionais Penais e Processuais Penais. 2ªed.
rev.atual e ampl. São Paulo. Resvista dos Tribunais. 2012. Pág. 41.
23
dade levantada pelo acusador, a simples oportunidade de fala concedida ao
acusado, bem como a chance de reação dada ao Réu diante de afirmação
acusatória, caracterizam o exercício do contraditório.
O aludido princípio está intimamente ligado ao sistema processual acu-
satório, é o instituto basilar da defesa e atrelado ao direito de audiência, que
garante que o juiz deve conceder a oitiva a ambas as partes, respeitando a
premissa de que Ministério Público e Defesa, cuja funções foram divididas res-
pectivamente em acusar e defender, são órgãos que possuem como finalidade
principal o enfrentamento e o debate.
Defesa e contraditório estão indissoluvelmente ligados, porquanto é do contraditório (visto em seu primeiro momento, da informação) que brota o exercício da defesa; mas é esta – como poder correlato ao de ação – que garante o contraditório. A defesa, assim, garante o con-traditório, mas também por este se manifesta e é garantida. Eis a ín-tima relação e interação da defesa e do contraditório. 16
Tomando como base, ainda, o contraditório e a ampla defesa, pode-se
considerar tal principio, desde que visto como oportunizador dos debates, como
sendo a origem da busca pela verdade real, qual seja a intenção processual de
busca da realidade fática existente no mundo e não simplesmente nos autos.
O livre convencimento motivado está expressamente descrito no caput
do artigo 155 do Código de Processo Penal:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na in-vestigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e ante-cipadas. Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão ob-servadas as restrições estabelecidas na lei civil.
Tal princípio se caracteriza pelo direcionamento das provas ao julgador e
está intimamente ligado ao principio da verdade real, o livre convencimento
consiste basicamente numa garantia às partes, acerca da dilação probatória,
de modo em que seja admitida a utilização de todos os meios de prova em di-
16GRINOVER,Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Sacarance e GOMES FILHO, Antônio
Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. 2.ed. São Paulo, Malheiros, 1992.
24
reito permitidos, para que demonstração ao juiz da veracidade das versões do
fato a ele apresentadas.
Em resumo, o julgador pode apreciar livremente as provas que lhe são
entregues e deve fundamentar sua decisão nos elementos acostados ao pro-
cesso, portanto, sairá vencedor da causa, aquele que melhor demonstrar a
dinâmica dos fatos analisados.
Quanto ao princípio da verdade real, o direito penal brasileiro vem pas-
sando, atualmente, por momentos em que este tem sido suprimido e por vezes
até esquecido pela justiça que hoje se encontra submissa a pressão popular
inflamada pela mídia, cada vez mais sensacionalista. Como conseqüência con-
dena-se acusados ainda na primeira fase do inquérito policial, fazendo com que
julgamentos atinjam parâmetros de verdadeiros espetáculos televisivos exibi-
dos e comentados sem o menor pudor para o grande público.
A supressão de tal princípio e a influencia midiática, “mãe” dos “julga-
mentos-espetáculo”, fez surgir com mais freqüência nas discussões e debates
entre acusação e defesa as menções da Teoria do labelling approach ou Teoria
da Rotulação17, que se mostra no momento em que o indivíduo já entra na sala
de julgamento ostentando o status social de “condenado”, seja por já ter come-
tido infração penal anterior – “matou uma vez, com certeza matará de novo”-
seja por preconceito ou perseguição popular – “Ele é morador da favela? Então
é mesmo traficante”.
Ocorre que a justiça não pode ater-se ao mero “achismo” ou a mera “ro-
tulação” sob pena de infringir outro conhecido Princípio, o In dúbio pro reo. Este
princípio é fundamental para garantir uma condenação obrigatoriamente norte-
ada por provas inequívocas de autoria e materialidade, bem como para a ob-
tenção da verdade real dos fatos e desconstrução da suposição narrada na
peça acusatória.
Assim, para que seja alçado tal objetivo investigativo, devem os opera-
dores do Direito valer-se dos métodos admitidos pela Lei Processual.
HABEAS CORPUS. LATROCINIO, ROUBO TENTADO E CORRUP-ÇÃO DE MENOR. NEGATIVA DE OITIVA DE UMA TESTEMUNHA
17
Disponível em < http://jus.com.br/artigos/27160/a-midia-enquanto-elemento-confirmador-da-teoria-da-reacao-social-labelling-approach-e-do-movimento-de-lei-e-ordem> Acesso em 25/03/2014
25
DA DEFESA NÃO ARROALDA NO PRAZO CERTO. PRINCÍPIO DA BUSCA DA VERDADE REAL. CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM. 1 Paciente denunciado por infringir os artigos 157, § 3º, parte final, e 157, § 2º, incisos I e II, combinado com 14, inciso II, do Código Penal, mais o artigo 244-B da Lei 8.069/90, por causar a morte de uma das vítimas durante assalto praticado junto com adolescente que disparou o tiro letal. 2 Deve-se assegurar tanto quanto possível o contraditório, a am-pla defesa e a busca da verdade, ouvindo-se testemunha da de-fesa arrolada tardiamente, quando não era conhecida no momen-to da defesa prévia e cuja oitiva seja relevante para o deslinde de causas complexas, quando ainda esteja em curso a instrução processual, não trazendo a diligência nenhum transtorno à regu-lar tramitação do processo. 3 Ordem parcialmente concedida. (Acórdão n.825111, 20140020232406HBC, Relator: GEORGE LO-PES LEITE, 1ª Turma Criminal, Data de Julgamento: 09/10/2014, Pu-blicado no DJE: 15/10/2014. Pág.: 217) (NEGRITO NOSSO)
2.2 CONCEITO E OBJETO DAS PROVAS
Superada a análise principiológica do Direito Processual como um todo,
passa-se às considerações específicas de um caso concreto, dentre as quais a
produção de provas, regulada pelo artigo 155 e seguintes do Código de Pro-
cesso Penal.
Antes que se possa de fato adentrar ao mérito acerca da utilização da
carta psicografada como prova jurídica, necessário é pincelar sobre os concei-
tos e tipos de provas abarcadas pelo ordenamento processual pátrio, que por
vezes tem excluído a psicografia do acervo probatório, ao argumento de que
por tratar-se de depoimento pós-mortem deve ser considerada prova ilícita.
Guilherme de Souza Nucci, explica em seu Manual de processo penal e
execução penal, página 379, que existem três sentidos a serem interpretados
para que se entenda o que é prova, o ato de provar, o meio pelos qual se de-
monstra a verdade de algo e o resultado da ação de provar.
“a) ato de provar: é o processo pelo qual se verifica a exatidão ou verdade do fato alegado pela parte no processo; b) meio: é o instru-mento pelo qual se demonstra a verdade de algo; c) resultado da ação de provar: é o produto extraído da análise dos instrumentos de prova oferecidos, demonstrando uma verdade daquele fato.”
26
Em continuidade a este entendimento, Marcellus Polastri Lima, concei-
tua prova como “todo elemento ou meio destinado ao convencimento do juiz,
sobre o que se procura demonstrar em determinado processo.”18
Nesse sentido, as provas possuem como objeto principal o fato a ser
demonstrado ao juiz para que sobre ele seja formado um juízo de valor, o mo-
mento processual para a produção de provas recebe o nome de dilação proba-
tória, que consiste no prazo concedido as partes para que produzam e apre-
sentem os elementos enumerados na inicial e na contestação, onde o litigante
deve apresentar os meios que julga serem fundamentais para a demonstração
da sua verdade.
A prova tem uma destinação essencial: formar o convencimento do julgador, através do que se busca e se estrutura a justiça. Nesse afã, nosso ordenamento processual repele todas as teorias ou formas de apreciação da prova ou da formação de convencimento, que possam inibir ou manietar o julgador, preferindo dar-lhe liberdade para edificar a sua convicção.
19
2.3 TIPOS E CLASSIFICAÇÕES DE PROVA
O processo penal dentro da complexidade do judiciário busca fazer uma
reconstrução aproximativa de um fato passado, para isso faz-se presente a
dilação probatória, onde sumariamente são apresentados ao julgador e junta-
dos aos autos os elementos lícitos, quais sejam provas produzidas em adequa-
ção com ordenamento jurídico como um todo ao passo em que se descartam
do processo as chamadas provas ilícitas, produzidas com a violação de norma
de direito constitucional e/ou material.
A divisão das provas quanto a sua licitude, artigo 157 CPP, de certa for-
ma, afronta a idéia do livre convencimento motivado, não por restringir a ativi-
dade do julgador, mas por intervir no trabalho de defesa e limita a atuação do
advogado que, por vezes, se prende em teses mirabolantes ou mal amarradas,
em virtude de ter sido considerada ilícita uma determinada prova juntada ao
processo.
Nesse cenário, tem-se que é exatamente no momento de julgar a ad-
missibilidade da prova levantada que se percebe a aplicação do sistema acusa-
18
LIMA, Marcellus Polastri. A Prova Penal. 2ªed. Revista e ampliada. Lumen Juris. São Paulo. 2003. Pág. 21 19
MESSIAS, Irajá Pereira. Da Prova Penal. 2ª Ed. Bookseller. Campinas/SP. 2001. Pág. 42
27
tório, que busca a verdade real e é garantido pela CF/88 ou do sistema inquisi-
tório, admirador da condenação e da ausência de defesa eficaz para o Réu e
dominante no ordenamento penal vigente, cuja data é de 1944.
Vale salientar que a própria jurisprudência, visando adaptar o Código in-
quisitório de 1944 a Constituição acusatória de 1988, tem admitido exceções
tangíveis a aceitação da prova ilícita no Processo Penal, declarando a ausência
de ilicitude quando esta é utilizada pro reo.
EMENTA: CONSTITUCIONAL. PENAL. GRAVAÇÃO DE CONVERSA FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES: LICITUDE. PREQUES-TIONAMENTO. Súmula 282-STF. PROVA: REEXAME EM RECUR-SO EXTRAORDINÁRIO: IMPOSSIBILIDADE. Súmula 279-STF. I. - gravação de conversa entre dois interlocuto-res, feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a fina-lidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício de defe-sa. II. - Existência, nos autos, de provas outras não obtidas mediante gravação de conversa ou quebra de sigilo bancário. III. - A questão relativa às provas ilícitas por derivação "the fruits of the poisonous tree" não foi objeto de debate e decisão, assim não prequestionada. Incidência da Súmula 282-STF. IV. - A apreciação do RE, no caso, não prescindiria do reexame do conjunto fático-probatório, o que não é possível em recurso extraordinário. Súmula 279-STF. V. - Agravo não provido" (AI 50.367-PR, 2ª. Turma. Rel. Min. Carlos Velloso. J. 01/02/05. DJ 04/03/05.). (GRIFO NOSSO)
Contrário a divisão/classificação probatória discricionária, Malatesta en-
sina que a real classificação das provas, não deve restringir-se a sua admissibi-
lidade ou ilicitude, tampouco ampliar-se em conceitos doutrinários múltiplos,
para ele, a prova no processo penal deve ser divida quanto a sua forma, citan-
do a sua divisão em indícios, testemunhos, documentos e confissão.20
A partir da segunda parte da obra A Lógica das Provas em Matéria Cri-
minal, o mencionado autor acentua que a prova a ser classificada, deve ser
considerada sob três aspectos, quais sejam (i) quanto ao objeto analisando a
que a prova apresentada se refere, subdividindo-se em prova direta ou indireta,
(ii) quanto ao sujeito, observando como a prova surge e de onde ela emana,
sendo divida em prova pessoal e prova real e (iii) quanto a forma, onde a análi-
20
MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A Lógica das Provas em Matéria Criminal. 3ªed. Bo-
okseller. 2004. Pág. 116.
28
se é feita com base na maneira em que a prova se apresenta, nessa seara as
subdivisões são prova testemunhal, prova documental e prova material.
Ainda com foco nos estudos de Malatesta, tem-se que provas diretas
são aquelas que demonstram a existência do fato narrado nos autos, aquelas
cujo objeto é o que se pretende demonstrar no processo, a origem da inicial
acusatória, nesta classificação se encontram, por exemplo, as testemunhas
oculares do fato criminoso. Por outro lado, a prova indireta é aquela prova ba-
seada em instintos, é a prova indicial, fruto de suposições e baseada no racio-
cínio lógico dedutivo.
A prova real é aquela consistente no externo, que independe das rea-
ções ou sentimentos dos envolvidos na conduta a ser analisada, é caracteriza-
da pelo local dos fatos, pelo cadáver e pela arma do crime, noutro giro, a prova
pessoal é aquela que se origina do ser humano de fato, tal como o depoimento,
que consiste na revelação consciente do envolvido ou da testemunha.
Sob o véu da classificação quanto a forma em que a prova é apresenta-
da, encontra-se a priori a prova testemunhal, que é colhida em juízo e se apre-
senta na forma de relato, no depoimento daqueles que conhecem o fato em
análise, no mesmo grupo tem-se a prova documental, que se caracteriza pela
juntada aos autos de documentos que demonstrem a existência da conduta,
salienta-se que documento não é apenas o escrito, mas toda e qualquer coisa
que transmita diretamente o registro físico de um fato, tais como fotografia,
gravações de vídeo ou áudio entre outros21; por fim tem-se a prova material
caracterizada pela objetividade da prova, o instrumento do delito, nesse meio
encaixam-se principalmente as provas periciais.
Da análise destes conceitos, é possível compreender que, ao contrario
dos dizeres bradados por aqueles que se opõem a carta psicografada e seu
uso no direito, esta não apresenta as características da prova ilícita, pois não é
produzida em desacordo com direitos constitucionais ou materiais, pelo contrá-
rio, a transcrição da comunicação alçada entre o espírito e o Médium, em uma
análise conceitual cética, é prova documental, lícita, cujo o óbice de sua junta-
da carece de fundamentação idônea do julgador.
21
LOPES, João Batista e MORAIS, Paulo Heber. Da Prova Penal. Campinas-SP. Copola.1994.
Pág. 121.
29
CAPITULO 3: A PSICOGRAFIA COMO PROVA JURIDICA
3.1 A PSICOGRAFIA NOS TRIBUNAIS
Em 1944, ocorreu o primeiro caso em que a psicografia foi questionada
nos Tribunais brasileiros, no livro “A Psicografia ante os Tribunais” o advogado
Miguel Timponi, detalha a defesa elaborada no intitulado “Caso Humberto de
Campos”, onde a viúva do famoso poeta, falecido em 1934, buscou a justiça
em uma ação declaratória contra a Federação Espírita Brasileira e o Médium
Chico Xavier, objetivando a análise profunda das cartas e poemas psicografa-
dos pelo médium com a assinatura do escritor que eram vendidos livremente.
Com a ação, a autora buscava a condenação de Chico Xavier e da Fe-
deração Espirita ao pagamento de indenização por infringir os direitos autorais
do autor que eram restritos à sua família e a apreensão de todos os exempla-
res disponíveis, caso fosse comprovada a veracidade dos escritos e a existên-
cia de vida após a morte, e subsidiariamente pugnava pela condenação dos
mesmos réus por charlatanismo.
In casu, a justiça posicionou-se de forma neutra, demonstrando a falta
de interesse de agir da parte autora que fez uso da ação declaratória, não co-
mo meio de esclarecer relações jurídicas, mas visando a declaração de fatos –
a vida a pós a morte e a veracidade das cartas – que poderiam vir a ocasionar
relações jurídicas – os direitos autorais.
Em seu dispositivo, cujo trechos foram transcritos abaixo, o juiz da causa
Dr. João Frederico Mourão Russel, pontuou que não cabia aos tribunais, tam-
pouco aos operadores do direito, a afirmação indubitável da existência ou não
da vida após a morte, ressaltando que no tangível aos direitos autorais, a exis-
tência da pessoa natural cessa com a morte, logo sua capacidade de adquirir
direitos para ela e para os seus sucessores é inexistente após o falecimento,
sendo a propriedade intelectual composta apenas pelas obras escritas pelo de
cujus em vida.
“Ora, nos termos do artigo 10 do Código Civil ‘ a existência da pessoa natural termina com a morte’,; por conseguinte, com a, com a morte se extinguem todos os direitos, e, bem assim, a capacidade jurídica de os adquirir. No nosso direito é absoluto o alcance da máxima mors omina solvit. Assim , o grande escritor Humberto de Campos , depois de sua
30
morte, não poderia ter adquirido direito de espécie alguma e consequen-temente, nenhum direito autoral não poderá da pessoa dele ser transmi-tido para seus herdeiros e sucessores. (...) Do exposto se conclui que, no caso vertente, não há nenhum interesse legítimo que dê luar à ação proposta. Além disso, a ora intentada (ação declaratória) não tem por fim a simples declaração de existência ou ine-xistência de uma relação jurídica, nos termos do § único do artigo 2º do Código de Processo, e sim a declaração de existência ou não de um fato (se são ou não do ‘espirito’ de Humberto de Campos as obras referidas na inicial), do qual hipoteticamente, caso ocorra ou não, possam resultar relações jurídicas que a suplicante enuncia de modo alternativo. Assim formulada, a inicial não constitui mera consulta, não contém nenhum pe-dido positivo, certo e determinado, sobre o qual a Justiça deva se mani-festar. O poder Judiciário não é órgão de consulta. Para que se provoque a sua jurisdição, o litigante, mesmo na ação declaratória, há de afirmar um fato que se propõe provar e pedir o Juiz que declare a relação jurídi-ca que desse fato se origina.”
22
A decisão foi causa do Agravo de Petição nº 7.361, tendo o acórdão sido
publicado pela quarta câmara do Tribunal de Apelação Distrito Federal, man-
tendo na integra do despacho saneador.23.
Na esfera do direito criminal, em meados de 1976 na cidade de Hidro-
lândia – Goiás, ocorreu, com o caso Henrique Emanuel Gregóris, o princípio da
fusão entre a espiritualidade e o direito brasileiro, um pequeno sinal do que
mais tarde se tornaria fruto de discussões e trabalhos acadêmicos como o pre-
sente.
O mencionado caso se deu em 10 de fevereiro de 1976, quando o réu
João Batista França, organizou acompanhado de amigos, uma sessão de role-
ta- russa, que teve como consequência a morte de Henrique Emanuel. Meses
depois caso foi jugado pelo tribunal do júri local, tendo o réu sido absolvido da
acusação de assassinato, inconformada com a sentença a família de Henrique
interpôs recurso de apelação em Instância Superior.
Durante o processamento do recurso, porém, o médium Chico Xavier re-
cebeu uma carta da vítima pedindo que sua mãe “perdoasse o amigo”24. De
posse da carta Dona Augustinha, como era conhecida a mãe de Henrique
22
TIMPONI, Miguel A Psicografia ante aso Tribunais o O Caso Humberto de Campos. 7 ed.Rio
de Janeiro.FEB.2010.Págs. 249-252 23
TIMPONI, Miguel A Psicografia ante aso Tribunais o O Caso Humberto de Campos. 7 ed.Rio
de Janeiro.FEB.2010.Págs. 294-305 24
XAVIER, Francisco Cândido – Amor & Luz, pelo espírito de Emmanuel. São Paulo. Ideal,
1977. Págs. 31-33.
31
Emanuel, atendeu com presteza à solicitação do filho, exigindo de seu advoga-
do que encerrasse o processo.
O caso Henrique Emanuel Gregóris foi documentado pelo próprio Chico
Xavier nas obras “Amor & Luz” e “Enxugando Lágrimas”, onde foram reunidas
diversas histórias vividas pelo Médium consolador, a história foi também uma
das retratadas no filme “As Mães de Chico Xavier”, lançado em 2011, como
parte das homenagens em comemoração pelo centenário do médium.
Em que pesem as citações anteriores, foi com o Caso Maurício Garcez,
que psicografia foi pela primeira vez utilizada como peça probatória de um pro-
cesso, documentado pelo médium no livro “Lealdade” ditado pelo espírito do
próprio Maurício e retratado em dois dos principais filmes baseados na vida e
obra de Chico – “Chico Xavier” e ” As mães de Chico Xavier” – o caso Maurício
Garcez pode ser considerado como o marco zero da discussão acerca do uso
da psicografia como prova jurídica.
No dia 8 de maio de 1976, em Goiânia, Goiás, Maurício Garcez Henri-
que estava na casa de seu amigo José Divino Nunes, quando foi atingido no
tórax por um tiro disparado pelo amigo, durante toda a instrução processual
José Divino negou que tivesse a intenção de acertar amigo, em seu depoimen-
to25, o acusado narrou que a morte de Maurício originou-se de um acidente,
uma fatalidade, uma vez que ambos acreditavam que a arma estava descarre-
gada. Confira-se:
“(...) no dia que se deu o fato, ambos estavam no quartinho de des-pensa que fica nexo à cozinha, e após 25 minutos deu vontade de fumar na vítima, sendo que ele pediu ao declarante que desse um ci-garro e que por motivo do mesmo não tê-lo, a vítima foi até onde es-tava a pasta do pai do declarante para tirar cigarro. Pois os mesmos estavam acostumados a pegar cigarros naquele objeto, mas não en-contrando-os a vítima pegou o revólver que o pai do declarante sem-pre guardava na pasta, quando não a usava em seu serviço de Oficial de Justiça. Em seguida, na presença do declarante, a vítima manejou o revólver de maneira que o seu tambor caiu para a esquerda, ha-vendo a queda dos cartuchos dentro da pasta. Pensando que a arma se encontrava vazia, a vítima puxou o gatilho em direção do declaran-te por duas vezes. Neste momento, o declarante disse à vítima que seu pai não gostava que mexesse nas coisas dele e que lhe entre-gasse a arma, sendo que o declarante tomou a mesma da mão dele. Em seguida, a vítima saiu para a cozinha para buscar cigarros, que fica à esquerda do local onde estavam. No quartinho existe um espe-lho grande _ do guarda-roupa, que fica ao lado da porta que dá para
25
XAVIER, Francisco Cândido – Lealdade , pelo espírito de Maurício Garcez Henrique. São Paulo. Ideal. Pág. 4
32
a cozinha _ e o declarante olhava para ele, brincando com aquela arma, e quando sintonizava uma estação no aparelho de rádio, colo-cado sobre o guarda roupa, puxou o gatilho no exato momento em que a vítima, vinda da cozinha, entrava pela porta. A arma detonou, indo o projétil atingir a vítima, que gritou, sendo socorrida pela mãe do declarante, juntamente com ele, e a seguir levada, de táxi, ao Hospital mais próximo.”
Foi realizada a perícia técnica e a reconstituição dos fatos, tendo os peri-
tos atestado que a versão descrita por José Divino podia ser real uma vez que
inexistiam contradições entre suas palavras e as prova técnicas colhidas.
Durante o curso do processo, o médium Chico Xavier psicografou uma
carta26 assinada por Maurício Garcez Henrique, em seu centro espírita locali-
zado em Uberaba no estado de Minas Gerais, no relato a vítima corroborava as
palavras do amigo afirmando que sua morte foi mera fatalidade, consequência
de uma brincadeira.
A carta psicografada foi entregue a família de Maurício e juntada ao pro-
cesso, foi realizado teste grafotécnico para comprovar a veracidade da assina-
tura, sendo o escrito da carta psicografada comparado ao da identidade do de-
sencarnado, os peritos concluíram que as duas assinaturas foram feitas pela
mesma pessoa.
O processo então foi encaminhado para a 2ª Vara Criminal de Goiânia
sendo distribuido ao juiz Orimar Bastos, que além de aceitar a juntada da prova
psicografada, absolveu o Réu José Divino Nunes da conduta que lhe era impu-
tada. Na sentença o Magistrado fez clara menção ao documento juntado que
corroborou a versão apresentada pelo réu. Confira-se o trecho:
“Temos que dar credibilidade à mensagem de fls. 170 , embora na esfera jurídica ainda não mereceu nada igual, em que a própria víti-ma, após a sua morte, vem relatar e fornecer dados ao julgador para sentenciar. Na mensagem psicografada por Francisco Cândido Xavier, a vitima relata o fato e isenta de culpa o acusado. Fala da brincadeira com re-vólver e o disparo da arma . Coaduna este relato, com as declarações prestadas pelo acusado, quando de seu interrogatório, às fls. 100/vs.”
27
26
XAVIER, Francisco Cândido – Leldade; pelo espírito de Maurício Garcez Henrique. São Pau-lo. IDEAL. Pág. 6 27
JUNIOR, Akira Ninomia – A Psicografia como prova subsidiária no Processo Penal. Goiania.
Vieira. 2010. Pág. 41.
33
O caso Maurício Garcez ganhou repercussão nacional e foi o primeiro
caso, no Brasil, em que a psicografia foi aceita como meio de prova no proces-
so penal.
3.2 OPINIÕES FAVORÁVEIS AO USO DA PSICOGRAFIA COMO PROVA JUDICIAL
Em que pese a repercussão gerada pelo caso Maurício Garcez, foi ape-
nas no ano de 2006 que a discussão acerca da utilização desse meio de prova
ganhou destaque no meio jurídico com caso do assassinato do Tabelião Ercy
da Silva Cardoso no Rio Grande do Sul, com a absolvição da ré Iara Marques
Barcelos da acusação de homicídio depois que seu advogado leu diante do
plenário do Tribunal do Júri duas cartas psicografadas assinadas pela vítima
que a inocentavam da acusação.
Motivados pelo caso gaúcho, alguns juristas decidiram se posicionar so-
bre o assunto, em uma entrevista concedida à Folha Online, Dr. Nereu Lima,
advogado e ex- presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional do
Rio Grande do Sul, esclarece acerca da licitude da prova apresenta, narrando
que no processo penal somente não e válida aquela prova ilícita ou produzida
de maneira ilícita o que não é caso da carta psicografada.
qualquer prova lícita ou obtida por meios lícitos é válida. Só não é vá-lida a ilícita ou obtida de forma ilícita, como a violação de sigilo telefô-nico. Quanto à idoneidade da prova, ela será sopesada segundo a valoração feita por quem for julgar. Ela não é analisada isoladamente, mas em um conjunto de informações. Os jurados decidem de acordo com sua consciência.
28
No mesmo sentido, o advogado criminalista e ex- presidente da Ordem
dos Advogados do Brasil. Seccional de Goiás dissertou em seu artigo Psicogra-
fia como prova judicial, publicado pela revista Consulex, que a análise do tema
deve ser realizada de maneira unicamente jurídica, desmembrada da religião.
Ao abordar a “Psicografia como Prova Judicial”, o assunto não pode, nem deve, ser enfocado quanto ao ângulo religioso, mas apenas juri-dicamente.
28
Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u122179.shtml> Acesso em
01/05/2015
34
Analisando unicamente sob o aspecto jurídico é que concluímos ser perfeitamente possível a psicografia como prova n direito processual penal brasileiro. (...) Quando surgiram os primeiros casos de psicografia, levados ao judi-ciário eles foram tratados como verdadeiros “absurdos jurídicos”. Atu-almente é “tema polemico”. Todavia, ainda virá o tempo em que a psicografia será legalmente admitida como prova judicial.
29
Nesse contexto tem-se que a utilização da carta psicografada como pro-
va judicial é viável sob a ótica de sua licitude e de uma análise restrita aos coe-
ficientes jurídicos, desvinculada dos dogmas religiosos.
3.3 OPINIÕES CONTRÁRIAS AO USO DA PSICOGRAFIA COMO PROVA JUDICIAL: PROJETO DE LEI 1705/2007
Muito embora os pareceres favoráveis ao uso da carta psicografada no
meio jurídico sejam de considerável peso para o debate acerca do futuro do
direito, questões contrárias a essa ideia também foram levantadas.
Em entrevista concedida à Folha Online, em matéria intitulada “Carta
Psicografada ajuda a inocentar ré por homicídio no RS”, Antônio Dionísio Lo-
pes, especialista em direito criminal, se posiciona de maneira objetiva contra o
uso da carta psicografada como prova judicial, classifica a psicografia como
fantasia e ressalta que tal meio só encontra guarida no “Tribunal Popular” visto
que os jurados não se limitam as provas produzidas para julgar um acusado.
Confira-se:
O processo crime é uma coisa séria, é regido por uma ciência, que é o direito penal. Quando se fala em prova judicializada, o resto é fan-tasia, mística, alquimia. Os critérios têm de ser rígidos para a busca da prova e da verdade real. O Tribunal do Júri se presta a essas coisas fantásticas. O jurado pode julgar segundo sua convicção íntima, eles não têm obrigação de jul-gar de acordo com a prova. A carta só foi juntada aos autos porque
era um tribunal popular. Isso é o mesmo que documento apócrifo.30
29
GARCIA, Ismar Estulano. Psicografia como prova judicial. Revista Consulex. Brasília. Ano
10. V.10, n 229, 31 de julho de 2006, págs. 24-35 30
Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u122179.shtml>Acesso em
02/05/2015
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No dia 07 de agosto de 200731, foi apresentado na Câmara Legislativa
Federal, pelo então deputado Rodovalho, membro da chamada “bancada
evangélica”, o projeto de Lei nº 1705, que tinha como foco principal a alteração
do caput do artigo 232 do Código de Processo Penal, que versa sobre a prova
documental.
Art.232. Consideram-se documentos quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares. Parágrafo único. À fotografia do documento, devidamente autentica-da, se dará o mesmo valor do original.
Com a aprovação do Projeto de Lei, o supramencionado artigo passaria
a ter a seguinte redação “Consideram-se documentos quaisquer escritos, ins-
trumentos ou papéis, públicos ou particulares, exceto os resultantes de psico-
grafia.”32.
Ao apresentar o PL1705, o deputado Rodovalho apresentou justificação
mostrando que o objetivo do projeto era o de “desconstituir de valor probatório
o texto psicografado no âmbito do processo penal” ao argumento de que “acei-
tar como prova um documento ditado ou sugerido por algum espírito desencar-
nado implicaria resolver uma questão de fé, diferenciando-se, pois, da análise
de um dado concreto e passível de contestação.”.
O projeto recebeu o apoio do então deputado Leucimar Fraga, que foi
nomeado relator e apresentou à Comissão de Constituição e Justiça e Cidada-
nia posicionando-se pela constitucionalidade do feito e pela aprovação da ma-
téria, uma vez sob a análise da CCJD, o deputado federal eleito por São Paulo,
Régis Fernando de Oliveira, apresentou posição contrária a do relator, funda-
mentando que o projeto não deveria ser aprovado no mérito visto que o Brasil é
um país laico e deve manter-se imune a qualquer norma de cunho religioso, o
deputado ainda argumentava que a vedação do uso da carta psicografada co-
mo prova judicial significaria a interferência da religião no Poder Legislativo, o
que tornava inviável o projeto.
31
Disponível em <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=361526> Acesso em 01/05/2015 32
Disponível em <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=5493113D49E82D76B737657CF7861690.proposicoesWeb1?codteor=488628&filename=Tramitacao-PL+1705/2007> Acesso em 01/05/2015
36
O PL 1705/2007 foi arquivado em janeiro de 201, com fundamentação
no artigo 105 do Regimento Interno do órgão, em razão do final da 53ª legisla-
tura da câmara que prosperou entre os nos de 2008 e 2011.33
A matéria ainda está aberto e seria de grande relevância para o orde-
namento jurídico brasileiro que ela fosse de fato debatida de maneira técnica e
independente de dogmas religiosos, o Projeto de Lei 1705/2007 apesar de ter
se originado na chamada “Bancada Evangélica” e ter sido, ainda que inicial-
mente, movido pelo calor das rivalidades religiosas, causa uma incomoda refle-
xão acerca das lacunas presentes no regramento nacional quanto a produção
de provas, seus limites e o respeito aos princípios dos direitos constitucional e
processual.
33
Disponível em <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD01FEV2011SUP.pdf#page=3> acesso em 02/05/2015
37
CONCLUSÃO
Muito embora o primeiro caso em que psicografia foi juntada aos autos
de um processo com meio prova tenha ocorrido no ano de 1976, em Goiânia,
foi somente em 2006 após o julgamento do caso da morte do tabelião Ercy da
Silva Cardoso, que o assunto voltou a ganhar destaque no meio jurídico e re-
iniciou as discussões acerca do tema.
O objetivo principal desse trabalho não foi pacificar uma posição ou im-
por uma conclusão taxativa sobre a melhor decisão a ser tomada pelo julgador
que recebe como meio de prova um documento psicografado, mas sim discutir
a possibilidade do uso de documentos do tipo no momento da dilação probató-
ria.
Com a exposição dos casos Humberto de Campos, Maurício Gracez e
Ercy Cardoso, bem como pela apresentação dos conceitos e tipos de provas
em direito admitidos, ficou claro o alcance do objetivo geral do trabalho, restou
demonstrado que sim, é possível a utilização da carta psicografada como prova
jurídica, uma vez que esta se mostra lícita e cabível na definição de prova do-
cumental descrita no artigo 232 do Código de Processo Penal.
A grande problemática aqui levantada e ainda carente de uma solução
definitiva, diz respeito a análise da prova psicografada apenas como instrumen-
to probatório e não como parte de um ritual ou fruto de uma crença, o julgador
deve analisar um processo de maneira técnica e imparcial, não devendo se
deixar levar por suas opiniões ou crenças individuais, o que raramente ocorre
nos dias atuais.
Nos dias de hoje, a sociedade se orgulha da laicidade do Estado brasi-
leiro ao mesmo tempo em que justifica seus preconceitos nos ensinamentos de
Cristo, tem-se Plenários com crucifixos pendurados nas paredes, advogados e
promotores que evocam o nome de Deus para tocar os membros do conselho
de sentença e enfatizar a inocência ou a culpa de um réu, o tribunal é laico pa-
ra aceitar um versículo bíblico lido em audiência ou escrito em um processo,
também é laico para acolher o advogado que clama por parábolas durante um
julgamento, mas não mostra semelhante aceitação e respeito ao estado laico
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para aceitar uma carta psicografada juntada ao processo ou lida em diante do
conselho de sentença.
A questão da aceitação ou não da carta psicografada como meio de pro-
va, ainda está longe de uma decisão pacífica, entretanto conforme ficou de-
monstrado nos tópicos superados durante o desenvolvimento deste trabalho,
tal instrumento probatório não encontra qualquer vedação no ordenamento que
o impeça de ser aceito, tal prova não guarda elo com os preceitos da prova
ilícita e é agasalhada pelo conceito de prova documental resguardado na legis-
lação processual vigente.
A pergunta que se deixa com a conclusão da pesquisa é Por que não?,
Qual a fundamentação idônea capaz de justificar a não aceitação de um docu-
mento lícito no curso de um processo?
O dia em que forem encontradas as respostas destes questionamentos
sem qualquer vínculo religioso ou estritamente pessoal, será possível, enfim,
considerar tal discussão como encerrada, até lá se propõe uma reflexão sobre
o momento vivido pelo direito e a necessidade de evolução que é constante-
mente pedida por essa ciência jurídica.
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