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PRIMEIRA SEÇÃO
CONFLITO DE COMPETÊNCIA NQ 19.300 - MG
(Registro n Q 97.0010117-7)
Relator: O Sr. Ministro Ari Pargendler Autores: Ângela Maria Barbosa e outros Advogados: Drs. Marcos Waldir de AviZa e outro Réu: Diretor da Superintendência Central de Pagamento de Pessoal da
Secretaria de Estado da Fazenda de Minas Gerais Suscitante: Juízo de Direito da 7ª Vara da Fazenda Pública de Belo
Horizonte-MG Suscitado: Juízo Federal da 5ªVara da Seção Judiciária do Estado de
Minas Gerais
EMENTA: Conflito de competência. Mandado de segurança. Ato de autoridade estadual. Desconto de imposto de renda na fonte. Descontando da remuneração dos servidores o imposto de renda devido na fonte, a autoridade estadual nada decide desincumbindo-se apenas de atribuição conferida por lei - sem qualquer delegação de competência do órgão encarregado de arrecadar a indigitada contribuição social para a seguridade social; trata-se de procedimento comum a pessoas jurídicas de direito público e a pessoas jurídicas de direito privado, previsto no artigo 7Q
, § 3º do Código Tributário Nacional. Num caso e noutro, a União -sujeito ativo da relação jurídico-tributária - só estará bem representada no processo de mandado de segurança se a autoridade coatora for o órgão responsável pela administração do tributo. Hipótese, todavia, em que, indicado como autoridade coatora o Diretor da Superintendência Central de Pagamento de Pessoal da Secretaria de Estado da Fazenda de Minas Gerais, só o MM. Juiz de Direito poderá decidi-lo, mesmo que para o só efeito de extinguir o processo sem julgamento de mérito. Ressalva do ponto de vista pessoal dos Ministros Garcia Vieira, Adhemar Maciel e José Delgado, que só aderiram à conclusão do voto do Relator. Conflito conhecido para declarar competente o MM. Juiz de Direito da 7ª Vara da Fazenda Pública de Belo Horizonte.
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, ressalvados os votos dos Srs. Ministros José Delgado, Garcia Vieira e Adhemar Maciel, conhecer do conflito e declarar competente o Juízo de Direito da 7~ Vara da Fazenda Pública de Belo Horizonte-MG, suscitante, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros José Delgado, Garcia Vieira, Demócrito Reinaldo, Milton Luiz Pereira e Adhemar Maciel votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausentes, ocasionalmente, os Srs. Ministros Hélio Mosimann e Humberto Gomes de Barros.
Brasília, 10 de setembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro PEÇANHA MARTINS, Presidente. MinistroARI PARGENDLER, Relator.
Publicado no DJ de 19-12-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO ARI PARGENDLER: Ângela Maria Barbosa e outros impetraram mandado de segurança preventivo contra ato do Diretor da Superintendência Central de Pagamento de Pessoal da Secretaria de Estado da Fazenda de Minas Gerais para impedir o desconto do imposto de renda sobre os valores pagos a título de "férias-prêmio" (fls. 09/17).
O MM. Juiz de Direito admitiu a União Federal como litisconsorte necessária, mas - remetidos os autos à Justiça Federal-lá ela foi excluída do processo, voltando os autos à Justiça Estadual.
O MM. Juiz de Direito suscitou, então, o presente conflito de competência (fls. 02/07), tendo o Ministério Público Federal opinado pela competência da Justiça Estadual (fls. 83/85).
VOTO
O SR. MINISTRO ARI PARGENDLER (Relator): O imposto de renda é tributo federal, instituído pela União, de modo que, ao descontá-lo na fonte da remuneração dos seus servidores, o Estado de Minas Gerais está subordinado ao que dispõe a legislação própria - de natureza federal.
Pouco importa que o produto da arrecadação dessa parcela do tributo pertença ao próprio Estado (CF, art. 157, lI), porque esse dispositivo nada tem a ver com a relação tributária; ele encerra norma de direito financeiro, a propósito da destinação do montante retido na fonte a título do imposto de renda.
"O tributo" - escreveu Alfredo Augusto Becker -"é o objeto da prestação jurídica. Uma vez efetuada a prestação, a relação jurídica tributária se extingue. O que acontece depois com o bem que dava consistência material ao tributo, acontece em momento posterior e em outra relação jurídica, esta última de
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natureza administrativa. A regra jurídica que disciplinar a utilização de tributo é regra jurídica de natureza administrativa" (Teoria Geral do Direito Tributário, Edição Saraiva, 2ª edição, 1972, pág. 261).
A norma constitucional que destina aos Estados o imposto de renda que eles retêm na fonte só incide depois de adimplida a regra de tributação; não se sobrepõe à relação tributária, esta titularizada pela União, que está autorizada a exigirlhe o cumprimento.
Nessa linha, qualquer decisão a respeito da exigibilidade, ou não, do imposto de renda sobre remuneração de servidor só pode ser tomada pela Justiça Federal; ao reter na fonte o imposto de renda, o Estado de Minas Gerais não funciona como autoridade coatora, desincumbindose apenas de atribuição conferida por lei - sem qualquer delegação de competência do sujeito ativo da relação jurídico-tributária.
Trata-se de procedimento comum a pessoas jurídicas de direito público e a pessoas jurídicas de direito privado, tendo o artigo 7º, § 3º, do Código Tributário N acional- quanto a estas - o cuidado de explicitar que "não constitui delegação de competência o cometimento, a pessoas de direito privado, do encargo ou da função de arrecadar tributos".
Que se passa quando uma pessoa jurídica de direito privado desconta, mensalmente, de empregado seu, tributo indevido? O empregado deve requerer ao órgão que administra o tributo uma declaração de que o empregador está desobri-
gado da retenção, para - se indeferido o pedido - impetrar, então sim, mandado de segurança contra o ato da autoridade competente.
Não há motivo para que isso se dê diversamente, só porque o agente da retenção é pessoa jurídica de direito público. Num caso e noutro, o Estado só estará bem representado no processo de mandado de segurança se a autoridade coatora for o órgão responsável pela administração do tributo.
Aqui a situação é delicada. A autoridade indicada como coatora, em razão de ser estadual, exclui a competência do MM. Juiz Federal. E sem embargo de ser ilegitimada para a causa, porque não administra o tributo, que é federal, não pode ser substituída.
Tudo a se resumir no seguinte: muito embora o mandado de segurança tenha sido mal endereçado, ainda assim só a Justiça Estadual está em condições de decidi-lo, mesmo que para o só efeito de extinguir o processo sem julgamento de mérito.
Voto, por isso, no sentido de conhecer do conflito para declarar competente o MM. Juiz de Direito da 7ª Vara da Fazenda Pública de Belo Horizonte.
VOTO
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: Sr. Presidente, este caso trata de um ato administrativo praticado pelo Diretor de Pagamento de Pessoal da Secretaria de Estado da
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Fazenda. Essa autoridade é quem decide se aquele imposto de renda, que pertence ao Estado, que o Estado desconta na fonte e faz parte de sua receita por determinação legal, está incidindo sobre licençaprêmio.
Sendo competente, portanto, para decidir sobre se o imposto de renda é devido à referida autoridade, o mandamus deve ter curso perante a Justiça Estadual.
No particular, correto está o parecer de fls. 84/85, do Ministério Público Federal, ao afirmar (fls. 84/ 85):
"Sobre a matéria, o Superior Tribunal de Justiça firmou a seguinte orientação:
"Processual. Mandado de segurança. Competência. Imposto de renda retido na fonte por estado federado. Competência da Justiça estadual. (CF, art. 157, I).
I - A teor do art. 157, I, da Constituição Federal, o imposto de renda retido na fonte é tributo estadual. Assim, o agente estadual, quando efetivada a retenção, age no exercício de competência própria - não delegada.
II - Compete à Justiça Estadual conhecer do mandado
de segurança impetrado contra retenção de imposto de renda, no pagamento de vencimentos de servidor público estadual". (ROMS 6.005-RJ, ReI. Min. Humberto Gomes de Barros, 1 ª Turma, DJ de 16/10/95, pág. 34.610).
Não assiste razão ao i. Juiz Suscitante, porquanto na presente hipótese não existe qualquer interesse da União. E, sendo assim, está afastada a competência da Justiça Federal, por inocorrer a hipótese prevista no art. 109, inc. I, CF/88."
A competência de Juiz Estadual que ora se conhece não é restritiva. No exercício pleno de uma jurisdição, cabe-lhe dizer se, na hipótese fática em julgamento, o imposto de renda é devido ou não.
Em tais observações, acompanho o eminente relator.
É como voto.
VOTO
O SR. MINISTRO ADHEMAR MACIEL: Sr. Presidente, acompanho o voto do Sr. Ministro-relator, com a ressalva feita pelos Srs. Ministros José Delgado e Garcia Vieira.
É meu voto.
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MANDADO DE SEGURANÇA NQ 4.346 - DF
(Registro n Q 95.0067090-9)
Relator: O Sr. Ministro Milton Luiz Pereira
Impetrante: Destilaria Vale do Catangy Ltda.
Impetrado: Ministro de Estado da Indústria e Comércio
Advogado: Dr. Antônio Carlos Deusdará
EMENTA: Administrativo. Ato modificando o volume de produção anual de álcool etílico hidratado.
1. Portarias de efeitos gerais, com missão normativa, não objetivando situações pessoais, por sua natureza, são revogáveis. Atos de simples autorização, sujeitos à discricionariedade do Poder Público, em atenção à política do setor sucroalcooleiro podem ser alterados, sem ofensa aos direitos subjetivos singulares.
2. Segurança denegada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:
Prosseguindo no julgamento, decide a egrégia Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, denegar o mandado de segurança, nos termos do voto do Senhor Ministro-Relator, vencidos os Senhores Ministros Humberto Gomes de Barros e Adhemar Maciel (votovista) que o concediam, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Os Senhores Ministros Ari Pargendler, Peçanha Martins e Demócrito Reinaldo votaram com o Senhor Ministro-Relator. Ausentes, ocasionalmente, os Senhores Ministros Antônio de Pádua Ribeiro e José de Jesus Filho. Não participou do julgamento o Senhor Ministro
José Delgado. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Hélio Mosimann.
Custas, como de lei.
Brasília, 11 de junho de 1997 (data do julgamento).
Ministro HÉLIO MOSIMANN, Presidente. Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Relator.
Publicado no DJ de 15-09-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: Trata-se de Mandado de Segurança, com pedido de liminar, impetrado contra ato da Exa. Ministra de Estado da Indústria, do Comércio e do Turismo, a qual, ao editar a Portaria 361/95, cassou do Impetrante o direito de receber quota anual de produção e comercialização de
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8.100.000 litros de Álcool Etílico Hidratado Combustível-AEHC, cuja autorização lhe havia sido concedida por intermédio da Portaria MICT 30/95.
Reclama a Impetrante que a medida não foi precedida de regular procedimento administrativo e amplo direito de defesa, além de faltar ao ato a fundamentação necessária, ou seja, faltaram os requisitos essenciais ao ato administrativo que são competência, finalidade e forma.
Sustentou que a Impetrada incorreu em excesso de poder, exorbitando no uso de suas faculdades administrativas, e ainda, agiu com desvio de poder, pois "embora atuando nos limites de sua competência, praticou o ato por motivo ou com fins estranhos aos objetivados pela lei ou exigidos pelo interesse social".
Em decisão publicada no DJU de 7.12.95, deferi o pedido de liminar, por entender presentes os seus pressupostos.
Em suas informações a autoridade coatora disse faltar à pretensão a liquidez e certeza do direito. Afirmou que a Impetrante não logrou demonstrar sua capacidade produtiva no montante estabelecido pela Portaria 302/95. Ressaltou que a Impetrante não comprovou suas afirmações, no sentido de proporcionar 1.200 empregos diretos, trazendo aos autos "meras fotografias tiradas de maquinários, sem contudo comprovar a propriedade dos mesmos e muito menos a comprovação do número de empregados que ali laboram". Aduziu que a Portaria 361/95 foi baixada com base
em uma sene de irregularidades constatadas em inspeção verificada e discriminadas em relatório, "onde ficou evidenciado que a Impetrante não possuía efetivamente capacidade para produzir 8.100 m 3 de álcool, consoante era seu propósito".
Registrou estarem presentes todos os requisitos exigidos para a eficácia dos atos administrativos, pois a competência está consubstanciada na Medida Provisória 1.064/95; a finalidade "está evidenciada na preocupação administrativa em evitar que empresas não capacitadas para cumprir o que foi estabelecido em ato ordinário, continuem gozando de tal prerrogativa em detrimento de outras empresas"; a forma, que é o "meio adequado à perfeição do ato" está consoante o artigo 1 Q, § 3Q
,
da Medida Provisória 1.064/95; e o motivo foi o relatório de autoridade competente.
Em parecer da lavra da ilustre Subprocuradora-Geral da República, Dra. Yedda de Lourdes Pereira, o Ministério Público Federal manifestou-se no sentido do indeferimento da segurança, e conseqüente cassação da liminar, com as seguintes considerações:
"O requisito essencial da segurança é a liquidez e certeza do direito e tal não ocorre na presente impetração. Autorizada a cota de 8.100 m3 pela Portaria 302, em 1 Q de agosto de 1995, cabia à autoridade fiscalizadora constatar in loco a real possibilidade de atendimento da autorização, conforme lhe permite a legislação. A
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fiscalização realizada a 26 de outubro de 1995 - relatório de folhas 33 usque 37 - exatamente um mês e 26 dias após, comprovou fartamente a incapacidade produtiva da Usina Catangy, em Ibateguara, Alagoas. Tal situação levou o governo, a, um mês após, publicar a Portaria 361, de 29 de novembro de 1995, cancelando a cota deferida que, sequer, chegou a ser completada.
É sabido que não há direito adquirido quando este não chega a se incorporar ao patrimônio da pessoa. A hipótese dos autos é justamente esta. Quando muito poder-se-ia entender mera expectativa de direito, mas mesmo esta não resistiria a um confronto maior com os princípios regedores do direito administrativo.
Os atos de liberalidade do Estado não caracterizam direito adquirido e são revogáveis ad nuto do concedente. Aliás, este tipo de autorização de cotas pode - por interesse ou conveniência do Estado - cessar sem que direito adquirido possa ser alegado, visto estar vinculado ao interesse público e mais ainda, ao do próprio Estado, por se tratar de ato relacionado ao abastecimento do mercado interno e externo, gerando divisas.
Como se vê, o Estado, no exercício dos seus poderes - inclusive in vigilandi - evitou que problemas futuros, já prenunciados, se concretizassem, defendendo a coletividade e as finanças públicas" (fls. 221/222).
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): Como ensaiado no relatório, colhe-se que a Impetrante, pela Portaria MICT n Q
302, de 1995 (fls. 28 a 31), foi autorizada a produzir e comercializar oito milhões e cem mil litros anuais de álcool etílico hidratado combustível, quantidade dividida em sete quotas de aproximadamente um milhão cento e cinqüenta mil litros cada uma. Sucedeu que a autoridade impetrada editou a Portaria n Q
361, de 29.11.95 (fl. 32), eliminando o volume de produção anual e comercialização, segundo a impetrante, constituindo ato ilegal e abusivo, porque:
"... é uma excrescência e um absurdo jurídico, porquanto tal ato administrativo deveria ter sido precedido de regular procedimento administrativo, com amplo direito de defesa à ora impetrante. Ademais, inobstante a abusiva, arbitrária e ilegal cassação do direito líquido e certo da Impetrante de produzir e comercializar aquela quota anual, aAutoridade coatora, em seu ato administrativo deixou de observar os princípios legais que instruem qualquer ato da Administração Pública, ou seja, cassou a quota da Impetrante sem fundamentar o ato ora atacado, porquanto, mesmo que o citado ato fosse discricionário, haveria também, de
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preencher tal requisito, haja vista que, quanto à conveniência e oportunidade, ficaria a coatora com liberdade de escolha do seu conteúdo, porém presa no que concerne à competência, finalidade e forma. O que não ocorreu".
" ... foi praticado com flagrante ilegalidade e abuso de poder, constituindo ostensiva violação do direito líquido e certo de exercer livremente a atividade de produção e comercialização do volume que lhe fora autorizado pelo Poder Público. Portanto, esta situação jurídica decorrente do direito adquirido, não pode ser modificada ao arbítrio de Autoridade Administrativa alguma ... ".
" ... em nenhum momento ficou comprovada a prática, pela Impetrante de quaisquer ilícitos administrativos que pudessem ensejar o ato punitivo que lhe foi arbitrariamente imposto, além do mais, se tivesse ocorrido, o agente fiscal deveria ter lavrado o auto de infração, consagrando a sanção cabível para a sua oportuna execução pela administração, o qual, necessariamente, seria a peça inaugural de um procedimento administrativo com a possibilidade de ampla defesa do Impetrante" (fls. 4, 5 e 6).
A final, pediu:
" ... para ser declarado nulo o ato administrativo ora atacado,
porquanto ilegal, abusivo e arbitrário, tendo em vista que a Impetrante viu-se, de uma hora para outra, sem poder produzir e comercializar um produto que exigiu grandes investimentos de capital e, o que é mais grave, sem ver respeitado o seu Direito de defesa, direito este elevado à categoria de dogma constitucional" (fls. 8 e 9).
N essa esteira, acoroçoando que houve ilegalidade e abuso de poder, as prédicas foram articuladas sobre o seguinte tripé expositivo: falta de fundamentação do ato impugnado, ofensa ao direito de ampla defesa e violação do direito adquirido.
A liminar vindicada foi deferida, assim:
"I - Concluída premonitória vigia das peças informativas, certo que a Impetrante estava autorizada administrativamente a produzir e comercializar álcool etílico hidratado no volume estabelecido e, por certo, decorrente de precedentes avaliações da sua capacidade operativa e organização legal, a interrupção repentina das suas atividades empresariais prefigura violação do direito vindicado (fumus boni iuris) pelo ato malsinado.
Em outra vertente, vislumbrase a possibilidade de danos irreparáveis, com imediata repercussão social, conseqüente da paralisação favorecedora do desemprego (periculum in mora).
Presentes, pois, os seus pressupostos, defiro a liminar (art. 7º,
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II, Lei nº 1.533/51), a fim de que, enquanto se processa o mandamus, a Impetrante volte a usufruir da precedente autorização para produzir e comercializar, nos limites e condições da Portaria nº 302, de 1995 - MIC ... " (fi. 191).
Em respondendo, depois de contraditar aspectos fáticos, a digna autoridade indigitada como coatora, avivou:
" ... A Administração ao baixar o ato intitulado sob o nº 361, datado em 29/11/95 o fez com supedâneo no relatório da lavra do Sr. Nelson Expedito Mynssen Coelho, fiscal de tributos do açúcar e álcool, designado pelo MICT, a fim de verificar in loco se a Impetrante estava em consonância com as condições necessárias para a execução do que lhe foi conferido pela Portaria nº 302, ou seja, a condição de produzir os 8.100 m 3 de álcool hidratado carburante.
Em sua inspeção, o Sr. Nelson encontrou no local resistência por parte dos funcionários da Impetrante para fornecer-lhe a documentação solicitada por este, no intuito de proceder uma análise concreta da real situação da capacidade produtiva da Impetrante embasada em escrituração hábil, foi então que partiu para o exame das instalações destinadas à produção de álcool, constatando-se daí uma série de irregularidades discriminadas no relatório oferecido na data de 26 de
outubro de 1995, onde ficou evidenciado que a Impetrante não possuía efetivamente a capacidade para produzir 8.100m3 de álcool, consoante era o seu propósito (doc. anexo).
A Impetrante, ciente de sua real situação, protocolou, na data de 07 de dezembro de 1995,pedido de regularização da empresa junto à Secretaria de Política Comercial, órgão integrante deste Ministério e responsável pelos assuntos relativos ao açúcar e álcool.
Vislumbra-se que este fato se deu um dia após a concessão da liminar pleiteada, caracterizando-se a ligeireza da empresa em burlar a Justiça, conseguindo primeiramente o restabelecimento da autorização, para posteriori a sua efetiva regularização junto à Impetrada.
Este ato nos leva a inferir que a Impetrante reconheceu por si própria que estava irregular perante a Administração no que tange ao questionado. Esta premissa impõe-nos concluir que a Impetrante estava à margem das normas administrativas que lhe atribuíram a capacidade produtiva, por isso não há que se falar em lesão ao direito líquido e certo, caindo por terra as assertivas por ela utilizadas".
"No mérito, é importante estar claro que a Medida Provisória de nº 1.064, de 27 de julho de 1995 e suas republicações dispôs em seu
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art. 1 º a obrigatoriedade do Ministério da Indústria do Comércio e do Turismo, ora autoridade coatora, de fixar, por intermédio de Portaria, os volumes de produção de açúcar e álcool de cada safra com a identificação das quantidades necessárias ao abastecimento interno e também as destinadas às exportações, visando assegurar o abastecimento do mercado interno e o controle do montante a ser destinado à exportação".
"In casu, o ato impugnado encerra os requisitos exigidos para a eficácia dos atos administrativos, quais sejam: a competência, a finalidade, a forma, o motivo e o objeto.
A competência está consubstanciada na Medida Provisória nº 1.064/95 que conferiu ao Ministério da Indústria do Comércio e do Turismo a atribuição para normatizar sobre o assunto versado.
A finalidade, que se resume no atingimento do interesse público, está evidenciada na preocupação administrativa em evitar que empresas não capacitadas a cumprir o que foi estabelecido em ato ordinário, continuem gozando de tal prerrogativa em detrimento de outras empresas.
Quanto à forma, indispensável se torna mencionar que é o meio adequado à perfeição do ato, ou seja, a forma legal exigida no § 3º, do art. 1 º, da Medida Provisória nº 1.064/95.
Com relação ao motivo, ponderável se faz aduzir que os elementos que nortearam a Impetrada a suspender a cota de produção e comercialização de álcool foram motivados com base no relatório de autoridade competente que verificou no local que a Impetrante não detinha as condições objetivas exigidas para tal e cujos documentos acostados aos autos não comprovam a real situação da capacidade produtiva da mesma, restando claro como conseqüência afronta aos interesses públicos, cujo Estado é o responsável por sua defesa.
Finalmente, no que pertine ao objeto, vale mencionar que o ato administrativo, nas sábias palavras de Hely Lopes Meirelles, objetiva a criação, modificação ou comprovação de situações jurídicas concernentes a pessoas, coisas ou atividades sujeitas à ação do Poder Público. Nesta linha, estando a Impetrante obstada de produzir o montante de álcool estabelecido na Portaria nº 302/95 perece, deste modo, o seu objeto; reclamando assim a sua revogação por conveniência e oportunidade da Administração" (fls. 206 e 207).
Esmiuçados os principais pontos enunciados pelas partes, colocando as questões sob exame, principio algemando a atenção à Portaria nº 361/95, ato denunciado como ilegal e abusivo, e, também, à correlata Portaria nº 302/95, correspondendo à autorização que se pretende reanimar.
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Com esse propósito, aviva-se que as referenciadas Portarias prendem-se a planos anuais de produção de açúcar e de álcool para a safra 1995/96, alcançando todas as regiões geográficas do território brasileiro, ipso facto, sem exceção afetando as indústrias do respectivo seguimento privado (art. 174, C.F.; Medidas Provisórias n!2:! 1.064/ 95, 1.155/95 e 1.385/96). Logo, as modificações estão albergadas em lei, planejadas por agente público competente (art. 12 , §§ 12 e 22 , Medida Provisória n 2 1.155/95), sem ofensa aos princípios da impessoabilidade e publicidade (art. 37, C.F.; art. 12 , §§ 12 e 22 , Medidas Provisórias indicadas).
Quanto à moralidade administrativa não foi questionada, sendo intuitivo que o Estado é o agente normativo da referida atividade econômica, capacitado constitucionalmente para exercer as funções de planejamento e fiscalização. Para tais misteres, contemplou-se o Ministro de Estado (art. 87, I e lI, C.F.).
Sem contrapor-se a essa realidade, a parte impetrante restringiuse ao princípio da legalidade, escudada basicamente na falta de fundamentação e ofensa à ampla defesa.
Ora, a Portaria nº 361/95, acoimada de ilegal, apenas alterou os volumes de produção precedentemente estabelecidos na Portaria 302/95, na qual residiria originariamente o direito vindicando à manutenção da produção nela prevista e contra a qual não se aludiu estar de-
ficientemente fundamentada. É lógica elementar: se formalmente perfeito o ato básico, imperfeito não será o defluído das mesmas razões de sustentação do planejamento, execução e fiscalização, em cujo contexto situar-se-ia o direito da parte impetrante. Eleve-se, ainda, à consideração, o fato de que a impetrante, sem resistência, acomodou-se às disposições da Portaria 302/95.
Por outras palavras, submetendo-se à causa jurídica básica dos volumes preestabelecidos, não pode alegar desconhecimento das regras gerais que aumentam ou diminuem volumes de produção, conforme o planejamento geral, amoldado às necessidades dos mercados interno e externo, por isso, podendo " ... ser modificados pelo Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo, sempre que o recomendar o comportamento da produção da cana-deaçúcar utilizada como matéria-prima pelas empresas do setor sucroalcooleiro e dos mercados consumidores." (§ 2º, art. 12 , Medidas Provisórias aludidas).
Enfim, a Portaria 361/95 é enunciativa dos pontos comuns daquela outra, correspondendo a igual assunto, sob a tutela dos meios institucionais específicos à política do setor.
N este ponto é de se relembrar que ditas Portarias são de efeitos gerais para o setor e, assim, por sua natureza, revogáveis a qualquer tempo, alinhando-se às próprias circunstâncias que motivaram a Administração Pública. Compreende-se, pois, que têm missão normativa, assemelha-
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da à lei, não objetivando situações pessoais. Daí insistir-se que os volumes de produção em comento são alterados ou modificados conforme as influências conjunturais do mercado ou por fatos influenciadores da produção, em nome do interesse público, competindo ao Governo administrá-lo. Em assim sendo, os multicitados atos (Portarias), por si, são gerais direitos subjetivos, tendo por razão interesses particulares, que não podem se opor às alterações ou, até mesmo, revogações. Aliás, os atos especiais e individuais, em tese, também são revogáveis, desde que seus efeitos se revelem inconvenientes ou contrários ao interesse público (Súmula 473/STF).
Demais disso, nesse tablado de considerações, justaponha-se que, em face da sua natureza e específica finalidade (comportamento da produção), ultima ratio, as Portarias em foco são atos administrativos de simples autorização precária, por sujeição à discricionariedade do Poder Público, a tempo e modo, tornando possível a realização da política do setor sucroalcooleiro. Em se tratando de autorização, embora o administrado satisfaça as exigências administrativas, sobre a conveniência, no caso, de manter, ou não, o volume de produção, o Poder Público decide discricionariamente. Desse modo, na espécie, para mais ou para menos, quanto à fixação do volume, compete à Administração Pública exercer o juízo técnico e político.
Insculpidas essas idéias, concludente que, em produzindo os mesmos efeitos jurídicos da anterior,
a Portaria nº 361195 não pode ser inquinada de ilegal.
Em relação à ampla defesa, já sob a luz dessas mesmas razões, fica esmaecida a alegação de ofensa. Conquanto assim pareça-me evasiva a argumentação da impetrante, uma vez que singularizou o fato de que poderia provar, se oportunidade tivesse, a sua capacidade de produzir o volume inicialmente autorizado. No entanto, a partir do relatório elaborado pelo Fiscal de Tributos de Açúcar e Álcool (fls. 33 a 37), no âmbito do mandamus, procurou a impetrante desfigurar os fatos denunciados, juntando prova documental em favor de sua capacidade produtiva. Essa análise descabe no processo da via eleita e não demonstra que, diante dos fatos apurados pela fiscalização, ocorreu violação do direito de ampla defesa, posto que as alegações são dependentes de provas. Mas não é só. Isto porque, sinaliza-se que a Impetrante foi informada das irregularidades registradas no predito relatório, somente cuidando de resolvê-las após a liminar (item 14 - fl. 205), sem notícia de que, administrativamente, tenha sido impedida de defender-se, seja quanto às imputações ou referentemente aos efeitos da Portaria 361195.
Plasma-se, portanto, primeiro, que o seu direito de ser informada não foi ofendido; segundo, não foi negado o direito de contraditório; porque não procurou fazer qualquer defesa, preferindo atacar judicialmente a Portaria 361/95, não se configurou o acenado cerceamento.
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Essas colocações, penso eu, por si, fazem subjazer a idéia de arbítrio, verificado que, em assentando-se o direito de defesa na possibilidade de opor-se ao que se tem como causa de ofensa, certo que houve ciência dos fatos, como nada foi postulado, aquela possibilidade não foi coarctada.
Em assunto, pois, de ampla defesa, sob a custódia dos motivJlB aplainados quanto às Portarias, e indemonstrado qualquer cerceio administrativo, afirma-se que não foi maculada.
Agora, no eito do direito adquirido, adiantado que tudo se resume em simples autorização precária, fortificando que não se constituiu, à mão de reforçar, pela semelhança, evidencio as judiciosas anotações feitas pelo Senhor Ministro Demócrito Reinaldo, relatando o MS 4.269-PE, a dizer:
omissis
" ... no caso da exportação e demais atividades relacionadas com a produção de açúcar, os atos da Administração sempre estiveram regrados em lei (Leis n~ 4.870/65, art. 39 e 5.654/71) e essa legislação cometia, ao IAA, 'a iniciativa de fixar nos planos anuais de safra açucareira, os contingentes destinados ao abastecimento do mercado interno e as parcelas a serem exportadas'. Essa competência foi transferida para o Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo (Medida Provisória n 9 1.155/95). Isso significa que a autorização para exporta-
ção de açúcar, especialmente com fixação de cota extra atribuída a determinada empresa não encontra respaldo na lei, eis que, as cotas de exportação hão de ficar estabelecidas, em relação a cada indústria, no Plano de Safra previamente elaborado e aprovado anualmente. A atribuição de cota de exportação dirigida a determinada empresa - destoante do Plano de Safra - constitui discriminação, privilégio afrontoso à isonomia e ao princípio da moralidade administrativa. Autorização particularizada e não isonômica não se compadece com a lei, não podendo gerar direito adquirido.
Portanto, se autorização houve para que a impetrante, em certo número de anos, exportasse um determinado volume de açúcar, ela constitui mero ato de tolerância, já que sem apoio em qualquer preceito legal, e, portanto, alterável unilateralmente pela Administração, sem ofensa a qualquer direito, porquanto, como a própria impetrante afirmou, 'as suas atividades industriais e comerciais estão submetidas ao regime de economia dirigida'. Prevalece, no caso, o interesse público. E as normas que dão custódia aos interesses coletivos instituem o poder administrador como gerente público, que não os poderá alienar, delegar ou permitir sua perda'.
Não se adquire direito, como, na hipótese, contrariando o interesse público, somente pelo fato
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de, em determinado período, ter realizado certos atos, com o consentimento tácito ou expresso da autoridade. O direito, assevera Hely Lopes MeireIles, citado por Alfredo Buzaid, 'há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante' (Do Mandado de Segurança, pág. 87).
In casu, o direito alegado pela autora não decorre de preceito de lei, nem da Constituição.
Demais disso, o art. 1 Q da Medida Provisória n Q 1.155, de 24 de outubro de 1995, dispõe:
'Art. 1 Q - O Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo fixará, em Planos Anuais de Safra, os volumes de produção de açúcar e de álcool, necessários ao abastecimento dos mercados na Região Centro/sul e na Região N ortelN ordeste, assim como os destinados à formação de estoques de segurança.
§ 1 Q - Os Planos Anuais de Safra indicarão, também os volumes de açúcar e de álcool caracterizados como excedentes às necessidades dos mercados internos regionais, bem como aqueles cuja importação seja indispensável para complementar a oferta nacional'.
Como se vê, o ato impugnado (Portaria n° 302/95) decorre, tãosó, das atribuições cometidas
pela lei ao Ministério, de formular a política governamental de comércio exterior. E tem, ainda, o viso de prover sobre o abastecimento do mercado interno, indicar os excedentes para efeito de exportação e outras providências que condizem com o próprio controle do custo de vida, matérias eminentemente de interesse público."
" ... A atividade do administrador, nesse campo, é discricionária, porque prevalecente o interesse nacional, o bem geral da coletividade. O bem comum, assinala Hely Lopes MeireIles, 'identificado com o interesse social ou interesse coletivo, impõe que toda atividade administrativa lhe seja endereçada. Fixa, assim, o rumo que o ato administrativo deve procurar. Se o administrador se desviar desse roteiro, praticando ato, que embora discricionário, busque outro objetivo, incidirá em ilegalidade, por desvio de poder ou de finalidade, que poderá ser reconhecido e declarado pela própria administração ou pelo Poder Judiciário'. E, adiante, conclui, enfático, o conhecido administrativista: 'O que todos os publicistas assinalam uniformemente é a faculdade que tem a administração Pública de ditar e executar medidas restritivas do direito individual em benefício do bem-estar da coletividade e da preservação do próprio Estado' (Direito Ad. Brasileiro, págs. 99 e 111).
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Comento por último que a impugnada Portaria 361/95, expressamente fluída da Portaria n 2 302/95, prendeu-se à safra 1995/96, e quanto à moagem, unicamente, disciplinando o período de 12.9.95 a 30.4.96 (art. 32, III): logo, já vencido.
Alumiadas as veredas dos pontos controvertidos, cônsono à motivação, não consubstanciado o alegado direito líquido e certo, revogando a liminar, voto denegando a segurança impetrada.
É o voto.
VOTO- VISTA
o SR. MINISTRO ADHEMAR MACIEL: Trata-se de pedido de vista. O eminente relator, Ministro Milton Luiz Pereira, denegou o mandado de segurança impetrado por Destilaria Vale do Catangy Ltda. Em decorrência, cassou a liminar anteriormente concedida.
O ato impugnado é do Ministro de Estado da Indústria e do Comércio.
A impetrante tem como ilegal a Portaria n. 361/95, da autoridade coatora, que cassou seu direito de comercializar 8.100.000 litros de álcool etílico hidratado combustível, anteriormente concedido pela Portaria n. 302/95. Houve autêntico abuso de poder. A impetrada não fundamentou sua decisão, e não lhe deu nenhuma oportunidade de defesa. Por outro lado, não ficou demonstrada irregularidade alguma por parte da impetrante.
A autoridade coatora, em suas informações, assevera que a impe-
trante não logrou demonstrar sua capacidade produtiva, tal qual estabelecida pela Portaria n. 302/95. Ademais, a impetrante apresenta uma série de irregularidades, como se verificou da inspeção feita.
O Ministério Público Federal foi pela denegação da ordem.
Senhor Presidente, a Portaria n. 302, de 01/08/95, fixou, através de anexo, a quota de produção de açúcar e álcool para a safra 95/96. A impetrante, segundo se pinça do documento de fi. 5, teve sua quota em 8.100 m 3 • Perto de quatro meses depois, a impetrada baixou a Portaria 361/95, ora impugnada, cassando, dentre outras usinas, o direito da impetrante à produção antes autorizada. Invocou, como supedâneo legal, o art. 87, II, da Constituição e o art. 12 da MP n. 1.155/95.
Senhor Presidente, a impetrante me parece com razão. O impetrado, embora com "motivo" para cassar a autorização anterior de cotas, não teve "motivação" de seu ato. Explico-me:
A impetrante, segundo fiscalização feita por fiscal de tributos de açúcar e álcool, não tem as mínimas condições de cumprimento da cota estipulada para 95/96. Dessarte, o impetrado não teria outro caminho, senão retirar dela a quota anteriormente dada. Ocorre - e é aí que está o busílis - que a autoridade impetrada, certamente confiando na discricionariedade do ato, simplesmente baixou a Portaria n. 361/ 95, cassando a autorização. Não há nos autos nenhum procedimento
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que medeia entre o relatório da fiscalização e a portaria ministerial impugnada. Não há motivação. A impetrante nem sequer foi ouvida formalmente.
Senhor Presidente, sou daqueles que entende que, com o novo ordenamento constitucional, até mesmo o ato discricionário deve ser motivado. A motivação, como se sabe, é essencial para a aferição a posteriori da legalidade. A propósito, transcrevo lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
"Discute-se se a motivação é ou não obrigatória. Para alguns, ela é obrigatória quando se trata de ato vinculado, pois, nesse caso, a Administração deve demonstrar que o ato está em conformidade com os motivos indicados na lei· para outros, ela somente é obri~ gatória no caso dos atos discricionários, porque neste é que se faz mais necessária a motivação, pois, sem ela, não se teria meios de conhecer e controlar a legitimidade dos motivos que levaram a Administração a praticar o ato" (Direito Administrativo. S. Paulo: Atlas, 1993, pág. 160).
No caso concreto, Senhor Presidente, o que mais me impressionou foi a falta de oportunidade de defesa por parte da impetrante.
Com tais considerações, concedo a segurança para que a impetrante tenha a possibilidade de ser ouvida e após, a autoridade pública motive se~ ato, cassando ou não a autorização.
É meu voto.
VOTO
O SR. MINISTROARI PARGENDLER: Sr. Presidente, entendo que nessa área de fixação de quotas o Governo não pode, para decidir determinada diretriz, consultar todos os interessados; ele faz a análise da conjuntura, comunica; quem não estiver satisfeito, ou peça uma reconsideração, ou entra em juízo. Não há direito de defesa porque não se está defendendo de nada. Apenas há uma situação a que o Governo teve que atender: uma conjuntura do mercado internacional. Comunicou para a empresa; a iniciativa tinha que ser dela.
Acompanho o voto do Eminente Ministro Milton Luiz Pereira.
VOTO
O SR. MINISTRO PEÇANHA MARTINS: Senhor Presidente, em princípio todos os atos devem ser motivados, inclusive os discricionários, e esta Seção já assentou isso quando discutiu o caso das militares femininas da aeronáutica, porque, se o ato administrativo não for motivado, será abusivo ou arbitrário.
Mas, no particular, pelas circunstâncias do caso, também acompanho o eminente Min.-Relator.
VOTO
O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Sr. Presidente, também acompanho o Sr. Ministro-Relator.
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Isso tem base no art. 237 da Constituição Federal que diz: (lê)
"A fiscalização e o controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais, será exercida pelo Ministro da Fazenda."
Esse controle é feito, através de atos do Ministério, com base não só na Constituição Federal, como na legislação a que o Ministro Milton Luiz Pereira, em seu voto, fez referência. O ato impugnado na impetração não é um ato personalizado, mas normativo, não se dirige a uma determinada pessoa, mas disciplina o sistema de quotas de exportação de álcool e açúcar para afeito de exportação. Seria impossível, como disse o Ministro Ari Pargendler, todas as vezes que o Poder Executivo pretendesse disciplinar uma matéria, especialmente a que é dizente ao interesse nacional, conforme estabelece a Constituição Federal, instaurar um processo administrativo para saber quem estaria ou não prejudicado, se o ato é de caráter genérico e não personalizado.
Não há que se falar em cerceamento de defesa. Ademais, esse mandado de segurança - faço uma referência en passant - nem sequer se conhecido, com base na Súmula n Q
266, do Supremo Tribunal Federal, a portaria equivale à lei em tese.
O SR. MINISTRO ADHEMAR MACIEL (Aparte): Ministro Demó-
crito Reinaldo, há um anexo na portaria que tira as quotas. Há quatro empresas e uma delas é essa.
O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Nas ela não tira. Isso é uma disciplina que se faz anualmente. Estabelece-se para cada empresa um determinado número de toneladas de exportação de açúcar e de álcool. Isso é um ato despersonalizado, um ato normativo de caráter genérico que atinge a todos aqueles que têm a atividade de exportação.
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): A portaria, no anexo, estabelece por regiões: Centro-Oeste, Norte, Sul. Não nomina ninguém.
O SR. MINISTRO ADHEMAR MACIEL: O anexo nomina.
O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Depois seria impossível se fazer justificação em uma portaria. Uma portaria tem c~notação de lei, de ato normativo. As vezes, em portaria, em decreto se faz alguns consideranda. Como se fundamentar uma portaria de caráter genérico?
Estou de inteiro acordo com o Eminente Ministro-Relator.
VOTO
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: Peço vênia a douta maioria para acompanhar o Ministro Adhemar Maciel.
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