prazer e sofrimento psÍquico no trabalho de · mas em especial, quero agradecer... a deus e aos...
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MÁRCIA REGINA DE OLIVEIRA COSTA
PRAZER E SOFRIMENTO PSÍQUICO NO TRABALHO DE
ATENDIMENTO AO PÚBLICO EM AGÊNCIAS DA PREVIDÊNCIA
SOCIAL NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva
do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
parte dos requisitos necessários para obtenção do
grau de Mestre em Saúde Coletiva.
Orientador: MÔNICA LOUREIRO DOS SANTOS
RIO DE JANEIRO
2007
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MÁRCIA REGINA DE OLIVEIRA COSTA
PRAZER E SOFRIMENTO PSÍQUICO NO TRABALHO DE
ATENDIMENTO AO PÚBLICO EM AGÊNCIAS DA PREVIDÊNCIA
SOCIAL NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva do
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
parte dos requisitos necessários para obtenção do grau de Mestre em Saúde Coletiva.
Rio de Janeiro, 29 de março de 2007.
_________________________________________________________
Profa. Mônica Loureiro dos Santos, DSc, UFRJ
_________________________________________________________
Profa. Marisa Palácios da Cunha e Melo de Almeida Rego, DSc, UFRJ
_________________________________________________________
Profa. Kátia Regina de Barros Sanches, DSc, UFRJ
_________________________________________________________
Profa. Cláudia Osório da Silva, DSc, UFF
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AGRADECIMENTOS
São muitos... Esta experiência foi compartilhada com muitos outros corações!
Mas em especial, quero agradecer...
A Deus e aos meus queridos pais, Antônio e Irene, pelo dom da vida, bênçãos e
presença marcante em todos os momentos;
Ao meu marido Ricardo, pelo estímulo e paciência sempre presentes;
À Dra. Liêda Souza, pela confiança, incentivo e apoio institucional;
À Profa. Mônica Loureiro, minha orientadora, pela perseverança e entusiasmo
em compartilhar desta experiência;
À Profa. Marisa Palácios, pelo acolhimento e preciosas discussões em sala de
aula;
Aos funcionários do INSS que possibilitaram a realização desta pesquisa,
particularmente, àqueles que se disponibilizaram a falar de suas “dores e
delícias” vivenciadas no dia-a-dia do trabalho.
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“Creio que nada de grande no mundo se conseguiu sem fé,
sem uma enorme confiança de que as coisas podem dar
certo e de que o sentido do Universo e da vida não é um
absurdo, mas uma irradiação grandiosa de luz e de
sentido!”
Leonardo Boff
RESUMO
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COSTA, Márcia Regina Oliveira de. PRAZER E SOFRIMENTO PSÍQUICO NO TRABALHO DE
ATENDIMENTO AO PÚBLICO EM AGÊNCIAS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO . Rio de Janeiro, 2007. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) – Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007.
O estudo discute algumas relações entre o trabalho na atividade de atendimento ao público em Agências da Previdência Social na cidade do Rio de Janeiro e as vivências de prazer e sofrimento psíquico entre os trabalhadores que a realizam. Pretendeu conhecer o processo de trabalho em que está inserida a atividade de atendimento ao público em duas Agências da Previdência Social na cidade do Rio de Janeiro e as repercussões da organização do trabalho na saúde dos trabalhadores, especialmente no tocante às vivências de prazer e sofrimento, além de compreender a dinâmicas das relações sociais no contexto de trabalho pesquisado e a importância do reconhecimento profissional e social para vivências de prazer e sofrimento entre aqueles trabalhadores. O referencial teórico adotado para o estudo foi a Psicodinâmica do Trabalho, enfatizando alguns dos seus principais conceitos e formulações, especialmente aqueles mais diretamente relacionados ao objeto de estudo. A pesquisa consistiu em estudo descritivo de caráter exploratório, com método qualitativo e técnicas de abordagem envolvendo questionário, entrevista e observação. A participação dos trabalhadores na pesquisa foi voluntária, totalizando 24 sujeitos. Os resultados apontaram vivências de prazer associadas ao conteúdo significativo do trabalho, à subjetividade contida na atividade de atendimento ao público e à existência de atitudes de cooperação no coletivo de trabalho. As vivências de sofrimento aparecem associadas à falta de valorização e de reconhecimento social e profissional, bem como às questões da organização do trabalho, onde os aspectos institucionais, a divisão de tarefas, o modelo hierárquico, as dificuldades com o trabalho prescrito e a ausência de participação nas decisões constituem elementos que favorecem sofrimento psíquico. Considera-se, portanto, que as condições organizacionais e a ausência de reconhecimento profissional e social contribuem para as vivências de sofrimento psíquico entre os sujeitos, enquanto as vivências de prazer estão significativamente associadas ao componente humano e solidário que a atividade de atendimento ao público lhes proporciona.
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ABSTRACT
COSTA, Márcia Regina Oliveira de. PLEASURE AND PSYCHIC SUFFERING EXPERIENCES ON
PUBLIC ATTENDANCE WORK IN SOCIAL WELFARE AGENCIES, IN RIO DE JANEIRO CITY . Rio de Janeiro, 2007. Dissertation. Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro. This study discusses some relationships between work in public attendance activity in Social Welfare Agencies, in Rio de Janeiro city, and pleasure and psychic suffering experiences among workers who carry through it. The objectives of this study were to know the work process in this activity in two Agencies and the work organization consequences over workers’ health, especially in regards to the pleasure and suffering experiences. The study also intended to understand social relations among these workers and the importance of professional and social recognition for their pleasure and suffering experiences. It was adopted Psychodinamic of the Work approach as the theoretical model, standing out some concepts mainly those more directly related to the object of study in searched context. This is a descriptive study of exploratory character, using qualitative method with questionary, interview and observation technics. Twenty-four workers participated voluntarily. According to the results pleasure experiences are associated to work meaning itself, subjective feelings associated to the activity and cooperative behavior at work. Besides, suffering experiences are related to the lack of professional and social recognition and some aspects of work organization, like excessive division of tasks, hierarchical model and no involvement in institutional decisions. So, professional and social recognition lack and certain aspects of work organization contribute to suffering experiences among those workers, while pleasure experiences are significantly related to solidarity and human values involved in public attendance activity.
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 08
CAPÍTULO I 1 INTRODUÇÃO 09 1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA 09 1.2 OBJETO DE ESTUDO 12 1.3 JUSTIFICATIVA 15 1.4 RELEVÂNCIA 17 1.5 OBJETIVOS 18
CAPÍTULO II 2 REFERENCIAL TEÓRICO : PSICODINÂMICA DO TRABALHO 22
CAPÍTULO III 3 MÉTODO 35 3.1 CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO 35 3.2 ABORDAGENS TÉCNICAS 39 3.3 ASPECTOS ÉTICOS 46 3.4 LIMITES 50
CAPÍTULO IV
4 A SEGURIDADE SOCIAL BRASILEIRA 52 4.1 PROTEÇÃO SOCIAL: UM CAMINHO PARA CIDADANIA 53 4.2 MODELO BRASILEIRO DE PROTEÇÃO SOCIAL 58 4.3 SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO E PROTEÇÃO SOCIAL 62 4.4 REFORMAS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL: 1998 E 2003 - BREVES CONSIDERAÇÕES 68
CAPÍTULO V 5 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO 83 5.1 INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL: CONTEXTO ORGANIZACIONAL 83 5.2 PROCESSO DE TRABALHO NAS AGÊNCIAS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL 87 5.3 RELAÇÕES SOCIAIS ENTRE OS ATORES DO TRABALHO 91
CAPÍTULO VI 6 RESULTADOS: FALAM OS TRABALHADORES 97
CONSIDERAÇÕES FINAIS 136
REFERÊNCIAS 142
APÊNDICE 148
8
APRESENTAÇÃO
Prezados leitores,
É com muita satisfação que compartilho com vocês esta experiência!
O interesse em estudar PRAZER E SOFRIMENTO PSÍQUICO NO TRABALHO DE
ATENDIMENTO AO PÚBLICO EM AGÊNCIAS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL surgiu de minha
experiência profissional como Psicóloga e também da experiência como servidora do INSS,
onde participei de equipes e de atividades de trabalho em diferentes áreas da instituição,
dentre as quais a atividade de atendimento ao público e a coordenação das atividades da área
de Recursos Humanos, atuando, também, como facilitadora de grupos em atividades de
treinamento e desenvolvimento de pessoal.
Particularmente na área de Recursos Humanos, tive oportunidade de conhecer
melhor a instituição e seus trabalhadores, vivenciar experiências de trabalho com diversos
colegas, ouvir relatos, opiniões, sugestões e comentários que, em conjunto, permitiram-me
uma maior compreensão dos processos de trabalho, das atividades desenvolvidas e das
pessoas que os realizam na instituição. Mais recentemente, minha atuação em grupo de
trabalho na área de Gerenciamento de Riscos, no Ministério da Previdência Social, contribuiu
significativamente para ampliar esse saber institucional adquirido, consolidar algumas
convicções pessoais e despertar interesse em pesquisar o contexto das relações de trabalho na
atividade de atendimento ao público em Agências da Previdência Social, incluindo a questão
da saúde dos trabalhadores.
Ao longo do texto o leitor encontrará informações adicionais sobre a
instituição, os processos de trabalho e os trabalhadores do INSS, cujo conteúdo é fruto desse
aprendizado e da vivência institucional. Juntamente com alguns dados estatísticos que me
foram permitidos citar, essas informações complementam ou ilustram as situações apontadas
pelo trabalho de pesquisa e facilitam a compreensão do conteúdo geral do trabalho.
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CAPÍTULO I
1. INTRODUÇÃO
1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA
Estudar a relação entre saúde e trabalho nos dias atuais possibilita pensar na
multiplicidade de aspectos que envolvem as dimensões do tema e compreender as
transformações ocorridas no mundo do trabalho ao longo da evolução do capitalismo até a
contemporaneidade. Tais transformações impuseram significativas mudanças na relação do
homem com o trabalho, determinando não apenas as formas de inserção e de participação do
ser humano nos processos produtivos, como também suas relações sociais no trabalho, suas
formas de adoecer e de confrontar-se com as novas características dos condicionantes do
trabalho. É nesse contexto das relações complexas entre as áreas de saúde e trabalho que os
aspectos ligados à saúde mental vêm assumindo atualmente lugar de destaque nas mais
diferentes formas de abordar o assunto e de contribuir para promover encaminhamentos
efetivamente adequados e pertinentes a ele.
Em sua abordagem sobre o processo de trabalho, Karl Marx formula a
definição de trabalho como sendo, essencialmente, “um processo entre o homem e a
Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, mede, regula e controla seu
metabolismo com a Natureza” . Complementa sua definição, afirmando que “ao atuar sobre a
Natureza externa a ele e, ao modificá-la, o homem também modifica sua própria natureza”
(MARX, 2005, p. 211-212). Para ele, o processo de trabalho é uma atividade dirigida com a
finalidade de criar valores de uso, de apropriar os elementos naturais às necessidades humanas
e, como tal, é condição necessária do intercâmbio material entre o homem e a natureza, além
de condição natural eterna da vida humana, sendo comum a todas as formas sociais de vida.
Em sua concepção Marx pressupõe o trabalho sob forma exclusivamente humana.
10
Em sintonia com a formulação marxista, Garcia introduz a discussão sobre
trabalho útil, definindo-o como aquele que cria valor de uso e estimula o desenvolvimento das
capacidades físicas e mentais do ser humano, sendo, portanto, um elemento produtor de
saúde. Na concepção desse autor, a saúde representa o máximo desenvolvimento das
potencialidades humanas, de acordo com o grau de avanço obtido pela sociedade em um
determinado período histórico e, por conseguinte, “quando inexistem as condições objetivas e
subjetivas para que o trabalho seja estímulo das potencialidades humanas, converte-se em
produtor de doenças, como sucede nas sociedades capitalistas” (GARCIA, 1989, p. 103).
O que, de fato, se tem observado no cenário do capitalismo pós-moderno, globalizado, são
formas subjetivas e diversificadas de adoecimento dos trabalhadores, sobretudo aquelas
relacionadas à vida mental e ao funcionamento psíquico, expressas através do sofrimento e de
outras manifestações psíquicas muitas vezes revestidas por sintomas físicos.
Embora na perspectiva dos dois autores citados o trabalho seja, essencialmente,
elemento produtor de saúde, sabe-se que as características do trabalho repercutem positiva ou
negativamente nos indivíduos, podendo favorecer tanto a saúde como a doença, seja esta de
ordem física, ou psíquica, já que os fenômenos do mundo do trabalho influenciam a dinâmica
intrapsíquica e a intersubjetividade dos sujeitos, possibilitando formas diversificadas de
adoecimento aos trabalhadores. Dentre as novas formas de adoecimento em decorrência do
trabalho, sobretudo nas condições capitalistas da pós-modernidade, destacam-se atualmente os
agravos à saúde mental, sejam na forma de sofrimento psíquico, ou de outras manifestações
psíquicas correlatas.
Enquanto exercício das potencialidades humanas e também como uma das
possibilidades de realização do homem através do fortalecimento de sua identidade e do
exercício de sua autonomia, espera-se que o trabalho não concorra para negar-lhe a existência,
ou aviltar-lhe a condição humana sob a forma de agravos à saúde, ou ainda para privá-lo da
11
vida; é desejável que, acima de tudo, o trabalho possa-lhe permitir a expressão da sua
individualidade e criatividade, além de contribuir para sua plenitude e integridade pessoais.
Com o propósito de ampliar a construção de conhecimento que possibilite uma
melhor compreensão dos agravos à saúde mental em decorrência do trabalho, a temática do
sofrimento psíquico no trabalho tem despertado crescente interesse de estudo nas discussões
que envolvem a relação saúde-trabalho e tem trazido significativas contribuições para
compreender a dimensão da subjetividade como importante elemento de discussão para a
articulação dos campos da produção, ambiente e saúde. No Brasil, a articulação desses três
campos inclui a questão da saúde do trabalhador e da saúde ambiental e tem como objeto de
estudo o processo de saúde e doença dos homens em sua relação com o trabalho, aqui
contextualizado no processo de relações sociais de produção.
Dentre os autores brasileiros que estudam o processo saúde-doença relacionado
ao trabalho, Mendes e Dias concebem a Saúde do Trabalhador como um campo em
construção no espaço da Saúde Pública, cujo objeto pode ser definido como o “processo
saúde e doença dos grupos humanos, em sua relação com o trabalho” (MENDES e DIAS,
1994, p.383). Para eles, esse novo campo do saber tenta compreender tal processo e buscar
formas de intervenção que permitam aos trabalhadores se apropriar da dimensão humana do
trabalho. Assim, na concepção desses autores, a saúde do trabalhador busca explicações sobre
as formas de adoecer e de morrer das pessoas em geral, e dos trabalhadores em particular,
através do estudo dos processos de trabalho. Dessa forma, eles ampliam o campo de
conhecimento da saúde do trabalhador, rompendo, portanto, com a concepção hegemônica de
causalidade entre doença e um determinado agente, e também com o enfoque da determinação
social, que se limita a considerar tão somente o processo produtivo, deixando de lado a
subjetividade dos trabalhadores.
12
Osório define a saúde do trabalhador “não como uma disciplina homogênea,
mas por metas e eixos de ação, dentre os quais se destacam, de um lado, a luta pela saúde,
produzida nas transformações dos processos, na eliminação dos riscos e na superação das
condições precárias de trabalho e, de outro, a valorização das demandas e dos
conhecimentos advindos da experiência, fazendo com que a participação dos trabalhadores
seja considerada fecunda e indispensável” (OSÓRIO, 2004). Dessa formulação depreende-se
que a saúde do trabalhador contempla não somente as discussões sobre a saúde em seu
aspecto restrito, mas envolve, também, a participação dos sujeitos enquanto atores do trabalho
que geram demandas de novos conhecimentos baseados em suas próprias experiências.
Compartilha-se a idéia de que os trabalhadores não são sujeitos passivos e meros
observadores do mundo do trabalho, mas, sim, atores de um processo em que são capazes de
se proteger, emancipar-se, encontrar saídas, transformar e reconstruir sua realidade de
trabalho.
1.2 OBJETO DE ESTUDO
As condições da nova ordem econômica mundial e do novo modelo de
produção capitalista, consubstanciados na globalização da economia e seus conseqüentes
desdobramentos sobre as formas produtivas, repercutem no trabalho em si, nos níveis de
emprego, no meio ambiente e na saúde das populações e dos trabalhadores, em particular. O
interesse pelo trabalho como objeto de investigação científica justifica-se, em primeira mão,
porque há uma grande demanda social para compreender as relações entre sofrimento
psíquico e trabalho e também porque a clínica do trabalho abre novas questões que envolvem
outros campos do conhecimento.
13
A clínica do trabalho, assim denominada por Dejours, propõe-se a
“desenvolver o campo da saúde mental e da saúde do trabalhador, entender como as pessoas
sentem e vivenciam a defasagem entre o trabalho prescrito e o trabalho real”, numa
modalidade de investigação que contempla “o conteúdo simbólico do trabalho, as relações
subjetivas do trabalhador com sua atividade, com o sofrimento e o desgaste gerado pelo
trabalho e com os efeitos deste sobre a saúde física e mental dos sujeitos” (LANCMAN,
2004, p. 31). Propõe-se, portanto, a compreender os processos psíquicos envolvidos no
trabalho e a considerar a subjetividade dos trabalhadores.
Para adentrar o campo da relação trabalho-saúde mental é necessário
considerar, dentro do trabalho, sua especificidade como relação social, ou seja, considerar a
dimensão organizacional, aqui entendida como a divisão das tarefas e as relações de produção
(DEJOURS, 1994, p. 47). O trabalho possibilita o confronto entre os mundos interno e
externo do trabalhador e não se resume ao simples ato de trabalhar ou de vender a força de
trabalho em troca de uma remuneração, pois também opera como fator de integração a certos
grupos com direitos sociais, além de funcionar como “alicerce de constituição do sujeito e de
sua rede de significados”, conforme lembra Lancman (2004, p. 29). Para a autora, o trabalho
assume a condição de mediador privilegiado da construção e do desenvolvimento da
identidade do sujeito e da constituição de sua vida psíquica.
Na perspectiva de elucidar as interfaces das complexas relações entre os
campos da saúde e do trabalho situa-se o interesse de estudo pelos aspectos relacionados à
saúde mental, mais precisamente no que diz respeito ao sofrimento psíquico decorrente do
trabalho. Define-se, então, como objeto desta investigação o estudo das vivências de prazer e
sofrimento na atividade de atendimento ao público em duas Agências da Previdência Social
na cidade do Rio de Janeiro. Os trabalhadores dessa atividade são servidores públicos
federais, pertencentes ao quadro de pessoal ativo do Instituto Nacional do Seguro Social
14
(INSS) que atuam nas unidades de atendimento do órgão, conforme descrito mais
detalhadamente no Capítulo V.
A atividade de atendimento ao público insere-se no setor da economia
denominado setor de serviços, ou “atividade terciária” e pode ser definida como “um processo
resultante da sinergia de diferentes variáveis: o comportamento do usuário, a conduta dos
funcionários envolvidos (direta ou indiretamente) na situação, a organização do trabalho e
as condições físico-ambientais/instrumentais” (FERREIRA, 2000, p. 134-135). Para esse
autor, os diversos problemas que surgem nas situações de atendimento constituem indicadores
críticos e repercutem negativamente tanto na satisfação dos usuários, quanto no bem estar dos
atendentes e, por conseqüência, na eficiência e eficácia do próprio serviço.
Em que pese a seqüência das variáveis apontadas pelo autor acima citado na
definição de atendimento ao público, entende-se que para os propósitos deste estudo, a
organização do trabalho ocupa a primazia quanto às implicações negativas na saúde dos
trabalhadores envolvidos na atividade. Em estudos realizados por Dejours, na França, bem
como por pesquisadores brasileiros, a exemplo dos estudos de Palácios, Duarte e Câmara
(2002), Simoni e Santos (2003) e Ferreira e Mendes (2001) sobre a relação entre sofrimento
psíquico e trabalho, os resultados apontam para uma estreita relação entre organização do
trabalho e vivências de sofrimento entre os trabalhadores.
A atividade de atendimento ao público nas Agências da Previdência Social é
geralmente percebida, tanto pelo senso comum quanto pelos próprios trabalhadores, como
uma atividade desgastante sob o ponto de vista psicofísico, rotineira, complexa, mediada por
interações sociais e cuja demanda pelos serviços oferecidos é freqüentemente grande. Em
essência, pode-se dizer que tal atividade baseia-se na troca de informações entre os
trabalhadores do INSS e os usuários, visando à prestação de benefícios e de serviços
previdenciários, caracterizando-se, portanto, como um processo de trabalho que envolve
15
relações sociais pautadas por necessidades e interesses distintos entre os principais atores
sociais envolvidos, atendentes e usuários do serviço, conforme será abordado no Capítulo V.
O propósito de estudar a temática de prazer e sofrimento no trabalho parte da
premissa de que, se de um lado assiste-se a novas e diversificadas formas de adoecimento,
sobretudo envolvendo os transtornos psíquicos e outras formas de sofrimento complexas e
sutis, de outro, acredita-se que também pode haver prazer no trabalho, de forma a permitir a
realização do ser humano. Nessa perspectiva, o trabalho não se caracteriza como “uma
desgraça socialmente determinada” (SZNELWAR, 2004, p. 37), mas pode, de fato, ser um
edificador das identidades sociais e coletivas. Essa relação dialética prazer-sofrimento permite
considerar que o trabalho pode ser fonte de prazer e de desenvolvimento dos indivíduos, tanto
quanto pode levar ao adoecimento e ao sofrimento. Nessa perspectiva, concorda-se com a
proposição de que o trabalho e as relações que nele se originam não podem ser tomados como
espaço de neutralidade subjetiva ou social, conforme destaca Lancman (2004, p. 33).
1.3 JUSTIFICATIVA
Assim como os demais trabalhadores de outras categorias, atividades e
processos de trabalho, é possível que os trabalhadores do serviço público federal e,
especialmente no contexto desta investigação, os trabalhadores do INSS que realizam a
atividade de atendimento ao público nas Agências da Previdência Social também sejam
protagonistas de situações de prazer, sofrimento e doenças relacionadas ao trabalho.
As condições organizacionais em que tais trabalhadores estão inseridos,
associadas às circunstâncias internas e externas em que se desenvolve a atividade de
atendimento ao público e à escassez de informações institucionais sistematizadas sobre as
repercussões da atividade na saúde mental dos trabalhadores constituem justificativas
plausíveis para a realização do presente estudo. Se existem dados consistentes sobre essa
16
problemática de saúde no âmbito institucional ou mesmo em outras esferas no âmbito da
saúde pública ou da saúde do trabalhador, tais informações não parecem ter visibilidade
suficiente até então, haja vista a impressão inicial da pesquisadora de que não parece haver a
devida apropriação do assunto por parte dos respectivos protagonistas do trabalho.
A escolha dos servidores do INSS que trabalham na atividade de atendimento
ao público em Agências da Previdência Social, enquanto categoria de trabalhadores para o
estudo, teve como elemento motivador, fundamentalmente, a percepção de serem freqüentes,
entre eles, queixas de estresse, esgotamento psicofísico, insônia, depressão, insatisfação e
ausência de prazer no trabalho, além de quadros de alcoolismo e outros quadros clínicos que
resultam em afastamentos do trabalho por sintomas relacionados à saúde mental. Por outro
lado, a demanda de usuários pelos serviços da Previdência Social mostra-se, à primeira vista,
superior à capacidade de atendimento nas Agências, o que sugere a necessidade de considerar
também a interface desse elemento na problemática em estudo. Entende-se que esses aspectos
em conjunto relacionam-se, direta ou indiretamente, com vivências de prazer e sofrimento no
coletivo de trabalho pesquisado.
Convém ressaltar que a Previdência Social, através do INSS, tem atualmente
no Brasil largo alcance social e abrangência de cobertura, enquanto instituição pública que
oferece serviços e benefícios previdenciários através de suas unidades de atendimento aos
mais diversos segmentos sociais da classe trabalhadora brasileira. Trata-se, portanto, de
instituição de ampla visibilidade, cuja atividade de atendimento parece ser o elemento
modulador que contribui, de forma positiva ou negativa, para a consolidação de sua imagem
institucional perante os usuários e a sociedade brasileira em geral.
Em sua interface com a saúde do trabalhador, a atividade de atendimento ao
público enquanto objeto de pesquisa na esfera do serviço público parece pouco conhecida das
disciplinas que estudam a relação entre saúde e trabalho no Brasil. Esse aspecto, por si só,
17
mereceria uma consideração à parte, no sentido de que tal desconhecimento pode apontar para
a possibilidade de pouco interesse para com as questões relacionadas ao serviço público -
pessoas, processos de trabalho, saúde dos trabalhadores, etc. - ou a possível dificuldade em
realizar ou conduzir pesquisas em órgãos do serviço público, ou, ainda, a pouca
disponibilidade ou interesse dos trabalhadores do setor público em participar como sujeitos de
estudos, além de outros aspectos que não figuram como objeto de discussão e interesse no
presente contexto.
Ademais, nas referências utilizadas pela pesquisadora durante o estudo foram
encontrados poucos trabalhos, no Brasil, sobre a relação entre atividade de trabalho em
atendimento ao público e saúde, podendo sugerir que as abordagens disciplinares que têm se
proposto a estudar o processo de trabalho na atividade de atendimento ao público têm
enfatizado outros aspectos, tais como satisfação do usuário, atitudes do atendente, locais de
atendimento, etc. e priorizado indicadores de qualidade, desempenho, produtividade, etc.,
tornando secundária, ou mesmo ignorando a subjetividade dos trabalhadores no processo de
trabalho.
1.4 RELEVÂNCIA
A abordagem da relação prazer e sofrimento no trabalho de atendimento ao
público em Agências da Previdência Social contextualizada nos limites estabelecidos para
esta investigação permitem considerar a relevância do estudo para as discussões sobre a
relação saúde-trabalho no âmbito do serviço público e também no âmbito do INSS, visto
elucidar uma problemática de saúde engendrada pela situação de trabalho que parece
permanecer silenciosa ou pouco conhecida institucionalmente.
Embora nas circunstâncias em que é realizada atualmente tal atividade se
configure, à primeira vista, como favorecedora de sofrimento psíquico, a questão ainda não
18
parece devidamente apropriada pelos próprios atores sociais protagonistas do trabalho. Além
do mais não parecem visíveis, até o momento, as ações, mecanismos, programas e projetos
organizacionais propostos, ou implementados pela instituição e destinados à saúde dos
trabalhadores que constituem o coletivo de trabalho desta investigação.
Elucidar tal problemática pode permitir aos trabalhadores apreender melhor a
realidade de trabalho, fomentar uma reflexão sobre a mesma e possibilitar algum tipo de
mobilização no sentido de buscar mudanças que tornem o trabalho mais saudável e mais
prazeroso. Espera-se que outros estudos possam vir a ser realizados, acrescentando novas
contribuições à temática em discussão, com a perspectiva de tornar mais visíveis as
implicações da relação saúde-trabalho na atividade de atendimento ao público nas Agências
da Previdência Social e na esfera do serviço público em geral.
1.5 OBJETIVOS
Considerando a relevância do tema da pesquisa no âmbito institucional e as
contribuições que o estudo pode trazer para ampliar a compreensão das relações estabelecidas
entre o trabalho e o processo de saúde-doença no espaço da saúde pública e, em especial, da
saúde do trabalhador, espera-se, com o presente estudo, que as questões objetivas e subjetivas
relacionadas às vivências de prazer e de sofrimento psíquico entre os trabalhadores da
atividade de atendimento ao público em duas Agências da Previdência Social, na cidade do
Rio de Janeiro tornem-se conhecidas, principalmente para os atores envolvidos naquele
processo de trabalho. Deseja-se, também, que suscitem pertinentes e adequados
encaminhamentos coletivos no âmbito institucional, com vistas a preservar a saúde daqueles
trabalhadores e tornar o espaço do trabalho algo verdadeiramente criativo e edificante para os
sujeitos. Nesse sentido, para nortear o estudo e possibilitar a compreensão da temática no
escopo em que foi contextualizada, foram definidos o objetivo geral da pesquisa e seus
19
respectivos desdobramentos em forma de objetivos específicos, conforme relacionados a
seguir.
1.5.1 OBJETIVO GERAL
Conhecer as relações entre o trabalho na atividade de atendimento ao público e as
vivências de prazer e sofrimento psíquico entre os trabalhadores que a realizam em duas
Agências da Previdência Social, na cidade do Rio de Janeiro.
1.5.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS:
� Conhecer o processo de trabalho que envolve a atividade de atendimento ao público
em duas Agências da Previdência Social, na cidade do Rio de Janeiro, considerando os
aspectos objetivos estruturais e organizacionais, bem como os aspectos subjetivos que
se relacionam com o exercício da atividade;
� Identificar as repercussões da organização do trabalho na saúde dos trabalhadores que
a realizam, buscando elucidar as circunstâncias que propiciam vivências de prazer e de
sofrimento psíquico no trabalho;
� Compreender a dinâmica das relações sociais existente no contexto de trabalho onde
está inserida a atividade de atendimento ao público em duas Agências da Previdência
Social, na cidade do Rio de Janeiro, visando a conhecer as atitudes que permeiam os
relacionamentos sociais entre os trabalhadores no exercício da atividade de
atendimento ao público;
20
� Conhecer a percepção dos trabalhadores quanto à importância do reconhecimento
profissional e social pelo trabalho, bem como sua interface com as vivências de prazer
e de sofrimento naquele coletivo.
Para percorrer os caminhos da investigação e melhor situar o leitor em torno da
problemática em estudo, segue-se o esboço do conteúdo do trabalho, destacando os elementos
essenciais constantes em cada um dos capítulos seguintes.
O Capítulo II trata do referencial teórico adotado para esta investigação,
destacando alguns dos principais conceitos da Psicodinâmica do Trabalho, particularmente
aqueles relacionados à organização do trabalho, à questão do prazer e do sofrimento no
trabalho, à inteligência prática, às estratégias defensivas, ao reconhecimento profissional e à
cooperação. Esses conceitos e proposições aparecem articulados, no Capítulo VI, com a
apresentação e discussão dos resultados encontrados a partir da fala dos trabalhadores que
participaram da pesquisa.
O Capítulo III apresenta o método utilizado na pesquisa, situando o tipo de
estudo e as abordagens e técnicas utilizadas. Considerações sobre os aspectos éticos
envolvidos na pesquisa e também sobre os limites do estudo complementam o conteúdo do
capítulo.
O Capítulo IV traz uma breve abordagem da Seguridade Social brasileira e de
sua atual configuração, apresenta o conceito de proteção social e explicita os principais
aspectos do sistema previdenciário brasileiro, além de abordar alguns aspectos das duas
últimas reformas da Previdência Social, em 1998 e 2003.
As questões relacionadas à organização do trabalho no INSS e nas Agências da
Previdência Social são objeto do Capítulo V, onde são discutidos o processo de trabalho e as
relações sociais entre os atores envolvidos na atividade de atendimento ao público nas duas
Agências.
21
Os resultados são apresentados e discutidos no Capítulo VI, cujo conteúdo está
descrito de forma a contemplar os principais aspectos explorados na investigação e facilitar a
correlação dos mesmos com os conceitos e proposições da abordagem psicodinâmica do
trabalho, apresentados no Capítulo II. Além disso, os resultados permitem compreender os
aspectos objetivos e subjetivos que parecem relacionar-se, direta ou indiretamente, com as
vivências de prazer e de sofrimento no trabalho do coletivo pesquisado.
Nas Considerações Finais faz-se uma breve avaliação do estudo realizado,
resgatando-se a essência dos objetivos inicialmente definidos, a adequação do método e das
técnicas de pesquisa utilizados para viabilizar os resultados encontrados e,
complementarmente, as conclusões que tais resultados sugerem. Também são explicitadas as
opiniões e impressões pessoais da pesquisadora ao conduzir o estudo com os trabalhadores
nas duas Agências da Previdência Social em que o trabalho de campo foi realizado, bem
como a percepção que se tem da problemática de prazer e sofrimento na atividade de
atendimento ao público no âmbito do INSS.
Convidamos, então, o leitor para esse instigante percurso!
22
CAPÍTULO II
2 REFERENCIAL TEÓRICO: PSICODINÂMICA DO TRABALHO
Este capítulo apresenta o referencial teórico adotado para o estudo, a
Psicodinâmica do Trabalho, situando sua evolução enquanto disciplina a partir dos
conhecimentos da Psicopatologia do Trabalho. Discutem-se inicialmente alguns dos seus
principais conceitos e proposições, mormente aqueles mais diretamente relacionados ao
objeto de estudo escolhido, tais como organização do trabalho, prazer e sofrimento no
trabalho, inteligência prática, estratégias defensivas, dinâmica do reconhecimento e
cooperação. Em seguida são referenciados alguns estudos que também tratam da temática de
saúde mental e trabalho, sem, entretanto, a perspectiva de analisá-los detalhadamente, hajam
vistas as diferentes peculiaridades de enfoque e características metodológicas de cada um
deles.
De modo geral, os principais modelos teóricos que servem de suporte para
analisar as relações entre saúde mental e trabalho concentram-se na linha do stress, da
psicopatologia do trabalho e da psicodinâmica do trabalho. Segundo Palácios, Duarte e
Câmara (2002), essas diferentes abordagens convergem para o entendimento que aponta a
organização do trabalho como importante elemento favorecedor de sofrimento psíquico ou de
estresse vinculado ao trabalho. Essencialmente, a linha do estresse concentra grande
preocupação com a doença cardiovascular, o esgotamento e o “burn out”, enquanto a
concepção da psicopatologia do trabalho reporta-se aos efeitos psicopatológicos relacionados
ao trabalho, especialmente o sofrimento psíquico e a clínica do sofrimento na relação psíquica
com o trabalho. A psicodinâmica do trabalho, por sua vez, enfatiza as relações interpessoais e
intersubjetivas que se estabelecem no contexto do trabalho, articulando-as com a vivência de
23
sofrimento do trabalhador. Nesse novo enfoque, um dos aspectos centrais das discussões é a
normalidade dos sujeitos enquanto “enigma” diante das circunstâncias que se apresentam nas
situações de trabalho. Questiona-se, assim, como os sujeitos conservam sua “normalidade”,
mesmo diante de tantas adversidades nos contextos de trabalho, e é a partir desse
questionamento que Dejours propôs novas formulações conceituais que emolduram a
psicodinâmica do trabalho.
Como referencial teórico norteador desta investigação adotou-se, portanto, a
abordagem Psicodinâmica do Trabalho, que reflete o desenvolvimento dos estudos de
Christophe Dejours, na França, baseados em suas contribuições iniciais a partir da
Psicopatologia do Trabalho. A nova denominação “Psicodinâmica do Trabalho” caracteriza-
se, essencialmente, por uma mudança epistemológica do objeto de estudo inicial do autor, que
passou a considerar a normalidade dos sujeitos como foco central de suas análises e
observações, e não mais a doença mental descompensada em que se concentravam os estudos
anteriormente. A essa normalidade dos sujeitos ele atribui o estatuto de “enigma”, ou
“equilíbrio precário”, interrogando-se como os trabalhadores conseguem preservar seu
equilíbrio psíquico e manter-se na normalidade, apesar dos constrangimentos e das pressões
psíquicas decorrentes das situações de trabalho (DEJOURS, 1996, p. 152-153). Ressalte-se
que normalidade no sentido aqui empregado não significa ausência de sofrimento, e mesmo a
existência de sofrimento não exclui o prazer, já que as vivências de um de outro podem
coexistir entre os trabalhadores de um mesmo coletivo. Além disso, os próprios trabalhadores
podem vivenciar prazer e sofrimento diante da mesma atividade de trabalho, considerando-se
aspectos determinantes distintos para cada uma dessas vivências.
Pode-se considerar a psicodinâmica do trabalho como uma redefinição do
objeto de estudo da psicopatologia do trabalho, inaugurando um olhar mais amplo sobre a
relação do homem com o trabalho, passando a considerar como objeto central de investigação
24
não mais a patologia, e sim a normalidade dos sujeitos, permitindo uma ampliação da
abordagem para contemplar “não apenas o sofrimento, mas também o prazer no trabalho;
não apenas a organização do trabalho, mas também as situações de trabalho em sua
dinâmica interna” (DEJOURS, 2004, p. 53). Não se trata, portanto, de uma ruptura epistêmica
com a psicopatologia do trabalho, mas de uma ampliação teórica de objeto, com as
conseqüentes implicações metodológicas, situando “a análise psicodinâmica dos processos
intersubjetivos mobilizados pelas situações de trabalho” (DEJOURS, 2004, p. 49). Sob a
ótica da psicodinâmica do trabalho evidenciam-se as contradições entre organização do
trabalho prescrito e organização do trabalho real, possibilitando uma nova análise da
organização do trabalho. Nessa perspectiva, ganham evidência a questão do reconhecimento,
das estratégias defensivas, da identidade do sujeito como alicerce da saúde mental, a questão
dos coletivos de trabalho e sua dinâmica na construção da cooperação entre os trabalhadores.
Dejours propôs como definição de trabalho “a atividade manifestada por
homens e mulheres para realizar o que ainda não está prescrito pela organização do
trabalho” (DEJOURS, 2004, p. 65), fazendo destacar, portanto, a dimensão humana do
trabalho. Na visão do autor, “o trabalho é, por definição, humano” e “ todo trabalho é sempre
trabalho de concepção”, pois apesar de todo o arsenal tecnológico para viabilizá-lo há
sempre uma lacuna a ser preenchida pelo saber-fazer humano. Na perspectiva da
psicodinâmica do trabalho, o trabalho implica uma “mobilização humana e deriva da
criatividade, da inventividade, do achado, da descoberta, ou seja, o trabalho seria
precisamente o que não é tradicional, mas novo” (DEJOURS, 2004, p. 211-112). Com essa
formulação o autor não deixa dúvidas quanto à sua convicção na dimensão humana do
trabalho.
Reportando-se aos principais conceitos e proposições da psicodinâmica do
trabalho utilizados nesta investigação, entende-se por organização do trabalho a divisão do
25
trabalho (divisão das tarefas - o modo operatório prescrito) e a divisão dos homens (divisão
das responsabilidades, hierarquia, comando, controle, etc.), conceitos esses que se
complementam, pois quando se dividem as tarefas pressupõe-se a existência de hierarquia
para controlar e comandar a execução das mesmas, dividindo-se, portanto, os homens. Para
Dejours, a organização do trabalho impacta o funcionamento psíquico dos sujeitos, visto que a
divisão das tarefas e o modo operatório despertam o sentido e o interesse pelo trabalho,
enquanto a divisão dos homens configura as relações interpessoais, mobiliza investimentos
afetivos, sentimentos e atitudes de amor, ódio, amizade, cooperação, solidariedade, confiança,
etc., e, por isso mesmo, a organização do trabalho repercute no funcionamento psíquico dos
sujeitos (DEJOURS, 1994, p. 126).
Conforme destaca Dejours, a organização do trabalho divide as pessoas e
interfere nas relações que se estabelecem entre elas, pois passa a ser o elemento regulador de
tais relações e, dessa forma, atinge o conteúdo das tarefas e as relações humanas, repercutindo
naquilo que ele denominou “funcionamento mental”, podendo provocar sofrimentos e,
eventualmente, doenças mentais e físicas (DEJOURS, 1986, p. 10). Existem, de fato, formas
de organização do trabalho que são muito danosas ao funcionamento mental dos
trabalhadores, entretanto, outras são favoráveis à saúde mental dos indivíduos, ou são menos
perigosas, e algumas delas funcionam como meio de equilíbrio das pessoas. Segundo o autor,
“pode-se dizer que a organização do trabalho não reprime o funcionamento mental, mas
oferece um campo de ação, um terreno privilegiado para que o trabalhador concretize suas
aspirações, suas idéias, seus desejos” (DEJOURS, 1986, p. 10). Portanto, o trabalho não é,
necessariamente, nocivo para a saúde; além de se constituir em elemento fundamental para a
saúde, o trabalho pode ser tolerável, saudável e favorável à saúde física e mental dos
trabalhadores. E espera-se que seja!
26
Tanto na concepção da psicopatologia como da psicodinâmica do trabalho a
questão da organização do trabalho assume papel significativo na gênese do sofrimento
psíquico vinculado ao trabalho. Conceitualmente, o sofrimento designa “o campo que separa
a doença da saúde”, ou seja, “quando a relação homem-organização do trabalho fica
bloqueada, começa o domínio do sofrimento – e da luta contra o sofrimento” (SELIGMANN-
SILVA, 1994, p. 15). Dizendo de outra forma, quando o rearranjo da organização do trabalho
não é mais possível, ou quando a relação do trabalhador com a organização do trabalho é
bloqueada, abre-se espaço para o sofrimento. Nesses termos, “sofrimento é, então, definido
como o espaço de luta que cobre o campo situado entre, de um lado, o bem-estar, e, de outro,
a doença mental ou a loucura” (DEJOURS, 1996, p. 153). Em outras palavras, o sofrimento
representa a área de transição entre saúde e doença e se expressa quando o trabalhador já não
consegue mais adaptar ou modular sua interação com a organização do trabalho.
No contexto da psicopatologia do trabalho, o sofrimento situa-se no centro da
relação psíquica entre o homem e o trabalho e é concebido como vivência subjetiva
intermediária entre doença mental descompensada e o conforto (ou bem-estar) psíquico,
implicando um estado de luta do sujeito contra aquilo que o direciona para a doença mental.
(DEJOURS e ABDOUCHELI, 1994, p.127). É, por assim dizer, uma “área de transição” entre
a saúde e a doença mental. Complementando essa formulação, Osório assinala que a
psicodinâmica do trabalho considera o sofrimento como o “ponto de partida e a origem da
mobilização da inteligência e da subjetividade” (OSÓRIO, 2004), o que significa dizer que a
partir da vivência de sofrimento, das dificuldades impostas pela organização do trabalho à
realização de si mesmo, o trabalhador é capaz de encontrar saídas, utilizando recursos
pessoais subjetivos, ou seja, ele não se porta como sujeito passivo e mero observador diante
de tais situações, mas age mobilizando seus recursos internos com vistas a se proteger do
sofrimento.
27
Considerar vivências de prazer no trabalho significa dizer que o trabalho em
certas circunstâncias e situações pode ser fonte de prazer, de realização do sujeito e, como tal,
francamente favorável à saúde física e mental. Vivências de prazer e sofrimento não são
excludentes, nem incompatíveis, nem finitas em si mesmas nas situações de trabalho, o que
permite considerar que os indivíduos podem vivenciar situações de prazer e de sofrimento
diante de um mesmo contexto de trabalho. Conforme lembra Sznelwar, pode, sim, haver
prazer no trabalho, e isso “permite considerar que o trabalho não é, por si só, uma desgraça
socialmente determinada; ele pode ser um edificador das identidades individuais e coletivas”
(SZNELWAR, 2004, p. 37). Às vivências de prazer e de sofrimento no trabalho associam-se
certos aspectos da organização do trabalho, ou certas características do trabalho realizado.
Ademais, prazer e sofrimento são vivências subjetivas, individuais, que se exprimem e se
experimentam da mesma forma que a angústia, o desejo, o amor, etc. e, portanto, remetem ao
sujeito singular, portador de uma história; são vivenciados individualmente, e, por
conseguinte, diferenciados de um sujeito para outro (DEJOURS e ABDOUCHELI, 1994,
p.128).
Para melhor compreender a dinâmica entre a organização do trabalho e o
indivíduo cabe situar a distinção conceitual entre organização do trabalho prescrito e
organização do trabalho real. A primeira refere-se à ”prescrição”, às normas, ao estabelecido
pela organização ou empresa para a realização do trabalho, à forma como este deve ser
executado, enfim, ao modo operatório prescrito; a organização do trabalho real diz respeito à
forma efetiva, real, como, de fato, o trabalho é realizado e executado pelos trabalhadores.
Entre essas duas formas de organização do trabalho há sempre uma distância, um hiato, uma
lacuna em que o trabalhador lança mão de atributos de sua sabedoria e experiência, ou de sua
“inteligência prática”, para utilizar a terminologia da psicodinâmica do trabalho, a fim de
28
proceder aos necessários ajustes na organização do trabalho para concretizar o trabalho
prescrito e efetivamente realizá-lo.
A adequação do trabalho prescrito ao trabalho real mobiliza certos processos
intersubjetivos dos trabalhadores que possibilitam a concretização da prescrição em realidade.
Pressupõe o uso da inteligência prática do trabalhador, já que este lança mão de sua
criatividade, de sua inventividade e daquilo que se convencionou chamar de “engenhosidade”,
de “saber operário”, ou “saber prático”, necessário para viabilizar a concretização do trabalho.
Essa inteligência prática é posta em atuação no exercício da atividade, é produzida no
exercício do trabalho, da função, daí porque se pode falar em “inteligência da prática”, e nas
palavras de Dejours, “é o trabalho que produz a inteligência, e não a inteligência que produz
o trabalho” (DEJOURS, 2004, p. 278). Ela é também chamada de “inteligência astuciosa”,
em contraposição à inteligência conceitual, tem matiz fundamentalmente criativo e se faz
presente em todas as tarefas e atividades de trabalho, sejam elas manuais, intelectuais, ou
teóricas.
O conflito ente organização do trabalho e funcionamento psíquico pode ser
fonte de sofrimento, mas também pode resultar na construção de estratégias defensivas,
individuais e coletivas, definidas por Dejours como sendo as estratégias “elaboradas pelos
trabalhadores para enfrentar mentalmente a situação de trabalho” (DEJOURS, 1996,
p. 152). Consideram-se como tais os comportamentos e atitudes elaboradas e vivenciadas
pelos coletivos de trabalho, ainda que não conscientizadas, para se proteger do sofrimento
imposto pelas condições de trabalho que lhe são impostas. Osório destaca que para fazer
frente ao real que os limita, os trabalhadores utilizam, portanto, estratégias de defesa e, assim,
conseguem escapar da descompensação emocional e da doença mental (OSÓRIO, 2004),
donde se depreende que as estratégias defensivas funcionam como elemento de interposição
29
entre a organização do trabalho e o funcionamento psíquico dos indivíduos, servindo-lhes
para lutar contra a doença mental e aliviar o sofrimento decorrente do trabalho.
Concebido na abordagem psicodinâmica do trabalho como retribuição esperada
pelo indivíduo, o reconhecimento é considerado de natureza fundamentalmente simbólica e se
expressa em dois sentidos: no sentido da constatação e no sentido da gratidão (DEJOURS,
2004, p. 71-73). No sentido da constatação, é o reconhecimento da realidade das contribuições
dos trabalhadores à organização, que representa a contribuição individual, específica para a
organização do trabalho, ou seja, o reconhecimento da imperfeição da ciência e da técnica,
das falhas organizacionais do trabalho prescrito e da necessidade da contribuição dos
trabalhadores para que o processo de trabalho se concretize. No sentido da gratidão, é o
reconhecimento efetivo da contribuição proporcionada pelos trabalhadores ao ajustamento da
organização do trabalho.
Para Dejours, o reconhecimento passa também pela reconstrução dos
julgamentos do trabalho realizado e, nessa perspectiva, ele distingue dois tipos: o julgamento
de utilidade e o julgamento de beleza ou julgamento de estética. O primeiro, de utilidade, diz
respeito ao valor utilitário da contribuição do sujeito ao ajuste da organização prescrita para
atingir a organização real do trabalho; diz respeito à utilidade técnica, social e econômica da
contribuição do sujeito e é essencialmente proferido em linha vertical, ou seja, pela hierarquia
– superiores, subordinados e também clientes, quando a situação de trabalho implica em
contato com o consumidor final de bens e serviços. O julgamento de estética ou de beleza se
expressa em forma de julgamento sobre a conformidade do trabalho com as regras da arte,
que confere ao sujeito a condição de pertencente a uma comunidade específica, como também
em forma de julgamento sobre a singularidade, que confere ao sujeito sua originalidade, sua
identidade; é essencialmente proferido em linha horizontal - pelos pares, colegas, membros da
equipe, enfim, por aqueles que conhecem bem as regras do trabalho para poder julgar
30
(DEJOURS, 2004, p. 215-216). Esses diferentes julgamentos têm em comum o fato de se
referirem ao trabalho realizado, e não à pessoa que o realiza, ou seja, tratam do “fazer”, e não
da “pessoa que o faz”. Essa dinâmica do reconhecimento tem papel importante na
problemática da saúde mental no trabalho e constitui elemento fundamental na psicodinâmica
da cooperação (DEJOURS, 2004, p. 72).
Em psicodinâmica do trabalho, a cooperação pode ser entendida como “a
vontade das pessoas de trabalharem juntas e de superarem as contradições da própria
organização do trabalho para viabilizar a concretização do trabalho” (DEJOURS, 2004,
p. 67-69). Torna-se efetiva se os trabalhadores demonstrarem o desejo de cooperar, pois ela
não se dá numa decorrência direta da organização do trabalho, nem é determinada
aprioristicamente por imposição, tampouco é prescrita entre os colegas do mesmo nível
hierárquico. A cooperação depende da vontade dos atores envolvidos no trabalho, estabelece-
se graças às relações de confiança entre eles e tem influência direta tanto na eficiência do
trabalho, como na relação prazer-sofrimento. É nessa perspectiva que Dejours fala das
condições de possibilidade da cooperação, sendo a primeira delas a possibilidade de os
trabalhadores estabelecerem entre si “relações intersubjetivas de confiança”, seja com os
colegas, os subordinados e com os chefes e dirigentes (DEJOURS, 2004, p. 131-132).
A seguir serão referenciados alguns estudos envolvendo a temática saúde
mental e trabalho, dentre os quais um estudo que aborda a atividade de atendimento ao
público numa instituição pública brasileira e um outro que se refere aos trabalhadores da
seguridade social onde estão inseridos os trabalhadores do INSS.
O estudo de Palácios, Duarte e Câmara (2002), realizado com trabalhadores de
agências bancárias na cidade do Rio de Janeiro e que se propôs a analisar a relação entre
trabalho e sofrimento psíquico de caixas de agências bancárias, permitiu concluir que a
organização do trabalho, principalmente no tocante ao redesenho dos processos de trabalho e
31
às intensas mudanças implementadas nas agências bancárias pesquisadas sem a participação
dos funcionários, no período estudado, favoreceram situações de sofrimento psíquico para os
trabalhadores, gerando insegurança, ameaça de desemprego e queda do padrão de vida dos
mesmos.
Em estudo abordando a produção científica sobre sofrimento psíquico e
trabalho hospitalar entre 1997 e 1998, Santos (2000) apresenta uma revisão bibliográfica de
alguns estudos realizados no Brasil, no final dos anos 90, enfocando a relação sofrimento
psíquico e trabalho no contexto hospitalar, problematizando a temática entre os profissionais
da área de enfermagem. Refere que na discussão sobre sofrimento psíquico no trabalho
predominam, conceitualmente, as abordagens do stress. A autora conclui que tais estudos se
revestem de importante reflexão sobre os problemas do trabalho hospitalar em enfermagem,
os quais ultrapassam o contexto organizacional do hospital e, em sua opinião, embora os
autores abordem o sofrimento psíquico por óticas diferentes e haja diferenciação teórica entre
a concepção de sofrimento psíquico e desgaste mental, há convergência em considerar a
dimensão da subjetividade, o que representa uma importante questão para a área de saúde do
trabalhador.
O estudo de Ferreira e Mendes (2001), realizado numa instituição pública do
Distrito Federal, abordando a relação entre a atividade de atendimento ao público e vivências
de prazer-sofrimento no trabalho, demonstra que certas condições de trabalho influenciam
negativamente a realização do trabalho dos atendentes e que o custo psíquico da atividade de
atendimento ao público na instituição pesquisada favorece o predomínio de vivências de
sofrimento. Sob o ponto de vista da psicodinâmica do trabalho, eles concluíram que a
predominância das vivências de sofrimento está associada às situações nas quais a atividade é
realizada e às relações sócio-profissionais estabelecidas.
32
No mesmo estudo há referência a outras pesquisas abordando as vivências de
prazer-sofrimento no trabalho, cujos resultados indicam que o prazer é vivenciado quando o
trabalho favorece a valorização e o reconhecimento dos sujeitos, principalmente pela
realização de tarefa significativa e importante para a organização e para a sociedade, quando
há possibilidade de utilizar a criatividade e imprimir uma marca pessoal ao trabalho realizado
e também quando possibilita sentir orgulho e admiração pelo que se faz, além do
reconhecimento de pares e chefias. Por outro lado, esses estudos também apontaram que as
vivências de sofrimento aparecem associadas à divisão e padronização de tarefas,
subutilização do potencial e da criatividade individual, rigidez hierárquica, excesso de
procedimentos burocráticos, ingerências políticas, centralização de informações, ausência de
participação nas decisões, falta de reconhecimento individual e pouca perspectiva de
crescimento profissional do trabalhador.
Visser et al. (2003) realizaram estudo com médicos especialistas holandeses
(psiquiatras, anestesiologistas, cirurgiões, neurologistas, pediatras, radiologistas,
ginecologistas e outros especialistas), abordando stress, satisfação no trabalho e burn out. O
estudo teve como objetivos (a) analisar os níveis de stress e satisfação relacionados ao
trabalho entre aqueles especialistas, (b) investigar a dimensão das características pessoais, das
características do trabalho e as condições de trabalho percebidas como relacionadas ao stress e
satisfação e (c) conhecer os efeitos do stress e da satisfação no burn out entre aqueles
profissionais. Os resultados apontaram que a satisfação no trabalho funciona como um
elemento de proteção contra as conseqüências negativas do stress no trabalho e que os dois
elementos, stress e insatisfação, aparecem como importantes predisponentes à exaustão
emocional. O burn out aparece relacionado à associação de altos níveis de stress e baixa
satisfação no trabalho, mais do que somente ao stress, de modo que stress e satisfação no
trabalho guardam entre si uma relação inversa, ou seja, quando o nível de stress no trabalho é
33
elevado e o nível de satisfação é baixo, a exaustão é mais evidenciada. Por outro lado, fatores
pessoais, interpessoais e organizacionais foram relatados pelos participantes como estando
relacionados ao stress e burn out, entretanto, evidenciou-se a importância de fatores
organizacionais, mais do que os fatores de ordem pessoal, na vivência de stress e de satisfação
no trabalho, corroborando, portanto, os estudos de Dejours no que diz respeito à organização
do trabalho como gênese do sofrimento psíquico entre os trabalhadores.
As transformações ocorridas no serviço público e seu impacto na saúde dos
trabalhadores da Seguridade Social, onde se incluem os trabalhadores do INSS, foram objeto
de pesquisa realizada na cidade de Porto Alegre/RS, buscando, dentre outros propósitos,
conhecer as doenças que acometem aqueles trabalhadores e investigar sua relação com o
trabalho que eles realizam (CRESPO. et al., 2004). Os pesquisadores analisaram os
afastamentos por motivo de licença médica daqueles trabalhadores no período de 1999 ao
primeiro semestre de 2002, utilizando-se dos boletins médicos dos trabalhadores afastados e
também realizaram entrevistas com representantes sindicais e com trabalhadores
representantes das instituições pesquisadas, dentre as quais o INSS de Porto Alegre.
Particularmente quanto aos trabalhadores do INSS, as conclusões apontaram
para três grupos de doenças que mais afetam os trabalhadores: primeiramente os distúrbios
osteomusculares (LER/DORT), seguidos pelos transtornos psíquicos, com elevado número de
casos de depressão e, em terceiro plano, as doenças do aparelho respiratório. Para os
pesquisadores, todas essas doenças são passíveis de relação com o trabalho e, de modo geral,
elas afetam mais os trabalhadores da área fim do que os trabalhadores da área meio da
instituição.
É importante esclarecer que as denominações “área-fim” e “área-meio” são
denominações internas para caracterizar aquilo que é definido institucionalmente como
“finalidade” da instituição, ou, por outro lado, área-meio como aquela que congrega
34
atribuições administrativas internas que não se relacionam diretamente ao “negócio” da
instituição. Dessa forma, quando se fala em “área-fim do INSS” refere-se precisamente à área
de benefícios nas atividades relacionadas à oferta de serviços e benefícios previdenciários aos
beneficiários da Previdência Social, através da atividade de atendimento ao público nas
Agências da Previdência Social.
Merece destaque, também, a referência que os pesquisadores fizeram à
organização do trabalho no serviço público, enfatizando, dentre outros aspectos, a rigidez das
normas internas, a ausência de valorização dos trabalhadores e a ausência de sua participação
nas decisões relacionadas ao trabalho, circunstâncias essas a que atribuem possíveis
sentimentos de frustração e sofrimento mental dos trabalhadores.
35
CAPÍTULO III
3 MÉTODO
3.1 CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO
A atividade de pesquisa pode ser definida como a atividade básica da ciência
na sua indagação e descoberta da realidade e, para a consecução de seus propósitos, recorre a
um arcabouço metodológico regido por parâmetros científicos que norteiam os rumos da
investigação pretendida. Pode-se definir a metodologia de uma pesquisa como “o caminho e
o instrumental próprios de abordagem da realidade, incluindo as concepções teóricas da
abordagem, o conjunto de técnicas que possibilitam a apreensão da realidade e também o
potencial criativo do pesquisador” (MINAYO, 2004, p. 22). Além de estudar os métodos de
pesquisa, a metodologia tem o papel de conduzi-la em conformidade com as exigências
científicas. Segundo a autora, também são elementos importantes à investigação social a
capacidade criadora e a experiência do pesquisador, que conduzem ao que ela denomina
“qualidade pessoal do trabalho científico, verdadeiro artesanato intelectual que traz a marca
do pesquisador” (MINAYO, 2004, p. 23). Entende-se, portanto, que a metodologia adotada
em pesquisa depende diretamente do objeto em estudo, de sua natureza, amplitude e dos
objetivos e criatividade do pesquisador.
Esta investigação foi conduzida nos moldes da abordagem qualitativa, que em
sua essência, propõe-se mais particularmente a contemplar o campo da subjetividade e do
simbolismo, a compreensão das relações e atividades humanas com os significados que as
anima, a complexidade de fenômenos, fatos e processos particulares e específicos de grupos
delimitados, aproximando-se, assim, do objeto de estudo escolhido (MINAYO e SANCHES,
1993). Por considerar a intensidade das relações sociais, a abordagem qualitativa aplica-se
melhor à compreensão de fenômenos específicos e delimitáveis, tais como o estudo de um
36
grupo de pessoas afetadas por uma determinada condição mórbida, o estudo de desempenho
de uma instituição, ou o estudo da configuração de um fenômeno ou processo, entretanto, é
importante registrar que qualquer abordagem escolhida pelo pesquisador, por mais bem
utilizada seja, pode ser insuficiente para apreender a totalidade da realidade observada.
O objeto das ciências sociais é essencialmente qualitativo, e “a pesquisa social
trabalha com gente, com atores sociais em relação, com grupos específicos” (MINAYO,
2004, p. 105). A pesquisa qualitativa se preocupa com um nível de realidade que não pode ser
quantificado, ou seja, ela “trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações,
crenças, valores e atitudes, lidando com processos, fenômenos e relações que não podem ser
reduzidos à operacionalização de variáveis” (MINAYO, 1994, p. 21-22). Dessa forma, a
autora ressalta que a abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das
ações e das relações humanas.
Em termos de caracterização ou tipos de estudos, Triviños propõe a definição
de estudos exploratórios como sendo aqueles que permitem ao investigador aumentar sua
experiência, aprofundando seu estudo e adquirindo maior conhecimento a respeito de um
problema, podendo ainda servir para levantar possíveis problemas de pesquisa. O autor
considera estudos descritivos aqueles que buscam descrever os fatos e fenômenos de
determinada realidade, ou seja, aqueles que procuram determinar como é o fenômeno e por
que ocorre (TRIVIÑOS, 1987, p. 101). Utilizando essa formulação conceitual, pode-se
caracterizar o presente estudo como descritivo de caráter exploratório, visto que se propôs a
conhecer uma determinada problemática de saúde relacionada ao trabalho em determinado
segmento de trabalhadores, descrevendo o fenômeno estudado dentro da realidade escolhida e
articulando-o com os elementos que o condicionam. Ressalte-se que durante o trabalho de
investigação evidenciaram-se elementos sugestivos de outros problemas de pesquisa a serem
considerados.
37
O trabalho de campo foi desenvolvido entre os meses de junho e outubro do
ano de 2006 em duas (02) Agências da Previdência Social na cidade do Rio de Janeiro, com
os trabalhadores da atividade de atendimento ao público da área de benefícios do INSS que se
propuseram a participar da pesquisa. A principal atividade de trabalho nas Agências da
Previdência Social é o atendimento ao público, tanto na área de benefícios, como na área de
arrecadação, que são consideradas “áreas-fins” do INSS, conforme referenciado
anteriormente. O critério utilizado para a escolha das duas Agências foi o tamanho das
mesmas, por serem consideradas grandes Agências, tanto no que se refere ao volume de
atendimentos diários, maior capacidade operacional para fazer frente à grande demanda de
usuários, maior quantidade de trabalhadores na atividade de atendimento ao público, quanto
maior oferta de serviços previdenciários, em comparação com as demais.
Em pesquisa qualitativa não se utiliza delimitação de amostra, tal como se
procede nos métodos quantitativos clássicos, visto que na abordagem qualitativa “preocupa-se
menos com a generalização e mais com o aprofundamento e abrangência da compreensão,
seja de um grupo social, de uma organização, de uma instituição, de uma política, ou de uma
representação” (MINAYO, 2004, p. 102). Segundo a autora, o critério da abordagem
qualitativa não é, portanto, numérico, e considera-se que uma amostra ideal é aquela capaz de
refletir a totalidade na suas múltiplas dimensões. Nesse sentido, uma amostragem qualitativa
visa a (a) privilegiar os sujeito sociais que detém os atributos que se pretende conhecer;
(b) considerá-los em número suficiente para permitir uma reincidência das informações;
(c) não obstante a homogeneidade necessária em seus atributos, diversificar o conjunto de
informantes para conseguir apreender diferenças e semelhanças e (d) escolher o local e o
grupo de observação e informação que contenham o conjunto de experiências e expressões
coerentes com o objeto da pesquisa.
38
A população da pesquisa são os servidores públicos federais pertencentes ao
quadro de pessoal ativo do INSS e que realizam a atividade de atendimento ao público nas
Agências da Previdência Social em todo o país. Assim sendo, entende-se que o grupo de
trabalhadores na atividade de atendimento nas Agências do INSS selecionadas e que
participou do estudo compõe a amostragem qualitativa que atende ao critério de
representatividade da população definida e reflete as múltiplas dimensões da mesma.
Considera-se que esses participantes são sujeitos sociais que no cotidiano do trabalho
protagonizam experiências de prazer e sofrimento, vivenciam situações de trabalho
semelhantes aos demais da população a que pertencem e são numericamente suficientes para
permitir certa repetição das informações dentro dos limites dos objetivos do estudo. Entende-
se, portanto, que esses trabalhadores refletem as características e a identidade dos demais
trabalhadores que constituem a população estudada, qual seja, os servidores do INSS que
trabalham diariamente na atividade de atendimento ao público em Agências da Previdência
Social.
Antes de iniciar o trabalho de campo a pesquisadora solicitou autorização,
através de Carta de Apresentação (Apêndice A) aos Gerentes Executivos do INSS
responsáveis pelas Agências onde o trabalho seria desenvolvido, para ter acesso àquelas
unidades, ter contato com as respectivas chefias e com os trabalhadores, explicitando clara e
sucintamente o objeto de estudo e os objetivos pretendidos. Os Gerentes Executivos
concordaram com a proposta do estudo, autorizaram a realização do mesmo e fizeram contato
com os chefes das respectivas Agências, tratando do assunto. Em seguida a pesquisadora foi a
cada uma das unidades para a devida apresentação da proposta de estudo aos respectivos
chefes e trabalhadores da atividade de atendimento ao público, com vistas apresentar o tema e
os objetivos da pesquisa, esclarecendo, principalmente, o caráter voluntário e anônimo da
participação e também o sigilo das respostas.
39
A apresentação da proposta de pesquisa aos trabalhadores foi realizada em
único dia, separadamente em cada uma das Agências, em horário de trabalho com aqueles
trabalhadores que estavam no local de trabalho naquela ocasião. Como as Agências se
encontravam em pleno horário de funcionamento e os trabalhadores em horário de expediente,
foram organizadas reuniões em pequenos grupos com aqueles que se propuseram a ouvir a
apresentação, onde foram esclarecidas dúvidas e questões quanto ao desenvolvimento do
trabalho de campo, com vistas a iniciá-lo propriamente. Conforme ressalta Cruz Neto, nesse
momento inicial do trabalho de campo é necessário estabelecer uma situação de troca, onde a
busca das informações que se pretende obter está inserida num jogo cooperativo, baseado no
diálogo entre pesquisador e pesquisados, e não na obrigatoriedade (CRUZ NETO, 1994,
p. 55).
Feita a apresentação da proposta do estudo aos trabalhadores reunidos em
pequenos grupos, alguns deles se manifestaram desejosos de participar da pesquisa já naquele
momento inicial. Como a participação teve caráter voluntário, foi, então, entregue,
individualmente, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme modelo
constante no Apêndice B, para ser lido, assinado e devolvido à pesquisadora. Através do
Termo de Consentimento os sujeitos expressaram sua concordância e autorizaram sua
participação voluntária na pesquisa, cientes da natureza do estudo, de seus objetivos, métodos,
benefícios previstos, potenciais riscos, passos do desenvolvimento do trabalho, etc.,
possibilitando-lhes, enfim, um real e pormenorizado entendimento da proposta de pesquisa.
3.2 ABORDAGENS TÉCNICAS
Em pesquisa qualitativa nas Ciências Sociais, o trabalho de campo se apresenta
como uma possibilidade não só de uma aproximação com aquilo que se deseja conhecer e
estudar, mas também de gerar conhecimento, partindo da realidade presente no campo,
40
conforme destaca Cruz Neto (1994, p. 51). Segundo esse autor, o que atrai na produção do
conhecimento é a existência do desconhecido, é o sentido da novidade e o confronto com
aquilo que é estranho.
Dentre as diversas formas de abordagem técnica do trabalho de campo foram
escolhidos para este estudo o questionário, a entrevista e a observação. A utilização desses
instrumentos, a seguir detalhados, foi conduzida pela própria pesquisadora em etapas
diferentes ao longo do trabalho de campo, embora simultaneamente nas duas Agências
selecionadas.
A utilização do questionário como instrumento inicial de coleta de dados serviu
como forma de aproximação da pesquisadora com a realidade dos informantes, em moldes
semelhantes ao que se propõe uma pesquisa survey no método quantitativo. De acordo com
Freitas et al., o método de pesquisa survey pode ser descrito como a obtenção de dados ou
informações sobre características, ações ou opiniões de determinado grupo de pessoas
indicado como representante de uma população-alvo, utilizando como instrumento de
pesquisa, normalmente um questionário (FREITAS et al. 2000). Pode-se dizer que é um
método mais apropriado para certas situações de pesquisa, especialmente, quando (a) o foco
de interesse é sobre “o que está acontecendo”, ou “como e por que isso está acontecendo”;
(b) não se tem interesse ou não é possível controlar as variáveis dependentes e independentes;
(c) quando o ambiente natural é a melhor situação para estudar o fenômeno de interesse;
(d) quando o objeto de interesse ocorre no presente ou no passado recente.
Preservando-se as devidas diferenciações metodológicas quanto à pesquisa
survey, o questionário utilizado qualitativamente no trabalho de campo com os sujeitos desta
pesquisa coletou informações sobre características e opiniões daquele grupo de trabalhadores
sobre aspectos relacionados ao seu processo de trabalho, já que a pesquisa pretendeu
investigar “como” se expressam as vivências de prazer e sofrimento na atividade de
41
atendimento ao público em Agências da Previdência Social, no Rio de Janeiro, no presente,
sendo o próprio local de trabalho dos informantes a melhor situação para estudar esse
fenômeno. Nessa perspectiva, optou-se por iniciar a coleta de dados no campo utilizando
como instrumento um questionário anônimo, com o objetivo de conhecer a atividade de
atendimento ao público nas duas Agências da Previdência Social escolhidas para o estudo, sua
interface com as vivências de prazer e sofrimento no trabalho atualmente e as opiniões dos
trabalhadores sobre o contexto institucional onde tal atividade está inserida.
Os questionários foram aplicados nos meses de junho e julho, no local de
trabalho dos participantes, durante o horário de expediente, tanto no período da manhã,
quanto no período da tarde, em diferentes dias da semana, atendendo à voluntariedade,
conveniência de horário e disponibilidade de tempo dos trabalhadores. Em ambas as Agências
a aplicação do questionário teve início no mesmo dia da apresentação da proposta de
pesquisa, logo após o preenchimento e a devolução do TCLE pelos interessados. Como as
Agências estavam em pleno horário de atendimento ao público, nem todos os interessados
puderam preencher o questionário naquele primeiro dia, pois havia uma grande demanda de
usuários aguardando atendimento, de forma que a pesquisadora retornou outras vezes às duas
Unidades para concluir a aplicação desse instrumento, contemplando, assim, todos os
trabalhadores que se propuseram a participar.
Nas situações de aplicação dos questionários, os mesmos foram distribuídos
pela pesquisadora, respondidos individualmente pelos participantes e devolvidos
imediatamente àquela. O conteúdo das questões abordou aspectos relacionados aos objetivos
definidos para a pesquisa, conforme roteiro constante no Apêndice C. Considerando o total de
informantes nas duas Agências, foram vinte e quatro (24) participantes nesta primeira fase da
coleta de dados, dentre trabalhadores do sexo masculino e feminino, todos eles pertencentes
ao quadro de pessoal ativo do INSS e que tem como atividade de trabalho o atendimento ao
42
público na área de benefícios nas Agências da Previdência Social escolhidas, sendo onze (11)
trabalhadores de uma Agência e treze (13) da outra. Concluída a etapa de aplicação do
questionário e analisados os dados obtidos com esse instrumento, partiu-se para a etapa de
entrevista com os trabalhadores.
Sendo a técnica mais usada no trabalho de campo em pesquisa
social, a entrevista pode ser entendida em dois sentidos: no sentido amplo de comunicação
verbal que reforça a importância da linguagem e do significado da fala, e no sentido restrito
de coleta de informações sobre determinado tema científico, na qual o pesquisador recolhe
informações através da “fala” dos atores sociais (MINAYO, 2004, p. 107-110). Segundo essa
autora, o que torna a entrevista um privilegiado instrumento de coleta de informações para as
ciências sociais é a possibilidade de a “fala” ser reveladora de condições estruturais, de
sistemas de valores, normas e símbolos e, ao mesmo tempo transmitir através de um porta-voz
as representações de grupos determinados em condições históricas, sócio-econômicas e
culturais específicas.
Quando da aplicação do questionário, a pesquisadora informou aos
trabalhadores que haveria uma etapa complementar de coleta de dados, que seria realizada
através de entrevista individual, também voluntária, com aqueles trabalhadores que
estivessem interessados em participar, e para isso a pesquisadora retornaria às Agências em
momento posterior. Alguns trabalhadores prontamente se declaram interessados na entrevista
já naquele primeiro momento.
Coletadas as informações iniciais através do questionário, deu-se início à etapa
de utilização de entrevista semi-estruturada, combinando perguntas fechadas e abertas,
conforme roteiro de entrevista adaptado do modelo utilizado por Santos (2001) e que constitui
o Apêndice D. As entrevistas foram realizadas pela pesquisadora nos meses de setembro e
outubro de 2006, individualmente, com dez (10) trabalhadores de ambos os sexos, dentre
43
aqueles que haviam respondido o questionário na fase anterior e que também se propuseram
voluntariamente a participar da segunda etapa de coleta de dados.
A pesquisadora estabeleceu como critério o máximo de dez (10) entrevistas
individuais, preferencialmente com cinco (05) trabalhadores de cada Agência, entre
trabalhadores de ambos os sexos. Decorrido um mês da aplicação do questionário, ela
retornou a cada uma das Agências e fez contato com cada um dos informantes que havia
respondido o questionário, perguntando se tinha interesse em participar da entrevista. Os
cinco primeiros trabalhadores contatados em cada uma das Unidades que se dispuseram
voluntariamente a participar tiveram suas entrevistas agendadas, respeitando-se a
conveniência de horário e a disponibilidade de tempo de cada um deles. Dessa forma, foram
entrevistados cinco (05) trabalhadores do sexo masculino e cinco (05) do sexo feminino,
heterogeneamente, em cada uma das Agências da Previdência Social escolhidas para o estudo.
As entrevistas aconteceram no próprio local de trabalho dos participantes,
durante o horário de expediente dos mesmos, em data e horário previamente agendados, em
diferentes dias da semana e, portanto, foram realizadas nas próprias Agências, em seu horário
normal de funcionamento. Como nas duas Agências não havia espaço reservado e adequado
para que as entrevistas fossem gravadas, optou-se por conduzi-las de forma escrita, onde o
entrevistador anotou, uma a uma, as respostas dos entrevistados, seguindo o roteiro de
entrevista previamente estabelecido. Algumas das entrevistas foram feitas nos próprios
guichês de atendimento dos trabalhadores, em meio a toda a dinâmica do serviço de
atendimento ao público da Agência, onde, não raro, o entrevistado foi interrompido por
colegas ou por usuários do serviço que estavam aguardando atendimento. As entrevistas
ocorreram simultaneamente com os trabalhadores das duas Agências, entretanto, a
pesquisadora definiu como critério entrevistar não mais de três (03) trabalhadores por dia.
44
Embora o referencial teórico deste estudo seja a abordagem psicodinâmica do
trabalho, que é uma disciplina dotada de metodologia de pesquisa própria e completamente
diferente da metodologia utilizada neste estudo, convém esclarecer que a opção por utilizar
questionário e entrevista semi-estruturada, individualmente, decorreu do entendimento de que
esses instrumentos aplicam-se mais adequadamente à situação de pesquisa apresentada e às
peculiaridades da realidade de trabalho dos informantes. Essa forma de condução da pesquisa
permitiu conhecer a problemática que se pretendeu estudar naquele coletivo de trabalho e,
portanto, conjectura-se não ter comprometido os resultados encontrados, os quais serão
discutidos no Capítulo VI.
Complementarmente à utilização do questionário e da entrevista e como
estratégia para melhor compreender a realidade investigada, incluiu-se também neste estudo a
observação dos sujeitos da pesquisa em situação real de trabalho na atividade de atendimento
ao público nas duas Agências, em diferentes períodos e dias da semana, ainda que de forma
rápida, superficial e assistemática. Não se tratou de observação participante no sentido
específico do termo, visto que implicaria atender a certos requisitos metodológicos bem
definidos, o que não pareceu viável ou exeqüível no contexto de trabalho pesquisado naquele
momento. Esclareça-se que a observação participante é considerada parte essencial do
trabalho de campo em pesquisa qualitativa e é tida por alguns estudiosos como um método em
si mesmo, e não como uma estratégia no conjunto da investigação para compreensão da
realidade.
Neste estudo optou-se por utilizar uma outra modalidade de observação, a
observação assistemática, que se aproxima da idéia de “observador-como-participante”
utilizada por Minayo, para denominar o que ela concebe como uma terceira modalidade de
observação participante, frequentemente empregada como estratégia complementar ao uso das
entrevistas e que se trata de uma observação quase formal, em curto espaço de tempo, cujas
45
limitações advêm do contato superficial (MINAYO 2004, p. 142). Pode-se dizer que é uma
das “variações da técnica” de observação, no que diz respeito ao papel do pesquisador
enquanto participante observador (CRUZ NETO, 1994, p.60).
As sessões de observação ocorreram em diferentes dias da semana, em
períodos distintos do horário de funcionamento normal de trabalho nas unidades de
atendimento e, portanto, em situações de dias típicos de trabalho. A pesquisadora chegava às
Agências, situava-se em distintos locais da área de atendimento, ora na parte interna dos
guichês de atendimento onde estavam os trabalhadores, ora junto aos usuários que
aguardavam a chamada de sua senha para atendimento, na parte destinada à espera, ora
circulando pelo espaço físico da área de atendimento das unidades, de forma a acompanhar a
dinâmica de seu funcionamento em seus diferentes setores de atendimento, desde a porta de
entrada da Agência, passando pela recepção, o setor de distribuição das senhas, o serviço de
orientação e informação, até os guichês de atendimento para requerimento de benefícios ou
para outras solicitações não atendidas em nenhum dos pontos anteriores.
As observações foram registradas por escrito pela pesquisadora, destacando,
sobretudo, aspectos passíveis de observação tais como o volume e fluxo da demanda de
atendimentos, a seqüência de tarefas executadas pelos trabalhadores na atividade de
atendimento, a interação dos trabalhadores entre si e com o público, bem como o aspecto
logístico dos locais de trabalho (condições físicas e instrumentais) onde atuam os
participantes da pesquisa, a distribuição de tarefas e a dinâmica interna daquele contexto.
Tais observações assistemáticas, assim qualificadas pela pesquisadora,
permitiram uma melhor percepção e compreensão do processo de trabalho onde se insere a
atividade de atendimento ao público nas duas Agências da Previdência Social onde se deu o
trabalho de campo. Por conseguinte, possibilitaram conhecer melhor o funcionamento das
mesmas em um dia típico de trabalho e também o universo de usuários que freqüentam
46
aquelas Unidades e que utilizam os serviços previdenciários. Além disso, permitiram à
pesquisadora entender melhor o conteúdo e a subjetividade da fala dos trabalhadores sujeitos
da pesquisa em suas referências ao trabalho.
Como etapa conclusiva do trabalho de campo, o projeto de pesquisa previu a
restituição dos resultados aos trabalhadores que participaram da investigação, e essa
informação foi passada pela pesquisadora aos trabalhadores quando da apresentação inicial da
proposta de estudo. Após análise e elaboração dos resultados encontrados, a pesquisadora
retornou às duas Agências da Previdência Social onde trabalham os sujeitos e conversou com
cada um deles, cientificando-os da elaboração dos resultados da pesquisa e informando a
disponibilidade, a partir daquele momento, de promover a restituição dos mesmos aos
participantes, coletivamente. Em ambas a Agências, alguns deles referiram dificuldades em
promover uma reunião para isso naquele momento, alegando que estavam em horário de
atendimento e com muitos usuários aguardando serem atendidos. A sugestão vinda dos
próprios trabalhadores foi retornar o contato com a pesquisadora em momento posterior, a fim
de agendar um encontro para a restituição dos resultados, em data e horário mais conveniente
para o grupo de participantes como um todo. Registre-se que até o presente momento esse
contato não foi feito com a pesquisadora, e, portanto, a etapa de validação dos resultados com
os trabalhadores ainda não foi realizada em nenhuma das Agências.
3.3 ASPECTOS ÉTICOS
Discutir os aspectos éticos envolvidos em pesquisa significa,
fundamentalmente, contemplar os conceitos de cientificidade e de eticidade, enquanto
condições iniciais para viabilizar, de modo geral, projetos de pesquisa. A cientificidade de
uma pesquisa relaciona-se à utilização de métodos e técnicas que possibilitam sua análise,
enquanto a eticidade refere-se ao respeito a uma série de deveres ou princípios morais
47
vigentes na cultura e na sociedade onde ela será desenvolvida (PALÁCIOS, REGO e
SCHRAMM, 2002).
No caso de pesquisas envolvendo seres humanos, são consideradas condições
necessárias de eticidade, por exemplo, o respeito à autonomia dos sujeitos que participam da
pesquisa, a análise ponderada das repercussões provocadas pela utilização dos métodos e
técnicas com os sujeitos, a relevância social da pesquisa, no sentido de que os benefícios e
ônus sejam repartidos com equidade, etc. Ressalte-se que a cientificidade de uma pesquisa
não deve ser, sob o ponto de vista ético, o único critério para justificá-la, pois, embora seja
condição necessária, não é igualmente condição suficiente para sua eticidade. Quando se
tratam de pesquisas com seres humanos, a eticidade não se refere exclusivamente aos
benefícios auferidos pela humanidade com o simples avanço do conhecimento científico, pois,
se assim o fosse, diversos estudos que em nome da ciência afrontaram a condição e a
dignidade humanas estaria plenamente justificados.
As normas brasileiras que regulamentam as pesquisas com seres humanos estão
sistematizadas na Resolução MS/CNS nº 196/96 e assumem os quatro princípios da Abordagem
Principialista, quais sejam os princípios da Autonomia, da Beneficência, da Não-Maleficência e
da Justiça, como referencial para a apreciação ética de todo projeto de pesquisa no Brasil. Em se
tratando dos aspectos éticos envolvidos, este estudo seguiu, portanto, os princípios da
Abordagem Principialista em Bioética. Quando de sua elaboração, o projeto de pesquisa
incorporou, portanto, os aspectos éticos recomendados pela Resolução MS/CNS nº 196/96 sobre
pesquisa envolvendo seres humanos, foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa do
IESC/UFRJ, para fins de apreciação, tendo sido devidamente aprovado. Também foi
devidamente cadastrado no Sistema Nacional de Ética em Pesquisa – SISNEP, do Conselho
Nacional de Ética em Pesquisa / Ministério da Saúde, e o trabalho de campo somente teve início
após apreciação e aprovação daquele Comitê, através de Parecer favorável à realização do
48
estudo. Os custos financeiros decorrentes da realização do trabalho de campo foram de
responsabilidade da própria pesquisadora.
No tocante ao princípio da Autonomia, a pesquisa foi conduzida oferecendo aos
sujeitos, desde o momento da apresentação do projeto, todas as informações necessárias à
compreensão e esclarecimento da mesma, de forma a possibilitar o pleno entendimento quanto
aos possíveis benefícios, pessoais e coletivos, bem como os possíveis riscos que poderiam
decorrer de sua participação, a fim de que pudessem decidir, livremente, participar, ou não, do
estudo.
Sob a ótica do princípio da Beneficência, acredita-se que o estudo trouxe
benefícios individuai para os sujeitos e pode trazer benefícios coletivos, sociais, para os
trabalhadores do INSS em geral e também para o público de usuários. Individualmente, o estudo
possibilitou a expressão dos trabalhadores no que diz respeito às suas percepções, sentimentos e
vivências relacionadas ao trabalho na atividade de atendimento ao público no INSS, aos usuários
da previdência social, aos pares e colegas, aos chefes e dirigentes da instituição e à própria
instituição. Essa “fala” trouxe consigo uma reflexão crítica sobre esses aspectos e sobre a
dinâmica da realidade de trabalho em que estão inseridos, além de uma maior compreensão da
relação entre saúde e trabalho na atividade que realizam, particularmente no que diz respeito aos
aspectos negativos que impactam direta e indiretamente na saúde de cada um deles.
Em termos de benefícios coletivos, extensivos aos demais trabalhadores tanto da
atividade de atendimento ao público, como aos trabalhadores de outras atividades e setores do
INSS, o estudo trouxe contribuições significativas para a compreensão da problemática estudada
e se espera que os resultados encontrados sejam devidamente apropriados pelos sujeitos que
participaram do estudo e sucitem mobilização coletiva junto aos demais trabalhadores, com
vistas a encaminhamentos institucionais necessários para minimizar os impactos danosos do
trabalho na saúde de quem o realiza. Assim sendo, espera-se que os benefícios daí advindos
49
contemplem todos os trabalhadores da atividade de atendimento ao público nas Agências da
Previdência Social, de forma que o coletivo de trabalho seja igualmente beneficiado,
caracterizando, portanto, o respeito ao princípio da Justiça (Eqüidade). Os usuários da
previdência social poderão ser beneficiados, indiretamente, com uma melhor adequação dos
processos de trabalho e condições institucionais que permitam aos trabalhadores realizar suas
atividades em circunstâncias saudáveis, com tranqüilidade e segurança.
O princípio da Não-Maleficência foi atendido na medida em que o estudo não
causou danos aos participantes, pois não contemplou atividades que, em tese, trariam
implicações nocivas à dimensão física, psíquica, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual
dos sujeitos. Entende-se que a realização da pesquisa não ofereceu agravos à condição
psicofísica dos sujeitos, nem mesmo daqueles que por ventura tenham histórico de episódios
mórbidos de natureza psíquica decorrentes ou não do trabalho, já que o estudo limitou-se a ouvir
a “fala” dos atores sociais daquela atividade de trabalho, aqui concebida como elemento rico e
essencial à compreensão da problemática estudada. Até a conclusão do trabalho de campo
nenhum dos sujeitos referiu necessitar de apoio, ou assistência psicológica, ou psiquiátrica.
A anuência dos sujeitos para participar de pesquisas no Brasil reveste-se de
elemento fundamental na regulamentação brasileira sobre ética em pesquisa, nos moldes da
abordagem principialista. A Resolução 196/96 do Ministério da Saúde/Conselho Nacional de
Saúde (Resolução MS/CNS nº 196/96) trata da questão do consentimento livre e esclarecido,
em forma de Termo, mediante o qual o sujeito autoriza sua participação voluntária na
pesquisa, ciente da natureza do estudo, de seus objetivos, métodos, benefícios previstos,
potenciais riscos, etc. A regulamentação brasileira exige que o esclarecimento do sujeito seja
formalizado através de documento escrito pelo pesquisador – o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (TCLE) – possibilitando àquele um real e pormenorizado entendimento
do projeto de pesquisa e preconiza que o referido Termo seja assinado pelo pesquisador e pelo
50
sujeito da pesquisa, em duas vias, ficando uma delas com o próprio sujeito. Considera-se que
na condução da pesquisa esse requisito também foi plenamente atendido, conforme descrito
anteriormente.
Além dos aspectos éticos acima abordados, a condução do trabalho de pesquisa
preservou integralmente a identidade dos sujeitos, e o conteúdo das informações constantes no
texto não permite qualquer forma de identificação pessoal. Os trechos de depoimentos que o
leitor encontrará no Capítulo VI - Resultados - também não possibilitam identificação dos
sujeitos, e as iniciais dos nomes constantes em cada depoimento lhes foram atribuídas
aleatoriamente pela pesquisadora e não guardam quaisquer relações com seus verdadeiros
nomes ou condição funcional. Igualmente no tocante às Agências da Previdência Social onde
o trabalho de campo foi realizado, o relato da pesquisa apenas situa que o fora em duas
Agências de grande porte na cidade do Rio de Janeiro.
3.4 LIMITES
Pode-se dizer que a investigação do objeto dentro dos parâmetros do desenho
do estudo previamente definido proporcionou significativo conhecimento da problemática de
prazer e sofrimento psíquico no trabalho de atendimento ao público realizado pelos sujeitos da
pesquisa. A utilização do método qualitativo permitiu aprofundar a compreensão dos
significados das ações e relações humanas que se estabelecem naquele coletivo de trabalho,
bem como a compreensão das percepções e vivências expressas através do conteúdo da fala
dos atores sociais daquele processo de trabalho.
Por se tratar de abordagem qualitativa, a pesquisa respondeu a questões muito
particulares de uma realidade que não pode ser quantificada, nem pode ser percebida através
de números e médias estatísticas. Considerou, sobretudo, a singularidade e a subjetividade dos
sujeitos no universo de seus significados, motivações, crenças, valores e atitudes relacionados
51
ao conteúdo pesquisado, num determinado recorte espaço-temporal contextualizado daqueles
trabalhadores. Dessa forma, não se conjectura atribuir generalizações de qualquer natureza,
mesmo que os participantes da pesquisa sejam representativos da população a que pertencem,
haja vista a semelhança nas situações e contextos de trabalho.
Em se tratando de limitações do estudo, cabe registrar a pouca disponibilidade
de tempo disponível dos sujeitos durante o horário de trabalho para ouvir a apresentação da
proposta do estudo, responder o questionário e participar da entrevista. Durante o período de
atendimento na Agência, os trabalhadores atendem sucessivamente os usuários, pois a
sistemática de distribuição de senhas para o atendimento é contínua, de forma que os
atendentes têm poucas possibilidades de manuseio do tempo para pausas no trabalho. Por essa
mesma razão não foi possível apresentar a proposta da pesquisa a todos dos trabalhadores das
Agências coletivamente e imagina-se que também por isso haja dificuldade para se promover
uma reunião com a pesquisadora para a validação dos resultados encontrados.
Ao longo de todo o trabalho de pesquisa e principalmente na fase de coleta de
dados, emergiram diversas outras questões e demandas correlatas ao tema estudado, sobretudo
algumas que têm interface direta com a situação de trabalho evidenciada e outras que se
apresentaram como relevantes na relação saúde-trabalho daquele coletivo de trabalhadores.
Tendo em vista o escopo do estudo, algumas dessas questões e demandas serão apenas objeto
de registro nos capítulos seguintes, sem a pretensão de abordá-las detalhadamente ou de
esgotar a discussão sobre as mesmas.
52
CAPÍTULO IV
4 A SEGURIDADE SOCIAL BRASILEIRA
Este capítulo traz uma breve abordagem do atual modelo da seguridade social
brasileira enquanto política pública destinada à proteção social dos indivíduos, visando à
cidadania social. O conceito de proteção social é aqui tratado à luz da concepção de autores
como Castel, Fleury, Santos, Boschetti e Vianna, dentre outros e, ao abordar o atual modelo
de proteção social brasileiro, são discutidos certos aspectos do sistema previdenciário e
apresentadas algumas considerações sobre as duas últimas reformas da previdência social
brasileira, em 1998 e 2003.
Inicialmente destacam-se a concepção do Estado de Bem-Estar Social e o
significado do welfare state como alicerces ideológicos do que se consolidou posteriormente
sob a denominação de proteção social, situando a importância do keynesianismo como
organização político-econômica na formulação dessa nova concepção de Estado. Também são
discutidos pressupostos como o da insegurança social, enquanto antítese da proteção social, a
noção de risco social e os conceitos de sociedade salarial e sociedade de semelhantes
formulados por Castel (2005), bem como o significado de cidadania regulada e de cidadania
invertida, tratados, respectivamente, por Santos (1979) e Fleury (2005).
Ao tratar do atual modelo de proteção social brasileiro no contexto deste
trabalho de pesquisa, a seguridade social é vista à luz do dispositivo constitucional vigente
que a concebeu em 1988, que traçou sua finalidade e seus princípios norteadores enquanto
política pública capaz de garantir proteção social aos brasileiros. Nessa perspectiva não há
pretensão de analisá-la detalhadamente, ou compará-la com outros modelos, haja vista a
limitação de escopo no que diz respeito aos objetivos do estudo, mas tão somente situá-la na
atual realidade sócio-político-econômica brasileira e suscitar reflexões a respeito de sua
53
implementação, tal como se apresenta atualmente. Merecem considerações as opiniões de
autores como Fleury e Vianna sobre os rumos e vieses que revestiram a consolidação daquele
modelo de seguridade social idealizado na efervescência reformista do final dos anos 80 no
Brasil e que culminaram com a atual configuração e efetividade da proteção social que se tem
hoje no país.
Em seguida faz-se uma breve exposição sobre o sistema previdenciário
brasileiro, os regimes de previdência que o compõem, suas principais características,
finalidade e, sobretudo, seus critérios de cobertura aos trabalhadores, a fim de melhor situar o
leitor sobre um aspecto de significativa importância nas discussões que permeiam a questão
da proteção social no Brasil: a lógica do seguro até então vigente, que é o cerne da proteção
previdenciária, e seu distanciamento da concepção original da seguridade social, tal qual
formulada e instituída pela Constituição Federal de 1988.
O capítulo encerra-se com algumas considerações sobre as duas últimas
reformas da Previdência Social brasileira, em 1998 e em 2003, ressaltando as principais
alterações introduzidas na Constituição Federal no tocante aos direitos dos trabalhadores
relacionados aos benefícios previdenciários, bem como destacando as repercussões dessas
reformas no âmbito institucional do INSS, principalmente na dinâmica interna do corpo
funcional.
4.1 PROTEÇÃO SOCIAL: UM CAMINHO PARA CIDADANIA
O desenvolvimento do capitalismo industrial, sobretudo depois da II Guerra
Mundial, quando o processo de industrialização em massa trouxe à cena grandes contingentes
da classe trabalhadora urbana, intensificou as relações clássicas e formais de trabalho e
consolidou a economia baseada na produção de bens. Os trabalhadores regidos pela
organização padronizada do trabalho e fortalecidos enquanto classe criaram e se fizeram
54
representar por sindicatos cada vez mais atuantes em suas iniciativas e propostas
reivindicatórias. Foi nesse período que a classe trabalhadora teve uma forte participação em
termos de luta social e desempenhou papel importante como agente de mudança no que diz
respeito ao redimensionamento das relações entre capital e trabalho.
Particularmente em países desenvolvidos da Europa ocidental e, no continente
americano, nos Estados Unidos da América (EUA), as condições sócio-econômicas
propiciadas pelo incremento do processo de industrialização favoreceram a formação dos
Estados de Bem-Estar Social, conhecidos também como welfare state. A literatura sobre o
assunto aponta para certo consenso entre alguns estudiosos, no sentido de que esses Estados
de Bem-Estar Social constituíram-se plenamente no pós-II Guerra Mundial., embora com
diferentes arcabouços institucionais, em razão das distintas realidades nacionais. Assim, pode-
se falar com mais propriedade sobre as experiências de Estado de Bem-Estar somente no
período pós-guerra.
A expressão welfare state pode ser entendida como um conjunto de serviços e
benefícios sociais de alcance universal promovido pelo Estado, com a finalidade de garantir
certa "harmonia" entre o avanço das forças de mercado e uma relativa estabilidade social,
suprindo a sociedade de benefícios sociais. Tais benefícios garantiriam aos indivíduos
segurança para manterem um mínimo de base material e níveis de padrão de vida, capazes de
enfrentar os efeitos deletérios de uma estrutura de produção capitalista desenvolvida e
excludente (GOMES, 2006). Para esse autor, Estado de Bem-Estar Social ou Estado-
Providência surge como proposta institucional conduzida pelo Estado com o objetivo de
implementar e financiar programas e planos de ação destinados a promover os interesses
sociais coletivos dos membros de uma determinada sociedade. Nessa perspectiva, o Estado
assume o papel de regulador ou de mediador, no sentido de equilibrar o desenvolvimento
econômico e o desenvolvimento social, com vistas a manter a coesão social.
55
O arcabouço ideológico do welfare satate agregou as contribuições teóricas do
economista inglês John Maynard Keynes, cujas idéias no campo da economia política
consubstanciaram-se na chamada Teoria Keynesiana ou Keynesianismo, que consiste numa
organização político-econômica oposta às concepções neoliberais, fundamentada na
afirmação do Estado como agente de controle total ou majoritário da economia, com o objtivo
de conduzir a um sistema de pleno emprego. Em outros termos, pode-se definir o
Keynesianismo como o conjunto de idéias que propunham a intervenção estatal na vida
econômica, com o objetivo de conduzir a um regime de pleno emprego. Se, por um lado, o
Keynesianismo sustentava a intervenção do Estado nas economias através dos gastos públicos,
ou seja, através do custeio e dos investimentos, a fim de assegurar a demanda efetiva e, assim,
o nível de emprego, por outro, o Estado do Bem-Estar Social conferia as condições
institucionais para a garantia de sobrevivência dos indivíduos pela regulação do nível básico
de salário/renda, seguridade social e assistência à saúde (PELIANO, 1998).
Imbuído da função de conduzir o desenvolvimento econômico atrelado ao
equilíbrio e ao desenvolvimento social, o Estado de Bem-Estar Social atuou de forma a
promover a maior oferta de emprego, viabilizar o consumo, ou possibilitar um aparato estatal
de suporte às demandas e necessidades dos indivíduos, possibilitando as condições para a
formação das redes de proteção social capazes de minimizar as tensões sociais, através de
políticas sociais abrangentes e coletivas que se converteram em mecanismos de proteção às
populações.
Introduzindo a discussão sobre proteção social, Castel distingue,
genericamente, dois tipos de proteção: a proteção civil, como sendo aquela que garantiria as
liberdades fundamentais e defenderia a segurança dos bens e das pessoas num Estado de
direito; e a proteção social, que protegeria os indivíduos contra os principais riscos de lhes
acarretar degradação social, quer seja por doença, acidente, velhice sem recursos, ou outras
56
situações imprevisíveis da vida, que podem culminar na sua decadência social (CASTEL,
2005, p. 7). Assim, a proteção social, também chamada Seguridade Social, na França,
caracteriza-se, essencialmente, por mecanismos institucionais na esfera do Estado, capazes de
proteger os indivíduos de uma sociedade quando os mesmos estão expostos aos riscos de
degradação social. Para o autor, ser protegido do ponto de vista social numa sociedade de
indivíduos significa “que esses indivíduos disponham, de direito, das condições sociais
mínimas de sua independência”, daí, porque, a idéia de proteção social aproxima-se da noção
de cidadania social e, por extensão, assemelha-se à formulação sociológica do que se chama,
em termos políticos, uma democracia (CASTEL, 2005, p. 92 e 93).
A antítese da noção de proteção social é, por assim dizer, a idéia de
insegurança social, expressa pela consciência dos indivíduos de estarem “descobertos” e à
mercê das eventualidades da vida que comprometem seu estatuto social. Daí advém aquilo a
que Castel denomina “risco social”, como sendo “qualquer evento que compromete a
capacidade dos indivíduos de assegurarem, por si mesmos, sua dependência social”
(CASTEL, 2005, p.27). De acordo com o autor, a insegurança social não alimenta só a
pobreza, mas age como um princípio de desmoralização e dissociação social, dissolve os laços
sociais e mina as estruturas psíquicas dos indivíduos. Estar em insegurança permanente
significa não poder controlar o presente, nem prever o futuro de forma positiva – é a chamada
“imprevidência” das classes populares (CASTEL, 2005, p. 31).
. Os mecanismos de proteção de uma sociedade podem ser construídos a partir
de referenciais distintos, como por exemplo, a partir do trabalho, ou de outra sorte, da
perspectiva do direito social propriamente dito. Nesse sentido, Castel propõe os conceitos de
“sociedade salarial” e de “sociedade de semelhantes”, considerando-se a primeira aquela em
que os mecanismos de proteção estão condicionados à vinculação dos indivíduos ao trabalho,
ou seja, é através do trabalho, da condição salarial e em decorrência dele, que o indivíduo
57
adquire as garantias da proteção. Em suas palavras, “uma sociedade salarial não é apenas
uma sociedade na qual a maioria da população ativa é assalariada, mas, sobretudo, uma
sociedade na qual a maioria da população tem acesso à cidadania social, primordialmente, a
partir da consolidação do estatuto do trabalho” (CASTEL, 2005, p.33). Essa concepção
guarda estreita correlação com o conceito de cidadania regulada, proposto por Santos, em
cuja essência a garantia dos direitos sociais está condicionada à inserção dos indivíduos na
estrutura produtiva e, por assim dizer, à sua vinculação ao trabalho e ao status salarial. Para o
autor, essa conceituação está fundamentada na idéia de que ser “cidadão não significa
simplesmente ser membro de uma comunidade e estar envolvido por um código de valores
políticos, mas, antes, fazer parte de um estrato ocupacional reconhecido legalmente que lhe
credencia direitos de acordo com o lugar que ocupa na estrutura produtiva, ou seja, nesses
moldes, a cidadania está embutida na profissão ou na ocupação reconhecidas por norma
legal, e os direitos do cidadão são decorrentes dos direitos associados a elas” (SANTOS
1979, p. 68 e 69).
Em contraposição, uma “sociedade de semelhantes” é aquela que aponta para a
função do Estado enquanto redutor dos riscos sociais e, nessa perspectiva, é uma sociedade
que embora diferenciada e hierarquizada, todos os seus membros podem estabelecer relações
de interdependência, porque compartilham direitos e recursos comuns a todos os indivíduos
(CASTEL, 2005, p. 36). Para esse autor, “sociedade de semelhantes” é um tipo de formação
social na qual ninguém é excluído, porque cada indivíduo dos recursos e dos direitos
necessários para manter relações de interdependência, e não só de dependência, com todos os
outros indivíduos (CASTEL, 2005, p. 92). Essa concepção traz consigo a evidência da noção
de cidadania social.
Depreende-se, portanto, que a chamada sociedade salarial, com seu viés
protetor excludente, referenda a desigualdade entre os indivíduos, diferenciando-os entre
58
protegidos e não protegidos. Castel chama a atenção para o fato de que a proteção social não
se resume à concessão de benefícios aos mais necessitados, a fim de poupá-los de uma
completa decadência. Essa noção limitada de proteção social, voltada exclusivamente para os
mais necessitados, aproxima-se do que Fleury denomina relação de cidadania invertida, na
qual o indivíduo passa a ter acesso a certos bens e serviços e, portanto, passa a ser alvo de
proteção social somente em casos de comprovada condição social desfavorável, a condição de
“despossuído”, ou seja, “ele tem que provar que fracassou no mercado produtivo para ser
protegido socialmente” (FLEURY, 2005, p. 451). Para a autora, essa relação de cidadania
invertida não configura uma relação de direito social, ou, nas palavras, de Castel, de cidadania
social, pois se fundamenta em medidas compensatórias, pontuais e descontínuas, muitas vezes
estigmatizantes.
Em suma, a proteção social de caráter includente, nos moldes de um Estado
nacional-social defendida por Castel é para todos os indivíduos a condição básica de
“pertencimento” a uma sociedade de semelhantes, configurando, assim, uma relação de
direito social, visto que ser protegido socialmente, na visão do autor, significa ter direito às
condições sociais mínimas de independência (CASTEL, 2005, p. 81, 92). Ele conclui que a
segurança, seja ela civil ou social, deveria se constituir em direito social, na medida em que
sua antítese, a insegurança, infringe o pacto social e dificulta as relações de reciprocidade e de
acolhimento entre os semelhantes de uma sociedade. Na perspectiva do autor, a extensão da
proteção social decorre de um processo histórico que opera em sintonia com o
desenvolvimento do Estado e as exigências da democracia.
4.2 MODELO BRASILEIRO DE PROTEÇÃO SOCIAL
O atual sistema de proteção social brasileiro instituído pela Constituição
Federal (CF) de 1988 introduziu o modelo de seguridade social, buscando a universalização
59
da cidadania, através da ampliação da cobertura e da articulação entre as estruturas
governamentais envolvidas. Esse novo modelo inclui a previdência, a saúde e a assistência
social, na forma de direitos sociais universais como parte da condição da cidadania
(FLEURY, 2005, p. 453). No capítulo “Da ordem social”, o texto constitucional exprime o
modelo de seguridade social brasileiro, definindo-o como “um conjunto integrado de ações de
iniciativa dos poderes públicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos á
saúde, à previdência e à assistência social” (CF/1988, Título VIII, capítulo II, seção I, art.
194). Essa nova concepção pretendeu estabelecer um sistema de proteção social mais amplo e
inclusivo, baseada no entendimento de que o formato de “seguro” até então vigente
reproduzia as desigualdades entre os trabalhadores no tocante às oportunidades e aos salários,
além de não contemplar aqueles que estavam fora do mercado de trabalho.
O atual modelo da seguridade social brasileira instituído constitucionalmente
representou um avanço do formato anterior e trouxe a premissa de ampliar a proteção social,
do seguro para a seguridade, rompendo com a restrição de cobertura atrelada à inserção no
mercado de trabalho e à participação na estrutura produtiva. Dessa forma, a proteção social
estaria mais próxima de contribuir para a construção de uma “sociedade de semelhantes”, em
que todos os indivíduos compartilham direitos e recursos comuns, tal como formulado por
Castel (2005, p. 36). O novo texto constitucional aproximou o conceito de seguridade da
definição adotada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), segundo a qual
“seguridade é um sistema de cobertura de contingências sociais destinado a todos que se
encontram em necessidade, não restringe benefícios nem a contribuintes nem a trabalhadores
e incorpora a noção de risco social, associando-o não apenas à perda ou redução da
capacidade de trabalhar, mas também a situações em que a insuficiência de renda fragiliza a
vida do cidadão” (VIANNA, 2003, p. 318).
60
Dentre os princípios organizadores da seguridade social brasileira relacionados
por Fleury, destacam-se aqueles que expressam mais substancialmente o núcleo de cada uma
das áreas da nova seguridade, a saber: a universalidade da cobertura e do atendimento, como
eixo do novo sistema de saúde; a irredutibilidade e equivalência dos benefícios (urbanos e
rurais), na área da previdência social; a seletividade e distributividade, como princípio
orientador da política de assistência social; e a eqüidade na forma de participação do custeio
do sistema - recursos provenientes dos orçamentos dos três níveis de governo (federal,
estadual e municipal) e das contribuições sociais (FLEURY, 2005, p. 453). O novo modelo
previu, também, uma renda mínima de sobrevivência destinada a idosos e deficientes
incapazes de trabalhar, que seria de caráter não contributivo e em forma de benefício de
prestação continuada, ou seja, prescindiria de contribuições pretéritas e seria paga
mensalmente aos beneficiários.
Em sua a análise sobre a implementação da seguridade social brasileira nos
moldes constitucionais, Fleury esclarece que não obstante a criação do modelo de seguridade
social estabelecido na Constituição, sua efetiva concretização não se deu plenamente,
sobretudo no tocante ao financiamento do sistema através do Orçamento da Seguridade
Social, que nunca foi implementado, e às leis orgânicas de cada setor (saúde, previdência e
assistência), que não foram definidas concomitantemente com o momento político reformista
da Constituição de 1988, mas só posteriormente, quando o Brasil já vivia uma orientação
política centralizadora e neoliberal, desviando-se, assim, dos princípios e das diretrizes
centrais que conceberam o novo padrão de seguridade (FLEURY, 2005, p. 456). Além disso,
questões relacionadas à sustentabilidade e generosidade do sistema previdenciário, à
manutenção de alguns privilégios para certos segmentos, à grave crise econômica que
atravessou o Brasil nos anos 90, associadas às recomendações das agências internacionais
para a retirada do Estado da provisão dos serviços, por exemplo, sob a égide de um discurso
61
reformista neoliberal comprometeram consideravelmente os avanços políticos e sociais
necessários à plena implementação da nova seguridade social instituída constitucionalmente e
fomentaram novos debates para reformular tal modelo. Ainda segundo a autora, a seguridade
social, enquanto princípio orientador da proteção social brasileira consagrada na Constituição
de 1988 não foi concluída, nem organizacional, nem financeiramente, nem mesmo em relação
ao padrão de benefícios e à cobertura, entretanto, continua na pauta dos movimentos e das
lutas sociais, buscando sua concretização na defesa dos direitos sociais universais (FLEURY,
2005 p. 458).
Vianna corrobora o entendimento de Fleury, afirmando que a seguridade social
brasileira descaracterizou-se tanto do ponto de vista administrativo, quanto do ponto de vista
do financiamento, devido, fundamentalmente, à setorialização administrativa, ou seja, à
separação das três áreas (saúde, previdência e assistência) e à discriminação das receitas
(VIANNA, 2003, p. 319). No que diz respeito ao arranjo administrativo-organizacional,
atualmente são três Ministérios envolvidos na operacionalização da seguridade social, cada
um deles com sua respectiva atribuição concernente a cada uma das áreas, cabendo ao
Ministério da Saúde (MS) a responsabilidade pelos serviços e pela política de saúde, ao
Ministério da Previdência Social (MPS) a responsabilidade pela receita de parte das
contribuições previdenciárias (de empregadores e trabalhadores), pelo pagamento dos
benefícios e pela prestação dos serviços previdenciários, e, finalmente, ao Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), antigo Ministério da Promoção e
Assistência Social, a responsabilidade pela área de assistência social.
As opiniões dos autores acima referenciados quanto à não concretização plena
da seguridade social brasileira nos moldes em que foi constitucionalmente definida é
perfeitamente procedente e factual, quando se observa, por exemplo, a falta de articulação
entre as áreas de saúde, previdência e assistência social, a inexistência de orçamento próprio e
62
único - o orçamento da seguridade social - e a discutível ampliação de cobertura a que se tem
assistido atualmente, justificada pelo chamado “peso” do sistema previdenciário.
4.3 SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO E PROTEÇÃO SOCIAL
A idealização de um sistema de proteção previdenciária pressupõe considerar o
recorte histórico-temporal de uma sociedade e os respectivos aspectos demográficos, a
estrutura econômica e social, as correlações políticas em ação, as relações sociais
estabelecidas entre seus indivíduos e as características culturais, enfim, uma diversidade de
aspectos que permitam preservar a especificidade e a legitimidade da sociedade a que ele se
destina, bem como os objetivos concretos que se pretende alcançar. Assim, embora possa
haver semelhanças entre os sistemas previdenciários de diferentes países, e as experiências de
um e de outro possam servir de referências para adaptações locais, é desejável que tais
sistemas previdenciários sejam específicos para cada realidade nacional, a fim de concretizar
a proteção social a que se destinam de forma condizente com suas peculiaridades
demográficas, econômicas, sociais e culturais.
Sob a ótica das políticas públicas, o sistema previdenciário brasileiro funciona
como um dos instrumentos de proteção social dentro do modelo de seguridade social
instituído no país e se constitui no maior e mais significativo programa de distribuição de
renda do Brasil. Tem como objetivo proteger socialmente os cidadãos em circunstâncias que
o impeçam de prover sua sobrevivência e a de seus dependentes com seus próprios recursos,
como, por exemplo, nas eventualidades de doença, invalidez, idade avançada e morte, além de
oferecer proteção também à maternidade, através de suporte financeiro à gestante. O atual
sistema previdenciário visa, em essência, a proteger os cidadãos brasileiros em circunstâncias
imprevisíveis da vida, através de chamada “cobertura previdenciária”, que se materializa em
forma de concessão de benefícios e prestação de serviços previdenciários, destinados,
63
restritivamente, aos beneficiários do sistema, também denominados de “segurados”, sejam
eles contribuintes ou dependentes destes.
Em seu formato atual, o sistema previdenciário brasileiro vigente congrega três
diferentes regimes previdenciários, cada um deles com suas especificidades quanto à forma de
filiação, abrangência, cobertura e modalidades de repartição, a saber:
• Regime Geral de Previdência Social (RGPS), de natureza pública e abrangência
nacional, baseado na modalidade de repartição simples e destinado aos trabalhadores
do setor privado, sejam eles trabalhadores urbanos ou rurais;
• Regimes Próprios de Previdência, também de natureza pública, filiação obrigatória e
também baseados na modalidade de repartição simples, porém destinados
exclusivamente aos servidores públicos federais, estaduais ou municipais. Dentre os
regimes próprios de previdência, destaca-se o Regime Jurídico Único (RJU), destinado
aos servidores públicos civis da União;
• Regimes de Previdência Complementar, estes de natureza privada, filiação facultativa,
baseados na modalidade de capitalização e administrados por fundos de pensão,
abertos ou fechados. Dentre os regimes de previdência complementar, exemplificam-
se aqueles facultados aos trabalhadores de empresas como Petrobras, Banco do Brasil,
Caixa Econômica Federal e outras (DONADON, 2007, p. 156).
É importante esclarecer que esses três regimes de previdência são autônomos,
estanques entre si, têm orçamentos separados e cada um deles tem legislação específica. Os
servidores do INSS que trabalham nas Agências da Previdência Social, por exemplo, são
filiados ao regime próprio de previdência dos servidores públicos federais, ou seja, ao Regime
Jurídico Único (RJU), enquanto os demais trabalhadores atendidos por aqueles servidores nas
referidas Agências são filiados ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que é
administrado pelo INSS e cuja principal fonte de financiamento são as contribuições das
64
empresas e dos próprios trabalhadores, sejam eles empregados ou contribuintes autônomos,
individuais.
Dentre os benefícios e serviços previdenciários oferecidos pelo RGPS aos seus
filiados e aos dependentes destes destacam-se os benefícios de aposentadoria, auxílio-doença,
salário-família, salário-maternidade e auxílio-acidente destinados aos segurados, diretamente.
Além desses, os benefícios de pensão por morte e de auxílio-reclusão destinados aos
dependentes dos segurados, e o serviço de reabilitação profissional destinado tanto aos
segurados como aos seus dependentes.
Conforme se pode depreender dessa breve exposição sobre o sistema
previdenciário brasileiro, tanto no que se refere ao RGPS, quanto aos regimes próprios de
previdência, a cobertura do sistema é essencialmente restritiva àqueles que são contribuintes
e, portanto, considerados filiados ou segurados. Particularmente quanto ao RGPS, ao qual
estão vinculados todos os trabalhadores do setor privado, a filiação ao regime pode se dar
através de duas circunstâncias: mediante a condição de vinculo com o mercado de trabalho
através do exercício de atividade remunerada, em que a filiação é obrigatória, ou na condição
de contribuinte facultativo do RGPS, condição esta em que qualquer pessoa maior de 16 anos,
mesmo que não exerça atividade remunerada pode contribuir para o regime previdenciário.
Dentre os contribuintes facultativos exemplificam-se as donas de casa e os estudantes maiores
de 16 anos que não exercem atividade remunerada. Percebe-se, então, que a cobertura
previdenciária brasileira é baseada no modelo de seguro (daí por que a denominação
“segurado”), conforme assinala Fleury, ressaltando que “a proteção social dos grupos
ocupacionais está condicionada a um contrato de trabalho, ao pagamento de contribuições
pretéritas e à filiação dos indivíduos ao sistema” (FLEURY, 2005, p. 251).
Em sua análise sobre a Reforma da Previdência Social, Soares destaca essa
questão da restrição da cobertura, para apontar a necessidade de se resgatar o conceito original
65
de seguridade social, enfatizando que “é preciso superar o Princípio da Equivalência – só
recebe quem contribuiu– pelo Princípio da Necessidade e do Direito” (SOARES, 2003,
p. 133). Segundo a autora, todos os cidadãos brasileiros já pagam pela Previdência Social na
medida em que os custos das contribuições sociais são repassados aos preços finais dos
produtos pelas empresas. Retomar a perspectiva da seguridade social, tal qual instituída pela
Constituição de 1988 significa garantir proteção social e cidadania àqueles que não têm
possibilidade de se vincular ao mercado de trabalho.
Ainda sobre essa questão, Loyola trata dos “equívocos conceituais” em torno
das discussões sobre a Previdência Social brasileira, reportando-se ao conceito de “eqüidade”,
nos seguros privados e na Previdência Social. Segundo o autor, “o objetivo primário de um
regime de Previdência Social é fazer com que os membros da sociedade sejam atendidos nos
momentos de necessidade, garantindo uma renda, independente das contribuições aportadas”
(LOYOLA, 2003, p. 197 e 198). Para ele, o maior equívoco dessas discussões reside na
tentativa de se aplicar pura e simplesmente os requisitos dos regimes de seguros privados ao
regime de seguridade social brasileira.
Embora a Previdência Social brasileira seja o maior sistema de seguro social da
América Latina, possua a maior cobertura, tanto urbana quanto rural e represente poderosa
política social para amplos e desfavorecidos setores no Brasil, (SOARES, 2003, p. 122),
merecem registro dois estudos que quantificaram a população brasileira em termos de
cobertura previdenciária, cujos resultados sugerem algumas reflexões. Boschetti referencia
estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE)
realizado em 2002, segundo o qual metade da população ocupada (em torno de 51 milhões de
pessoas) não está segurada pela Previdência Social. Além disso, os resultados do estudo
apontam que 79% dos trabalhadores não segurados recebem menos de dois salários mínimos
mensais e 79% dos trabalhadores que possuem carteira assinada recebem abaixo de cinco
66
salários mínimos mensais (BOSCHETTI, 2003, p. 29-30). Esses dados evidenciam de forma
inequívoca o expressivo contingente de trabalhadores excluídos de proteção previdenciária.
Considerando a mesma problemática da restritiva cobertura previdenciária,
Donadon referencia estudo realizado pela Secretaria de Previdência Social do Ministério da
Previdência Social, com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar
(PNAD) em 2003, sobre a abrangência da proteção previdenciária à população brasileira.
Segundo ele, o estudo considerou somente a população ocupada situada na faixa etária entre
16 e 59 anos de idade, totalizando aproximadamente 71,6 milhões de pessoas. Em termos
percentuais, os resultados mostraram que aproximadamente 37% desse contingente não
contribuíam para o sistema previdenciário e, portanto, estavam desprotegidos, visto não serem
contribuintes, nem beneficiários de nenhum dos regimes de previdência. Nesse percentual
estão incluídos os trabalhadores com baixa remuneração que não conseguem se filiar ao
sistema previdenciário pela dificuldade financeira de pagar mensalmente suas contribuições
(DONADON, 2005, p. 159).
Os resultados desses estudos permitem problematizar a questão da proteção
previdenciária brasileira e da proteção social propriamente dita sob vários aspectos,
entretanto, pelo menos duas vertentes merecem ser consideradas: a primeira, no tocante ao
aporte de contribuintes ao sistema previdenciário, e a segunda, no que diz respeito à
concepção original da seguridade social brasileira, tal qual formulada e instituída pela
Constituição de 1988.
Quanto ao primeiro aspecto, se a receita do sistema previdenciário brasileiro
está condicionada à contribuição dos trabalhadores, das empresas e dos contribuintes
facultativos, tanto em termos de quantidade, quanto em termos de valor financeiro, é factível
que em períodos de recessão econômica, de desemprego, ou de subemprego haja diminuição
de receita e, por conseguinte, é esperado o aumento de uma demanda assistencial. Ao longo
67
dos últimos vinte anos e, sobretudo na década de 90, o Brasil sofreu as nefastas conseqüências
do processo de globalização da economia, com sérias implicações sobre o mercado e as
relações de trabalho, impactando diretamente os trabalhadores através de redução dos postos
de trabalho, seja por demissões em massa, ou pela introdução de novas tecnologias que
prescindiam de trabalho humano em grande escala, ou pela flexibilização dos contratos de
trabalho, informalidade, terceirização, trabalho domiciliar, exercício de atividades através de
cooperativas, etc., enfim, reduzindo de forma significativa as relações formais de trabalho.
Portanto, sob a lógica da “receita via contribuição”, foi compreensível a
redução de aporte financeiro ao sistema previdenciário e, não por acaso, convergiram esforços
governamentais, empresariais e de certos segmentos da sociedade para aprovar as Reformas
Previdenciárias de 1998 e 2003, consubstanciadas nas Emendas Constitucionais nºs 20/98 e
41/03, ambas justificadas majoritariamente pelo déficit fiscal da previdência e pelo aspecto
demográfico de aumento da expectativa de vida da população brasileira. Ora, se houve
redução de receita decorrente da diminuição do número de contribuintes ao sistema é porque
houve, simultaneamente, redução do número de trabalhadores formais, que, sem vínculos
empregatícios e sem perspectivas, em curto prazo, de re-inserção no mercado de trabalho,
passaram a compor uma robusta demanda assistencial, buscando garantir sua sobrevivência e
a de seus dependentes. Exatamente sob esse aspecto, situa-se a discussão sobre as lacunas da
seguridade social brasileira, ainda não implementada completamente, conforme assinalado
por Fleury (2005) e já referenciado anteriormente.
O segundo aspecto diz respeito ao distanciamento da proteção previdenciária
em relação à concepção original da seguridade social expressa constitucionalmente, aqui
entendida como um conjunto de políticas públicas de saúde, previdência e assistência social.
Ao idealizar um sistema de seguridade social, a intenção foi criar um sistema de proteção
social amplo, capaz de reduzir as históricas assimetrias sociais e econômicas da população
68
brasileira, entretanto, as subseqüentes e esperadas ações integradoras das áreas de saúde,
previdência e assistência social ainda não se concretizaram, e a seguridade social tem sido
restringida à dimensão previdenciária baseada no modelo de seguro, desviando-se, assim, de
sua originalidade. Para Boschetti, “seguridade social é mais que previdência”, embora, no
Brasil, quando se fala em seguridade social tende-se a considerar a questão previdenciária
como preponderante e quase sempre como único elemento da proteção social. Situar a
Previdência no âmbito da seguridade social significa reconhecer que ela é uma política social
integrante de um sistema de proteção social (BOSCHETTI, 2003, p. 27-28). Tratar a
Previdência como política isolada e específica reforça o modelo baseado na lógica do
“seguro” e ratifica o caráter excludente da atual cobertura previdenciária brasileira, que acaba
gerando uma demanda de indivíduos “não protegidos”, dos quais se espera que, pelo menos,
encontrem proteção social nas duas outras áreas da seguridade, através das políticas
assistenciais e de saúde.
4.4 REFORMAS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL: 1998 E 2003 - BREVES CONSIDERAÇÕES
A partir dos anos 90, a Previdência Social brasileira passou a ser um dos temas
centrais da pauta de discussão do governo brasileiro, com vistas a proceder a alterações em
alguns dispositivos constitucionais a ela concernentes. Duas propostas de reforma foram
aprovadas pelo Congresso Nacional, sendo uma em 1998, através da Emenda Constitucional
(EC) nº 20/98, durante o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, e a outra durante
o primeiro ano do governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, em 2003, através da
Emenda Constitucional (EC) nº 41/2003. A seguir, são apresentadas algumas breves
considerações sobre cada uma delas, enfatizando os aspectos que se julgam mais
significativos das discussões que as envolveram e que representaram maiores impactos sobre
69
os direitos até então conquistados pelos trabalhadores, com repercussões no âmbito da
sociedade em geral.
Compartilhando da opinião de autores como Soares, pode-se afirmar que a
Previdência Social foi seriamente atingida em suas prerrogativas constitucionais pela proposta
da reforma previdenciária através da EC nº 20/98, que foi conduzida sem qualquer debate
com a sociedade brasileira e com os setores envolvidos, visto que todas as questões
problemáticas contidas na proposta não encontraram canais de expressão, nem foros de
debates políticos eficazes (SOARES, 2003, p. 123). Por sua vez, em que pese os pontos
polêmicos que foram aprovados, a proposta de reforma trazida pela EC nº 41/2003 permitiu
um mínimo diálogo com diversos segmentos de trabalhadores e setores da sociedade, teve
maior visibilidade em termos do que estava sendo proposto, foi alvo de análises e
pronunciamentos por parte de entidades representativas dos trabalhadores, de profissionais de
diversas áreas, de representantes de partidos políticos e do próprio governo.
Cada uma dessas propostas de reforma, distintamente, privilegiou alterar
dispositivos constitucionais relacionados (a) aos direitos dos trabalhadores do setor privado (a
proposta de 1998), regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e filiados ao
Regime Geral de Previdência Social (RGPS), e (b) aos direitos dos servidores públicos (a
proposta de 2003), estes na condição de estatutários e regidos pelo Regime Jurídico Único
(RJU). Em síntese, as Emendas Constitucionais nºs 20/98 e 41/2003, que consolidaram as
propostas das duas últimas reformas da Previdência Social brasileira, introduziram algumas
significativas alterações nos dispositivos constitucionais que regem os direitos conquistados
historicamente pelos trabalhadores quanto aos benefícios previdenciários, de certa forma
restringindo ou postergando o acesso aos mesmos.
Dentre as conseqüências dessas Reformas relacionadas por Boschetti (2003,
p. 33-34), destacam-se: (a) a necessidade de comprovação de tempo de contribuição (e não
70
mais de tempo de serviço), para fazer jus aos benefícios previdenciários, dificultando,
sobretudo, o acesso por parte dos trabalhadores que não tiveram carteira assinada ao longo de
sua vida produtiva; (b) a exigência do critério de idade mínima (48 anos para as mulheres e 53
anos para os homens), para fins de aposentadoria proporcional ou integral;
(c) estabelecimento de teto nominal para os benefícios e a respectiva desvinculação do salário
mínimo, rompendo assim com o Princípio Constitucional da Irredutibilidade do Valor dos
Benefícios, e (d) a inclusão do chamado “fator previdenciário” no cálculo do valor da
aposentadoria, que, em suma, significa redução do valor deste benefício, caso o trabalhador
decida se aposentar mais cedo, mesmo já tendo completado a exigência do tempo de
contribuição (30 anos para as mulheres e 35 para os homens, no caso da aposentadoria
integral).
Sem o intuito de minimizar as conseqüências das alterações advindas com a
aprovação das reformas, considera-se pertinente uma breve apreciação sobre o chamado
“fator previdenciário”. Por essa nova disposição o trabalhador ficará mais tempo em
atividade, se quiser ter o valor de sua aposentadoria mais próximo do que lhe é devido em
função de suas contribuições ao sistema previdenciário, mesmo que já tenha trabalhado o
tempo necessário para tal. O significado prático dessa nova situação é que quanto mais velho
o trabalhador (porque terá trabalhado por mais tempo), maior é o valor do seu benefício,
embora, em princípio, possa usufruir dele por menos tempo em função do avanço da idade e
das implicações daí decorrentes. Em contraposição, quanto mais novo o trabalhador se
aposentar, menor será o valor do benefício que receberá, embora, possa usufruir do benefício
por mais tempo, espera-se! Dessa forma, pode-se perfeitamente depreender que a longevidade
do trabalhador representa pra ele uma “punição” no que diz respeito ao seu direito de usufruir
de uma melhor aposentadoria previdenciária, o que se caracteriza como, no mínimo,
injustificável. Esse talvez seja um dos melhores exemplos da questão comentada
71
anteriormente, quando da referência à postergação do acesso aos benefícios previdenciários,
sobretudo os de aposentadoria, em função das alterações introduzidas pelas reformas.
No tocante aos servidores públicos, as duas Reformas, em conjunto, também
implicaram algumas alterações nos direitos aos benefícios, sobretudo os benefícios de
aposentadoria, o que também representaram redução de direitos dos servidores e trouxeram
implicações para a dinâmica institucional nos órgãos do serviço público, principalmente no
que diz respeito aos trabalhadores que permaneceram em atividade.
Dentre as principais alterações cabe ressaltar (a) fixação do critério de idade
mínima para aposentadoria voluntária por tempo de contribuição (55 anos para as mulheres e
60 anos para os homens), entretanto, estabelecendo a chamada “regra de transição” no tocante
à idade (48 anos para as mulheres e 53 anos para os homens) para aqueles servidores que na
data da promulgação da EC nº 20/98 já haviam completado o tempo de contribuição exigido,
ou seja, já estavam aptos para a aposentadoria; (b) exigência do aumento de 40% do tempo de
contribuição para o direito à aposentadoria proporcional e de 20% para a aposentadoria
integral, para aqueles servidores que haviam ingressado no serviço público anteriormente
àquela Emenda, entretanto, ainda não haviam completado o tempo de contribuição ora
exigido; (c) comprovação de dez anos de efetivo serviço público e de cinco anos no cargo
efetivo em que se dará a aposentadoria (na EC nº 41/2003, esse tempo de comprovação foi
ampliado para vinte anos de efetivo serviço público e dez anos no efetivo cargo em que se
dará a aposentadoria); (d) instituição da aposentadoria compulsória aos 70 anos de idade;
(e) fim da integralidade dos proventos de aposentadoria, e (f) limitação do valor do benefício
de Pensão por Morte. Além disso, abriu-se caminho para a implantação do regime de
Previdência Complementar para os novos servidores públicos, sejam eles do âmbito federal,
estadual, ou municipal.
72
Essas alterações contidas nas duas Emendas Constitucionais aqui tratadas e
direcionadas tanto aos trabalhadores do setor privado, como aos servidores públicos
significaram, em síntese, que os trabalhadores terão que trabalhar mais, contribuir mais e
receber menos, fortalecendo ainda mais a relação entre contribuições e benefícios, pela nova
regra de cálculo, contrariando, portanto, a perspectiva da seguridade social universal.
Como o objeto de estudo desta investigação teve como interlocutores os
servidores públicos do INSS, é importante destacar que as alterações introduzidas pela
EC nº 20/98 e pela EC nº 41/2003 não foram bem recebidas pelos trabalhadores da instituição
e fomentaram sentimentos de insatisfação entre eles, para quem o conjunto daquelas medidas
representaria, de fato, a postergação do acesso à aposentadoria. Para situar melhor o leitor,
tome-se o caso da aposentadoria por tempo de contribuição, a título de exemplo: os servidores
que começaram a trabalhar muito jovens já contavam tempo de serviço suficiente para
requerer a aposentadoria na data da promulgação das Emendas Constitucionais, entretanto,
foram impedidos de fazê-lo, porque não atendiam à exigência da idade mínima ora
estabelecida. Da mesma forma, aqueles que já atendiam ao critério da idade e também do
tempo de contribuição, mas não atendiam à exigência de dez ou vinte anos no serviço público
e/ou de cinco ou dez anos no cargo em que se daria a aposentadoria, não puderam requerer o
benefício de aposentadoria à época e se sentiram “obrigados” a trabalhar por mais algum
tempo, até atender a todas as exigências constitucionais introduzidas e garantir a integralidade
de suas condições para a aposentadoria. Esses impasses foram motivos de insatisfação e
descontentamento por parte de alguns servidores, que precisaram continuar trabalhando por
mais algum tempo, quando na verdade desejavam requerer a aposentadoria, pois já haviam
completado 30 ou 35 anos de serviço necessários para tal.
Acrescente-se a isso o fato de boa parte dos servidores do INSS na época da
promulgação EC 20/98, particularmente, já serem considerados elegíveis à aposentadoria,
73
pois atendiam a todas as exigências para requerê-la, mas pretendiam continuar em atividade,
visto que seus direitos estariam constitucionalmente preservados. No entanto, mostraram-se
receosos diante das alterações instituídas, temerosos quanto à real preservação dos seus
direitos já conquistados e optaram por requerer a aposentadoria. Essa situação causou uma
significativa evasão de servidores em atividade no INSS e, consequentemente, uma redução
do quadro funcional. Embora o comentário se refira ao INSS, é de amplo conhecimento que
situações semelhantes ocorreram no âmbito de todo o serviço público federal, na
efervescência daquele momento, final dos anos 90, principalmente na área de educação e de
saúde, cujos Ministérios respondem pelo maior contingente de servidores públicos federais,
juntamente com o Ministério da Previdência Social.
Os trabalhadores aposentados passaram a ser rapidamente substituídos por
prestadores de serviço terceirizados e pouco qualificados para as atividades da instituição,
através de contratos firmados com empresas de questionável experiência em alocação de
recursos humanos, utilizando, via de regra, critérios outros, que não o da qualificação
profissional para “suprir” a necessidade de pessoal do INSS. É importante registrar que esses
trabalhadores terceirizados não realizavam certas atividades institucionais que são restritas
aos servidores públicos do INSS e, dessa forma, muitas atividades de trabalho continuavam
sendo realizadas exclusivamente pelos funcionários do INSS, sobrecarregando-os, já que
muitos dos colegas haviam se aposentado. É digno de nota o fato de que muitos terceirizados
percebiam salário mensal de valor superior ao salário de alguns funcionários do Instituto,
embora não tivessem vínculo empregatício diretamente com o governo federal e, portanto,
não tivessem certos direitos e garantias que o serviço público oferece.
A partir de 2003, o governo federal evidenciou o processo de recomposição da
força de trabalho no INSS e também serviço público em geral, através de concursos públicos
que vêm sendo periodicamente realizados. Com isso, aqueles trabalhadores terceirizados
74
foram substituídos por novos funcionários públicos, reforçando, assim, o quadro funcional de
servidores efetivos para atender a demanda de trabalho na instituição, embora o quantitativo
de servidores do quadro funcional do INSS ainda não pareça satisfatório.
Esse esvaziamento do quadro de pessoal do INSS durante os anos 90 aparece
incontestavelmente quando se observa que entre o ano de 1994 e o ano de 2002 praticamente
não houve ingresso de novos servidores administrativos através de concurso público para o
órgão, à exceção dos Auditores Fiscais da Previdência Social e dos Procuradores Federais,
cujos cargos compõem carreiras específicas de Estado, e dos Supervisores Médico-Periciais,
estes com habilitação e atribuições específicas voltadas para a atividade de perícia médica.
A orientação neoliberal adotada marcadamente pelo Brasil a partir do final dos
anos 80 produziu conseqüências nefastas sobre a classe trabalhadora, sobre o incipiente
aparato de serviços públicos e das estatais e sobre a sociedade brasileira como um todo. A
agenda neoliberal preconizava, em síntese, a redução de gastos sociais, públicos, a
privatização de estatais e de serviços públicos (saúde, educação e previdência, por
excelência.) e a desregulamentação de direitos sociais e trabalhistas, atendendo, portanto, à
concepção de “Estado mínimo” e “mercado máximo”, em que os interesses privados se
sobrepõem aos interesses públicos, de caráter universal (ABRAMIDES e CABRAL, 2003).
Não foi difícil perceber as conseqüências da redução de gastos com o serviço público,
afetando diretamente as instituições públicas em geral, dentre as quais o INSS, onde os
servidores públicos são os atores do trabalho.
Observe-se que o esvaziamento dos quadros funcionais do serviço público
federal deu-se, não por acaso, simultaneamente ao estrito cumprimento da agenda neoliberal
ditada pelas agências internacionais, entenda-se, Fundo Monetário Internacional (FMI),
Banco Mundial, etc. ao Brasil nos anos 90, conforme abordado anteriormente. Nesse período
assistiu-se a um crescente processo de sucateamento das instituições públicas brasileiras,
75
sobretudo aquelas ligadas à área de educação, como as universidades públicas, e à área de
seguridade social, incluindo a saúde, a previdência e a assistência social. No âmbito do INSS,
por exemplo, esse processo foi evidenciado pela ausência de modernização das condições
instrumentais de trabalho, pela não admissão de novos servidores, conforme já discutido, e
pela precariedade dos programas de capacitação e aperfeiçoamento da força de trabalho
necessária à operacionalização das atividades. Acrescente-se a isso, a também ausência de
modernização do parque tecnológico de suporte administrativo às atividades institucionais do
INSS, cujos equipamentos e programas informatizados foram-se caracterizando como
inadequados e ultrapassados para atender o volume de serviços demandados.
Retomando as considerações sobre as reformas do sistema previdenciário
brasileiro em 1998 e 2003, é importante lembrar que em ambas as propostas dois argumentos
serviram de pressupostos para justificá-las: o déficit fiscal do sistema e a questão demográfica
decorrente do aumento da expectativa de vida da população brasileira. Sob a ótica dos
defensores das reformas, esses dois elementos estão interligados, resultando em expressivo
aumento das chamadas “aposentadorias precoces” dos trabalhadores nos dois regimes
previdenciários – o RGPS e o RJU. O chamado déficit estaria na razão simples de “receita e
despesa” do sistema, cuja tradução é que se arrecada menos do que se gasta com os direitos
sociais. Por outro lado, o novo padrão demográfico brasileiro aponta para uma maior
longevidade e, como tal, as pessoas usufruem por mais tempo dos direitos sociais, dentre os
quais os benefícios previdenciários. Por questões de escopo do presente estudo, não cabe aqui
analisar o mérito dessas questões, tampouco discutir cada uma das propostas de reforma, no
entanto, merecem considerações alguns aspectos que ganharam mais visibilidade no debate
sobre a legitimidade da seguridade social, tal qual instituída pela Constituição de 1988.
Pela contundência da argumentação sobre o déficit fiscal, segue uma breve
reflexão sobre o assunto. Boschetti refuta a idéia de déficit na Previdência e adota a
76
terminologia “desequilíbrio nas contas”, argumentando que tal desequilíbrio deve-se
fundamentalmente à “não implementação dos dispositivos constitucionais referentes à
seguridade social” (BOSCHETTI, 2003, p. 35). Em outras palavras, pode-se simplificar,
dizendo que os recursos constitucionalmente destinados à seguridade social não são aplicados
integralmente em sua exclusiva finalidade, ou seja, o suposto déficit está diretamente
associado à não utilização da totalidade dos recursos oriundos das fontes de financiamento da
seguridade social para custear os direitos sociais garantidos constitucionalmente.
Em sua análise, ela referencia estudo de diversos autores, além de estudo da
Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social (ANFIP) realizado em
2002, cujas conclusões apontaram para o fato de que recursos originalmente destinados ao
sistema de seguridade social, retidos pelo Tesouro Nacional, são utilizados para fins de
superávit primário e pagamento de juros da dívida pública, que são metas econômicas. Há que
se considerar, também, que as mudanças no mundo do trabalho favoreceram a redução dos
postos estáveis de trabalho, a precarização e flexibilização nas relações de trabalho, o
desemprego e o aumento da informalidade, que contribuem para diminuir o montante da
arrecadação previdenciária, devido à conseqüente redução das contribuições advindas tanto de
empregados como de empregadores.
Especificamente quanto à receita previdenciária advinda das contribuições dos
trabalhadores e das empresas é oportuno fazer referência a dois aspectos importantes que,
salvo melhor juízo, comprometem seriamente uma maior arrecadação de recursos para a
Previdência Social: a renúncia previdenciária e as práticas de sonegação e de fraude. A
primeira, também chamada de “renúncia fiscal”, diz respeito ao não recebimento integral,
pelo INSS, de contribuições sociais de empresas e organizações em geral, devido a subsídios
concedidos pelo próprio Ministério da Previdência Social a entidades qualificadas como
“filantrópicas” (geralmente entidades de assistência à saúde e à educação), a micro e pequenas
77
empresas e a clubes de futebol. Esse aspecto por si só mereceria uma apurada discussão,
principalmente pela natureza dos segmentos envolvidos e beneficiados direta e indiretamente
pelas isenções ou subsídios, já que são conhecidos e divulgados pela imprensa os casos de
entidades chamadas “filantrópicas” beneficiadas com isenção previdenciária, cujo caráter
filantrópico é absolutamente questionável e, conforme pronunciamento da Central Única dos
Trabalhadores (CUT), em 2002, referenciado por Silva (2004), são “falsas filantrópicas”.
As práticas de sonegação e de fraude são de amplo conhecimento da sociedade
brasileira e geram evasão de receita, ou evasão fiscal, pela não captação, através da
Previdência, de recursos financeiros devidos enquanto obrigações legais. Boschetti referencia
dados da Associação Nacional dos Fiscais da Previdência Social (ANFIP), em 1998, segundo
os quais, naquele ano, a evasão fiscal por sonegação e fraude representou cinco (5) vezes o
valor do presumível déficit para aquele ano (BOSCHETTI, 2003, p. 43). Pode-se seguramente
afirmar que esse dado, além de preocupante é emblemático para elucidar as questões de
receita previdenciária e problematizar a real natureza da suposta crise da Previdência,
principalmente levando-se em consideração a participação de grandes empresas e órgãos
públicos em tais práticas.
Por mais que venham sendo gradativamente aperfeiçoados, os mecanismos
internos de controle e de cobrança de receitas pelo Ministério da Previdência Social ainda não
parecem suficientes para coibir tais práticas, havendo que se contemplar, ainda, a necessidade
de modernização da gestão no âmbito do INSS e do MPS, tanto no que diz respeito às
pessoas, aos gestores propriamente ditos, quanto ao aparato institucional de processamento e
controle das informações e dos recursos financeiros, de forma a garantir agilidade,
resolutividade, confiabilidade e impedimento a fraudes e demais procedimentos ilícitos.
Acrescente-se a isso a igual necessidade de reorganização e aperfeiçoamento institucional de
outras esferas e áreas afins à Previdência Social.
78
É importante registrar a recente criação e funcionamento da Receita Federal do
Brasil (RFB), um novo órgão vinculado ao Ministério da Fazenda que unificou as atribuições
da Secretaria da Receita Previdenciária (até então do MPS) e da Secretaria da Receita Federal,
do próprio Ministério da Fazenda. Em síntese, a nova Receita Federal do Brasil pretende
fortalecer as ações de fiscalização e arrecadação de tributos federais e, espera-se com isso,
também, intensificar esforços para coibir a ocorrência de sonegação e fraudes tanto na área
tributária, como na área previdenciária.
Um outro aspecto importante que merece destaque é a questão dos desvios de
recursos previdenciários, alguns historicamente noticiados pela mídia, citando a construção de
Brasília, da Transamazônica e da Ponte Rio-Niterói como exemplos mais conhecidos.
Entretanto, o principal desvio, segundo vários estudos referenciados por Boschetti, é o
deslocamento de recursos originalmente destinados ao sistema de seguridade social para
manter o superávit primário e pagar os juros da dívida pública, o que põe em xeque e suscita
uma reflexão crítica sobre a real natureza da tão propalada crise da previdência
(BOSCHETTI, 2003, p.41). Portanto, conforme bem destacado por Tavares, “o problema da
Previdência Social não está no gasto, e sim na receita previdenciária”, referindo-se também
às conseqüências nefastas do atual modelo econômico, que promove desemprego e
informalidade e, conforme já comentado, exclui significativa parcela de contribuintes da
Previdência (TAVARES, 2003, p. 131).
Há consenso entre alguns autores estudados (BOSCHETTI, TAVARES,
MIRANDA, VIANNA, 2003) de que se faz necessário reformular a Previdência Social,
sobretudo para ampliar os direitos sociais e corrigir as desigualdades rumo à consolidação da
seguridade social, corrigir as distorções existentes e os privilégios de alguns segmentos, e não
reduzir o debate de tema tão amplo, denso e multifacetado a uma questão simples de ajuste
fiscal. Na opinião de Paim, “Previdência Social é uma questão que não pode ser tratada
79
apenas do ponto de vista fiscal” (PAIM, 2003, p. 262). Para esses autores, faz-se necessário
uma reestruturação do atual modelo econômico brasileiro, um crescimento econômico
expressivo, maior geração de emprego formal, redução do desemprego e da informalidade,
além de não flexibilização das relações de trabalho, para assegurar ampliação das
contribuições sociais e das demais fontes de receita da seguridade social.
No tocante ao serviço público, considera-se necessário suprimir privilégios,
corrigir distorções internas, possibilitar eficiência na prestação dos serviços à população e
rever concepções que cristalizam certos “guetos” no âmbito do serviço público, sem,
entretanto, nivelar por baixo a pauta dos direitos dos servidores. Soares argumenta que “se
existem privilégios, é preciso identificá-los de forma isolada, suprimindo-os mais em função
de princípios éticos do que financeiros” (SOARES, 2003, p. 131). Trata-se, pois, de qualificar
o servidor público através do concurso, da consolidação da carreira, da avaliação de
desempenho, da política salarial, da seguridade social e da preservação dos direitos
adquiridos.
Para Miranda, o debate sobre a reforma da previdência social brasileira não
explicitou claramente o conflito de interesses antagônicos e inconciliáveis que esteve em jogo,
envolvendo, de um lado os direitos e expectativas da sociedade e, de outro, as prioridades do
mercado, refletindo uma nova correlação de forças entre o trabalho e o capital financeiro.
Essa nova correlação foi expressa em dois modelos distintos que representam diferentes
visões de sociedade: o modelo de repartição, que é o modelo brasileiro atualmente e que traz
consigo os valores da sociedade do trabalho, da solidariedade, da distribuição de renda e da
eqüidade social; e o modelo de capitalização, cujo formato é o da renda do capital
individualista e excludente e que traz consigo os valores do individualismo, da concentração
de renda e da assimetria social entre possuidores e “despossuídos”(MIRANDA, 2003, p.138-
139).
80
Por outro lado, a polêmica em torno das reformas também dissociou a política
da economia, reduziu a concepção de seguridade social ao cálculo atuarial e financeiro, omitiu
da sociedade as exigências do Banco Mundial e do FMI para implementá-las, minimizou a
característica redistributiva das políticas sociais e fomentou um sentimento de oposição entre
os trabalhadores do setor privado e os servidores públicos (SILVA, 2004). Para esse autor, as
pressões em torno das reformas da Previdência Social revelaram a estratégia de
mercantilização da seguridade social, ocultando os reais interesses que estiveram em jogo no
debate proposto. Em suas palavras, “a previdência é um campo de batalha de uma guerra
maior” , e a questão central não se resume ao equilíbrio atuarial das contas previdenciárias,
mas, sim, ao equilíbrio e à coesão da sociedade em repartir de forma mais justa a riqueza
social. Resumindo, “o que está em crise é o modo de organização e de gestão da vida social
brasileira, e não a previdência social, que depende do crescimento econômico e do mercado
de trabalho” (SILVA, 2004). Compartilhando da opinião do autor, é pertinente que a
sociedade brasileira se questione sobre qual modelo de pacto social ela deseja para si, de
modo a garantir minimamente a repartição da riqueza gerada, ou a radicalização da
concentração, onde alguns poucos estarão incluídos, e a grande maioria estará à margem da
proteção social.
Enfim, dessas breves considerações sobre as duas Reformas da Previdência
Social empreendidas no Brasil em 1998 e 2003, há o entendimento de que o debate sobre o
tema não está esgotado e que as alterações por elas instituídas atenderam às prescrições da
agenda neoliberal ditada pelo Banco Mundial, FMI e congêneres para o Brasil, retirando o
Estado da condição de árbitro do desenvolvimento social. Tais alterações significaram
retrocessos em algumas conquistas dos trabalhadores e, particularmente no caso do serviço
público federal, o desmonte do aparato estatal foi visível, associado ao sucateamento dos
quadros funcionais pelo rigoroso congelamento de salários, falta de investimento na
81
capacitação dos servidores, evasão de servidores que estavam em atividade (tanto por motivo
de aposentadoria, como por programas de incentivo ao desligamento voluntário) e pela
significativa terceirização de mão de obra, com o ingresso de trabalhadores contratados por
mecanismos, no mínimo, pouco transparentes.
No INSS, especificamente, houve reestruturação organizacional e tentativa de
implantar modelos gerenciais copiados do setor privado, sem a cautela das devidas
adaptações, em visível dissonância com a cultura e valores organizacionais historicamente
construídos e sem qualquer discussão com os servidores, favorecendo um clima de
insatisfação, descontentamento, temor e incerteza entre os trabalhadores. Associe-se a essa
efervescência interna a sobrecarga de trabalho e de responsabilidades entre os servidores, pois
com a saída de muitos deles, as atividades de trabalho foram redistribuídas entre os que
ficaram, já que os contratados/terceirizados não eram servidores do quadro funcional e, como
tais, não eram habilitados para realizar certas atividades institucionais e nem tinham acesso a
certos sistemas operacionais.
Nesse início de 2007 determinados segmentos da sociedade brasileira
alinhados com as idéias neoliberais e defensores do “Estado mínimo” voltam a cogitar a
possibilidade de uma nova reforma na Previdência, desta feita acompanhada por uma reforma
trabalhista, omitindo, mais uma vez, seus reais interesses e escamoteando a realidade dos
fatos. Tanto pelos argumentos que têm sido apresentados, como pelos seus protagonistas,
pode-se perfeitamente imaginar que não seriam os trabalhadores os beneficiados! Conforme
demonstrado no texto, há inúmeros outros “ajustes” internos necessários e urgentes no âmbito
do Estado, da Previdência e da seguridade social, além da necessidade de revisão do modelo
econômico vigente, que descaracterizam qualquer necessidade de uma nova reforma na
Previdência que implique redução dos direitos dos trabalhadores.
82
Espera-se que o Estado, a sociedade brasileira em geral e os trabalhadores, em
particular, se mobilizem e consigam resgatar a perspectiva da Seguridade Social, tal qual
expressa na Constituição vigente, superando os impasses representados pelos diferentes
interesses e visões do significado de uma real proteção social e assumindo a responsabilidade
por priorizá-la enquanto política pública capaz de promover cidadania aos brasileiros. Que a
Previdência seja concebida como parte dessa seguridade social e, como tal, a expressão de um
pacto coletivo e solidário entre todos os brasileiros, consolidando um real Estado Democrático
de Direito socialmente mais justo e equânime.
83
CAPÍTULO V
5 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
A fim de possibilitar uma melhor compreensão do contexto organizacional
onde atuam os trabalhadores que participaram da pesquisa, este capitulo trata da organização
do trabalho no INSS, trazendo uma breve abordagem de sua atual estrutura regimental e do
processo de trabalho nas Agências da Previdência Social, além de considerar os atores do
trabalho envolvidos na atividade de atendimento ao público nas Agências e as relações sociais
que se estabelecem entre eles e os usuários da Previdência Social.
5.1 INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL: CONTEXTO ORGANIZACIONAL
O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) foi criado em 1990, a partir da
fusão de dois institutos diretamente vinculados ao então Ministério da Previdência e
Assistência Social, com atribuições e finalidades distintas, porém complementares: o Instituto
de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS) e o Instituto
Nacional de Previdência Social (INPS). A partir dessa fusão, a nova autarquia do Ministério
da Previdência Social, o INSS, agregou as atribuições e finalidades dos dois institutos que a
precederam, centralizando numa mesma estrutura organizacional as atividades e serviços
previdenciários que eram prestados separadamente por dois órgãos distintos. Essa nova
denominação do antigo INPS - agora INSS - não se deu por acaso; ela reforça a “lógica do
seguro” que dá suporte ao modelo previdenciário brasileiro desde a sua origem, reafirmando,
cada vez mais, a idéia da Previdência como seguro, e não como elemento integrante da
concepção constitucional de seguridade social (BOSCHETTI, 2003, p. 32), conforme
discutido no Capítulo IV. Em decorrência dessa lógica, o INSS é visto como uma seguradora
pública, e, por conseguinte, seus contribuintes e beneficiários são chamados de “segurados”.
84
O Decreto nº 5.870/2006, que aprovou a estrutura regimental do INSS, o define
como “autarquia federal, com sede em Brasília - Distrito Federal, vinculada ao Ministério da
Previdência Social e cuja finalidade é promover o reconhecimento, pela Previdência Social,
de direito ao recebimento de benefícios por ela administrados, assegurando agilidade,
comodidade aos seus usuários e ampliação do controle social” (Decreto nº 5.870/2006,
Anexo I. Capítulo I, Art. 1º). O INSS caracteriza-se, portanto, como uma organização pública
prestadora de serviços previdenciários à sociedade brasileira, através da operacionalização do
reconhecimento dos direitos dos usuários do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, que
atualmente abrange aproximadamente 33 milhões de contribuintes.
O INSS é dirigido por um (01) Presidente e quatro (04) Diretores, e sua atual
estrutura organizacional é resumidamente apresentada a seguir com seus respectivos
quantitativos (Decreto nº 5.870/2006, Anexo I. Capítulo I, Art. 2º):
• Presidência - 01
• Diretorias -04
• Gerências Regionais (GR) - 05
• Gerências Executivas (GEX) - 100
• Agências da Previdência Social (APS) - 1.227
As quatro Diretorias são diretamente vinculadas à Presidência do INSS, estão
sediadas em Brasília, no Distrito Federal, e assim denominadas: Diretoria de Orçamento,
Finanças e Logística, Diretoria de Recursos Humanos, Diretoria de Benefícios e Diretoria de
Atendimento. Essas duas últimas são tidas como órgãos específicos singulares, e a área de
benefícios é considerada “área fim” do INSS, pois se destina à prestação de serviços
diretamente aos usuários, que é considerada atividade “finalística” da instituição.
As Gerências Regionais, as Gerências Executivas e as Agências da Previdência
Social caracterizam-se como Órgãos e Unidades Descentralizadas. As Gerências Regionais
85
são subordinadas ao Presidente do INSS e dentre suas competências destaca-se a de
supervisionar, coordenar e articular a gestão das Gerências-Executivas sob sua jurisdição.
Existem cinco (05) Gerências Regionais em todo o país, sediadas nas cidades de São Paulo,
Belo Horizonte, Florianópolis, Recife e Brasília, cada uma delas com sua respectiva área de
abrangência e Gerências Executivas vinculadas.
O Estado do Rio de Janeiro possui sete (07) Gerências Executivas, sendo duas
(02) na capital e as demais no interior, todas vinculadas à Gerência Regional de Belo
Horizonte (GR-BH). As duas Gerências Executivas da capital possuem juntas, atualmente,
trinta e três (33) Agências distribuídas em diversos bairros da cidade do Rio de Janeiro. Em
termos quantitativos de pessoal, a Gerência Regional de Belo Horizonte é a que concentra o
maior número de trabalhadores do INSS, comparando-se com as demais em todo o Brasil e,
em sua jurisdição, sendo a Gerências Executivas Rio de Janeiro-Centro a que tem o maior
quantitativo de trabalhadores em seu quadro de pessoal.
Cabe às Gerências Executivas supervisionar as Agências da Previdência Social
que estão sob sua responsabilidade nas atividades relacionadas ao “reconhecimento de
direitos e recebimento de benefícios previdenciários e assistenciais, bem como nas atividades
de perícia médica e reabilitação profissional” (Decreto nº 5.870/2006, Anexo I. Capítulo I,
Seção V, Art. 17º). Existem atualmente cem (100) Gerências Executivas em todo o Brasil,
distribuídas entre todos os Estados da federação.
As Agências da Previdência Social são também conhecidas como Unidades de
Atendimento, destinam-se ao atendimento ao público previdenciário com o objetivo de
proceder ao “reconhecimento inicial, manutenção, recurso e revisão de direitos aos
benefícios administrados pelo INSS, perícia médica, habilitação e reabilitação profissional,
serviço social, bem como à operacionalização da compensação previdenciária e a emissão de
certidões de tempo de contribuição” (Decreto nº 5.870/2006, Anexo I. Capítulo I, Seção V,
86
Art. 18º). Atualmente existem mil duzentas e vinte e sete (1.227) Agências da Previdência
Social distribuídas pelo país. As duas Agências onde atuam os trabalhadores que participaram
do estudo estão vinculadas às Gerências Executivas da cidade do Rio de Janeiro, funcionam
de segunda a sexta-feira, das 08 às 18h, ininterruptamente para atendimento ao público,
estando os trabalhadores distribuídos em dois turnos de trabalho com jornada diária de 06
horas.
A estrutura de cargos no INSS é grande e bastante diversificada, entretanto, por
razões que extrapolam os limites desta investigação, não se faz necessário explicá-la
detalhadamente, entendendo-se como suficiente esclarecer que na área de benefícios das
Agências da Previdência Social trabalham ocupantes dos cargos de médico, assistente social,
analista previdenciário, técnico previdenciário, agente administrativo, auxiliar operacional de
serviços diversos, entre outros, sendo os três primeiros cargos de nível superior, e os demais,
de nível médio ou de 2º grau. Como as duas Agências em que o trabalho de campo foi
realizado são do mesmo porte em termos de capacidade logística, operacional, de recursos
humanos, etc., o desenho hierárquico de cargos em comissão e funções gratificadas é o
mesmo para ambas, assim definido (Decreto nº 5.870/2006, Anexo II):
• Chefe de Agência -01
• Chefe de Serviço - 01
• Supervisor Operacional de Benefícios - 02, sendo um da área de atendimento e outro
da área de perícia médica.
Esses cargos e funções gratificadas quase sempre são ocupados por
trabalhadores das próprias Agências e, portanto, pertencentes ao coletivo de trabalho.
Geralmente os chefes e supervisores são pessoas mais experientes nas atividades da área de
benefícios, gozam de boa aceitação pelos pares, embora não sejam escolhidos pelos próprios
colegas, e sim, muito frequentemente, indicados pelos superiores hierárquicos da Gerência
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Executiva a que está vinculada a Agência. O Supervisor Operacional de Benefícios
responsável pela área de atendimento é geralmente um servidor de atividade administrativa,
enquanto o Supervisor da área de perícia médica é geralmente um servidor ocupante do cargo
de médico.
5.2 PROCESSO DE TRABALHO NAS AGÊNCIAS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
Discorrer sobre o processo de trabalho na atividade de atendimento ao público
nas Agências da Previdência Social remete ao aspecto relacional humano inerente a esse tipo
de atividade, à sua finalidade ou objeto do trabalho e aos meios ou instrumentos para realizá-
lo. Na condição de agentes desse processo estão os trabalhadores, que em conjunto com os
usuários do serviço constituem os atores sociais da atividade de atendimento ao público nas
Agências.
Embora o escopo desta investigação tenha contemplado apenas os
trabalhadores das Agências da Previdência Social que realizam a atividade de atendimento ao
público na área de benefícios, é necessário esclarecer que nas Agências também funciona o
serviço de atendimento ao público na área de arrecadação, cujo processo de trabalho, objeto,
finalidade, tarefas, atribuições, legislação, procedimentos, etc. são bastante diferentes
daqueles da área de benefícios descritos adiante. Recentemente as atividades da área
arrecadação passaram a ser vinculadas às diretrizes da Receita Federal do Brasil, conforme
comentado no Capítulo IV, embora o atendimento ao público de contribuintes individuais
continue sendo realizado nas Unidades do INSS. Portanto, os trabalhadores dessas duas
áreas, arrecadação e benefícios, trabalham no mesmo espaço físico das Agências, estando os
guichês de atendimento de cada uma dessas áreas dispostos separadamente, em lados distintos
do espaço destinado ao atendimento ao público.
88
De forma simplificada, pode-se dizer que o processo de trabalho na atividade
de atendimento ao público na área de benefícios consiste na troca de informações entre os
trabalhadores e os usuários do serviço de atendimento, onde os primeiros supostamente detêm
conhecimento técnico e dispõem de instrumental de trabalho que permitem operacionalizar as
solicitações de informações, orientações e formalizações de benefícios previdenciários dos
usuários. Tal atividade é realizada individual e presencialmente pelos atendentes, que
fornecem aos usuários informações e orientações sobre direitos e benefícios previdenciários,
analisam documentos, formalizam processos administrativos de benefícios de posentadorias,
de pensão por morte, auxílio-doença, auxílio-reclusão, salário-maternidade e outros benefícios
e serviços solicitados pelos usuários. Complementarmente, registram tais solicitações e dados
nos sistemas informatizados, com vistas ao processamento dos mesmos e à concessão dos
benefícios. Para tanto, os trabalhadores dispõem da legislação previdenciária, de material
impresso em manuais de serviço, documentos, equipamentos de informática em seus guichês
e demais materiais de expediente, tais como lápis, papel, formulários padronizados,
grampeadores, etc. Para facilitar o entendimento do leitor, convém esclarecer que “concessão
de benefícios” significa, em essência, o reconhecimento do direito ao benefício pleiteado,
materializado em forma de pagamento mensal feito pelo INSS ao usuário, através da rede
bancária.
Basicamente, nas Agências da Previdência Social consideradas de grande
porte, como são as duas em que o trabalho de campo foi realizado, existem três setores ou
pontos de atendimento ao público, a saber: (a) o setor de distribuição de senhas para
atendimento, também denominado “Setor de Triagem”; (b) o setor de Orientação e
Informação, conhecido também pela sigla “OI”; e (c) o setor de Atendimento Especializado,
que dispõe de maior número de guichês para atendimento. Seguindo a dinâmica institucional
interna, inicialmente o usuário se dirige ao setor de distribuição de senhas (a), onde expõe ao
89
atendente o que pretende solicitar no INSS; o atendente, então, lhe entrega uma senha alfa-
numérica e o encaminha para o respectivo guichê em que aquele tipo de solicitação de
benefício ou de serviço está sendo atendido.
Quando a solicitação do usuário é passível somente de informação ou
orientação, ele é encaminhado para atendimento no setor de Orientação e Informação (b), o
que costuma ser rápido, devido ao menor grau de complexidade das solicitações. Caso se trate
de solicitação mais complexa, como por exemplo, requerimento de benefícios, ou contagem
de tempo de serviço, a senha que lhe é entregue destina-se ao setor de Atendimento
Especializado (c). Nesse setor há maior quantidade de guichês para atendimento do que nos
demais setores, porque geralmente são atendimentos mais demorados, que envolvem maior
número de tarefas a serem executadas, além da diversidade de solicitações ou de benefícios a
serem requeridos. Há também o setor específico de Perícia Médica, onde estão situados os
consultórios médicos para os exames periciais e os guichês de atendimento destinados aos
procedimentos administrativos do setor.
Nas duas Agências em que o estudo foi realizado, as atribuições e tarefas dos
trabalhadores na atividade de atendimento ao público são específicas por tipo de solicitação
dos usuários, e o serviço é organizado de modo que os guichês de atendimento funcionem
como específicos para cada assunto ou tipo de benefícios previdenciários. Assim, por
exemplo, determinados guichês de atendimento destinam-se somente a prestar informações e
orientações aos usuários, como é o caso dos guichês do setor de Orientação e Informação. No
setor de Atendimento Especializado também existe especificidade por tipo de solicitação do
usuário, de forma que alguns guichês destinam-se, por exemplo, às solicitações de benefícios
de aposentadorias, outros aos benefícios de pensão e auxílio-reclusão, outros aos casos de
requerimento de benefícios de auxílio-doença e assuntos relacionados ao setor de perícia
médica do INSS, outros ainda à contagem de tempo de serviço, e assim por diante.
90
Essa sistemática de atendimento seletivo por tipos de benefícios, solicitações,
informações e orientações não significa que os trabalhadores se atenham rigidamente a ela,
pois principalmente quando há grandes demandas por certos benefícios, ou quando a
quantidade de usuários aguardando atendimento é muito grande, os trabalhadores colaboram-
se entre si, dividem as tarefas e cooperam uns com os outros.
Além da atividade de atendimento ao público propriamente dita, existem outras
atividades da área de benefícios nas Agências que também são realizadas, cumulativamente,
pelos trabalhadores, dentre as quais as tarefas administrativas internas decorrentes dos
requerimentos de benefícios, a formalização de solicitações e comunicações a outros setores,
Agências ou outros órgãos, o arquivamento de documentos, etc. Para determinados
trabalhadores há, ainda, as atividades de gestão de sistemas operacionais internos e de
supervisão técnica da área de atendimento, os serviços externos, a emissão de autorização
para pagamentos retroativos de benefícios previdenciários, a atividade de revisão de
benefícios, o atendimento a demandas judiciais relacionadas aos benefícios da Previdência
Social e a atividade gerencial de administrar a parte logística e operacional da própria
Agência.
Percebe-se que o processo de trabalho na atividade atendimento ao público
realizado pelos sujeitos da pesquisa nas duas Agências da Previdência Social exige certo
conhecimento técnico, algumas habilidades e atributos comportamentais - disposição para
ouvir, compreender, informar, perguntar, esclarecer dúvidas, seguir procedimentos
administrativos e burocráticos pré-estabelecidos, formalizar solicitações documentais,
memorizar conceitos e procedimentos de legislação previdenciária, organizar tarefas,
encaminhar decisões, além de habilidade no trato com pessoas, atitudes de paciência e
cortesia, manejo do stress e equilíbrio emocional, a fim de manter a calma, lidar com
situações de agressões e de críticas, de receber ordens e lidar com pressão de tempo e de
91
grande demanda em espera - o que nem sempre pode ser compatível com suas características
individuais. Isso não significa, entretanto, que tais exigências, por si só, sejam determinantes
ou coadjuvantes de vivências de sofrimento no trabalho, nem, por outro lado, que o bom
conhecimento técnico e a existência de tais atributos e habilidades comportamentais sejam a
garantia de vivências de prazer no trabalho. Esses dois tipos de vivências também têm
interface com outras questões, conforme será discutido no Capítulo VI.
5.3 RELAÇÕES SOCIAIS ENTRE OS ATORES DO TRABALHO
Para tratar das relações sociais entre os atores do trabalho na atividade de
atendimento ao público das duas Agências da Previdência Social onde se realizou a pesquisa,
entende-se como pertinente tecer algumas considerações sobre os trabalhadores e sobre os
usuários, para depois adentrar certos aspectos relevantes das relações sociais que se
estabelecem entre eles no processo de trabalho.
Os trabalhadores que participaram do estudo fazem parte da população de
servidores públicos federais do quadro de pessoal do INSS que realiza a atividade de
atendimento ao público nas Agências da Previdência Social em todo o país. As informações
sobre o quadro funcional do INSS, contendo as principais características da força de trabalho
do órgão são consolidadas mensalmente pela Diretoria de Recursos Humanos em relatório
específico - RELATÓRIO PERFIL DOS SERVIDORES INSS - e algumas dessas informações
referentes ao mês de dezembro/2006 serão comentadas a seguir.
Em termos gerais, o quadro de trabalhadores ativos do INSS aproxima-se de
44.000 trabalhadores de ambos os sexos, com predominância do sexo feminino. A faixa etária
compreende o intervalo entre 18 e 70 anos de idade, destacando-se que aproximadamente
66% desses trabalhadores têm idade entre 41 e 55 anos. Considerando-se o tempo de serviço,
algo em torno de 58% deles tem entre 21 e 30 anos de serviço, seguindo-se aqueles que têm
92
menos de 05 anos de serviço, os quais representam aproximadamente 20% do total de
trabalhadores na instituição (MPS/INSS/DIRRH/CGARH/Relatório Perfil dos Servidores
INSS, dez./2006). Essa informação sobre tempo de serviço tem correlação com a questão
discutida no Capítulo IV, no que se refere ao esvaziamento do quadro funcional do INSS nos
anos 90, durante os quais foram realizados poucos concursos públicos para ingresso de novos
servidores, em função da orientação neoliberal vigente à época, que preconizava a idéia de
“Estado mínimo”. Entende-se que num espaço temporal de aproximadamente oito (08) anos
durante a década de 90 não houve a necessária ampliação da força de trabalho do INSS, pois o
ingresso de novos servidores através de concurso público foi insignificante, comparando-se
com o quantitativo de servidores que se aposentaram, ou aderiram ao programa de
desligamento voluntário estimulados pelo próprio governo federal da época.
O grau de escolaridade expresso no perfil do quadro funcional do INSS varia
de alfabetizado sem curso regular a detentor de curso superior completo ou mais,
concentrando-se nesta última faixa de escolaridade um percentual em torno de 59% dos
trabalhadores, embora quase 70% de todos os trabalhadores da instituição ocupem cargos de
nível intermediário a auxiliar, cuja exigência de escolaridade é até o 2º completo. Pode-se
inferir daí que dentre esses 70% de trabalhadores haja um expressivo contingente executando
tarefas ou realizando atividades que, em tese, exigem grau de complexidade inferior ao que se
supõe condizente com sua real escolaridade.
Ainda de acordo com o relatório PERFIL DOS SERVIDORES DO INSS,
aproximadamente 55% do total de trabalhadores ativos do INSS atuam nas Agências da
Previdência Social em todo o Brasil, embora nem todos eles estejam realizando diretamente a
atividade de atendimento ao público em seu cotidiano de trabalho, já que também existem
outras atividades administrativas inerentes ao funcionamento de uma Agência.
93
Considerando que a atividade de atendimento ao público nas Agências da
Previdência Social reveste-se de um processo de relação social, ela se efetiva numa dinâmica
de interação dos trabalhadores entre si e também com os usuários dos serviços
previdenciários. Para esclarecer o leitor e melhor compreender alguns aspectos inerentes à
relação entre esses dois atores sociais do trabalho, é importante situar o que se poderia chamar
de “perfil dos usuários da Previdência Social”, especialmente aqueles que demandam
benefícios previdenciárias nas Agências.
Em termos gerais, pode-se caracterizar os usuários da Previdência Social como
uma clientela numerosa e diversificada, de ambos os sexos, faixa etária superior à maioridade
civil e quase sempre inserida do mercado de trabalho, seja ele formal, ou informal, já que no
Brasil a proteção previdenciária está atrelada ao contrato de trabalho, ao pagamento de
contribuições pretéritas e à filiação dos indivíduos ao sistema previdenciário, conforme
discutido no Capítulo IV. Embora a cobertura do sistema previdenciário se destine aos
trabalhadores e seus dependentes, o que significa dizer abrange diferentes segmentos sociais,
profissionais, econômicas e culturais da classe trabalhadora brasileira, a grande maioria do
público usuário direto das Agências da Previdência Social é composta, predominantemente,
de pessoas de classe social menos favorecida, com baixo padrão de escolaridade e renda e
pouca conscientização acerca de seus direitos sociais, trabalhistas e previdenciários.
A fim de contextualizar a realidade sócio-econômica da clientela
previdenciária, convém retomar a reflexão sobre as transformações que incidiram no mundo
do trabalho a partir dos anos 70, que engendraram a desestruturação das relações clássicas de
produção, criaram condições precárias de trabalho e possibilitaram uma série de retrocessos à
condição sócio-econômica e de saúde da classe trabalhadora, com o agravante do aumento
significativo do trabalho feminino e da inclusão precoce de crianças no mercado de trabalho.
No Brasil, essas circunstâncias acentuaram a vulnerabilidade dos trabalhadores, seja ela de
94
caráter financeiro, ou na forma de agravos à saúde física e mental, e trouxeram repercussões
diretas no sistema de seguridade social brasileiro (RAIMUNDO, 2000, p. 33). A Previdência
Social, como parte desse sistema, passou a ser vista, então, como instância de retaguarda de
amparo econômico e social, para assegurar aos trabalhadores os benefícios previdenciários e,
minimamente, garantir-lhes a sobrevivência, extensiva também à sua família. Muitos usuários
da Previdência Social apresentam situações trabalhistas precárias em termos legais de
proteção ao trabalhador, inclusive no tocante à saúde, e são sujeitos ativos de uma força de
trabalho que protagoniza as contradições e dilemas do processo de reestruturação produtiva
do capitalismo pós-moderno baseado no modelo de acumulação flexível do capital
(ABRAMIDES e CABRAL, 2003, p. 4-5).
Não por acaso, a maior demanda de solicitações de benefícios previdenciários
nos últimos anos tem sido pelo benefício de auxílio-doença, que se destina a proteger o
trabalhador em situações que o impedem de exercer atividade de trabalho, garantindo-lhe um
rendimento mensal. É importante esclarecer que a legislação previdenciária também prevê a
concessão desse benefício para os trabalhadores que estão desempregados até um (01) ano
contado a partir do encerramento do vínculo trabalhista ou da última contribuição
previdenciária, desde que comprovem um mínimo de contribuições pretéritas exigidas e
estejam comprovadamente doentes e incapazes para o trabalho. Desnecessário dizer que em
situações de desemprego em massa, mormente como conseqüência do modelo econômico
vigente, a demanda pelo benefício de auxílio-doença é bastante expressiva e atualmente
responde pela maioria dos atendimentos realizados nas Agências da Previdência Social.
Essa realidade traz à tona uma situação emblemática do dia-a-dia dos
trabalhadores que realizam a atividade de atendimento ao público nas Agências e também dos
médicos que realizam exames de perícia médica no INSS, pois muitas vezes a solicitação do
benefício de auxílio-doença é motivada mais pela condição sócio-econômica precária de luta
95
pela sobrevivência do usuário desempregado ou subempregado, do que propriamente pela
condição de doença e incapacidade para o trabalho, sendo esta última, em tese, o critério legal
determinante da concessão do benefício. Uma outra face dessa problemática são os casos de
usuários que estão afastados do trabalho, recebem o benefício de Auxílio-doença, mas têm
receio de retornar ao trabalho e serem demitidos posteriormente, quando do retorno à
atividade, e, por isso, fazem o possível para permanecer recebendo o benefício do INSS.
Em ambos os casos o que está em jogo é a garantia de sobrevivência do
indivíduo através de um rendimento mensal, entretanto, por outro lado, tal situação gera
alguns dilemas para o setor de Perícia Médica do INSS, cuja atuação institucional trata de
avaliar e atestar a condição de incapacidade para o trabalho decorrente de doença. É certo que
a “linha divisória” entre a condição de indigência ou de vulnerabilidade social e a condição
biológica incapacitante para o trabalho apresentada pelos usuários é quase sempre muito
tênue, pouco visível, revestida de subjetividade para quem avalia e, quando não, inexistente, o
que possibilita julgamentos e decisões institucionais nem sempre aceitos e percebidos como
corretos e justos pelos usuários. Aí residem algumas motivações para as situações que
culminam em agressões físicas e verbais dos usuários/segurados da Previdência dirigidas aos
trabalhadores do INSS no exercício de suas atividades, caracterizando, portanto, episódios de
violência no trabalho. Têm sido conhecidos e divulgados pela imprensa episódios dessa
natureza em várias Agências da Previdência Social, com destaque para as ocorrências
envolvendo lesões físicas, o que, no mínimo, concorre para criar circunstâncias de trabalho
emocionalmente desfavoráveis para os trabalhadores que lidam diretamente com o público.
Não obstante a ocorrência de situações que se caracterizam como violência no
trabalho, as relações sociais que se estabelecem entre os trabalhadores do INSS e os usuários
da Previdência Social nas situações de atendimento ao público são pautadas por um processo
de comunicação e de troca de informações que é intrínseco à atividade, onde não raro estão
96
presentes a cordialidade, a afetividade, o respeito mútuo e a atenção. Por parte dos atendentes,
o relacionamento com os usuários é revestido, de modo geral, pelo desejo de ajudá-los, de
solucionar o problema trazido ou a pendência apresentada, de orientá-los corretamente e, em
suma, de possibilitar ao cidadão usufruir dos direitos sociais que lhes são garantidos por lei,
caracterizando, portanto, uma relação profissional, mas também afetiva, construtiva,
conciliadora, educativa e solidária.
97
CAPÍTULO VI
6 RESULTADOS: FALAM OS TRABALHADORES
Neste capítulo serão apresentados e discutidos os resultados da pesquisa
realizada com aos trabalhadores da atividade de atendimento ao público nas duas Agências da
Previdência Social selecionadas, destacando os aspectos associados à problemática de prazer
e sofrimento no trabalho que se revelaram mais significativos para discussão.
De acordo com a metodologia descrita no Capítulo III, foram utilizados
diferentes instrumentos de coleta de dados em momentos distintos do trabalho de campo, o
que possibilitou um conjunto de informações relevantes em torno dos três temas que
nortearam a investigação e constituíram o conteúdo do questionário e da entrevista:
(a) atividade de trabalho, (b) condições de saúde e trabalho e (c) relações de trabalho. Para a
análise e discussão dos resultados foram priorizados os aspectos mais recorrentes da fala
daqueles trabalhadores, correlacionando-os com os principais conceitos e formulações da
psicodinâmica do trabalho apresentados no Capítulo II. Não obstante a riqueza de conteúdo
dos resultados encontrados, sua análise e discussão não esgotam as possibilidades de
investigação do tema e espera-se que possibilitem interesse e abram perspectivas para novos
estudos.
Iniciando o trabalho de campo, pretendia-se conhecer o processo de trabalho na
atividade de atendimento ao público em Agências da Previdência Social e também os
trabalhadores que o realizam nas duas Agências selecionadas, destacando características
relacionadas à faixa etária, sexo, escolaridade, tempo de serviço na atividade de atendimento
ao público e jornada de trabalho diária, de forma a permitir uma idéia do perfil demográfico e
funcional dos sujeitos que participariam da pesquisa.
98
Quanto ao processo e organização do trabalho e seu significado para os
trabalhadores, foram pesquisados alguns dados que sinalizam algumas questões
organizacionais relevantes, tais como o motivo pelo qual trabalham na atividade de
atendimento ao público, as oportunidades de treinamento e orientação recebidas para a
realização do trabalho, as tarefas inerentes àquele processo de trabalho, o sentimento de
identificação de cada um dos participantes com a atividade, a motivação ou interesse para
trabalhar em outra área ou em outra empresa, a opinião sobre a organização do trabalho e,
finalmente, as mudanças desejadas para a atividade que realizam.
De modo geral, as informações levantadas a partir do trabalho de campo junto
aos trabalhadores das duas Agências são bastante semelhantes quanto ao conteúdo, de modo
que os resultados serão analisados considerando-se o conjunto dos informantes da pesquisa, e
não dois grupos separadamente, já que não foi propósito do estudo estabelecer qualquer
comparação entre os trabalhadores, ou entre as Agências. Igualmente em conjunto serão
analisados os dados coletados através do questionário, da entrevista e da observação.
Inicialmente será apresentado um breve perfil funcional dos participantes da
pesquisa, caracterizando-os, resumidamente, em termos de faixa etária, sexo, escolaridade,
tempo de serviço no INSS, tempo de serviço na atividade de atendimento ao público e jornada
de trabalho diária na atividade de atendimento. Convém ressaltar que as quatro primeiras
características - faixa etária, sexo, escolaridade e tempo de serviço - guardam estreita
correlação com os respectivos dados que caracterizam o perfil do quadro funcional dos
trabalhadores do INSS em todo país, constantes no relatório PERFIL DOS SERVIDORES DO INSS
apresentado no Capítulo V, o que significa dizer que os dados referentes a essas
características no conjunto dos sujeitos que participaram da pesquisa configuram um perfil
demográfico e funcional semelhante ao perfil da população de trabalhadores do INSS no
Brasil. Considera-se, pois, que essa semelhança reforça a concepção de que o grupo de
99
trabalhadores participantes da pesquisa reflete algumas das características da população à qual
eles pertencem.
No tocante à faixa etária, aproximadamente 71% dos participantes da pesquisa
têm idade entre 40 e 50 anos, seguidos de 13% com idade entre 18 e 28 anos, conforme
demonstrado na Ilustração 1.
Ilustração 1: Distribuição por Faixa Etária
71%
8% 13%
8% 18 - 28 anos29 - 39 anos40 - 50 anos51 - 61 anos
Houve predominância de participação do sexo feminino, onde as mulheres
constituem 58% dos sujeitos, representada na Ilustração 2.
Ilustração 2: Distribuição por Sexo
58%
42%
MasculinoFeminino
Quanto à escolaridade, representada na Ilustração 3, todos os participantes
informaram ter o 2º grau completo, e o dado que chama a atenção é a expressiva parcela de
79% deles ter informado escolaridade de nível superior (incompleto, completo ou pós-
graduação), entretanto, realizando atividade de trabalho cuja exigência de escolaridade é
apenas 2º grau, como, por exemplo, a atividade administrativa de atendimento ao público nas
Agências da Previdência Social. De outra parte, alguns trabalhadores que ocupam cargos de
100
nível superior na instituição realizam atividades semelhantes aos colegas que ocupam cargos
de nível intermediário, como, por exemplo, a mesma atividade de atendimento ao público.
Para alguns dos participantes da pesquisa essa situação parece desconfortável e
concorre para sentimentos de frustração e insatisfação com o trabalho, fazendo-se necessário,
segundo um deles, que o INSS corrija tais distorções funcionais.
Ilustração 3: Distribuição por Escolaridade
46% 25%
21%8%
2º grau completo Superior incompletoSuperior completo Pós-graduação
No tocante ao tempo de serviço no INSS, aproximadamente 71% dos
participantes da pesquisa informaram ter mais de 16 anos de serviço, seguindo-se outros 29%
deles que referiram ter menos de 07 anos de serviço na instituição. Nenhum dos participantes
informou ter entre 08 e 15 anos de serviço no INSS, o que, de certa forma reflete a mesma
tendência da população geral de trabalhadores do INSS constante no relatório PERFIL DOS
SERVIDORES DO INSS, apresentado no Capítulo V. Esse dado sugere que há um lapso de
aproximadamente oito (08) anos durante a década de 90, em que praticamente não
ingressaram novos servidores públicos na instituição, reforçando, portanto, o enxugamento do
quadro funcional do INSS, conforme discutido no Capítulo IV.
Especificamente na atividade de atendimento ao público, 50% dos participantes
informaram que estão na atividade há mais de 16 anos. Por razões que extrapolam os limites
desta investigação, não entrarão em discussão os critérios e as práticas de remanejamento
interno que o INSS utiliza com seus trabalhadores, entretanto, esse dado merece registro,
porque dentre as sugestões apontadas pelos participantes foi citada a necessidade de “rodízio
101
interno”, já que nas Agências existem outras atividades administrativas, e não somente a
atividade de atendimento ao público, também compatíveis com a habilitação e cargo que
ocupam. A jornada de trabalho diária na atividade de atendimento ao público foi referida por
75% dos trabalhadores como sendo de até 08 horas.
Metade dos participantes informou já ter trabalhado anteriormente em
atividade de atendimento ao público em outras empresas, instituições, ou mesmo em outras
Agências da Previdência Social. À exceção de um dos sujeitos, todos os demais referiram que
estão trabalhando na atividade de atendimento ao público na Agência por determinação do
próprio INSS, através do Serviço de Recursos Humanos da respectiva Gerência Executiva, e
não por escolha pessoal, nem em decorrência de processo seletivo interno de adequação
funcional. Segundo os trabalhadores, as justificativas institucionais para alocá-los na atividade
de atendimento ao público nas Agências são a falta de pessoal e a necessidade de reforçar o
contingente de pessoal na atividade de atendimento ao público naquelas unidades.
Informaram também não terem conhecimento de que haja critérios explícitos de alocação da
força de trabalho com base em perfis profissionais adequados para a atividade de atendimento
ao público.
Principalmente os trabalhadores mais jovens e com menos tempo de serviço na
atividade de atendimento ao público afirmaram que realizam essa atividade de trabalho sem
uma base consolidada de conhecimentos técnicos que lhes proporcione segurança para tal,
esclarecendo que os treinamentos, cursos de capacitação e aperfeiçoamento oferecidos pela
instituição para qualificá-los para o desempenho de suas atribuições são esporádicos e
superficiais. Eles comentaram que essa condição de “despreparado” lhes causa insegurança,
ansiedade e alto custo emocional para realizar a atividade, o que sugere, dentre outras
possibilidades, nem mesmo o trabalho prescrito é claramente definido, ou plenamente
102
assimilado por aqueles trabalhadores. Esse assunto será retomado mais adiante, quando as
opiniões dos trabalhadores sobre a organização do trabalho forem apresentadas e discutidas.
Mesmo sendo dito por quase todos os sujeitos que não foi sua escolha
voluntária trabalhar na atividade de atendimento ao público da Agência, a maioria deles
referiu identificação com a atividade de trabalho realizada, seja pelo sentimento de utilidade,
pela satisfação pessoal, pelo desejo de ajudar os outros, ou por gostar de tratar com pessoas.
Pelas mesmas razões, a maioria também não deseja mudar de área ou de atividade no INSS.
Ao que parece há certa coerência entre essas respostas relacionadas à identificação com a
atividade de atendimento ao público e ao desejo de nela continuar, podendo residir aí um dos
elementos determinantes para a vivência de prazer no trabalho por parte daquele grupo de
trabalhadores. Falam os trabalhadores...
“Gosto de trabalhar com gente. Quando se consegue resolver um problema de um segurado, isto é bastante gratificante.” (M.B.S1).
“Gosto de trabalhar, principalmente me sentindo útil.” (F.B.7)
“Gosto do atendimento ao público, porque gosto do trabalho direto com pessoas, e não simplesmente burocrático, só mexendo com papéis.” (F.I.S1)
Aqueles que afirmaram não se identificar com a atividade de atendimento ao
público alegaram o caráter estressante da atividade e os impactos disso sobre sua saúde.
Seguem-se alguns depoimentos quanto a esse aspecto:
“... o trabalho realizado pelos funcionários do INSS é altamente estressante, isto é, realizamos um atendimento que carece de treinamento e reciclagem do servidor, nossa saúde física fica comprometida, pois lidamos com um público que é acometido de variadas doenças, entre elas estão: hanseníase, tuberculose, pneumonia e outras mais.” (M.I.4).
“Gosto do trabalho, mas a falta de funcionários e o nível de estresse têm sido muito desgastantes.” (F.I.S2)
103
“Somos obrigados a nos identificar, devido à necessidade de atendimento.” (F.I.S3)
Os que responderam desejar mudar de área ou atividade no âmbito do INSS
justificaram, além das implicações na saúde, dificuldades relacionadas à grande demanda de
trabalho, cobranças de carga horária, pouca valorização pelo trabalho realizado, tanto das
hierarquias institucionais como do próprio público, além do risco de cometerem erros na
execução da atividade e terem que arcar com as implicações e penalidades administrativas daí
decorrentes e os julgamentos sociais correspondentes. Um dos entrevistados fez o seguinte
comentário:
“... já estou meio cansado de trabalhar na Agência, fazendo sempre a mesma rotina, mesmos problemas, poucas soluções e muito trabalho não valorizado, nem mesmo pelo público.” (F.I.8).
Tais justificativas remetem à idéia de conteúdo significativo do trabalho
destacada por Dejours, referindo-se à mensagem simbólica e à subjetividade contidas na
atividade de trabalho. Para ele, a insatisfação com o conteúdo da tarefa é um dos elementos
que concorre para vivências de sofrimento no trabalho, pois um conteúdo significativo
inadequado às potencialidades e às necessidades do sujeito pode resultar em frustrações e
exigir consideráveis esforços de adaptação por parte dos trabalhadores, traduzindo-se em
sentimento de insatisfação, nem sempre expresso através da palavra, mas que pode ser o
ponto de partida para o sofrimento (DEJOURS, 1988, p. 52).
É importante lembrar a definição de trabalho proposta pelo autor, ao afirmar
que o trabalho é “... a atividade manifestada por homens e mulheres para realizar o que ainda
não está prescrito pela organização do trabalho” (DEJOURS, 2004, p. 64-65). O autor, que
utiliza a idéia marxista de trabalho, quer dizer com isso que o trabalho é essa atividade que
envolve gasto de energia para realização de algo, com uma finalidade que está na mente da
pessoa que realiza o trabalho. Portanto, o trabalho é uma atividade inteligente e, desse ponto
104
de vista, ele não é prescritível, porque envolve também o resultado das relações
intersubjetivas entre o trabalhador, seus colegas, chefes, etc.
Lancman reforça que o significado do trabalho vai além do ato concreto de
trabalhar, na medida em que fundamenta a constituição da identidade do sujeito e sua rede de
significados, além de possibilitar sua integração a determinado grupo com certos direitos
sociais. Para a autora, há que se aprofundar no conhecimento e nas discussões sobre o
conteúdo simbólico do trabalho, sobre seus aspectos invisíveis, sobre as relações subjetivas do
trabalhador com sua atividade, com o sofrimento e o desgaste que o trabalho produz e com
suas conseqüências sobre a saúde física e mental dos trabalhadores, reconsiderando sua
dimensão psíquica subjetiva (LANCMAN, 2004, p. 29-31). Depreende-se dessa formulação
que o trabalho não se reduz às relações sociais que ele produz, nem à retribuição que ele gera
e nem às relações de poder que o permeiam.
As opiniões dos sujeitos sobre a atividade de atendimento ao público no INSS
convergem para a percepção de que é um trabalho estressante, cansativo, estafante, muito
desgastante, complexo, criterioso e deficiente em função dos recursos tecnológicos e humanos
e das distorções institucionais. Eles consideram um trabalho arriscado e que exige muito de
quem o executa, sobretudo no que diz respeito ao autocontrole emocional para lidar com a
insatisfação e a agressividade dos usuários. Foram citadas as cobranças internas e também as
cobranças do público, além do alto grau de responsabilidade que a atividade de trabalho
exige. O quantitativo insuficiente de trabalhadores para o volume de atendimentos nas
Agências foi um dos elementos citados de forma mais recorrente. Conforme relatado pelos
trabalhadores,
“... estressante e muito complexa (a atividade de atendimento ao público), em alguns momentos até frustrante; nós somos muito cobrados tanto pelas chefias, como pelos segurados, até mais por esses. A atividade é complexa, porque envolve muitas informações, e é frustrante, porque mesmo com muitas informações a gente não consegue resolver os problemas das pessoas. É um trabalho muito cansativo...” (M.B.3)
105
“(É uma atividade...) extremamente estressante! Se houvesse mais servidores na área de atendimento, teríamos um serviço de melhor qualidade, porque há uma má distribuição de servidores para o atendimento, o número de servidores é muito aquém da demanda de segurados e de serviços oferecidos pela previdência... estressa os dois lados: o nosso e o lado do segurado.” (F.I.9)
Por outro lado, para muitos dos sujeitos a atividade de atendimento ao público
é um trabalho importante, principalmente pelo caráter presencial, pelo “elemento face a face”,
como descreveu um dos trabalhadores, e igualmente interessante e prazeroso, pela sua
finalidade, por não ser rotineiro, porque nenhum atendimento é exatamente igual a outro,
além de ser considerado um trabalho satisfatório, diante das condições que se tem para
viabilizá-lo.
“Acho importante que ele (o trabalho de atendimento) exista; as pessoas precisam do elemento face-a-face no atendimento, pois transmite mais confiança para quem está sendo atendido. Agora também acho um trabalho cansativo para nós, pela falta de mais servidores para fazer o trabalho; é um trabalho que exige muita atenção do funcionário da Agência, é muito criterioso, e a quantidade de colegas que nós temos aqui não dá conta muito bem.” (M.B.2)
“É um trabalho estafante. Interessante também, pois não tem uma rotina, nenhum atendimento é exatamente igual ao outro, e isso é bom. Por outro lado, quando tem algum problema é complicado, cansativo, estressante e muito desgastante.” (M.B.6)
A maioria dos informantes referiu que não se sente bem ao chegar ao trabalho.
Muitos deles referiram insatisfação, desmotivação e expectativa negativa diante da enorme
fila de espera dos usuários aguardando atendimento, tanto do lado de fora da Agência, quanto
internamente. Um dos entrevistados relatou que fica sobressaltado, tem “maus presságios”
quando se aproxima da Agência e, particularmente, acha que nenhum dos funcionários chega
bem ou com boas expectativas àquele ambiente de trabalho. Um outro destacou a necessidade
de se “preparar psicologicamente” para o que o espera no dia de trabalho.
“(Chego...) meio assustado, quando vejo o tamanho da fila lá fora e aqui dentro. Eu penso logo que alguma coisa não está funcionando direito... que
106
vai dar alguma confusão, que o dia não vai ser tranqüilo. Outro dia estava tendo uma agressão aqui dentro quando eu cheguei e, pelo tumulto, eu pensei que era um assalto”. (F.I.8)
“Fico pensando sempre assim: o que será que me espera hoje? Sempre chego com essa expectativa ruim.” (M.I.4).
“A minha 1ª impressão é péssima, é difícil chegar bem aqui. Depois, ao longo do dia, com o desenrolar do trabalho, eu até melhoro.” (M.B.6)
Esses depoimentos aproximam-se da idéia de sofrimento no trabalho ao
expressar a conotação negativa que perpassa o imaginário daqueles trabalhadores quanto à
atividade que realizam. É plausível considerar as repercussões daí decorrentes na saúde
mental daquele coletivo de trabalhadores, em forma de sofrimento, considerado neste
contexto como o espaço que se interpõem entre o campo da saúde e o campo da doença, ou
seja, como espaço de luta entre o bem-estar, de um lado e a doença mental ou a loucura, de
outro (DEJOURS, 1996, p. 153). Em outras palavras, pode-se dizer que o sofrimento funciona
como área intermediária entre a saúde e a doença mental.
Dentre os participantes da pesquisa alguns referiram que após um dia de
trabalho comumente sentem dores de coluna, cansaço, exaustão, esgotamento e estresse. Um
deles relatou que não se sente só cansado fisicamente, mas também mentalmente, e um outro
destacou que sai tão cansado após um dia de trabalho, que quase sempre não consegue fazer
outras coisas da sua vida pessoal quando sai do trabalho, a não ser descansar e dormir.
Também houve relatos de que após um dia de trabalho se sentem aliviados e até gratificados,
principalmente se o dia de trabalho tiver sido tranqüilo, conforme os seguintes depoimentos:
“Depende. Fico mais aliviado se o dia tiver sido tranqüilo, se tiver dado tudo certo, sem complicação” (M.I.4) “(Me sinto...) cansado, mas não é um cansaço que me impeça de fazer outras coisas ou atividades depois do trabalho. Como a gente mexe com muitos processos de benefícios, você vai ouvir de outros colegas também que a gente sai com os processos na cabeça e até sonha com certos processos, não se desliga.” (M.B.2)
107
“... aqui é como se eu fosse matar um leão por dia, porque várias coisas podem dar errado: os sistemas não funcionarem, servidores do atendimento faltarem, os casos complicados, enfim, a gente nunca sabe o que nos espera naquele dia. Por outro lado, a falta de rotina, de nada ser igual todos os dias e em todos os casos, isso é ótimo e sempre me agradou. Acho que é por isso que eu gosto do trabalho aqui.” (F.B.7)
“(Me sinto...) cansado e exausto, sem vontade de voltar no outro dia.” (M.I.10)
Merece registro o comentário de um dos entrevistados ao relatar que ele e
outros colegas, não raro, saem do trabalho à noite, por volta das 20h ou depois desse horário,
pois o movimento de atendimento na Agência é tão grande que alguns funcionários realizam o
serviço administrativo interno à noite, depois de encerrados todos os atendimentos no horário
normal de expediente. Foi relatado que geralmente essa é uma “prática” dos trabalhadores
mais antigos ou dos chefes e supervisores de serviço e que não há recebimento de hora-extra
de trabalho, nem compensação com a alternativa de “banco de horas”.
Quanto ao que eles mais gostam na atividade de trabalho que realizam, o
aspecto mais ressaltado pelos participantes foi o contato com o público, a possibilidade de
conhecer as pessoas, de ajudá-las e de lhes proporcionar o usufruto dos seus direitos enquanto
beneficiários da Previdência Social. Algumas das opiniões...
“(Do que eu mais gosto é...) o contato com o público, mesmo tendo que passar por essas coisas que eu relatei; no atendimento aqui, você se esquece de você e se transpõe para o outro.” (F.B.6)
“O fato de causar e proporcionar um bem às pessoas que chegam aqui é legal; a gente acaba sendo muito útil a alguém, fazendo com que as famílias consigam seus direitos com rapidez, com honestidade, é gratificante.” (M.B.2)
Em seguida foram destacados o contato com os demais colegas e o nível de
cooperação que existe entre eles, como aspectos igualmente positivos da atividade de
trabalho. Particularmente os trabalhadores mais jovens e com menos tempo de serviço no
108
INSS consideram que a carga horária diária de 06 horas regulamentada para os trabalhadores
que realizam a atividade de atendimento ao público nas Agências também é um fator positivo,
pois alguns deles estudam em período distinto do horário de trabalho.
“...com certeza, o contato com os colegas, o nível de cooperação que tem aqui dentro é o que vale a pena. E também quando se consegue atender satisfatoriamente a demanda, os segurados, finalizar e concluir o trabalho, dar uma resolutividade ao caso do segurado.” (F.I.9)
Em contraposição, quanto aos aspectos negativos da atividade de trabalho, a
constatação do grau de desinformação dos usuários e do desconhecimento dos seus direitos
enquanto cidadãos foram destacados pelos trabalhadores como elementos que os desagradam
na atividade de atendimento ao público. Em que pese a aparente surpresa dos trabalhadores
que se referiram a esse aspecto, e a insatisfação daí decorrente, é importante ressaltar que esse
grau de desconhecimento e de desinformação da clientela é parte integrante do trabalho na
atividade de atendimento ao público nas Agências da Previdência Social.
“O nosso público é muito desinformado, e isso é um fator dificultador do nosso trabalho aqui; é difícil fazer alguns segurados entenderem certas coisas, até mesmo as mais simples, e isso me deixa muito angustiado. O que eu menos gosto aqui no trabalho é a ignorância das pessoas que vêm aqui... ignorância no sentido de ignorar mesmo o que vêm buscar aqui, o desconhecimento dos seus direitos.” (F.B.7)
Seguiram-se os aspectos diretamente ligados à instituição, e não à atividade de
trabalho propriamente dita, tais como a pouca valorização dos funcionários, a inexistência de
treinamentos e de capacitação, gerando sentimentos de insegurança e de incapacidade para
realizar o trabalho, as dificuldades operacionais para realizá-lo efetivamente no dia-a-dia, que
muitas vezes impedem de concluí-lo, a falta de uniformização dos procedimentos de trabalho,
a reduzida quantidade de trabalhadores para a grande demanda de atendimentos, a
inadequação e obsolescência das ferramentas tecnológicas e dos sistemas informatizados, o
extenso horário de funcionamento das Agências, as inadequadas condições físicas do
109
ambiente de trabalho, a baixa remuneração, a ausência de autonomia dos trabalhadores e as
atitudes agressivas dos usuários. Para ilustrar, destacam-se os depoimentos de dois
trabalhadores:
“(Do que eu menos gosto aqui...) seria mais com a instituição: falta de treinamento, as informações são dispersas e há pouca valorização dos funcionários.” (M.I.4)
“(Não gosto de...) essa cobrança injusta da qual lhe falei e, além disso, a falta de ferramentas tecnológicas adequadas à realização do trabalho. Ninguém aqui assume a responsabilidade por essas pendências no serviço: poucos funcionários para o volume de atendimentos, sistemas informatizados que não dão conta da demanda de acessos, as condições físicas da Agência, a falta de uniformização de procedimentos, de treinamentos, enfim, é muita coisa Tudo isso atrapalha o serviço, atrasa o atendimento, o andamento da fila de espera, e o caos está instalado!” (F.I.5)
Também pelas razões acima referidas alguns trabalhadores disseram que
preferem mudar de atividade de trabalho e expressaram o desejo de trabalhar em outras
atividades no âmbito do INSS. Um deles comentou que gostaria de trabalhar em qualquer área
que tivesse ascensão funcional, para que pudesse utilizar os conhecimentos de sua respectiva
formação técnica e ter melhores condições de horário e de trabalho. Particularmente quanto a
esse aspecto, cabe esclarecer que o dispositivo de ascensão funcional deixou de existir no
serviço público federal a partir da vigência da Lei 8.112/90, que extinguiu essa modalidade de
provimento de cargo no serviço público.
Dentre as justificativas relacionadas pelos participantes para querer trabalhar
em outro órgão ou empresa, foram citadas questões de melhoria salarial e de perspectivas de
crescimento profissional, desejo de valorização funcional, aquisição de novos conhecimentos
e desejo de melhor ambiente de trabalho. Especialmente a ausência de valorização individual
e a falta de perspectivas de crescimento profissional do trabalhador sugerem aspectos
importantes a serem considerados na relação daqueles trabalhadores com a instituição e com o
trabalho em si.
110
“(Gostaria de trabalhar em outro órgão...) para ter melhores condições de trabalho, condições de adquirir conhecimentos novos, melhoria de remuneração e qualidade de vida.” (F.I.S2)
“Por isso, estou estudando para outros concursos, a fim de preservar minha integridade física e mental.” (M.I.4)
“O INSS não oferece perspectivas de crescimento profissional aos servidores.” (F.B.6) “Gostaria de trabalhar em lugar que valorizasse mais os funcionários.” (F.I.S3)
A valorização no sentido que os trabalhadores requerem aproxima-se do
conceito de reconhecimento, que é uma proposição fundamental na psicodinâmica do
trabalho. Sob a ótica dessa disciplina, o reconhecimento é de natureza fundamentalmente
simbólica, concebido como retribuição esperada pelo indivíduo e que se expressa em duas
dimensões: no sentido da constatação e no sentido da gratidão (DEJOURS, 2004, p. 70-71),
conforme anteriormente discutido no Capítulo II. No contexto desta discussão, situa-se o
reconhecimento no sentido da gratidão pela contribuição dos trabalhadores à organização do
trabalho e como reconstrução dos julgamentos pelo trabalho realizado, sejam esses
julgamentos proferidos pelos superiores hierárquicos, subordinados, pares, colegas, membros
da comunidade, ou cliente, neste caso os usuários da Previdência Social. Nesse sentido, a
ausência de valorização e de reconhecimento nos termos formulados pelos trabalhadores e à
luz da psicodinâmica do trabalho leva a compreendê-la como elemento associado a vivências
de sofrimento para aquele coletivo de trabalho.
Um aspecto que apareceu recorrente entre as respostas de alguns trabalhadores
com pouco tempo de serviço no INSS diz respeito à preocupação com o risco de cometer
erros no trabalho e de tal eventualidade vir a ser qualificada como ocorrência de fraudes, ou
procedimentos ilícitos perante a instituição. À primeira vista poder-se-ia atribuir essa
111
preocupação dos trabalhadores simplesmente ao fato de que historicamente no INSS há
registros de ocorrências dessa natureza, cometidos direta ou indiretamente por funcionários e
que angariaram fortes julgamentos negativos da sociedade brasileira. Embora não seja
objetivo do estudo discutir as razões que subjazem essa problemática, convém registrar que as
duas Agências onde o trabalho de campo foi realizado têm histórico de episódios de fraudes e
de procedimentos lesivos à instituição envolvendo funcionários, num passado não muito
longínquo, o que pode explicar a preocupação de tais trabalhadores com fraudes. Para ilustrar
a questão, seguem-se alguns depoimentos:
“Servidor do INSS não pode errar; caso o servidor falhe, a Polícia Federal acusa o servidor e diz que ele fraudou a instituição. Como posso me sentir preparado nessa instituição, se nunca recebi um treinamento e provavelmente nunca receberei?” (M.I.4)
“Não me sinto seguro em trabalhar no INSS; se eu errar, sou tachado de fraudador.” (M.B.S4)
“Por qualquer coisa a Polícia Federal vem e prende os servidores, sem provas concluídas, nem que seja somente para interrogar e depois liberar, mas prende e todo mundo vê... Isso dá muito medo e por isso nem todo mundo suporta esse tipo de atividade.” (F.B.6)
“O risco de cometer erros e de ser indiciado em processo administrativo para investigar envolvimento com fraude é muito grande e desgastante... Quem é indiciado em fraude se complica, mesmo antes de concluir o processo. Por essas coisas, aqui a gente trabalha com medo.” (F.I.5)
As opiniões dos participantes quanto à organização do trabalho nas duas
Agências pesquisadas elucidam a importância dos fatores organizacionais na realização do
trabalho no dia-a-dia e suas implicações na saúde mental dos trabalhadores. Quanto aos
aspectos relacionados à organização do trabalho, os trabalhadores queixam-se, em grande
medida, da excessiva divisão de tarefas e da sua inadequada distribuição entre eles, das
questões relacionadas à hierarquia, da ausência de participação dos trabalhadores nas decisões
internas, da falta de valorização e de reconhecimento e da insuficiência do quantitativo de
112
trabalhadores na atividade de atendimento para atender a demanda das Agências. Seguem-se
alguns trechos de depoimentos:
“Existe algum esforço para que haja uma organização das atividades... as atividades estão centralizadas em alguns servidores, enquanto outros ficam com menos atribuições e sem interesse em aprender nada além do que já fazem... Não é oferecido nenhum incentivo ao servidor para que ele aumente seu conhecimento, há somente o aumento na sua quantidade de atribuições.” (F.I.8)
“(A organização é...) caótica! poucos servidores, poucas Agências, muitos segurados, muitas tarefas, sendo que a maioria delas complexas, pois demandam respaldo geral, jurídico.” (F.I.5)
Tais aspectos da organização do trabalho aparecem associados às vivências de
sofrimento, reforçando a proposição de que a gênese do sofrimento humano no trabalho está
na organização do trabalho (DEJOURS, 1996, p. 153). Outros estudos, alguns dos quais
citados no Capítulo II também relacionam a excessiva divisão de tarefas, a subutilização do
potencial e da criatividade individual, o excesso de procedimentos burocráticos, a ausência de
participação nas decisões e a falta de reconhecimento à vivência de sofrimento vinculado ao
trabalho. Entretanto, também alguns sujeitos da pesquisa identificam aspectos positivos na
organização do trabalho em que estão inseridos, particularmente naquilo que se refere ao
relacionamento com os colegas e chefias.
“Acho que é ótima (a organização do trabalho), pois trabalhamos com respeito um ao outro, com informações imediatas e liberdade.” (F.B.7)
“Apesar do posicionamento de alguns funcionários, existe uma equipe bem integrada, que discute problemas de legislação, boa liberdade para a realização das tarefas e chefias bem acessíveis e comprometidas com o serviço.” (F.B.S1.)
“Nesta Agência, penso que de modo geral, não temos tantos problemas.” (F.B.S5)
113
Ainda em relação à organização do trabalho nas duas Agências, as opiniões de
alguns dos sujeitos a qualificam como confusa, inexistente, conforme depoimentos seguintes:
“Às vezes é confuso, mas na maioria das vezes conseguimos contornar os problemas; falta mais coordenação.” (M.B.S6)
“Não existe organização nenhuma; cada um faz o que sabe e o que pode.” (M.B.S4)
A partir do conteúdo desses depoimentos, pode-se inferir que os trabalhadores
utilizam sua iniciativa, sua criatividade e seus saberes específicos, para viabilizar a
concretização do trabalho de atendimento ao público no dia-a-dia das Agências, construindo a
organização real do trabalho. Assim sendo, resgata-se a concepção de “inteligência prática” e
de “engenhosidade” formulada pela psicodinâmica do trabalho, no sentido de que o trabalho
propicia a criação do novo para ajustar a organização prescrita do trabalho, fazendo-se
necessário, para isso, que o trabalhador lance mão do artifício da iniciativa, da inventividade,
da criatividade e de formas de inteligência específicas que possui. Para Dejours, “é o trabalho
que produz a inteligência, e não a inteligência que produz o trabalho” (DEJOURS, 2004,
p. 66). Ele complementa sua argumentação, afirmando que quando o uso dessa inteligência
prática não é contrariado ou combatido, e sim é permitido e, mais que isso, quando se
reconhece a sua contribuição para a organização do trabalho, aí se inscreve uma fonte de
prazer no trabalho que é fundamental para a saúde do indivíduo, pois confere ao trabalho a
condição de mediador privilegiado da realização desse indivíduo e da construção de sua
identidade (DEJOURS, 2004, p. 278-279).
Dentre as características e habilidades ou aptidões que os sujeitos da pesquisa
consideram ser esperadas dos trabalhadores que realizam a atividade de atendimento ao
público nas Agências da Previdência Social sobressaíram-se, de um lado, aquelas mais
relacionadas às características de personalidade e à singularidade, tais como, paciência, calma,
114
“jogo de cintura”, cautela, educação no trato pessoal, bom humor e autocontrole emocional,
conforme apareceram nos seguintes relatos:
“(Acho necessário...) educação e bom humor. Senso de responsabilidade também. Aquilo que você gostaria que não acontecesse com você, não aconteça com o segurado. Por isso, acho que tem que ter uma boa formação pessoal, além, claro, de uma boa formação técnica.” (F.B.7)
“... Paciência, abstração, para raciocinar antes de fazer as coisas... ter cuidado, estudar muito e também ter muito sangue frio.” (F.B.6)
“Muita paciência e jogo de cintura, porque tem hora que a gente não agüenta.” (M.I.10)
“Calma, cautela, atenção, ser estudioso para estar bem informado e passar confiança à pessoa que está atendendo. Os segurados já vêm pra cá muito estressados, muitos não sabem nem seus direitos... a gente tem que estar preparado.” (M.I. 4)
Eles reconhecem, também, a necessidade de bom conhecimento técnico, tanto
na área de benefícios como na área de informática, para atender às solicitações demandadas e
operacionalizar os sistemas informatizados, além de ter muita atenção, senso de
responsabilidade, objetividade, preocupação em atender corretamente, comprometimento com
o trabalho e envolvimento com o que faz.
Todos eles referiram a ausência de apoio institucional para desenvolver tais
características ou habilidades. Mesmo quanto à aquisição de conhecimento técnico, as
opiniões são de que os cursos, treinamentos, reciclagens, ou programas de capacitação
institucionais são inexistentes e, quando muito, esporádicos, pouco consistentes, inadequados
e não contemplam as reais necessidades do trabalho no dia-a-dia de atendimento, conforme já
citado anteriormente. Alguns comentaram que essa ausência de suporte técnico gera
insegurança para realizar a atividade e, como tal, é fonte de ansiedade e estresse, sobretudo
para os trabalhadores novatos na atividade de atendimento ao público. Relataram que se
prepararam tecnicamente bem para o concurso do INSS e aprenderam a legislação
115
previdenciária relativa à área de benefícios, mas que o aprendizado da atividade de
atendimento ao público acontece no dia-a-dia, descobrindo coisas novas e esclarecendo
dúvidas com os colegas mais experientes.
“Não tive apoio daqui prá isso. São nossas características pessoais mesmo. Acho que aqui ninguém teve esse apoio da instituição” (F.I. 5)
“Nenhum (apoio). São coisas que cada um trouxe de sua personalidade. Falta treinamento, capacitação, reciclagem, enfim, falta tudo aqui!” (F.I.9)
“Não (tive apoio). Aqui é cada um por si.” (M.B.3)
“Não (tive apoio). Desenvolvi essas coisas na marra!” (F.B.6)
“Não (tive apoio). Aqui a gente cai de pára-quedas... não tem treinamento. É ruim assim mesmo, e isso é fonte de estresse. A gente pode errar sem saber o que está fazendo, a gente não tem segurança. E olhe que mexe com dinheiro!” (M.B.1)
Alguns comentaram, também, que inexistem reuniões de serviço para discutir
as rotinas de trabalho, as mudanças introduzidas na legislação e as normas internas do serviço,
e que não há sala destinada para a realização de reuniões nas Agências.
“Eu me preparei pra isso(para o trabalho) quando fiz o concurso. Os sistemas e a legislação mudam muito e de repente. Às vezes, a gente nem sabe que uma coisa mudou; a gente vai aprendendo fazendo, não tem espaço para reunião, para discutir a legislação, o que mudou, as rotinas, etc. Aliás, aqui na Agência não tem nem espaço físico para reunião dos servidores, e a gente acaba aproveitando o horário de almoço na copa para falar do trabalho.” (M.B.2)
Enfim, na opinião dos sujeitos, as características, habilidades ou aptidões que
eles consideram necessárias ou importantes para realizar a atividade de atendimento ao
público nas Agências da Previdência Social fazem parte de suas características individuais,
são intrínsecas à personalidade de cada um, pois não receberam qualquer apoio da instituição
para desenvolvê-las, levando-os a lançarem mão de requisitos e de característica pessoais, de
116
saberes individuais, de sua criatividade e iniciativa, para realizar sua atividade de trabalho.
Em termos de psicodinâmica de trabalho, esses depoimentos refletem o conceito de
engenhosidade e de inteligência prática, formulados por Dejours e já comentados
anteriormente.
Especificamente no tocante às contundentes respostas dos trabalhadores
quanto à necessidade de aperfeiçoamento da organização de trabalho em que estão inseridos,
Lancman, argumenta que é importante compreender a influência da organização do trabalho
na qualidade de vida, na saúde mental, na geração do sofrimento psíquico, no desgaste e nas
formas de adoecimento dos trabalhadores, não somente para compreender e intervir nas
situações de trabalho que produzem sofrimento, mas, principalmente, para transformar essas
formas de organização, de modo que venham a ser favoráveis à saúde mental. Para a autora, o
trabalho é, por excelência, “a oportunidade central de crescimento e de desenvolvimento
psíquico do adulto” (LANCMAN, 2004, p. 33).
Tal como relatado pelos trabalhadores, a grande demanda de usuários e a forma
de operacionalização da atividade de atendimento ao público nas Agências contribuem para
favorecer a formação de grandes filas, atrasos no atendimento, podendo causar insatisfação,
impaciência, inquietação e desconforto às pessoas que aguardam atendimento.
“O trabalho é dificultado pela excessiva divisão de tarefas através de senhas de acesso a diferentes sistemas, o que torna o processo de atendimento lento, causa insatisfação ao público e impaciência na fila. O controle também é insatisfatório, pois as regras internas do INSS são tão complicadas quanto a legislação previdenciária.” (F.B.6)
Se assim o for, é possível pensar que a organização do trabalho descrita pelos
sujeitos, concorre, indiretamente, para algumas dificuldades vivenciadas por eles no cotidiano
da atividade de atendimento ao público, e estas, por conseguinte, podem repercutir na
percepção que os usuários e a sociedade em geral têm do serviço de atendimento ao público
nas Agências da Previdência Social, cujos atores principais e alvos preferenciais de
117
responsabilização e críticas são os próprios trabalhadores. Essa “atribuição de
responsabilidade” aos atendentes pode-se constituir em elemento favorecedor de sofrimento
psíquico ao coletivo de trabalho estudado.
Quanto às sugestões de mudanças na atividade de trabalho apontadas pelos
trabalhadores destacam-se, de forma bastante evidente, aquelas relacionadas à necessidade de
aperfeiçoamento da organização do trabalho vigente nas Agências e à valorização e
reconhecimento dos trabalhadores, bem como do trabalho de atendimento ao público. As
respostas mais recorrentes dizem respeito à necessidade de valorização e de reconhecimento,
tanto dos trabalhadores como do trabalho executado, à necessidade de maior quantidade de
trabalhadores para atividade de atendimento ao público nas Agências, à maior eficiência dos
sistemas informatizados com os quais trabalham diariamente, à melhor infra-estrutura das
unidades de atendimento, melhor distribuição das tarefas, melhores equipamentos e material
de trabalho, melhores salários, mais treinamentos, cursos, reciclagens, discussões internas
sobre o trabalho e maior participação dos funcionários nas decisões que envolvem as
Agências da Previdência Social. Seguem alguns trechos de depoimentos:
“(Falta...) tudo. Deveria haver valorização do servidor, treinamentos, reciclagens, gerência capacitada e participativa e também cuidados com a saúde do servidor.” (M.I. 4)
“(Gostaria...) que fossem valorizados os servidores que procuram de alguma forma, ou da melhor forma, desenvolver suas atividades. E também melhores condições físicas (equipamentos e materiais de trabalhão) para desenvolvê-las.” (F.I.8)
“(Sugiro que haja...) maior valorização do trabalho executado.” (F.I.S1)
“(Gostaria...) que fossem contratados mais servidores capacitados habilitados em concurso...” (F.I.9)
“(Sugiro...) mais funcionários, equipamentos em perfeito estado de funcionamento e melhores sistemas (informatizados). (M.I.S7)
118
“Falta mais reconhecimento dos dirigentes; o salário, por exemplo, é baixo para o grau de complexidade e responsabilidade do nosso serviço. Que capacitassem todos os funcionários, a fim de não sobrecarregar os que mais sabem e são comprometidos com o Instituto.” (F.I.S8)
“Gostaria de obter mais informações e treinamento para as atividades que desempenho. Os sistemas também poderiam funcionar melhor.” (M.B.2)
“(Que tivesse...) maior suporte e treinamento para todos os funcionários e maior participação dos funcionários.” (M.B.S4)
No tocante à opinião sobre a factível participação dos trabalhadores nas
discussões e decisões nas Agências, os sujeitos da pesquisa se posicionaram de forma
divergente, pois para alguns tal participação é inexistente, fruto de um modelo de gestão
centralizador, em que as decisões e determinações que impactam diretamente o serviço e o
funcionamento da Agência vêm da administração central do INSS. Os trabalhadores que
comungam dessa opinião afirmaram que isso traz conseqüências negativas para o trabalho,
porque não se conhece o que o trabalhador pensa sobre aquilo que ele mesmo faz e, em
síntese, ele, o trabalhador, não é ouvido. Daí o desejo de participarem efetivamente das
discussões e decisões que dizem respeito ao trabalho e à melhoria do funcionamento das
Agências. Seguem-se alguns depoimentos dos trabalhadores, quando questionados se existe
participação dos servidores nas discussões e decisões que envolvem a Agência:
“Não. A gente aqui não é ouvido, e eu acho isso lamentável. Tem a tentativa do PGA (Programa de Gerenciamento do Atendimento), que é muito superficial, e eu não vejo muita eficácia ” (F.I.5)
“Não. Eu acho ruim, porque não se ouve o que o servidor pensa. Todo mundo diz que aqui (a área de atendimento) é o inferno. Aqui não tem discussão, não se discutem as instruções, as leis, as normas de funcionamento... é tudo de cima pra baixo!” (M.I.4)
“Não. Tudo vem de cima. Acho péssimo, porque quem dá as ordens, as determinações, não está aqui, não sabe o que acontece aqui no dia-a-dia de uma Agência funcionando. Acho também que tem falha da chefia, que não dá feedback aos lá de cima, quando as coisas não dão certo aqui embaixo.” (F.B.6)
119
“Na maioria das vezes as decisões são de cima pra baixo – “cumpra-se”. Vêm de Brasília, vêm da Gerência Regional, da Gerência Executiva aqui do Rio..., mas quando a coisa aperta, a gente é ouvido.” (M.B.2)
Outros participantes consideram que existe, sim, participação dos trabalhadores
nas sugestões e discussões do trabalho para melhoria do serviço e da Agência, dentro do que é
possível discutir e participar. Essa participação é vista como positiva para a qualidade do
atendimento e melhor funcionamento do serviço. Eis algumas opiniões:
“Sim (tem participação). Nós discutimos o que é possível quanto à demanda de segurados e às possibilidades concretas de atendê-la, já que isso afeta todos do atendimento. Isso facilita bastante, porque é uma forma de todos se comprometerem com o que foi discutido e decidido; se a gente não criar esse espaço, não adianta que a coisa não sai, não anda.” (F.I.9)
“Em parte. A maioria dos chefes aqui na Agência aceita sugestões, e isso me surpreendeu. Acho isso fundamental para o trabalho, para a qualidade do atendimento e para a imagem do INSS.” (M.B.1)
Conforme se percebe dos depoimentos acima quanto à participação dos
trabalhadores nas formulações e decisões institucionais que dizem respeito às Agências e à
atividade de atendimento ao público, há diferentes percepções entre os trabalhadores. É
provável que essas percepções divergentes estejam também relacionadas a modelos distintos
de gestão das próprias unidades de atendimento, o que não se constitui objeto de análise ou
discussão no escopo deste estudo.
Dentre as sugestões apontadas pelos trabalhadores para tornar a atividade de
atendimento ao público mais interessante, a referência aos aspectos relacionados à
organização do trabalho foi predominante, com destaque para a realização de programas de
capacitação, treinamento e profissionalização para os trabalhadores, seguindo-se a sugestão de
aumentar a quantidade de trabalhadores na atividade de atendimento ao público nas Agências.
Além disso, foi citada a necessidade de uniformização de procedimentos e de rotinas de
trabalho entre as Agências e também dentro da mesma Agência, bem como a sugestão de
120
melhores condições físicas, estruturais e instrumentais de trabalho. Também foi apontada
como sugestão uma nova forma de interação entre os trabalhadores, as chefias e os
supervisores das Agências, instituindo-se a prática de realizar reuniões de serviço para discutir
o trabalho que vem sendo executado, esclarecer dúvidas e analisar as novas instruções e
normas internas. Alguns entrevistados assinalaram, ainda, a necessidade de autonomia das
Agências no que diz respeito às decisões e diretrizes que impactam o funcionamento dessas
Unidades, a participação dos próprios trabalhadores nas discussões e a necessidade de
valorização e reconhecimento profissional dos atendentes por parte das hierarquias do INSS,
conforme se pode depreender dos depoimentos abaixo.
“Maior diálogo dentro do INSS por parte das chefias, das diretorias e maior reconhecimento da agente e do nosso trabalho. Aqui, nós somos mais um no meio da multidão. A gente se sente esquecido, e é cada um por si. As demandas de trabalho são incompletas, e a gente acaba contornando as coisas. É uma sensação de que o que a gente produz é pouco; as coisas aqui não andam” (M.B.3)
“A gente aqui quase não fala sobre isso (sobre o conteúdo da entrevista). Como sugestão, acho que treinamento, para dar segurança ao pessoal; rotatividade dos servidores entre as muitas atividades da Agência, para uns conhecerem o que os outros fazem. O INSS poderia ter algumas formas de integração entre as pessoas, entre as Agências.” (M.B.2)
“Que houvesse reuniões de serviço para discutir o trabalho, tirar dúvidas, esclarecer as coisas, pois reuniões não existem, nem mesmo para discutir as instruções que chegam sobre o serviço, mudando alguma coisa; cada um que leia seu e-mail, veja o que mudou e faça ao seu estilo, ao seu entendimento... isso não é coletivo. Também sugiro que as diretrizes da Agência sejam tomadas pela própria Agência, de preferência com a nossa participação.” (F.B.6)
De certa forma, o desejo de proximidade com as hierarquias institucionais e de
participação mais efetiva nas decisões refletem a necessidade de valorização e de
reconhecimento que os trabalhadores requerem e reforça a importância de imprimir sua marca
pessoal no trabalho que realizam.
121
Um dos aspectos citados nos depoimentos dos sujeitos refere-se à sugestão de
“rodízio” dos trabalhadores da Agência entre as diversas atividades que ali são realizadas,
bem como de remanejamentos internos no âmbito do INSS, entre setores e áreas. Embora não
se pretenda problematizar o assunto, merece registro o depoimento de um dos trabalhadores
entrevistados, pois sinaliza a questão do remanejamento de pessoal como uma das
possibilidades de promover adequações na alocação dos trabalhadores entre os diversos
postos de trabalho, principalmente dos trabalhadores que se sentem pouco satisfeitos com as
atividades que realizam na instituição:
“Não tenho sugestões (para melhorar o trabalho), porque não tenho interesse nessa atividade; isso não é pra mim, essa atividade não me traz satisfação. A única coisa que gratifica é o conhecimento da Previdência; eu detesto trabalhar com o público; só faço porque é o jeito.” (M.B.2)
Pelo conteúdo do depoimento, é de se esperar que esse trabalhador esteja
insatisfeito com a atividade que realiza e, talvez, deseje atuar em outra área ou atividade da
instituição, para que possa se sentir mais gratificado com o trabalho. É desejável que situações
como essas possam ser equacionadas pela instituição, para permitir que o trabalho seja
realmente favorável à saúde física e mental, conforme postulado por Dejours (1986, p. 10).
Uma outra questão que veio à luz a partir dos comentários de dois
trabalhadores quando das sugestões para tornar a atividade de atendimento ao público mais
interessante diz respeito à desinformação do público que freqüenta as unidades do INSS,
conforme percebida por eles nos seguintes depoimentos:
“(Gostaria...) que os segurados fossem mais bem informados, que os brasileiros entendessem melhor os direitos deles.” (F.B.7)
“O público é muito, muito desinformado, não sabe nada dos seus direitos, não entendem nem o que eles querem requerer; às vezes vêm pra cá pra requerer coisas que não são aqui, como por exemplo, carteira de identidade, coisas do imposto de renda, certidões da junta comercial, e quando a gente diz que isso não é aqui, eles querem que a gente informe até como se chega
122
nesses lugares, qual ônibus pega, você acredita? Isso atrapalha nosso trabalho e toma um tempão do atendimento. Gostaria que o público tivesse acesso à legislação do seu próprio país com mais facilidade, que os políticos não usassem a previdência para fazer demagogia...” (F.B.6)
Em que pese a possibilidade de tais opiniões vir a facilitar, ou melhorar a
atividade de atendimento ao público realizada pelos trabalhadores das Agências da
Previdência Social, a questão levantada nesses depoimentos aponta para o perfil da clientela
usuária dos serviços previdenciários, tal qual descrito no Capítulo V. Reflete, de forma
elucidativa, os dilemas da consolidação da cidadania para uma significativa parcela da
população brasileira, ainda destituída do usufruto de muitos bens e serviços e do acesso à
informação, inclusive sobre seus próprios direitos. Entende-se que o aspecto aqui levantado
extrapola os limites institucionais do INSS e adentra outros espaços interinstitucionais da
esfera governamental e da sociedade brasileira, privilegiando o campo das políticas sociais
voltadas para a promoção da cidadania, onde primam a redução das desigualdades sociais, a
melhoria dos níveis de escolaridade, o acesso aos bens, à renda, à informação e aos serviços
essenciais oferecidos pelo Estado. Além disso, conforme já comentado anteriormente, é
importante reconhecer que o grau de desconhecimento e de desinformação da clientela é parte
integrante do trabalho na atividade de atendimento ao público nas Agências da Previdência
Social.
Para a maioria dos sujeitos da pesquisa, a imagem que as pessoas em geral têm
da atividade de atendimento ao público e do INSS é uma imagem negativa, e assim também
vêem o trabalho dos atendentes, com certa desconfiança, com a idéia de que o funcionário vai
sempre favorecer o INSS, em detrimento dos direitos dos cidadãos. Segundo os informantes,
seus próprios familiares não atribuem muito valor ao trabalho de atendimento ao público nas
Agências e não o vêem com muita satisfação, entretanto acham um trabalho sério e de
responsabilidade e acreditam que cada um dos trabalhadores se empenha em fazê-lo da
melhor forma possível. Ademais, consideram-na uma atividade de trabalho arriscada,
123
temerária e passível de envolvimento em fraudes, já que os próprios trabalhadores expressam
a constante preocupação de não cometerem erros e de não serem caracterizados como
fraudadores. Falam os trabalhadores...
“O INSS é muito mal visto pela população e pela sociedade em geral. Eu particularmente acho que os servidores mais antigos são admiráveis, porque suportaram e ainda suportam muitas coisas aqui; eu quero sair daqui, eu não quero isso pra mim, e por isso mesmo continuo estudando para fazer concursos para outras coisas” (F.B.6)
“(Meus familiares...) não vêem muito bem (esse tipo de trabalho); a imagem do INSS não é nada boa, embora a gente, que é funcionário e que leva o trabalho a sério se esforce o máximo.” (F.I.8)
“(Meus familiares...) não vêem com muito valor. Realmente é um trabalho de risco, sujeito a fraudes, a gente fica muito vulnerável, não tem segurança nem de estar aqui, pois não tem detector de metal, e qualquer um pode entrar aqui armado e fazer o que quiser. Minha família não vê com muita satisfação.“ (F.I.9)
“(Meus familiares acham um trabalho...) arriscado. Aqui a gente fica com essa preocupação de não cometer erros, de não ser caracterizado como fraudador, de não ser preso... e isso é muito ruim.” (M.I.4)
Embora o conteúdo do questionário e da entrevista não tenha explorado
aspectos relativos à imagem do INSS no imaginário social, entende-se que não é desprezível
considerar as repercussões dessa imagem institucional negativa na auto-imagem dos próprios
trabalhadores, sobretudo no que tange às representações subjetivas relacionadas ao exercício
da atividade, adicionando, dessa forma, mais um elemento às vivências de sofrimento
psíquico aos trabalhadores.
Houve unanimidade entre os participantes da pesquisa quanto à percepção de
que a atividade de atendimento ao público que realizam oferece riscos para sua saúde, tanto
física quanto mental. No que diz respeito à saúde física, todos os participantes referiram que
por atenderem um grande e diversificado contingente de pessoas no dia-a-dia de trabalho,
estão expostos a contrair doenças, principalmente quando atendem os segurados
124
encaminhados para o setor perícia médica da Agência, que podem ser portadores de doenças
consideradas graves e contagiosas dentre as quais tuberculose, hanseníase, aids, hepatite, etc.
“Sim (oferece riscos). Todos os tipos de riscos, a começar pelos físicos, que envolvem doenças contagiosas, como por exemplo, tuberculose e outras mais. Há um contingente muito grande de pessoas, vírus e bacilos circulando por aqui, além da manipulação de documentos antigos, mofados. E tem os riscos psicológicos, em que às vezes o segurado não te respeita, grita, xinga, agride, e a gente não tem respaldo de nada, nem de ninguém ” (F.I.5)
Alguns dos sujeitos citaram como risco à saúde física o manuseio de
documentos antigos e mofados trazidos pelos usuários, o que os predispõem a quadros
alérgicos respiratórios e à incidência de fungos e micoses nas mãos e unhas. Não obstante
esses relatos, nenhum dos participantes afirmou conhecer qualquer atividade de
esclarecimento por parte de setores do INSS para prevenção ou cuidados com essas doenças,
visando a tranqüilizá-los ou orientá-los quanto a esses riscos. Alguns informaram desconhecer
qualquer ação da área de Recursos Humanos do INSS voltada para identificar e minimizar as
repercussões negativas da atividade de atendimento ao público na saúde dos atendentes, bem
como as repercussões das demais atividades de trabalho da instituição na saúde dos outros
trabalhadores do órgão.
Conforme disposto no Decreto nº 5.879/2006, tanto a Diretoria de Recursos
Humanos como a Diretoria de Atendimento do INSS não contemplam claramente em suas
atribuições qualquer referência às questões relacionadas à saúde dos trabalhadores que atuam
nas Agências da Previdência Social e na instituição como um todo (Decreto nº 5.870/2006,
Anexo I. Capítulo IV, Seção II, Art. 12º e Seção III, Art. 14º). À luz dos dispositivos
regimentais e também pelos depoimentos dos trabalhadores entrevistados, percebe-se que as
ações, programas, projetos, estudos, etc. dirigidos à saúde dos trabalhadores do INSS em
geral, ou especificamente à saúde dos trabalhadores que realizam atividade de atendimento ao
125
público nas Agências da Previdência Social são inexistentes, desconhecidas, ou não são
explícitas Para ilustrar essa questão, segue o comentário de um dos trabalhadores:
“Aqui no INSS não conheço nenhum programa preventivo de saúde do servidor, nem mesmo assistencial, se for o caso de adquirir uma doença do trabalho.” (M.B.3)
Outros trabalhadores citaram também riscos de doenças articulares, dores nos
membros superiores, pescoço, coluna vertebral e fizeram referência à disposição dos
equipamentos de informática utilizados como instrumentos de trabalho, cujos monitores e
mouses estão dispostos, de forma padronizada, do lado esquerdo das mesas de atendimento,
sem que nenhum dos participantes seja sinistro, e a grande maioria dos trabalhadores que
atende ao público seja destra.
“Observe esses computadores! Os monitores e mouses são todos do lado esquerdo, e aqui não tem ninguém canhoto, veja que absurdo!” (M.B.6)
Em estudo realizado junto aos trabalhadores da seguridade social em Porto
Alegre, Crespo et al. encontraram situação semelhante quanto à disposição dos equipamentos
de informática nas unidades de atendimento ao público entre os trabalhadores do INSS
naquela cidade. Os pesquisadores relatam que as cadeiras dos guichês de atendimento não têm
suporte de braço e que é recorrente o caso de os trabalhadores das Agências percorrerem uma
grande distância para pegar folhas ou documentos impressos, já que as impressoras são
compartilhadas com vários guichês no serviço de atendimento ao público (CRESPO et al.,
2004, p. 373).
Nas duas Agências em que o trabalho de campo desta pesquisa foi realizado,
foi observada a disposição das impressoras na área de atendimento, tal qual descrita por
Crespo et al., fazendo com que os trabalhadores se desloquem com freqüência dos seus
guichês de atendimento, para apanhar documentos impressos, já que a impressora é
126
compartilhada, havendo situações em que se forma uma pequena “fila” próximo à impressora,
onde eles aguardam os documentos impressos solicitados. Os informantes não fizeram
referência a qualquer preocupação ou cuidado promovido pela instituição quanto a esses
aspectos ergonômicos da situação de trabalho.
Os trabalhadores também consideram perigoso para sua saúde mental o
elevado nível de estresse envolvido na atividade de atendimento ao público que eles realizam,
seja pelo volume de pessoas à espera de atendimento, pela complexidade da própria atividade,
pela insegurança para realizá-la, ou pela constante preocupação com o fato de não cometerem
erros na execução do serviço. Relataram casos de colegas bastante nervosos durante as
situações de atendimento, apresentando quadros de dor de cabeça e também de hipertensão
arterial. Houve também referência ao desgaste psicológico expresso em quadros de estafa e de
insônia, diante da constante preocupação de ter feito o trabalho corretamente e sem erros, de
não conseguir se desligar do trabalho, mesmo estando fora do ambiente institucional, e até de
“sonhar” com os processos de benefícios e com as situações vivenciadas ou relacionadas ao
trabalho, conforme depoimentos já citados anteriormente.
“...além disso, tem o estresse, e quando a gente faz alguma coisa errada e não consegue consertar o erro, a gente nem dorme à noite....” (M.B.6)
“O risco fundamental é que esse tipo de trabalho é uma máquina de fazer estresse: repetir as mesmas coisas, conversar com muita gente e dizer a mesma coisa várias vezes todos os dias é muito estressante; e o estresse é a porta para outras doenças.” (M.B.1)
“Logo que comecei a trabalhar aqui fiquei com estafa, insônia, vivia pensando nos processos, se eu fiz mesmo tudo direitinho, sempre preocupado com o trabalho e sem conseguir me desligar.” (M.I.4)
A maioria dos sujeitos da pesquisa informou que já teve alguma doença que
atribui estar relacionada ao trabalho, entretanto, que não consta nenhum registro como tal
junto ao serviço médico da área de Recursos Humanos do INSS. Os relatos incluem
127
vulnerabilidade a gripes e resfriados de forma freqüente, incidência de fungos nas mãos e
unhas pelo manuseio direto de papéis e documentos antigos, danificados, mofados, etc., casos
de alergias respiratórias, problemas visuais em decorrência de contato prolongado com a tela
dos monitores de computador, quadros de conjuntivite recorrente e prolongada entre os
colegas, problemas articulares, além de agressões físicas. Nos casos em que tais doenças
geram afastamentos por licença-médica, eles informaram que não há qualquer correlação com
a atividade de trabalho que realizam. Um dos trabalhadores respondeu que desconhece, na
instituição, qualquer instância, programa ou projeto voltado para o cuidado com a saúde dos
trabalhadores do INSS, e até mesmo o cumprimento à exigência legal de exames periódicos
para o corpo funcional.
“Aqui tem época que quase todo mundo pega conjuntivite, pois é muita gente neste ambiente fechado, não tem como escapar. Pior, é que é recorrente... esse ambiente é muito insalubre, poluído, sem limpeza adequada; prá você ter uma idéia, desde que eu cheguei aqui nunca vi, nem soube da limpeza desses filtros de ar condicionado; dê uma olhada aqui pro teto e veja essa sujeira, de anos, a gente respirando isso diariamente, não tem pulmão que agüente. Pior é o desgaste psicológico com tudo isso... Tive conjuntivite e tenho rinite alérgica, sinusite e alergia respiratória, prá resumir. Não houve registro como tal no INSS e esses afastamentos entraram como licença médica normal. Também sinto dores nas articulações e na coluna. Recentemente estive afastada, acho que é o peso de todas essas coisas.” (F.I.9)
“Minha visão ficou muito prejudicada com essa tela de computador na minha frente durante muito tempo. Eu trouxe de casa uma proteção para a tela, porque o INSS não está nem aí...” (M.B.2)
De acordo com Crespo et al., não há legislação específica sobre as doenças
relacionadas ao trabalho para os trabalhadores do serviço público em geral e, além disso,
segundo o estudo desses pesquisadores não existem dados sistematizados – por parte dos
governos, dos sindicatos, de organizações e de outras instituições – sobre as doenças do
trabalho no serviço público. Os autores afirmam que, dentre outras implicações, essas lacunas
contribuem para a ausência de políticas de saúde voltadas para os trabalhadores não só do
128
INSS, mas também de todo o serviço público, além de dificultar a mobilização dos mesmos
por leis e melhorias das condições de trabalho (CRESPO et al. 2004, p.372).
Um outro aspecto destacado pelos trabalhadores de forma recorrente foi o
risco de agressão e violência física e também a ocorrência de episódios dessa natureza nas
situações de atendimento ao público, incluindo-se os insultos verbais, os xingamentos, o
desacato e outras formas de desrespeito para com os atendentes. Segundo alguns
depoimentos, a instituição não tem levado em consideração tais episódios para preveni-los, ou
orientar os trabalhadores como procederem em tais situações. Eis alguns relatos:
“Primeiramente, o risco físico de agressão e de contrair uma doença qualquer... isso não é visto pela instituição; o risco de ser agredido se estende à falta de respeito verbalmente conosco e à tortura psicológica. Acho até que a culpa disso nem é deles, dos segurados, e a gente tem é que fazer um esforço para agüentar e para lidar com isso” (F.I.8)
“Outro risco que eu vejo é a violência, o desacato aos servidores.” (M.B.2)
No tocante a uma possível correlação entre ocorrência de tais agressões e
questões de gênero, há divergência de opinião entre os sujeitos. Alguns acham que as
agressões dos segurados para com os atendentes independem se estes são homens ou
mulheres, já que ocorrem indistintamente com ambos e têm acontecido com certa freqüência
nas Agências. Outros acham que as agressões são mais freqüentemente dirigidas às
trabalhadoras mulheres, seja porque elas são maioria na atividade de atendimento, ou porque
parecem mais frágeis, ou, mais ainda, por covardia dos agressores, que não têm coragem de
enfrentar um trabalhador homem. Também houve opiniões de que os homens são mais
frequentemente alvo de agressões no exercício da atividade. Entretanto, parece haver
concordância de opiniões quanto ao fato de que os segurados homens são quem mais agridem
e destratam os trabalhadores da atividade de atendimento ao público nas Agências. Seguem
alguns trechos das falas dos trabalhadores sobre esse aspecto:
129
“Acho que independe (se homens ou mulheres são mais agredidos); agora, quem agride mais, xinga mais são os segurados homens.” (F.B.7 - feminino)
“Geralmente um segurado não enfrenta um servidor homem. Os colegas homens que entraram no concurso comigo não passaram a metade do que eu já passei aqui no atendimento.” (F.B.4 - feminino)
“Agressões são mais dirigidas aos homens. Raramente vejo algum segurado tratar mal as mulheres aqui. Acho que é porque a gente reage com mais firmeza.” (M.B.2 – masculino)
Houve relato de que há um tempo atrás um usuário chegou ao guichê de
atendimento portando revólver e o colocou em cima da mesa, permanecendo assim durante
todo o atendimento. Outro relato fez referência ao fato de que alguns segurados ameaçam
“pegar” o funcionário fora do ambiente de trabalho, caso o benefício requerido não seja
concedido pelo INSS. Um dos trabalhadores comentou que os agentes de segurança que
prestam serviço nas Unidades de atendimento do INSS destinam-se a garantir a segurança dos
bens patrimoniais, e não dos trabalhadores, mesmo quando estes estão em situações de risco
ou ameaça de agressão ou violência física.
“Aqui teve um caso de um segurado que atirou um mouse de computador numa servidora. Ele foi pego e levado pelos seguranças daqui para a polícia, não por isso, porque atingiu uma servidora, uma pessoa, mas porque danificou o patrimônio, você acredita? Eles são seguranças do patrimônio, das coisas físicas, materiais, e não das pessoas que trabalham aqui. Incrível, não?” (M.I.4).
Por esses depoimentos não é difícil compreender a sensação de insegurança e o
desconforto emocional que alguns sujeitos referiram, assim como não é difícil imaginar as
conseqüências psicológicas que situações dessa natureza possam engendrar, tornando-os mais
vulneráveis a vivências de sofrimento.
As relações de trabalho são consideradas no contexto desta investigação como
as relações sociais estabelecidas no âmbito do ambiente de trabalho, sejam elas com seus
pares, colegas, chefias e demais hierarquias, bem como as relações sociais que se estabelecem
130
com os usuários dos serviços previdenciários nas Agências da Previdência Social. Pelos
depoimentos dos trabalhadores, há um bom relacionamento entre o coletivo de trabalho,
sobretudo entre os pares, e dentre as atitudes predominantes foi unânime a referência à
cooperação entre eles, seguida da dedicação, da colaboração, da afetividade, do bom
relacionamento e da disponibilidade para ajudar os colegas, entretanto, na opinião de alguns,
sem a devida contrapartida da hierarquia da instituição.
“...a Agência inclusive funciona bem por causa dessa cooperação!” (M.B.1)
“De todas essas (atitudes) tem um pouco e talvez por isso o ambiente de trabalho aqui seja razoável de se lidar. É muito importante o que a gente faz aqui, o tempo que nós passamos aqui, então, se não tiver certas atitudes, não vai!.” (M.B.3)
“(Aqui tem...) muita cooperação e dedicação, muita disponibilidade e colaboração. É um facilitador... se alguém tiver dúvida o grupo apóia, chega junto; se não fosse assim, estouraria! É uma pena que não há rodízio de servidores entre os serviços da Agência. O grupo se colabora mesmo, mas não tem a contrapartida das hierarquias. Eu fico impressionada com a dedicação e a colaboração dos colegas aqui, mas infelizmente não é essa a idéia que a sociedade tem da gente...” (F.I.5)
“Aqui não tem competição entre os colegas; tem muita cooperação, afetividade, bom relacionamento; não tem concorrência; concorrência é pra atingir metas, mas aqui é muito saudável!” (F.B.7)
Os trabalhadores percebem que essa cooperação é extremamente positiva tanto
para eles mesmos quanto para o trabalho em si, pois também repercute na operacionalização
do atendimento prestado ao público.
“(Essa cooperação...) é o que segura a barra! A gente só consegue fazer as coisas, porque a gente se coopera; a Previdência só funciona por isso. Imagine o que é trabalhar aqui sem cooperação!” (F.B.6)
“(Aqui predomina...) a cooperação. É o que salva; o que nos mantém aqui fazendo o que tem que ser feito, dentro das possibilidades. Um grande fator de motivação aqui entre nós é essa cooperação que temos; sem isso as coisas não funcionariam.” (F.I.9)
131
“Cooperação. Aqui um ajuda o outro mesmo, até porque a falta de informações claras no serviço exige que a gente se colabore e se coopere uns com os outros. Quem sabe ajuda a quem não sabe, ou a quem sabe menos, tira as dúvidas, e assim as coisas andam... Eu acho (isso) válido para o serviço e pra gente; mal ou bem quem leva a Previdência são os servidores mesmo!” (M.I.4)
Os comentários, opiniões e relatos dos trabalhadores ratificam a importância da
cooperação como elemento harmônico e edificante daquele coletivo e que contribui para
tornar o ato de trabalhar na atividade de atendimento ao público nas respectivas Agências algo
prazeroso e gratificante. Compartilhando a opinião de Dejours, entende-se que trabalhar não é
somente produzir algo; é viver junto, no sentido de ter atenção e respeito para com o outro
(DEJOURS, 2004, p. 18).
As relações com as chefias e, principalmente, com as demais hierarquias
institucionais não parecem inspirar sentimentos de proximidade, reconhecimento e
valorização dos trabalhadores. Há uma percepção entre os sujeitos de que quanto maiores são
as distâncias hierárquicas, maior é o desconhecimento da realidade vivencial de uma Agência
de atendimento. Os participantes referiram ausência de apoio institucional para desenvolver
melhor suas atividades, conforme já discutido e, segundo eles, é o bom relacionamento com
os pares que possibilita o aprendizado diário das atividades, sobretudo, as mais complexas.
Apesar do desgaste psicofísico proporcionado pelo exercício da atividade, a maioria deles
parece interessada em continuar trabalhando na atividade de atendimento ao público,
entretanto, deseja uma nova dinâmica institucional capaz de favorecer uma forma mais
saudável de trabalhar.
Algumas das estratégias institucionais adotadas pelo Ministério da Previdência
Social e pelo INSS para minimizar o fluxo de pessoas às unidades de atendimento não
parecem ser suficientes para uma significativa redução da demanda de usuários nas unidades.
Dentre essas estratégias destacam-se as alternativas de atendimento telefônico e agendamento
de hora marcada através do serviço “PREVfone” (serviço 0800), além de atendimento através
132
da internet, no endereço eletrônico da Previdência Social (www.previdenciasocial.gov.br)
para o fornecimento de informações, benefícios e serviços previdenciários. Embora não tenha
sido propósito deste estudo apresentar, contemplar ou discutir a eficácia de tais alternativas
optou-se por ressaltar esse aspecto, porque na opinião dos trabalhadores além de tais
alternativas serem limitadas quanto à diversidade de benefícios que podem ser oferecidos,
sobretudo os benefícios relacionados ao setor de perícia médica que envolvem exame médico
pericial, a finalização do atendimento, na maioria dos casos, acontece presencialmente nas
Agências, ou seja, essas alternativas podem até reduzir o tempo de atendimento, mas não
reduzem, significativamente, o fluxo de pessoas às unidades.
“Muitos dos serviços que a Previdência oferece através de outras formas de atendimento, por exemplo, internet e Prev-fone não se resolvem ali mesmo e tem que vir prá cá; a gente tem que conferir tudo, jogar os dados no nosso sistema e, quase sempre, é a gente quem faz tudo de novo.” (F.B.6)
A propósito do grande fluxo de usuários nas Agências da Previdência Social
que, na opinião de alguns participantes da pesquisa, contribui para tornar a atividade de
atendimento ao público nas unidades uma atividade muito desgastante, pouco prazerosa e,
como tal, propiciadora de vivências de sofrimento, cabe uma alusão à capacidade logística das
unidades de atendimento, aqui entendida como o conjunto de aspectos de infra-estrutura
física, quantitativo de unidades e de trabalhadores, eficiência de equipamentos e de sistemas
informatizados. Em que pese a suposta adequação de critérios institucionais para definição do
quantitativo de Agências da Previdência Social na cidade do Rio de Janeiro, os trabalhadores
entrevistados o consideram insuficiente e também assim consideram o quantitativo de
trabalhadores na atividade de atendimento ao público nessas unidades. Para eles, tais critérios
não são compatíveis com a realidade que se apresenta no cotidiano das Agências e, além
disso, apontaram questões de ordem sócio-econômica relacionadas ao desemprego de
133
significativa parcela do povo brasileiro como um dos fatores que contribui para a grande
demanda de usuários em busca dos serviços e benefícios previdenciários.
Em conjunto, os resultados dos questionários, das entrevistas e das observações
obtidos a partir do trabalho de campo da pesquisa sinalizam, de modo geral, que as vivências
de prazer no trabalho entre o coletivo estudado associam-se ao exercício atividade de
atendimento ao público em seu caráter relacional, pessoal, humano, solidário e simbólico,
fundamentalmente pelo sentimento de satisfação, gratificação e utilidade de que se reveste.
De outro lado, há evidências de que a atitude de cooperação referida como predominante e
essencial nas relações sociais entre os trabalhadores que realizam a atividade de atendimento
ao público nas Agências constitui-se em significativo elemento associado ao prazer no
trabalho e, como tal, aparece como favorável à saúde mental daqueles trabalhadores.
As vivências de sofrimento, por sua vez, têm como referência os elementos
relacionados à organização do trabalho nas Agências, em seus aspectos institucionais relativos
à excessiva divisão de tarefas, ao modelo hierárquico centralizador, às dificuldades em
operacionalizar o trabalho prescrito, à ausência de participação dos trabalhadores nas decisões
que envolvem o trabalho e o funcionamento das Agências e à falta de valorização e de
reconhecimento social e profissional dos trabalhadores.
A seguir estão relacionados alguns trechos de depoimentos dos trabalhadores
que participaram como sujeitos da pesquisa. Esses depoimentos refletem com bastante
transparência os resultados apresentados e discutidos neste capítulo. Falam os trabalhadores...
“A maioria das pessoas que vem aqui não tem direito ao benefício que está
requerendo, e aí, parte prá cima da gente...”
134
“É muita coisa, mas a gente trabalha de forma tão mecânica, que nem percebe o
custo disso!”
“No dia-a- dia do atendimento, a gente se amortiza, alguns segurados choram na
frente da gente, é uma dramaticidade muito grande, e aí a gente vai se
acostumando...”
“Meus filhos dizem assim: mamãe, essa empresa está acabando com você!”
“O serviço de atendimento ao público nunca é um trabalho tranqüilo!”
“É a 1ª vez que vejo alguém preocupado com isso aqui...”
“A cultura do brasileiro é de que o servidor público não trabalha. Eu achei
interessante (essa entrevista), porque a gente viu outras coisas, que não é bem
assim...”
“Foi interessante falar sobre isso (sobre a entrevista)... mas, por que mesmo você
se interessou por estudar isso, pelo nosso trabalho, por nós aqui tão esquecidos?”
“(A cooperação) é o que segura a barra; a gente só consegue fazer as coisas
porque se coopera, e a Previdência só funciona por isso. Imagine o que é
trabalhar aqui sem cooperação!”
“Achei ótimo falar sobre essas coisas. Até a gente lava a alma!”
135
“Muita coisa precisa ser melhorada aqui. Um melhor planejamento das atividades
da Agência, alternar os grupos de atendimento, fazer rodízio entre os servidores
da Gerência, por exemplo. Ninguém quer vir pra cá, trabalhar aqui na Agência, e
fica por isso mesmo; há uma rigidez enorme quanto a isso. As pessoas que estão
aqui foram jogadas prá cá, são cobradas para as metas fixadas por não sei quem
lá de Brasília serem cumpridas, e a nossa saúde física e mental vai pros ares.
Sempre tem um servidor doente, afastado e sempre que um adoece,
sobrecarrega os outros, porque não tem como repor aquele. A questão das férias
aqui é uma coisa séria: ninguém consegue se afastar de férias os 30 dias
consecutivos, simplesmente porque falta gente para o atendimento... Isso sem
contar que quem entra de férias, quase sempre adoece na 1ª semana das férias,
seja lá de que for; parece que o corpo se descarrega. É um problemão isso aqui!
Quando a fila aqui fica com umas 500 pessoas, a ação a ser tomada para
administrar o volume de pessoas é sempre nossa, daqui da Agência. Quando vejo
isso, fico logo pensando: “meu Deus, em quem vai voar cadeira hoje?” Não se tem
acompanhamento gerencial de nada aqui. É por essas e outras que eu acho que
deveriam ser dadas diferenciações ao pessoal que trabalha no atendimento ao
público, pois é muito, muito diferente de quem trabalha arrumadinho, em sua sala
sozinho, no ar condicionado, sem a pressão de pessoas na frente. Estou no limite,
aliás, já ultrapassei, não agüento mais!”
136
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A conclusão deste trabalho de pesquisa permite considerar que o estudo das
vivências de prazer e sofrimento psíquico no trabalho de atendimento ao público em duas
Agências da Previdência Social na cidade do Rio de Janeiro ampliou a compreensão de
diferentes aspectos, circunstâncias e condições que sugerem ter interface direta ou indireta
com a relação saúde-trabalho do coletivo estudado. Acredita-se que os objetivos definidos
para o estudo foram plenamente atendidos e que o método utilizado para viabilizar o trabalho
de campo, priorizando a abordagem qualitativa, foi perfeitamente adequado ao desenho do
estudo, assim como o foram os instrumentos de coleta de dados - questionário, entrevista e
observação – através dos quais foram reveladas importantes informações para a compreensão
da problemática em questão.
Pôde-se apreender a complexidade do processo de trabalho na atividade de
atendimento ao público realizado por aqueles trabalhadores, tal qual eles se referiram ao
descrever sua atividade de trabalho. Há, realmente, uma grande demanda de usuários
diariamente nas duas unidades, formando grandes filas de espera para o atendimento, mesmo
antes do horário de abertura das Agências e, portanto, formam-se filas nas dependências
externas das unidades, caracterizando um considerável volume de atendimentos diários para o
quantitativo de trabalhadores em atividade. Na maioria das situações observadas, os
atendimentos foram demorados e algumas vezes interrompidos pela “lentidão” dos sistemas
informatizados que os sujeitos utilizam como instrumentos de trabalho, ou pela necessidade
de deslocamento dos atendentes até a impressora, que é compartilhada com vários guichês de
atendimento, ou por colegas de trabalho esclarecendo dúvidas, ou complementando as tarefas
executadas, o que pareceu uma demonstração de cooperação entre aqueles trabalhadores para
agilizar o atendimento aos usuários.
137
A organização do trabalho nas Agências, salvo melhor juízo, carece de
significativos ajustes, adequações, redefinições e nova configuração, a fim de possibilitar uma
melhor operacionalização das tarefas desenvolvidas pelos atendentes e, consequentemente,
preservar a saúde mental dos trabalhadores e protegê-los de situações conflituosas ou
desconfortáveis perante os usuários. Alguns dos sujeitos têm clara percepção disso, mas se
sentem excluídos de processos decisórios institucionais que poderiam minimizar alguns dos
fatores que direta ou indiretamente estão relacionados às suas vivências de sofrimento no
trabalho. A divisão de tarefas que compõem o processo de trabalho parece, à primeira vista,
pouco racional, ocasionando lentidão na execução das mesmas e sobrecarregando alguns
trabalhadores. A extensão do horário de atendimento nas unidades não parece estar sendo
suficiente para comportar a demanda de usuários, de modo que há um considerável
contingente em espera durante quase todo o horário de funcionamento das Agências. Este
último aspecto é sugestivo de que a problemática estudada tem interfaces com outras questões
externas à atividade de trabalho e à própria instituição.
As circunstâncias objetivas acima descritas muito provavelmente contribuem
para tornar a atividade de atendimento ao público nas Agências pouco prazerosa, estressante e
cansativa, sobretudo, considerando-se as outras questões subjetivas relacionadas ao
sentimento de desvalorização profissional e social, à ausência de participação nas decisões
institucionais e à falta de perspectiva de crescimento profissional interno. Aspecto relevante
que merece ser considerado é a referência marcante feita por alguns dos sujeitos ao medo de
cometerem erros na execução das tarefas de trabalho, e tais erros serem caracterizados como
fraude na instituição. Não é desprezível a parcela de sofrimento que tal situação pode trazer
aos trabalhadores, principalmente quando eles próprios admitem insegurança para realizar a
atividade de trabalho, devido às lacunas de uma inadequada capacitação técnica promovida
pela própria instituição.
138
A contrapartida dessas circunstâncias favorecedoras de sofrimento aos
trabalhadores está em certos aspectos subjetivos que perpassam o exercício da atividade de
atendimento ao público e que possibilitam vivências de prazer, tais como a dinâmica das
relações sociais entre eles no ambiente de trabalho e o sentido do trabalho, cujo significado
relaciona-se diretamente ao sentimento de utilidade e de satisfação pessoal que eles
experimentam ao “ajudar o outro” e possibilitar-lhe a concretização do acesso aos seus
direitos enquanto cidadãos, conforme se pôde perceber dos depoimentos apresentados no
Capítulo VI. O que esses dois aspectos têm em comum é o componente humanitário,
envolvendo valores de sociabilidade, de solidariedade e afetividade das relações no trabalho.
Conforme se depreende dos depoimentos dos próprios informantes, são esses elementos que
tornam a atividade gratificante, importante, interessante e, como tal, propiciadora de prazer.
Pelo que se pôde aprender da realidade daqueles trabalhadores, a predominância de atitudes
que viabilizam a boa convivência e o bom relacionamento entre eles, principalmente a
cooperação, o respeito e a afetividade, funciona como elemento de tranqüilizador, confortante
e de coesão do grupo. Assim sendo, pode-se pensar que aí reside um importante elemento de
preservação de sua saúde mental.
Os resultados encontrados sugerem, portanto, que não são os fatores externos
ao INSS, ou seja, aqueles relacionados à grande demanda de usuários da Previdência Social
os condicionantes exclusivos das vivências de sofrimento no trabalho entre o coletivo
estudado, mas, principalmente os fatores institucionais internos relacionados à organização do
trabalho, mormente no que diz respeito à excessiva divisão de tarefas e à insuficiência de
quantitativo de trabalhadores para a atividade de atendimento ao público nas Agências, à
ausência de participação nas decisões, à falta de perspectiva de crescimento profissional e à
ausência de valorização e de reconhecimento dos trabalhadores.
139
Por outro lado, parece evidente que o significado do trabalho, em seu caráter
relacional, humano e solidário, e os sentimentos de utilidade, gratificação e satisfação pessoal
evocados pelo exercício da atividade que os trabalhadores realizam junto aos usuários da
Previdência Social favorecem as vivências de prazer. Acrescente-se a isso a qualidade das
relações sociais estabelecidas entre aqueles trabalhadores, onde as atitudes de cooperação,
afetividade e respeito pautam o bom relacionamento dos sujeitos e são fundamentais para
preservar a coesão do grupo e fortalecê-los emocionalmente diante das circunstâncias
adversas da realidade de trabalho. Na subjetividade daqueles trabalhadores o componente
humano e solidário que perpassa a atividade de atendimento ao público que realizam é
significativo para a preservação de sua saúde mental.
Pode-se concluir que este estudo trouxe contribuições significativas para
elucidar as relações entre saúde e trabalho na atividade de atendimento ao público em
Agências da Previdência Social na cidade do Rio de Janeiro, reconhecendo-se, entretanto, que
não se esgotam as possibilidades de discussão e compreensão do assunto, nem tampouco se
restringe o objeto estudado a certos campos do conhecimento. Surgiram, evidentemente,
muitas outras questões que extrapolam os limites estabelecidos no escopo da pesquisa,
sinalizando a necessidade de abordar o objeto de estudo em outras dimensões e também para
além dos limites institucionais. Algumas dessas questões são mencionadas a seguir, apenas a
título de registro, sem a pretensão de analisá-las ou de tecer maiores considerações.
Inicialmente destaque-se a riqueza do conteúdo da fala dos trabalhadores que
se propuseram voluntariamente a ser sujeitos da pesquisa, sua disponibilidade e interesse em
expressar suas percepções, vivências, sentimentos e perspectivas pessoais e profissionais
relacionadas ao trabalho, ao INSS e a seus projetos futuros. Convém registrar, também, a
gratificante experiência de ter contribuído para melhor compreender as questões objetivas e
subjetivas relacionadas às vivências de prazer e de sofrimento no trabalho de atendimento ao
140
público nas Agências da Previdência Social onde atuam os sujeitos da pesquisa, possibilitando
torná-las conhecidas, principalmente para os próprios trabalhadores que o realizam.
Um outro aspecto que merece ser registrado diz respeito à intensa dinâmica de
funcionamento das Agências onde se deu o trabalho de campo, em que a atividade de
atendimento ao público transcorre de forma contínua durante todo o horário de expediente.
Foi observado que os atendentes não utilizam formalmente pausas durante o trabalho, o que
de certa forma dificultou o acesso da pesquisadora a um maior quantitativo de sujeitos, pois
os trabalhadores estavam em horário de trabalho e com muitos usuários aguardando
atendimento na Agência. Igualmente pela pouca disponibilidade de tempo dos sujeitos
durante o expediente, tanto a aplicação do questionário como as situações de entrevista
realizaram-se entre um atendimento e outro, em curto espaço de tempo, para não atrapalhar a
sistemática de atendimento da Agência.
Ainda com relação ao aspecto acima citado, a pesquisadora se propôs a
apresentar os resultados da pesquisa aos sujeitos das duas Agências, entretanto, até o
momento nenhum dos dois grupos de participantes agendou data para tal restituição. Acredita-
se que a dinâmica de funcionamento das Agências dificulte a ausência simultânea dos
trabalhadores por algum tempo dos seus postos de trabalho, podendo ser esta uma das razões
pelas quais ainda não foi possível realizar a restituição dos resultados com os trabalhadores
nas duas Agências.
No que se refere à atuação institucional, a problemática de prazer e sofrimento
psíquico engendrada pela situação de trabalho na atividade de atendimento ao público em
Agências da Previdência Social parece permanecer silenciosa no âmbito do INSS. Tem-se
observado, e os próprios trabalhadores referiram percepção semelhante, que até o momento as
ações implementadas pela instituição visando à de melhoria do serviço de atendimento ao
público nas Agências são pautadas por padrões de aferição de eficiência, desempenho, gestão,
141
capacidade operacional de atendimento, etc. semelhantes aos modelos de administração
privada, com ênfase no “aperfeiçoamento e modernização” da sistemática de atendimento,
considerando, exclusivamente, o público externo, ou seja, os usuários do serviço. Ações
administrativas e gerenciais nesses moldes, visando tão somente a contemplar a satisfação do
usuário e a agilidade do atendimento previdenciário nas unidades do INSS, têm excluído da
atenção os próprios trabalhadores do INSS que realizam a atividade de atendimento ao
público e que são interlocutores e participantes do processo de trabalho. Especialmente as
relações entre saúde e trabalho não parecem ser consideradas e, quando muito, esses
trabalhadores são contemplados com programas de capacitação e treinamento que, segundo
depoimentos dos próprios sujeitos da pesquisa, estão longe de se concretizarem dentro das
reais necessidades dos trabalhadores e do cotidiano de uma Agência da Previdência Social.
Considerando a percepção de que parece haver pouca mobilização dos
trabalhadores da atividade de atendimento ao público no INSS em torno das questões que
envolvem a relação saúde e trabalho, espera-se que este estudo tenha contribuído para
mobilizar ações entre o coletivo de trabalho, na perspectiva de transformar as circunstâncias
que envolvem a dinâmica de trabalho em que estão inseridos e que impactam negativamente
sua saúde. Além disso, é desejável que possibilite o interesse por novos estudos, a fim de
permitir maior visibilidade às implicações da relação saúde-trabalho também na esfera do
serviço público, especificamente em instituições como o INSS, no espaço da saúde pública e,
em especial, da saúde do trabalhador. Pressupõe-se a necessidade de conduzir as futuras
investigações considerando-se o caráter multidisciplinar da situação-problema, integrando os
diferentes enfoques de campos de conhecimento distintos, inclusive das ciências sociais, das
ciências da saúde, da ergonomia e da psicodinâmica do trabalho.
142
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148
APÊNDICE APÊNDICE A – Carta de Apresentação aos Gerentes Executivos do INSS APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
APÊNDICE C – Roteiro do Questionário
APÊNDICE D – Roteiro da Entrevista
149
APÊNDICE A
CARTA DE APRESENTAÇÃO
Rio de Janeiro(RJ), xx de xxxxxxxx de 2xxx. Ilmo. Sr. xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
M. D. Gerente Executivo do INSS Rio de Janeiro xxxxxxxx
Nesta.
Na condição de aluna regularmente matriculada no Curso de Mestrado em
Saúde Coletiva, do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva/Departamento de Medicina
Preventiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob o nº xxxxxxxxx, e cumprindo a
exigência curricular de elaboração de Projeto de Pesquisa e realização do respectivo trabalho
de campo, visando à obtenção do grau de Mestre perante aquela Universidade, eu, MÁRCIA
REGINA DE OLIVEIRA COSTA, Psicóloga, venho apresentar a V. Sa a temática de estudo
proposta, cujo objeto refere-se a vivências de prazer e sofrimento no trabalho de atendimento
ao público em Agências da Previdência Social, na cidade do Rio de Janeiro.
O estudo tem como principal objetivo conhecer as relações entre a atividade de
atendimento ao público e as vivências de prazer e sofrimento no trabalho dos servidores do
INSS que realizam a atividade de atendimento ao público em Agências da Previdência Social,
na cidade do Rio de Janeiro, além de conhecer o processo de trabalho onde está inserida tal
atividade, investigar a relevância do reconhecimento profissional e social para aqueles
servidores e compreender a dinâmica das relações sociais no coletivo de trabalho. O trabalho
de pesquisa será conduzido pela própria mestranda, sob a orientação da Profa. Dra. Mônica
Loureiro dos Santos, Professora Adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Por se tratar de pesquisa envolvendo seres humanos, o referido projeto foi
submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa, do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva/UFRJ,
para avaliação dos aspectos éticos envolvidos, tendo sido devidamente aprovado por aquele
Comitê, em consonância com as prerrogativas da Resolução CNS/MS 196/96, que trata da
regulamentação da participação de seres humanos em pesquisa no Brasil. A participação dos
servidores na pesquisa proposta é de caráter voluntário, e aqueles que se dispuserem
livremente a participar serão devidamente informados dos objetivos do estudo e de todos os
passos do desenvolvimento do trabalho, fazendo-se necessário que assinem o Termo de
150
Consentimento Livre e Esclarecido, concordando com sua participação, sendo-lhes
preservado o direito de, a qualquer momento da pesquisa, encerrar sua participação, bastando,
para tanto, notificar a pesquisadora. No decorrer de todo o trabalho será preservada a
integridade física, psíquica, social, moral, intelectual, cultural e espiritual de todos os
participantes.
Diante do exposto e reconhecendo que o estudo ora proposto reveste-se de
relevância na esfera do serviço público, nas discussões sobre a relação saúde-trabalho e no
contexto institucional do INSS, venho, através desta, cientificar V. Sa. e solicitar autorização
para realizar o trabalho de campo concernente à pesquisa com os servidores da Agência da
Previdência Social xxxxxxxxxxxxxxx, esperando contar com parecer favorável de V. Sa. à
realização do estudo.
Atenciosamente,
MÁRCIA REGINA DE OLIVEIRA COSTA
Mestranda em Saúde Coletiva/NESC/UFRJ
Mat. nº xxxxxxxxx
151
APÊNDICE B
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
O Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de
Janeiro está realizando um estudo intitulado “PRAZER E SOFRIMENTO PSÍQUICO NO
TRABALHO DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO EM AGÊNCIAS DA
PREVIDÊNCIA SOCIAL NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO”, desenvolvido pela
Psicóloga MÁRCIA REGINA DE OLIVEIRA COSTA, sob a orientação da Profa. Dra. MÔNICA
LOUREIRO DOS SANTOS. O principal objetivo deste estudo é conhecer as relações entre a
atividade de atendimento ao público e as vivências de prazer e sofrimento no trabalho dos
servidores do INSS que realizam a atividade de atendimento ao público em Agências da
Previdência Social, na cidade do Rio de Janeiro. Cabe ressaltar que o presente projeto visa,
também, conhecer o processo de trabalho onde está inserida a atividade de atendimento ao
público nas Agências da Previdência Social, investigar a relevância do reconhecimento
profissional e social para tais servidores e compreender a dinâmica das relações sociais no
coletivo de trabalho.
A participação nesta pesquisa é voluntária. Os procedimentos não oferecerão
riscos para a saúde dos participantes da pesquisa e não causarão danos à integridade moral,
social ou intelectual destes. Além disso, a qualquer momento, os voluntários poderão recusar
sua participação, fazendo-se necessário contatar a Comissão de Pesquisa do NESC e a
pesquisadora responsável, através dos telefones (21) xxxxxxxx e (21)xxxxxxxx,
respectivamente, ou através dos e-mails xxxxxxxx e xxxxxxxx.
Os dados colhidos através dos questionários e das entrevistas individuais, das
consultas a documentos, da observação participante e da validação dos resultados com os
sujeitos da pesquisa serão inteiramente sigilosos, analisados apenas pela pesquisadora. A
identidade dos participantes do estudo será ocultada, entretanto, os resultados, depois de
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE MEDICINA PREVENTIVA NÚCLEO DE ESTUDOS DA SAÚDE COLETIVA CURSO DE MESTRADO EM SAÚDE COLETIVA
152
apresentados e validados com os sujeitos, poderão ser publicados em literatura científica
especializada.
Após a conclusão da pesquisa, será marcada uma data para apresentação dos
resultados aos participantes da mesma, possibilitando aos sujeitos se manifestarem quanto ao
conteúdo apresentado, para que a pesquisa possa, então, ser divulgada amplamente.
Atenciosamente,
Márcia Regina de Oliveira Costa Psicóloga, Mestranda em Saúde Coletiva do NESC – UFRJ.
Mônica Loureiro dos Santos Psicóloga, Orientadora da Pesquisa.
Eu, _______________________________________________, RG no__________, certifico
que tendo lido as informações acima, concordo com o que foi exposto e autorizo a minha
participação nesta pesquisa.
Rio de Janeiro, ____ de _____________________ de 2006.
_____________________________
Assinatura
153
APÊNDICE C
ROTEIRO DO QUESTIONÁRIO
PRAZER E SOFRIMENTO PSÍQUICO NO TRABALHO DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO EM AGÊNCIAS
DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
I - DADOS FUNCIONAIS
Idade: ( ) 18 - 28 ANOS ( ) 51 - 61 ANOS
( ) 29 - 39 ANOS ( ) 62 - 70 ANOS
( ) 40 - 50 ANOS
Sexo: ( ) FEMININO
( ) MASCULINO
Escolaridade:
( ) 1º GRAU COMPLETO ( ) SUPERIOR INCOMPLETO
( ) 2º GRAU INCOMPLETO ( ) SUPERIOR COMPLETO
( ) 2º GRAU COMPLETO ( ) PÓS-GRADUAÇÃO
OUTROS: ___________________
Tempo de Serviço:
( ) ATÉ 07 ANOS ( ) 24 A 31 ANOS
( ) 08 A 15 ANOS ( ) 32 ANOS OU MAIS
( ) 16 A 23 ANOS
Tempo de Serviço na Atividade de Atendimento ao Público: _______________
(ANOS/MESES)
Jornada de Trabalho/dia na Atividade de Atendimento ao Público: ____________HORAS
154
II – ATIVIDADE DE TRABALHO
1. Já havia trabalhado em atividade de atendimento ao público anteriormente?
( ) Sim ( ) Não
Onde?______________________________________________________________________
2. Por que você veio para a atividade de atendimento ao público desta Agência?
___________________________________________________________________________
3. Você recebeu algum treinamento ou orientação específica para realizar essa atividade?
( ) Sim ( ) Não
Em caso afirmativo, qual o conteúdo? ___________________________________________
4. O INSS oferece cursos/treinamentos/atualizações para os servidores dessa atividade?
( ) Sim ( ) Não
Com que frqüência?__________________________________________________________
5. Quais as atividades que você realiza no atendimento ao público?
( ) orientações e informações sobre serviços/benefícios previdenciários
( ) habilitação/concessão de benefícios
( ) atualização/manutenção de benefícios
( ) atividades específicas da Perícia Médica
( ) outras: ___________________________________________________________
6. Você se identifica com sua atividade de trabalho?
( ) Sim ( ) Não
Por quê? ____________________________________________________________________
155
7. Gostaria de trabalhar em outra área / atividade no INSS?
( ) Sim ( ) Não
Qual/quais? _________________________________________________________________
Por quê? ____________________________________________________________________
8. Gostaria de trabalhar em outro órgão/empresa?
( ) Sim ( ) Não
Por quê? ____________________________________________________________________
9. O que você acha da organização de trabalho na atividade de atendimento ao público da
Agência (divisão do trabalho entre os servidores, formas de controle, liberdade para realizar
tarefas, hierarquia)? ___________________________________________________________
10. O que você gostaria que mudasse na sua atividade de trabalho?
___________________________________________________________________________
Muito obrigada!
156
APÊNDICE D
ROTEIRO DE ENTREVISTA
PRAZER E SOFRIMENTO PSÍQUICO NO TRABALHO DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO EM AGÊNCIAS
DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO.
Entrevista nº: ___________ Data: _____/_____/_____
I – DADOS FUNCIONAIS
1. Idade: ______ anos. 2. Sexo: ___________
3. Cargo:_______________________________ 4. Função: _________________________
5. Tempo na função:___________________
6. Tempo de serviço no INSS: ____________anos.
7.Tempo de serviço na atividade de atendimento ao público: _________________anos/meses
8.Escolaridade: ( ) 1º grau incompleto ( ) 1º grau completo
( ) 2º grau incompleto ( ) 2º grau completo
( ) superior incompleto
( ) superior completo
( ) pós-graduação
II - ASPECTOS INSTITUCIONAIS E DE TRABALHO
9. Você acha seu trabalho interessante? Por quê?
___________________________________________________________________________
10. Você se identifica com o que você faz no seu trabalho?
Sim ( ) Não ( )
Por que? ____________________________________________________________________
157
11. Relacione o que você mais gosta na sua atividade de trabalho.
___________________________________________________________________________
12. Relacione o que você menos gosta na sua atividade de trabalho
___________________________________________________________________________
13. Como você vê seu trabalho no INSS?
___________________________________________________________________________
14. Como você imagina que seus familiares e as pessoas em geral vêem seu trabalho?
___________________________________________________________________________
15. É permitido aos servidores da Agência participar das discussões, decisões e formulação de
diretrizes para as atividades de trabalho ou qualquer outro assunto que diga respeito ao
trabalho na Agência?
Sim ( ) Não ( )
Qual sua opinião sobre isso? ____________________________________________________
III - CONDIÇÕES DE SAÚDE, PRAZER E SOFRIMENTO NO TRABALHO
16. Acha que a atividade de atendimento ao público oferece riscos para sua saúde?
Sim ( ) Não ( )
Quais e Por quê? _____________________________________________________________
17. Sua atividade de trabalho tem ou teve alguma repercussão na sua saúde e/ou na sua vida
pessoal?
Sim ( ) Não ( )
Comente:
_____________________________________________________________________
158
18. Você já teve alguma doença e/ou afastamento que atribui estar relacionada ao seu trabalho
no atendimento ao público?
Sim ( ) Não ( )
Poderia relatar?_____________________________________________________________
19. Houve registro em algum setor do INSS?
Sim ( ) Não ( )
Qual o encaminhamento dado? _______________________________________________
20. O INSS, através de algum serviço ou setor, oferece apoio, orientação, encaminhamento,
etc. em situações de afastamento/doença de servidor, em decorrência de dificuldades no
trabalho de atendimento ao público?
Sim ( ) Não ( )
Poderia comentar? ____________________________________________________________
21. Sente algum tipo de pressão para realizar o trabalho?
Sim ( ) Não ( )
De que tipo (chefia, colegas, beneficiários, de tempo, outros)?
___________________________________________________________________________
22. Como você se sente para ir ao trabalho diariamente?
___________________________________________________________________________
23. Como você se sente após um dia de trabalho de atendimento ao público?
___________________________________________________________________________
24. A atividade de atendimento ao público lhe possibilita alguma experiência ou algo
positivo?
Sim ( ) Não ( )
Poderia comentar? ____________________________________________________________
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159
IV – RELACIONAMENTO INTERPESSOAL
25. Que atitudes (de cooperação, solidariedade, ajuda, afetividade, coesão competição,
rivalidade, individualismo, indiferença ou outras) você percebe entre o grupo de trabalho na
sua Agência? Comente. _______________________________________________________
26. Que conseqüências você imagina que isso traz para as pessoas, ou para o trabalho em si?
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27. Como servidor(a), quais sugestões você daria ao INSS, para tornar a atividade de
atendimento ao público nas Agências melhor para vocês?
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28. Concluindo, gostaria de saber suas observações, comentários e opiniões sobre o assunto
da entrevista. ________________________________________________________________
Muito obrigada!