prazer e sofrimento psÍquico no trabalho de · mas em especial, quero agradecer... a deus e aos...

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MÁRCIA REGINA DE OLIVEIRA COSTA PRAZER E SOFRIMENTO PSÍQUICO NO TRABALHO DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO EM AGÊNCIAS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para obtenção do grau de Mestre em Saúde Coletiva. Orientador: MÔNICA LOUREIRO DOS SANTOS RIO DE JANEIRO 2007

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MÁRCIA REGINA DE OLIVEIRA COSTA

PRAZER E SOFRIMENTO PSÍQUICO NO TRABALHO DE

ATENDIMENTO AO PÚBLICO EM AGÊNCIAS DA PREVIDÊNCIA

SOCIAL NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva

do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, como

parte dos requisitos necessários para obtenção do

grau de Mestre em Saúde Coletiva.

Orientador: MÔNICA LOUREIRO DOS SANTOS

RIO DE JANEIRO

2007

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MÁRCIA REGINA DE OLIVEIRA COSTA

PRAZER E SOFRIMENTO PSÍQUICO NO TRABALHO DE

ATENDIMENTO AO PÚBLICO EM AGÊNCIAS DA PREVIDÊNCIA

SOCIAL NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva do

Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como

parte dos requisitos necessários para obtenção do grau de Mestre em Saúde Coletiva.

Rio de Janeiro, 29 de março de 2007.

_________________________________________________________

Profa. Mônica Loureiro dos Santos, DSc, UFRJ

_________________________________________________________

Profa. Marisa Palácios da Cunha e Melo de Almeida Rego, DSc, UFRJ

_________________________________________________________

Profa. Kátia Regina de Barros Sanches, DSc, UFRJ

_________________________________________________________

Profa. Cláudia Osório da Silva, DSc, UFF

3

AGRADECIMENTOS

São muitos... Esta experiência foi compartilhada com muitos outros corações!

Mas em especial, quero agradecer...

A Deus e aos meus queridos pais, Antônio e Irene, pelo dom da vida, bênçãos e

presença marcante em todos os momentos;

Ao meu marido Ricardo, pelo estímulo e paciência sempre presentes;

À Dra. Liêda Souza, pela confiança, incentivo e apoio institucional;

À Profa. Mônica Loureiro, minha orientadora, pela perseverança e entusiasmo

em compartilhar desta experiência;

À Profa. Marisa Palácios, pelo acolhimento e preciosas discussões em sala de

aula;

Aos funcionários do INSS que possibilitaram a realização desta pesquisa,

particularmente, àqueles que se disponibilizaram a falar de suas “dores e

delícias” vivenciadas no dia-a-dia do trabalho.

4

“Creio que nada de grande no mundo se conseguiu sem fé,

sem uma enorme confiança de que as coisas podem dar

certo e de que o sentido do Universo e da vida não é um

absurdo, mas uma irradiação grandiosa de luz e de

sentido!”

Leonardo Boff

RESUMO

5

COSTA, Márcia Regina Oliveira de. PRAZER E SOFRIMENTO PSÍQUICO NO TRABALHO DE

ATENDIMENTO AO PÚBLICO EM AGÊNCIAS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO . Rio de Janeiro, 2007. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) – Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007.

O estudo discute algumas relações entre o trabalho na atividade de atendimento ao público em Agências da Previdência Social na cidade do Rio de Janeiro e as vivências de prazer e sofrimento psíquico entre os trabalhadores que a realizam. Pretendeu conhecer o processo de trabalho em que está inserida a atividade de atendimento ao público em duas Agências da Previdência Social na cidade do Rio de Janeiro e as repercussões da organização do trabalho na saúde dos trabalhadores, especialmente no tocante às vivências de prazer e sofrimento, além de compreender a dinâmicas das relações sociais no contexto de trabalho pesquisado e a importância do reconhecimento profissional e social para vivências de prazer e sofrimento entre aqueles trabalhadores. O referencial teórico adotado para o estudo foi a Psicodinâmica do Trabalho, enfatizando alguns dos seus principais conceitos e formulações, especialmente aqueles mais diretamente relacionados ao objeto de estudo. A pesquisa consistiu em estudo descritivo de caráter exploratório, com método qualitativo e técnicas de abordagem envolvendo questionário, entrevista e observação. A participação dos trabalhadores na pesquisa foi voluntária, totalizando 24 sujeitos. Os resultados apontaram vivências de prazer associadas ao conteúdo significativo do trabalho, à subjetividade contida na atividade de atendimento ao público e à existência de atitudes de cooperação no coletivo de trabalho. As vivências de sofrimento aparecem associadas à falta de valorização e de reconhecimento social e profissional, bem como às questões da organização do trabalho, onde os aspectos institucionais, a divisão de tarefas, o modelo hierárquico, as dificuldades com o trabalho prescrito e a ausência de participação nas decisões constituem elementos que favorecem sofrimento psíquico. Considera-se, portanto, que as condições organizacionais e a ausência de reconhecimento profissional e social contribuem para as vivências de sofrimento psíquico entre os sujeitos, enquanto as vivências de prazer estão significativamente associadas ao componente humano e solidário que a atividade de atendimento ao público lhes proporciona.

6

ABSTRACT

COSTA, Márcia Regina Oliveira de. PLEASURE AND PSYCHIC SUFFERING EXPERIENCES ON

PUBLIC ATTENDANCE WORK IN SOCIAL WELFARE AGENCIES, IN RIO DE JANEIRO CITY . Rio de Janeiro, 2007. Dissertation. Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro. This study discusses some relationships between work in public attendance activity in Social Welfare Agencies, in Rio de Janeiro city, and pleasure and psychic suffering experiences among workers who carry through it. The objectives of this study were to know the work process in this activity in two Agencies and the work organization consequences over workers’ health, especially in regards to the pleasure and suffering experiences. The study also intended to understand social relations among these workers and the importance of professional and social recognition for their pleasure and suffering experiences. It was adopted Psychodinamic of the Work approach as the theoretical model, standing out some concepts mainly those more directly related to the object of study in searched context. This is a descriptive study of exploratory character, using qualitative method with questionary, interview and observation technics. Twenty-four workers participated voluntarily. According to the results pleasure experiences are associated to work meaning itself, subjective feelings associated to the activity and cooperative behavior at work. Besides, suffering experiences are related to the lack of professional and social recognition and some aspects of work organization, like excessive division of tasks, hierarchical model and no involvement in institutional decisions. So, professional and social recognition lack and certain aspects of work organization contribute to suffering experiences among those workers, while pleasure experiences are significantly related to solidarity and human values involved in public attendance activity.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 08

CAPÍTULO I 1 INTRODUÇÃO 09 1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA 09 1.2 OBJETO DE ESTUDO 12 1.3 JUSTIFICATIVA 15 1.4 RELEVÂNCIA 17 1.5 OBJETIVOS 18

CAPÍTULO II 2 REFERENCIAL TEÓRICO : PSICODINÂMICA DO TRABALHO 22

CAPÍTULO III 3 MÉTODO 35 3.1 CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO 35 3.2 ABORDAGENS TÉCNICAS 39 3.3 ASPECTOS ÉTICOS 46 3.4 LIMITES 50

CAPÍTULO IV

4 A SEGURIDADE SOCIAL BRASILEIRA 52 4.1 PROTEÇÃO SOCIAL: UM CAMINHO PARA CIDADANIA 53 4.2 MODELO BRASILEIRO DE PROTEÇÃO SOCIAL 58 4.3 SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO E PROTEÇÃO SOCIAL 62 4.4 REFORMAS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL: 1998 E 2003 - BREVES CONSIDERAÇÕES 68

CAPÍTULO V 5 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO 83 5.1 INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL: CONTEXTO ORGANIZACIONAL 83 5.2 PROCESSO DE TRABALHO NAS AGÊNCIAS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL 87 5.3 RELAÇÕES SOCIAIS ENTRE OS ATORES DO TRABALHO 91

CAPÍTULO VI 6 RESULTADOS: FALAM OS TRABALHADORES 97

CONSIDERAÇÕES FINAIS 136

REFERÊNCIAS 142

APÊNDICE 148

8

APRESENTAÇÃO

Prezados leitores,

É com muita satisfação que compartilho com vocês esta experiência!

O interesse em estudar PRAZER E SOFRIMENTO PSÍQUICO NO TRABALHO DE

ATENDIMENTO AO PÚBLICO EM AGÊNCIAS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL surgiu de minha

experiência profissional como Psicóloga e também da experiência como servidora do INSS,

onde participei de equipes e de atividades de trabalho em diferentes áreas da instituição,

dentre as quais a atividade de atendimento ao público e a coordenação das atividades da área

de Recursos Humanos, atuando, também, como facilitadora de grupos em atividades de

treinamento e desenvolvimento de pessoal.

Particularmente na área de Recursos Humanos, tive oportunidade de conhecer

melhor a instituição e seus trabalhadores, vivenciar experiências de trabalho com diversos

colegas, ouvir relatos, opiniões, sugestões e comentários que, em conjunto, permitiram-me

uma maior compreensão dos processos de trabalho, das atividades desenvolvidas e das

pessoas que os realizam na instituição. Mais recentemente, minha atuação em grupo de

trabalho na área de Gerenciamento de Riscos, no Ministério da Previdência Social, contribuiu

significativamente para ampliar esse saber institucional adquirido, consolidar algumas

convicções pessoais e despertar interesse em pesquisar o contexto das relações de trabalho na

atividade de atendimento ao público em Agências da Previdência Social, incluindo a questão

da saúde dos trabalhadores.

Ao longo do texto o leitor encontrará informações adicionais sobre a

instituição, os processos de trabalho e os trabalhadores do INSS, cujo conteúdo é fruto desse

aprendizado e da vivência institucional. Juntamente com alguns dados estatísticos que me

foram permitidos citar, essas informações complementam ou ilustram as situações apontadas

pelo trabalho de pesquisa e facilitam a compreensão do conteúdo geral do trabalho.

9

CAPÍTULO I

1. INTRODUÇÃO

1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA

Estudar a relação entre saúde e trabalho nos dias atuais possibilita pensar na

multiplicidade de aspectos que envolvem as dimensões do tema e compreender as

transformações ocorridas no mundo do trabalho ao longo da evolução do capitalismo até a

contemporaneidade. Tais transformações impuseram significativas mudanças na relação do

homem com o trabalho, determinando não apenas as formas de inserção e de participação do

ser humano nos processos produtivos, como também suas relações sociais no trabalho, suas

formas de adoecer e de confrontar-se com as novas características dos condicionantes do

trabalho. É nesse contexto das relações complexas entre as áreas de saúde e trabalho que os

aspectos ligados à saúde mental vêm assumindo atualmente lugar de destaque nas mais

diferentes formas de abordar o assunto e de contribuir para promover encaminhamentos

efetivamente adequados e pertinentes a ele.

Em sua abordagem sobre o processo de trabalho, Karl Marx formula a

definição de trabalho como sendo, essencialmente, “um processo entre o homem e a

Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, mede, regula e controla seu

metabolismo com a Natureza” . Complementa sua definição, afirmando que “ao atuar sobre a

Natureza externa a ele e, ao modificá-la, o homem também modifica sua própria natureza”

(MARX, 2005, p. 211-212). Para ele, o processo de trabalho é uma atividade dirigida com a

finalidade de criar valores de uso, de apropriar os elementos naturais às necessidades humanas

e, como tal, é condição necessária do intercâmbio material entre o homem e a natureza, além

de condição natural eterna da vida humana, sendo comum a todas as formas sociais de vida.

Em sua concepção Marx pressupõe o trabalho sob forma exclusivamente humana.

10

Em sintonia com a formulação marxista, Garcia introduz a discussão sobre

trabalho útil, definindo-o como aquele que cria valor de uso e estimula o desenvolvimento das

capacidades físicas e mentais do ser humano, sendo, portanto, um elemento produtor de

saúde. Na concepção desse autor, a saúde representa o máximo desenvolvimento das

potencialidades humanas, de acordo com o grau de avanço obtido pela sociedade em um

determinado período histórico e, por conseguinte, “quando inexistem as condições objetivas e

subjetivas para que o trabalho seja estímulo das potencialidades humanas, converte-se em

produtor de doenças, como sucede nas sociedades capitalistas” (GARCIA, 1989, p. 103).

O que, de fato, se tem observado no cenário do capitalismo pós-moderno, globalizado, são

formas subjetivas e diversificadas de adoecimento dos trabalhadores, sobretudo aquelas

relacionadas à vida mental e ao funcionamento psíquico, expressas através do sofrimento e de

outras manifestações psíquicas muitas vezes revestidas por sintomas físicos.

Embora na perspectiva dos dois autores citados o trabalho seja, essencialmente,

elemento produtor de saúde, sabe-se que as características do trabalho repercutem positiva ou

negativamente nos indivíduos, podendo favorecer tanto a saúde como a doença, seja esta de

ordem física, ou psíquica, já que os fenômenos do mundo do trabalho influenciam a dinâmica

intrapsíquica e a intersubjetividade dos sujeitos, possibilitando formas diversificadas de

adoecimento aos trabalhadores. Dentre as novas formas de adoecimento em decorrência do

trabalho, sobretudo nas condições capitalistas da pós-modernidade, destacam-se atualmente os

agravos à saúde mental, sejam na forma de sofrimento psíquico, ou de outras manifestações

psíquicas correlatas.

Enquanto exercício das potencialidades humanas e também como uma das

possibilidades de realização do homem através do fortalecimento de sua identidade e do

exercício de sua autonomia, espera-se que o trabalho não concorra para negar-lhe a existência,

ou aviltar-lhe a condição humana sob a forma de agravos à saúde, ou ainda para privá-lo da

11

vida; é desejável que, acima de tudo, o trabalho possa-lhe permitir a expressão da sua

individualidade e criatividade, além de contribuir para sua plenitude e integridade pessoais.

Com o propósito de ampliar a construção de conhecimento que possibilite uma

melhor compreensão dos agravos à saúde mental em decorrência do trabalho, a temática do

sofrimento psíquico no trabalho tem despertado crescente interesse de estudo nas discussões

que envolvem a relação saúde-trabalho e tem trazido significativas contribuições para

compreender a dimensão da subjetividade como importante elemento de discussão para a

articulação dos campos da produção, ambiente e saúde. No Brasil, a articulação desses três

campos inclui a questão da saúde do trabalhador e da saúde ambiental e tem como objeto de

estudo o processo de saúde e doença dos homens em sua relação com o trabalho, aqui

contextualizado no processo de relações sociais de produção.

Dentre os autores brasileiros que estudam o processo saúde-doença relacionado

ao trabalho, Mendes e Dias concebem a Saúde do Trabalhador como um campo em

construção no espaço da Saúde Pública, cujo objeto pode ser definido como o “processo

saúde e doença dos grupos humanos, em sua relação com o trabalho” (MENDES e DIAS,

1994, p.383). Para eles, esse novo campo do saber tenta compreender tal processo e buscar

formas de intervenção que permitam aos trabalhadores se apropriar da dimensão humana do

trabalho. Assim, na concepção desses autores, a saúde do trabalhador busca explicações sobre

as formas de adoecer e de morrer das pessoas em geral, e dos trabalhadores em particular,

através do estudo dos processos de trabalho. Dessa forma, eles ampliam o campo de

conhecimento da saúde do trabalhador, rompendo, portanto, com a concepção hegemônica de

causalidade entre doença e um determinado agente, e também com o enfoque da determinação

social, que se limita a considerar tão somente o processo produtivo, deixando de lado a

subjetividade dos trabalhadores.

12

Osório define a saúde do trabalhador “não como uma disciplina homogênea,

mas por metas e eixos de ação, dentre os quais se destacam, de um lado, a luta pela saúde,

produzida nas transformações dos processos, na eliminação dos riscos e na superação das

condições precárias de trabalho e, de outro, a valorização das demandas e dos

conhecimentos advindos da experiência, fazendo com que a participação dos trabalhadores

seja considerada fecunda e indispensável” (OSÓRIO, 2004). Dessa formulação depreende-se

que a saúde do trabalhador contempla não somente as discussões sobre a saúde em seu

aspecto restrito, mas envolve, também, a participação dos sujeitos enquanto atores do trabalho

que geram demandas de novos conhecimentos baseados em suas próprias experiências.

Compartilha-se a idéia de que os trabalhadores não são sujeitos passivos e meros

observadores do mundo do trabalho, mas, sim, atores de um processo em que são capazes de

se proteger, emancipar-se, encontrar saídas, transformar e reconstruir sua realidade de

trabalho.

1.2 OBJETO DE ESTUDO

As condições da nova ordem econômica mundial e do novo modelo de

produção capitalista, consubstanciados na globalização da economia e seus conseqüentes

desdobramentos sobre as formas produtivas, repercutem no trabalho em si, nos níveis de

emprego, no meio ambiente e na saúde das populações e dos trabalhadores, em particular. O

interesse pelo trabalho como objeto de investigação científica justifica-se, em primeira mão,

porque há uma grande demanda social para compreender as relações entre sofrimento

psíquico e trabalho e também porque a clínica do trabalho abre novas questões que envolvem

outros campos do conhecimento.

13

A clínica do trabalho, assim denominada por Dejours, propõe-se a

“desenvolver o campo da saúde mental e da saúde do trabalhador, entender como as pessoas

sentem e vivenciam a defasagem entre o trabalho prescrito e o trabalho real”, numa

modalidade de investigação que contempla “o conteúdo simbólico do trabalho, as relações

subjetivas do trabalhador com sua atividade, com o sofrimento e o desgaste gerado pelo

trabalho e com os efeitos deste sobre a saúde física e mental dos sujeitos” (LANCMAN,

2004, p. 31). Propõe-se, portanto, a compreender os processos psíquicos envolvidos no

trabalho e a considerar a subjetividade dos trabalhadores.

Para adentrar o campo da relação trabalho-saúde mental é necessário

considerar, dentro do trabalho, sua especificidade como relação social, ou seja, considerar a

dimensão organizacional, aqui entendida como a divisão das tarefas e as relações de produção

(DEJOURS, 1994, p. 47). O trabalho possibilita o confronto entre os mundos interno e

externo do trabalhador e não se resume ao simples ato de trabalhar ou de vender a força de

trabalho em troca de uma remuneração, pois também opera como fator de integração a certos

grupos com direitos sociais, além de funcionar como “alicerce de constituição do sujeito e de

sua rede de significados”, conforme lembra Lancman (2004, p. 29). Para a autora, o trabalho

assume a condição de mediador privilegiado da construção e do desenvolvimento da

identidade do sujeito e da constituição de sua vida psíquica.

Na perspectiva de elucidar as interfaces das complexas relações entre os

campos da saúde e do trabalho situa-se o interesse de estudo pelos aspectos relacionados à

saúde mental, mais precisamente no que diz respeito ao sofrimento psíquico decorrente do

trabalho. Define-se, então, como objeto desta investigação o estudo das vivências de prazer e

sofrimento na atividade de atendimento ao público em duas Agências da Previdência Social

na cidade do Rio de Janeiro. Os trabalhadores dessa atividade são servidores públicos

federais, pertencentes ao quadro de pessoal ativo do Instituto Nacional do Seguro Social

14

(INSS) que atuam nas unidades de atendimento do órgão, conforme descrito mais

detalhadamente no Capítulo V.

A atividade de atendimento ao público insere-se no setor da economia

denominado setor de serviços, ou “atividade terciária” e pode ser definida como “um processo

resultante da sinergia de diferentes variáveis: o comportamento do usuário, a conduta dos

funcionários envolvidos (direta ou indiretamente) na situação, a organização do trabalho e

as condições físico-ambientais/instrumentais” (FERREIRA, 2000, p. 134-135). Para esse

autor, os diversos problemas que surgem nas situações de atendimento constituem indicadores

críticos e repercutem negativamente tanto na satisfação dos usuários, quanto no bem estar dos

atendentes e, por conseqüência, na eficiência e eficácia do próprio serviço.

Em que pese a seqüência das variáveis apontadas pelo autor acima citado na

definição de atendimento ao público, entende-se que para os propósitos deste estudo, a

organização do trabalho ocupa a primazia quanto às implicações negativas na saúde dos

trabalhadores envolvidos na atividade. Em estudos realizados por Dejours, na França, bem

como por pesquisadores brasileiros, a exemplo dos estudos de Palácios, Duarte e Câmara

(2002), Simoni e Santos (2003) e Ferreira e Mendes (2001) sobre a relação entre sofrimento

psíquico e trabalho, os resultados apontam para uma estreita relação entre organização do

trabalho e vivências de sofrimento entre os trabalhadores.

A atividade de atendimento ao público nas Agências da Previdência Social é

geralmente percebida, tanto pelo senso comum quanto pelos próprios trabalhadores, como

uma atividade desgastante sob o ponto de vista psicofísico, rotineira, complexa, mediada por

interações sociais e cuja demanda pelos serviços oferecidos é freqüentemente grande. Em

essência, pode-se dizer que tal atividade baseia-se na troca de informações entre os

trabalhadores do INSS e os usuários, visando à prestação de benefícios e de serviços

previdenciários, caracterizando-se, portanto, como um processo de trabalho que envolve

15

relações sociais pautadas por necessidades e interesses distintos entre os principais atores

sociais envolvidos, atendentes e usuários do serviço, conforme será abordado no Capítulo V.

O propósito de estudar a temática de prazer e sofrimento no trabalho parte da

premissa de que, se de um lado assiste-se a novas e diversificadas formas de adoecimento,

sobretudo envolvendo os transtornos psíquicos e outras formas de sofrimento complexas e

sutis, de outro, acredita-se que também pode haver prazer no trabalho, de forma a permitir a

realização do ser humano. Nessa perspectiva, o trabalho não se caracteriza como “uma

desgraça socialmente determinada” (SZNELWAR, 2004, p. 37), mas pode, de fato, ser um

edificador das identidades sociais e coletivas. Essa relação dialética prazer-sofrimento permite

considerar que o trabalho pode ser fonte de prazer e de desenvolvimento dos indivíduos, tanto

quanto pode levar ao adoecimento e ao sofrimento. Nessa perspectiva, concorda-se com a

proposição de que o trabalho e as relações que nele se originam não podem ser tomados como

espaço de neutralidade subjetiva ou social, conforme destaca Lancman (2004, p. 33).

1.3 JUSTIFICATIVA

Assim como os demais trabalhadores de outras categorias, atividades e

processos de trabalho, é possível que os trabalhadores do serviço público federal e,

especialmente no contexto desta investigação, os trabalhadores do INSS que realizam a

atividade de atendimento ao público nas Agências da Previdência Social também sejam

protagonistas de situações de prazer, sofrimento e doenças relacionadas ao trabalho.

As condições organizacionais em que tais trabalhadores estão inseridos,

associadas às circunstâncias internas e externas em que se desenvolve a atividade de

atendimento ao público e à escassez de informações institucionais sistematizadas sobre as

repercussões da atividade na saúde mental dos trabalhadores constituem justificativas

plausíveis para a realização do presente estudo. Se existem dados consistentes sobre essa

16

problemática de saúde no âmbito institucional ou mesmo em outras esferas no âmbito da

saúde pública ou da saúde do trabalhador, tais informações não parecem ter visibilidade

suficiente até então, haja vista a impressão inicial da pesquisadora de que não parece haver a

devida apropriação do assunto por parte dos respectivos protagonistas do trabalho.

A escolha dos servidores do INSS que trabalham na atividade de atendimento

ao público em Agências da Previdência Social, enquanto categoria de trabalhadores para o

estudo, teve como elemento motivador, fundamentalmente, a percepção de serem freqüentes,

entre eles, queixas de estresse, esgotamento psicofísico, insônia, depressão, insatisfação e

ausência de prazer no trabalho, além de quadros de alcoolismo e outros quadros clínicos que

resultam em afastamentos do trabalho por sintomas relacionados à saúde mental. Por outro

lado, a demanda de usuários pelos serviços da Previdência Social mostra-se, à primeira vista,

superior à capacidade de atendimento nas Agências, o que sugere a necessidade de considerar

também a interface desse elemento na problemática em estudo. Entende-se que esses aspectos

em conjunto relacionam-se, direta ou indiretamente, com vivências de prazer e sofrimento no

coletivo de trabalho pesquisado.

Convém ressaltar que a Previdência Social, através do INSS, tem atualmente

no Brasil largo alcance social e abrangência de cobertura, enquanto instituição pública que

oferece serviços e benefícios previdenciários através de suas unidades de atendimento aos

mais diversos segmentos sociais da classe trabalhadora brasileira. Trata-se, portanto, de

instituição de ampla visibilidade, cuja atividade de atendimento parece ser o elemento

modulador que contribui, de forma positiva ou negativa, para a consolidação de sua imagem

institucional perante os usuários e a sociedade brasileira em geral.

Em sua interface com a saúde do trabalhador, a atividade de atendimento ao

público enquanto objeto de pesquisa na esfera do serviço público parece pouco conhecida das

disciplinas que estudam a relação entre saúde e trabalho no Brasil. Esse aspecto, por si só,

17

mereceria uma consideração à parte, no sentido de que tal desconhecimento pode apontar para

a possibilidade de pouco interesse para com as questões relacionadas ao serviço público -

pessoas, processos de trabalho, saúde dos trabalhadores, etc. - ou a possível dificuldade em

realizar ou conduzir pesquisas em órgãos do serviço público, ou, ainda, a pouca

disponibilidade ou interesse dos trabalhadores do setor público em participar como sujeitos de

estudos, além de outros aspectos que não figuram como objeto de discussão e interesse no

presente contexto.

Ademais, nas referências utilizadas pela pesquisadora durante o estudo foram

encontrados poucos trabalhos, no Brasil, sobre a relação entre atividade de trabalho em

atendimento ao público e saúde, podendo sugerir que as abordagens disciplinares que têm se

proposto a estudar o processo de trabalho na atividade de atendimento ao público têm

enfatizado outros aspectos, tais como satisfação do usuário, atitudes do atendente, locais de

atendimento, etc. e priorizado indicadores de qualidade, desempenho, produtividade, etc.,

tornando secundária, ou mesmo ignorando a subjetividade dos trabalhadores no processo de

trabalho.

1.4 RELEVÂNCIA

A abordagem da relação prazer e sofrimento no trabalho de atendimento ao

público em Agências da Previdência Social contextualizada nos limites estabelecidos para

esta investigação permitem considerar a relevância do estudo para as discussões sobre a

relação saúde-trabalho no âmbito do serviço público e também no âmbito do INSS, visto

elucidar uma problemática de saúde engendrada pela situação de trabalho que parece

permanecer silenciosa ou pouco conhecida institucionalmente.

Embora nas circunstâncias em que é realizada atualmente tal atividade se

configure, à primeira vista, como favorecedora de sofrimento psíquico, a questão ainda não

18

parece devidamente apropriada pelos próprios atores sociais protagonistas do trabalho. Além

do mais não parecem visíveis, até o momento, as ações, mecanismos, programas e projetos

organizacionais propostos, ou implementados pela instituição e destinados à saúde dos

trabalhadores que constituem o coletivo de trabalho desta investigação.

Elucidar tal problemática pode permitir aos trabalhadores apreender melhor a

realidade de trabalho, fomentar uma reflexão sobre a mesma e possibilitar algum tipo de

mobilização no sentido de buscar mudanças que tornem o trabalho mais saudável e mais

prazeroso. Espera-se que outros estudos possam vir a ser realizados, acrescentando novas

contribuições à temática em discussão, com a perspectiva de tornar mais visíveis as

implicações da relação saúde-trabalho na atividade de atendimento ao público nas Agências

da Previdência Social e na esfera do serviço público em geral.

1.5 OBJETIVOS

Considerando a relevância do tema da pesquisa no âmbito institucional e as

contribuições que o estudo pode trazer para ampliar a compreensão das relações estabelecidas

entre o trabalho e o processo de saúde-doença no espaço da saúde pública e, em especial, da

saúde do trabalhador, espera-se, com o presente estudo, que as questões objetivas e subjetivas

relacionadas às vivências de prazer e de sofrimento psíquico entre os trabalhadores da

atividade de atendimento ao público em duas Agências da Previdência Social, na cidade do

Rio de Janeiro tornem-se conhecidas, principalmente para os atores envolvidos naquele

processo de trabalho. Deseja-se, também, que suscitem pertinentes e adequados

encaminhamentos coletivos no âmbito institucional, com vistas a preservar a saúde daqueles

trabalhadores e tornar o espaço do trabalho algo verdadeiramente criativo e edificante para os

sujeitos. Nesse sentido, para nortear o estudo e possibilitar a compreensão da temática no

escopo em que foi contextualizada, foram definidos o objetivo geral da pesquisa e seus

19

respectivos desdobramentos em forma de objetivos específicos, conforme relacionados a

seguir.

1.5.1 OBJETIVO GERAL

Conhecer as relações entre o trabalho na atividade de atendimento ao público e as

vivências de prazer e sofrimento psíquico entre os trabalhadores que a realizam em duas

Agências da Previdência Social, na cidade do Rio de Janeiro.

1.5.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

� Conhecer o processo de trabalho que envolve a atividade de atendimento ao público

em duas Agências da Previdência Social, na cidade do Rio de Janeiro, considerando os

aspectos objetivos estruturais e organizacionais, bem como os aspectos subjetivos que

se relacionam com o exercício da atividade;

� Identificar as repercussões da organização do trabalho na saúde dos trabalhadores que

a realizam, buscando elucidar as circunstâncias que propiciam vivências de prazer e de

sofrimento psíquico no trabalho;

� Compreender a dinâmica das relações sociais existente no contexto de trabalho onde

está inserida a atividade de atendimento ao público em duas Agências da Previdência

Social, na cidade do Rio de Janeiro, visando a conhecer as atitudes que permeiam os

relacionamentos sociais entre os trabalhadores no exercício da atividade de

atendimento ao público;

20

� Conhecer a percepção dos trabalhadores quanto à importância do reconhecimento

profissional e social pelo trabalho, bem como sua interface com as vivências de prazer

e de sofrimento naquele coletivo.

Para percorrer os caminhos da investigação e melhor situar o leitor em torno da

problemática em estudo, segue-se o esboço do conteúdo do trabalho, destacando os elementos

essenciais constantes em cada um dos capítulos seguintes.

O Capítulo II trata do referencial teórico adotado para esta investigação,

destacando alguns dos principais conceitos da Psicodinâmica do Trabalho, particularmente

aqueles relacionados à organização do trabalho, à questão do prazer e do sofrimento no

trabalho, à inteligência prática, às estratégias defensivas, ao reconhecimento profissional e à

cooperação. Esses conceitos e proposições aparecem articulados, no Capítulo VI, com a

apresentação e discussão dos resultados encontrados a partir da fala dos trabalhadores que

participaram da pesquisa.

O Capítulo III apresenta o método utilizado na pesquisa, situando o tipo de

estudo e as abordagens e técnicas utilizadas. Considerações sobre os aspectos éticos

envolvidos na pesquisa e também sobre os limites do estudo complementam o conteúdo do

capítulo.

O Capítulo IV traz uma breve abordagem da Seguridade Social brasileira e de

sua atual configuração, apresenta o conceito de proteção social e explicita os principais

aspectos do sistema previdenciário brasileiro, além de abordar alguns aspectos das duas

últimas reformas da Previdência Social, em 1998 e 2003.

As questões relacionadas à organização do trabalho no INSS e nas Agências da

Previdência Social são objeto do Capítulo V, onde são discutidos o processo de trabalho e as

relações sociais entre os atores envolvidos na atividade de atendimento ao público nas duas

Agências.

21

Os resultados são apresentados e discutidos no Capítulo VI, cujo conteúdo está

descrito de forma a contemplar os principais aspectos explorados na investigação e facilitar a

correlação dos mesmos com os conceitos e proposições da abordagem psicodinâmica do

trabalho, apresentados no Capítulo II. Além disso, os resultados permitem compreender os

aspectos objetivos e subjetivos que parecem relacionar-se, direta ou indiretamente, com as

vivências de prazer e de sofrimento no trabalho do coletivo pesquisado.

Nas Considerações Finais faz-se uma breve avaliação do estudo realizado,

resgatando-se a essência dos objetivos inicialmente definidos, a adequação do método e das

técnicas de pesquisa utilizados para viabilizar os resultados encontrados e,

complementarmente, as conclusões que tais resultados sugerem. Também são explicitadas as

opiniões e impressões pessoais da pesquisadora ao conduzir o estudo com os trabalhadores

nas duas Agências da Previdência Social em que o trabalho de campo foi realizado, bem

como a percepção que se tem da problemática de prazer e sofrimento na atividade de

atendimento ao público no âmbito do INSS.

Convidamos, então, o leitor para esse instigante percurso!

22

CAPÍTULO II

2 REFERENCIAL TEÓRICO: PSICODINÂMICA DO TRABALHO

Este capítulo apresenta o referencial teórico adotado para o estudo, a

Psicodinâmica do Trabalho, situando sua evolução enquanto disciplina a partir dos

conhecimentos da Psicopatologia do Trabalho. Discutem-se inicialmente alguns dos seus

principais conceitos e proposições, mormente aqueles mais diretamente relacionados ao

objeto de estudo escolhido, tais como organização do trabalho, prazer e sofrimento no

trabalho, inteligência prática, estratégias defensivas, dinâmica do reconhecimento e

cooperação. Em seguida são referenciados alguns estudos que também tratam da temática de

saúde mental e trabalho, sem, entretanto, a perspectiva de analisá-los detalhadamente, hajam

vistas as diferentes peculiaridades de enfoque e características metodológicas de cada um

deles.

De modo geral, os principais modelos teóricos que servem de suporte para

analisar as relações entre saúde mental e trabalho concentram-se na linha do stress, da

psicopatologia do trabalho e da psicodinâmica do trabalho. Segundo Palácios, Duarte e

Câmara (2002), essas diferentes abordagens convergem para o entendimento que aponta a

organização do trabalho como importante elemento favorecedor de sofrimento psíquico ou de

estresse vinculado ao trabalho. Essencialmente, a linha do estresse concentra grande

preocupação com a doença cardiovascular, o esgotamento e o “burn out”, enquanto a

concepção da psicopatologia do trabalho reporta-se aos efeitos psicopatológicos relacionados

ao trabalho, especialmente o sofrimento psíquico e a clínica do sofrimento na relação psíquica

com o trabalho. A psicodinâmica do trabalho, por sua vez, enfatiza as relações interpessoais e

intersubjetivas que se estabelecem no contexto do trabalho, articulando-as com a vivência de

23

sofrimento do trabalhador. Nesse novo enfoque, um dos aspectos centrais das discussões é a

normalidade dos sujeitos enquanto “enigma” diante das circunstâncias que se apresentam nas

situações de trabalho. Questiona-se, assim, como os sujeitos conservam sua “normalidade”,

mesmo diante de tantas adversidades nos contextos de trabalho, e é a partir desse

questionamento que Dejours propôs novas formulações conceituais que emolduram a

psicodinâmica do trabalho.

Como referencial teórico norteador desta investigação adotou-se, portanto, a

abordagem Psicodinâmica do Trabalho, que reflete o desenvolvimento dos estudos de

Christophe Dejours, na França, baseados em suas contribuições iniciais a partir da

Psicopatologia do Trabalho. A nova denominação “Psicodinâmica do Trabalho” caracteriza-

se, essencialmente, por uma mudança epistemológica do objeto de estudo inicial do autor, que

passou a considerar a normalidade dos sujeitos como foco central de suas análises e

observações, e não mais a doença mental descompensada em que se concentravam os estudos

anteriormente. A essa normalidade dos sujeitos ele atribui o estatuto de “enigma”, ou

“equilíbrio precário”, interrogando-se como os trabalhadores conseguem preservar seu

equilíbrio psíquico e manter-se na normalidade, apesar dos constrangimentos e das pressões

psíquicas decorrentes das situações de trabalho (DEJOURS, 1996, p. 152-153). Ressalte-se

que normalidade no sentido aqui empregado não significa ausência de sofrimento, e mesmo a

existência de sofrimento não exclui o prazer, já que as vivências de um de outro podem

coexistir entre os trabalhadores de um mesmo coletivo. Além disso, os próprios trabalhadores

podem vivenciar prazer e sofrimento diante da mesma atividade de trabalho, considerando-se

aspectos determinantes distintos para cada uma dessas vivências.

Pode-se considerar a psicodinâmica do trabalho como uma redefinição do

objeto de estudo da psicopatologia do trabalho, inaugurando um olhar mais amplo sobre a

relação do homem com o trabalho, passando a considerar como objeto central de investigação

24

não mais a patologia, e sim a normalidade dos sujeitos, permitindo uma ampliação da

abordagem para contemplar “não apenas o sofrimento, mas também o prazer no trabalho;

não apenas a organização do trabalho, mas também as situações de trabalho em sua

dinâmica interna” (DEJOURS, 2004, p. 53). Não se trata, portanto, de uma ruptura epistêmica

com a psicopatologia do trabalho, mas de uma ampliação teórica de objeto, com as

conseqüentes implicações metodológicas, situando “a análise psicodinâmica dos processos

intersubjetivos mobilizados pelas situações de trabalho” (DEJOURS, 2004, p. 49). Sob a

ótica da psicodinâmica do trabalho evidenciam-se as contradições entre organização do

trabalho prescrito e organização do trabalho real, possibilitando uma nova análise da

organização do trabalho. Nessa perspectiva, ganham evidência a questão do reconhecimento,

das estratégias defensivas, da identidade do sujeito como alicerce da saúde mental, a questão

dos coletivos de trabalho e sua dinâmica na construção da cooperação entre os trabalhadores.

Dejours propôs como definição de trabalho “a atividade manifestada por

homens e mulheres para realizar o que ainda não está prescrito pela organização do

trabalho” (DEJOURS, 2004, p. 65), fazendo destacar, portanto, a dimensão humana do

trabalho. Na visão do autor, “o trabalho é, por definição, humano” e “ todo trabalho é sempre

trabalho de concepção”, pois apesar de todo o arsenal tecnológico para viabilizá-lo há

sempre uma lacuna a ser preenchida pelo saber-fazer humano. Na perspectiva da

psicodinâmica do trabalho, o trabalho implica uma “mobilização humana e deriva da

criatividade, da inventividade, do achado, da descoberta, ou seja, o trabalho seria

precisamente o que não é tradicional, mas novo” (DEJOURS, 2004, p. 211-112). Com essa

formulação o autor não deixa dúvidas quanto à sua convicção na dimensão humana do

trabalho.

Reportando-se aos principais conceitos e proposições da psicodinâmica do

trabalho utilizados nesta investigação, entende-se por organização do trabalho a divisão do

25

trabalho (divisão das tarefas - o modo operatório prescrito) e a divisão dos homens (divisão

das responsabilidades, hierarquia, comando, controle, etc.), conceitos esses que se

complementam, pois quando se dividem as tarefas pressupõe-se a existência de hierarquia

para controlar e comandar a execução das mesmas, dividindo-se, portanto, os homens. Para

Dejours, a organização do trabalho impacta o funcionamento psíquico dos sujeitos, visto que a

divisão das tarefas e o modo operatório despertam o sentido e o interesse pelo trabalho,

enquanto a divisão dos homens configura as relações interpessoais, mobiliza investimentos

afetivos, sentimentos e atitudes de amor, ódio, amizade, cooperação, solidariedade, confiança,

etc., e, por isso mesmo, a organização do trabalho repercute no funcionamento psíquico dos

sujeitos (DEJOURS, 1994, p. 126).

Conforme destaca Dejours, a organização do trabalho divide as pessoas e

interfere nas relações que se estabelecem entre elas, pois passa a ser o elemento regulador de

tais relações e, dessa forma, atinge o conteúdo das tarefas e as relações humanas, repercutindo

naquilo que ele denominou “funcionamento mental”, podendo provocar sofrimentos e,

eventualmente, doenças mentais e físicas (DEJOURS, 1986, p. 10). Existem, de fato, formas

de organização do trabalho que são muito danosas ao funcionamento mental dos

trabalhadores, entretanto, outras são favoráveis à saúde mental dos indivíduos, ou são menos

perigosas, e algumas delas funcionam como meio de equilíbrio das pessoas. Segundo o autor,

“pode-se dizer que a organização do trabalho não reprime o funcionamento mental, mas

oferece um campo de ação, um terreno privilegiado para que o trabalhador concretize suas

aspirações, suas idéias, seus desejos” (DEJOURS, 1986, p. 10). Portanto, o trabalho não é,

necessariamente, nocivo para a saúde; além de se constituir em elemento fundamental para a

saúde, o trabalho pode ser tolerável, saudável e favorável à saúde física e mental dos

trabalhadores. E espera-se que seja!

26

Tanto na concepção da psicopatologia como da psicodinâmica do trabalho a

questão da organização do trabalho assume papel significativo na gênese do sofrimento

psíquico vinculado ao trabalho. Conceitualmente, o sofrimento designa “o campo que separa

a doença da saúde”, ou seja, “quando a relação homem-organização do trabalho fica

bloqueada, começa o domínio do sofrimento – e da luta contra o sofrimento” (SELIGMANN-

SILVA, 1994, p. 15). Dizendo de outra forma, quando o rearranjo da organização do trabalho

não é mais possível, ou quando a relação do trabalhador com a organização do trabalho é

bloqueada, abre-se espaço para o sofrimento. Nesses termos, “sofrimento é, então, definido

como o espaço de luta que cobre o campo situado entre, de um lado, o bem-estar, e, de outro,

a doença mental ou a loucura” (DEJOURS, 1996, p. 153). Em outras palavras, o sofrimento

representa a área de transição entre saúde e doença e se expressa quando o trabalhador já não

consegue mais adaptar ou modular sua interação com a organização do trabalho.

No contexto da psicopatologia do trabalho, o sofrimento situa-se no centro da

relação psíquica entre o homem e o trabalho e é concebido como vivência subjetiva

intermediária entre doença mental descompensada e o conforto (ou bem-estar) psíquico,

implicando um estado de luta do sujeito contra aquilo que o direciona para a doença mental.

(DEJOURS e ABDOUCHELI, 1994, p.127). É, por assim dizer, uma “área de transição” entre

a saúde e a doença mental. Complementando essa formulação, Osório assinala que a

psicodinâmica do trabalho considera o sofrimento como o “ponto de partida e a origem da

mobilização da inteligência e da subjetividade” (OSÓRIO, 2004), o que significa dizer que a

partir da vivência de sofrimento, das dificuldades impostas pela organização do trabalho à

realização de si mesmo, o trabalhador é capaz de encontrar saídas, utilizando recursos

pessoais subjetivos, ou seja, ele não se porta como sujeito passivo e mero observador diante

de tais situações, mas age mobilizando seus recursos internos com vistas a se proteger do

sofrimento.

27

Considerar vivências de prazer no trabalho significa dizer que o trabalho em

certas circunstâncias e situações pode ser fonte de prazer, de realização do sujeito e, como tal,

francamente favorável à saúde física e mental. Vivências de prazer e sofrimento não são

excludentes, nem incompatíveis, nem finitas em si mesmas nas situações de trabalho, o que

permite considerar que os indivíduos podem vivenciar situações de prazer e de sofrimento

diante de um mesmo contexto de trabalho. Conforme lembra Sznelwar, pode, sim, haver

prazer no trabalho, e isso “permite considerar que o trabalho não é, por si só, uma desgraça

socialmente determinada; ele pode ser um edificador das identidades individuais e coletivas”

(SZNELWAR, 2004, p. 37). Às vivências de prazer e de sofrimento no trabalho associam-se

certos aspectos da organização do trabalho, ou certas características do trabalho realizado.

Ademais, prazer e sofrimento são vivências subjetivas, individuais, que se exprimem e se

experimentam da mesma forma que a angústia, o desejo, o amor, etc. e, portanto, remetem ao

sujeito singular, portador de uma história; são vivenciados individualmente, e, por

conseguinte, diferenciados de um sujeito para outro (DEJOURS e ABDOUCHELI, 1994,

p.128).

Para melhor compreender a dinâmica entre a organização do trabalho e o

indivíduo cabe situar a distinção conceitual entre organização do trabalho prescrito e

organização do trabalho real. A primeira refere-se à ”prescrição”, às normas, ao estabelecido

pela organização ou empresa para a realização do trabalho, à forma como este deve ser

executado, enfim, ao modo operatório prescrito; a organização do trabalho real diz respeito à

forma efetiva, real, como, de fato, o trabalho é realizado e executado pelos trabalhadores.

Entre essas duas formas de organização do trabalho há sempre uma distância, um hiato, uma

lacuna em que o trabalhador lança mão de atributos de sua sabedoria e experiência, ou de sua

“inteligência prática”, para utilizar a terminologia da psicodinâmica do trabalho, a fim de

28

proceder aos necessários ajustes na organização do trabalho para concretizar o trabalho

prescrito e efetivamente realizá-lo.

A adequação do trabalho prescrito ao trabalho real mobiliza certos processos

intersubjetivos dos trabalhadores que possibilitam a concretização da prescrição em realidade.

Pressupõe o uso da inteligência prática do trabalhador, já que este lança mão de sua

criatividade, de sua inventividade e daquilo que se convencionou chamar de “engenhosidade”,

de “saber operário”, ou “saber prático”, necessário para viabilizar a concretização do trabalho.

Essa inteligência prática é posta em atuação no exercício da atividade, é produzida no

exercício do trabalho, da função, daí porque se pode falar em “inteligência da prática”, e nas

palavras de Dejours, “é o trabalho que produz a inteligência, e não a inteligência que produz

o trabalho” (DEJOURS, 2004, p. 278). Ela é também chamada de “inteligência astuciosa”,

em contraposição à inteligência conceitual, tem matiz fundamentalmente criativo e se faz

presente em todas as tarefas e atividades de trabalho, sejam elas manuais, intelectuais, ou

teóricas.

O conflito ente organização do trabalho e funcionamento psíquico pode ser

fonte de sofrimento, mas também pode resultar na construção de estratégias defensivas,

individuais e coletivas, definidas por Dejours como sendo as estratégias “elaboradas pelos

trabalhadores para enfrentar mentalmente a situação de trabalho” (DEJOURS, 1996,

p. 152). Consideram-se como tais os comportamentos e atitudes elaboradas e vivenciadas

pelos coletivos de trabalho, ainda que não conscientizadas, para se proteger do sofrimento

imposto pelas condições de trabalho que lhe são impostas. Osório destaca que para fazer

frente ao real que os limita, os trabalhadores utilizam, portanto, estratégias de defesa e, assim,

conseguem escapar da descompensação emocional e da doença mental (OSÓRIO, 2004),

donde se depreende que as estratégias defensivas funcionam como elemento de interposição

29

entre a organização do trabalho e o funcionamento psíquico dos indivíduos, servindo-lhes

para lutar contra a doença mental e aliviar o sofrimento decorrente do trabalho.

Concebido na abordagem psicodinâmica do trabalho como retribuição esperada

pelo indivíduo, o reconhecimento é considerado de natureza fundamentalmente simbólica e se

expressa em dois sentidos: no sentido da constatação e no sentido da gratidão (DEJOURS,

2004, p. 71-73). No sentido da constatação, é o reconhecimento da realidade das contribuições

dos trabalhadores à organização, que representa a contribuição individual, específica para a

organização do trabalho, ou seja, o reconhecimento da imperfeição da ciência e da técnica,

das falhas organizacionais do trabalho prescrito e da necessidade da contribuição dos

trabalhadores para que o processo de trabalho se concretize. No sentido da gratidão, é o

reconhecimento efetivo da contribuição proporcionada pelos trabalhadores ao ajustamento da

organização do trabalho.

Para Dejours, o reconhecimento passa também pela reconstrução dos

julgamentos do trabalho realizado e, nessa perspectiva, ele distingue dois tipos: o julgamento

de utilidade e o julgamento de beleza ou julgamento de estética. O primeiro, de utilidade, diz

respeito ao valor utilitário da contribuição do sujeito ao ajuste da organização prescrita para

atingir a organização real do trabalho; diz respeito à utilidade técnica, social e econômica da

contribuição do sujeito e é essencialmente proferido em linha vertical, ou seja, pela hierarquia

– superiores, subordinados e também clientes, quando a situação de trabalho implica em

contato com o consumidor final de bens e serviços. O julgamento de estética ou de beleza se

expressa em forma de julgamento sobre a conformidade do trabalho com as regras da arte,

que confere ao sujeito a condição de pertencente a uma comunidade específica, como também

em forma de julgamento sobre a singularidade, que confere ao sujeito sua originalidade, sua

identidade; é essencialmente proferido em linha horizontal - pelos pares, colegas, membros da

equipe, enfim, por aqueles que conhecem bem as regras do trabalho para poder julgar

30

(DEJOURS, 2004, p. 215-216). Esses diferentes julgamentos têm em comum o fato de se

referirem ao trabalho realizado, e não à pessoa que o realiza, ou seja, tratam do “fazer”, e não

da “pessoa que o faz”. Essa dinâmica do reconhecimento tem papel importante na

problemática da saúde mental no trabalho e constitui elemento fundamental na psicodinâmica

da cooperação (DEJOURS, 2004, p. 72).

Em psicodinâmica do trabalho, a cooperação pode ser entendida como “a

vontade das pessoas de trabalharem juntas e de superarem as contradições da própria

organização do trabalho para viabilizar a concretização do trabalho” (DEJOURS, 2004,

p. 67-69). Torna-se efetiva se os trabalhadores demonstrarem o desejo de cooperar, pois ela

não se dá numa decorrência direta da organização do trabalho, nem é determinada

aprioristicamente por imposição, tampouco é prescrita entre os colegas do mesmo nível

hierárquico. A cooperação depende da vontade dos atores envolvidos no trabalho, estabelece-

se graças às relações de confiança entre eles e tem influência direta tanto na eficiência do

trabalho, como na relação prazer-sofrimento. É nessa perspectiva que Dejours fala das

condições de possibilidade da cooperação, sendo a primeira delas a possibilidade de os

trabalhadores estabelecerem entre si “relações intersubjetivas de confiança”, seja com os

colegas, os subordinados e com os chefes e dirigentes (DEJOURS, 2004, p. 131-132).

A seguir serão referenciados alguns estudos envolvendo a temática saúde

mental e trabalho, dentre os quais um estudo que aborda a atividade de atendimento ao

público numa instituição pública brasileira e um outro que se refere aos trabalhadores da

seguridade social onde estão inseridos os trabalhadores do INSS.

O estudo de Palácios, Duarte e Câmara (2002), realizado com trabalhadores de

agências bancárias na cidade do Rio de Janeiro e que se propôs a analisar a relação entre

trabalho e sofrimento psíquico de caixas de agências bancárias, permitiu concluir que a

organização do trabalho, principalmente no tocante ao redesenho dos processos de trabalho e

31

às intensas mudanças implementadas nas agências bancárias pesquisadas sem a participação

dos funcionários, no período estudado, favoreceram situações de sofrimento psíquico para os

trabalhadores, gerando insegurança, ameaça de desemprego e queda do padrão de vida dos

mesmos.

Em estudo abordando a produção científica sobre sofrimento psíquico e

trabalho hospitalar entre 1997 e 1998, Santos (2000) apresenta uma revisão bibliográfica de

alguns estudos realizados no Brasil, no final dos anos 90, enfocando a relação sofrimento

psíquico e trabalho no contexto hospitalar, problematizando a temática entre os profissionais

da área de enfermagem. Refere que na discussão sobre sofrimento psíquico no trabalho

predominam, conceitualmente, as abordagens do stress. A autora conclui que tais estudos se

revestem de importante reflexão sobre os problemas do trabalho hospitalar em enfermagem,

os quais ultrapassam o contexto organizacional do hospital e, em sua opinião, embora os

autores abordem o sofrimento psíquico por óticas diferentes e haja diferenciação teórica entre

a concepção de sofrimento psíquico e desgaste mental, há convergência em considerar a

dimensão da subjetividade, o que representa uma importante questão para a área de saúde do

trabalhador.

O estudo de Ferreira e Mendes (2001), realizado numa instituição pública do

Distrito Federal, abordando a relação entre a atividade de atendimento ao público e vivências

de prazer-sofrimento no trabalho, demonstra que certas condições de trabalho influenciam

negativamente a realização do trabalho dos atendentes e que o custo psíquico da atividade de

atendimento ao público na instituição pesquisada favorece o predomínio de vivências de

sofrimento. Sob o ponto de vista da psicodinâmica do trabalho, eles concluíram que a

predominância das vivências de sofrimento está associada às situações nas quais a atividade é

realizada e às relações sócio-profissionais estabelecidas.

32

No mesmo estudo há referência a outras pesquisas abordando as vivências de

prazer-sofrimento no trabalho, cujos resultados indicam que o prazer é vivenciado quando o

trabalho favorece a valorização e o reconhecimento dos sujeitos, principalmente pela

realização de tarefa significativa e importante para a organização e para a sociedade, quando

há possibilidade de utilizar a criatividade e imprimir uma marca pessoal ao trabalho realizado

e também quando possibilita sentir orgulho e admiração pelo que se faz, além do

reconhecimento de pares e chefias. Por outro lado, esses estudos também apontaram que as

vivências de sofrimento aparecem associadas à divisão e padronização de tarefas,

subutilização do potencial e da criatividade individual, rigidez hierárquica, excesso de

procedimentos burocráticos, ingerências políticas, centralização de informações, ausência de

participação nas decisões, falta de reconhecimento individual e pouca perspectiva de

crescimento profissional do trabalhador.

Visser et al. (2003) realizaram estudo com médicos especialistas holandeses

(psiquiatras, anestesiologistas, cirurgiões, neurologistas, pediatras, radiologistas,

ginecologistas e outros especialistas), abordando stress, satisfação no trabalho e burn out. O

estudo teve como objetivos (a) analisar os níveis de stress e satisfação relacionados ao

trabalho entre aqueles especialistas, (b) investigar a dimensão das características pessoais, das

características do trabalho e as condições de trabalho percebidas como relacionadas ao stress e

satisfação e (c) conhecer os efeitos do stress e da satisfação no burn out entre aqueles

profissionais. Os resultados apontaram que a satisfação no trabalho funciona como um

elemento de proteção contra as conseqüências negativas do stress no trabalho e que os dois

elementos, stress e insatisfação, aparecem como importantes predisponentes à exaustão

emocional. O burn out aparece relacionado à associação de altos níveis de stress e baixa

satisfação no trabalho, mais do que somente ao stress, de modo que stress e satisfação no

trabalho guardam entre si uma relação inversa, ou seja, quando o nível de stress no trabalho é

33

elevado e o nível de satisfação é baixo, a exaustão é mais evidenciada. Por outro lado, fatores

pessoais, interpessoais e organizacionais foram relatados pelos participantes como estando

relacionados ao stress e burn out, entretanto, evidenciou-se a importância de fatores

organizacionais, mais do que os fatores de ordem pessoal, na vivência de stress e de satisfação

no trabalho, corroborando, portanto, os estudos de Dejours no que diz respeito à organização

do trabalho como gênese do sofrimento psíquico entre os trabalhadores.

As transformações ocorridas no serviço público e seu impacto na saúde dos

trabalhadores da Seguridade Social, onde se incluem os trabalhadores do INSS, foram objeto

de pesquisa realizada na cidade de Porto Alegre/RS, buscando, dentre outros propósitos,

conhecer as doenças que acometem aqueles trabalhadores e investigar sua relação com o

trabalho que eles realizam (CRESPO. et al., 2004). Os pesquisadores analisaram os

afastamentos por motivo de licença médica daqueles trabalhadores no período de 1999 ao

primeiro semestre de 2002, utilizando-se dos boletins médicos dos trabalhadores afastados e

também realizaram entrevistas com representantes sindicais e com trabalhadores

representantes das instituições pesquisadas, dentre as quais o INSS de Porto Alegre.

Particularmente quanto aos trabalhadores do INSS, as conclusões apontaram

para três grupos de doenças que mais afetam os trabalhadores: primeiramente os distúrbios

osteomusculares (LER/DORT), seguidos pelos transtornos psíquicos, com elevado número de

casos de depressão e, em terceiro plano, as doenças do aparelho respiratório. Para os

pesquisadores, todas essas doenças são passíveis de relação com o trabalho e, de modo geral,

elas afetam mais os trabalhadores da área fim do que os trabalhadores da área meio da

instituição.

É importante esclarecer que as denominações “área-fim” e “área-meio” são

denominações internas para caracterizar aquilo que é definido institucionalmente como

“finalidade” da instituição, ou, por outro lado, área-meio como aquela que congrega

34

atribuições administrativas internas que não se relacionam diretamente ao “negócio” da

instituição. Dessa forma, quando se fala em “área-fim do INSS” refere-se precisamente à área

de benefícios nas atividades relacionadas à oferta de serviços e benefícios previdenciários aos

beneficiários da Previdência Social, através da atividade de atendimento ao público nas

Agências da Previdência Social.

Merece destaque, também, a referência que os pesquisadores fizeram à

organização do trabalho no serviço público, enfatizando, dentre outros aspectos, a rigidez das

normas internas, a ausência de valorização dos trabalhadores e a ausência de sua participação

nas decisões relacionadas ao trabalho, circunstâncias essas a que atribuem possíveis

sentimentos de frustração e sofrimento mental dos trabalhadores.

35

CAPÍTULO III

3 MÉTODO

3.1 CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO

A atividade de pesquisa pode ser definida como a atividade básica da ciência

na sua indagação e descoberta da realidade e, para a consecução de seus propósitos, recorre a

um arcabouço metodológico regido por parâmetros científicos que norteiam os rumos da

investigação pretendida. Pode-se definir a metodologia de uma pesquisa como “o caminho e

o instrumental próprios de abordagem da realidade, incluindo as concepções teóricas da

abordagem, o conjunto de técnicas que possibilitam a apreensão da realidade e também o

potencial criativo do pesquisador” (MINAYO, 2004, p. 22). Além de estudar os métodos de

pesquisa, a metodologia tem o papel de conduzi-la em conformidade com as exigências

científicas. Segundo a autora, também são elementos importantes à investigação social a

capacidade criadora e a experiência do pesquisador, que conduzem ao que ela denomina

“qualidade pessoal do trabalho científico, verdadeiro artesanato intelectual que traz a marca

do pesquisador” (MINAYO, 2004, p. 23). Entende-se, portanto, que a metodologia adotada

em pesquisa depende diretamente do objeto em estudo, de sua natureza, amplitude e dos

objetivos e criatividade do pesquisador.

Esta investigação foi conduzida nos moldes da abordagem qualitativa, que em

sua essência, propõe-se mais particularmente a contemplar o campo da subjetividade e do

simbolismo, a compreensão das relações e atividades humanas com os significados que as

anima, a complexidade de fenômenos, fatos e processos particulares e específicos de grupos

delimitados, aproximando-se, assim, do objeto de estudo escolhido (MINAYO e SANCHES,

1993). Por considerar a intensidade das relações sociais, a abordagem qualitativa aplica-se

melhor à compreensão de fenômenos específicos e delimitáveis, tais como o estudo de um

36

grupo de pessoas afetadas por uma determinada condição mórbida, o estudo de desempenho

de uma instituição, ou o estudo da configuração de um fenômeno ou processo, entretanto, é

importante registrar que qualquer abordagem escolhida pelo pesquisador, por mais bem

utilizada seja, pode ser insuficiente para apreender a totalidade da realidade observada.

O objeto das ciências sociais é essencialmente qualitativo, e “a pesquisa social

trabalha com gente, com atores sociais em relação, com grupos específicos” (MINAYO,

2004, p. 105). A pesquisa qualitativa se preocupa com um nível de realidade que não pode ser

quantificado, ou seja, ela “trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações,

crenças, valores e atitudes, lidando com processos, fenômenos e relações que não podem ser

reduzidos à operacionalização de variáveis” (MINAYO, 1994, p. 21-22). Dessa forma, a

autora ressalta que a abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das

ações e das relações humanas.

Em termos de caracterização ou tipos de estudos, Triviños propõe a definição

de estudos exploratórios como sendo aqueles que permitem ao investigador aumentar sua

experiência, aprofundando seu estudo e adquirindo maior conhecimento a respeito de um

problema, podendo ainda servir para levantar possíveis problemas de pesquisa. O autor

considera estudos descritivos aqueles que buscam descrever os fatos e fenômenos de

determinada realidade, ou seja, aqueles que procuram determinar como é o fenômeno e por

que ocorre (TRIVIÑOS, 1987, p. 101). Utilizando essa formulação conceitual, pode-se

caracterizar o presente estudo como descritivo de caráter exploratório, visto que se propôs a

conhecer uma determinada problemática de saúde relacionada ao trabalho em determinado

segmento de trabalhadores, descrevendo o fenômeno estudado dentro da realidade escolhida e

articulando-o com os elementos que o condicionam. Ressalte-se que durante o trabalho de

investigação evidenciaram-se elementos sugestivos de outros problemas de pesquisa a serem

considerados.

37

O trabalho de campo foi desenvolvido entre os meses de junho e outubro do

ano de 2006 em duas (02) Agências da Previdência Social na cidade do Rio de Janeiro, com

os trabalhadores da atividade de atendimento ao público da área de benefícios do INSS que se

propuseram a participar da pesquisa. A principal atividade de trabalho nas Agências da

Previdência Social é o atendimento ao público, tanto na área de benefícios, como na área de

arrecadação, que são consideradas “áreas-fins” do INSS, conforme referenciado

anteriormente. O critério utilizado para a escolha das duas Agências foi o tamanho das

mesmas, por serem consideradas grandes Agências, tanto no que se refere ao volume de

atendimentos diários, maior capacidade operacional para fazer frente à grande demanda de

usuários, maior quantidade de trabalhadores na atividade de atendimento ao público, quanto

maior oferta de serviços previdenciários, em comparação com as demais.

Em pesquisa qualitativa não se utiliza delimitação de amostra, tal como se

procede nos métodos quantitativos clássicos, visto que na abordagem qualitativa “preocupa-se

menos com a generalização e mais com o aprofundamento e abrangência da compreensão,

seja de um grupo social, de uma organização, de uma instituição, de uma política, ou de uma

representação” (MINAYO, 2004, p. 102). Segundo a autora, o critério da abordagem

qualitativa não é, portanto, numérico, e considera-se que uma amostra ideal é aquela capaz de

refletir a totalidade na suas múltiplas dimensões. Nesse sentido, uma amostragem qualitativa

visa a (a) privilegiar os sujeito sociais que detém os atributos que se pretende conhecer;

(b) considerá-los em número suficiente para permitir uma reincidência das informações;

(c) não obstante a homogeneidade necessária em seus atributos, diversificar o conjunto de

informantes para conseguir apreender diferenças e semelhanças e (d) escolher o local e o

grupo de observação e informação que contenham o conjunto de experiências e expressões

coerentes com o objeto da pesquisa.

38

A população da pesquisa são os servidores públicos federais pertencentes ao

quadro de pessoal ativo do INSS e que realizam a atividade de atendimento ao público nas

Agências da Previdência Social em todo o país. Assim sendo, entende-se que o grupo de

trabalhadores na atividade de atendimento nas Agências do INSS selecionadas e que

participou do estudo compõe a amostragem qualitativa que atende ao critério de

representatividade da população definida e reflete as múltiplas dimensões da mesma.

Considera-se que esses participantes são sujeitos sociais que no cotidiano do trabalho

protagonizam experiências de prazer e sofrimento, vivenciam situações de trabalho

semelhantes aos demais da população a que pertencem e são numericamente suficientes para

permitir certa repetição das informações dentro dos limites dos objetivos do estudo. Entende-

se, portanto, que esses trabalhadores refletem as características e a identidade dos demais

trabalhadores que constituem a população estudada, qual seja, os servidores do INSS que

trabalham diariamente na atividade de atendimento ao público em Agências da Previdência

Social.

Antes de iniciar o trabalho de campo a pesquisadora solicitou autorização,

através de Carta de Apresentação (Apêndice A) aos Gerentes Executivos do INSS

responsáveis pelas Agências onde o trabalho seria desenvolvido, para ter acesso àquelas

unidades, ter contato com as respectivas chefias e com os trabalhadores, explicitando clara e

sucintamente o objeto de estudo e os objetivos pretendidos. Os Gerentes Executivos

concordaram com a proposta do estudo, autorizaram a realização do mesmo e fizeram contato

com os chefes das respectivas Agências, tratando do assunto. Em seguida a pesquisadora foi a

cada uma das unidades para a devida apresentação da proposta de estudo aos respectivos

chefes e trabalhadores da atividade de atendimento ao público, com vistas apresentar o tema e

os objetivos da pesquisa, esclarecendo, principalmente, o caráter voluntário e anônimo da

participação e também o sigilo das respostas.

39

A apresentação da proposta de pesquisa aos trabalhadores foi realizada em

único dia, separadamente em cada uma das Agências, em horário de trabalho com aqueles

trabalhadores que estavam no local de trabalho naquela ocasião. Como as Agências se

encontravam em pleno horário de funcionamento e os trabalhadores em horário de expediente,

foram organizadas reuniões em pequenos grupos com aqueles que se propuseram a ouvir a

apresentação, onde foram esclarecidas dúvidas e questões quanto ao desenvolvimento do

trabalho de campo, com vistas a iniciá-lo propriamente. Conforme ressalta Cruz Neto, nesse

momento inicial do trabalho de campo é necessário estabelecer uma situação de troca, onde a

busca das informações que se pretende obter está inserida num jogo cooperativo, baseado no

diálogo entre pesquisador e pesquisados, e não na obrigatoriedade (CRUZ NETO, 1994,

p. 55).

Feita a apresentação da proposta do estudo aos trabalhadores reunidos em

pequenos grupos, alguns deles se manifestaram desejosos de participar da pesquisa já naquele

momento inicial. Como a participação teve caráter voluntário, foi, então, entregue,

individualmente, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme modelo

constante no Apêndice B, para ser lido, assinado e devolvido à pesquisadora. Através do

Termo de Consentimento os sujeitos expressaram sua concordância e autorizaram sua

participação voluntária na pesquisa, cientes da natureza do estudo, de seus objetivos, métodos,

benefícios previstos, potenciais riscos, passos do desenvolvimento do trabalho, etc.,

possibilitando-lhes, enfim, um real e pormenorizado entendimento da proposta de pesquisa.

3.2 ABORDAGENS TÉCNICAS

Em pesquisa qualitativa nas Ciências Sociais, o trabalho de campo se apresenta

como uma possibilidade não só de uma aproximação com aquilo que se deseja conhecer e

estudar, mas também de gerar conhecimento, partindo da realidade presente no campo,

40

conforme destaca Cruz Neto (1994, p. 51). Segundo esse autor, o que atrai na produção do

conhecimento é a existência do desconhecido, é o sentido da novidade e o confronto com

aquilo que é estranho.

Dentre as diversas formas de abordagem técnica do trabalho de campo foram

escolhidos para este estudo o questionário, a entrevista e a observação. A utilização desses

instrumentos, a seguir detalhados, foi conduzida pela própria pesquisadora em etapas

diferentes ao longo do trabalho de campo, embora simultaneamente nas duas Agências

selecionadas.

A utilização do questionário como instrumento inicial de coleta de dados serviu

como forma de aproximação da pesquisadora com a realidade dos informantes, em moldes

semelhantes ao que se propõe uma pesquisa survey no método quantitativo. De acordo com

Freitas et al., o método de pesquisa survey pode ser descrito como a obtenção de dados ou

informações sobre características, ações ou opiniões de determinado grupo de pessoas

indicado como representante de uma população-alvo, utilizando como instrumento de

pesquisa, normalmente um questionário (FREITAS et al. 2000). Pode-se dizer que é um

método mais apropriado para certas situações de pesquisa, especialmente, quando (a) o foco

de interesse é sobre “o que está acontecendo”, ou “como e por que isso está acontecendo”;

(b) não se tem interesse ou não é possível controlar as variáveis dependentes e independentes;

(c) quando o ambiente natural é a melhor situação para estudar o fenômeno de interesse;

(d) quando o objeto de interesse ocorre no presente ou no passado recente.

Preservando-se as devidas diferenciações metodológicas quanto à pesquisa

survey, o questionário utilizado qualitativamente no trabalho de campo com os sujeitos desta

pesquisa coletou informações sobre características e opiniões daquele grupo de trabalhadores

sobre aspectos relacionados ao seu processo de trabalho, já que a pesquisa pretendeu

investigar “como” se expressam as vivências de prazer e sofrimento na atividade de

41

atendimento ao público em Agências da Previdência Social, no Rio de Janeiro, no presente,

sendo o próprio local de trabalho dos informantes a melhor situação para estudar esse

fenômeno. Nessa perspectiva, optou-se por iniciar a coleta de dados no campo utilizando

como instrumento um questionário anônimo, com o objetivo de conhecer a atividade de

atendimento ao público nas duas Agências da Previdência Social escolhidas para o estudo, sua

interface com as vivências de prazer e sofrimento no trabalho atualmente e as opiniões dos

trabalhadores sobre o contexto institucional onde tal atividade está inserida.

Os questionários foram aplicados nos meses de junho e julho, no local de

trabalho dos participantes, durante o horário de expediente, tanto no período da manhã,

quanto no período da tarde, em diferentes dias da semana, atendendo à voluntariedade,

conveniência de horário e disponibilidade de tempo dos trabalhadores. Em ambas as Agências

a aplicação do questionário teve início no mesmo dia da apresentação da proposta de

pesquisa, logo após o preenchimento e a devolução do TCLE pelos interessados. Como as

Agências estavam em pleno horário de atendimento ao público, nem todos os interessados

puderam preencher o questionário naquele primeiro dia, pois havia uma grande demanda de

usuários aguardando atendimento, de forma que a pesquisadora retornou outras vezes às duas

Unidades para concluir a aplicação desse instrumento, contemplando, assim, todos os

trabalhadores que se propuseram a participar.

Nas situações de aplicação dos questionários, os mesmos foram distribuídos

pela pesquisadora, respondidos individualmente pelos participantes e devolvidos

imediatamente àquela. O conteúdo das questões abordou aspectos relacionados aos objetivos

definidos para a pesquisa, conforme roteiro constante no Apêndice C. Considerando o total de

informantes nas duas Agências, foram vinte e quatro (24) participantes nesta primeira fase da

coleta de dados, dentre trabalhadores do sexo masculino e feminino, todos eles pertencentes

ao quadro de pessoal ativo do INSS e que tem como atividade de trabalho o atendimento ao

42

público na área de benefícios nas Agências da Previdência Social escolhidas, sendo onze (11)

trabalhadores de uma Agência e treze (13) da outra. Concluída a etapa de aplicação do

questionário e analisados os dados obtidos com esse instrumento, partiu-se para a etapa de

entrevista com os trabalhadores.

Sendo a técnica mais usada no trabalho de campo em pesquisa

social, a entrevista pode ser entendida em dois sentidos: no sentido amplo de comunicação

verbal que reforça a importância da linguagem e do significado da fala, e no sentido restrito

de coleta de informações sobre determinado tema científico, na qual o pesquisador recolhe

informações através da “fala” dos atores sociais (MINAYO, 2004, p. 107-110). Segundo essa

autora, o que torna a entrevista um privilegiado instrumento de coleta de informações para as

ciências sociais é a possibilidade de a “fala” ser reveladora de condições estruturais, de

sistemas de valores, normas e símbolos e, ao mesmo tempo transmitir através de um porta-voz

as representações de grupos determinados em condições históricas, sócio-econômicas e

culturais específicas.

Quando da aplicação do questionário, a pesquisadora informou aos

trabalhadores que haveria uma etapa complementar de coleta de dados, que seria realizada

através de entrevista individual, também voluntária, com aqueles trabalhadores que

estivessem interessados em participar, e para isso a pesquisadora retornaria às Agências em

momento posterior. Alguns trabalhadores prontamente se declaram interessados na entrevista

já naquele primeiro momento.

Coletadas as informações iniciais através do questionário, deu-se início à etapa

de utilização de entrevista semi-estruturada, combinando perguntas fechadas e abertas,

conforme roteiro de entrevista adaptado do modelo utilizado por Santos (2001) e que constitui

o Apêndice D. As entrevistas foram realizadas pela pesquisadora nos meses de setembro e

outubro de 2006, individualmente, com dez (10) trabalhadores de ambos os sexos, dentre

43

aqueles que haviam respondido o questionário na fase anterior e que também se propuseram

voluntariamente a participar da segunda etapa de coleta de dados.

A pesquisadora estabeleceu como critério o máximo de dez (10) entrevistas

individuais, preferencialmente com cinco (05) trabalhadores de cada Agência, entre

trabalhadores de ambos os sexos. Decorrido um mês da aplicação do questionário, ela

retornou a cada uma das Agências e fez contato com cada um dos informantes que havia

respondido o questionário, perguntando se tinha interesse em participar da entrevista. Os

cinco primeiros trabalhadores contatados em cada uma das Unidades que se dispuseram

voluntariamente a participar tiveram suas entrevistas agendadas, respeitando-se a

conveniência de horário e a disponibilidade de tempo de cada um deles. Dessa forma, foram

entrevistados cinco (05) trabalhadores do sexo masculino e cinco (05) do sexo feminino,

heterogeneamente, em cada uma das Agências da Previdência Social escolhidas para o estudo.

As entrevistas aconteceram no próprio local de trabalho dos participantes,

durante o horário de expediente dos mesmos, em data e horário previamente agendados, em

diferentes dias da semana e, portanto, foram realizadas nas próprias Agências, em seu horário

normal de funcionamento. Como nas duas Agências não havia espaço reservado e adequado

para que as entrevistas fossem gravadas, optou-se por conduzi-las de forma escrita, onde o

entrevistador anotou, uma a uma, as respostas dos entrevistados, seguindo o roteiro de

entrevista previamente estabelecido. Algumas das entrevistas foram feitas nos próprios

guichês de atendimento dos trabalhadores, em meio a toda a dinâmica do serviço de

atendimento ao público da Agência, onde, não raro, o entrevistado foi interrompido por

colegas ou por usuários do serviço que estavam aguardando atendimento. As entrevistas

ocorreram simultaneamente com os trabalhadores das duas Agências, entretanto, a

pesquisadora definiu como critério entrevistar não mais de três (03) trabalhadores por dia.

44

Embora o referencial teórico deste estudo seja a abordagem psicodinâmica do

trabalho, que é uma disciplina dotada de metodologia de pesquisa própria e completamente

diferente da metodologia utilizada neste estudo, convém esclarecer que a opção por utilizar

questionário e entrevista semi-estruturada, individualmente, decorreu do entendimento de que

esses instrumentos aplicam-se mais adequadamente à situação de pesquisa apresentada e às

peculiaridades da realidade de trabalho dos informantes. Essa forma de condução da pesquisa

permitiu conhecer a problemática que se pretendeu estudar naquele coletivo de trabalho e,

portanto, conjectura-se não ter comprometido os resultados encontrados, os quais serão

discutidos no Capítulo VI.

Complementarmente à utilização do questionário e da entrevista e como

estratégia para melhor compreender a realidade investigada, incluiu-se também neste estudo a

observação dos sujeitos da pesquisa em situação real de trabalho na atividade de atendimento

ao público nas duas Agências, em diferentes períodos e dias da semana, ainda que de forma

rápida, superficial e assistemática. Não se tratou de observação participante no sentido

específico do termo, visto que implicaria atender a certos requisitos metodológicos bem

definidos, o que não pareceu viável ou exeqüível no contexto de trabalho pesquisado naquele

momento. Esclareça-se que a observação participante é considerada parte essencial do

trabalho de campo em pesquisa qualitativa e é tida por alguns estudiosos como um método em

si mesmo, e não como uma estratégia no conjunto da investigação para compreensão da

realidade.

Neste estudo optou-se por utilizar uma outra modalidade de observação, a

observação assistemática, que se aproxima da idéia de “observador-como-participante”

utilizada por Minayo, para denominar o que ela concebe como uma terceira modalidade de

observação participante, frequentemente empregada como estratégia complementar ao uso das

entrevistas e que se trata de uma observação quase formal, em curto espaço de tempo, cujas

45

limitações advêm do contato superficial (MINAYO 2004, p. 142). Pode-se dizer que é uma

das “variações da técnica” de observação, no que diz respeito ao papel do pesquisador

enquanto participante observador (CRUZ NETO, 1994, p.60).

As sessões de observação ocorreram em diferentes dias da semana, em

períodos distintos do horário de funcionamento normal de trabalho nas unidades de

atendimento e, portanto, em situações de dias típicos de trabalho. A pesquisadora chegava às

Agências, situava-se em distintos locais da área de atendimento, ora na parte interna dos

guichês de atendimento onde estavam os trabalhadores, ora junto aos usuários que

aguardavam a chamada de sua senha para atendimento, na parte destinada à espera, ora

circulando pelo espaço físico da área de atendimento das unidades, de forma a acompanhar a

dinâmica de seu funcionamento em seus diferentes setores de atendimento, desde a porta de

entrada da Agência, passando pela recepção, o setor de distribuição das senhas, o serviço de

orientação e informação, até os guichês de atendimento para requerimento de benefícios ou

para outras solicitações não atendidas em nenhum dos pontos anteriores.

As observações foram registradas por escrito pela pesquisadora, destacando,

sobretudo, aspectos passíveis de observação tais como o volume e fluxo da demanda de

atendimentos, a seqüência de tarefas executadas pelos trabalhadores na atividade de

atendimento, a interação dos trabalhadores entre si e com o público, bem como o aspecto

logístico dos locais de trabalho (condições físicas e instrumentais) onde atuam os

participantes da pesquisa, a distribuição de tarefas e a dinâmica interna daquele contexto.

Tais observações assistemáticas, assim qualificadas pela pesquisadora,

permitiram uma melhor percepção e compreensão do processo de trabalho onde se insere a

atividade de atendimento ao público nas duas Agências da Previdência Social onde se deu o

trabalho de campo. Por conseguinte, possibilitaram conhecer melhor o funcionamento das

mesmas em um dia típico de trabalho e também o universo de usuários que freqüentam

46

aquelas Unidades e que utilizam os serviços previdenciários. Além disso, permitiram à

pesquisadora entender melhor o conteúdo e a subjetividade da fala dos trabalhadores sujeitos

da pesquisa em suas referências ao trabalho.

Como etapa conclusiva do trabalho de campo, o projeto de pesquisa previu a

restituição dos resultados aos trabalhadores que participaram da investigação, e essa

informação foi passada pela pesquisadora aos trabalhadores quando da apresentação inicial da

proposta de estudo. Após análise e elaboração dos resultados encontrados, a pesquisadora

retornou às duas Agências da Previdência Social onde trabalham os sujeitos e conversou com

cada um deles, cientificando-os da elaboração dos resultados da pesquisa e informando a

disponibilidade, a partir daquele momento, de promover a restituição dos mesmos aos

participantes, coletivamente. Em ambas a Agências, alguns deles referiram dificuldades em

promover uma reunião para isso naquele momento, alegando que estavam em horário de

atendimento e com muitos usuários aguardando serem atendidos. A sugestão vinda dos

próprios trabalhadores foi retornar o contato com a pesquisadora em momento posterior, a fim

de agendar um encontro para a restituição dos resultados, em data e horário mais conveniente

para o grupo de participantes como um todo. Registre-se que até o presente momento esse

contato não foi feito com a pesquisadora, e, portanto, a etapa de validação dos resultados com

os trabalhadores ainda não foi realizada em nenhuma das Agências.

3.3 ASPECTOS ÉTICOS

Discutir os aspectos éticos envolvidos em pesquisa significa,

fundamentalmente, contemplar os conceitos de cientificidade e de eticidade, enquanto

condições iniciais para viabilizar, de modo geral, projetos de pesquisa. A cientificidade de

uma pesquisa relaciona-se à utilização de métodos e técnicas que possibilitam sua análise,

enquanto a eticidade refere-se ao respeito a uma série de deveres ou princípios morais

47

vigentes na cultura e na sociedade onde ela será desenvolvida (PALÁCIOS, REGO e

SCHRAMM, 2002).

No caso de pesquisas envolvendo seres humanos, são consideradas condições

necessárias de eticidade, por exemplo, o respeito à autonomia dos sujeitos que participam da

pesquisa, a análise ponderada das repercussões provocadas pela utilização dos métodos e

técnicas com os sujeitos, a relevância social da pesquisa, no sentido de que os benefícios e

ônus sejam repartidos com equidade, etc. Ressalte-se que a cientificidade de uma pesquisa

não deve ser, sob o ponto de vista ético, o único critério para justificá-la, pois, embora seja

condição necessária, não é igualmente condição suficiente para sua eticidade. Quando se

tratam de pesquisas com seres humanos, a eticidade não se refere exclusivamente aos

benefícios auferidos pela humanidade com o simples avanço do conhecimento científico, pois,

se assim o fosse, diversos estudos que em nome da ciência afrontaram a condição e a

dignidade humanas estaria plenamente justificados.

As normas brasileiras que regulamentam as pesquisas com seres humanos estão

sistematizadas na Resolução MS/CNS nº 196/96 e assumem os quatro princípios da Abordagem

Principialista, quais sejam os princípios da Autonomia, da Beneficência, da Não-Maleficência e

da Justiça, como referencial para a apreciação ética de todo projeto de pesquisa no Brasil. Em se

tratando dos aspectos éticos envolvidos, este estudo seguiu, portanto, os princípios da

Abordagem Principialista em Bioética. Quando de sua elaboração, o projeto de pesquisa

incorporou, portanto, os aspectos éticos recomendados pela Resolução MS/CNS nº 196/96 sobre

pesquisa envolvendo seres humanos, foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa do

IESC/UFRJ, para fins de apreciação, tendo sido devidamente aprovado. Também foi

devidamente cadastrado no Sistema Nacional de Ética em Pesquisa – SISNEP, do Conselho

Nacional de Ética em Pesquisa / Ministério da Saúde, e o trabalho de campo somente teve início

após apreciação e aprovação daquele Comitê, através de Parecer favorável à realização do

48

estudo. Os custos financeiros decorrentes da realização do trabalho de campo foram de

responsabilidade da própria pesquisadora.

No tocante ao princípio da Autonomia, a pesquisa foi conduzida oferecendo aos

sujeitos, desde o momento da apresentação do projeto, todas as informações necessárias à

compreensão e esclarecimento da mesma, de forma a possibilitar o pleno entendimento quanto

aos possíveis benefícios, pessoais e coletivos, bem como os possíveis riscos que poderiam

decorrer de sua participação, a fim de que pudessem decidir, livremente, participar, ou não, do

estudo.

Sob a ótica do princípio da Beneficência, acredita-se que o estudo trouxe

benefícios individuai para os sujeitos e pode trazer benefícios coletivos, sociais, para os

trabalhadores do INSS em geral e também para o público de usuários. Individualmente, o estudo

possibilitou a expressão dos trabalhadores no que diz respeito às suas percepções, sentimentos e

vivências relacionadas ao trabalho na atividade de atendimento ao público no INSS, aos usuários

da previdência social, aos pares e colegas, aos chefes e dirigentes da instituição e à própria

instituição. Essa “fala” trouxe consigo uma reflexão crítica sobre esses aspectos e sobre a

dinâmica da realidade de trabalho em que estão inseridos, além de uma maior compreensão da

relação entre saúde e trabalho na atividade que realizam, particularmente no que diz respeito aos

aspectos negativos que impactam direta e indiretamente na saúde de cada um deles.

Em termos de benefícios coletivos, extensivos aos demais trabalhadores tanto da

atividade de atendimento ao público, como aos trabalhadores de outras atividades e setores do

INSS, o estudo trouxe contribuições significativas para a compreensão da problemática estudada

e se espera que os resultados encontrados sejam devidamente apropriados pelos sujeitos que

participaram do estudo e sucitem mobilização coletiva junto aos demais trabalhadores, com

vistas a encaminhamentos institucionais necessários para minimizar os impactos danosos do

trabalho na saúde de quem o realiza. Assim sendo, espera-se que os benefícios daí advindos

49

contemplem todos os trabalhadores da atividade de atendimento ao público nas Agências da

Previdência Social, de forma que o coletivo de trabalho seja igualmente beneficiado,

caracterizando, portanto, o respeito ao princípio da Justiça (Eqüidade). Os usuários da

previdência social poderão ser beneficiados, indiretamente, com uma melhor adequação dos

processos de trabalho e condições institucionais que permitam aos trabalhadores realizar suas

atividades em circunstâncias saudáveis, com tranqüilidade e segurança.

O princípio da Não-Maleficência foi atendido na medida em que o estudo não

causou danos aos participantes, pois não contemplou atividades que, em tese, trariam

implicações nocivas à dimensão física, psíquica, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual

dos sujeitos. Entende-se que a realização da pesquisa não ofereceu agravos à condição

psicofísica dos sujeitos, nem mesmo daqueles que por ventura tenham histórico de episódios

mórbidos de natureza psíquica decorrentes ou não do trabalho, já que o estudo limitou-se a ouvir

a “fala” dos atores sociais daquela atividade de trabalho, aqui concebida como elemento rico e

essencial à compreensão da problemática estudada. Até a conclusão do trabalho de campo

nenhum dos sujeitos referiu necessitar de apoio, ou assistência psicológica, ou psiquiátrica.

A anuência dos sujeitos para participar de pesquisas no Brasil reveste-se de

elemento fundamental na regulamentação brasileira sobre ética em pesquisa, nos moldes da

abordagem principialista. A Resolução 196/96 do Ministério da Saúde/Conselho Nacional de

Saúde (Resolução MS/CNS nº 196/96) trata da questão do consentimento livre e esclarecido,

em forma de Termo, mediante o qual o sujeito autoriza sua participação voluntária na

pesquisa, ciente da natureza do estudo, de seus objetivos, métodos, benefícios previstos,

potenciais riscos, etc. A regulamentação brasileira exige que o esclarecimento do sujeito seja

formalizado através de documento escrito pelo pesquisador – o Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido (TCLE) – possibilitando àquele um real e pormenorizado entendimento

do projeto de pesquisa e preconiza que o referido Termo seja assinado pelo pesquisador e pelo

50

sujeito da pesquisa, em duas vias, ficando uma delas com o próprio sujeito. Considera-se que

na condução da pesquisa esse requisito também foi plenamente atendido, conforme descrito

anteriormente.

Além dos aspectos éticos acima abordados, a condução do trabalho de pesquisa

preservou integralmente a identidade dos sujeitos, e o conteúdo das informações constantes no

texto não permite qualquer forma de identificação pessoal. Os trechos de depoimentos que o

leitor encontrará no Capítulo VI - Resultados - também não possibilitam identificação dos

sujeitos, e as iniciais dos nomes constantes em cada depoimento lhes foram atribuídas

aleatoriamente pela pesquisadora e não guardam quaisquer relações com seus verdadeiros

nomes ou condição funcional. Igualmente no tocante às Agências da Previdência Social onde

o trabalho de campo foi realizado, o relato da pesquisa apenas situa que o fora em duas

Agências de grande porte na cidade do Rio de Janeiro.

3.4 LIMITES

Pode-se dizer que a investigação do objeto dentro dos parâmetros do desenho

do estudo previamente definido proporcionou significativo conhecimento da problemática de

prazer e sofrimento psíquico no trabalho de atendimento ao público realizado pelos sujeitos da

pesquisa. A utilização do método qualitativo permitiu aprofundar a compreensão dos

significados das ações e relações humanas que se estabelecem naquele coletivo de trabalho,

bem como a compreensão das percepções e vivências expressas através do conteúdo da fala

dos atores sociais daquele processo de trabalho.

Por se tratar de abordagem qualitativa, a pesquisa respondeu a questões muito

particulares de uma realidade que não pode ser quantificada, nem pode ser percebida através

de números e médias estatísticas. Considerou, sobretudo, a singularidade e a subjetividade dos

sujeitos no universo de seus significados, motivações, crenças, valores e atitudes relacionados

51

ao conteúdo pesquisado, num determinado recorte espaço-temporal contextualizado daqueles

trabalhadores. Dessa forma, não se conjectura atribuir generalizações de qualquer natureza,

mesmo que os participantes da pesquisa sejam representativos da população a que pertencem,

haja vista a semelhança nas situações e contextos de trabalho.

Em se tratando de limitações do estudo, cabe registrar a pouca disponibilidade

de tempo disponível dos sujeitos durante o horário de trabalho para ouvir a apresentação da

proposta do estudo, responder o questionário e participar da entrevista. Durante o período de

atendimento na Agência, os trabalhadores atendem sucessivamente os usuários, pois a

sistemática de distribuição de senhas para o atendimento é contínua, de forma que os

atendentes têm poucas possibilidades de manuseio do tempo para pausas no trabalho. Por essa

mesma razão não foi possível apresentar a proposta da pesquisa a todos dos trabalhadores das

Agências coletivamente e imagina-se que também por isso haja dificuldade para se promover

uma reunião com a pesquisadora para a validação dos resultados encontrados.

Ao longo de todo o trabalho de pesquisa e principalmente na fase de coleta de

dados, emergiram diversas outras questões e demandas correlatas ao tema estudado, sobretudo

algumas que têm interface direta com a situação de trabalho evidenciada e outras que se

apresentaram como relevantes na relação saúde-trabalho daquele coletivo de trabalhadores.

Tendo em vista o escopo do estudo, algumas dessas questões e demandas serão apenas objeto

de registro nos capítulos seguintes, sem a pretensão de abordá-las detalhadamente ou de

esgotar a discussão sobre as mesmas.

52

CAPÍTULO IV

4 A SEGURIDADE SOCIAL BRASILEIRA

Este capítulo traz uma breve abordagem do atual modelo da seguridade social

brasileira enquanto política pública destinada à proteção social dos indivíduos, visando à

cidadania social. O conceito de proteção social é aqui tratado à luz da concepção de autores

como Castel, Fleury, Santos, Boschetti e Vianna, dentre outros e, ao abordar o atual modelo

de proteção social brasileiro, são discutidos certos aspectos do sistema previdenciário e

apresentadas algumas considerações sobre as duas últimas reformas da previdência social

brasileira, em 1998 e 2003.

Inicialmente destacam-se a concepção do Estado de Bem-Estar Social e o

significado do welfare state como alicerces ideológicos do que se consolidou posteriormente

sob a denominação de proteção social, situando a importância do keynesianismo como

organização político-econômica na formulação dessa nova concepção de Estado. Também são

discutidos pressupostos como o da insegurança social, enquanto antítese da proteção social, a

noção de risco social e os conceitos de sociedade salarial e sociedade de semelhantes

formulados por Castel (2005), bem como o significado de cidadania regulada e de cidadania

invertida, tratados, respectivamente, por Santos (1979) e Fleury (2005).

Ao tratar do atual modelo de proteção social brasileiro no contexto deste

trabalho de pesquisa, a seguridade social é vista à luz do dispositivo constitucional vigente

que a concebeu em 1988, que traçou sua finalidade e seus princípios norteadores enquanto

política pública capaz de garantir proteção social aos brasileiros. Nessa perspectiva não há

pretensão de analisá-la detalhadamente, ou compará-la com outros modelos, haja vista a

limitação de escopo no que diz respeito aos objetivos do estudo, mas tão somente situá-la na

atual realidade sócio-político-econômica brasileira e suscitar reflexões a respeito de sua

53

implementação, tal como se apresenta atualmente. Merecem considerações as opiniões de

autores como Fleury e Vianna sobre os rumos e vieses que revestiram a consolidação daquele

modelo de seguridade social idealizado na efervescência reformista do final dos anos 80 no

Brasil e que culminaram com a atual configuração e efetividade da proteção social que se tem

hoje no país.

Em seguida faz-se uma breve exposição sobre o sistema previdenciário

brasileiro, os regimes de previdência que o compõem, suas principais características,

finalidade e, sobretudo, seus critérios de cobertura aos trabalhadores, a fim de melhor situar o

leitor sobre um aspecto de significativa importância nas discussões que permeiam a questão

da proteção social no Brasil: a lógica do seguro até então vigente, que é o cerne da proteção

previdenciária, e seu distanciamento da concepção original da seguridade social, tal qual

formulada e instituída pela Constituição Federal de 1988.

O capítulo encerra-se com algumas considerações sobre as duas últimas

reformas da Previdência Social brasileira, em 1998 e em 2003, ressaltando as principais

alterações introduzidas na Constituição Federal no tocante aos direitos dos trabalhadores

relacionados aos benefícios previdenciários, bem como destacando as repercussões dessas

reformas no âmbito institucional do INSS, principalmente na dinâmica interna do corpo

funcional.

4.1 PROTEÇÃO SOCIAL: UM CAMINHO PARA CIDADANIA

O desenvolvimento do capitalismo industrial, sobretudo depois da II Guerra

Mundial, quando o processo de industrialização em massa trouxe à cena grandes contingentes

da classe trabalhadora urbana, intensificou as relações clássicas e formais de trabalho e

consolidou a economia baseada na produção de bens. Os trabalhadores regidos pela

organização padronizada do trabalho e fortalecidos enquanto classe criaram e se fizeram

54

representar por sindicatos cada vez mais atuantes em suas iniciativas e propostas

reivindicatórias. Foi nesse período que a classe trabalhadora teve uma forte participação em

termos de luta social e desempenhou papel importante como agente de mudança no que diz

respeito ao redimensionamento das relações entre capital e trabalho.

Particularmente em países desenvolvidos da Europa ocidental e, no continente

americano, nos Estados Unidos da América (EUA), as condições sócio-econômicas

propiciadas pelo incremento do processo de industrialização favoreceram a formação dos

Estados de Bem-Estar Social, conhecidos também como welfare state. A literatura sobre o

assunto aponta para certo consenso entre alguns estudiosos, no sentido de que esses Estados

de Bem-Estar Social constituíram-se plenamente no pós-II Guerra Mundial., embora com

diferentes arcabouços institucionais, em razão das distintas realidades nacionais. Assim, pode-

se falar com mais propriedade sobre as experiências de Estado de Bem-Estar somente no

período pós-guerra.

A expressão welfare state pode ser entendida como um conjunto de serviços e

benefícios sociais de alcance universal promovido pelo Estado, com a finalidade de garantir

certa "harmonia" entre o avanço das forças de mercado e uma relativa estabilidade social,

suprindo a sociedade de benefícios sociais. Tais benefícios garantiriam aos indivíduos

segurança para manterem um mínimo de base material e níveis de padrão de vida, capazes de

enfrentar os efeitos deletérios de uma estrutura de produção capitalista desenvolvida e

excludente (GOMES, 2006). Para esse autor, Estado de Bem-Estar Social ou Estado-

Providência surge como proposta institucional conduzida pelo Estado com o objetivo de

implementar e financiar programas e planos de ação destinados a promover os interesses

sociais coletivos dos membros de uma determinada sociedade. Nessa perspectiva, o Estado

assume o papel de regulador ou de mediador, no sentido de equilibrar o desenvolvimento

econômico e o desenvolvimento social, com vistas a manter a coesão social.

55

O arcabouço ideológico do welfare satate agregou as contribuições teóricas do

economista inglês John Maynard Keynes, cujas idéias no campo da economia política

consubstanciaram-se na chamada Teoria Keynesiana ou Keynesianismo, que consiste numa

organização político-econômica oposta às concepções neoliberais, fundamentada na

afirmação do Estado como agente de controle total ou majoritário da economia, com o objtivo

de conduzir a um sistema de pleno emprego. Em outros termos, pode-se definir o

Keynesianismo como o conjunto de idéias que propunham a intervenção estatal na vida

econômica, com o objetivo de conduzir a um regime de pleno emprego. Se, por um lado, o

Keynesianismo sustentava a intervenção do Estado nas economias através dos gastos públicos,

ou seja, através do custeio e dos investimentos, a fim de assegurar a demanda efetiva e, assim,

o nível de emprego, por outro, o Estado do Bem-Estar Social conferia as condições

institucionais para a garantia de sobrevivência dos indivíduos pela regulação do nível básico

de salário/renda, seguridade social e assistência à saúde (PELIANO, 1998).

Imbuído da função de conduzir o desenvolvimento econômico atrelado ao

equilíbrio e ao desenvolvimento social, o Estado de Bem-Estar Social atuou de forma a

promover a maior oferta de emprego, viabilizar o consumo, ou possibilitar um aparato estatal

de suporte às demandas e necessidades dos indivíduos, possibilitando as condições para a

formação das redes de proteção social capazes de minimizar as tensões sociais, através de

políticas sociais abrangentes e coletivas que se converteram em mecanismos de proteção às

populações.

Introduzindo a discussão sobre proteção social, Castel distingue,

genericamente, dois tipos de proteção: a proteção civil, como sendo aquela que garantiria as

liberdades fundamentais e defenderia a segurança dos bens e das pessoas num Estado de

direito; e a proteção social, que protegeria os indivíduos contra os principais riscos de lhes

acarretar degradação social, quer seja por doença, acidente, velhice sem recursos, ou outras

56

situações imprevisíveis da vida, que podem culminar na sua decadência social (CASTEL,

2005, p. 7). Assim, a proteção social, também chamada Seguridade Social, na França,

caracteriza-se, essencialmente, por mecanismos institucionais na esfera do Estado, capazes de

proteger os indivíduos de uma sociedade quando os mesmos estão expostos aos riscos de

degradação social. Para o autor, ser protegido do ponto de vista social numa sociedade de

indivíduos significa “que esses indivíduos disponham, de direito, das condições sociais

mínimas de sua independência”, daí, porque, a idéia de proteção social aproxima-se da noção

de cidadania social e, por extensão, assemelha-se à formulação sociológica do que se chama,

em termos políticos, uma democracia (CASTEL, 2005, p. 92 e 93).

A antítese da noção de proteção social é, por assim dizer, a idéia de

insegurança social, expressa pela consciência dos indivíduos de estarem “descobertos” e à

mercê das eventualidades da vida que comprometem seu estatuto social. Daí advém aquilo a

que Castel denomina “risco social”, como sendo “qualquer evento que compromete a

capacidade dos indivíduos de assegurarem, por si mesmos, sua dependência social”

(CASTEL, 2005, p.27). De acordo com o autor, a insegurança social não alimenta só a

pobreza, mas age como um princípio de desmoralização e dissociação social, dissolve os laços

sociais e mina as estruturas psíquicas dos indivíduos. Estar em insegurança permanente

significa não poder controlar o presente, nem prever o futuro de forma positiva – é a chamada

“imprevidência” das classes populares (CASTEL, 2005, p. 31).

. Os mecanismos de proteção de uma sociedade podem ser construídos a partir

de referenciais distintos, como por exemplo, a partir do trabalho, ou de outra sorte, da

perspectiva do direito social propriamente dito. Nesse sentido, Castel propõe os conceitos de

“sociedade salarial” e de “sociedade de semelhantes”, considerando-se a primeira aquela em

que os mecanismos de proteção estão condicionados à vinculação dos indivíduos ao trabalho,

ou seja, é através do trabalho, da condição salarial e em decorrência dele, que o indivíduo

57

adquire as garantias da proteção. Em suas palavras, “uma sociedade salarial não é apenas

uma sociedade na qual a maioria da população ativa é assalariada, mas, sobretudo, uma

sociedade na qual a maioria da população tem acesso à cidadania social, primordialmente, a

partir da consolidação do estatuto do trabalho” (CASTEL, 2005, p.33). Essa concepção

guarda estreita correlação com o conceito de cidadania regulada, proposto por Santos, em

cuja essência a garantia dos direitos sociais está condicionada à inserção dos indivíduos na

estrutura produtiva e, por assim dizer, à sua vinculação ao trabalho e ao status salarial. Para o

autor, essa conceituação está fundamentada na idéia de que ser “cidadão não significa

simplesmente ser membro de uma comunidade e estar envolvido por um código de valores

políticos, mas, antes, fazer parte de um estrato ocupacional reconhecido legalmente que lhe

credencia direitos de acordo com o lugar que ocupa na estrutura produtiva, ou seja, nesses

moldes, a cidadania está embutida na profissão ou na ocupação reconhecidas por norma

legal, e os direitos do cidadão são decorrentes dos direitos associados a elas” (SANTOS

1979, p. 68 e 69).

Em contraposição, uma “sociedade de semelhantes” é aquela que aponta para a

função do Estado enquanto redutor dos riscos sociais e, nessa perspectiva, é uma sociedade

que embora diferenciada e hierarquizada, todos os seus membros podem estabelecer relações

de interdependência, porque compartilham direitos e recursos comuns a todos os indivíduos

(CASTEL, 2005, p. 36). Para esse autor, “sociedade de semelhantes” é um tipo de formação

social na qual ninguém é excluído, porque cada indivíduo dos recursos e dos direitos

necessários para manter relações de interdependência, e não só de dependência, com todos os

outros indivíduos (CASTEL, 2005, p. 92). Essa concepção traz consigo a evidência da noção

de cidadania social.

Depreende-se, portanto, que a chamada sociedade salarial, com seu viés

protetor excludente, referenda a desigualdade entre os indivíduos, diferenciando-os entre

58

protegidos e não protegidos. Castel chama a atenção para o fato de que a proteção social não

se resume à concessão de benefícios aos mais necessitados, a fim de poupá-los de uma

completa decadência. Essa noção limitada de proteção social, voltada exclusivamente para os

mais necessitados, aproxima-se do que Fleury denomina relação de cidadania invertida, na

qual o indivíduo passa a ter acesso a certos bens e serviços e, portanto, passa a ser alvo de

proteção social somente em casos de comprovada condição social desfavorável, a condição de

“despossuído”, ou seja, “ele tem que provar que fracassou no mercado produtivo para ser

protegido socialmente” (FLEURY, 2005, p. 451). Para a autora, essa relação de cidadania

invertida não configura uma relação de direito social, ou, nas palavras, de Castel, de cidadania

social, pois se fundamenta em medidas compensatórias, pontuais e descontínuas, muitas vezes

estigmatizantes.

Em suma, a proteção social de caráter includente, nos moldes de um Estado

nacional-social defendida por Castel é para todos os indivíduos a condição básica de

“pertencimento” a uma sociedade de semelhantes, configurando, assim, uma relação de

direito social, visto que ser protegido socialmente, na visão do autor, significa ter direito às

condições sociais mínimas de independência (CASTEL, 2005, p. 81, 92). Ele conclui que a

segurança, seja ela civil ou social, deveria se constituir em direito social, na medida em que

sua antítese, a insegurança, infringe o pacto social e dificulta as relações de reciprocidade e de

acolhimento entre os semelhantes de uma sociedade. Na perspectiva do autor, a extensão da

proteção social decorre de um processo histórico que opera em sintonia com o

desenvolvimento do Estado e as exigências da democracia.

4.2 MODELO BRASILEIRO DE PROTEÇÃO SOCIAL

O atual sistema de proteção social brasileiro instituído pela Constituição

Federal (CF) de 1988 introduziu o modelo de seguridade social, buscando a universalização

59

da cidadania, através da ampliação da cobertura e da articulação entre as estruturas

governamentais envolvidas. Esse novo modelo inclui a previdência, a saúde e a assistência

social, na forma de direitos sociais universais como parte da condição da cidadania

(FLEURY, 2005, p. 453). No capítulo “Da ordem social”, o texto constitucional exprime o

modelo de seguridade social brasileiro, definindo-o como “um conjunto integrado de ações de

iniciativa dos poderes públicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos á

saúde, à previdência e à assistência social” (CF/1988, Título VIII, capítulo II, seção I, art.

194). Essa nova concepção pretendeu estabelecer um sistema de proteção social mais amplo e

inclusivo, baseada no entendimento de que o formato de “seguro” até então vigente

reproduzia as desigualdades entre os trabalhadores no tocante às oportunidades e aos salários,

além de não contemplar aqueles que estavam fora do mercado de trabalho.

O atual modelo da seguridade social brasileira instituído constitucionalmente

representou um avanço do formato anterior e trouxe a premissa de ampliar a proteção social,

do seguro para a seguridade, rompendo com a restrição de cobertura atrelada à inserção no

mercado de trabalho e à participação na estrutura produtiva. Dessa forma, a proteção social

estaria mais próxima de contribuir para a construção de uma “sociedade de semelhantes”, em

que todos os indivíduos compartilham direitos e recursos comuns, tal como formulado por

Castel (2005, p. 36). O novo texto constitucional aproximou o conceito de seguridade da

definição adotada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), segundo a qual

“seguridade é um sistema de cobertura de contingências sociais destinado a todos que se

encontram em necessidade, não restringe benefícios nem a contribuintes nem a trabalhadores

e incorpora a noção de risco social, associando-o não apenas à perda ou redução da

capacidade de trabalhar, mas também a situações em que a insuficiência de renda fragiliza a

vida do cidadão” (VIANNA, 2003, p. 318).

60

Dentre os princípios organizadores da seguridade social brasileira relacionados

por Fleury, destacam-se aqueles que expressam mais substancialmente o núcleo de cada uma

das áreas da nova seguridade, a saber: a universalidade da cobertura e do atendimento, como

eixo do novo sistema de saúde; a irredutibilidade e equivalência dos benefícios (urbanos e

rurais), na área da previdência social; a seletividade e distributividade, como princípio

orientador da política de assistência social; e a eqüidade na forma de participação do custeio

do sistema - recursos provenientes dos orçamentos dos três níveis de governo (federal,

estadual e municipal) e das contribuições sociais (FLEURY, 2005, p. 453). O novo modelo

previu, também, uma renda mínima de sobrevivência destinada a idosos e deficientes

incapazes de trabalhar, que seria de caráter não contributivo e em forma de benefício de

prestação continuada, ou seja, prescindiria de contribuições pretéritas e seria paga

mensalmente aos beneficiários.

Em sua a análise sobre a implementação da seguridade social brasileira nos

moldes constitucionais, Fleury esclarece que não obstante a criação do modelo de seguridade

social estabelecido na Constituição, sua efetiva concretização não se deu plenamente,

sobretudo no tocante ao financiamento do sistema através do Orçamento da Seguridade

Social, que nunca foi implementado, e às leis orgânicas de cada setor (saúde, previdência e

assistência), que não foram definidas concomitantemente com o momento político reformista

da Constituição de 1988, mas só posteriormente, quando o Brasil já vivia uma orientação

política centralizadora e neoliberal, desviando-se, assim, dos princípios e das diretrizes

centrais que conceberam o novo padrão de seguridade (FLEURY, 2005, p. 456). Além disso,

questões relacionadas à sustentabilidade e generosidade do sistema previdenciário, à

manutenção de alguns privilégios para certos segmentos, à grave crise econômica que

atravessou o Brasil nos anos 90, associadas às recomendações das agências internacionais

para a retirada do Estado da provisão dos serviços, por exemplo, sob a égide de um discurso

61

reformista neoliberal comprometeram consideravelmente os avanços políticos e sociais

necessários à plena implementação da nova seguridade social instituída constitucionalmente e

fomentaram novos debates para reformular tal modelo. Ainda segundo a autora, a seguridade

social, enquanto princípio orientador da proteção social brasileira consagrada na Constituição

de 1988 não foi concluída, nem organizacional, nem financeiramente, nem mesmo em relação

ao padrão de benefícios e à cobertura, entretanto, continua na pauta dos movimentos e das

lutas sociais, buscando sua concretização na defesa dos direitos sociais universais (FLEURY,

2005 p. 458).

Vianna corrobora o entendimento de Fleury, afirmando que a seguridade social

brasileira descaracterizou-se tanto do ponto de vista administrativo, quanto do ponto de vista

do financiamento, devido, fundamentalmente, à setorialização administrativa, ou seja, à

separação das três áreas (saúde, previdência e assistência) e à discriminação das receitas

(VIANNA, 2003, p. 319). No que diz respeito ao arranjo administrativo-organizacional,

atualmente são três Ministérios envolvidos na operacionalização da seguridade social, cada

um deles com sua respectiva atribuição concernente a cada uma das áreas, cabendo ao

Ministério da Saúde (MS) a responsabilidade pelos serviços e pela política de saúde, ao

Ministério da Previdência Social (MPS) a responsabilidade pela receita de parte das

contribuições previdenciárias (de empregadores e trabalhadores), pelo pagamento dos

benefícios e pela prestação dos serviços previdenciários, e, finalmente, ao Ministério do

Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), antigo Ministério da Promoção e

Assistência Social, a responsabilidade pela área de assistência social.

As opiniões dos autores acima referenciados quanto à não concretização plena

da seguridade social brasileira nos moldes em que foi constitucionalmente definida é

perfeitamente procedente e factual, quando se observa, por exemplo, a falta de articulação

entre as áreas de saúde, previdência e assistência social, a inexistência de orçamento próprio e

62

único - o orçamento da seguridade social - e a discutível ampliação de cobertura a que se tem

assistido atualmente, justificada pelo chamado “peso” do sistema previdenciário.

4.3 SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO E PROTEÇÃO SOCIAL

A idealização de um sistema de proteção previdenciária pressupõe considerar o

recorte histórico-temporal de uma sociedade e os respectivos aspectos demográficos, a

estrutura econômica e social, as correlações políticas em ação, as relações sociais

estabelecidas entre seus indivíduos e as características culturais, enfim, uma diversidade de

aspectos que permitam preservar a especificidade e a legitimidade da sociedade a que ele se

destina, bem como os objetivos concretos que se pretende alcançar. Assim, embora possa

haver semelhanças entre os sistemas previdenciários de diferentes países, e as experiências de

um e de outro possam servir de referências para adaptações locais, é desejável que tais

sistemas previdenciários sejam específicos para cada realidade nacional, a fim de concretizar

a proteção social a que se destinam de forma condizente com suas peculiaridades

demográficas, econômicas, sociais e culturais.

Sob a ótica das políticas públicas, o sistema previdenciário brasileiro funciona

como um dos instrumentos de proteção social dentro do modelo de seguridade social

instituído no país e se constitui no maior e mais significativo programa de distribuição de

renda do Brasil. Tem como objetivo proteger socialmente os cidadãos em circunstâncias que

o impeçam de prover sua sobrevivência e a de seus dependentes com seus próprios recursos,

como, por exemplo, nas eventualidades de doença, invalidez, idade avançada e morte, além de

oferecer proteção também à maternidade, através de suporte financeiro à gestante. O atual

sistema previdenciário visa, em essência, a proteger os cidadãos brasileiros em circunstâncias

imprevisíveis da vida, através de chamada “cobertura previdenciária”, que se materializa em

forma de concessão de benefícios e prestação de serviços previdenciários, destinados,

63

restritivamente, aos beneficiários do sistema, também denominados de “segurados”, sejam

eles contribuintes ou dependentes destes.

Em seu formato atual, o sistema previdenciário brasileiro vigente congrega três

diferentes regimes previdenciários, cada um deles com suas especificidades quanto à forma de

filiação, abrangência, cobertura e modalidades de repartição, a saber:

• Regime Geral de Previdência Social (RGPS), de natureza pública e abrangência

nacional, baseado na modalidade de repartição simples e destinado aos trabalhadores

do setor privado, sejam eles trabalhadores urbanos ou rurais;

• Regimes Próprios de Previdência, também de natureza pública, filiação obrigatória e

também baseados na modalidade de repartição simples, porém destinados

exclusivamente aos servidores públicos federais, estaduais ou municipais. Dentre os

regimes próprios de previdência, destaca-se o Regime Jurídico Único (RJU), destinado

aos servidores públicos civis da União;

• Regimes de Previdência Complementar, estes de natureza privada, filiação facultativa,

baseados na modalidade de capitalização e administrados por fundos de pensão,

abertos ou fechados. Dentre os regimes de previdência complementar, exemplificam-

se aqueles facultados aos trabalhadores de empresas como Petrobras, Banco do Brasil,

Caixa Econômica Federal e outras (DONADON, 2007, p. 156).

É importante esclarecer que esses três regimes de previdência são autônomos,

estanques entre si, têm orçamentos separados e cada um deles tem legislação específica. Os

servidores do INSS que trabalham nas Agências da Previdência Social, por exemplo, são

filiados ao regime próprio de previdência dos servidores públicos federais, ou seja, ao Regime

Jurídico Único (RJU), enquanto os demais trabalhadores atendidos por aqueles servidores nas

referidas Agências são filiados ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que é

administrado pelo INSS e cuja principal fonte de financiamento são as contribuições das

64

empresas e dos próprios trabalhadores, sejam eles empregados ou contribuintes autônomos,

individuais.

Dentre os benefícios e serviços previdenciários oferecidos pelo RGPS aos seus

filiados e aos dependentes destes destacam-se os benefícios de aposentadoria, auxílio-doença,

salário-família, salário-maternidade e auxílio-acidente destinados aos segurados, diretamente.

Além desses, os benefícios de pensão por morte e de auxílio-reclusão destinados aos

dependentes dos segurados, e o serviço de reabilitação profissional destinado tanto aos

segurados como aos seus dependentes.

Conforme se pode depreender dessa breve exposição sobre o sistema

previdenciário brasileiro, tanto no que se refere ao RGPS, quanto aos regimes próprios de

previdência, a cobertura do sistema é essencialmente restritiva àqueles que são contribuintes

e, portanto, considerados filiados ou segurados. Particularmente quanto ao RGPS, ao qual

estão vinculados todos os trabalhadores do setor privado, a filiação ao regime pode se dar

através de duas circunstâncias: mediante a condição de vinculo com o mercado de trabalho

através do exercício de atividade remunerada, em que a filiação é obrigatória, ou na condição

de contribuinte facultativo do RGPS, condição esta em que qualquer pessoa maior de 16 anos,

mesmo que não exerça atividade remunerada pode contribuir para o regime previdenciário.

Dentre os contribuintes facultativos exemplificam-se as donas de casa e os estudantes maiores

de 16 anos que não exercem atividade remunerada. Percebe-se, então, que a cobertura

previdenciária brasileira é baseada no modelo de seguro (daí por que a denominação

“segurado”), conforme assinala Fleury, ressaltando que “a proteção social dos grupos

ocupacionais está condicionada a um contrato de trabalho, ao pagamento de contribuições

pretéritas e à filiação dos indivíduos ao sistema” (FLEURY, 2005, p. 251).

Em sua análise sobre a Reforma da Previdência Social, Soares destaca essa

questão da restrição da cobertura, para apontar a necessidade de se resgatar o conceito original

65

de seguridade social, enfatizando que “é preciso superar o Princípio da Equivalência – só

recebe quem contribuiu– pelo Princípio da Necessidade e do Direito” (SOARES, 2003,

p. 133). Segundo a autora, todos os cidadãos brasileiros já pagam pela Previdência Social na

medida em que os custos das contribuições sociais são repassados aos preços finais dos

produtos pelas empresas. Retomar a perspectiva da seguridade social, tal qual instituída pela

Constituição de 1988 significa garantir proteção social e cidadania àqueles que não têm

possibilidade de se vincular ao mercado de trabalho.

Ainda sobre essa questão, Loyola trata dos “equívocos conceituais” em torno

das discussões sobre a Previdência Social brasileira, reportando-se ao conceito de “eqüidade”,

nos seguros privados e na Previdência Social. Segundo o autor, “o objetivo primário de um

regime de Previdência Social é fazer com que os membros da sociedade sejam atendidos nos

momentos de necessidade, garantindo uma renda, independente das contribuições aportadas”

(LOYOLA, 2003, p. 197 e 198). Para ele, o maior equívoco dessas discussões reside na

tentativa de se aplicar pura e simplesmente os requisitos dos regimes de seguros privados ao

regime de seguridade social brasileira.

Embora a Previdência Social brasileira seja o maior sistema de seguro social da

América Latina, possua a maior cobertura, tanto urbana quanto rural e represente poderosa

política social para amplos e desfavorecidos setores no Brasil, (SOARES, 2003, p. 122),

merecem registro dois estudos que quantificaram a população brasileira em termos de

cobertura previdenciária, cujos resultados sugerem algumas reflexões. Boschetti referencia

estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE)

realizado em 2002, segundo o qual metade da população ocupada (em torno de 51 milhões de

pessoas) não está segurada pela Previdência Social. Além disso, os resultados do estudo

apontam que 79% dos trabalhadores não segurados recebem menos de dois salários mínimos

mensais e 79% dos trabalhadores que possuem carteira assinada recebem abaixo de cinco

66

salários mínimos mensais (BOSCHETTI, 2003, p. 29-30). Esses dados evidenciam de forma

inequívoca o expressivo contingente de trabalhadores excluídos de proteção previdenciária.

Considerando a mesma problemática da restritiva cobertura previdenciária,

Donadon referencia estudo realizado pela Secretaria de Previdência Social do Ministério da

Previdência Social, com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar

(PNAD) em 2003, sobre a abrangência da proteção previdenciária à população brasileira.

Segundo ele, o estudo considerou somente a população ocupada situada na faixa etária entre

16 e 59 anos de idade, totalizando aproximadamente 71,6 milhões de pessoas. Em termos

percentuais, os resultados mostraram que aproximadamente 37% desse contingente não

contribuíam para o sistema previdenciário e, portanto, estavam desprotegidos, visto não serem

contribuintes, nem beneficiários de nenhum dos regimes de previdência. Nesse percentual

estão incluídos os trabalhadores com baixa remuneração que não conseguem se filiar ao

sistema previdenciário pela dificuldade financeira de pagar mensalmente suas contribuições

(DONADON, 2005, p. 159).

Os resultados desses estudos permitem problematizar a questão da proteção

previdenciária brasileira e da proteção social propriamente dita sob vários aspectos,

entretanto, pelo menos duas vertentes merecem ser consideradas: a primeira, no tocante ao

aporte de contribuintes ao sistema previdenciário, e a segunda, no que diz respeito à

concepção original da seguridade social brasileira, tal qual formulada e instituída pela

Constituição de 1988.

Quanto ao primeiro aspecto, se a receita do sistema previdenciário brasileiro

está condicionada à contribuição dos trabalhadores, das empresas e dos contribuintes

facultativos, tanto em termos de quantidade, quanto em termos de valor financeiro, é factível

que em períodos de recessão econômica, de desemprego, ou de subemprego haja diminuição

de receita e, por conseguinte, é esperado o aumento de uma demanda assistencial. Ao longo

67

dos últimos vinte anos e, sobretudo na década de 90, o Brasil sofreu as nefastas conseqüências

do processo de globalização da economia, com sérias implicações sobre o mercado e as

relações de trabalho, impactando diretamente os trabalhadores através de redução dos postos

de trabalho, seja por demissões em massa, ou pela introdução de novas tecnologias que

prescindiam de trabalho humano em grande escala, ou pela flexibilização dos contratos de

trabalho, informalidade, terceirização, trabalho domiciliar, exercício de atividades através de

cooperativas, etc., enfim, reduzindo de forma significativa as relações formais de trabalho.

Portanto, sob a lógica da “receita via contribuição”, foi compreensível a

redução de aporte financeiro ao sistema previdenciário e, não por acaso, convergiram esforços

governamentais, empresariais e de certos segmentos da sociedade para aprovar as Reformas

Previdenciárias de 1998 e 2003, consubstanciadas nas Emendas Constitucionais nºs 20/98 e

41/03, ambas justificadas majoritariamente pelo déficit fiscal da previdência e pelo aspecto

demográfico de aumento da expectativa de vida da população brasileira. Ora, se houve

redução de receita decorrente da diminuição do número de contribuintes ao sistema é porque

houve, simultaneamente, redução do número de trabalhadores formais, que, sem vínculos

empregatícios e sem perspectivas, em curto prazo, de re-inserção no mercado de trabalho,

passaram a compor uma robusta demanda assistencial, buscando garantir sua sobrevivência e

a de seus dependentes. Exatamente sob esse aspecto, situa-se a discussão sobre as lacunas da

seguridade social brasileira, ainda não implementada completamente, conforme assinalado

por Fleury (2005) e já referenciado anteriormente.

O segundo aspecto diz respeito ao distanciamento da proteção previdenciária

em relação à concepção original da seguridade social expressa constitucionalmente, aqui

entendida como um conjunto de políticas públicas de saúde, previdência e assistência social.

Ao idealizar um sistema de seguridade social, a intenção foi criar um sistema de proteção

social amplo, capaz de reduzir as históricas assimetrias sociais e econômicas da população

68

brasileira, entretanto, as subseqüentes e esperadas ações integradoras das áreas de saúde,

previdência e assistência social ainda não se concretizaram, e a seguridade social tem sido

restringida à dimensão previdenciária baseada no modelo de seguro, desviando-se, assim, de

sua originalidade. Para Boschetti, “seguridade social é mais que previdência”, embora, no

Brasil, quando se fala em seguridade social tende-se a considerar a questão previdenciária

como preponderante e quase sempre como único elemento da proteção social. Situar a

Previdência no âmbito da seguridade social significa reconhecer que ela é uma política social

integrante de um sistema de proteção social (BOSCHETTI, 2003, p. 27-28). Tratar a

Previdência como política isolada e específica reforça o modelo baseado na lógica do

“seguro” e ratifica o caráter excludente da atual cobertura previdenciária brasileira, que acaba

gerando uma demanda de indivíduos “não protegidos”, dos quais se espera que, pelo menos,

encontrem proteção social nas duas outras áreas da seguridade, através das políticas

assistenciais e de saúde.

4.4 REFORMAS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL: 1998 E 2003 - BREVES CONSIDERAÇÕES

A partir dos anos 90, a Previdência Social brasileira passou a ser um dos temas

centrais da pauta de discussão do governo brasileiro, com vistas a proceder a alterações em

alguns dispositivos constitucionais a ela concernentes. Duas propostas de reforma foram

aprovadas pelo Congresso Nacional, sendo uma em 1998, através da Emenda Constitucional

(EC) nº 20/98, durante o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, e a outra durante

o primeiro ano do governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, em 2003, através da

Emenda Constitucional (EC) nº 41/2003. A seguir, são apresentadas algumas breves

considerações sobre cada uma delas, enfatizando os aspectos que se julgam mais

significativos das discussões que as envolveram e que representaram maiores impactos sobre

69

os direitos até então conquistados pelos trabalhadores, com repercussões no âmbito da

sociedade em geral.

Compartilhando da opinião de autores como Soares, pode-se afirmar que a

Previdência Social foi seriamente atingida em suas prerrogativas constitucionais pela proposta

da reforma previdenciária através da EC nº 20/98, que foi conduzida sem qualquer debate

com a sociedade brasileira e com os setores envolvidos, visto que todas as questões

problemáticas contidas na proposta não encontraram canais de expressão, nem foros de

debates políticos eficazes (SOARES, 2003, p. 123). Por sua vez, em que pese os pontos

polêmicos que foram aprovados, a proposta de reforma trazida pela EC nº 41/2003 permitiu

um mínimo diálogo com diversos segmentos de trabalhadores e setores da sociedade, teve

maior visibilidade em termos do que estava sendo proposto, foi alvo de análises e

pronunciamentos por parte de entidades representativas dos trabalhadores, de profissionais de

diversas áreas, de representantes de partidos políticos e do próprio governo.

Cada uma dessas propostas de reforma, distintamente, privilegiou alterar

dispositivos constitucionais relacionados (a) aos direitos dos trabalhadores do setor privado (a

proposta de 1998), regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e filiados ao

Regime Geral de Previdência Social (RGPS), e (b) aos direitos dos servidores públicos (a

proposta de 2003), estes na condição de estatutários e regidos pelo Regime Jurídico Único

(RJU). Em síntese, as Emendas Constitucionais nºs 20/98 e 41/2003, que consolidaram as

propostas das duas últimas reformas da Previdência Social brasileira, introduziram algumas

significativas alterações nos dispositivos constitucionais que regem os direitos conquistados

historicamente pelos trabalhadores quanto aos benefícios previdenciários, de certa forma

restringindo ou postergando o acesso aos mesmos.

Dentre as conseqüências dessas Reformas relacionadas por Boschetti (2003,

p. 33-34), destacam-se: (a) a necessidade de comprovação de tempo de contribuição (e não

70

mais de tempo de serviço), para fazer jus aos benefícios previdenciários, dificultando,

sobretudo, o acesso por parte dos trabalhadores que não tiveram carteira assinada ao longo de

sua vida produtiva; (b) a exigência do critério de idade mínima (48 anos para as mulheres e 53

anos para os homens), para fins de aposentadoria proporcional ou integral;

(c) estabelecimento de teto nominal para os benefícios e a respectiva desvinculação do salário

mínimo, rompendo assim com o Princípio Constitucional da Irredutibilidade do Valor dos

Benefícios, e (d) a inclusão do chamado “fator previdenciário” no cálculo do valor da

aposentadoria, que, em suma, significa redução do valor deste benefício, caso o trabalhador

decida se aposentar mais cedo, mesmo já tendo completado a exigência do tempo de

contribuição (30 anos para as mulheres e 35 para os homens, no caso da aposentadoria

integral).

Sem o intuito de minimizar as conseqüências das alterações advindas com a

aprovação das reformas, considera-se pertinente uma breve apreciação sobre o chamado

“fator previdenciário”. Por essa nova disposição o trabalhador ficará mais tempo em

atividade, se quiser ter o valor de sua aposentadoria mais próximo do que lhe é devido em

função de suas contribuições ao sistema previdenciário, mesmo que já tenha trabalhado o

tempo necessário para tal. O significado prático dessa nova situação é que quanto mais velho

o trabalhador (porque terá trabalhado por mais tempo), maior é o valor do seu benefício,

embora, em princípio, possa usufruir dele por menos tempo em função do avanço da idade e

das implicações daí decorrentes. Em contraposição, quanto mais novo o trabalhador se

aposentar, menor será o valor do benefício que receberá, embora, possa usufruir do benefício

por mais tempo, espera-se! Dessa forma, pode-se perfeitamente depreender que a longevidade

do trabalhador representa pra ele uma “punição” no que diz respeito ao seu direito de usufruir

de uma melhor aposentadoria previdenciária, o que se caracteriza como, no mínimo,

injustificável. Esse talvez seja um dos melhores exemplos da questão comentada

71

anteriormente, quando da referência à postergação do acesso aos benefícios previdenciários,

sobretudo os de aposentadoria, em função das alterações introduzidas pelas reformas.

No tocante aos servidores públicos, as duas Reformas, em conjunto, também

implicaram algumas alterações nos direitos aos benefícios, sobretudo os benefícios de

aposentadoria, o que também representaram redução de direitos dos servidores e trouxeram

implicações para a dinâmica institucional nos órgãos do serviço público, principalmente no

que diz respeito aos trabalhadores que permaneceram em atividade.

Dentre as principais alterações cabe ressaltar (a) fixação do critério de idade

mínima para aposentadoria voluntária por tempo de contribuição (55 anos para as mulheres e

60 anos para os homens), entretanto, estabelecendo a chamada “regra de transição” no tocante

à idade (48 anos para as mulheres e 53 anos para os homens) para aqueles servidores que na

data da promulgação da EC nº 20/98 já haviam completado o tempo de contribuição exigido,

ou seja, já estavam aptos para a aposentadoria; (b) exigência do aumento de 40% do tempo de

contribuição para o direito à aposentadoria proporcional e de 20% para a aposentadoria

integral, para aqueles servidores que haviam ingressado no serviço público anteriormente

àquela Emenda, entretanto, ainda não haviam completado o tempo de contribuição ora

exigido; (c) comprovação de dez anos de efetivo serviço público e de cinco anos no cargo

efetivo em que se dará a aposentadoria (na EC nº 41/2003, esse tempo de comprovação foi

ampliado para vinte anos de efetivo serviço público e dez anos no efetivo cargo em que se

dará a aposentadoria); (d) instituição da aposentadoria compulsória aos 70 anos de idade;

(e) fim da integralidade dos proventos de aposentadoria, e (f) limitação do valor do benefício

de Pensão por Morte. Além disso, abriu-se caminho para a implantação do regime de

Previdência Complementar para os novos servidores públicos, sejam eles do âmbito federal,

estadual, ou municipal.

72

Essas alterações contidas nas duas Emendas Constitucionais aqui tratadas e

direcionadas tanto aos trabalhadores do setor privado, como aos servidores públicos

significaram, em síntese, que os trabalhadores terão que trabalhar mais, contribuir mais e

receber menos, fortalecendo ainda mais a relação entre contribuições e benefícios, pela nova

regra de cálculo, contrariando, portanto, a perspectiva da seguridade social universal.

Como o objeto de estudo desta investigação teve como interlocutores os

servidores públicos do INSS, é importante destacar que as alterações introduzidas pela

EC nº 20/98 e pela EC nº 41/2003 não foram bem recebidas pelos trabalhadores da instituição

e fomentaram sentimentos de insatisfação entre eles, para quem o conjunto daquelas medidas

representaria, de fato, a postergação do acesso à aposentadoria. Para situar melhor o leitor,

tome-se o caso da aposentadoria por tempo de contribuição, a título de exemplo: os servidores

que começaram a trabalhar muito jovens já contavam tempo de serviço suficiente para

requerer a aposentadoria na data da promulgação das Emendas Constitucionais, entretanto,

foram impedidos de fazê-lo, porque não atendiam à exigência da idade mínima ora

estabelecida. Da mesma forma, aqueles que já atendiam ao critério da idade e também do

tempo de contribuição, mas não atendiam à exigência de dez ou vinte anos no serviço público

e/ou de cinco ou dez anos no cargo em que se daria a aposentadoria, não puderam requerer o

benefício de aposentadoria à época e se sentiram “obrigados” a trabalhar por mais algum

tempo, até atender a todas as exigências constitucionais introduzidas e garantir a integralidade

de suas condições para a aposentadoria. Esses impasses foram motivos de insatisfação e

descontentamento por parte de alguns servidores, que precisaram continuar trabalhando por

mais algum tempo, quando na verdade desejavam requerer a aposentadoria, pois já haviam

completado 30 ou 35 anos de serviço necessários para tal.

Acrescente-se a isso o fato de boa parte dos servidores do INSS na época da

promulgação EC 20/98, particularmente, já serem considerados elegíveis à aposentadoria,

73

pois atendiam a todas as exigências para requerê-la, mas pretendiam continuar em atividade,

visto que seus direitos estariam constitucionalmente preservados. No entanto, mostraram-se

receosos diante das alterações instituídas, temerosos quanto à real preservação dos seus

direitos já conquistados e optaram por requerer a aposentadoria. Essa situação causou uma

significativa evasão de servidores em atividade no INSS e, consequentemente, uma redução

do quadro funcional. Embora o comentário se refira ao INSS, é de amplo conhecimento que

situações semelhantes ocorreram no âmbito de todo o serviço público federal, na

efervescência daquele momento, final dos anos 90, principalmente na área de educação e de

saúde, cujos Ministérios respondem pelo maior contingente de servidores públicos federais,

juntamente com o Ministério da Previdência Social.

Os trabalhadores aposentados passaram a ser rapidamente substituídos por

prestadores de serviço terceirizados e pouco qualificados para as atividades da instituição,

através de contratos firmados com empresas de questionável experiência em alocação de

recursos humanos, utilizando, via de regra, critérios outros, que não o da qualificação

profissional para “suprir” a necessidade de pessoal do INSS. É importante registrar que esses

trabalhadores terceirizados não realizavam certas atividades institucionais que são restritas

aos servidores públicos do INSS e, dessa forma, muitas atividades de trabalho continuavam

sendo realizadas exclusivamente pelos funcionários do INSS, sobrecarregando-os, já que

muitos dos colegas haviam se aposentado. É digno de nota o fato de que muitos terceirizados

percebiam salário mensal de valor superior ao salário de alguns funcionários do Instituto,

embora não tivessem vínculo empregatício diretamente com o governo federal e, portanto,

não tivessem certos direitos e garantias que o serviço público oferece.

A partir de 2003, o governo federal evidenciou o processo de recomposição da

força de trabalho no INSS e também serviço público em geral, através de concursos públicos

que vêm sendo periodicamente realizados. Com isso, aqueles trabalhadores terceirizados

74

foram substituídos por novos funcionários públicos, reforçando, assim, o quadro funcional de

servidores efetivos para atender a demanda de trabalho na instituição, embora o quantitativo

de servidores do quadro funcional do INSS ainda não pareça satisfatório.

Esse esvaziamento do quadro de pessoal do INSS durante os anos 90 aparece

incontestavelmente quando se observa que entre o ano de 1994 e o ano de 2002 praticamente

não houve ingresso de novos servidores administrativos através de concurso público para o

órgão, à exceção dos Auditores Fiscais da Previdência Social e dos Procuradores Federais,

cujos cargos compõem carreiras específicas de Estado, e dos Supervisores Médico-Periciais,

estes com habilitação e atribuições específicas voltadas para a atividade de perícia médica.

A orientação neoliberal adotada marcadamente pelo Brasil a partir do final dos

anos 80 produziu conseqüências nefastas sobre a classe trabalhadora, sobre o incipiente

aparato de serviços públicos e das estatais e sobre a sociedade brasileira como um todo. A

agenda neoliberal preconizava, em síntese, a redução de gastos sociais, públicos, a

privatização de estatais e de serviços públicos (saúde, educação e previdência, por

excelência.) e a desregulamentação de direitos sociais e trabalhistas, atendendo, portanto, à

concepção de “Estado mínimo” e “mercado máximo”, em que os interesses privados se

sobrepõem aos interesses públicos, de caráter universal (ABRAMIDES e CABRAL, 2003).

Não foi difícil perceber as conseqüências da redução de gastos com o serviço público,

afetando diretamente as instituições públicas em geral, dentre as quais o INSS, onde os

servidores públicos são os atores do trabalho.

Observe-se que o esvaziamento dos quadros funcionais do serviço público

federal deu-se, não por acaso, simultaneamente ao estrito cumprimento da agenda neoliberal

ditada pelas agências internacionais, entenda-se, Fundo Monetário Internacional (FMI),

Banco Mundial, etc. ao Brasil nos anos 90, conforme abordado anteriormente. Nesse período

assistiu-se a um crescente processo de sucateamento das instituições públicas brasileiras,

75

sobretudo aquelas ligadas à área de educação, como as universidades públicas, e à área de

seguridade social, incluindo a saúde, a previdência e a assistência social. No âmbito do INSS,

por exemplo, esse processo foi evidenciado pela ausência de modernização das condições

instrumentais de trabalho, pela não admissão de novos servidores, conforme já discutido, e

pela precariedade dos programas de capacitação e aperfeiçoamento da força de trabalho

necessária à operacionalização das atividades. Acrescente-se a isso, a também ausência de

modernização do parque tecnológico de suporte administrativo às atividades institucionais do

INSS, cujos equipamentos e programas informatizados foram-se caracterizando como

inadequados e ultrapassados para atender o volume de serviços demandados.

Retomando as considerações sobre as reformas do sistema previdenciário

brasileiro em 1998 e 2003, é importante lembrar que em ambas as propostas dois argumentos

serviram de pressupostos para justificá-las: o déficit fiscal do sistema e a questão demográfica

decorrente do aumento da expectativa de vida da população brasileira. Sob a ótica dos

defensores das reformas, esses dois elementos estão interligados, resultando em expressivo

aumento das chamadas “aposentadorias precoces” dos trabalhadores nos dois regimes

previdenciários – o RGPS e o RJU. O chamado déficit estaria na razão simples de “receita e

despesa” do sistema, cuja tradução é que se arrecada menos do que se gasta com os direitos

sociais. Por outro lado, o novo padrão demográfico brasileiro aponta para uma maior

longevidade e, como tal, as pessoas usufruem por mais tempo dos direitos sociais, dentre os

quais os benefícios previdenciários. Por questões de escopo do presente estudo, não cabe aqui

analisar o mérito dessas questões, tampouco discutir cada uma das propostas de reforma, no

entanto, merecem considerações alguns aspectos que ganharam mais visibilidade no debate

sobre a legitimidade da seguridade social, tal qual instituída pela Constituição de 1988.

Pela contundência da argumentação sobre o déficit fiscal, segue uma breve

reflexão sobre o assunto. Boschetti refuta a idéia de déficit na Previdência e adota a

76

terminologia “desequilíbrio nas contas”, argumentando que tal desequilíbrio deve-se

fundamentalmente à “não implementação dos dispositivos constitucionais referentes à

seguridade social” (BOSCHETTI, 2003, p. 35). Em outras palavras, pode-se simplificar,

dizendo que os recursos constitucionalmente destinados à seguridade social não são aplicados

integralmente em sua exclusiva finalidade, ou seja, o suposto déficit está diretamente

associado à não utilização da totalidade dos recursos oriundos das fontes de financiamento da

seguridade social para custear os direitos sociais garantidos constitucionalmente.

Em sua análise, ela referencia estudo de diversos autores, além de estudo da

Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social (ANFIP) realizado em

2002, cujas conclusões apontaram para o fato de que recursos originalmente destinados ao

sistema de seguridade social, retidos pelo Tesouro Nacional, são utilizados para fins de

superávit primário e pagamento de juros da dívida pública, que são metas econômicas. Há que

se considerar, também, que as mudanças no mundo do trabalho favoreceram a redução dos

postos estáveis de trabalho, a precarização e flexibilização nas relações de trabalho, o

desemprego e o aumento da informalidade, que contribuem para diminuir o montante da

arrecadação previdenciária, devido à conseqüente redução das contribuições advindas tanto de

empregados como de empregadores.

Especificamente quanto à receita previdenciária advinda das contribuições dos

trabalhadores e das empresas é oportuno fazer referência a dois aspectos importantes que,

salvo melhor juízo, comprometem seriamente uma maior arrecadação de recursos para a

Previdência Social: a renúncia previdenciária e as práticas de sonegação e de fraude. A

primeira, também chamada de “renúncia fiscal”, diz respeito ao não recebimento integral,

pelo INSS, de contribuições sociais de empresas e organizações em geral, devido a subsídios

concedidos pelo próprio Ministério da Previdência Social a entidades qualificadas como

“filantrópicas” (geralmente entidades de assistência à saúde e à educação), a micro e pequenas

77

empresas e a clubes de futebol. Esse aspecto por si só mereceria uma apurada discussão,

principalmente pela natureza dos segmentos envolvidos e beneficiados direta e indiretamente

pelas isenções ou subsídios, já que são conhecidos e divulgados pela imprensa os casos de

entidades chamadas “filantrópicas” beneficiadas com isenção previdenciária, cujo caráter

filantrópico é absolutamente questionável e, conforme pronunciamento da Central Única dos

Trabalhadores (CUT), em 2002, referenciado por Silva (2004), são “falsas filantrópicas”.

As práticas de sonegação e de fraude são de amplo conhecimento da sociedade

brasileira e geram evasão de receita, ou evasão fiscal, pela não captação, através da

Previdência, de recursos financeiros devidos enquanto obrigações legais. Boschetti referencia

dados da Associação Nacional dos Fiscais da Previdência Social (ANFIP), em 1998, segundo

os quais, naquele ano, a evasão fiscal por sonegação e fraude representou cinco (5) vezes o

valor do presumível déficit para aquele ano (BOSCHETTI, 2003, p. 43). Pode-se seguramente

afirmar que esse dado, além de preocupante é emblemático para elucidar as questões de

receita previdenciária e problematizar a real natureza da suposta crise da Previdência,

principalmente levando-se em consideração a participação de grandes empresas e órgãos

públicos em tais práticas.

Por mais que venham sendo gradativamente aperfeiçoados, os mecanismos

internos de controle e de cobrança de receitas pelo Ministério da Previdência Social ainda não

parecem suficientes para coibir tais práticas, havendo que se contemplar, ainda, a necessidade

de modernização da gestão no âmbito do INSS e do MPS, tanto no que diz respeito às

pessoas, aos gestores propriamente ditos, quanto ao aparato institucional de processamento e

controle das informações e dos recursos financeiros, de forma a garantir agilidade,

resolutividade, confiabilidade e impedimento a fraudes e demais procedimentos ilícitos.

Acrescente-se a isso a igual necessidade de reorganização e aperfeiçoamento institucional de

outras esferas e áreas afins à Previdência Social.

78

É importante registrar a recente criação e funcionamento da Receita Federal do

Brasil (RFB), um novo órgão vinculado ao Ministério da Fazenda que unificou as atribuições

da Secretaria da Receita Previdenciária (até então do MPS) e da Secretaria da Receita Federal,

do próprio Ministério da Fazenda. Em síntese, a nova Receita Federal do Brasil pretende

fortalecer as ações de fiscalização e arrecadação de tributos federais e, espera-se com isso,

também, intensificar esforços para coibir a ocorrência de sonegação e fraudes tanto na área

tributária, como na área previdenciária.

Um outro aspecto importante que merece destaque é a questão dos desvios de

recursos previdenciários, alguns historicamente noticiados pela mídia, citando a construção de

Brasília, da Transamazônica e da Ponte Rio-Niterói como exemplos mais conhecidos.

Entretanto, o principal desvio, segundo vários estudos referenciados por Boschetti, é o

deslocamento de recursos originalmente destinados ao sistema de seguridade social para

manter o superávit primário e pagar os juros da dívida pública, o que põe em xeque e suscita

uma reflexão crítica sobre a real natureza da tão propalada crise da previdência

(BOSCHETTI, 2003, p.41). Portanto, conforme bem destacado por Tavares, “o problema da

Previdência Social não está no gasto, e sim na receita previdenciária”, referindo-se também

às conseqüências nefastas do atual modelo econômico, que promove desemprego e

informalidade e, conforme já comentado, exclui significativa parcela de contribuintes da

Previdência (TAVARES, 2003, p. 131).

Há consenso entre alguns autores estudados (BOSCHETTI, TAVARES,

MIRANDA, VIANNA, 2003) de que se faz necessário reformular a Previdência Social,

sobretudo para ampliar os direitos sociais e corrigir as desigualdades rumo à consolidação da

seguridade social, corrigir as distorções existentes e os privilégios de alguns segmentos, e não

reduzir o debate de tema tão amplo, denso e multifacetado a uma questão simples de ajuste

fiscal. Na opinião de Paim, “Previdência Social é uma questão que não pode ser tratada

79

apenas do ponto de vista fiscal” (PAIM, 2003, p. 262). Para esses autores, faz-se necessário

uma reestruturação do atual modelo econômico brasileiro, um crescimento econômico

expressivo, maior geração de emprego formal, redução do desemprego e da informalidade,

além de não flexibilização das relações de trabalho, para assegurar ampliação das

contribuições sociais e das demais fontes de receita da seguridade social.

No tocante ao serviço público, considera-se necessário suprimir privilégios,

corrigir distorções internas, possibilitar eficiência na prestação dos serviços à população e

rever concepções que cristalizam certos “guetos” no âmbito do serviço público, sem,

entretanto, nivelar por baixo a pauta dos direitos dos servidores. Soares argumenta que “se

existem privilégios, é preciso identificá-los de forma isolada, suprimindo-os mais em função

de princípios éticos do que financeiros” (SOARES, 2003, p. 131). Trata-se, pois, de qualificar

o servidor público através do concurso, da consolidação da carreira, da avaliação de

desempenho, da política salarial, da seguridade social e da preservação dos direitos

adquiridos.

Para Miranda, o debate sobre a reforma da previdência social brasileira não

explicitou claramente o conflito de interesses antagônicos e inconciliáveis que esteve em jogo,

envolvendo, de um lado os direitos e expectativas da sociedade e, de outro, as prioridades do

mercado, refletindo uma nova correlação de forças entre o trabalho e o capital financeiro.

Essa nova correlação foi expressa em dois modelos distintos que representam diferentes

visões de sociedade: o modelo de repartição, que é o modelo brasileiro atualmente e que traz

consigo os valores da sociedade do trabalho, da solidariedade, da distribuição de renda e da

eqüidade social; e o modelo de capitalização, cujo formato é o da renda do capital

individualista e excludente e que traz consigo os valores do individualismo, da concentração

de renda e da assimetria social entre possuidores e “despossuídos”(MIRANDA, 2003, p.138-

139).

80

Por outro lado, a polêmica em torno das reformas também dissociou a política

da economia, reduziu a concepção de seguridade social ao cálculo atuarial e financeiro, omitiu

da sociedade as exigências do Banco Mundial e do FMI para implementá-las, minimizou a

característica redistributiva das políticas sociais e fomentou um sentimento de oposição entre

os trabalhadores do setor privado e os servidores públicos (SILVA, 2004). Para esse autor, as

pressões em torno das reformas da Previdência Social revelaram a estratégia de

mercantilização da seguridade social, ocultando os reais interesses que estiveram em jogo no

debate proposto. Em suas palavras, “a previdência é um campo de batalha de uma guerra

maior” , e a questão central não se resume ao equilíbrio atuarial das contas previdenciárias,

mas, sim, ao equilíbrio e à coesão da sociedade em repartir de forma mais justa a riqueza

social. Resumindo, “o que está em crise é o modo de organização e de gestão da vida social

brasileira, e não a previdência social, que depende do crescimento econômico e do mercado

de trabalho” (SILVA, 2004). Compartilhando da opinião do autor, é pertinente que a

sociedade brasileira se questione sobre qual modelo de pacto social ela deseja para si, de

modo a garantir minimamente a repartição da riqueza gerada, ou a radicalização da

concentração, onde alguns poucos estarão incluídos, e a grande maioria estará à margem da

proteção social.

Enfim, dessas breves considerações sobre as duas Reformas da Previdência

Social empreendidas no Brasil em 1998 e 2003, há o entendimento de que o debate sobre o

tema não está esgotado e que as alterações por elas instituídas atenderam às prescrições da

agenda neoliberal ditada pelo Banco Mundial, FMI e congêneres para o Brasil, retirando o

Estado da condição de árbitro do desenvolvimento social. Tais alterações significaram

retrocessos em algumas conquistas dos trabalhadores e, particularmente no caso do serviço

público federal, o desmonte do aparato estatal foi visível, associado ao sucateamento dos

quadros funcionais pelo rigoroso congelamento de salários, falta de investimento na

81

capacitação dos servidores, evasão de servidores que estavam em atividade (tanto por motivo

de aposentadoria, como por programas de incentivo ao desligamento voluntário) e pela

significativa terceirização de mão de obra, com o ingresso de trabalhadores contratados por

mecanismos, no mínimo, pouco transparentes.

No INSS, especificamente, houve reestruturação organizacional e tentativa de

implantar modelos gerenciais copiados do setor privado, sem a cautela das devidas

adaptações, em visível dissonância com a cultura e valores organizacionais historicamente

construídos e sem qualquer discussão com os servidores, favorecendo um clima de

insatisfação, descontentamento, temor e incerteza entre os trabalhadores. Associe-se a essa

efervescência interna a sobrecarga de trabalho e de responsabilidades entre os servidores, pois

com a saída de muitos deles, as atividades de trabalho foram redistribuídas entre os que

ficaram, já que os contratados/terceirizados não eram servidores do quadro funcional e, como

tais, não eram habilitados para realizar certas atividades institucionais e nem tinham acesso a

certos sistemas operacionais.

Nesse início de 2007 determinados segmentos da sociedade brasileira

alinhados com as idéias neoliberais e defensores do “Estado mínimo” voltam a cogitar a

possibilidade de uma nova reforma na Previdência, desta feita acompanhada por uma reforma

trabalhista, omitindo, mais uma vez, seus reais interesses e escamoteando a realidade dos

fatos. Tanto pelos argumentos que têm sido apresentados, como pelos seus protagonistas,

pode-se perfeitamente imaginar que não seriam os trabalhadores os beneficiados! Conforme

demonstrado no texto, há inúmeros outros “ajustes” internos necessários e urgentes no âmbito

do Estado, da Previdência e da seguridade social, além da necessidade de revisão do modelo

econômico vigente, que descaracterizam qualquer necessidade de uma nova reforma na

Previdência que implique redução dos direitos dos trabalhadores.

82

Espera-se que o Estado, a sociedade brasileira em geral e os trabalhadores, em

particular, se mobilizem e consigam resgatar a perspectiva da Seguridade Social, tal qual

expressa na Constituição vigente, superando os impasses representados pelos diferentes

interesses e visões do significado de uma real proteção social e assumindo a responsabilidade

por priorizá-la enquanto política pública capaz de promover cidadania aos brasileiros. Que a

Previdência seja concebida como parte dessa seguridade social e, como tal, a expressão de um

pacto coletivo e solidário entre todos os brasileiros, consolidando um real Estado Democrático

de Direito socialmente mais justo e equânime.

83

CAPÍTULO V

5 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

A fim de possibilitar uma melhor compreensão do contexto organizacional

onde atuam os trabalhadores que participaram da pesquisa, este capitulo trata da organização

do trabalho no INSS, trazendo uma breve abordagem de sua atual estrutura regimental e do

processo de trabalho nas Agências da Previdência Social, além de considerar os atores do

trabalho envolvidos na atividade de atendimento ao público nas Agências e as relações sociais

que se estabelecem entre eles e os usuários da Previdência Social.

5.1 INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL: CONTEXTO ORGANIZACIONAL

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) foi criado em 1990, a partir da

fusão de dois institutos diretamente vinculados ao então Ministério da Previdência e

Assistência Social, com atribuições e finalidades distintas, porém complementares: o Instituto

de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS) e o Instituto

Nacional de Previdência Social (INPS). A partir dessa fusão, a nova autarquia do Ministério

da Previdência Social, o INSS, agregou as atribuições e finalidades dos dois institutos que a

precederam, centralizando numa mesma estrutura organizacional as atividades e serviços

previdenciários que eram prestados separadamente por dois órgãos distintos. Essa nova

denominação do antigo INPS - agora INSS - não se deu por acaso; ela reforça a “lógica do

seguro” que dá suporte ao modelo previdenciário brasileiro desde a sua origem, reafirmando,

cada vez mais, a idéia da Previdência como seguro, e não como elemento integrante da

concepção constitucional de seguridade social (BOSCHETTI, 2003, p. 32), conforme

discutido no Capítulo IV. Em decorrência dessa lógica, o INSS é visto como uma seguradora

pública, e, por conseguinte, seus contribuintes e beneficiários são chamados de “segurados”.

84

O Decreto nº 5.870/2006, que aprovou a estrutura regimental do INSS, o define

como “autarquia federal, com sede em Brasília - Distrito Federal, vinculada ao Ministério da

Previdência Social e cuja finalidade é promover o reconhecimento, pela Previdência Social,

de direito ao recebimento de benefícios por ela administrados, assegurando agilidade,

comodidade aos seus usuários e ampliação do controle social” (Decreto nº 5.870/2006,

Anexo I. Capítulo I, Art. 1º). O INSS caracteriza-se, portanto, como uma organização pública

prestadora de serviços previdenciários à sociedade brasileira, através da operacionalização do

reconhecimento dos direitos dos usuários do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, que

atualmente abrange aproximadamente 33 milhões de contribuintes.

O INSS é dirigido por um (01) Presidente e quatro (04) Diretores, e sua atual

estrutura organizacional é resumidamente apresentada a seguir com seus respectivos

quantitativos (Decreto nº 5.870/2006, Anexo I. Capítulo I, Art. 2º):

• Presidência - 01

• Diretorias -04

• Gerências Regionais (GR) - 05

• Gerências Executivas (GEX) - 100

• Agências da Previdência Social (APS) - 1.227

As quatro Diretorias são diretamente vinculadas à Presidência do INSS, estão

sediadas em Brasília, no Distrito Federal, e assim denominadas: Diretoria de Orçamento,

Finanças e Logística, Diretoria de Recursos Humanos, Diretoria de Benefícios e Diretoria de

Atendimento. Essas duas últimas são tidas como órgãos específicos singulares, e a área de

benefícios é considerada “área fim” do INSS, pois se destina à prestação de serviços

diretamente aos usuários, que é considerada atividade “finalística” da instituição.

As Gerências Regionais, as Gerências Executivas e as Agências da Previdência

Social caracterizam-se como Órgãos e Unidades Descentralizadas. As Gerências Regionais

85

são subordinadas ao Presidente do INSS e dentre suas competências destaca-se a de

supervisionar, coordenar e articular a gestão das Gerências-Executivas sob sua jurisdição.

Existem cinco (05) Gerências Regionais em todo o país, sediadas nas cidades de São Paulo,

Belo Horizonte, Florianópolis, Recife e Brasília, cada uma delas com sua respectiva área de

abrangência e Gerências Executivas vinculadas.

O Estado do Rio de Janeiro possui sete (07) Gerências Executivas, sendo duas

(02) na capital e as demais no interior, todas vinculadas à Gerência Regional de Belo

Horizonte (GR-BH). As duas Gerências Executivas da capital possuem juntas, atualmente,

trinta e três (33) Agências distribuídas em diversos bairros da cidade do Rio de Janeiro. Em

termos quantitativos de pessoal, a Gerência Regional de Belo Horizonte é a que concentra o

maior número de trabalhadores do INSS, comparando-se com as demais em todo o Brasil e,

em sua jurisdição, sendo a Gerências Executivas Rio de Janeiro-Centro a que tem o maior

quantitativo de trabalhadores em seu quadro de pessoal.

Cabe às Gerências Executivas supervisionar as Agências da Previdência Social

que estão sob sua responsabilidade nas atividades relacionadas ao “reconhecimento de

direitos e recebimento de benefícios previdenciários e assistenciais, bem como nas atividades

de perícia médica e reabilitação profissional” (Decreto nº 5.870/2006, Anexo I. Capítulo I,

Seção V, Art. 17º). Existem atualmente cem (100) Gerências Executivas em todo o Brasil,

distribuídas entre todos os Estados da federação.

As Agências da Previdência Social são também conhecidas como Unidades de

Atendimento, destinam-se ao atendimento ao público previdenciário com o objetivo de

proceder ao “reconhecimento inicial, manutenção, recurso e revisão de direitos aos

benefícios administrados pelo INSS, perícia médica, habilitação e reabilitação profissional,

serviço social, bem como à operacionalização da compensação previdenciária e a emissão de

certidões de tempo de contribuição” (Decreto nº 5.870/2006, Anexo I. Capítulo I, Seção V,

86

Art. 18º). Atualmente existem mil duzentas e vinte e sete (1.227) Agências da Previdência

Social distribuídas pelo país. As duas Agências onde atuam os trabalhadores que participaram

do estudo estão vinculadas às Gerências Executivas da cidade do Rio de Janeiro, funcionam

de segunda a sexta-feira, das 08 às 18h, ininterruptamente para atendimento ao público,

estando os trabalhadores distribuídos em dois turnos de trabalho com jornada diária de 06

horas.

A estrutura de cargos no INSS é grande e bastante diversificada, entretanto, por

razões que extrapolam os limites desta investigação, não se faz necessário explicá-la

detalhadamente, entendendo-se como suficiente esclarecer que na área de benefícios das

Agências da Previdência Social trabalham ocupantes dos cargos de médico, assistente social,

analista previdenciário, técnico previdenciário, agente administrativo, auxiliar operacional de

serviços diversos, entre outros, sendo os três primeiros cargos de nível superior, e os demais,

de nível médio ou de 2º grau. Como as duas Agências em que o trabalho de campo foi

realizado são do mesmo porte em termos de capacidade logística, operacional, de recursos

humanos, etc., o desenho hierárquico de cargos em comissão e funções gratificadas é o

mesmo para ambas, assim definido (Decreto nº 5.870/2006, Anexo II):

• Chefe de Agência -01

• Chefe de Serviço - 01

• Supervisor Operacional de Benefícios - 02, sendo um da área de atendimento e outro

da área de perícia médica.

Esses cargos e funções gratificadas quase sempre são ocupados por

trabalhadores das próprias Agências e, portanto, pertencentes ao coletivo de trabalho.

Geralmente os chefes e supervisores são pessoas mais experientes nas atividades da área de

benefícios, gozam de boa aceitação pelos pares, embora não sejam escolhidos pelos próprios

colegas, e sim, muito frequentemente, indicados pelos superiores hierárquicos da Gerência

87

Executiva a que está vinculada a Agência. O Supervisor Operacional de Benefícios

responsável pela área de atendimento é geralmente um servidor de atividade administrativa,

enquanto o Supervisor da área de perícia médica é geralmente um servidor ocupante do cargo

de médico.

5.2 PROCESSO DE TRABALHO NAS AGÊNCIAS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

Discorrer sobre o processo de trabalho na atividade de atendimento ao público

nas Agências da Previdência Social remete ao aspecto relacional humano inerente a esse tipo

de atividade, à sua finalidade ou objeto do trabalho e aos meios ou instrumentos para realizá-

lo. Na condição de agentes desse processo estão os trabalhadores, que em conjunto com os

usuários do serviço constituem os atores sociais da atividade de atendimento ao público nas

Agências.

Embora o escopo desta investigação tenha contemplado apenas os

trabalhadores das Agências da Previdência Social que realizam a atividade de atendimento ao

público na área de benefícios, é necessário esclarecer que nas Agências também funciona o

serviço de atendimento ao público na área de arrecadação, cujo processo de trabalho, objeto,

finalidade, tarefas, atribuições, legislação, procedimentos, etc. são bastante diferentes

daqueles da área de benefícios descritos adiante. Recentemente as atividades da área

arrecadação passaram a ser vinculadas às diretrizes da Receita Federal do Brasil, conforme

comentado no Capítulo IV, embora o atendimento ao público de contribuintes individuais

continue sendo realizado nas Unidades do INSS. Portanto, os trabalhadores dessas duas

áreas, arrecadação e benefícios, trabalham no mesmo espaço físico das Agências, estando os

guichês de atendimento de cada uma dessas áreas dispostos separadamente, em lados distintos

do espaço destinado ao atendimento ao público.

88

De forma simplificada, pode-se dizer que o processo de trabalho na atividade

de atendimento ao público na área de benefícios consiste na troca de informações entre os

trabalhadores e os usuários do serviço de atendimento, onde os primeiros supostamente detêm

conhecimento técnico e dispõem de instrumental de trabalho que permitem operacionalizar as

solicitações de informações, orientações e formalizações de benefícios previdenciários dos

usuários. Tal atividade é realizada individual e presencialmente pelos atendentes, que

fornecem aos usuários informações e orientações sobre direitos e benefícios previdenciários,

analisam documentos, formalizam processos administrativos de benefícios de posentadorias,

de pensão por morte, auxílio-doença, auxílio-reclusão, salário-maternidade e outros benefícios

e serviços solicitados pelos usuários. Complementarmente, registram tais solicitações e dados

nos sistemas informatizados, com vistas ao processamento dos mesmos e à concessão dos

benefícios. Para tanto, os trabalhadores dispõem da legislação previdenciária, de material

impresso em manuais de serviço, documentos, equipamentos de informática em seus guichês

e demais materiais de expediente, tais como lápis, papel, formulários padronizados,

grampeadores, etc. Para facilitar o entendimento do leitor, convém esclarecer que “concessão

de benefícios” significa, em essência, o reconhecimento do direito ao benefício pleiteado,

materializado em forma de pagamento mensal feito pelo INSS ao usuário, através da rede

bancária.

Basicamente, nas Agências da Previdência Social consideradas de grande

porte, como são as duas em que o trabalho de campo foi realizado, existem três setores ou

pontos de atendimento ao público, a saber: (a) o setor de distribuição de senhas para

atendimento, também denominado “Setor de Triagem”; (b) o setor de Orientação e

Informação, conhecido também pela sigla “OI”; e (c) o setor de Atendimento Especializado,

que dispõe de maior número de guichês para atendimento. Seguindo a dinâmica institucional

interna, inicialmente o usuário se dirige ao setor de distribuição de senhas (a), onde expõe ao

89

atendente o que pretende solicitar no INSS; o atendente, então, lhe entrega uma senha alfa-

numérica e o encaminha para o respectivo guichê em que aquele tipo de solicitação de

benefício ou de serviço está sendo atendido.

Quando a solicitação do usuário é passível somente de informação ou

orientação, ele é encaminhado para atendimento no setor de Orientação e Informação (b), o

que costuma ser rápido, devido ao menor grau de complexidade das solicitações. Caso se trate

de solicitação mais complexa, como por exemplo, requerimento de benefícios, ou contagem

de tempo de serviço, a senha que lhe é entregue destina-se ao setor de Atendimento

Especializado (c). Nesse setor há maior quantidade de guichês para atendimento do que nos

demais setores, porque geralmente são atendimentos mais demorados, que envolvem maior

número de tarefas a serem executadas, além da diversidade de solicitações ou de benefícios a

serem requeridos. Há também o setor específico de Perícia Médica, onde estão situados os

consultórios médicos para os exames periciais e os guichês de atendimento destinados aos

procedimentos administrativos do setor.

Nas duas Agências em que o estudo foi realizado, as atribuições e tarefas dos

trabalhadores na atividade de atendimento ao público são específicas por tipo de solicitação

dos usuários, e o serviço é organizado de modo que os guichês de atendimento funcionem

como específicos para cada assunto ou tipo de benefícios previdenciários. Assim, por

exemplo, determinados guichês de atendimento destinam-se somente a prestar informações e

orientações aos usuários, como é o caso dos guichês do setor de Orientação e Informação. No

setor de Atendimento Especializado também existe especificidade por tipo de solicitação do

usuário, de forma que alguns guichês destinam-se, por exemplo, às solicitações de benefícios

de aposentadorias, outros aos benefícios de pensão e auxílio-reclusão, outros aos casos de

requerimento de benefícios de auxílio-doença e assuntos relacionados ao setor de perícia

médica do INSS, outros ainda à contagem de tempo de serviço, e assim por diante.

90

Essa sistemática de atendimento seletivo por tipos de benefícios, solicitações,

informações e orientações não significa que os trabalhadores se atenham rigidamente a ela,

pois principalmente quando há grandes demandas por certos benefícios, ou quando a

quantidade de usuários aguardando atendimento é muito grande, os trabalhadores colaboram-

se entre si, dividem as tarefas e cooperam uns com os outros.

Além da atividade de atendimento ao público propriamente dita, existem outras

atividades da área de benefícios nas Agências que também são realizadas, cumulativamente,

pelos trabalhadores, dentre as quais as tarefas administrativas internas decorrentes dos

requerimentos de benefícios, a formalização de solicitações e comunicações a outros setores,

Agências ou outros órgãos, o arquivamento de documentos, etc. Para determinados

trabalhadores há, ainda, as atividades de gestão de sistemas operacionais internos e de

supervisão técnica da área de atendimento, os serviços externos, a emissão de autorização

para pagamentos retroativos de benefícios previdenciários, a atividade de revisão de

benefícios, o atendimento a demandas judiciais relacionadas aos benefícios da Previdência

Social e a atividade gerencial de administrar a parte logística e operacional da própria

Agência.

Percebe-se que o processo de trabalho na atividade atendimento ao público

realizado pelos sujeitos da pesquisa nas duas Agências da Previdência Social exige certo

conhecimento técnico, algumas habilidades e atributos comportamentais - disposição para

ouvir, compreender, informar, perguntar, esclarecer dúvidas, seguir procedimentos

administrativos e burocráticos pré-estabelecidos, formalizar solicitações documentais,

memorizar conceitos e procedimentos de legislação previdenciária, organizar tarefas,

encaminhar decisões, além de habilidade no trato com pessoas, atitudes de paciência e

cortesia, manejo do stress e equilíbrio emocional, a fim de manter a calma, lidar com

situações de agressões e de críticas, de receber ordens e lidar com pressão de tempo e de

91

grande demanda em espera - o que nem sempre pode ser compatível com suas características

individuais. Isso não significa, entretanto, que tais exigências, por si só, sejam determinantes

ou coadjuvantes de vivências de sofrimento no trabalho, nem, por outro lado, que o bom

conhecimento técnico e a existência de tais atributos e habilidades comportamentais sejam a

garantia de vivências de prazer no trabalho. Esses dois tipos de vivências também têm

interface com outras questões, conforme será discutido no Capítulo VI.

5.3 RELAÇÕES SOCIAIS ENTRE OS ATORES DO TRABALHO

Para tratar das relações sociais entre os atores do trabalho na atividade de

atendimento ao público das duas Agências da Previdência Social onde se realizou a pesquisa,

entende-se como pertinente tecer algumas considerações sobre os trabalhadores e sobre os

usuários, para depois adentrar certos aspectos relevantes das relações sociais que se

estabelecem entre eles no processo de trabalho.

Os trabalhadores que participaram do estudo fazem parte da população de

servidores públicos federais do quadro de pessoal do INSS que realiza a atividade de

atendimento ao público nas Agências da Previdência Social em todo o país. As informações

sobre o quadro funcional do INSS, contendo as principais características da força de trabalho

do órgão são consolidadas mensalmente pela Diretoria de Recursos Humanos em relatório

específico - RELATÓRIO PERFIL DOS SERVIDORES INSS - e algumas dessas informações

referentes ao mês de dezembro/2006 serão comentadas a seguir.

Em termos gerais, o quadro de trabalhadores ativos do INSS aproxima-se de

44.000 trabalhadores de ambos os sexos, com predominância do sexo feminino. A faixa etária

compreende o intervalo entre 18 e 70 anos de idade, destacando-se que aproximadamente

66% desses trabalhadores têm idade entre 41 e 55 anos. Considerando-se o tempo de serviço,

algo em torno de 58% deles tem entre 21 e 30 anos de serviço, seguindo-se aqueles que têm

92

menos de 05 anos de serviço, os quais representam aproximadamente 20% do total de

trabalhadores na instituição (MPS/INSS/DIRRH/CGARH/Relatório Perfil dos Servidores

INSS, dez./2006). Essa informação sobre tempo de serviço tem correlação com a questão

discutida no Capítulo IV, no que se refere ao esvaziamento do quadro funcional do INSS nos

anos 90, durante os quais foram realizados poucos concursos públicos para ingresso de novos

servidores, em função da orientação neoliberal vigente à época, que preconizava a idéia de

“Estado mínimo”. Entende-se que num espaço temporal de aproximadamente oito (08) anos

durante a década de 90 não houve a necessária ampliação da força de trabalho do INSS, pois o

ingresso de novos servidores através de concurso público foi insignificante, comparando-se

com o quantitativo de servidores que se aposentaram, ou aderiram ao programa de

desligamento voluntário estimulados pelo próprio governo federal da época.

O grau de escolaridade expresso no perfil do quadro funcional do INSS varia

de alfabetizado sem curso regular a detentor de curso superior completo ou mais,

concentrando-se nesta última faixa de escolaridade um percentual em torno de 59% dos

trabalhadores, embora quase 70% de todos os trabalhadores da instituição ocupem cargos de

nível intermediário a auxiliar, cuja exigência de escolaridade é até o 2º completo. Pode-se

inferir daí que dentre esses 70% de trabalhadores haja um expressivo contingente executando

tarefas ou realizando atividades que, em tese, exigem grau de complexidade inferior ao que se

supõe condizente com sua real escolaridade.

Ainda de acordo com o relatório PERFIL DOS SERVIDORES DO INSS,

aproximadamente 55% do total de trabalhadores ativos do INSS atuam nas Agências da

Previdência Social em todo o Brasil, embora nem todos eles estejam realizando diretamente a

atividade de atendimento ao público em seu cotidiano de trabalho, já que também existem

outras atividades administrativas inerentes ao funcionamento de uma Agência.

93

Considerando que a atividade de atendimento ao público nas Agências da

Previdência Social reveste-se de um processo de relação social, ela se efetiva numa dinâmica

de interação dos trabalhadores entre si e também com os usuários dos serviços

previdenciários. Para esclarecer o leitor e melhor compreender alguns aspectos inerentes à

relação entre esses dois atores sociais do trabalho, é importante situar o que se poderia chamar

de “perfil dos usuários da Previdência Social”, especialmente aqueles que demandam

benefícios previdenciárias nas Agências.

Em termos gerais, pode-se caracterizar os usuários da Previdência Social como

uma clientela numerosa e diversificada, de ambos os sexos, faixa etária superior à maioridade

civil e quase sempre inserida do mercado de trabalho, seja ele formal, ou informal, já que no

Brasil a proteção previdenciária está atrelada ao contrato de trabalho, ao pagamento de

contribuições pretéritas e à filiação dos indivíduos ao sistema previdenciário, conforme

discutido no Capítulo IV. Embora a cobertura do sistema previdenciário se destine aos

trabalhadores e seus dependentes, o que significa dizer abrange diferentes segmentos sociais,

profissionais, econômicas e culturais da classe trabalhadora brasileira, a grande maioria do

público usuário direto das Agências da Previdência Social é composta, predominantemente,

de pessoas de classe social menos favorecida, com baixo padrão de escolaridade e renda e

pouca conscientização acerca de seus direitos sociais, trabalhistas e previdenciários.

A fim de contextualizar a realidade sócio-econômica da clientela

previdenciária, convém retomar a reflexão sobre as transformações que incidiram no mundo

do trabalho a partir dos anos 70, que engendraram a desestruturação das relações clássicas de

produção, criaram condições precárias de trabalho e possibilitaram uma série de retrocessos à

condição sócio-econômica e de saúde da classe trabalhadora, com o agravante do aumento

significativo do trabalho feminino e da inclusão precoce de crianças no mercado de trabalho.

No Brasil, essas circunstâncias acentuaram a vulnerabilidade dos trabalhadores, seja ela de

94

caráter financeiro, ou na forma de agravos à saúde física e mental, e trouxeram repercussões

diretas no sistema de seguridade social brasileiro (RAIMUNDO, 2000, p. 33). A Previdência

Social, como parte desse sistema, passou a ser vista, então, como instância de retaguarda de

amparo econômico e social, para assegurar aos trabalhadores os benefícios previdenciários e,

minimamente, garantir-lhes a sobrevivência, extensiva também à sua família. Muitos usuários

da Previdência Social apresentam situações trabalhistas precárias em termos legais de

proteção ao trabalhador, inclusive no tocante à saúde, e são sujeitos ativos de uma força de

trabalho que protagoniza as contradições e dilemas do processo de reestruturação produtiva

do capitalismo pós-moderno baseado no modelo de acumulação flexível do capital

(ABRAMIDES e CABRAL, 2003, p. 4-5).

Não por acaso, a maior demanda de solicitações de benefícios previdenciários

nos últimos anos tem sido pelo benefício de auxílio-doença, que se destina a proteger o

trabalhador em situações que o impedem de exercer atividade de trabalho, garantindo-lhe um

rendimento mensal. É importante esclarecer que a legislação previdenciária também prevê a

concessão desse benefício para os trabalhadores que estão desempregados até um (01) ano

contado a partir do encerramento do vínculo trabalhista ou da última contribuição

previdenciária, desde que comprovem um mínimo de contribuições pretéritas exigidas e

estejam comprovadamente doentes e incapazes para o trabalho. Desnecessário dizer que em

situações de desemprego em massa, mormente como conseqüência do modelo econômico

vigente, a demanda pelo benefício de auxílio-doença é bastante expressiva e atualmente

responde pela maioria dos atendimentos realizados nas Agências da Previdência Social.

Essa realidade traz à tona uma situação emblemática do dia-a-dia dos

trabalhadores que realizam a atividade de atendimento ao público nas Agências e também dos

médicos que realizam exames de perícia médica no INSS, pois muitas vezes a solicitação do

benefício de auxílio-doença é motivada mais pela condição sócio-econômica precária de luta

95

pela sobrevivência do usuário desempregado ou subempregado, do que propriamente pela

condição de doença e incapacidade para o trabalho, sendo esta última, em tese, o critério legal

determinante da concessão do benefício. Uma outra face dessa problemática são os casos de

usuários que estão afastados do trabalho, recebem o benefício de Auxílio-doença, mas têm

receio de retornar ao trabalho e serem demitidos posteriormente, quando do retorno à

atividade, e, por isso, fazem o possível para permanecer recebendo o benefício do INSS.

Em ambos os casos o que está em jogo é a garantia de sobrevivência do

indivíduo através de um rendimento mensal, entretanto, por outro lado, tal situação gera

alguns dilemas para o setor de Perícia Médica do INSS, cuja atuação institucional trata de

avaliar e atestar a condição de incapacidade para o trabalho decorrente de doença. É certo que

a “linha divisória” entre a condição de indigência ou de vulnerabilidade social e a condição

biológica incapacitante para o trabalho apresentada pelos usuários é quase sempre muito

tênue, pouco visível, revestida de subjetividade para quem avalia e, quando não, inexistente, o

que possibilita julgamentos e decisões institucionais nem sempre aceitos e percebidos como

corretos e justos pelos usuários. Aí residem algumas motivações para as situações que

culminam em agressões físicas e verbais dos usuários/segurados da Previdência dirigidas aos

trabalhadores do INSS no exercício de suas atividades, caracterizando, portanto, episódios de

violência no trabalho. Têm sido conhecidos e divulgados pela imprensa episódios dessa

natureza em várias Agências da Previdência Social, com destaque para as ocorrências

envolvendo lesões físicas, o que, no mínimo, concorre para criar circunstâncias de trabalho

emocionalmente desfavoráveis para os trabalhadores que lidam diretamente com o público.

Não obstante a ocorrência de situações que se caracterizam como violência no

trabalho, as relações sociais que se estabelecem entre os trabalhadores do INSS e os usuários

da Previdência Social nas situações de atendimento ao público são pautadas por um processo

de comunicação e de troca de informações que é intrínseco à atividade, onde não raro estão

96

presentes a cordialidade, a afetividade, o respeito mútuo e a atenção. Por parte dos atendentes,

o relacionamento com os usuários é revestido, de modo geral, pelo desejo de ajudá-los, de

solucionar o problema trazido ou a pendência apresentada, de orientá-los corretamente e, em

suma, de possibilitar ao cidadão usufruir dos direitos sociais que lhes são garantidos por lei,

caracterizando, portanto, uma relação profissional, mas também afetiva, construtiva,

conciliadora, educativa e solidária.

97

CAPÍTULO VI

6 RESULTADOS: FALAM OS TRABALHADORES

Neste capítulo serão apresentados e discutidos os resultados da pesquisa

realizada com aos trabalhadores da atividade de atendimento ao público nas duas Agências da

Previdência Social selecionadas, destacando os aspectos associados à problemática de prazer

e sofrimento no trabalho que se revelaram mais significativos para discussão.

De acordo com a metodologia descrita no Capítulo III, foram utilizados

diferentes instrumentos de coleta de dados em momentos distintos do trabalho de campo, o

que possibilitou um conjunto de informações relevantes em torno dos três temas que

nortearam a investigação e constituíram o conteúdo do questionário e da entrevista:

(a) atividade de trabalho, (b) condições de saúde e trabalho e (c) relações de trabalho. Para a

análise e discussão dos resultados foram priorizados os aspectos mais recorrentes da fala

daqueles trabalhadores, correlacionando-os com os principais conceitos e formulações da

psicodinâmica do trabalho apresentados no Capítulo II. Não obstante a riqueza de conteúdo

dos resultados encontrados, sua análise e discussão não esgotam as possibilidades de

investigação do tema e espera-se que possibilitem interesse e abram perspectivas para novos

estudos.

Iniciando o trabalho de campo, pretendia-se conhecer o processo de trabalho na

atividade de atendimento ao público em Agências da Previdência Social e também os

trabalhadores que o realizam nas duas Agências selecionadas, destacando características

relacionadas à faixa etária, sexo, escolaridade, tempo de serviço na atividade de atendimento

ao público e jornada de trabalho diária, de forma a permitir uma idéia do perfil demográfico e

funcional dos sujeitos que participariam da pesquisa.

98

Quanto ao processo e organização do trabalho e seu significado para os

trabalhadores, foram pesquisados alguns dados que sinalizam algumas questões

organizacionais relevantes, tais como o motivo pelo qual trabalham na atividade de

atendimento ao público, as oportunidades de treinamento e orientação recebidas para a

realização do trabalho, as tarefas inerentes àquele processo de trabalho, o sentimento de

identificação de cada um dos participantes com a atividade, a motivação ou interesse para

trabalhar em outra área ou em outra empresa, a opinião sobre a organização do trabalho e,

finalmente, as mudanças desejadas para a atividade que realizam.

De modo geral, as informações levantadas a partir do trabalho de campo junto

aos trabalhadores das duas Agências são bastante semelhantes quanto ao conteúdo, de modo

que os resultados serão analisados considerando-se o conjunto dos informantes da pesquisa, e

não dois grupos separadamente, já que não foi propósito do estudo estabelecer qualquer

comparação entre os trabalhadores, ou entre as Agências. Igualmente em conjunto serão

analisados os dados coletados através do questionário, da entrevista e da observação.

Inicialmente será apresentado um breve perfil funcional dos participantes da

pesquisa, caracterizando-os, resumidamente, em termos de faixa etária, sexo, escolaridade,

tempo de serviço no INSS, tempo de serviço na atividade de atendimento ao público e jornada

de trabalho diária na atividade de atendimento. Convém ressaltar que as quatro primeiras

características - faixa etária, sexo, escolaridade e tempo de serviço - guardam estreita

correlação com os respectivos dados que caracterizam o perfil do quadro funcional dos

trabalhadores do INSS em todo país, constantes no relatório PERFIL DOS SERVIDORES DO INSS

apresentado no Capítulo V, o que significa dizer que os dados referentes a essas

características no conjunto dos sujeitos que participaram da pesquisa configuram um perfil

demográfico e funcional semelhante ao perfil da população de trabalhadores do INSS no

Brasil. Considera-se, pois, que essa semelhança reforça a concepção de que o grupo de

99

trabalhadores participantes da pesquisa reflete algumas das características da população à qual

eles pertencem.

No tocante à faixa etária, aproximadamente 71% dos participantes da pesquisa

têm idade entre 40 e 50 anos, seguidos de 13% com idade entre 18 e 28 anos, conforme

demonstrado na Ilustração 1.

Ilustração 1: Distribuição por Faixa Etária

71%

8% 13%

8% 18 - 28 anos29 - 39 anos40 - 50 anos51 - 61 anos

Houve predominância de participação do sexo feminino, onde as mulheres

constituem 58% dos sujeitos, representada na Ilustração 2.

Ilustração 2: Distribuição por Sexo

58%

42%

MasculinoFeminino

Quanto à escolaridade, representada na Ilustração 3, todos os participantes

informaram ter o 2º grau completo, e o dado que chama a atenção é a expressiva parcela de

79% deles ter informado escolaridade de nível superior (incompleto, completo ou pós-

graduação), entretanto, realizando atividade de trabalho cuja exigência de escolaridade é

apenas 2º grau, como, por exemplo, a atividade administrativa de atendimento ao público nas

Agências da Previdência Social. De outra parte, alguns trabalhadores que ocupam cargos de

100

nível superior na instituição realizam atividades semelhantes aos colegas que ocupam cargos

de nível intermediário, como, por exemplo, a mesma atividade de atendimento ao público.

Para alguns dos participantes da pesquisa essa situação parece desconfortável e

concorre para sentimentos de frustração e insatisfação com o trabalho, fazendo-se necessário,

segundo um deles, que o INSS corrija tais distorções funcionais.

Ilustração 3: Distribuição por Escolaridade

46% 25%

21%8%

2º grau completo Superior incompletoSuperior completo Pós-graduação

No tocante ao tempo de serviço no INSS, aproximadamente 71% dos

participantes da pesquisa informaram ter mais de 16 anos de serviço, seguindo-se outros 29%

deles que referiram ter menos de 07 anos de serviço na instituição. Nenhum dos participantes

informou ter entre 08 e 15 anos de serviço no INSS, o que, de certa forma reflete a mesma

tendência da população geral de trabalhadores do INSS constante no relatório PERFIL DOS

SERVIDORES DO INSS, apresentado no Capítulo V. Esse dado sugere que há um lapso de

aproximadamente oito (08) anos durante a década de 90, em que praticamente não

ingressaram novos servidores públicos na instituição, reforçando, portanto, o enxugamento do

quadro funcional do INSS, conforme discutido no Capítulo IV.

Especificamente na atividade de atendimento ao público, 50% dos participantes

informaram que estão na atividade há mais de 16 anos. Por razões que extrapolam os limites

desta investigação, não entrarão em discussão os critérios e as práticas de remanejamento

interno que o INSS utiliza com seus trabalhadores, entretanto, esse dado merece registro,

porque dentre as sugestões apontadas pelos participantes foi citada a necessidade de “rodízio

101

interno”, já que nas Agências existem outras atividades administrativas, e não somente a

atividade de atendimento ao público, também compatíveis com a habilitação e cargo que

ocupam. A jornada de trabalho diária na atividade de atendimento ao público foi referida por

75% dos trabalhadores como sendo de até 08 horas.

Metade dos participantes informou já ter trabalhado anteriormente em

atividade de atendimento ao público em outras empresas, instituições, ou mesmo em outras

Agências da Previdência Social. À exceção de um dos sujeitos, todos os demais referiram que

estão trabalhando na atividade de atendimento ao público na Agência por determinação do

próprio INSS, através do Serviço de Recursos Humanos da respectiva Gerência Executiva, e

não por escolha pessoal, nem em decorrência de processo seletivo interno de adequação

funcional. Segundo os trabalhadores, as justificativas institucionais para alocá-los na atividade

de atendimento ao público nas Agências são a falta de pessoal e a necessidade de reforçar o

contingente de pessoal na atividade de atendimento ao público naquelas unidades.

Informaram também não terem conhecimento de que haja critérios explícitos de alocação da

força de trabalho com base em perfis profissionais adequados para a atividade de atendimento

ao público.

Principalmente os trabalhadores mais jovens e com menos tempo de serviço na

atividade de atendimento ao público afirmaram que realizam essa atividade de trabalho sem

uma base consolidada de conhecimentos técnicos que lhes proporcione segurança para tal,

esclarecendo que os treinamentos, cursos de capacitação e aperfeiçoamento oferecidos pela

instituição para qualificá-los para o desempenho de suas atribuições são esporádicos e

superficiais. Eles comentaram que essa condição de “despreparado” lhes causa insegurança,

ansiedade e alto custo emocional para realizar a atividade, o que sugere, dentre outras

possibilidades, nem mesmo o trabalho prescrito é claramente definido, ou plenamente

102

assimilado por aqueles trabalhadores. Esse assunto será retomado mais adiante, quando as

opiniões dos trabalhadores sobre a organização do trabalho forem apresentadas e discutidas.

Mesmo sendo dito por quase todos os sujeitos que não foi sua escolha

voluntária trabalhar na atividade de atendimento ao público da Agência, a maioria deles

referiu identificação com a atividade de trabalho realizada, seja pelo sentimento de utilidade,

pela satisfação pessoal, pelo desejo de ajudar os outros, ou por gostar de tratar com pessoas.

Pelas mesmas razões, a maioria também não deseja mudar de área ou de atividade no INSS.

Ao que parece há certa coerência entre essas respostas relacionadas à identificação com a

atividade de atendimento ao público e ao desejo de nela continuar, podendo residir aí um dos

elementos determinantes para a vivência de prazer no trabalho por parte daquele grupo de

trabalhadores. Falam os trabalhadores...

“Gosto de trabalhar com gente. Quando se consegue resolver um problema de um segurado, isto é bastante gratificante.” (M.B.S1).

“Gosto de trabalhar, principalmente me sentindo útil.” (F.B.7)

“Gosto do atendimento ao público, porque gosto do trabalho direto com pessoas, e não simplesmente burocrático, só mexendo com papéis.” (F.I.S1)

Aqueles que afirmaram não se identificar com a atividade de atendimento ao

público alegaram o caráter estressante da atividade e os impactos disso sobre sua saúde.

Seguem-se alguns depoimentos quanto a esse aspecto:

“... o trabalho realizado pelos funcionários do INSS é altamente estressante, isto é, realizamos um atendimento que carece de treinamento e reciclagem do servidor, nossa saúde física fica comprometida, pois lidamos com um público que é acometido de variadas doenças, entre elas estão: hanseníase, tuberculose, pneumonia e outras mais.” (M.I.4).

“Gosto do trabalho, mas a falta de funcionários e o nível de estresse têm sido muito desgastantes.” (F.I.S2)

103

“Somos obrigados a nos identificar, devido à necessidade de atendimento.” (F.I.S3)

Os que responderam desejar mudar de área ou atividade no âmbito do INSS

justificaram, além das implicações na saúde, dificuldades relacionadas à grande demanda de

trabalho, cobranças de carga horária, pouca valorização pelo trabalho realizado, tanto das

hierarquias institucionais como do próprio público, além do risco de cometerem erros na

execução da atividade e terem que arcar com as implicações e penalidades administrativas daí

decorrentes e os julgamentos sociais correspondentes. Um dos entrevistados fez o seguinte

comentário:

“... já estou meio cansado de trabalhar na Agência, fazendo sempre a mesma rotina, mesmos problemas, poucas soluções e muito trabalho não valorizado, nem mesmo pelo público.” (F.I.8).

Tais justificativas remetem à idéia de conteúdo significativo do trabalho

destacada por Dejours, referindo-se à mensagem simbólica e à subjetividade contidas na

atividade de trabalho. Para ele, a insatisfação com o conteúdo da tarefa é um dos elementos

que concorre para vivências de sofrimento no trabalho, pois um conteúdo significativo

inadequado às potencialidades e às necessidades do sujeito pode resultar em frustrações e

exigir consideráveis esforços de adaptação por parte dos trabalhadores, traduzindo-se em

sentimento de insatisfação, nem sempre expresso através da palavra, mas que pode ser o

ponto de partida para o sofrimento (DEJOURS, 1988, p. 52).

É importante lembrar a definição de trabalho proposta pelo autor, ao afirmar

que o trabalho é “... a atividade manifestada por homens e mulheres para realizar o que ainda

não está prescrito pela organização do trabalho” (DEJOURS, 2004, p. 64-65). O autor, que

utiliza a idéia marxista de trabalho, quer dizer com isso que o trabalho é essa atividade que

envolve gasto de energia para realização de algo, com uma finalidade que está na mente da

pessoa que realiza o trabalho. Portanto, o trabalho é uma atividade inteligente e, desse ponto

104

de vista, ele não é prescritível, porque envolve também o resultado das relações

intersubjetivas entre o trabalhador, seus colegas, chefes, etc.

Lancman reforça que o significado do trabalho vai além do ato concreto de

trabalhar, na medida em que fundamenta a constituição da identidade do sujeito e sua rede de

significados, além de possibilitar sua integração a determinado grupo com certos direitos

sociais. Para a autora, há que se aprofundar no conhecimento e nas discussões sobre o

conteúdo simbólico do trabalho, sobre seus aspectos invisíveis, sobre as relações subjetivas do

trabalhador com sua atividade, com o sofrimento e o desgaste que o trabalho produz e com

suas conseqüências sobre a saúde física e mental dos trabalhadores, reconsiderando sua

dimensão psíquica subjetiva (LANCMAN, 2004, p. 29-31). Depreende-se dessa formulação

que o trabalho não se reduz às relações sociais que ele produz, nem à retribuição que ele gera

e nem às relações de poder que o permeiam.

As opiniões dos sujeitos sobre a atividade de atendimento ao público no INSS

convergem para a percepção de que é um trabalho estressante, cansativo, estafante, muito

desgastante, complexo, criterioso e deficiente em função dos recursos tecnológicos e humanos

e das distorções institucionais. Eles consideram um trabalho arriscado e que exige muito de

quem o executa, sobretudo no que diz respeito ao autocontrole emocional para lidar com a

insatisfação e a agressividade dos usuários. Foram citadas as cobranças internas e também as

cobranças do público, além do alto grau de responsabilidade que a atividade de trabalho

exige. O quantitativo insuficiente de trabalhadores para o volume de atendimentos nas

Agências foi um dos elementos citados de forma mais recorrente. Conforme relatado pelos

trabalhadores,

“... estressante e muito complexa (a atividade de atendimento ao público), em alguns momentos até frustrante; nós somos muito cobrados tanto pelas chefias, como pelos segurados, até mais por esses. A atividade é complexa, porque envolve muitas informações, e é frustrante, porque mesmo com muitas informações a gente não consegue resolver os problemas das pessoas. É um trabalho muito cansativo...” (M.B.3)

105

“(É uma atividade...) extremamente estressante! Se houvesse mais servidores na área de atendimento, teríamos um serviço de melhor qualidade, porque há uma má distribuição de servidores para o atendimento, o número de servidores é muito aquém da demanda de segurados e de serviços oferecidos pela previdência... estressa os dois lados: o nosso e o lado do segurado.” (F.I.9)

Por outro lado, para muitos dos sujeitos a atividade de atendimento ao público

é um trabalho importante, principalmente pelo caráter presencial, pelo “elemento face a face”,

como descreveu um dos trabalhadores, e igualmente interessante e prazeroso, pela sua

finalidade, por não ser rotineiro, porque nenhum atendimento é exatamente igual a outro,

além de ser considerado um trabalho satisfatório, diante das condições que se tem para

viabilizá-lo.

“Acho importante que ele (o trabalho de atendimento) exista; as pessoas precisam do elemento face-a-face no atendimento, pois transmite mais confiança para quem está sendo atendido. Agora também acho um trabalho cansativo para nós, pela falta de mais servidores para fazer o trabalho; é um trabalho que exige muita atenção do funcionário da Agência, é muito criterioso, e a quantidade de colegas que nós temos aqui não dá conta muito bem.” (M.B.2)

“É um trabalho estafante. Interessante também, pois não tem uma rotina, nenhum atendimento é exatamente igual ao outro, e isso é bom. Por outro lado, quando tem algum problema é complicado, cansativo, estressante e muito desgastante.” (M.B.6)

A maioria dos informantes referiu que não se sente bem ao chegar ao trabalho.

Muitos deles referiram insatisfação, desmotivação e expectativa negativa diante da enorme

fila de espera dos usuários aguardando atendimento, tanto do lado de fora da Agência, quanto

internamente. Um dos entrevistados relatou que fica sobressaltado, tem “maus presságios”

quando se aproxima da Agência e, particularmente, acha que nenhum dos funcionários chega

bem ou com boas expectativas àquele ambiente de trabalho. Um outro destacou a necessidade

de se “preparar psicologicamente” para o que o espera no dia de trabalho.

“(Chego...) meio assustado, quando vejo o tamanho da fila lá fora e aqui dentro. Eu penso logo que alguma coisa não está funcionando direito... que

106

vai dar alguma confusão, que o dia não vai ser tranqüilo. Outro dia estava tendo uma agressão aqui dentro quando eu cheguei e, pelo tumulto, eu pensei que era um assalto”. (F.I.8)

“Fico pensando sempre assim: o que será que me espera hoje? Sempre chego com essa expectativa ruim.” (M.I.4).

“A minha 1ª impressão é péssima, é difícil chegar bem aqui. Depois, ao longo do dia, com o desenrolar do trabalho, eu até melhoro.” (M.B.6)

Esses depoimentos aproximam-se da idéia de sofrimento no trabalho ao

expressar a conotação negativa que perpassa o imaginário daqueles trabalhadores quanto à

atividade que realizam. É plausível considerar as repercussões daí decorrentes na saúde

mental daquele coletivo de trabalhadores, em forma de sofrimento, considerado neste

contexto como o espaço que se interpõem entre o campo da saúde e o campo da doença, ou

seja, como espaço de luta entre o bem-estar, de um lado e a doença mental ou a loucura, de

outro (DEJOURS, 1996, p. 153). Em outras palavras, pode-se dizer que o sofrimento funciona

como área intermediária entre a saúde e a doença mental.

Dentre os participantes da pesquisa alguns referiram que após um dia de

trabalho comumente sentem dores de coluna, cansaço, exaustão, esgotamento e estresse. Um

deles relatou que não se sente só cansado fisicamente, mas também mentalmente, e um outro

destacou que sai tão cansado após um dia de trabalho, que quase sempre não consegue fazer

outras coisas da sua vida pessoal quando sai do trabalho, a não ser descansar e dormir.

Também houve relatos de que após um dia de trabalho se sentem aliviados e até gratificados,

principalmente se o dia de trabalho tiver sido tranqüilo, conforme os seguintes depoimentos:

“Depende. Fico mais aliviado se o dia tiver sido tranqüilo, se tiver dado tudo certo, sem complicação” (M.I.4) “(Me sinto...) cansado, mas não é um cansaço que me impeça de fazer outras coisas ou atividades depois do trabalho. Como a gente mexe com muitos processos de benefícios, você vai ouvir de outros colegas também que a gente sai com os processos na cabeça e até sonha com certos processos, não se desliga.” (M.B.2)

107

“... aqui é como se eu fosse matar um leão por dia, porque várias coisas podem dar errado: os sistemas não funcionarem, servidores do atendimento faltarem, os casos complicados, enfim, a gente nunca sabe o que nos espera naquele dia. Por outro lado, a falta de rotina, de nada ser igual todos os dias e em todos os casos, isso é ótimo e sempre me agradou. Acho que é por isso que eu gosto do trabalho aqui.” (F.B.7)

“(Me sinto...) cansado e exausto, sem vontade de voltar no outro dia.” (M.I.10)

Merece registro o comentário de um dos entrevistados ao relatar que ele e

outros colegas, não raro, saem do trabalho à noite, por volta das 20h ou depois desse horário,

pois o movimento de atendimento na Agência é tão grande que alguns funcionários realizam o

serviço administrativo interno à noite, depois de encerrados todos os atendimentos no horário

normal de expediente. Foi relatado que geralmente essa é uma “prática” dos trabalhadores

mais antigos ou dos chefes e supervisores de serviço e que não há recebimento de hora-extra

de trabalho, nem compensação com a alternativa de “banco de horas”.

Quanto ao que eles mais gostam na atividade de trabalho que realizam, o

aspecto mais ressaltado pelos participantes foi o contato com o público, a possibilidade de

conhecer as pessoas, de ajudá-las e de lhes proporcionar o usufruto dos seus direitos enquanto

beneficiários da Previdência Social. Algumas das opiniões...

“(Do que eu mais gosto é...) o contato com o público, mesmo tendo que passar por essas coisas que eu relatei; no atendimento aqui, você se esquece de você e se transpõe para o outro.” (F.B.6)

“O fato de causar e proporcionar um bem às pessoas que chegam aqui é legal; a gente acaba sendo muito útil a alguém, fazendo com que as famílias consigam seus direitos com rapidez, com honestidade, é gratificante.” (M.B.2)

Em seguida foram destacados o contato com os demais colegas e o nível de

cooperação que existe entre eles, como aspectos igualmente positivos da atividade de

trabalho. Particularmente os trabalhadores mais jovens e com menos tempo de serviço no

108

INSS consideram que a carga horária diária de 06 horas regulamentada para os trabalhadores

que realizam a atividade de atendimento ao público nas Agências também é um fator positivo,

pois alguns deles estudam em período distinto do horário de trabalho.

“...com certeza, o contato com os colegas, o nível de cooperação que tem aqui dentro é o que vale a pena. E também quando se consegue atender satisfatoriamente a demanda, os segurados, finalizar e concluir o trabalho, dar uma resolutividade ao caso do segurado.” (F.I.9)

Em contraposição, quanto aos aspectos negativos da atividade de trabalho, a

constatação do grau de desinformação dos usuários e do desconhecimento dos seus direitos

enquanto cidadãos foram destacados pelos trabalhadores como elementos que os desagradam

na atividade de atendimento ao público. Em que pese a aparente surpresa dos trabalhadores

que se referiram a esse aspecto, e a insatisfação daí decorrente, é importante ressaltar que esse

grau de desconhecimento e de desinformação da clientela é parte integrante do trabalho na

atividade de atendimento ao público nas Agências da Previdência Social.

“O nosso público é muito desinformado, e isso é um fator dificultador do nosso trabalho aqui; é difícil fazer alguns segurados entenderem certas coisas, até mesmo as mais simples, e isso me deixa muito angustiado. O que eu menos gosto aqui no trabalho é a ignorância das pessoas que vêm aqui... ignorância no sentido de ignorar mesmo o que vêm buscar aqui, o desconhecimento dos seus direitos.” (F.B.7)

Seguiram-se os aspectos diretamente ligados à instituição, e não à atividade de

trabalho propriamente dita, tais como a pouca valorização dos funcionários, a inexistência de

treinamentos e de capacitação, gerando sentimentos de insegurança e de incapacidade para

realizar o trabalho, as dificuldades operacionais para realizá-lo efetivamente no dia-a-dia, que

muitas vezes impedem de concluí-lo, a falta de uniformização dos procedimentos de trabalho,

a reduzida quantidade de trabalhadores para a grande demanda de atendimentos, a

inadequação e obsolescência das ferramentas tecnológicas e dos sistemas informatizados, o

extenso horário de funcionamento das Agências, as inadequadas condições físicas do

109

ambiente de trabalho, a baixa remuneração, a ausência de autonomia dos trabalhadores e as

atitudes agressivas dos usuários. Para ilustrar, destacam-se os depoimentos de dois

trabalhadores:

“(Do que eu menos gosto aqui...) seria mais com a instituição: falta de treinamento, as informações são dispersas e há pouca valorização dos funcionários.” (M.I.4)

“(Não gosto de...) essa cobrança injusta da qual lhe falei e, além disso, a falta de ferramentas tecnológicas adequadas à realização do trabalho. Ninguém aqui assume a responsabilidade por essas pendências no serviço: poucos funcionários para o volume de atendimentos, sistemas informatizados que não dão conta da demanda de acessos, as condições físicas da Agência, a falta de uniformização de procedimentos, de treinamentos, enfim, é muita coisa Tudo isso atrapalha o serviço, atrasa o atendimento, o andamento da fila de espera, e o caos está instalado!” (F.I.5)

Também pelas razões acima referidas alguns trabalhadores disseram que

preferem mudar de atividade de trabalho e expressaram o desejo de trabalhar em outras

atividades no âmbito do INSS. Um deles comentou que gostaria de trabalhar em qualquer área

que tivesse ascensão funcional, para que pudesse utilizar os conhecimentos de sua respectiva

formação técnica e ter melhores condições de horário e de trabalho. Particularmente quanto a

esse aspecto, cabe esclarecer que o dispositivo de ascensão funcional deixou de existir no

serviço público federal a partir da vigência da Lei 8.112/90, que extinguiu essa modalidade de

provimento de cargo no serviço público.

Dentre as justificativas relacionadas pelos participantes para querer trabalhar

em outro órgão ou empresa, foram citadas questões de melhoria salarial e de perspectivas de

crescimento profissional, desejo de valorização funcional, aquisição de novos conhecimentos

e desejo de melhor ambiente de trabalho. Especialmente a ausência de valorização individual

e a falta de perspectivas de crescimento profissional do trabalhador sugerem aspectos

importantes a serem considerados na relação daqueles trabalhadores com a instituição e com o

trabalho em si.

110

“(Gostaria de trabalhar em outro órgão...) para ter melhores condições de trabalho, condições de adquirir conhecimentos novos, melhoria de remuneração e qualidade de vida.” (F.I.S2)

“Por isso, estou estudando para outros concursos, a fim de preservar minha integridade física e mental.” (M.I.4)

“O INSS não oferece perspectivas de crescimento profissional aos servidores.” (F.B.6) “Gostaria de trabalhar em lugar que valorizasse mais os funcionários.” (F.I.S3)

A valorização no sentido que os trabalhadores requerem aproxima-se do

conceito de reconhecimento, que é uma proposição fundamental na psicodinâmica do

trabalho. Sob a ótica dessa disciplina, o reconhecimento é de natureza fundamentalmente

simbólica, concebido como retribuição esperada pelo indivíduo e que se expressa em duas

dimensões: no sentido da constatação e no sentido da gratidão (DEJOURS, 2004, p. 70-71),

conforme anteriormente discutido no Capítulo II. No contexto desta discussão, situa-se o

reconhecimento no sentido da gratidão pela contribuição dos trabalhadores à organização do

trabalho e como reconstrução dos julgamentos pelo trabalho realizado, sejam esses

julgamentos proferidos pelos superiores hierárquicos, subordinados, pares, colegas, membros

da comunidade, ou cliente, neste caso os usuários da Previdência Social. Nesse sentido, a

ausência de valorização e de reconhecimento nos termos formulados pelos trabalhadores e à

luz da psicodinâmica do trabalho leva a compreendê-la como elemento associado a vivências

de sofrimento para aquele coletivo de trabalho.

Um aspecto que apareceu recorrente entre as respostas de alguns trabalhadores

com pouco tempo de serviço no INSS diz respeito à preocupação com o risco de cometer

erros no trabalho e de tal eventualidade vir a ser qualificada como ocorrência de fraudes, ou

procedimentos ilícitos perante a instituição. À primeira vista poder-se-ia atribuir essa

111

preocupação dos trabalhadores simplesmente ao fato de que historicamente no INSS há

registros de ocorrências dessa natureza, cometidos direta ou indiretamente por funcionários e

que angariaram fortes julgamentos negativos da sociedade brasileira. Embora não seja

objetivo do estudo discutir as razões que subjazem essa problemática, convém registrar que as

duas Agências onde o trabalho de campo foi realizado têm histórico de episódios de fraudes e

de procedimentos lesivos à instituição envolvendo funcionários, num passado não muito

longínquo, o que pode explicar a preocupação de tais trabalhadores com fraudes. Para ilustrar

a questão, seguem-se alguns depoimentos:

“Servidor do INSS não pode errar; caso o servidor falhe, a Polícia Federal acusa o servidor e diz que ele fraudou a instituição. Como posso me sentir preparado nessa instituição, se nunca recebi um treinamento e provavelmente nunca receberei?” (M.I.4)

“Não me sinto seguro em trabalhar no INSS; se eu errar, sou tachado de fraudador.” (M.B.S4)

“Por qualquer coisa a Polícia Federal vem e prende os servidores, sem provas concluídas, nem que seja somente para interrogar e depois liberar, mas prende e todo mundo vê... Isso dá muito medo e por isso nem todo mundo suporta esse tipo de atividade.” (F.B.6)

“O risco de cometer erros e de ser indiciado em processo administrativo para investigar envolvimento com fraude é muito grande e desgastante... Quem é indiciado em fraude se complica, mesmo antes de concluir o processo. Por essas coisas, aqui a gente trabalha com medo.” (F.I.5)

As opiniões dos participantes quanto à organização do trabalho nas duas

Agências pesquisadas elucidam a importância dos fatores organizacionais na realização do

trabalho no dia-a-dia e suas implicações na saúde mental dos trabalhadores. Quanto aos

aspectos relacionados à organização do trabalho, os trabalhadores queixam-se, em grande

medida, da excessiva divisão de tarefas e da sua inadequada distribuição entre eles, das

questões relacionadas à hierarquia, da ausência de participação dos trabalhadores nas decisões

internas, da falta de valorização e de reconhecimento e da insuficiência do quantitativo de

112

trabalhadores na atividade de atendimento para atender a demanda das Agências. Seguem-se

alguns trechos de depoimentos:

“Existe algum esforço para que haja uma organização das atividades... as atividades estão centralizadas em alguns servidores, enquanto outros ficam com menos atribuições e sem interesse em aprender nada além do que já fazem... Não é oferecido nenhum incentivo ao servidor para que ele aumente seu conhecimento, há somente o aumento na sua quantidade de atribuições.” (F.I.8)

“(A organização é...) caótica! poucos servidores, poucas Agências, muitos segurados, muitas tarefas, sendo que a maioria delas complexas, pois demandam respaldo geral, jurídico.” (F.I.5)

Tais aspectos da organização do trabalho aparecem associados às vivências de

sofrimento, reforçando a proposição de que a gênese do sofrimento humano no trabalho está

na organização do trabalho (DEJOURS, 1996, p. 153). Outros estudos, alguns dos quais

citados no Capítulo II também relacionam a excessiva divisão de tarefas, a subutilização do

potencial e da criatividade individual, o excesso de procedimentos burocráticos, a ausência de

participação nas decisões e a falta de reconhecimento à vivência de sofrimento vinculado ao

trabalho. Entretanto, também alguns sujeitos da pesquisa identificam aspectos positivos na

organização do trabalho em que estão inseridos, particularmente naquilo que se refere ao

relacionamento com os colegas e chefias.

“Acho que é ótima (a organização do trabalho), pois trabalhamos com respeito um ao outro, com informações imediatas e liberdade.” (F.B.7)

“Apesar do posicionamento de alguns funcionários, existe uma equipe bem integrada, que discute problemas de legislação, boa liberdade para a realização das tarefas e chefias bem acessíveis e comprometidas com o serviço.” (F.B.S1.)

“Nesta Agência, penso que de modo geral, não temos tantos problemas.” (F.B.S5)

113

Ainda em relação à organização do trabalho nas duas Agências, as opiniões de

alguns dos sujeitos a qualificam como confusa, inexistente, conforme depoimentos seguintes:

“Às vezes é confuso, mas na maioria das vezes conseguimos contornar os problemas; falta mais coordenação.” (M.B.S6)

“Não existe organização nenhuma; cada um faz o que sabe e o que pode.” (M.B.S4)

A partir do conteúdo desses depoimentos, pode-se inferir que os trabalhadores

utilizam sua iniciativa, sua criatividade e seus saberes específicos, para viabilizar a

concretização do trabalho de atendimento ao público no dia-a-dia das Agências, construindo a

organização real do trabalho. Assim sendo, resgata-se a concepção de “inteligência prática” e

de “engenhosidade” formulada pela psicodinâmica do trabalho, no sentido de que o trabalho

propicia a criação do novo para ajustar a organização prescrita do trabalho, fazendo-se

necessário, para isso, que o trabalhador lance mão do artifício da iniciativa, da inventividade,

da criatividade e de formas de inteligência específicas que possui. Para Dejours, “é o trabalho

que produz a inteligência, e não a inteligência que produz o trabalho” (DEJOURS, 2004,

p. 66). Ele complementa sua argumentação, afirmando que quando o uso dessa inteligência

prática não é contrariado ou combatido, e sim é permitido e, mais que isso, quando se

reconhece a sua contribuição para a organização do trabalho, aí se inscreve uma fonte de

prazer no trabalho que é fundamental para a saúde do indivíduo, pois confere ao trabalho a

condição de mediador privilegiado da realização desse indivíduo e da construção de sua

identidade (DEJOURS, 2004, p. 278-279).

Dentre as características e habilidades ou aptidões que os sujeitos da pesquisa

consideram ser esperadas dos trabalhadores que realizam a atividade de atendimento ao

público nas Agências da Previdência Social sobressaíram-se, de um lado, aquelas mais

relacionadas às características de personalidade e à singularidade, tais como, paciência, calma,

114

“jogo de cintura”, cautela, educação no trato pessoal, bom humor e autocontrole emocional,

conforme apareceram nos seguintes relatos:

“(Acho necessário...) educação e bom humor. Senso de responsabilidade também. Aquilo que você gostaria que não acontecesse com você, não aconteça com o segurado. Por isso, acho que tem que ter uma boa formação pessoal, além, claro, de uma boa formação técnica.” (F.B.7)

“... Paciência, abstração, para raciocinar antes de fazer as coisas... ter cuidado, estudar muito e também ter muito sangue frio.” (F.B.6)

“Muita paciência e jogo de cintura, porque tem hora que a gente não agüenta.” (M.I.10)

“Calma, cautela, atenção, ser estudioso para estar bem informado e passar confiança à pessoa que está atendendo. Os segurados já vêm pra cá muito estressados, muitos não sabem nem seus direitos... a gente tem que estar preparado.” (M.I. 4)

Eles reconhecem, também, a necessidade de bom conhecimento técnico, tanto

na área de benefícios como na área de informática, para atender às solicitações demandadas e

operacionalizar os sistemas informatizados, além de ter muita atenção, senso de

responsabilidade, objetividade, preocupação em atender corretamente, comprometimento com

o trabalho e envolvimento com o que faz.

Todos eles referiram a ausência de apoio institucional para desenvolver tais

características ou habilidades. Mesmo quanto à aquisição de conhecimento técnico, as

opiniões são de que os cursos, treinamentos, reciclagens, ou programas de capacitação

institucionais são inexistentes e, quando muito, esporádicos, pouco consistentes, inadequados

e não contemplam as reais necessidades do trabalho no dia-a-dia de atendimento, conforme já

citado anteriormente. Alguns comentaram que essa ausência de suporte técnico gera

insegurança para realizar a atividade e, como tal, é fonte de ansiedade e estresse, sobretudo

para os trabalhadores novatos na atividade de atendimento ao público. Relataram que se

prepararam tecnicamente bem para o concurso do INSS e aprenderam a legislação

115

previdenciária relativa à área de benefícios, mas que o aprendizado da atividade de

atendimento ao público acontece no dia-a-dia, descobrindo coisas novas e esclarecendo

dúvidas com os colegas mais experientes.

“Não tive apoio daqui prá isso. São nossas características pessoais mesmo. Acho que aqui ninguém teve esse apoio da instituição” (F.I. 5)

“Nenhum (apoio). São coisas que cada um trouxe de sua personalidade. Falta treinamento, capacitação, reciclagem, enfim, falta tudo aqui!” (F.I.9)

“Não (tive apoio). Aqui é cada um por si.” (M.B.3)

“Não (tive apoio). Desenvolvi essas coisas na marra!” (F.B.6)

“Não (tive apoio). Aqui a gente cai de pára-quedas... não tem treinamento. É ruim assim mesmo, e isso é fonte de estresse. A gente pode errar sem saber o que está fazendo, a gente não tem segurança. E olhe que mexe com dinheiro!” (M.B.1)

Alguns comentaram, também, que inexistem reuniões de serviço para discutir

as rotinas de trabalho, as mudanças introduzidas na legislação e as normas internas do serviço,

e que não há sala destinada para a realização de reuniões nas Agências.

“Eu me preparei pra isso(para o trabalho) quando fiz o concurso. Os sistemas e a legislação mudam muito e de repente. Às vezes, a gente nem sabe que uma coisa mudou; a gente vai aprendendo fazendo, não tem espaço para reunião, para discutir a legislação, o que mudou, as rotinas, etc. Aliás, aqui na Agência não tem nem espaço físico para reunião dos servidores, e a gente acaba aproveitando o horário de almoço na copa para falar do trabalho.” (M.B.2)

Enfim, na opinião dos sujeitos, as características, habilidades ou aptidões que

eles consideram necessárias ou importantes para realizar a atividade de atendimento ao

público nas Agências da Previdência Social fazem parte de suas características individuais,

são intrínsecas à personalidade de cada um, pois não receberam qualquer apoio da instituição

para desenvolvê-las, levando-os a lançarem mão de requisitos e de característica pessoais, de

116

saberes individuais, de sua criatividade e iniciativa, para realizar sua atividade de trabalho.

Em termos de psicodinâmica de trabalho, esses depoimentos refletem o conceito de

engenhosidade e de inteligência prática, formulados por Dejours e já comentados

anteriormente.

Especificamente no tocante às contundentes respostas dos trabalhadores

quanto à necessidade de aperfeiçoamento da organização de trabalho em que estão inseridos,

Lancman, argumenta que é importante compreender a influência da organização do trabalho

na qualidade de vida, na saúde mental, na geração do sofrimento psíquico, no desgaste e nas

formas de adoecimento dos trabalhadores, não somente para compreender e intervir nas

situações de trabalho que produzem sofrimento, mas, principalmente, para transformar essas

formas de organização, de modo que venham a ser favoráveis à saúde mental. Para a autora, o

trabalho é, por excelência, “a oportunidade central de crescimento e de desenvolvimento

psíquico do adulto” (LANCMAN, 2004, p. 33).

Tal como relatado pelos trabalhadores, a grande demanda de usuários e a forma

de operacionalização da atividade de atendimento ao público nas Agências contribuem para

favorecer a formação de grandes filas, atrasos no atendimento, podendo causar insatisfação,

impaciência, inquietação e desconforto às pessoas que aguardam atendimento.

“O trabalho é dificultado pela excessiva divisão de tarefas através de senhas de acesso a diferentes sistemas, o que torna o processo de atendimento lento, causa insatisfação ao público e impaciência na fila. O controle também é insatisfatório, pois as regras internas do INSS são tão complicadas quanto a legislação previdenciária.” (F.B.6)

Se assim o for, é possível pensar que a organização do trabalho descrita pelos

sujeitos, concorre, indiretamente, para algumas dificuldades vivenciadas por eles no cotidiano

da atividade de atendimento ao público, e estas, por conseguinte, podem repercutir na

percepção que os usuários e a sociedade em geral têm do serviço de atendimento ao público

nas Agências da Previdência Social, cujos atores principais e alvos preferenciais de

117

responsabilização e críticas são os próprios trabalhadores. Essa “atribuição de

responsabilidade” aos atendentes pode-se constituir em elemento favorecedor de sofrimento

psíquico ao coletivo de trabalho estudado.

Quanto às sugestões de mudanças na atividade de trabalho apontadas pelos

trabalhadores destacam-se, de forma bastante evidente, aquelas relacionadas à necessidade de

aperfeiçoamento da organização do trabalho vigente nas Agências e à valorização e

reconhecimento dos trabalhadores, bem como do trabalho de atendimento ao público. As

respostas mais recorrentes dizem respeito à necessidade de valorização e de reconhecimento,

tanto dos trabalhadores como do trabalho executado, à necessidade de maior quantidade de

trabalhadores para atividade de atendimento ao público nas Agências, à maior eficiência dos

sistemas informatizados com os quais trabalham diariamente, à melhor infra-estrutura das

unidades de atendimento, melhor distribuição das tarefas, melhores equipamentos e material

de trabalho, melhores salários, mais treinamentos, cursos, reciclagens, discussões internas

sobre o trabalho e maior participação dos funcionários nas decisões que envolvem as

Agências da Previdência Social. Seguem alguns trechos de depoimentos:

“(Falta...) tudo. Deveria haver valorização do servidor, treinamentos, reciclagens, gerência capacitada e participativa e também cuidados com a saúde do servidor.” (M.I. 4)

“(Gostaria...) que fossem valorizados os servidores que procuram de alguma forma, ou da melhor forma, desenvolver suas atividades. E também melhores condições físicas (equipamentos e materiais de trabalhão) para desenvolvê-las.” (F.I.8)

“(Sugiro que haja...) maior valorização do trabalho executado.” (F.I.S1)

“(Gostaria...) que fossem contratados mais servidores capacitados habilitados em concurso...” (F.I.9)

“(Sugiro...) mais funcionários, equipamentos em perfeito estado de funcionamento e melhores sistemas (informatizados). (M.I.S7)

118

“Falta mais reconhecimento dos dirigentes; o salário, por exemplo, é baixo para o grau de complexidade e responsabilidade do nosso serviço. Que capacitassem todos os funcionários, a fim de não sobrecarregar os que mais sabem e são comprometidos com o Instituto.” (F.I.S8)

“Gostaria de obter mais informações e treinamento para as atividades que desempenho. Os sistemas também poderiam funcionar melhor.” (M.B.2)

“(Que tivesse...) maior suporte e treinamento para todos os funcionários e maior participação dos funcionários.” (M.B.S4)

No tocante à opinião sobre a factível participação dos trabalhadores nas

discussões e decisões nas Agências, os sujeitos da pesquisa se posicionaram de forma

divergente, pois para alguns tal participação é inexistente, fruto de um modelo de gestão

centralizador, em que as decisões e determinações que impactam diretamente o serviço e o

funcionamento da Agência vêm da administração central do INSS. Os trabalhadores que

comungam dessa opinião afirmaram que isso traz conseqüências negativas para o trabalho,

porque não se conhece o que o trabalhador pensa sobre aquilo que ele mesmo faz e, em

síntese, ele, o trabalhador, não é ouvido. Daí o desejo de participarem efetivamente das

discussões e decisões que dizem respeito ao trabalho e à melhoria do funcionamento das

Agências. Seguem-se alguns depoimentos dos trabalhadores, quando questionados se existe

participação dos servidores nas discussões e decisões que envolvem a Agência:

“Não. A gente aqui não é ouvido, e eu acho isso lamentável. Tem a tentativa do PGA (Programa de Gerenciamento do Atendimento), que é muito superficial, e eu não vejo muita eficácia ” (F.I.5)

“Não. Eu acho ruim, porque não se ouve o que o servidor pensa. Todo mundo diz que aqui (a área de atendimento) é o inferno. Aqui não tem discussão, não se discutem as instruções, as leis, as normas de funcionamento... é tudo de cima pra baixo!” (M.I.4)

“Não. Tudo vem de cima. Acho péssimo, porque quem dá as ordens, as determinações, não está aqui, não sabe o que acontece aqui no dia-a-dia de uma Agência funcionando. Acho também que tem falha da chefia, que não dá feedback aos lá de cima, quando as coisas não dão certo aqui embaixo.” (F.B.6)

119

“Na maioria das vezes as decisões são de cima pra baixo – “cumpra-se”. Vêm de Brasília, vêm da Gerência Regional, da Gerência Executiva aqui do Rio..., mas quando a coisa aperta, a gente é ouvido.” (M.B.2)

Outros participantes consideram que existe, sim, participação dos trabalhadores

nas sugestões e discussões do trabalho para melhoria do serviço e da Agência, dentro do que é

possível discutir e participar. Essa participação é vista como positiva para a qualidade do

atendimento e melhor funcionamento do serviço. Eis algumas opiniões:

“Sim (tem participação). Nós discutimos o que é possível quanto à demanda de segurados e às possibilidades concretas de atendê-la, já que isso afeta todos do atendimento. Isso facilita bastante, porque é uma forma de todos se comprometerem com o que foi discutido e decidido; se a gente não criar esse espaço, não adianta que a coisa não sai, não anda.” (F.I.9)

“Em parte. A maioria dos chefes aqui na Agência aceita sugestões, e isso me surpreendeu. Acho isso fundamental para o trabalho, para a qualidade do atendimento e para a imagem do INSS.” (M.B.1)

Conforme se percebe dos depoimentos acima quanto à participação dos

trabalhadores nas formulações e decisões institucionais que dizem respeito às Agências e à

atividade de atendimento ao público, há diferentes percepções entre os trabalhadores. É

provável que essas percepções divergentes estejam também relacionadas a modelos distintos

de gestão das próprias unidades de atendimento, o que não se constitui objeto de análise ou

discussão no escopo deste estudo.

Dentre as sugestões apontadas pelos trabalhadores para tornar a atividade de

atendimento ao público mais interessante, a referência aos aspectos relacionados à

organização do trabalho foi predominante, com destaque para a realização de programas de

capacitação, treinamento e profissionalização para os trabalhadores, seguindo-se a sugestão de

aumentar a quantidade de trabalhadores na atividade de atendimento ao público nas Agências.

Além disso, foi citada a necessidade de uniformização de procedimentos e de rotinas de

trabalho entre as Agências e também dentro da mesma Agência, bem como a sugestão de

120

melhores condições físicas, estruturais e instrumentais de trabalho. Também foi apontada

como sugestão uma nova forma de interação entre os trabalhadores, as chefias e os

supervisores das Agências, instituindo-se a prática de realizar reuniões de serviço para discutir

o trabalho que vem sendo executado, esclarecer dúvidas e analisar as novas instruções e

normas internas. Alguns entrevistados assinalaram, ainda, a necessidade de autonomia das

Agências no que diz respeito às decisões e diretrizes que impactam o funcionamento dessas

Unidades, a participação dos próprios trabalhadores nas discussões e a necessidade de

valorização e reconhecimento profissional dos atendentes por parte das hierarquias do INSS,

conforme se pode depreender dos depoimentos abaixo.

“Maior diálogo dentro do INSS por parte das chefias, das diretorias e maior reconhecimento da agente e do nosso trabalho. Aqui, nós somos mais um no meio da multidão. A gente se sente esquecido, e é cada um por si. As demandas de trabalho são incompletas, e a gente acaba contornando as coisas. É uma sensação de que o que a gente produz é pouco; as coisas aqui não andam” (M.B.3)

“A gente aqui quase não fala sobre isso (sobre o conteúdo da entrevista). Como sugestão, acho que treinamento, para dar segurança ao pessoal; rotatividade dos servidores entre as muitas atividades da Agência, para uns conhecerem o que os outros fazem. O INSS poderia ter algumas formas de integração entre as pessoas, entre as Agências.” (M.B.2)

“Que houvesse reuniões de serviço para discutir o trabalho, tirar dúvidas, esclarecer as coisas, pois reuniões não existem, nem mesmo para discutir as instruções que chegam sobre o serviço, mudando alguma coisa; cada um que leia seu e-mail, veja o que mudou e faça ao seu estilo, ao seu entendimento... isso não é coletivo. Também sugiro que as diretrizes da Agência sejam tomadas pela própria Agência, de preferência com a nossa participação.” (F.B.6)

De certa forma, o desejo de proximidade com as hierarquias institucionais e de

participação mais efetiva nas decisões refletem a necessidade de valorização e de

reconhecimento que os trabalhadores requerem e reforça a importância de imprimir sua marca

pessoal no trabalho que realizam.

121

Um dos aspectos citados nos depoimentos dos sujeitos refere-se à sugestão de

“rodízio” dos trabalhadores da Agência entre as diversas atividades que ali são realizadas,

bem como de remanejamentos internos no âmbito do INSS, entre setores e áreas. Embora não

se pretenda problematizar o assunto, merece registro o depoimento de um dos trabalhadores

entrevistados, pois sinaliza a questão do remanejamento de pessoal como uma das

possibilidades de promover adequações na alocação dos trabalhadores entre os diversos

postos de trabalho, principalmente dos trabalhadores que se sentem pouco satisfeitos com as

atividades que realizam na instituição:

“Não tenho sugestões (para melhorar o trabalho), porque não tenho interesse nessa atividade; isso não é pra mim, essa atividade não me traz satisfação. A única coisa que gratifica é o conhecimento da Previdência; eu detesto trabalhar com o público; só faço porque é o jeito.” (M.B.2)

Pelo conteúdo do depoimento, é de se esperar que esse trabalhador esteja

insatisfeito com a atividade que realiza e, talvez, deseje atuar em outra área ou atividade da

instituição, para que possa se sentir mais gratificado com o trabalho. É desejável que situações

como essas possam ser equacionadas pela instituição, para permitir que o trabalho seja

realmente favorável à saúde física e mental, conforme postulado por Dejours (1986, p. 10).

Uma outra questão que veio à luz a partir dos comentários de dois

trabalhadores quando das sugestões para tornar a atividade de atendimento ao público mais

interessante diz respeito à desinformação do público que freqüenta as unidades do INSS,

conforme percebida por eles nos seguintes depoimentos:

“(Gostaria...) que os segurados fossem mais bem informados, que os brasileiros entendessem melhor os direitos deles.” (F.B.7)

“O público é muito, muito desinformado, não sabe nada dos seus direitos, não entendem nem o que eles querem requerer; às vezes vêm pra cá pra requerer coisas que não são aqui, como por exemplo, carteira de identidade, coisas do imposto de renda, certidões da junta comercial, e quando a gente diz que isso não é aqui, eles querem que a gente informe até como se chega

122

nesses lugares, qual ônibus pega, você acredita? Isso atrapalha nosso trabalho e toma um tempão do atendimento. Gostaria que o público tivesse acesso à legislação do seu próprio país com mais facilidade, que os políticos não usassem a previdência para fazer demagogia...” (F.B.6)

Em que pese a possibilidade de tais opiniões vir a facilitar, ou melhorar a

atividade de atendimento ao público realizada pelos trabalhadores das Agências da

Previdência Social, a questão levantada nesses depoimentos aponta para o perfil da clientela

usuária dos serviços previdenciários, tal qual descrito no Capítulo V. Reflete, de forma

elucidativa, os dilemas da consolidação da cidadania para uma significativa parcela da

população brasileira, ainda destituída do usufruto de muitos bens e serviços e do acesso à

informação, inclusive sobre seus próprios direitos. Entende-se que o aspecto aqui levantado

extrapola os limites institucionais do INSS e adentra outros espaços interinstitucionais da

esfera governamental e da sociedade brasileira, privilegiando o campo das políticas sociais

voltadas para a promoção da cidadania, onde primam a redução das desigualdades sociais, a

melhoria dos níveis de escolaridade, o acesso aos bens, à renda, à informação e aos serviços

essenciais oferecidos pelo Estado. Além disso, conforme já comentado anteriormente, é

importante reconhecer que o grau de desconhecimento e de desinformação da clientela é parte

integrante do trabalho na atividade de atendimento ao público nas Agências da Previdência

Social.

Para a maioria dos sujeitos da pesquisa, a imagem que as pessoas em geral têm

da atividade de atendimento ao público e do INSS é uma imagem negativa, e assim também

vêem o trabalho dos atendentes, com certa desconfiança, com a idéia de que o funcionário vai

sempre favorecer o INSS, em detrimento dos direitos dos cidadãos. Segundo os informantes,

seus próprios familiares não atribuem muito valor ao trabalho de atendimento ao público nas

Agências e não o vêem com muita satisfação, entretanto acham um trabalho sério e de

responsabilidade e acreditam que cada um dos trabalhadores se empenha em fazê-lo da

melhor forma possível. Ademais, consideram-na uma atividade de trabalho arriscada,

123

temerária e passível de envolvimento em fraudes, já que os próprios trabalhadores expressam

a constante preocupação de não cometerem erros e de não serem caracterizados como

fraudadores. Falam os trabalhadores...

“O INSS é muito mal visto pela população e pela sociedade em geral. Eu particularmente acho que os servidores mais antigos são admiráveis, porque suportaram e ainda suportam muitas coisas aqui; eu quero sair daqui, eu não quero isso pra mim, e por isso mesmo continuo estudando para fazer concursos para outras coisas” (F.B.6)

“(Meus familiares...) não vêem muito bem (esse tipo de trabalho); a imagem do INSS não é nada boa, embora a gente, que é funcionário e que leva o trabalho a sério se esforce o máximo.” (F.I.8)

“(Meus familiares...) não vêem com muito valor. Realmente é um trabalho de risco, sujeito a fraudes, a gente fica muito vulnerável, não tem segurança nem de estar aqui, pois não tem detector de metal, e qualquer um pode entrar aqui armado e fazer o que quiser. Minha família não vê com muita satisfação.“ (F.I.9)

“(Meus familiares acham um trabalho...) arriscado. Aqui a gente fica com essa preocupação de não cometer erros, de não ser caracterizado como fraudador, de não ser preso... e isso é muito ruim.” (M.I.4)

Embora o conteúdo do questionário e da entrevista não tenha explorado

aspectos relativos à imagem do INSS no imaginário social, entende-se que não é desprezível

considerar as repercussões dessa imagem institucional negativa na auto-imagem dos próprios

trabalhadores, sobretudo no que tange às representações subjetivas relacionadas ao exercício

da atividade, adicionando, dessa forma, mais um elemento às vivências de sofrimento

psíquico aos trabalhadores.

Houve unanimidade entre os participantes da pesquisa quanto à percepção de

que a atividade de atendimento ao público que realizam oferece riscos para sua saúde, tanto

física quanto mental. No que diz respeito à saúde física, todos os participantes referiram que

por atenderem um grande e diversificado contingente de pessoas no dia-a-dia de trabalho,

estão expostos a contrair doenças, principalmente quando atendem os segurados

124

encaminhados para o setor perícia médica da Agência, que podem ser portadores de doenças

consideradas graves e contagiosas dentre as quais tuberculose, hanseníase, aids, hepatite, etc.

“Sim (oferece riscos). Todos os tipos de riscos, a começar pelos físicos, que envolvem doenças contagiosas, como por exemplo, tuberculose e outras mais. Há um contingente muito grande de pessoas, vírus e bacilos circulando por aqui, além da manipulação de documentos antigos, mofados. E tem os riscos psicológicos, em que às vezes o segurado não te respeita, grita, xinga, agride, e a gente não tem respaldo de nada, nem de ninguém ” (F.I.5)

Alguns dos sujeitos citaram como risco à saúde física o manuseio de

documentos antigos e mofados trazidos pelos usuários, o que os predispõem a quadros

alérgicos respiratórios e à incidência de fungos e micoses nas mãos e unhas. Não obstante

esses relatos, nenhum dos participantes afirmou conhecer qualquer atividade de

esclarecimento por parte de setores do INSS para prevenção ou cuidados com essas doenças,

visando a tranqüilizá-los ou orientá-los quanto a esses riscos. Alguns informaram desconhecer

qualquer ação da área de Recursos Humanos do INSS voltada para identificar e minimizar as

repercussões negativas da atividade de atendimento ao público na saúde dos atendentes, bem

como as repercussões das demais atividades de trabalho da instituição na saúde dos outros

trabalhadores do órgão.

Conforme disposto no Decreto nº 5.879/2006, tanto a Diretoria de Recursos

Humanos como a Diretoria de Atendimento do INSS não contemplam claramente em suas

atribuições qualquer referência às questões relacionadas à saúde dos trabalhadores que atuam

nas Agências da Previdência Social e na instituição como um todo (Decreto nº 5.870/2006,

Anexo I. Capítulo IV, Seção II, Art. 12º e Seção III, Art. 14º). À luz dos dispositivos

regimentais e também pelos depoimentos dos trabalhadores entrevistados, percebe-se que as

ações, programas, projetos, estudos, etc. dirigidos à saúde dos trabalhadores do INSS em

geral, ou especificamente à saúde dos trabalhadores que realizam atividade de atendimento ao

125

público nas Agências da Previdência Social são inexistentes, desconhecidas, ou não são

explícitas Para ilustrar essa questão, segue o comentário de um dos trabalhadores:

“Aqui no INSS não conheço nenhum programa preventivo de saúde do servidor, nem mesmo assistencial, se for o caso de adquirir uma doença do trabalho.” (M.B.3)

Outros trabalhadores citaram também riscos de doenças articulares, dores nos

membros superiores, pescoço, coluna vertebral e fizeram referência à disposição dos

equipamentos de informática utilizados como instrumentos de trabalho, cujos monitores e

mouses estão dispostos, de forma padronizada, do lado esquerdo das mesas de atendimento,

sem que nenhum dos participantes seja sinistro, e a grande maioria dos trabalhadores que

atende ao público seja destra.

“Observe esses computadores! Os monitores e mouses são todos do lado esquerdo, e aqui não tem ninguém canhoto, veja que absurdo!” (M.B.6)

Em estudo realizado junto aos trabalhadores da seguridade social em Porto

Alegre, Crespo et al. encontraram situação semelhante quanto à disposição dos equipamentos

de informática nas unidades de atendimento ao público entre os trabalhadores do INSS

naquela cidade. Os pesquisadores relatam que as cadeiras dos guichês de atendimento não têm

suporte de braço e que é recorrente o caso de os trabalhadores das Agências percorrerem uma

grande distância para pegar folhas ou documentos impressos, já que as impressoras são

compartilhadas com vários guichês no serviço de atendimento ao público (CRESPO et al.,

2004, p. 373).

Nas duas Agências em que o trabalho de campo desta pesquisa foi realizado,

foi observada a disposição das impressoras na área de atendimento, tal qual descrita por

Crespo et al., fazendo com que os trabalhadores se desloquem com freqüência dos seus

guichês de atendimento, para apanhar documentos impressos, já que a impressora é

126

compartilhada, havendo situações em que se forma uma pequena “fila” próximo à impressora,

onde eles aguardam os documentos impressos solicitados. Os informantes não fizeram

referência a qualquer preocupação ou cuidado promovido pela instituição quanto a esses

aspectos ergonômicos da situação de trabalho.

Os trabalhadores também consideram perigoso para sua saúde mental o

elevado nível de estresse envolvido na atividade de atendimento ao público que eles realizam,

seja pelo volume de pessoas à espera de atendimento, pela complexidade da própria atividade,

pela insegurança para realizá-la, ou pela constante preocupação com o fato de não cometerem

erros na execução do serviço. Relataram casos de colegas bastante nervosos durante as

situações de atendimento, apresentando quadros de dor de cabeça e também de hipertensão

arterial. Houve também referência ao desgaste psicológico expresso em quadros de estafa e de

insônia, diante da constante preocupação de ter feito o trabalho corretamente e sem erros, de

não conseguir se desligar do trabalho, mesmo estando fora do ambiente institucional, e até de

“sonhar” com os processos de benefícios e com as situações vivenciadas ou relacionadas ao

trabalho, conforme depoimentos já citados anteriormente.

“...além disso, tem o estresse, e quando a gente faz alguma coisa errada e não consegue consertar o erro, a gente nem dorme à noite....” (M.B.6)

“O risco fundamental é que esse tipo de trabalho é uma máquina de fazer estresse: repetir as mesmas coisas, conversar com muita gente e dizer a mesma coisa várias vezes todos os dias é muito estressante; e o estresse é a porta para outras doenças.” (M.B.1)

“Logo que comecei a trabalhar aqui fiquei com estafa, insônia, vivia pensando nos processos, se eu fiz mesmo tudo direitinho, sempre preocupado com o trabalho e sem conseguir me desligar.” (M.I.4)

A maioria dos sujeitos da pesquisa informou que já teve alguma doença que

atribui estar relacionada ao trabalho, entretanto, que não consta nenhum registro como tal

junto ao serviço médico da área de Recursos Humanos do INSS. Os relatos incluem

127

vulnerabilidade a gripes e resfriados de forma freqüente, incidência de fungos nas mãos e

unhas pelo manuseio direto de papéis e documentos antigos, danificados, mofados, etc., casos

de alergias respiratórias, problemas visuais em decorrência de contato prolongado com a tela

dos monitores de computador, quadros de conjuntivite recorrente e prolongada entre os

colegas, problemas articulares, além de agressões físicas. Nos casos em que tais doenças

geram afastamentos por licença-médica, eles informaram que não há qualquer correlação com

a atividade de trabalho que realizam. Um dos trabalhadores respondeu que desconhece, na

instituição, qualquer instância, programa ou projeto voltado para o cuidado com a saúde dos

trabalhadores do INSS, e até mesmo o cumprimento à exigência legal de exames periódicos

para o corpo funcional.

“Aqui tem época que quase todo mundo pega conjuntivite, pois é muita gente neste ambiente fechado, não tem como escapar. Pior, é que é recorrente... esse ambiente é muito insalubre, poluído, sem limpeza adequada; prá você ter uma idéia, desde que eu cheguei aqui nunca vi, nem soube da limpeza desses filtros de ar condicionado; dê uma olhada aqui pro teto e veja essa sujeira, de anos, a gente respirando isso diariamente, não tem pulmão que agüente. Pior é o desgaste psicológico com tudo isso... Tive conjuntivite e tenho rinite alérgica, sinusite e alergia respiratória, prá resumir. Não houve registro como tal no INSS e esses afastamentos entraram como licença médica normal. Também sinto dores nas articulações e na coluna. Recentemente estive afastada, acho que é o peso de todas essas coisas.” (F.I.9)

“Minha visão ficou muito prejudicada com essa tela de computador na minha frente durante muito tempo. Eu trouxe de casa uma proteção para a tela, porque o INSS não está nem aí...” (M.B.2)

De acordo com Crespo et al., não há legislação específica sobre as doenças

relacionadas ao trabalho para os trabalhadores do serviço público em geral e, além disso,

segundo o estudo desses pesquisadores não existem dados sistematizados – por parte dos

governos, dos sindicatos, de organizações e de outras instituições – sobre as doenças do

trabalho no serviço público. Os autores afirmam que, dentre outras implicações, essas lacunas

contribuem para a ausência de políticas de saúde voltadas para os trabalhadores não só do

128

INSS, mas também de todo o serviço público, além de dificultar a mobilização dos mesmos

por leis e melhorias das condições de trabalho (CRESPO et al. 2004, p.372).

Um outro aspecto destacado pelos trabalhadores de forma recorrente foi o

risco de agressão e violência física e também a ocorrência de episódios dessa natureza nas

situações de atendimento ao público, incluindo-se os insultos verbais, os xingamentos, o

desacato e outras formas de desrespeito para com os atendentes. Segundo alguns

depoimentos, a instituição não tem levado em consideração tais episódios para preveni-los, ou

orientar os trabalhadores como procederem em tais situações. Eis alguns relatos:

“Primeiramente, o risco físico de agressão e de contrair uma doença qualquer... isso não é visto pela instituição; o risco de ser agredido se estende à falta de respeito verbalmente conosco e à tortura psicológica. Acho até que a culpa disso nem é deles, dos segurados, e a gente tem é que fazer um esforço para agüentar e para lidar com isso” (F.I.8)

“Outro risco que eu vejo é a violência, o desacato aos servidores.” (M.B.2)

No tocante a uma possível correlação entre ocorrência de tais agressões e

questões de gênero, há divergência de opinião entre os sujeitos. Alguns acham que as

agressões dos segurados para com os atendentes independem se estes são homens ou

mulheres, já que ocorrem indistintamente com ambos e têm acontecido com certa freqüência

nas Agências. Outros acham que as agressões são mais freqüentemente dirigidas às

trabalhadoras mulheres, seja porque elas são maioria na atividade de atendimento, ou porque

parecem mais frágeis, ou, mais ainda, por covardia dos agressores, que não têm coragem de

enfrentar um trabalhador homem. Também houve opiniões de que os homens são mais

frequentemente alvo de agressões no exercício da atividade. Entretanto, parece haver

concordância de opiniões quanto ao fato de que os segurados homens são quem mais agridem

e destratam os trabalhadores da atividade de atendimento ao público nas Agências. Seguem

alguns trechos das falas dos trabalhadores sobre esse aspecto:

129

“Acho que independe (se homens ou mulheres são mais agredidos); agora, quem agride mais, xinga mais são os segurados homens.” (F.B.7 - feminino)

“Geralmente um segurado não enfrenta um servidor homem. Os colegas homens que entraram no concurso comigo não passaram a metade do que eu já passei aqui no atendimento.” (F.B.4 - feminino)

“Agressões são mais dirigidas aos homens. Raramente vejo algum segurado tratar mal as mulheres aqui. Acho que é porque a gente reage com mais firmeza.” (M.B.2 – masculino)

Houve relato de que há um tempo atrás um usuário chegou ao guichê de

atendimento portando revólver e o colocou em cima da mesa, permanecendo assim durante

todo o atendimento. Outro relato fez referência ao fato de que alguns segurados ameaçam

“pegar” o funcionário fora do ambiente de trabalho, caso o benefício requerido não seja

concedido pelo INSS. Um dos trabalhadores comentou que os agentes de segurança que

prestam serviço nas Unidades de atendimento do INSS destinam-se a garantir a segurança dos

bens patrimoniais, e não dos trabalhadores, mesmo quando estes estão em situações de risco

ou ameaça de agressão ou violência física.

“Aqui teve um caso de um segurado que atirou um mouse de computador numa servidora. Ele foi pego e levado pelos seguranças daqui para a polícia, não por isso, porque atingiu uma servidora, uma pessoa, mas porque danificou o patrimônio, você acredita? Eles são seguranças do patrimônio, das coisas físicas, materiais, e não das pessoas que trabalham aqui. Incrível, não?” (M.I.4).

Por esses depoimentos não é difícil compreender a sensação de insegurança e o

desconforto emocional que alguns sujeitos referiram, assim como não é difícil imaginar as

conseqüências psicológicas que situações dessa natureza possam engendrar, tornando-os mais

vulneráveis a vivências de sofrimento.

As relações de trabalho são consideradas no contexto desta investigação como

as relações sociais estabelecidas no âmbito do ambiente de trabalho, sejam elas com seus

pares, colegas, chefias e demais hierarquias, bem como as relações sociais que se estabelecem

130

com os usuários dos serviços previdenciários nas Agências da Previdência Social. Pelos

depoimentos dos trabalhadores, há um bom relacionamento entre o coletivo de trabalho,

sobretudo entre os pares, e dentre as atitudes predominantes foi unânime a referência à

cooperação entre eles, seguida da dedicação, da colaboração, da afetividade, do bom

relacionamento e da disponibilidade para ajudar os colegas, entretanto, na opinião de alguns,

sem a devida contrapartida da hierarquia da instituição.

“...a Agência inclusive funciona bem por causa dessa cooperação!” (M.B.1)

“De todas essas (atitudes) tem um pouco e talvez por isso o ambiente de trabalho aqui seja razoável de se lidar. É muito importante o que a gente faz aqui, o tempo que nós passamos aqui, então, se não tiver certas atitudes, não vai!.” (M.B.3)

“(Aqui tem...) muita cooperação e dedicação, muita disponibilidade e colaboração. É um facilitador... se alguém tiver dúvida o grupo apóia, chega junto; se não fosse assim, estouraria! É uma pena que não há rodízio de servidores entre os serviços da Agência. O grupo se colabora mesmo, mas não tem a contrapartida das hierarquias. Eu fico impressionada com a dedicação e a colaboração dos colegas aqui, mas infelizmente não é essa a idéia que a sociedade tem da gente...” (F.I.5)

“Aqui não tem competição entre os colegas; tem muita cooperação, afetividade, bom relacionamento; não tem concorrência; concorrência é pra atingir metas, mas aqui é muito saudável!” (F.B.7)

Os trabalhadores percebem que essa cooperação é extremamente positiva tanto

para eles mesmos quanto para o trabalho em si, pois também repercute na operacionalização

do atendimento prestado ao público.

“(Essa cooperação...) é o que segura a barra! A gente só consegue fazer as coisas, porque a gente se coopera; a Previdência só funciona por isso. Imagine o que é trabalhar aqui sem cooperação!” (F.B.6)

“(Aqui predomina...) a cooperação. É o que salva; o que nos mantém aqui fazendo o que tem que ser feito, dentro das possibilidades. Um grande fator de motivação aqui entre nós é essa cooperação que temos; sem isso as coisas não funcionariam.” (F.I.9)

131

“Cooperação. Aqui um ajuda o outro mesmo, até porque a falta de informações claras no serviço exige que a gente se colabore e se coopere uns com os outros. Quem sabe ajuda a quem não sabe, ou a quem sabe menos, tira as dúvidas, e assim as coisas andam... Eu acho (isso) válido para o serviço e pra gente; mal ou bem quem leva a Previdência são os servidores mesmo!” (M.I.4)

Os comentários, opiniões e relatos dos trabalhadores ratificam a importância da

cooperação como elemento harmônico e edificante daquele coletivo e que contribui para

tornar o ato de trabalhar na atividade de atendimento ao público nas respectivas Agências algo

prazeroso e gratificante. Compartilhando a opinião de Dejours, entende-se que trabalhar não é

somente produzir algo; é viver junto, no sentido de ter atenção e respeito para com o outro

(DEJOURS, 2004, p. 18).

As relações com as chefias e, principalmente, com as demais hierarquias

institucionais não parecem inspirar sentimentos de proximidade, reconhecimento e

valorização dos trabalhadores. Há uma percepção entre os sujeitos de que quanto maiores são

as distâncias hierárquicas, maior é o desconhecimento da realidade vivencial de uma Agência

de atendimento. Os participantes referiram ausência de apoio institucional para desenvolver

melhor suas atividades, conforme já discutido e, segundo eles, é o bom relacionamento com

os pares que possibilita o aprendizado diário das atividades, sobretudo, as mais complexas.

Apesar do desgaste psicofísico proporcionado pelo exercício da atividade, a maioria deles

parece interessada em continuar trabalhando na atividade de atendimento ao público,

entretanto, deseja uma nova dinâmica institucional capaz de favorecer uma forma mais

saudável de trabalhar.

Algumas das estratégias institucionais adotadas pelo Ministério da Previdência

Social e pelo INSS para minimizar o fluxo de pessoas às unidades de atendimento não

parecem ser suficientes para uma significativa redução da demanda de usuários nas unidades.

Dentre essas estratégias destacam-se as alternativas de atendimento telefônico e agendamento

de hora marcada através do serviço “PREVfone” (serviço 0800), além de atendimento através

132

da internet, no endereço eletrônico da Previdência Social (www.previdenciasocial.gov.br)

para o fornecimento de informações, benefícios e serviços previdenciários. Embora não tenha

sido propósito deste estudo apresentar, contemplar ou discutir a eficácia de tais alternativas

optou-se por ressaltar esse aspecto, porque na opinião dos trabalhadores além de tais

alternativas serem limitadas quanto à diversidade de benefícios que podem ser oferecidos,

sobretudo os benefícios relacionados ao setor de perícia médica que envolvem exame médico

pericial, a finalização do atendimento, na maioria dos casos, acontece presencialmente nas

Agências, ou seja, essas alternativas podem até reduzir o tempo de atendimento, mas não

reduzem, significativamente, o fluxo de pessoas às unidades.

“Muitos dos serviços que a Previdência oferece através de outras formas de atendimento, por exemplo, internet e Prev-fone não se resolvem ali mesmo e tem que vir prá cá; a gente tem que conferir tudo, jogar os dados no nosso sistema e, quase sempre, é a gente quem faz tudo de novo.” (F.B.6)

A propósito do grande fluxo de usuários nas Agências da Previdência Social

que, na opinião de alguns participantes da pesquisa, contribui para tornar a atividade de

atendimento ao público nas unidades uma atividade muito desgastante, pouco prazerosa e,

como tal, propiciadora de vivências de sofrimento, cabe uma alusão à capacidade logística das

unidades de atendimento, aqui entendida como o conjunto de aspectos de infra-estrutura

física, quantitativo de unidades e de trabalhadores, eficiência de equipamentos e de sistemas

informatizados. Em que pese a suposta adequação de critérios institucionais para definição do

quantitativo de Agências da Previdência Social na cidade do Rio de Janeiro, os trabalhadores

entrevistados o consideram insuficiente e também assim consideram o quantitativo de

trabalhadores na atividade de atendimento ao público nessas unidades. Para eles, tais critérios

não são compatíveis com a realidade que se apresenta no cotidiano das Agências e, além

disso, apontaram questões de ordem sócio-econômica relacionadas ao desemprego de

133

significativa parcela do povo brasileiro como um dos fatores que contribui para a grande

demanda de usuários em busca dos serviços e benefícios previdenciários.

Em conjunto, os resultados dos questionários, das entrevistas e das observações

obtidos a partir do trabalho de campo da pesquisa sinalizam, de modo geral, que as vivências

de prazer no trabalho entre o coletivo estudado associam-se ao exercício atividade de

atendimento ao público em seu caráter relacional, pessoal, humano, solidário e simbólico,

fundamentalmente pelo sentimento de satisfação, gratificação e utilidade de que se reveste.

De outro lado, há evidências de que a atitude de cooperação referida como predominante e

essencial nas relações sociais entre os trabalhadores que realizam a atividade de atendimento

ao público nas Agências constitui-se em significativo elemento associado ao prazer no

trabalho e, como tal, aparece como favorável à saúde mental daqueles trabalhadores.

As vivências de sofrimento, por sua vez, têm como referência os elementos

relacionados à organização do trabalho nas Agências, em seus aspectos institucionais relativos

à excessiva divisão de tarefas, ao modelo hierárquico centralizador, às dificuldades em

operacionalizar o trabalho prescrito, à ausência de participação dos trabalhadores nas decisões

que envolvem o trabalho e o funcionamento das Agências e à falta de valorização e de

reconhecimento social e profissional dos trabalhadores.

A seguir estão relacionados alguns trechos de depoimentos dos trabalhadores

que participaram como sujeitos da pesquisa. Esses depoimentos refletem com bastante

transparência os resultados apresentados e discutidos neste capítulo. Falam os trabalhadores...

“A maioria das pessoas que vem aqui não tem direito ao benefício que está

requerendo, e aí, parte prá cima da gente...”

134

“É muita coisa, mas a gente trabalha de forma tão mecânica, que nem percebe o

custo disso!”

“No dia-a- dia do atendimento, a gente se amortiza, alguns segurados choram na

frente da gente, é uma dramaticidade muito grande, e aí a gente vai se

acostumando...”

“Meus filhos dizem assim: mamãe, essa empresa está acabando com você!”

“O serviço de atendimento ao público nunca é um trabalho tranqüilo!”

“É a 1ª vez que vejo alguém preocupado com isso aqui...”

“A cultura do brasileiro é de que o servidor público não trabalha. Eu achei

interessante (essa entrevista), porque a gente viu outras coisas, que não é bem

assim...”

“Foi interessante falar sobre isso (sobre a entrevista)... mas, por que mesmo você

se interessou por estudar isso, pelo nosso trabalho, por nós aqui tão esquecidos?”

“(A cooperação) é o que segura a barra; a gente só consegue fazer as coisas

porque se coopera, e a Previdência só funciona por isso. Imagine o que é

trabalhar aqui sem cooperação!”

“Achei ótimo falar sobre essas coisas. Até a gente lava a alma!”

135

“Muita coisa precisa ser melhorada aqui. Um melhor planejamento das atividades

da Agência, alternar os grupos de atendimento, fazer rodízio entre os servidores

da Gerência, por exemplo. Ninguém quer vir pra cá, trabalhar aqui na Agência, e

fica por isso mesmo; há uma rigidez enorme quanto a isso. As pessoas que estão

aqui foram jogadas prá cá, são cobradas para as metas fixadas por não sei quem

lá de Brasília serem cumpridas, e a nossa saúde física e mental vai pros ares.

Sempre tem um servidor doente, afastado e sempre que um adoece,

sobrecarrega os outros, porque não tem como repor aquele. A questão das férias

aqui é uma coisa séria: ninguém consegue se afastar de férias os 30 dias

consecutivos, simplesmente porque falta gente para o atendimento... Isso sem

contar que quem entra de férias, quase sempre adoece na 1ª semana das férias,

seja lá de que for; parece que o corpo se descarrega. É um problemão isso aqui!

Quando a fila aqui fica com umas 500 pessoas, a ação a ser tomada para

administrar o volume de pessoas é sempre nossa, daqui da Agência. Quando vejo

isso, fico logo pensando: “meu Deus, em quem vai voar cadeira hoje?” Não se tem

acompanhamento gerencial de nada aqui. É por essas e outras que eu acho que

deveriam ser dadas diferenciações ao pessoal que trabalha no atendimento ao

público, pois é muito, muito diferente de quem trabalha arrumadinho, em sua sala

sozinho, no ar condicionado, sem a pressão de pessoas na frente. Estou no limite,

aliás, já ultrapassei, não agüento mais!”

136

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A conclusão deste trabalho de pesquisa permite considerar que o estudo das

vivências de prazer e sofrimento psíquico no trabalho de atendimento ao público em duas

Agências da Previdência Social na cidade do Rio de Janeiro ampliou a compreensão de

diferentes aspectos, circunstâncias e condições que sugerem ter interface direta ou indireta

com a relação saúde-trabalho do coletivo estudado. Acredita-se que os objetivos definidos

para o estudo foram plenamente atendidos e que o método utilizado para viabilizar o trabalho

de campo, priorizando a abordagem qualitativa, foi perfeitamente adequado ao desenho do

estudo, assim como o foram os instrumentos de coleta de dados - questionário, entrevista e

observação – através dos quais foram reveladas importantes informações para a compreensão

da problemática em questão.

Pôde-se apreender a complexidade do processo de trabalho na atividade de

atendimento ao público realizado por aqueles trabalhadores, tal qual eles se referiram ao

descrever sua atividade de trabalho. Há, realmente, uma grande demanda de usuários

diariamente nas duas unidades, formando grandes filas de espera para o atendimento, mesmo

antes do horário de abertura das Agências e, portanto, formam-se filas nas dependências

externas das unidades, caracterizando um considerável volume de atendimentos diários para o

quantitativo de trabalhadores em atividade. Na maioria das situações observadas, os

atendimentos foram demorados e algumas vezes interrompidos pela “lentidão” dos sistemas

informatizados que os sujeitos utilizam como instrumentos de trabalho, ou pela necessidade

de deslocamento dos atendentes até a impressora, que é compartilhada com vários guichês de

atendimento, ou por colegas de trabalho esclarecendo dúvidas, ou complementando as tarefas

executadas, o que pareceu uma demonstração de cooperação entre aqueles trabalhadores para

agilizar o atendimento aos usuários.

137

A organização do trabalho nas Agências, salvo melhor juízo, carece de

significativos ajustes, adequações, redefinições e nova configuração, a fim de possibilitar uma

melhor operacionalização das tarefas desenvolvidas pelos atendentes e, consequentemente,

preservar a saúde mental dos trabalhadores e protegê-los de situações conflituosas ou

desconfortáveis perante os usuários. Alguns dos sujeitos têm clara percepção disso, mas se

sentem excluídos de processos decisórios institucionais que poderiam minimizar alguns dos

fatores que direta ou indiretamente estão relacionados às suas vivências de sofrimento no

trabalho. A divisão de tarefas que compõem o processo de trabalho parece, à primeira vista,

pouco racional, ocasionando lentidão na execução das mesmas e sobrecarregando alguns

trabalhadores. A extensão do horário de atendimento nas unidades não parece estar sendo

suficiente para comportar a demanda de usuários, de modo que há um considerável

contingente em espera durante quase todo o horário de funcionamento das Agências. Este

último aspecto é sugestivo de que a problemática estudada tem interfaces com outras questões

externas à atividade de trabalho e à própria instituição.

As circunstâncias objetivas acima descritas muito provavelmente contribuem

para tornar a atividade de atendimento ao público nas Agências pouco prazerosa, estressante e

cansativa, sobretudo, considerando-se as outras questões subjetivas relacionadas ao

sentimento de desvalorização profissional e social, à ausência de participação nas decisões

institucionais e à falta de perspectiva de crescimento profissional interno. Aspecto relevante

que merece ser considerado é a referência marcante feita por alguns dos sujeitos ao medo de

cometerem erros na execução das tarefas de trabalho, e tais erros serem caracterizados como

fraude na instituição. Não é desprezível a parcela de sofrimento que tal situação pode trazer

aos trabalhadores, principalmente quando eles próprios admitem insegurança para realizar a

atividade de trabalho, devido às lacunas de uma inadequada capacitação técnica promovida

pela própria instituição.

138

A contrapartida dessas circunstâncias favorecedoras de sofrimento aos

trabalhadores está em certos aspectos subjetivos que perpassam o exercício da atividade de

atendimento ao público e que possibilitam vivências de prazer, tais como a dinâmica das

relações sociais entre eles no ambiente de trabalho e o sentido do trabalho, cujo significado

relaciona-se diretamente ao sentimento de utilidade e de satisfação pessoal que eles

experimentam ao “ajudar o outro” e possibilitar-lhe a concretização do acesso aos seus

direitos enquanto cidadãos, conforme se pôde perceber dos depoimentos apresentados no

Capítulo VI. O que esses dois aspectos têm em comum é o componente humanitário,

envolvendo valores de sociabilidade, de solidariedade e afetividade das relações no trabalho.

Conforme se depreende dos depoimentos dos próprios informantes, são esses elementos que

tornam a atividade gratificante, importante, interessante e, como tal, propiciadora de prazer.

Pelo que se pôde aprender da realidade daqueles trabalhadores, a predominância de atitudes

que viabilizam a boa convivência e o bom relacionamento entre eles, principalmente a

cooperação, o respeito e a afetividade, funciona como elemento de tranqüilizador, confortante

e de coesão do grupo. Assim sendo, pode-se pensar que aí reside um importante elemento de

preservação de sua saúde mental.

Os resultados encontrados sugerem, portanto, que não são os fatores externos

ao INSS, ou seja, aqueles relacionados à grande demanda de usuários da Previdência Social

os condicionantes exclusivos das vivências de sofrimento no trabalho entre o coletivo

estudado, mas, principalmente os fatores institucionais internos relacionados à organização do

trabalho, mormente no que diz respeito à excessiva divisão de tarefas e à insuficiência de

quantitativo de trabalhadores para a atividade de atendimento ao público nas Agências, à

ausência de participação nas decisões, à falta de perspectiva de crescimento profissional e à

ausência de valorização e de reconhecimento dos trabalhadores.

139

Por outro lado, parece evidente que o significado do trabalho, em seu caráter

relacional, humano e solidário, e os sentimentos de utilidade, gratificação e satisfação pessoal

evocados pelo exercício da atividade que os trabalhadores realizam junto aos usuários da

Previdência Social favorecem as vivências de prazer. Acrescente-se a isso a qualidade das

relações sociais estabelecidas entre aqueles trabalhadores, onde as atitudes de cooperação,

afetividade e respeito pautam o bom relacionamento dos sujeitos e são fundamentais para

preservar a coesão do grupo e fortalecê-los emocionalmente diante das circunstâncias

adversas da realidade de trabalho. Na subjetividade daqueles trabalhadores o componente

humano e solidário que perpassa a atividade de atendimento ao público que realizam é

significativo para a preservação de sua saúde mental.

Pode-se concluir que este estudo trouxe contribuições significativas para

elucidar as relações entre saúde e trabalho na atividade de atendimento ao público em

Agências da Previdência Social na cidade do Rio de Janeiro, reconhecendo-se, entretanto, que

não se esgotam as possibilidades de discussão e compreensão do assunto, nem tampouco se

restringe o objeto estudado a certos campos do conhecimento. Surgiram, evidentemente,

muitas outras questões que extrapolam os limites estabelecidos no escopo da pesquisa,

sinalizando a necessidade de abordar o objeto de estudo em outras dimensões e também para

além dos limites institucionais. Algumas dessas questões são mencionadas a seguir, apenas a

título de registro, sem a pretensão de analisá-las ou de tecer maiores considerações.

Inicialmente destaque-se a riqueza do conteúdo da fala dos trabalhadores que

se propuseram voluntariamente a ser sujeitos da pesquisa, sua disponibilidade e interesse em

expressar suas percepções, vivências, sentimentos e perspectivas pessoais e profissionais

relacionadas ao trabalho, ao INSS e a seus projetos futuros. Convém registrar, também, a

gratificante experiência de ter contribuído para melhor compreender as questões objetivas e

subjetivas relacionadas às vivências de prazer e de sofrimento no trabalho de atendimento ao

140

público nas Agências da Previdência Social onde atuam os sujeitos da pesquisa, possibilitando

torná-las conhecidas, principalmente para os próprios trabalhadores que o realizam.

Um outro aspecto que merece ser registrado diz respeito à intensa dinâmica de

funcionamento das Agências onde se deu o trabalho de campo, em que a atividade de

atendimento ao público transcorre de forma contínua durante todo o horário de expediente.

Foi observado que os atendentes não utilizam formalmente pausas durante o trabalho, o que

de certa forma dificultou o acesso da pesquisadora a um maior quantitativo de sujeitos, pois

os trabalhadores estavam em horário de trabalho e com muitos usuários aguardando

atendimento na Agência. Igualmente pela pouca disponibilidade de tempo dos sujeitos

durante o expediente, tanto a aplicação do questionário como as situações de entrevista

realizaram-se entre um atendimento e outro, em curto espaço de tempo, para não atrapalhar a

sistemática de atendimento da Agência.

Ainda com relação ao aspecto acima citado, a pesquisadora se propôs a

apresentar os resultados da pesquisa aos sujeitos das duas Agências, entretanto, até o

momento nenhum dos dois grupos de participantes agendou data para tal restituição. Acredita-

se que a dinâmica de funcionamento das Agências dificulte a ausência simultânea dos

trabalhadores por algum tempo dos seus postos de trabalho, podendo ser esta uma das razões

pelas quais ainda não foi possível realizar a restituição dos resultados com os trabalhadores

nas duas Agências.

No que se refere à atuação institucional, a problemática de prazer e sofrimento

psíquico engendrada pela situação de trabalho na atividade de atendimento ao público em

Agências da Previdência Social parece permanecer silenciosa no âmbito do INSS. Tem-se

observado, e os próprios trabalhadores referiram percepção semelhante, que até o momento as

ações implementadas pela instituição visando à de melhoria do serviço de atendimento ao

público nas Agências são pautadas por padrões de aferição de eficiência, desempenho, gestão,

141

capacidade operacional de atendimento, etc. semelhantes aos modelos de administração

privada, com ênfase no “aperfeiçoamento e modernização” da sistemática de atendimento,

considerando, exclusivamente, o público externo, ou seja, os usuários do serviço. Ações

administrativas e gerenciais nesses moldes, visando tão somente a contemplar a satisfação do

usuário e a agilidade do atendimento previdenciário nas unidades do INSS, têm excluído da

atenção os próprios trabalhadores do INSS que realizam a atividade de atendimento ao

público e que são interlocutores e participantes do processo de trabalho. Especialmente as

relações entre saúde e trabalho não parecem ser consideradas e, quando muito, esses

trabalhadores são contemplados com programas de capacitação e treinamento que, segundo

depoimentos dos próprios sujeitos da pesquisa, estão longe de se concretizarem dentro das

reais necessidades dos trabalhadores e do cotidiano de uma Agência da Previdência Social.

Considerando a percepção de que parece haver pouca mobilização dos

trabalhadores da atividade de atendimento ao público no INSS em torno das questões que

envolvem a relação saúde e trabalho, espera-se que este estudo tenha contribuído para

mobilizar ações entre o coletivo de trabalho, na perspectiva de transformar as circunstâncias

que envolvem a dinâmica de trabalho em que estão inseridos e que impactam negativamente

sua saúde. Além disso, é desejável que possibilite o interesse por novos estudos, a fim de

permitir maior visibilidade às implicações da relação saúde-trabalho também na esfera do

serviço público, especificamente em instituições como o INSS, no espaço da saúde pública e,

em especial, da saúde do trabalhador. Pressupõe-se a necessidade de conduzir as futuras

investigações considerando-se o caráter multidisciplinar da situação-problema, integrando os

diferentes enfoques de campos de conhecimento distintos, inclusive das ciências sociais, das

ciências da saúde, da ergonomia e da psicodinâmica do trabalho.

142

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148

APÊNDICE APÊNDICE A – Carta de Apresentação aos Gerentes Executivos do INSS APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

APÊNDICE C – Roteiro do Questionário

APÊNDICE D – Roteiro da Entrevista

149

APÊNDICE A

CARTA DE APRESENTAÇÃO

Rio de Janeiro(RJ), xx de xxxxxxxx de 2xxx. Ilmo. Sr. xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

M. D. Gerente Executivo do INSS Rio de Janeiro xxxxxxxx

Nesta.

Na condição de aluna regularmente matriculada no Curso de Mestrado em

Saúde Coletiva, do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva/Departamento de Medicina

Preventiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob o nº xxxxxxxxx, e cumprindo a

exigência curricular de elaboração de Projeto de Pesquisa e realização do respectivo trabalho

de campo, visando à obtenção do grau de Mestre perante aquela Universidade, eu, MÁRCIA

REGINA DE OLIVEIRA COSTA, Psicóloga, venho apresentar a V. Sa a temática de estudo

proposta, cujo objeto refere-se a vivências de prazer e sofrimento no trabalho de atendimento

ao público em Agências da Previdência Social, na cidade do Rio de Janeiro.

O estudo tem como principal objetivo conhecer as relações entre a atividade de

atendimento ao público e as vivências de prazer e sofrimento no trabalho dos servidores do

INSS que realizam a atividade de atendimento ao público em Agências da Previdência Social,

na cidade do Rio de Janeiro, além de conhecer o processo de trabalho onde está inserida tal

atividade, investigar a relevância do reconhecimento profissional e social para aqueles

servidores e compreender a dinâmica das relações sociais no coletivo de trabalho. O trabalho

de pesquisa será conduzido pela própria mestranda, sob a orientação da Profa. Dra. Mônica

Loureiro dos Santos, Professora Adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Por se tratar de pesquisa envolvendo seres humanos, o referido projeto foi

submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa, do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva/UFRJ,

para avaliação dos aspectos éticos envolvidos, tendo sido devidamente aprovado por aquele

Comitê, em consonância com as prerrogativas da Resolução CNS/MS 196/96, que trata da

regulamentação da participação de seres humanos em pesquisa no Brasil. A participação dos

servidores na pesquisa proposta é de caráter voluntário, e aqueles que se dispuserem

livremente a participar serão devidamente informados dos objetivos do estudo e de todos os

passos do desenvolvimento do trabalho, fazendo-se necessário que assinem o Termo de

150

Consentimento Livre e Esclarecido, concordando com sua participação, sendo-lhes

preservado o direito de, a qualquer momento da pesquisa, encerrar sua participação, bastando,

para tanto, notificar a pesquisadora. No decorrer de todo o trabalho será preservada a

integridade física, psíquica, social, moral, intelectual, cultural e espiritual de todos os

participantes.

Diante do exposto e reconhecendo que o estudo ora proposto reveste-se de

relevância na esfera do serviço público, nas discussões sobre a relação saúde-trabalho e no

contexto institucional do INSS, venho, através desta, cientificar V. Sa. e solicitar autorização

para realizar o trabalho de campo concernente à pesquisa com os servidores da Agência da

Previdência Social xxxxxxxxxxxxxxx, esperando contar com parecer favorável de V. Sa. à

realização do estudo.

Atenciosamente,

MÁRCIA REGINA DE OLIVEIRA COSTA

Mestranda em Saúde Coletiva/NESC/UFRJ

Mat. nº xxxxxxxxx

151

APÊNDICE B

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

O Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de

Janeiro está realizando um estudo intitulado “PRAZER E SOFRIMENTO PSÍQUICO NO

TRABALHO DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO EM AGÊNCIAS DA

PREVIDÊNCIA SOCIAL NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO”, desenvolvido pela

Psicóloga MÁRCIA REGINA DE OLIVEIRA COSTA, sob a orientação da Profa. Dra. MÔNICA

LOUREIRO DOS SANTOS. O principal objetivo deste estudo é conhecer as relações entre a

atividade de atendimento ao público e as vivências de prazer e sofrimento no trabalho dos

servidores do INSS que realizam a atividade de atendimento ao público em Agências da

Previdência Social, na cidade do Rio de Janeiro. Cabe ressaltar que o presente projeto visa,

também, conhecer o processo de trabalho onde está inserida a atividade de atendimento ao

público nas Agências da Previdência Social, investigar a relevância do reconhecimento

profissional e social para tais servidores e compreender a dinâmica das relações sociais no

coletivo de trabalho.

A participação nesta pesquisa é voluntária. Os procedimentos não oferecerão

riscos para a saúde dos participantes da pesquisa e não causarão danos à integridade moral,

social ou intelectual destes. Além disso, a qualquer momento, os voluntários poderão recusar

sua participação, fazendo-se necessário contatar a Comissão de Pesquisa do NESC e a

pesquisadora responsável, através dos telefones (21) xxxxxxxx e (21)xxxxxxxx,

respectivamente, ou através dos e-mails xxxxxxxx e xxxxxxxx.

Os dados colhidos através dos questionários e das entrevistas individuais, das

consultas a documentos, da observação participante e da validação dos resultados com os

sujeitos da pesquisa serão inteiramente sigilosos, analisados apenas pela pesquisadora. A

identidade dos participantes do estudo será ocultada, entretanto, os resultados, depois de

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE MEDICINA PREVENTIVA NÚCLEO DE ESTUDOS DA SAÚDE COLETIVA CURSO DE MESTRADO EM SAÚDE COLETIVA

152

apresentados e validados com os sujeitos, poderão ser publicados em literatura científica

especializada.

Após a conclusão da pesquisa, será marcada uma data para apresentação dos

resultados aos participantes da mesma, possibilitando aos sujeitos se manifestarem quanto ao

conteúdo apresentado, para que a pesquisa possa, então, ser divulgada amplamente.

Atenciosamente,

Márcia Regina de Oliveira Costa Psicóloga, Mestranda em Saúde Coletiva do NESC – UFRJ.

Mônica Loureiro dos Santos Psicóloga, Orientadora da Pesquisa.

Eu, _______________________________________________, RG no__________, certifico

que tendo lido as informações acima, concordo com o que foi exposto e autorizo a minha

participação nesta pesquisa.

Rio de Janeiro, ____ de _____________________ de 2006.

_____________________________

Assinatura

153

APÊNDICE C

ROTEIRO DO QUESTIONÁRIO

PRAZER E SOFRIMENTO PSÍQUICO NO TRABALHO DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO EM AGÊNCIAS

DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

I - DADOS FUNCIONAIS

Idade: ( ) 18 - 28 ANOS ( ) 51 - 61 ANOS

( ) 29 - 39 ANOS ( ) 62 - 70 ANOS

( ) 40 - 50 ANOS

Sexo: ( ) FEMININO

( ) MASCULINO

Escolaridade:

( ) 1º GRAU COMPLETO ( ) SUPERIOR INCOMPLETO

( ) 2º GRAU INCOMPLETO ( ) SUPERIOR COMPLETO

( ) 2º GRAU COMPLETO ( ) PÓS-GRADUAÇÃO

OUTROS: ___________________

Tempo de Serviço:

( ) ATÉ 07 ANOS ( ) 24 A 31 ANOS

( ) 08 A 15 ANOS ( ) 32 ANOS OU MAIS

( ) 16 A 23 ANOS

Tempo de Serviço na Atividade de Atendimento ao Público: _______________

(ANOS/MESES)

Jornada de Trabalho/dia na Atividade de Atendimento ao Público: ____________HORAS

154

II – ATIVIDADE DE TRABALHO

1. Já havia trabalhado em atividade de atendimento ao público anteriormente?

( ) Sim ( ) Não

Onde?______________________________________________________________________

2. Por que você veio para a atividade de atendimento ao público desta Agência?

___________________________________________________________________________

3. Você recebeu algum treinamento ou orientação específica para realizar essa atividade?

( ) Sim ( ) Não

Em caso afirmativo, qual o conteúdo? ___________________________________________

4. O INSS oferece cursos/treinamentos/atualizações para os servidores dessa atividade?

( ) Sim ( ) Não

Com que frqüência?__________________________________________________________

5. Quais as atividades que você realiza no atendimento ao público?

( ) orientações e informações sobre serviços/benefícios previdenciários

( ) habilitação/concessão de benefícios

( ) atualização/manutenção de benefícios

( ) atividades específicas da Perícia Médica

( ) outras: ___________________________________________________________

6. Você se identifica com sua atividade de trabalho?

( ) Sim ( ) Não

Por quê? ____________________________________________________________________

155

7. Gostaria de trabalhar em outra área / atividade no INSS?

( ) Sim ( ) Não

Qual/quais? _________________________________________________________________

Por quê? ____________________________________________________________________

8. Gostaria de trabalhar em outro órgão/empresa?

( ) Sim ( ) Não

Por quê? ____________________________________________________________________

9. O que você acha da organização de trabalho na atividade de atendimento ao público da

Agência (divisão do trabalho entre os servidores, formas de controle, liberdade para realizar

tarefas, hierarquia)? ___________________________________________________________

10. O que você gostaria que mudasse na sua atividade de trabalho?

___________________________________________________________________________

Muito obrigada!

156

APÊNDICE D

ROTEIRO DE ENTREVISTA

PRAZER E SOFRIMENTO PSÍQUICO NO TRABALHO DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO EM AGÊNCIAS

DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO.

Entrevista nº: ___________ Data: _____/_____/_____

I – DADOS FUNCIONAIS

1. Idade: ______ anos. 2. Sexo: ___________

3. Cargo:_______________________________ 4. Função: _________________________

5. Tempo na função:___________________

6. Tempo de serviço no INSS: ____________anos.

7.Tempo de serviço na atividade de atendimento ao público: _________________anos/meses

8.Escolaridade: ( ) 1º grau incompleto ( ) 1º grau completo

( ) 2º grau incompleto ( ) 2º grau completo

( ) superior incompleto

( ) superior completo

( ) pós-graduação

II - ASPECTOS INSTITUCIONAIS E DE TRABALHO

9. Você acha seu trabalho interessante? Por quê?

___________________________________________________________________________

10. Você se identifica com o que você faz no seu trabalho?

Sim ( ) Não ( )

Por que? ____________________________________________________________________

157

11. Relacione o que você mais gosta na sua atividade de trabalho.

___________________________________________________________________________

12. Relacione o que você menos gosta na sua atividade de trabalho

___________________________________________________________________________

13. Como você vê seu trabalho no INSS?

___________________________________________________________________________

14. Como você imagina que seus familiares e as pessoas em geral vêem seu trabalho?

___________________________________________________________________________

15. É permitido aos servidores da Agência participar das discussões, decisões e formulação de

diretrizes para as atividades de trabalho ou qualquer outro assunto que diga respeito ao

trabalho na Agência?

Sim ( ) Não ( )

Qual sua opinião sobre isso? ____________________________________________________

III - CONDIÇÕES DE SAÚDE, PRAZER E SOFRIMENTO NO TRABALHO

16. Acha que a atividade de atendimento ao público oferece riscos para sua saúde?

Sim ( ) Não ( )

Quais e Por quê? _____________________________________________________________

17. Sua atividade de trabalho tem ou teve alguma repercussão na sua saúde e/ou na sua vida

pessoal?

Sim ( ) Não ( )

Comente:

_____________________________________________________________________

158

18. Você já teve alguma doença e/ou afastamento que atribui estar relacionada ao seu trabalho

no atendimento ao público?

Sim ( ) Não ( )

Poderia relatar?_____________________________________________________________

19. Houve registro em algum setor do INSS?

Sim ( ) Não ( )

Qual o encaminhamento dado? _______________________________________________

20. O INSS, através de algum serviço ou setor, oferece apoio, orientação, encaminhamento,

etc. em situações de afastamento/doença de servidor, em decorrência de dificuldades no

trabalho de atendimento ao público?

Sim ( ) Não ( )

Poderia comentar? ____________________________________________________________

21. Sente algum tipo de pressão para realizar o trabalho?

Sim ( ) Não ( )

De que tipo (chefia, colegas, beneficiários, de tempo, outros)?

___________________________________________________________________________

22. Como você se sente para ir ao trabalho diariamente?

___________________________________________________________________________

23. Como você se sente após um dia de trabalho de atendimento ao público?

___________________________________________________________________________

24. A atividade de atendimento ao público lhe possibilita alguma experiência ou algo

positivo?

Sim ( ) Não ( )

Poderia comentar? ____________________________________________________________

___________________________________________________________________________

159

IV – RELACIONAMENTO INTERPESSOAL

25. Que atitudes (de cooperação, solidariedade, ajuda, afetividade, coesão competição,

rivalidade, individualismo, indiferença ou outras) você percebe entre o grupo de trabalho na

sua Agência? Comente. _______________________________________________________

26. Que conseqüências você imagina que isso traz para as pessoas, ou para o trabalho em si?

___________________________________________________________________________

27. Como servidor(a), quais sugestões você daria ao INSS, para tornar a atividade de

atendimento ao público nas Agências melhor para vocês?

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28. Concluindo, gostaria de saber suas observações, comentários e opiniões sobre o assunto

da entrevista. ________________________________________________________________

Muito obrigada!