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Grupo Temático 3: Análise de Políticas Públicas ARRAIS, E.; TAVARES, I.; MOREIRA, R.
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PRECARIEDADE DO TRANSPORTE ALTERNATIVO
E SEUS REFLEXOS SOCIOECONÔMICOS
NA MOBILIDADE CAMPO-CIDADE:
um estudo de caso no município de Acopiara/CE
Estêvão Arrais1 Ives Tavares1
Raniere Moreira1
RESUMO O objetivo deste trabalho é analisar os efeitos do uso de caminhões adaptados no transporte alternativo de passageiros no município de Acopiara, Ceará. Apesar do seu uso comum no Nordeste, este meio constitui uma forma precária e excepcional de transporte de passageiros, sendo preponderante na interligação entre as zonas rural e urbana no contexto considerado. Para tanto, realizou-se um estudo de caso, tendo a entrevista aberta e a observação indireta e não-participante como meios de coleta de dados, e a análise de conteúdo como instrumento de análise. Os resultados indicam que, a despeito da irregularidade e constante exposição ao risco, este transporte proporciona impactos na dinâmica socioeconômica entre as populações urbana e rural do município por serem o único meio de condução dos cidadãos, ao tempo em que evidenciam a omissão do poder público municipal na regulação e fiscalização deste serviço, bem como na melhoria da infraestrutura viária municipal. Palavras-chave: Mobilidade Campo-Cidade; Sistemas de Transporte Alternativo; Regulação Rodoviária; Poder Público Municipal.
1 Universidade Federal do Cariri (UFCA).
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1 INTRODUÇÃO
Na língua latina é comum encontrarmos variedade de interpretações sobre os
conceitos de Política. O mesmo conceito pode atribuir diferentes significados,
dependendo da forma como se aplica no caso. Seja para designar um programa
governamental e seu processo burocrático ou efeito de uma decisão política do alto
escalão, os diferentes significados são oriundos de uma mesma palavra: Política
(SECCHI, 2013). Enquanto isso, os países de língua inglesa delimitam os conceitos
em termos distintos, são eles: politics e policies. Em resumo, o primeiro termo
remete ao grupo seleto de políticos que deliberam em suas instâncias de poder e
propõem projetos governamentais, enquanto que o segundo se trata da
concretização das decisões políticas em ações, programas e planos para lidar com
problemas públicos, logo, seria a efetivação das decisões políticas, também
denominada de política pública. (SECCHI, 2013).
Autores como WU et ali (2014) demonstram que a tomada de decisão política
é um complexo procedimento que se desenvolve na medida em que dialoga com
questões políticas, gerenciais e burocráticas. Porém, os autores deixam claro que,
por mais adequada que fosse, a decisão nem sempre perpassa por esses três
pilares ou detêm tempo ou instrumentos para tal. O que há, muitas vezes é que a
tomada de decisão pode acabar sendo mais influenciada por um dos três pilares em
função de um conjunto de variáveis das quais nem sempre se tem o devido controle,
o que acomete a gestão de muitos municípios no interior do Brasil.
Na medida em que se adentra para o interior do Ceará, em especial às
cidades localizadas nas regiões sertanejas, é notório um quadro de cidades com
alguns serviços públicos de baixa qualidade ou a total ausência dos mesmos. Um
exemplo disto é o serviço de transporte alternativo entre as zonas urbanas e rurais
destes municípios que, na ausência de políticas públicas que promovam a
infraestrutura mínima para tais atividades, provocam o surgimento de mercados
paralelos de transporte sem muitas vezes possuir qualquer nível de inspeção ou
segurança, tal como os veículos de carga adaptados para o transporte de
passageiros, popularmente chamados de “Paus de Arara”, ainda comumente
encontrados no Nordeste brasileiro.
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Embora precário em virtude da ausência de segurança e conforto, e detendo
uma regulamentação que só o legitima em função da ausência total de transportes
adequados, o Pau de Arara continua sendo responsável pelo transporte de milhares
de pessoas nas mais diversas situações, para comércio, romarias etc.
Em função disso, o artigo se norteou pela seguinte questão: quais os efeitos
decorrentes do uso de transporte alternativo precário para a população local direta
ou indiretamente ligada a ele, no que concerne à mobilidade campo-cidade no
município de Acopiara/CE?
Com base nas condições supracitadas, analisou-se o uso do transporte de
Pau de Arara no município de Acopiara, Região Centro-Sul do Ceará, e suas
resultantes para a dinâmica da mobilidade entre campo e cidade. Para que o
objetivo geral pudesse ser alcançado, os seguintes objetivos específicos foram
traçados: identificar como é realizado o transporte entre a zona urbana e rural no
município; compreender os efeitos da mobilidade campo-cidade sobre o comércio
local; capturar a percepção de atores locais sobre essa temática; e analisar se há
alguma mudança cultural na cidade por conta desse modelo de mobilidade
alternativa.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 Pau de arara como meio de transporte do Nordeste
Pau de Arara é o nome que se dá a um meio de transporte muito utilizado no
Nordeste do Brasil. Trata-se de um veículo (caminhão) adaptado para o transporte
de passageiros, configurando-se como um substituto improvisado dos ônibus. O
termo vem da expressão „pau de arara‟ que se refere a uma vara utilizada para o
transporte de araras e outros pássaros. Para Cascudo (2002), o termo rememora o
significado que consistia em um meio de transporte antigo e improvisado para o
deslocamento de aves, o que acarretaria muita algazarra e barulho pelas aves no
decorrer da viagem.
Sobre a carroceria do veículo são colocadas tábuas que servem de assentos.
Acima delas é posicionada uma lona para proteger os passageiros contra variações
do tempo. A origem histórica da popularização desse veículo se dá no período em
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que empresas de caminhões começaram a se instalar no país e popularizaram esse
veículo de carga que é resistente aos terrenos bastante irregulares e se adapta bem
ao nível precário das estradas (idem).
O Pau de Arara está ligado à cultura popular Nordestina, visto que foi
fortemente utilizado no passado, sendo, inclusive, um dos instrumentos de
integração nacional e regional, pois diversos migrantes, flagelados, romeiros e
famílias inteiras viajavam à procura de melhores condições de vida, migrando para
os grandes centros urbanos na tentativa de sobrevivência em terras com maiores
oportunidades.
Sabe-se que o Nordestino se constituiu em mão de obra predominante nos
centros urbanos do Sudeste de nosso país, utilizando como meio de transporte o
trem e o pau de arara em viagens longas e desconfortáveis para chegar às regiões
metropolitanas e tentar obter novos ganhos. O Código de Trânsito Brasileiro atual
esclarece que o veículo não apresenta condições mínimas que envolvam pontos
ligados à segurança e conforto dos passageiros o tornando um transporte
completamente inadequado e, portanto, irregular.
Porém, a Resolução N°82/98, arts. 1º ao 3°, do CONTRAM salienta que há
uma exceção quando não houver transporte existente entre comunidades não
atendidas por concessões públicas ao transporte de pessoas em veículos
destinados a cargas, desde que possuam, em contrapartida, as condições básicas
para o conforto e segurança dos passageiros, como bancos com encosto, carroceria
e cobertura adequadas.
Como observado, o veículo pode ser utilizado nos casos de inexistência de
um meio de mobilidade adequado, porém, a lei salienta que deve ser feita as
devidas adequações para que o veículo possa trafegar legalmente. O artigo 2° da
referida norma acrescenta que há um limite territorial por onde o mesmo pode
percorrer e recolher passageiros: o município. Conquanto, a lei é flexível e se
estende aos demais municípios que não possuam regularidade de outro transporte,
tal como os ônibus ou outro transporte alternativo. Dessa forma, pode ser permitido,
inclusive, um transporte de município para município, sempre deixando claro que se
trata de uma exceção à regra, visto a ausência de outras possibilidades.
Quanto à fiscalização, a lei assegura que tal meio de transporte deve passar
por uma vistoria pelos órgãos competentes, mas o que se tem visto é um nível
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precário de fiscalização e de preparo dos responsáveis dos veículos. A percepção
que há é que o número de fiscais é reduzido e, do outro lado, ao menos quando
aplicado à realidade desta pesquisa, boa parte dos motoristas sequer possuem a
documentação mínima, seja a composição dos documentos do veículo ou a
permissão de dirigir. Em muitos casos, o que se observa é a tolerância institucional
que se omite no processo de fiscalização e acaba sendo conivente com as
irregularidades.
Por mais rudimentar e inadequada que seja esta modalidade de transporte
alternativo, a ausência de uma gestão pública que permita um melhor
gerenciamento dos seus sistemas de transporte acaba por estimular a padronização
e aceitação social de tais veículos. Portanto, estes meios de transporte acabam
despontando como única alternativa de mobilidade entre campo e cidade. Tal
realidade é facilmente identificável em diversos municípios do interior do Nordeste, a
exemplo de Acopiara/CE.
2.2 O fazer e o não-fazer político: consequências de uma tomada de decisão
Na área acadêmica, há uma discussão sobre a natureza da política pública.
Teóricos como Secchi (2013) identificam que política pública é um fazer político,
pois, política pública é orientada para solucionar um problema público, dessa forma,
é necessário existir uma ação para modificar o status quo operante que se encontra
inadequável. Por outro lado, Rua (2013), identifica que a natureza da política pública
também pode se tratar de uma inação política, pois, o status quo mantem um padrão
operante de gestão que pode trazer consequências diretas e indiretas para grupos
de interesses específicos.
No Brasil, especialmente no Nordeste, podemos identificar a “política da
seca”, onde a ausência de ações integradas que deveriam promover a convivência
com o seminário e multiplicação de tecnologias sociais são deixadas em segundo
plano em detrimento de políticas imediatas e não planejadas como os carros pipas
que acabam que por beneficiar grupos políticos de determinadas localidades. Ainda
sob a ótica de Rua (2013), podemos avaliar que a própria legislação do CONTRAN,
mencionada anteriormente, é um não-fazer político, tendo em vista que a lei legisla
sobre como proceder na ausência de um serviço público mínimo de transporte-
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permitindo meios precários ao invés de promover uma ação que obrigue o ente
federado a providenciar o transporte com a devida qualidade.
Dessa forma, se cria uma política pública paralela que posiciona em cena
novos atores „paralelos‟. No caso, na ausência de ônibus, é permitido o Pau de
Arara, mesmo com toda a anuência dos perigos relacionados à segurança e ao
transporte e posiciona o motorista de pau de arara como agente „paralelo‟ integrador
da mobilidade campo-cidade.
3 ASPECTOS METODOLÓGICOS
Tendo em vista os objetivos do trabalho, optou-se pela realização de um
Estudo de Caso, de natureza qualitativa. Segundo Gondim et ali (2005) e Yin (2007;
2010), o estudo de caso é compreendido como uma abordagem teórica
metodológica geral que pretende compreender fenômenos nos contextos complexos
nos quais eles se manifestam. Sendo o Estudo de Caso a descrição ou reconstrução
precisa de casos contemporâneos e singulares, tal método atende a devida
demanda, pois buscou entender o processo ímpar das consequências provocadas
pelo uso do pau de arara interligando a zona rural e urbana da cidade de Acopiara.
A escolha do objeto se deu pelo fato de ser esta a cidade natal de um dos
pesquisadores, o que facilitou a compreensão dos aspectos históricos, culturais e
sociais daquela localidade.
Para isso, a pesquisa em questão se dividiu em dois momentos: Território e
Sociedade. Na etapa Território, houve o estudo de dados governamentais do
Instituto de Pesquisas e Economia Aplicada do Ceará (IPECE); Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE); Atlas do Desenvolvimento e bibliografia para um
melhor conhecimento do recorte escalar territorial. Já na etapa Sociedade, foram
realizadas entrevistas semiestruturadas para compreender a interação entre os
atores envolvidos e suas percepções (MINAYO, 1993; BONI E QUARESMA, 2005,
KVALE & BRINKMANN, 2009) quanto à temática: agricultores, comerciantes,
agentes políticos e motoristas. As conversas ocorreram informalmente nos mais
variados momentos do dia. O roteiro, desenhado para dar mobilidade ao
entrevistador, baseou-se em cinco fundamentais questionamentos: 1. Como se dá o
transporte de pessoas para os distritos? 2. O pau de arara tem alguma influência no
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comércio? 3. O transporte de pau de arara mudou algo na vida no campo? 4. Qual o
maior problema do Pau de Arara? 5. Qual a maior dificuldade para se chegar ao
distrito?
A coleta se deu entre os dias 01 e 07 de setembro de 2015 no centro
comercial da cidade, local onde facilmente se concentra a maior quantidade de Paus
de Arara e onde ocorre toda a dinâmica econômica, cultural e social da cidade. Por
fim, a apreciação dos dados obtidos foi realizada por meio da análise de conteúdo.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Acopiara é um município localizado na região centro sul do estado do Ceará.
Seu nome tem como significado “Terra do Lavrador”, rememorando a importância
histórica que a agricultura possui no seu contexto. Trata-se de um município
relativamente novo, sendo fundado em 1921, fruto de seu desmembramento de Vila
Telha, atual município de Iguatu.
O município possui uma população de 50.000 habitantes, o que o configura
como município de médio porte (IPECE, 2015).
O município possui nove distritos, além do distrito sede. A população total é
de 51.160 habitantes populacional, divididos em 25.228 habitantes na zona urbana e
25.932 na zona rural (IPECE, 2015). É o maior município em termos territoriais da
região Centro Sul cearense e até o final da década de 80, possuía uma participação
intensa na indústria de transformação de algodão, tendo produzido um valor acima
de 22 milhões toneladas de algodão vendidas para estados brasileiros e para países
como a Alemanha Oriental e Portugal (ARRAIS et ali, 2015).
Por mais que, aparentemente, o município tenha uma divisão populacional de
quase 50% na zona rural e 50% na zona urbana, culturalmente boa parte dos
munícipes da região urbana (classe média e alta) consomem e usufruem em
municípios vizinhos, principalmente no município de Iguatu, que possui melhor
infraestrutura e oferta de produtos e serviços. Bar- El (2002) aponta o município de
Iguatu como uma metrópole regional da região Centro-Sul cearense, onde abriga
uma posição estratégica de fácil acesso aos demais municípios, além de possuir
uma quantidade maior de órgãos governamentais, empresas e indústrias quando
comparado aos demais municípios da região. Logo, o perfil preponderante do
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consumidor no centro comercial de Acopiara é de agricultores ou moradores da zona
rural do próprio município.
A distância de cada distrito varia bastante, podendo chegar à marca de até 30
km de distância da sede. Até o final da década de 80, havia o transporte ferroviário
por meio da Rede Ferroviária Federal S.A, RFFSA. Porém, dado o fim do ciclo do
algodão, as modificações gerenciais no Estado no final da década de 90 e outras
variáveis, suas ações foram encerradas e os distritos voltaram a se tornarem
isolados da sede municipal.
Com base nesta pesquisa exploratória, foi mapeado um total de 46 carros do
tipo Pau de Arara que interligam a sede do município aos demais distritos de
Acopiara. Não há uma associação ou entidade que os gerencie ou os represente.
Todos são veículos antigos, sem qualquer tipo de segurança e são utilizados nos
transportes de pessoas, animais e mercadorias. Deste, apenas dois condutores são
habilitados e possuem documentação do veículo.
A maioria dos condutores chega bastante cedo na cidade de Acopiara, por
volta de 05 horas da manhã, retornando para a zona rural por volta do meio-dia. Boa
parte deles realiza duas viagens diárias, uma de manhã e outra pela tarde, havendo
aqueles que o fazem apenas pela manhã. Devido à ausência de um planejamento
mais sistemático, como o mapeamento de rotas e limitações de opções, a definição
dos preços é feita de forma aleatória, ocorrendo consideráveis variações de valor
sem um critério que as regule.
4.1 Percepção dos motoristas
Todos os motoristas entrevistados residem na zona rural. Nenhum deles
chegou a concluir o Ensino Fundamental II. Além disso, não possuem Carteira
Nacional de Habilitação e os veículos não se encontram regularizados perante os
órgãos competentes.
Quando questionados sobre os preços das passagens, cada um diz acreditar
ser o preço adequado, visto os desgastes que há em seus veículos, bem como a
excessiva sobrecarga de pessoas e mercadorias.
Os motoristas compreendem que são personagens importantes para garantir
a logística de pessoas para a cidade. Além disso, ressaltam que caso a
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administração pública municipal fornecesse um nível adequado de infraestrutura nas
vias rodoviárias, eles pensariam em realizar um maior investimento em seus
transportes, tal como a aquisição de ônibus.
Há destaque para a intensa competição que obriga os motoristas a chegarem
com até duas horas de antecedência apenas para assegurar seus clientes. Some-se
a isso a dificuldade de realizar mais de uma viagem visto que a maioria das ações e
serviços são realizados durante o turno da manhã. Porém, há de se perceber que a
não realização de outras viagens em diferentes turnos e horários não se dá pela
falta de passageiros, mas sim pelo que eles chamam de “grosso do povo”, que é
quantidade mínima – e sempre presente – de usuários que cotidianamente acessam
o serviço de transporte. A incoerência reside no fato de que mesmo com esse
“grosso”, os motoristas não ampliam seus serviços por receio de baixa procura e,
consequentemente, pouco lucro.
4.2 Imaginário dos Agricultores/Moradores da zona rural
Os entrevistados são pessoas com mais de cinquenta anos. Vivem de
agricultura de subsistência. Em virtude da intensa seca dos últimos cinco anos, boa
parte deles compram rações e grãos na cidade para alimentar seus animais. As
principais fontes de renda são oriundas de aposentadoria ou de benefícios sociais
como o Bolsa Família e o Seguro Safra.
Há um discurso nostálgico que rememora a década de 80 quando havia o
transporte ferroviário, onde havia uma maior facilidade de escoamento da carga para
o destino final. Há o curioso destaque para a cobrança da taxa não apenas do
passageiro, mais também de sua carga no veículo, o que aumenta mais ainda as
despesas do cliente e retira seu poder de consumo no comércio local. Os
agricultores ressaltam que deveriam ter condições mais adequadas de transporte,
um deles faz alusão ao município vizinho de Iguatu que dista apenas 36 km e tem o
custo de R$5,00, enquanto que o serviço de transporte de pau de arara possui um
preço mais elevado, mas que não detêm condições adequadas pelo elevado preço
(segurança e conforto), estando os clientes sem escolhas de outras alternativas.
O outro discurso aponta para a remodelagem cultural que os cidadãos da
zona rural passam em virtude da intensa competição dos motoristas, sendo
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obrigados a acordar mais cedo do que o próprio costume em função da
competitividade dos motoristas e das péssimas condições das estradas. Muitos
ficam à deriva na cidade, visto que muitos órgãos públicos, bancos e o comércio
local ainda se encontram fechados.
4.3 Discurso dos agentes políticos
Os agentes políticos foram representados por dois vereadores, um de partido
da base de apoio do executivo municipal, e o outro de um partido de oposição.
Ambos moram na cidade, contudo, segundo relatam, os votos dos distritos foram o
diferencial para se elegerem.
Curiosamente, nenhum dos discursos compreendeu o pau de arara como
sendo um meio de transporte inadequado. Apenas a má qualidade das estradas de
chão foi reconhecida como um problema público. Há um reconhecimento das perdas
do potencial econômico da população dos distritos da zona rural e sua
vulnerabilidade frente à questão da mobilidade campo-cidade, porém, ambos não
apresentam propostas ao longo prazo, se atendo a dizer que dependem de repasses
de outras instâncias e a problemática dos processos burocráticos governamentais.
Ou seja, o planejamento é em curto prazo e imediato - terraplanagem e a busca por
recursos para o provimento da pavimentação.
4.4 Percepções dos comerciantes
Os comerciantes entrevistados detêm comércios familiares tradicionais que
vendem rações, grãos, e produtos diversos encontrados em atacados e varejos. O
comércio, principalmente de grãos, se aquece durante o período da seca, visto que
os grãos (milho, soja e trigo) se tornam mais escassos, logo, os preços sobem
bastante. Em virtude de uma seca contínua que perdura mais de cinco anos, os
valores continuam subindo, mas não há mais água para manter a pecuária de
subsistência. Como consequência, tanto a compra do produto por parte dos
comerciantes como a venda para o agricultor se torna inviável, visto que os preços
sobem de forma vertiginosa, inviabilizando, inclusive, o comércio, pois o cliente
dessa localidade possui certo grau de vulnerabilidade e limitação econômica.
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Os comerciantes reconhecem a importância do pau de arara para a
movimentação econômica da cidade, porém salientam que a população fica dispersa
pela cidade e logo mais volta para suas casas na zona rural, dessa forma, o
comércio entre os horários das 07h00min até às 11h00min da manhã é o período
mais agitando, principalmente, o intervalo entre 11h00min e 12h00min, período em
que boa parte dos motoristas já se prepara para voltar para os distritos. Em função
disso, há um sobrecarga pela manhã que facilmente desmobiliza os turnos da tarde
e impede a criação de um mercado noturno na cidade. Na percepção de um dos
entrevistados, um dos motivos da apatia política quanto aos investimentos de
mobilidade campo-cidade é que, embora os redutos eleitorais sejam os distritos da
zona rural, os representantes dessas regiões residem na sede do município, logo,
não necessitam ou vivenciam o problema do transporte.
Em outro momento, já pela ótica econômica, há destaque para uma clientela
que consome à vista os produtos na cidade. Os períodos mais movimentados no
comércio são a primeira e a última semana do mês, período que coincide com o
recebimento de benefícios de previdência, auxílios e bolsas dos programas de
transferência de renda do governo. Entende-se que no restante do mês e nos turnos
da tarde há um comércio relativamente parado, tendo boa parte da clientela oriunda
da própria zona urbana.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O transporte alternativo em veículos Pau de Arara viabiliza a mobilidade
campo-cidade em Acopiara/CE. Dada a falta de interesse político e a incapacidade
gerencial do governo municipal em garantir uma infraestrutura adequada à
mobilidade da sede do município para os demais distritos, esta acaba sendo a única
opção de deslocamento.
Em função da competição por passageiros e das péssimas condições das
vias, os deslocamentos são realizados em horários bem cedo. Isso acarretou
reflexos na cultura rural e alteraram a dinâmica econômica urbana, uma vez que
impele os comerciantes a abrirem seus estabelecimentos mais cedo. Muitas vezes,
ocorre sobrecarga nos atendimentos em horários específicos do dia, sendo
rapidamente esgotados pelo turno da tarde, em função da baixa movimentação de
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pessoas para o centro comercial, pois não são todos os motoristas que fazem mais
de duas viagens para a cidade em horários alternativos.
Os agricultores são os maiores prejudicados nessa situação, visto que ficam à
mercê dos preços e dos horários disponíveis. Já o comércio, sofre sérias perdas de
ganho, já que a ausência de um fluxo contínuo no decorrer do dia impossibilita a
comercialização de mercadorias em horários que não sejam pelo turno da manhã e
dificulta o fomento de uma vida noturna na cidade. Os políticos se justificam por
questões burocráticas e orçamentárias pela inação, além disso, compreendem que o
único problema seria a infraestrutura das vias, não se atendo às questões de
segurança, conforto e regularidade dos transportes. O transporte em Pau de Arara
sequer é compreendido como problema público.
São claros os efeitos da ineficiência do poder público municipal no tocante à
regulação do transporte coletivo no município, bem como no que diz respeito à má
conservação das vias vicinais que ligam a zona urbana a rural, atingindo
completamente a dinâmica da cidade em seus aspectos culturais e sócio
econômicos. Fica evidente a demanda por uma melhor gestão deste serviço público
visando restabelecer uma polaridade campo-cidade de modo mais justo e
equilibrado.
Para possíveis aprofundamentos de pesquisa, sugere-se a multiplicação
dessa pesquisa em cidades de maior ou menor porte no intuito de compreender se
há uma dinâmica parecida ou divergente da realidade descrita nessa pesquisa e
quais atores sofrem influência devido a esses problemas públicos de mobilidade
campo-cidade. Recomenda-se ainda um estudo mais aprofundado sobre o que leva,
em pleno Século XXI, a manutenção dessa prática de mobilidade ser perpetuada,
especialmente na região do Nordeste Brasileiro.
REFERÊNCIAS
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