prevenção da mania e da hipomania

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Moreno, R.A.; Moreno, D.H.; Ratzke, R. Rev. Psiq. Clín. 32, supl 1; 39-48, 2005 Artigo Original Diagnóstico, tratamento e prevenção da mania e da hipomania no transtorno bipolar Diagnosis, Treatment and Prevention of Mania and Hipomania within the Bipolar Disorder RICARDO ALBERTO MORENO 1 DORIS HUPFELD MORENO 2 ROBERTO RATZKE 3 1 Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Grupo de Estudos de Doenças Afetivas (GRUDA) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP. 2 Grupo de Estudos de Doenças Afetivas (GRUDA) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP. 3 Médico Assistente de Psiquiatria da Faculdade Evangélica do Paraná. Endereço para correspondência: Ricardo A. Moreno. Rua Capote Valente, 432, cj. 35 – 05409-001 – São Paulo – SP. Tel: (11) 3068-0150; fax: (11) 3063-3417; e-mail: [email protected] Resumo Pelo menos 5% (Moreno, 2004 e Angst et al ., 2003) da população geral já apresentou mania ou hipomania. A irritabilidade e sintomas depressivos durante episódios de hiperatividade breves e a heterogeneidade de sintomas complicam o diagnóstico. Doenças neurológicas, endócrinas, metabólicas e inflamatórias podem causar uma síndrome maníaca. Às vezes, a hipomania ou a mania são diagnosticadas de forma errada como normalidade, depressão maior, esquizofrenia ou transtornos de personalidade, ansiosos ou de controle de impulsos. O lítio é a primeira escolha no tratamento da mania, mas ácido valpróico, carbamazepina e antipsicóticos atípicos são também freqüentemente utilizados. A eletroconvulsoterapia está indicada na mania grave, psicótica ou gestacional. A maioria dos estudos controlados para a profilaxia de episódios maníacos foi realizada com lítio e mais estudos são necessários para investigar a eficácia profilática do valproato, da olanzapina e de outras medicações. O tratamento e a profilaxia da hipomania foram pouco estudados e, de modo geral, seguem as mesmas diretrizes usadas para a mania. Palavras-chave: Transtorno bipolar, mania, hipomania, diagnóstico, tratamento. Recebido: 17/11/2004 - Aceito: 07/01/2005

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Page 1: prevenção da mania e da hipomania

Moreno, R.A.; Moreno, D.H.; Ratzke, R. Rev. Psiq. Clín. 32, supl 1; 39-48, 2005

Artigo Original

Diagnóstico, tratamento eprevenção da mania e da hipomaniano transtorno bipolarDiagnosis, Treatment and Prevention of Mania and Hipomaniawithin the Bipolar Disorder

RICARDO ALBERTO MORENO1

DORIS HUPFELD MORENO2

ROBERTO RATZKE3

1 Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo eGrupo de Estudos de Doenças Afetivas (GRUDA) do Instituto de Psiquiatria do Hospital dasClínicas da FMUSP.2 Grupo de Estudos de Doenças Afetivas (GRUDA) do Instituto de Psiquiatria do Hospital dasClínicas da FMUSP.3 Médico Assistente de Psiquiatria da Faculdade Evangélica do Paraná.Endereço para correspondência: Ricardo A. Moreno. Rua Capote Valente, 432, cj. 35 – 05409-001 –São Paulo – SP. Tel: (11) 3068-0150; fax: (11) 3063-3417; e-mail: [email protected]

Resumo

Pelo menos 5% (Moreno, 2004 e Angst et al., 2003) da população geral jáapresentou mania ou hipomania. A irritabilidade e sintomas depressivos duranteepisódios de hiperatividade breves e a heterogeneidade de sintomas complicamo diagnóstico. Doenças neurológicas, endócrinas, metabólicas e inflamatóriaspodem causar uma síndrome maníaca. Às vezes, a hipomania ou a mania sãodiagnosticadas de forma errada como normalidade, depressão maior,esquizofrenia ou transtornos de personalidade, ansiosos ou de controle deimpulsos. O lítio é a primeira escolha no tratamento da mania, mas ácidovalpróico, carbamazepina e antipsicóticos atípicos são também freqüentementeutilizados. A eletroconvulsoterapia está indicada na mania grave, psicótica ougestacional. A maioria dos estudos controlados para a profilaxia de episódiosmaníacos foi realizada com lítio e mais estudos são necessários para investigara eficácia profilática do valproato, da olanzapina e de outras medicações. Otratamento e a profilaxia da hipomania foram pouco estudados e, de modogeral, seguem as mesmas diretrizes usadas para a mania.

Palavras-chave: Transtorno bipolar, mania, hipomania, diagnóstico, tratamento.

Recebido: 17/11/2004 - Aceito: 07/01/2005

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Introdução

O transtorno bipolar (TB) é um dos quadros nosoló-gicos mais consistentes ao longo da história da medi-cina e as formas típicas (euforia – mania, depressão)da doença são bem caracterizadas e reconhecíveis,permitindo o diagnóstico precoce e confiável. A maniaé o mais característico dos episódios e, apesar defreqüente e incapacitante (é o que mais resulta eminternações agudas em virtude das graves mudançasde comportamento e conduta que provoca), é poucoestudada e diagnosticada. A hipomania, sua formamais leve, era praticamente desconhecida pelamaioria dos clínicos, sendo confundida com anormalidade ou transtornos de personalidadeborderline, histriônico, narcisista ou anti-social. Nosúltimos anos, o interesse nestes quadros aumentou,com maiores pesquisas em diagnóstico, neurobiologia,epidemiologia e tratamento. Apesar disso, a identi-ficação de pacientes pertencentes ao amplo grupo debipolares, embora de suma importância clínica, sociale econômica, e apesar da terapêutica disponível,continua sendo pouco ou tardiamente diagnosticadoe inadequadamente tratado. Em nosso meio, dadosrecentes do Sistema Único de Saúde de São Paulo(www.datasus.gov.br) refletem indiretamente oproblema, pois mais de 10 mil AIHs (Autorizações deInternação Hospitalar) por ano são devidas ao TB.No entanto, em homens, não se mencionam trans-tornos do humor como indicação para internação eprevalecem os diagnósticos de alcoolismo e esquizo-frenia. Neste trabalho foram revisadas as evidênciasdiagnósticas e terapêuticas da mania/hipomania,

além de enfatizar o diagnóstico diferencial (inclusivecom a mania orgânica) e os tratamentos importantespouco abordados, como a eletroconvulsoterapia (ECT).

Descrição do quadro clínico

ManiaA mania afeta o humor e as funções vegetativas, comosono, cognição, psicomotricidade e nível de energia.Em um episódio maníaco clássico, o humor é expan-sivo ou eufórico, diminui a necessidade de sono, ocorreaumento da energia, de atividades dirigidas a objetivos(por exemplo, o paciente inicia vários projetos ao mes-mo tempo), de atividades prazerosas, da libido, alémde inquietação e até mesmo agitação psicomotora. Opensamento torna-se mais rápido, podendo evoluir paraa fuga de idéias. O discurso é caracterizado por prolixi-dade, pressão para falar e tangencialidade. As idéiascostumam ser de grandeza, podendo ser delirantes.Geralmente a crítica está prejudicada e os ajuiza-mentos emitidos se afastam da realidade do paciente.

A maior dificuldade no diagnóstico ocorre emepisódios em que há irritabilidade, idéias delirantesparanóides, agitação psicomotora e sintomas depres-sivos com labilidade afetiva. Quando sintomas de-pressivos estão presentes em grande quantidade, oquadro é denominado de episódio misto ou atémesmo de depressão agitada. Não há consenso sobreo número de sintomas necessários para estadiferenciação. Há muito tempo se conhecem osestágios de agravamento na evolução natural dessesepisódios quando não tratados (Tabela 1).

Abstract

At least 5% (Moreno, 2004 e Angst et al., 2003) of the general population havepresented mania or hypomania. Irritability and depressive symptoms duringbrief hyperactivity episodes and the heterogeneity of symptoms complicatethe diagnosis. Neurological, metabolic, endocrine, inflammatory diseases,besides drugs intoxication and abstinence can cause a manic syndrome.Sometimes hypomania or mania are misdiagnosed as normality, majordepression, schizophrenia, personality, anxiety and impulse control disorders.Lithium is the first treatment choice for episodes of mania. Valproic acid,carbamazepine and atypical antipsychotics are frequently used as well.Electroconvulsive therapy should be used in severe, psychotic or gestationalmania. For the prophylaxy of manic episodes, lithium is the medication withmost controlled studies. More studies are needed to investigate the prophylacticefficacy of valproate, olanzapine and other medications. The treatment andprophylaxis of hypomania remains understudied, and usually follows theguidelines used for mania.

Key words: Bipolar disorder, mania, hypomania, diagnosis, treatment.

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As classificações mais utilizadas em psiquiatriaenfatizam o quadro clássico da mania. O diagnósticopelo DSM-IV requer humor persistente e anormal-mente elevado, expansivo ou irritável durando pelomenos uma semana. Caso seja necessária a hospitali-zação antes de uma semana, o diagnóstico tambémpode ser feito. Além da alteração de humor, pelo menostrês (ou quatro se o humor é irritável) dos seguintessintomas devem estar presentes: grandiosidade, neces-sidade diminuída de sono, pressão para falar, fuga deidéias ou pensamentos correndo, distratibilidade, au-mento da atividade dirigida a objetivos ou agitaçãopsicomotora, envolvimento excessivo em atividadesprazerosas. Uma falha dessa classificação é não citarsintomas psicóticos entre os critérios, apenas especifi-cadores. Outra é excluir, para o diagnóstico, a maniainduzida por antidepressivos.

A CID-10 é vaga na sua definição, apesar de enfa-tizar a mania com e sem sintomas psicóticos. Exigeno seu manual clínico a presença de elação do humor,que não basta ser irritável, e não operacionaliza umaduração mínima ou um número mínimo de sinto-mas. Inclui também como sintomas o aumento deenergia, a diminuição da necessidade de sono, adistratibilidade, a grandiosidade, a pressão para falare a perda das inibições sociais. Em 2001, Akiskal etal. propuseram novos critérios para o diagnóstico demania. Enfatizaram a ativação psicomotora comocentral na mania, humor depressivo ou ansioso, alémde eufórico ou irritável, ausência de crítica e quatrodos seguintes sintomas: aumento de energia,diminuição da necessidade de ajuda, grandiosidade,sociabilidade excessiva, aumento da libido, fuga deidéias e distratibilidade.

HipomaniaA hipomania é um estado semelhante à mania, porémmais leve. Em geral, é breve, durando menos de umasemana. Há mudança no humor habitual do pacientepara euforia ou irritabilidade, reconhecida por outros,além de hiperatividade, tagarelice, diminuição da neces-sidade de sono, aumento da sociabilidade, atividadefísica, iniciativa, atividades prazerosas, libido e sexo, eimpaciência. O prejuízo ao paciente não é tão intensoquanto o da mania. A hipomania não se apresenta comsintomas psicóticos, nem requer hospitalização.

No DSM-IV a duração mínima de quatro dias énecessária para a confirmação do diagnóstico. Ossintomas são os mesmos da mania e também excluicomo hipomania aquela induzida por antidepressivos.A CID-10 cita apenas “vários dias” como necessáriospara preencher o critério de hipomania. Um estudode validação epidemiológica prospectiva demonstrouque até mesmo um dia já é suficiente para o diagnósticode hipomania, sendo a duração modal de dois dias(Angst, 1998).

Os estados patológicos de elevação do humor sãoacompanhados de vários graus de sintomas depres-sivos e prejuízos funcionais. Embora os instrumentosdiagnósticos separem hipomania, mania e estadosmistos, muitas vezes é difícil discriminá-los de formaconfiável. O paciente bipolar tipo I comumente exibeum curso que flutua entre esses episódios em umaprogressão que em alguns momentos parece ordenadae, em outros, caótica. Na prática clínica, o grau deincapacitação e as alterações de comportamento, comoagressividade, agitação, psicose, falta de crítica e dacapacidade de julgamento da realidade, além dos

TTTTTabela 1. abela 1. abela 1. abela 1. abela 1. Estágios da mania.Estágio IEstágio IEstágio IEstágio IEstágio I Estágio IIEstágio IIEstágio IIEstágio IIEstágio II Estágio IIIEstágio IIIEstágio IIIEstágio IIIEstágio III

Humor Lábil, eufórico, Disforia e depressão, Claramente disfórico,irritável se contrariado hostil e irado em pânico, desesperado

Pensamento Expansivo, grandioso; Fuga de idéias, Incoerente,e cognição hiperconfiante; desorganização, associações frouxas,

pensamento acelerado, idéias deliróides bizarro, idiossincrásico,coerente ou tangencial; alucinações,preocupações religiosas desorientaçãoe sexuais idéias de referência

idéias deliróidesComportamento Aceleração psicomotora, Hiperatividade, Atividade frenética e

maior iniciativa maior pressão do bizarrade discurso, discurso,gastos, tabagismo e agressões físicastelefonemas excessivos

Sinonímia Hipomania Mania franca Mania delirante(Psicose indiferenciada)

Fonte: Carlson e Goodwin, 1973.

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comprometimentos sociais e ocupacionais, chamam aatenção e levam à intervenção médica. O que dife-rencia mais freqüentemente episódios de depressão eos de elevação do humor é a variabilidade de sintomasdurante o dia. Pacientes em mania podem ter horasou dias sem sintomas francos e, em alguns casos, aelevação do humor é mais bem caracterizada comoum estado de hiper-reatividade a estímulos.

Outros fatores também interferem para o não-reconhecimento da mania, hipomania e dos estadosmistos, tais como (Akiskal et al., 2000): não investigarhipomania; confundir sintomas psicóticos comesquizofrenia ou sintomas hipomaníacos comcomportamentos normais; não distinguir episódios mistosde transtornos de personalidade, impulsividade combulimia ou com transtorno associado ao uso desubstâncias; e não consultar o informante ou usar outrasfontes de dados. Pacientes e familiares podem considerara hipomania como normal, não procurar tratamento ouesquecer de relatar episódios anteriores. Por outro lado,pacientes podem apresentar ausência de crítica do estadomórbido motivada por ignorância, preconceito ou medo,ou mesmo pela presença de sintomas psicóticos. Alémdisso, os instrumentos diagnósticos focam apenas apolaridade e não o curso da doença, e a hipomania nãorequer disfunção social/ocupacional para o diagnósticopelo DSM-IV. A avaliação transversal (estado clínicoatual) e longitudinal (freqüência, gravidade e conse-qüências de episódios passados) devem ser levadas emconsideração para o diagnóstico e requer atençãocuidadosa na história clínica.

Diagnóstico diferencial

A mania, particularmente nas formas mais gravesassociadas a delírios paranóides, agitação e irritabili-dade, pode ser difícil de distinguir da esquizofrenia,que apresenta em geral maior número de delíriosincongruentes com o humor e sintomas schneiderianosde primeira ordem (por exemplo: sonorização do pensa-mento, alucinações auditivas referindo-se ao pacientena terceira pessoa), além de sintomas negativos, comoembotamento afetivo. Idéias delirantes de grandezatambém podem aparecer na esquizofrenia, porém semo humor expansivo ou eufórico observado na mania.

A hipomania pode ser confundida com estados dehumor normais, como a alegria e a irritabilidade quecostumam ter fatores desencadeantes positivos ounegativos (como uma boa ou má notícia), que nãonecessariamente são percebidos pelos outros comodiferentes do padrão habitual de humor da pessoa, nãocausam prejuízos, nem acarretam envolvimento comatividades de risco ou diminuição na necessidade desono. A hipomania pode ou não ter fatores desenca-deantes, podendo estes ser positivos ou negativos, comoo falecimento do cônjuge. Freqüentemente, a hipomaniae o transtorno bipolar tipo II podem ser confundidos

com transtornos de personalidade, como o anti-social,o narcisista, o histriônico e o borderline. O DSM-IVresolve o problema deste diagnóstico diferencialpermitindo a comorbidade destes quadros. Os trans-tornos de personalidade costumam ser mais crônicos,com início na infância ou na adolescência e ter piorresposta ao tratamento medicamentoso. A históriafamiliar de transtorno do humor também auxilia nodiagnóstico diferencial.

A mania e a hipomania com irritabilidade devemser diferenciadas da depressão unipolar. Nesta, sehouver agitação psicomotora, não é tão intensa quantono TB. O humor depressivo costuma estar presente,a maior parte do tempo, na depressão e não na hipo-mania ou mania. O diagnóstico diferencial tambémdeve ser feito com transtornos ansiosos que costumamacompanhar as depressões, como o de ansiedadegeneralizada. De acordo com Akiskal et al. (2001), asmanias também podem ser caracterizadas por humoransioso. Novamente a agitação da ansiedade genera-lizada é menor que a da mania. A história familiar deTB também auxilia no diagnóstico diferencial. Ostranstornos de controle de impulsos, como cleptomania,piromania e transtorno explosivo intermitente devemser diferenciados da hipomania e da mania. Em geral,estes são caracterizados apenas pelo descontrole daimpulsividade, sem queixas de aumento de energia,agitação psicomotora ou diminuição da necessidadedo sono, e o descontrole da impulsividade também cos-tuma ser maior no TB. Outro diagnóstico diferencialimportante é com a intoxicação ou abstinência desubstâncias, já que freqüentemente o TB apresentacomorbidade com o abuso ou a dependência de álcoolou outras substâncias. Muitas vezes, o diagnósticodiferencial só é possível por meio de uma pesquisatoxicológica de sangue ou urina.

Quadros orgânicos que podem gerarestados hipomaníacos/maníacos

A denominação “orgânica” para doenças clínicas, quecostumam ser abordadas por outras especialidadesmédicas, em oposição a “funcionais” para os transtornosmentais não é correta, pois há cada vez mais evidênciasde alterações orgânicas também nas doenças psiquiá-tricas, como no transtorno bipolar ou na esquizofrenia.Porém, o termo “orgânico” foi consagrado pelo uso, sendoassim utilizado neste artigo. A mania pode ser originadapelo uso ou pela abstinência de substâncias (Tabela 2).O uso de anfetaminas ou cocaína, por exemplo, podeoriginar um quadro indistinguível da hipomania oumania espontânea, assim como sintomas da abstinênciade álcool ou sedativos. Várias doenças neurológicas,como epilepsia, traumatismo craniencefálico, acidentevascular cerebral, ou, ainda, endócrinas ou metabólicas,a exemplo do hipertireoidismo, podem causar quadrosmaniformes (Tabela 3).

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Tratamento

Nos últimos anos, o tratamento do TB tem avançadoconsideravelmente com o uso de anticonvulsivantese, mais recentemente, de antipsicóticos atípicos. Teori-camente, os tratamentos que corrigem a fisiopatologiasubjacente à mania melhoram todos os sinais esintomas associados à elevação patológica do humore, até o momento, não se dispõe deste tratamento. Otratamento medicamentoso visa restaurar o comporta-mento, controlar sintomas agudos e prevenir aocorrência de novos episódios. Não se limita apenas à

administração de medicamentos e sim ao gerencia-mento de uma doença complexa, que abarca fatoresbiológicos, psicológicos e sociais, devendo ser imple-mentado pelo médico psiquiatra. A seguir são descritosos passos para o tratamento.

A avaliação diagnóstica é fundamental e a utili-zação de questionários de auto-avaliação e escalas deavaliação de mudanças circadianas de humor, além deafetivogramas, têm sido úteis na prática clínica. Avaliara segurança do paciente e das pessoas próximas auxiliana determinação do tipo de tratamento. Todos ospacientes devem ser questionados sobre ideação,intenção, planejamento ou tentativas de suicídio emvirtude do risco de 10% a 15% em bipolares tipo I. Osque apresentam risco de suicídio ou de violência devemser monitorados de perto e a internação hospitalar estáindicada em casos de ameaça a si ou a outras pessoas,complicações psiquiátricas ou médicas, respostainadequada ou ausência de resposta anterior atratamento. Em caso de recusa do paciente, ainternação involuntária pode ser indicada. O ambienteda enfermaria deve ser calmo e estruturado a fim deevitar estímulos que possam incitar a hiper-reatividadecaracterística da mania e hipomania. O tratamentoagudo deve ser seguido pelo planejamento e pelaexecução do tratamento a longo prazo, que requer oestabelecimento e a manutenção de uma aliançaterapêutica por meio de um bom relacionamentomédico–paciente–família–cuidador, que propicie umarelação terapêutica e de apoio. O psiquiatra deve estaratento a possíveis mudanças no estado clínico, comociclagem para estados mistos ou depressão, assim comoà duração e à gravidade dos episódios.

A psicoeducacão do paciente e do familiar oucuidador é fundamental e tem por objetivo oferecerinformações sobre a doença, seu prognóstico e trata-mento, propiciando maior entendimento do processoterapêutico e, conseqüentemente, levando a melhoradesão ao tratamento. Isto pode ser feito diretamentepelo médico ou por meio de encontros psicoeducionais,muitas vezes promovidos por associações de pacientes

TTTTTabela 3. abela 3. abela 3. abela 3. abela 3. Doenças associadas a síndromesmaniformes.Doenças neurológicas Epilepsia

Doença de HungtintonInfecções (HIV, neurossífilis)Esclerose múltiplaLesão traumática cerebralDemênciasTumores do sistemanervoso centralAcidente vascular cerebral

Doenças metabólicas Insuficiência renalDeficiências vitamínicasDistúrbios hidroeletrolíticosPorfiria aguda intermitenteIntoxicação por metais pesadosou toxinas ambientaisDoença de WilsonUremiaEncefalopatia hepática

Doenças endócrinas HipertireoidismoDoença de CushingDisfunção da paratireóide

Doenças inflamatórias Lupus eritematoso sistêmicoFonte: adaptado de Dubovsky e Dubovsky, 2004

TTTTTabela 2.abela 2.abela 2.abela 2.abela 2. Substâncias associadas à hipomania e à mania.Álcool Buspirona L-glutaminaAlfa-interferon Captopril LoxapinaAnfetaminas Ciclobenzaprina MetoclopramidaAntagonistas histamínicos H2 Ciclosporina NarcóticosAnticonvulsivantes Cloroquina OfloxacinaAntidepressivos Cocaína ProcarbazinaAntiparkinsonianos Corticosteróides PropafenonaBaclofeno Dapsona Pseudo-efedrinaBarbitúricos Dietiltoluamida QuinacrinaBenzodiazepínicos Esteróides anabólicos SulfonamidasBloqueadores beta-adrenérgicos Hormônios tireoidianos TeofilinaBromocriptina Zidovudina

Fonte: adaptado de Dubovsky e Dubovsky, 2004

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(www.abrata.com.br) ou instituições da rede públicaassistencial, assim como pelo do fornecimento defolhetos educativos, livros e sites na Internet. Avaliare estimular sempre a adesão ao tratamento é umatarefa fundamental porque a ambivalência em relaçãoao tratamento ocorre a qualquer momento e por váriosmotivos, como falta de discernimento (não serpossuidor de uma doença ou estar curado) ou crençaspessoais (querer vivenciar a “alegria e bem-estar” dahipomania/mania). Efeitos colaterais das medicações,seu custo e outras demandas do tratamento a longoprazo devem ser discutidos com o paciente e seu fami-liar/cuidador de forma efetiva. Estar alerta e ensinarao paciente a identificar estressores psicossociais eoutros fatores que levem à piora ou ao desenca-deamento de crises é fundamental e exige vigilânciaconstante. É importante vigiar possíveis mudançasno estilo de vida e estimular um padrão regular deatividades e de sono. Trabalhar junto com o pacientee seu familiar/cuidador na identificação precoce desinais e sintomas de recaída auxilia numa intervençãorápida e incisiva, e pode evitar a progressão de umepisódio. Os pacientes, muitas vezes, apresentam se-qüelas emocionais e funcionais de cada episódio e istotambém deve ser avaliado e abordado no tratamentopor meio de intervenções psicológicas, como psicote-rapias, grupos de orientação ou de auto-ajuda e partici-pação em associações de pacientes e familiares (Rosoet al., 2005).

Tratamento da mania aguda

O objetivo do tratamento da mania aguda é controlarsinais e sintomas de forma rápida e segura, e restabe-lecer o funcionamento psicossocial a níveis normais.A escolha do tratamento inicial leva em conta fatoresclínicos, como gravidade, presença de psicose, ciclagemrápida ou episódio misto e preferência do paciente,quando possível, levando em conta os efeitos colaterais.Critérios clínicos como uso de antipsicótico intramus-cular em casos de agitação e maior número deevidências da literatura sobre eficácia também devemser utilizados para nortear a seleção do medicamento.

Ao selecionar um medicamento antimaníaco,deve-se dar preferência às medicações com maioresevidências de ação: lítio, valproato (ácido valpróico,divalproato) e carbamazepina (CBZ), além dos anti-psicóticos típicos, como clorpromazina e haloperidol,e dos atípicos olanzapina e risperidona; por seremmais novos, há menos estudos com ziprasidona,quetiapina e aripiprazole. A combinação de umantipsicótico com lítio ou valproato pode ser maisefetiva do que cada um deles isoladamente. Em casosde mania grave, recomenda-se como primeira opçãoa combinação de lítio e um antipsicótico atípico ouvalproato com antipsicótico atípico (Work Group onBipolar Disorder – WGBD, 2004). Para pacientes

menos graves, a monoterapia com lítio, valproato ouum antipsicótico atípico, como a olanzapina, pode sersuficiente. Existem menos evidências sustentando aindicação de aripiprazole, ziprasidona e quetiapinaem lugar de outro antipsicótico atípico e de CBZ ouoxcarbazepina (OXC) em vez de lítio ou valproato.Embora os dados sobre a eficácia da OXC perma-neçam limitados, este medicamento pode ter eficáciaequivalente e melhor tolerabilidade que a CBZ. Ouso concomitante de benzodiazepínicos (BDZ) podeser útil se comparado com o de antidepressivos (AD),que podem precipitar ou exacerbar mania/hipomaniaou estados mistos e, de modo geral, deveriam serdescontinuados e evitados quando possível.

Lítio

O lítio continua sendo o medicamento de primeiraescolha, apresenta maior número de estudos contro-lados demonstrando sua eficácia na mania/hipomaniae na prevenção de recorrências. Além disso, é o únicocom efeito na prevenção do suicídio em bipolares; orisco de morte por suicídio foi 2,7 vezes maior duranteo tratamento com divalproato que com lítio (Goodwinet al., 2003; Dunner, 2004). O lítio costuma ter melhorresposta em episódios clássicos de mania, com humoreufórico e sem muitos sintomas depressivos ou psicó-ticos. O curso mania–depressão–eutimia favorece aresposta ao lítio, ao contrário do curso depressão–mania–eutimia. Seu início de ação é mais lento, compa-rado com valproato e antipsicóticos (WGBD, 2004).

Em cinco estudos clínicos comparados complacebo, sendo um deles randomizado, comparadotambém ao divalproato sódico, o lítio demonstroueficácia superior ao placebo em torno de 70% de umtotal de 124 pacientes (WGBD, 2004). Nos estudoscomparativos com outra droga ativa, todos randomi-zados, a eficácia do lítio se equiparou às do ácido val-próico, da carbamazepina, da risperidona, da olanza-pina, da clorpromazina e do haloperidol. Entre estes,somente três comparativos com a clorpromazina tive-ram amostras suficientes para detectar diferenças deeficácia entre os tratamentos. Estudos abertos, sendodois ensaios clínicos, um estudo longitudinal e umarevisão com análise secundária dos dados, e trêsrandomizados (dois dos quais revisões com análisesecundária de dados), indicaram que o lítio é maiseficaz na mania pura e menos no tratamento dosestados mistos (WGBD, 2004).

Anticonvulsivantes

O valproato é o anticonvulsivante melhor estudadona mania aguda, com sete estudos randomizados,controlados, e 16 não-controlados, evidenciandoeficácia em 60% dos casos. Entre os ensaios clínicos

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randomizados, a resposta clínica foi de 48% a 53%:quatro foram comparativos com o placebo, sendo doisestudos pequenos de cross-over e dois paralelos, umcomparado ao lítio e dois à olanzapina (WGBD, 2004).Num deles a eficácia foi semelhante, no outro a olanza-pina foi superior ao divalproato. Finalmente, houveresposta comparável ao haloperidol em um ensaiorandomizado, aberto (WGBD, 2004). Duas análisessecundárias do estudo comparativo com lítio e placeboe outro ensaio randomizado comparativo com o lítiosugeriram que sintomas depressivos acentuadosdurante a mania e vários episódios anteriores, assimcomo estados mistos, evidenciaram melhor respostaao valproato (WGBD, 2004). Outros preditores de boaresposta incluiriam a ciclagem rápida, comorbidadecom transtornos ansiosos, abuso de álcool e subs-tâncias, retardo mental, antecedentes de traumatismocraniano e lesões neurológicas (Moreno et al., 2004).

O uso terapêutico da CBZ na mania aguda foiobjeto de 15 estudos controlados com placebo,antipsicóticos e lítio mostrando uma eficácia em 50%a 60% dos casos (Moreno et al., 2004). Contudo, ainterpretação dos resultados foi dificultada pela asso-ciação com outros medicamentos na maioria deles, esua ação antimaníaca é menos convincente do que ado lítio ou do valproato. Nos ensaios realizados apenascom as drogas de comparação, a CBZ foi superior aoplacebo em um estudo clínico randomizado de cross-over e menos eficaz e associada à maior necessidadede medicação acessória que o valproato em outroestudo randomizado de 30 pacientes hospitalizados,comparável ao lítio em dois estudos randomizados e àclorpromazina em outros dois ensaios clínicos, um delesrandomizado (WGBD, 2004).

Outros anticonvulsivantes, como oxcarbazepina(OXC), gabapentina e topiramato, apresentam evidên-cias menos consistentes de eficácia na mania aguda.Em virtude da eficácia teoricamente semelhante à daCBZ, por não apresentar auto-indução enzimática,porém melhor tolerabilidade, a OXC estaria indicadaem pacientes que não toleram a CBZ. Sua ação anti-maníaca foi investigada em dois estudos cross-over etrês controlados, dois deles randomizados, comparadoscom haloperidol, valproato e lítio, todos com pequenaamostra de pacientes (Yatham, 2004). Pelo seupotencial de uso terapêutico, preferencialmente emmanias leves a moderadas, associado a um bom perfilde efeitos colaterais, ela vem sendo investigadarecentemente em estudos naturalísticos em associaçãoou isoladamente, em diferentes grupos de pacientescom TB, apontando para uma eficácia em metade dospacientes (Yatham, 2004).

Em dois estudos clínicos randomizados de gaba-pentina versus placebo e de associação da gabapentinaou placebo a lítio, valproato ou ambos, a ação foi seme-lhante ou inferior ao placebo, respectivamente (WGBD,2004). Entretanto, estudos duplo-cegos sugeriram que

ela possui ação ansiolítica acentuada e pode ser útilno tratamento da síndrome do pânico e da fobia social(Yatham, 2004). Quanto ao topiramato, estudos aber-tos e relatos de casos sugeriram efeitos benéficos douso combinado, principalmente em casos de maniaou estados mistos com má resposta aos tratamentos,em que cerca de 50% (n = 225) dos pacientes respon-deram (Moreno et al., 2004). Em quatro ensaios clínicoscontrolados com placebo, dois dos quais comparadoscom o lítio, sua ação antimaníaca não foi confirmada(Yatham, 2004). Relatos de casos e estudos abertosapontam para eficácia em comorbidades com abuso edependência de substâncias, migrânea e transtornosdo comer compulsivo (Yatham, 2004). Há evidênciasde diminuição de peso e de alterações cognitivasimportantes com seu uso. A lamotrigina (LTG) nãoapresenta até o momento evidências consistentes deação antimaníaca. Em quatro estudos randomizados,todos com falhas metodológicas e amostras pequenas,sendo três comparados com placebo, a LTG não sedestacou como medicação antimaníaca (Yatham, 2004).

Benzodiazepínicos

Entre os benzodiazepínicos (BDZ), o clonazepam e olorazepam foram estudados em sete ensaios clínicoscontrolados, randomizados com placebo, haloperidol elítio, isoladamente ou associados ao lítio. Metanálisebayesiana de ambos na mania aguda concluiu que,apesar das falhas metodológicas confundindo osresultados, o clonazepam é útil e seguro, mas os dadossobre o lorazepam são inconclusivos (Curtin e Schulz,2004). Ao contrário de outros BDZ, o lorazepam é bemabsorvido pela via intramuscular, mas, em estudorandomizado placebo-controlado com olanzapinaintramuscular, esta última demonstrou maior efeitona agitação maníaca (WGBD, 2004). No geral, osestudos sugerem que o uso combinado de BDZ podeser útil enquanto se aguarda o efeito terapêutico dotratamento primário (WGBD, 2004).

Antipsicóticos

Sintomas psicóticos (alucinações e delírios) são maisfreqüentes em episódios de mania do que na depressãobipolar. A presença de sintomas psicóticos congruentescom o humor não prediz desfecho mais favorável, eidade de início precoce da mania psicótica sugere maiorgravidade do transtorno. Na presença de sintomaspsicóticos, o clínico tende a associar medicamentosantipsicóticos, embora não sejam absolutamentenecessários; assim, deve-se dar preferência aos atípicospelos efeitos colaterais mais benignos.

A eficácia dos antipsicóticos típicos foi evidenciadaem ensaios clínicos randomizados comparativos como lítio, exibindo efeito clínico semelhante, e a clorpro-

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mazina foi estudada de forma controlada com placebo(WGBD, 2004). A ação do haloperidol foi investigadaem ensaios clínicos randomizados controlados complacebo, com a risperidona e a olanzapina, mostrando-se superior ao placebo e semelhante às drogas ativas(Moreno et al., 2004). Seu uso tem diminuído com oadvento dos antipsicóticos atípicos, em virtude dosefeitos adversos extrapiramidais e do risco de causarsintomas depressivos. Atualmente o uso de antipsi-cóticos típicos está justificado apenas em casos dedifícil controle e pelo custo do tratamento.

A olanzapina é o antipsicótico atípico mais estu-dado na mania aguda como terapia isolada ou adjuvantee, assim como a maioria destes medicamentos, apresentamenos efeitos extrapiramidais e maior risco de ganho depeso, hipercolesterolemia e hiperglicemia. Foi eficaz emdois grandes ensaios randomizados controlados complacebo e em uma série de outros, também randomizadose duplo-cegos, comparados com lítio, divalproato ehaloperidol (WGBD, 2004). Também foi superior aoplacebo em um ensaio randomizado de associação a lítioou divalproato (WGBD, 2004). Os antipsicóticos atípicosrisperidona, ziprasidona e aripiprazole foram eficazes namania aguda em estudos clínicos randomizadoscontrolados com placebo, e a quetiapina na terapiaadjuvante ao divalproato em um estudo pequeno comadolescentes e em estudo clínico randomizado controladocom placebo associado a lítio ou valproato (Sachs et al.,2004; Moreno et al., 2004; WGBD, 2004). Quandoassociada a lítio, divalproato ou CBZ em dois estudoscontrolados, duplo-cegos randomizados, a risperidona foisuperior ao placebo, e equiparou-se a ele na combinaçãocom a CBZ, que reduziu seus níveis plasmáticos em40% (Moreno et al., 2004). Em monoterapia, ensaios clíni-cos randomizados recentes, controlados com placebo,apontam para a eficácia da risperidona na mania aguda(Hirschfeld et al., 2004; Moreno et al., 2004). Em relaçãoa antipsicóticos mais novos, há menos estudos. Aziprasidona foi mais eficaz que o placebo em ensaio clínicorandomizado controlado com placebo (Moreno et al.,2004). Também em estudos randomizados, o aripiprazoldemonstrou eficácia superior ao placebo e ao haloperidolna mania aguda e em estados mistos, sem causar ganhode peso (Lyseng-Williamson e Perry, 2004).

Não há estudos placebo-controlados com a cloza-pina, mas um ensaio clínico randomizado de um anode duração em bipolares e esquizoafetivos resistentese outro estudo aberto na mania resistente apontarampara sua eficácia nestes casos de difícil controlesintomatológico (WGBD, 2004).

Eletroconvulsoterapia

A eletroconvulsoterapia (ECT) deve ser consideradapara pacientes graves ou resistentes a tratamento ouquando preferida pelo paciente (Macedo-Soares et al.,2004). Três estudos prospectivos, dois deles controlados

randomizados comparados com lítio e de associaçãoou não à clorpromazina, apontaram para a superio-ridade da eficácia da ECT (WGBD, 2004). Apesar dasamostras pequenas, os resultados foram compatíveiscom outros longitudinais retrospectivos de desfechona mania (WGBD, 2004). Além disso, a ECT é otratamento potencial para pacientes com episódiosmistos ou com mania grave durante a gestação(WGBD, 2004).

A prevenção de novos episódios de mania

Há dois tipos de estudos medicamentosos de longaduração no transtorno bipolar: os estudos de prevençãode recaída e de profilaxia. O primeiro é feito em pacien-tes que responderam de forma aguda à determinadamedicação, a qual é mantida por pelo menos seis meses,nos quais se pesquisa o potencial de prevenção derecaídas ou de retorno dos sintomas do episódio para oqual foi indicado o tratamento agudo. O segundo, deprofilaxia, investiga pacientes remitidos (eutímicos)para observar se a medicação realmente previne novosepisódios. Pacientes em mania toleram tratamentosagudos e, quando os sintomas remitem, as queixas deefeitos adversos aumentam. Isso pode se dever aoaumento nos níveis plasmáticos ou à variação depercepção estado-dependente. De qualquer forma,mudanças na dosagem e outras intervenções podemser úteis para evitar rejeição ao tratamento. O trata-mento usado na fase aguda deve ser mantido notratamento de manutenção. As doses devem ser corri-gidas e monitoradas no início e a intervalos de uma aduas semanas e, ao atingir-se a estabilização, a dosedeve ser mantida por longo período ou pela vida toda.

Para pacientes que apresentam recaída sintoma-tológica maníaca na vigência do tratamento, o primeiropasso é o de otimizar a dose, assegurando-se de que osníveis plasmáticos estejam na faixa terapêutica ou,se necessário, usar níveis nos limites superiores destes(WGBD, 2004). Pacientes gravemente doentes ou agi-tados podem necessitar da associação por curto tempode algum antipsicótico ou BDZ (WGBD, 2004). Quandouma medicação de primeira linha (lítio, divalproato,olanzapina) não controla os sintomas, a terapêuticarecomendada é a adição de outra medicação de primei-ra linha. As alternativas seguintes seriam a adiçãode CBZ ou OXC, adicionar um antipsicótico caso nãotenha sido prescrito, ou trocar de antipsicótico (WGBD,2004). No caso dos antipsicóticos, a clozapina pode serparticularmente efetiva em casos resistentes a trata-mento. Deve-se ter cuidado com a associação de medi-camentos por causa da somatória de efeitos colateraise das interações metabólicas das substâncias.

A única medicação que se mostrou eficaz nos doistipos de estudo mencionados acima foi o lítio. Ghaemiet al. (2004) revisaram 14 estudos controlados, duplo-cegos, randomizados com lítio em 541 pacientes

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demonstrando sua eficácia em bipolares tipo I. Estudosrecentes que utilizaram a técnica de retirada gradualde lítio em 1.010 pacientes também comprovaram asua eficácia. Artigos mais antigos com lítio foramcriticados pelas elevadas taxas de abandono. Metaná-lise de Geddes et al. (2004) incluiu cinco estudoscontrolados duplo-cegos de lítio contra placebo,demonstrando mais uma vez a eficácia do lítio naprevenção de episódios maníacos.

Outras medicações não dispõem do mesmo nívelde evidências. Adotando rigor no conceito de estabi-lizador do humor, exigindo eficácia aguda em mania edepressão e eficácia profilática também nestas duasfases, apenas o lítio preencheria estes critérios (ou nemele, pois sua eficácia profilática em episódios depres-sivos é questionável). Os custos de estudos controladosduplo-cegos de longa duração é o principal obstáculopara sua realização com novas medicações. Além disso,atualmente os comitês de ética são mais rigorosos,exigindo pacientes menos graves que antigamente, oque aumenta a resposta ao placebo. Esta é uma dasexplicações para o estudo que comparou valproato comlítio e placebo por um ano, em que não houve diferençaentre os grupos na profilaxia de novos episódios demania ou depressão (Ghaemi et. al., 2004). Diversosestudos abertos sugerem a eficácia do divalproato notratamento profilático de episódios maníacos e depres-sivos, com resposta em torno de 63%. A ciclagemrápida, o transtorno bipolar tipo II e a presença dealterações neurológicas são descritos como fatorespreditores de boa resposta.

O potencial profilático da CBZ começou a serinvestigado na década de 1970 em vários estudoscontrolados e não-controlados, cujos resultados foramenviesados pelo uso combinado de antidepressivos eantipsicóticos. Dois grandes estudos prospectivosrecentes compararam a CBZ ao lítio (Moreno et al.,2004). No primeiro, aberto de 2,5 anos, o lítio foi superiorà CBZ em bipolares tipo I e comparável nos de tipo II.No segundo estudo, duplo-cego de dois anos de duração,o lítio também foi mais eficaz na prevenção derecorrências que a CBZ, mas a taxa de abandonos foisemelhante (Moreno et al., 2004). Estudos controladossão necessários para melhor avaliação da eficáciaprofilática de oxcarbazepina, topiramato e gabapentina.

Estudos controlados, randomizados, de manu-tenção recentes compararam olanzapina com dival-proato, lítio e placebo e como terapia adjuvante a lítioou valproato (Ghaemi et al., 2004). Comparado ao

divalproato, houve eficácia similar ao final de 47semanas, apesar de a olanzapina produzir remissãosintomática e sindrômica mais precoce que o dival-proato. Em estudo de 52 semanas comparativo com olítio, a olanzapina teve menores taxas de recaída, porémos pacientes foram selecionados pela resposta àolanzapina na fase aguda. Como terapia adjuvante, nãohouve superioridade significativa da olanzapina sobreo placebo na prevenção de recaídas sindrômicas após18 meses da associação a lítio ou divalproato. Em umaanálise secundária verificou-se que a olanzapina foisuperior ao placebo. Também foi superior em pacientesem mania aguda que haviam respondido à olanzapina,levando-se em conta o tempo até a recaída durante umano de tratamento (Ghaemi et al., 2004).

Conclusão

A hipomania e a mania são freqüentes. Falhas e errosdiagnósticos são comuns, portanto os profissionais dasaúde mental, além de clínicos gerais, devem conhecerestas síndromes para evitar demora no diagnóstico ena instituição do tratamento ou sua inadequação.Recentemente novas opções terapêuticas melhoraramo tratamento da mania aguda, principalmente dasformas atípicas, porém o lítio continua sendo a pri-meira opção na mania aguda. Outras incluem ovalproato, a CBZ e os seis antipsicóticos atípicosdisponíveis, com ênfase na olanzapina, seguida pelarisperidona, que possuem o maior número de evidên-cias, levando em conta resultados preliminares daeficácia antimaníaca de aripiprazole, ziprasidona equetiapina. A oxcarbazepina vem sendo cogitada emsubstituição à CBZ, pressupondo-se eficácia semelhantecom melhor perfil de tolerância. Evidências em favordo topiramato são pobres e restringem-se ao usocombinado em casos resistentes, ao passo que a gaba-pentina e a lamotrigina parecem não possuir eficáciaantimaníaca em monoterapia. Em casos resistentes aeletroconvulsoterapia deve ser indicada e, se necessário,utilizar clozapina. Na prevenção de novos episódiosafetivos, nenhuma medicação tem o nível de evidênciasdo lítio. Embora as evidências de eficácia do divalproatoe da CBZ na prevenção de recorrências permaneçamincertas, ambos são amplamente aceitos comotratamento-padrão para o transtorno bipolar. Nessesentido, as pesquisas favorecem a olanzapina comoagente alternativo de escolha na terapia preventiva.

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