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A escola toda atrás-jdas grades RUTE COELHO Jornalista JORGE AMARAL Fotógrafo (JpOVtUfUCIdCIC Menos dcl% dos presos estão a tirar cursos superiores: são 42 em 13 285 reclusos. E nesses um universo ainda mais restrito, uma minoria que completou toda a educação enquanto cumpria pena. O DNfoi à procura desses casos raros no sistema prisional e encontrou quatro histórias de vida que impressionam pela lucidez e esperança no futuro. Os quatro homens estão em duas cadeias conhecidas pelo perfil 'pesado' dos seus reclusos: Vale de Judeus (Azambuja) e Linho (Sintra). Carlos, condenado por homicídio a cumprir pena na cadeia do Linho, que seguiu Estudos Africanos para perceber melhor as suas raízes. Mauro, o ex-segurança privado que sujou as mãos de sangue, foi condenado à pena máxima e hoje é finalista do curso de Psicologia e gostava de trabalhar nas cadeias. Américo, um dos pioneiros no roubo de carros por 'carjacking'. Tinha o nono ano quando foi condenado.Agora está no último ano de Ciências Políticas e Relações Internacionais e sonha ser diplomata em Angola, o seu país natal. ELuís, o assaltante à mão armada que entrou com o sexto ano na cadeia, desenhou as paredes da cela a carvão, é apaixonado pelo Antigo Egito e estuda História de Arte. sentem o estigma quando vão algemados e acompanhados por guardas nos dias em que têm de comparecer nos exames, nas respetivas faculdades. Nunca tinham entrado numa universidade antes de serem condenados. Hoje, o curso superior significa para eles o passaporte para a liberdade

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A escolatoda atrás-jdas

gradesRUTECOELHOJornalista

JORGEAMARALFotógrafo

(JpOVtUfUCIdCIC Menos dcl% dos presos estão a tirar cursos

superiores: são 42 em 13 285 reclusos. E nesses há um universo aindamais restrito, uma minoria que completou toda a educação enquantocumpria pena. O DNfoi à procura desses casos raros no sistema prisionale encontrou quatro histórias de vida que impressionam pela lucidez e

esperança no futuro. Os quatro homens estão em duas cadeiasconhecidas pelo perfil 'pesado' dos seus reclusos: Vale de Judeus(Azambuja) e Linho (Sintra). Carlos, condenado por homicídio a cumprirpena na cadeia do Linho, que seguiu Estudos Africanos para percebermelhor as suas raízes. Mauro, o ex-segurança privado que sujou as mãosde sangue, foi condenado à pena máxima e hoje éfinalista do curso de

Psicologia e gostava de trabalhar nas cadeias. Américo, um dos pioneirosno roubo de carros por 'carjacking'. Tinha o nono ano quando foicondenado.Agora está no último ano de Ciências Políticas e RelaçõesInternacionais e sonha ser diplomata em Angola, o seu país natal. ELuís,o assaltante à mão armada que entrou com o sexto ano na cadeia,desenhou as paredes da cela a carvão, é apaixonado pelo Antigo Egitoe estuda História de Arte. Só sentem o estigma quando vão algemadose acompanhados por guardas nos dias em que têm de comparecernos exames, nas respetivas faculdades. Nunca tinham entradonuma universidade antes de serem condenados. Hoje, o curso

superior significa para eles o passaporte para a liberdade

Carlos Duarte, condenado por homicídio,já passou mais de uma década no sistemaprisional. Vinha da rua toxicodependentee com o sexto ano por acabar. Agora estánum curso superior e decidido a vencerParece um rapperquando entra na sala de reuniões da cadeiado Linho, o espaço que foi proporcionado para a entrevista.Casaco desportivo com capuz a tapar a cabeça, Carlos Duar-te, 33 anos, pega no gravador do DN e apresenta-se assim:"Nasci no Barreiro, o meu pai já faleceu, a minha mãe aindaé viva, vive no Pinhal Novo. Estou detido por homicídio. Le-vei 24 anos de pena única. Já cumpri 1 1 anos e dois meses,mas nunca larguei os estudos desde que cheguei aqui."Transmite ansiedade, talvez motivada pela antiga toxicode-

pendência. Facto é que Carlos tem orgulho na pessoa em quese está a transformar. Quandovimdaruapa-ra a cadeia era toxicodependente e tinha ape-nas o sexto ano. Depois empenhei-me nos estu-dos. Sempre disse às doutoras que havia de tirar umcurso aqui dentro. Agora estou na Faculdade de Letras a ti-rar o curso de Estudos Africanos no I.° ano." Diz-se "empol-gado" com o ensino superior e fala num ritmo imparável.Olha para o mapa da penitenciária e descreve o espaço, dasalas prisionais aos gabinetes, passando pelo recinto escolar.

"Completei o sexto e o sétimo anos de escolaridade no Esta-belecimento Prisional de Leiria e depois vim para o Linho. Já

é a terceira vez que estou detido. A terceira e a última." No Li-nho fez o curso de Operador de Informática e depois iniciouos estudos e não parou mais. "A minha primeira escolha eraRelações Públicas e Gestão Empresarial. Mas depois gosteida ideia de ir para Estudos Africanos. Tenho antepassadosafricanos, o meu pai era de Cabo Verde."

Na cadeia do Linho (Sintra), onde recentemente houveum motim, a maior parte dos presos são jovens, com me-nos de 20 anos, condenados a penas pesadas. "Sempre quefalo com um dos putos, o meu conselho é: 'mano, vai estu-darmano, o sabernão ocupa espaço'." Os mais novos pro-

curam-no para as mais diversas tarefas burocráticas queimpliquem o preenchimento de papelada. "Os jovens tra-tam-me por 'Ananás'. Vêm ter comigo e pedem-me para os

ajudar a escrever cartas formais ou a fazer pedidos escritos

para pagar multas em prestações.Carlos não paga propinas por-

que a Faculdade de Letras dispo-nibilizou-lhe uma bolsa. "Enquan-

to não tiver direito a saídas precáriase em regime aberto, faço os exames da

universidade na prisão, por correspon-dência, acompanhado por um supervisor."

À sua espera estão a mãe e quatro irmãos mais novos."Sou o primeiro filho no ensino superior. Se eu estivesse láfora a viver o mundo universitário ia às festas com os meuscolegas. Mas ainda vou a tempo", diz, soltando uma garga-lhada. O curso é, para ele, sinónimo de liberdade. "Cumprodois terços da pena em 20 15, quando acaba o curso. Já vouter direito a saídas precárias em dezembro deste ano [emprocessos de sangue as precárias são concedidas a partir dametade da pena). E em 2015 terei direito à liberdade condi-cional", garante. Os três anos da licenciatura não o assus-tam, o tempo está a seu favor. "Tenho 180 créditos, ainda

posso jogar muitas vezes, a máquina pode dar game overmuitas vezes que eu volto a meter a moeda", diz, com a mu-sicalidade de um mpper.

Quando acabar os estudos já tem planos. "Até gostava dedar aulas, teria paciência para aturar os miúdos. Paciênciaé o que desenvolvemos mais aqui." Carlos saiu da sala como riso e o jogo do malandro. O "Ananás" voltou à cela.

"Sempre disseàs doutoras queia tirar um curso"

Na universidadesabem que matouMauro Fonseca vivia no submundoda segurança privada em clubes noturnosquando cometeu homicídio. Hoje, é fina-lista de Psicologia e até sabe apontar falhasaos profissionais que vão às cadeias

Já esteve à porta de discotecas como segurança pri-vado e é fácil imaginá-lo a assustar os inconve-nientes. Mauro Fonseca, 35 anos, de elevada esta-tura e tronco musculado, é todo ele um Hérculesdo atletismo. Na sua outra vida antes da cadeia deVale de Judeus foi militar, praticou desporto e en-trou depois na segurança privada, uma área que olevou ao submundo do crime. Mauro está encarcera-do há 1 1 anos em Vale de Judeus (mas há 13 no sistema pri-sional) . Matou. Não conta quem nem porquê, mas matouE hoje é um finalista aplicado do curso de Psicologia e diz

que quer ser psicólogo nas prisões. A vida é, no mínimo, iró-nica. "Fui condenado pelo crime de homicídio à pena má-

xima de prisão: 25 anos." Apena foi tão elevada que pensouem fazer "alguma coisa" com o tempo. Dedicou-se ao des-

porto de alta competição, kickboxinge musculação. "Masdecidi agarrar-me aos estudos. APsicologia sempre me in-teressou. Já na tropa estudei um pouco de Psicologia e te-nho um tio que é psicólogo clínico em Lisboa

que me incentivou a seguir a área."Mauro quer esconder a cara e por

isso pediu para não ser identificadonas fotografias. Receia que o futuroprofissional que idealiza, como psi-cólogo, seja afetado pela imagem docondenado. Até porque é um reclusona reta final do sistema. "Estou à es-pera de ser ouvido para obter a condi-cional em junho e aguardo transferência

para um estabelecimento prisional perto deLisboa, para estar mais próximo da área de residên-cia e da universidade." Estuda no Instituto Superiorde Psicologia Aplicada (ISPA) , junto a Santa Apolónia, nacapital.

"Gostava de fazer Psicologia do Desporto ou PsicologiaCriminal, são as áreas em que estou mais à vontade." O

acompanhamento psicológico dos presos interessa-o mui-to. E acredita que é uma área que pode e deve ser melhora-da nas cadeias nacionais.

"Já fiz vários trabalhos académicos para a faculdade so-bre os psicólogos das cadeias e há falhas no atendimentoque fazem aos presos. Uma falta de experiência que osleva a não entender bem o sistema. Têm a parte teórica,mas não a prática. Não sabem que há presos que se agar-ram à medicação e só vão ao psicólogo para levarem maismedicamentos ou para se livrarem do castigo que leva-

ram aqui. Os psicólogos e os enfermeiros caem nestes es-quemas." Mauro Fonseca garante que "não teria proble-mas em trabalhar nas prisões". O "sistema", diz, é que po-dianão apoiar...

0 seu grande apoio para aguentar a pena mais pesadaem Portugal, 25 anos, foi a família. "Sou casado, a minhamulher esperou por mim. Não temos filhos, mas conseguimanter tudo. Pensar em responsabilidades, na família, aju-da. Eu e a minha mulher temos um salão de cabeleireiro.Estou a tentar com os serviços prisionais a possibilidade deestudar e trabalhar ao mesmo tempo, num regime maisaberto ainda."Para ser possível conciliar estudo e trabalho teria de sertransferido para os estabelecimentos prisionais de Mon-santo ou de Sintra. São os que têm regimes mais abertos."Mas é muito difícil sair de Vale de Judeus, já pedi duastransferências e uma foi negada. Agora estou à espera daresposta ao segundo pedido."

"Queria acabar o meu curso antes de sair daqui. A presi-dente do conselho pedagógico do ISPA já me conseguiu umestágio no Hospital de São Francisco de Xavier." Mauroconta que a docente teve uma "grande curiosidade" em sa-ber porque estava o aluno encarcerado numa cadeia comoVale de Judeus. "E eu contei-lhe o que fiz, ela sabe que eumatei."Mauro é um estudante de notas elevadas, ao nível de 15 e1 6 valores. E para além do estágio, até já tem em perspetivaum local onde pode começar a carreira. "Posso ir trabalharcom o meu tio numa clinica em Lisboa", afirma.

A expectativa sobre o futuro de Mauro é elevada em Valede Judeus. Isso percebe-se em conversa com o diretorda cadeia, Orlando Carvalho, e com o técnico de reinserçãosocial, Carlos Anacoreta. Há, pelo menos, fé no seu sucesso.

Do 'carjacking'à diplomaciaO angolano Américo Lopes foi dos

primeiros a roubar carros à mão armadaem Portugal. Tinha o oitavo ano inacabadoquando foi preso. Está no último ano deCiência Política e Relações Internacionais

Chega à sala de visitas da cadeia de Vale de Judeus (conce-lho de Azambuja) e ilumina-a com um sorriso contagiante.Não custa imaginar Américo Lopes, 41 anos, angolano, co-mo futuro diplomata, o seu sonho. É finalista de Ciência Po-lítica e Relações Internacionais da Universidade Nova deLisboa. Passou com 16 valores no exame de acesso ao ensi-no superio para maiores de 23 anos. Nada mal para quemfoi parar à prisão tendo apenas o oitavo ano inacabado.

Na sua outra vida, enquanto imigrante clandestino emPortugal, foi pioneiro num crime hoje muito praticado nonosso país: o carjacking (roubo à mão armada do carrocom sequestro do proprietário) . "Da última vez que fui a

tribunal, o juiz disse que eu fui das primeiras pessoas a rou-bar carros com arma em Portugal e por isso levei uma penaalta", contou Américo. Condenado a 18 anos de encarcera-mento, já cumpriu uma década em Vale de Judeus. Comotem a pena acessória de expulsão, quando for libertado se-rá obrigado a regressar a Angola.

"Vim de um país martirizado pela guerra. Fui impedidode seguir os estudos em Angola derivado às dificuldades.Quando fui preso por roubo à mão armada não havia nadamelhor do que me agarrar à escola." Já tinha trabalhado nas

limpezas do refeitório da prisão. "Sabia que a faxina aquinão me levava a lado nenhum", solta, entre risos.

Américo pertencia a um bando de três jovens assaltan-

tes. "Mas os outros dois já saíram da cadeia. Um delesfoi condenado a 17 anos, veio para Vale de Judeus, comoeu, e saiu o ano passado. O outro ficou com uma penade cinco anos porque colaborou com a justiça, o queeu não fiz." Não só não colaborou como até negou os cri-mes. "Isso contribuiu também para apanhar uma pena tãoalta", lamenta.

Ávida académica tem compensado os erros do passado."Nunca tinha entrado numa faculdade antes de ir para oensino superior. Para nós, reclusos, só é chato quando te-mos de ir fazer os exames e entramos acompanhados dos

guardas e algemados. Mas não me traumatiza. O ambien-te da faculdade é tão saudável que até me esqueço."

Américo olha para o passado criminoso com amargura."É um arrependimento muito grande." O futuro é a janelaa que se agarra e por isso conta o tempo para sair em liber-dade. "Falta-me pouco mais de um ano. A expulsão do paísé obrigatória aos dois terços da pena, que são os 12 anos.

Atinjo esse tempo para o ano."

Américo está convencido da mudança que se operou emsi ao longo de uma década de clausura. "A pessoa de antes,o rapaz que tinha a agilidade de entrar num carro e saircom uma pistola na mão, já não sou eu."

O Américo do futuro usará fato e gravata e falará com al-tos dignatários do inundo inteiro. Assim se imagina o ex-assaltante. "Escolhi este curso porque sou um fã da diplo-macia. Gosto daquelas coisas, das cimeiras, dos encontros,e sempre pensei nisso. E em Angola há perdão, não só pa-ra os crimes de guerra mas também para os crimes co-muns, por isso o meu passado é contornável."

E até pode contar com uma ajuda de peso: o seu padri-nho de batismo é diplomata. "Foi vice-cônsul em Lisboa eestá a chefiar uma comissão no Porto. Se eu estivesse forada cadeia neste momento já podia pedir ao Estado portu-guês uma autorização especial e ia trabalhar para lá." EmAngola terá também, à sua espera, três filhas, hoje com 2 1 ,

16 e 13 anos. "São filhas de mães diferentes", diz. "Querovoltar a casar." O futuro adivinha-se preenchido.

ANÁLISE

300 guardas estão nas universidades

> O guarda prisional Ricardo Torrão - que está a fazerum doutoramento sobre as competências e dimensãosociopronssionais da guarda prisional - adiantou aoDN que "entre os efetivos que estudam no ensino supe-rior e os que já estão licenciados temos cerca de 300 ele-mentos ". Em 4300 guardas prisionais, significa quecerca de 7% estão no ensino superior. "O Corpo daGuarda Prisional foi a primeira força de segurança aexigir no acesso o nível do 12.° ano."

A estudar para darexemplo à filhaLuís Pereira já foi cocainómano e ladrãona outra vida que teve. O incentivo de umprofessor levou- o a seguir o curso deHistória da Arte. Tinha apenas o sexto anoquando entrou no sistema prisionalEm criança, Luís Pereira, de 34 anos, era fascinado pelos fil-mes do Indiana Jones e um apaixonado por História. Umapaixão que apenas tinha paralelo no desenho a carvão, umtalento inato. Calmo e algo tímido, custa a imaginá-lo a assal-tar estabelecimentos e pessoas à mão armada. Está a frequen-tar o primeiro ano da licenciatura em História da Arte na Fa-culdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa

O consumo de cocaína levou-o aosroubos. Os roubos levaram-no à prisão. Amão da Justiça não foileve: Manos. Qua-se um quarto de vida. Está no Estabeleci-mento Prisional (EP) de Vale de Judeus,cadeia conhecida pela população prisio-nal de perfil "duro" e pelas apertadas re-

gras de segurança.Luís já está encarcerado neste

EP há dois anos, tendo passa-do um primeiro ano emCaxias. A cela, que o DNnão pôde visitar, está de-corada com os desenhosa carvão de pessoas dafamília.

Era outro homem quan-do entrou no sistema prisio-nal. "Estava com o sexto anode escolaridade apenas. Nuncaconsegui bons trabalhos por ter poucosestudos. Antes de ser preso tinha no hori-zonte continuar a trabalhar, a minha

companheira estava grávida de três me-ses e eu pensava que a ia ajudar a criar a

nossa filha."A condenação ditou a separação da

companheira e o afastamento da filha.Atrás das grades, Luís começou a pensarnuma vida nova. Ainda frequentou o en-sino secundário em Caxias e depois con-tou com um empurrão precioso. "Tivemuito a ajuda de um amigo professor noEP de Caxias que me reconheceu compe-tências para ingressar num curso supe-rior. Eu não acreditei muito nisso, mas o

professor Álvaro Santos acabou por meconvencer." Tentou o ingresso através doconcurso aberto a maiores de 23 anos."Não fiz a prova de Inglês e faltava essa no-ta, que era essencial. O professo Álvaro, in-sistente como é e por me ver triste, pediurecurso e entrevista na universidade.Quando souberam que me dava bemcom o espanhol e o russo aceitaram como

língua alternativa o espanhol." Luís Pereira queria seguir His-tória, mas o professor Álvaro sugeriu-lhe História da Arte até

para aproveitar avertente do desenho. "Adorava trabalhar no

campo, lá no Egito a fazer buracos e tal", afirma, entre risos.O antigo assaltante e cocainómano é agora um estudante

aplicado. "Já completei História da Arte e Metodologia da Ar-

te, duas cadeiras semestrais, em exames presenciais na facul-dade, com 12 e 13 valores." Sentiu-se diferente dos outrosquando foi fazer os exames. "Atravessei a faculdade com os

guardas, sempre algemado. É um bocado vergonhoso. Os es-tudantes até baixavam o olhar à minha passagem." Só na salade exames é que lhe tiraram as algemas.

Vai estudando com as fotocópias, CD e outros materiaisenviados pela faculdade, já que não tem acesso à Internet. E

preenche os buracos da alma com desenhos na cela. Para Luís

Pereira, a maior dor, alega, é não receber visitas da ex-compa-nheira e da filha. Está arrependido do que fez.

"Também estou a fazer tudo isto para dar um exemplo àminha filha. Um dia quero olhá-la nos olhos e dizer-lhe: 'O teupai esteve preso, mas tentou fazer algo por ele'."

ENTREVISTA:JORGE ALVES

Presidente do Sindicato do Corpo da Guarda Prisional

" Também entrei este anonum curso superior"

Concorda com os apoios que os reclusos têm para tirarcursos superiores, nomeadamente as bolsas ?

Sim, é um apoio para quem, de outra forma, não conse-guiria pagar as propinas. Mas nos outros graus de ensinoos reclusos também recebem um ordenado mensal paraestudar. Por exemplo, a cadeia de Custóias, onde traba-lho, gastava uma média de oito mil euros por mês com osordenados dos presos estudantes do ensino básico e se-cundário.Os reclusos falam do estigma de irem algemados e acom-panhados por guardas quando vão fazer exames. Mas émesmo necessário por razões de segurança?Os reclusos podem dizer isso, mas eu não acredito queassim seja. A regra é que os guardas lhes tirem as algemasainda na carrinha celular. E depois vão dois guardas a acom-panhá-los até à faculdade. Por falta de efetivos nem sem-

pre é possível irem dois.

Quer dizer que por vezes vai só um guarda a acompanharo preso até à sala de exames?Já aconteceram casos em que vai só um guarda. E outrosem que o motorista, que por norma fica junto da carrinha,teve de deixar o guarda só com o recluso porque no tempo

em que dura o exame foi chamado a fazer um serviço e voltamais tarde para apanhar os dois.

Alguma vez aconteceu uma fuga de presos durante este

transporte até à faculdade?Nunca. O único problema foi o ISCTE ter exigido uma vez

que os guardas fossem à civil, o que não é permitido.Também há cada vez mais guardas prisionais no ensinosuperior. É com o objetivo de progressão na carreira?Sem dúvida que há. Eu sou um deles. Também entrei esteano num curso superior, em Estudos Culturais, naUniversidade do Minho. E durante muitos anos estudei ànoite até completar o 12.° ano. Torna-se essencial ter umgrau académico. Para a progressão na carreira vai passar aser mais importante do que é até agora. O novo estatutoprofissional, que está a ser negociado como Ministério da

Justiça, refere que os subchefes vão precisar de licenciatu-ra para progredir na carreira.