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M IN ISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULOPROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SOCORRO
EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA
VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DA COMARCA DE SOCORRO
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO
PAULO , pelo Promotor de Justiça da Infância e Juventude que abaixo
subscreve, legitimado pelo artigo 129, incisos II e III, da Constituição
Federal, e artigo 201, inciso V, da Lei n° 8.069/90 (Estatuto da Criança e
do Adolescente), e com fundamento nos artigos 203, inciso IV, e 227,
caput e §1°, inciso II, ambos da Constituição Federal, artigos 3°, caput e
parágrafo único, da Lei n° 8.069/90 (Estatuto da Criança e do
Adolescente), e artigos 5°, parágrafo único, 8° e 10, caput , todos da Lei n°
13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência), vem,
perante Vossa Excelência, propor
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
com pedido liminar de tutela de urgência de natureza antecipada (art.
300 e seguintes do Código de Processo Civil e art. 213, § 1°, da Lei n°
8.069/90) em face do MUNICÍPIO DA ESTÂNCIA DE SOCORRO ,
Pessoa Jurídica de Direito Público Interno, CNPJ n° 46.444.063/0001-38,
com sede na Av. José Maria de Faria, n. 71, Socorro/SP, representada pelo
Sr. Prefeito Municipal , pelos fundamentos de fato e de direito que a seguir
passa a expor:
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1. DOS FATOS
Conforme apurado pelo Ministério Público no bojo do
Procedimento Administrativo de Natureza Individual n°
36.0448.0000097/2018-6 (doc. 1), cujas principais peças instruem a
presente ação, a Sra. Janete Alves da Rosa , brasileira, solteira,
portadora do RG n° 45.128.592-X, residente e domiciliada na Avenida
São Paulo, n° 470, fundos, Jardim Santa Cruz, possui cinco filhos,
todos eles com necessidades especiais, que são eles:
Alex Alves da Rosa , 19 anos de idade, diagnosticado
com transtorno do espectro autista;
Jéssica Alves Leme , 17 anos de idade, que apresenta
necessidades especiais por atraso no desenvolvimento cognitivo e
psicossocial e frequentou a APAE;
Jeferson Alves Leme , 12 anos de idade, que apresenta
necessidades especiais por atraso no desenvolvimento cognitivo e
psicossocial e frequenta a APAE;
Otávio Alves de Leme , 10 anos de idade, que
apresenta necessidades especiais por atraso no desenvolvimento
cognitivo e psicossocial e frequenta a APAE; e
Davi Alves Leme , 5 anos de idade, que também vem
apresentando problemas de desenvolvimento.
Assim, em razão das necessidades especiais
demandadas pelos filhos de Janete e extrema vulnerabilidade social do
núcleo familiar, a Promotoria da Infância e Juventude instaurou
Procedimento Administrativo de Natureza Individual a fim de garantir o
atendimento dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes em
questão, tais como, saúde, educação, integração social e comunitária e
moradia digna.
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Logo de plano, saltou aos olhos a situação de
vulnerabilidade e miserabilidade da família, notadamente em razão das
condições extremamente precárias da residência onde vivem, sem
infraestrutura mínima de habitação e dignidade.
Diante desta realidade, o Ministério Público solicitou
ao Centro de Apoio Operacional do Ministério Público (CAEX) a
realização de vistoria para verificação das condições de habitabilidade e
moradia do imóvel onde residem Janete e seus cinco filhos (doc. 2).
Em vistoria no local, a equipe técnica do CAEX
destacou os seguintes pontos:
O acesso à residência é realizado por uma
entrada lateral a um bar, com a casa situada aos
fundos e entrada por um corredor estreito e
portão feito com tapumes metálicos, que tornam
o acesso perigoso e inseguro (Fotos nºs 1 a 3);
Foram identificados problemas nos
revestimentos externos e internos, com
destacamento de placas e fissuras (Foto n° 4,
10, 18);
A casa apresenta má fixação de suas esquadrias,
com vãos onde por elas podem adentrar animais
peçonhentos, bem como em caso de chuvas
também pode entrar água por essas aberturas
(Foto n° 4, 8, 10, 13 e 18)
O setor externo da casa apresenta condições
insalubres , tendo a área de serviço utilizada
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para lavagem de louças e roupas em local a céu
aberto com chão de terra, com seu esgoto
exposto (Fotos nºs 5 a 7);
Foi verificado que dentro da cozinha, há o
armazenamento de GLP (botijão de gás),
condição insegura (Foto nº 9);
A área interna da residência apresenta mofo e
bolor e diversos problemas de infiltração e
acúmulo de umidade , devido ao péssimo estado
de conservação do telhado e das estruturas. É
cientificamente comprovado que estes fatores
são causadores e agravantes de inúmeras
doenças respiratórias e afetam principalmente
crianças, idosos e indivíduos com a imunidade
baixa (Fotos nºs 9 a 16);
Há diversas paredes internas danificadas que
além de não realizar a vedação adequada,
provavelmente já fizeram a sustentação do
telhado, assim não cumprem com sua função
(Fotos nºs 11, 12, 15, 16 e 17);
Pode ser constatada diversas instalações
elétricas com fiações expostas, gerando riscos
de curto-circuito e até incêndio se em contato
com materiais combustíveis (Fotos nºs 12, 16 e
17);
O cômodo anexo, onde mora o pai dos filhos da
Sra. Janete, também se encontra em péssimas
condições de habitabilidade, onde inclusive não
possui a parede dos fundos , tendo sua abertura
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coberta por lençóis e chapas de madeira
(Fotos nºs 18 e 19);
O banheiro está situado fora da casa sem
cobertura e praticamente sem condições de
uso e higiene , tem em sua parede ao fundo
ausência de um trecho, e o esgoto é descartado
ao fundo da casa (Fotos nºs 21 a 23);
Algumas paredes apresentam rachaduras,
havendo um risco de queda/desabamento em
condições adversas com o passar do tempo
(Fotos nºs 22, 24 e 25);
Há um grande acúmulo de lixo e resíduos na
parte exterior da casa , o que pode atrair
insetos e animais gerando riscos aos moradores
(Foto nº 26);
Por fim, o laudo técnico elaborado pelo CAEX (doc.
anexo), concluiu o seguinte:
“(...) o imóvel se encontra em péssimas condições
de habitabilidade, tendo diversos problemas
estruturais, de infiltrações, vazamentos e mofo,
tornando-se um ambiente insalubre e inadequado
para a moradia de uma família . Vericado também
que a residência não comporta a quantidade de
moradores que nela residem, onde em apenas um
cômodo dorme a Sra. Janete com mais cinco
filhos . Outros fatores a serem observados são as
condições externas do imóvel , onde pode ser
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observado as instalações de banheiro e área de
serviço sem cobertura e com esgoto a céu aberto ”.
Diante da situação constatada, o Ministério Público
acionou os equipamentos da rede municipal de assistência social para
realizarem intervenções junto ao núcleo familiar em tela, em especial
para providenciar habitação adequada à família diante da extrema
precariedade do imóvel periciado, inclusive com riscos à saúde e
integridade física de seus moradores.
Em resposta, o Município informou que foi elaborado
Projeto de Lei a ser encaminhado para aprovação pelo Poder
Legislativo, que, caso aprovado, poderia beneficiar a família em
questão e outras em situação análoga.
Todavia, não se afigura razoável esperar a aprovação
de projeto de lei para eventual e futura inclusão da família em cadastro
do Município para que, somente assim, sejam providenciadas melhores
condições de moradia.
A situação é tão grave que a própria equipe de
assistência social do Município encaminhou ofício ao Ministério
Público, protocolado nesta Promotoria de Justiça no último dia 19
de junho de 2018, comunicando a extrema periculosidade e
insalubridade da residência da família em questão (doc. 3) .
Todavia, em uma clara tentativa de eximir-se da
responsabilidade social do município, a equipe do CREAS sugeriu
que a Sra. Janete e seus filhos deixassem o imóvel e fossem residir
na casa de familiares, oferecendo “auxílio” para transportar os
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pertences da família, o que, inclusive, se concretizou no último dia
15 de junho de 2018.
Evidentemente, retirar a Sra. Janete e seus cinco
filhos da residência e alocá-los na casa de familiares, de maneira
precária e provisória, não solucionará o problema de moradia desta
família, que, frise-se, merece especial atenção do poder público em
razão das necessidades especiais de Alex Alves da Rosa, jovem de 19
anos e diagnosticado com transtorno do espectro autista , e dos
menores Jéssica Alves Leme (17 anos), Jeferson Alves Leme (12
anos), Otávio Alves Leme (10 anos) e Davi Alves Leme (5 anos),
todos eles portadores de necessidades especiais em razão de atraso
no desenvolvimento.
Assim, os membros da família agora permanecem sem
residência onde possam viver e se desenvolver com dignidade,
necessitando de providência urgente do poder público.
A primeira necessidade para cessar a
vulnerabilidade extrema da família e viabilizar a inclusão plena dos
filhos portadores de deficiência é a moradia digna.
Diante de tudo que se expôs, esgotados os meios
extrajudiciais, não resta outra alternativa senão a propositura desta ação
civil pública em face do Município de Socorro, com vistas a garantir
condições de habitação digna ao jovem Alex , diagnosticado com
transtorno do espectro autista , e aos menores Jéssica , Jeferson , Otávio
e Davi , todos portadores de necessidades especiais, não restando
dúvidas que, no presente caso, a concessão de moradia digna ao núcleo
familiar está diretamente relacionada à saúde e bem-estar de seus
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membros, que são pessoas com deficiência e, por esta razão, demandam
maior atenção do Estado .
2. DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
O Ministério Público tem legitimidade abrangente na
tutela dos direitos difusos, coletivos, individuais homogêneos e individuais
indisponíveis a que a lei sujeitou ao regramento da tutela coletiva.
Neste esteio, o art. 127 da Constituição Federal incumbe
ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e
dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Mais especificamente em relação à infância e juventude,
o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 201, inciso V, prevê,
dentre as atribuições do Ministério Público, a de promover o Inquérito
Civil e a Ação Civil Pública para defesa dos interesses individuais, difusos
ou coletivos relativos à infância e à adolescência.
Tem-se, como interesse individual indisponível , o
direito à saúde, à educação, à dignidade, à convivência familiar e
comunitária, ao desenvolvimento físico, mental, moral e espiritual e ao
bem-estar de toda e qualquer criança e adolescente , como se constata da
Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), que reconhece a
pessoa em situação peculiar de desenvolvimento como destinatário de
proteção integral .
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Para tanto, considerando como indisponíveis os interesses
das crianças e dos adolescentes, conta o parquet com a legitimidade ativa
para propor ação civil pública para a defesa desses interesses.
Em complementação, não é por outra razão que, para
todas as espécies de ações cíveis fundadas em interesses difusos, coletivos,
individuais indisponíveis e homogêneos, considera-se concorrentemente
legitimado com outros entes, o Ministério Público (art. 210, inciso I, do
ECA).
Ademais, conforme acima exposto, a presente ação civil
pública também tem por objetivo a tutela de interesses de Alex Alves da
Rosa , jovem de 19 anos e diagnosticado com transtorno do espectro
autista , e dos menores Jéssica Alves Leme (17 anos), Jeferson Alves
Leme (12 anos), Otávio Alves Leme (10 anos) e Davi Alves Leme (5
anos), todos eles portadores de necessidades especiais em razão de atraso
no desenvolvimento, razão pela qual merecem ainda maior tutela do Estado,
conforme disposto na Lei n° 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão da
Pessoa com Deficiência) e no Decreto n° 6.949/2009, que promulgou a
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência,
com status constitucional, nos termos do art. 5°, § 3°, da Constituição
Federal, o que também justifica a atuação do Ministério Pública para defesa
de seus direitos fundamentais.
Inquestionável, portanto, a legitimidade ativa ad causam
ministerial.
3. DA LEGITIMIDADE PASSIVA DOS ENTES
PÚBLICOS
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Dispõe o artigo 227, caput, da Constituição Federal que o
Estado, assim como a família e a sociedade, tem o dever de “assegurar à
criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Mais especificamente quanto ao direito à saúde das
crianças e adolescentes com deficiência, o inciso II do §1º do mesmo
dispositivo constitucional dispõe o seguinte:
Art. 227, § 1º - O Estado promoverá programas de
assistência integral à saúde da criança, do
adolescente e do jovem , admitida a participação de
entidades não governamentais, mediante políticas
específicas e obedecendo aos seguintes preceitos:
(. ..)
II - criação de programas de prevenção e
atendimento especializado para as pessoas
portadoras de deficiência física, sensorial ou
mental, bem como de integração social do
adolescente e do jovem portador de deficiência,
mediante o treinamento para o trabalho e a
convivência, e a facilitação do acesso aos bens e
serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos
arquitetônicos e de todas as formas de
discriminação .
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Ainda ao tratar dos direitos da criança e do adolescente, a
Lei Fundamental determina o seguinte:
Artigo 227, § 7º - No atendimento dos direitos da
criança e do adolescente levar- se- á em
consideração o disposto no art. 204.
Artigo 204 - As ações governamentais na área da
assistência social serão realizadas com recursos do
orçamento da seguridade social, previstos no art.
195, além de outras fontes, e organizadas com base
nas seguintes diretrizes:
I - descentralização político-administrativa,
cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera
federal e a coordenação e a execução dos
respectivos programas às esferas estadual e
municipal, bem como a entidades beneficentes e de
assistência social; (. ..).
O Estatuto da Criança e do Adolescente, repetindo os
ditames da Lei Maior, cometeu ao Poder Público, em seu artigo 4º, a tarefa
de assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes
à vida, à saúde, à educação, à dignidade, à convivência familiar e
comunitária dentre outros.
A Constituição Federal, além de cometer aos Municípios
o dever de “prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do
Estado, serviços de atendimento à saúde da população” (artigo 30, VII),
estabeleceu como diretriz organizacional dos serviços da rede de saúde a
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descentralização (artigo 198, I), regramento esse repetido pela Lei nº
8.080/90 (artigo 7º, IX).
Para dar concretude a tal diretriz, o legislador
infraconstitucional houve por bem enfatizar a atribuição de serviços para os
Municípios (artigo 7º, IX, a, da Lei nº 8.080/90), que ficaram incumbidos,
por meio da Secretaria de Saúde ou órgão equivalente (artigo 9º, III, da Lei
nº 8.080/90), de “planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os
serviços de saúde e gerir e executar os serviços públicos de saúde” (artigo
18, I, do mesmo Diploma), bem como de “dar execução, no âmbito
municipal, à política de insumos e equipamentos para a saúde” (artigo 18,
V, do mesmo Diploma).
Ainda no âmbito constitucional, o artigo 23 de nossa
Carta Magma, ao dispor sobre a competência comum da União, dos
Estados, do Distrito Federal e do Município, incumbiu estes entes, no seu
inciso II, do dever de “cuidar da saúde e assistência pública, da proteção
e garantia das pessoas portadoras de deficiência”.
Desta forma, com base no exposto, é inquestionável que
o Município da Estância de Socorro é parte legítima para figurar no polo
passivo da presente demanda.
4. DO DIREITO
Nossa Constituição Federal, logo em seu artigo 1º,
inciso III, elencou a dignidade da pessoa humana como um dos
fundamentos do Estado Brasileiro. O mínimo de dignidade que se pode
atribuir a um cidadão passa, necessariamente, pela fruição de direitos
sociais.
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Seguindo o norte da dignidade, a mesma Constituição
previu a assistência aos desamparados como direito social básico de
todas as pessoas e dever do Estado, o que significa garantia de amparo
material e intelectual a aqueles que vivem totalmente à margem do
exercício da cidadania (art. 6°, caput, da Constituição Federal).
Demais disso, a Magna Carta assegurou especial
proteção à pessoa portadora de deficiência , garantindo-lhe assistência
integral à saúde:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem
dela necessitar, independentemente de contribuição
à seguridade social, e tem por objetivos:
(. ..)
IV - a habilitação e reabilitação das pessoas
portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária.
A Constituição Paulista também reconhece a saúde e a
assistência social como direito de todos e obrigação do Estado e do
Município.
Art. 219 – A saúde é direito de todos e dever do
Estado.
Parágrafo único – O Poder Público estadual e
municipal garantirão o direito à saúde, mediante:
1-políticas sociais, econômicas e ambientais que
visem ao bem-estar físico, mental e social do
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indivíduo e da coletividade e à redução do risco de
doenças e outros agravos;
(. ..)
4- atendimento integral do indivíduo, abrangendo a
promoção, preservação e recuperação de sua saúde.
Não é demais ressaltar que o Brasil é signatário da
Convenção Internacional Sobre os Direitos da Pessoa com
Deficiência , que foi promulgada pelo Decreto n° 6.949/2009 e
ingressou em nosso ordenamento jurídico com força de norma
constitucional, conforme disposto no art. 5°, § 3°, da Constituição
Federal.
Em decorrência disto, visando à concretização dos
direitos das pessoas com deficiência, no plano infraconstitucional foi
promulgado a Lei Brasileira de Inclusão das Pessoas com Deficiência
(Estatuto da Pessoa com Deficiência), Lei n° 13.146, de 6 de julho de
2015, que assegura diversos direitos às pessoas com deficiência, dentre
os quais destacamos:
Art. 5 o A pessoa com deficiência será protegida de
toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, tortura, crueldade, opressão
e tratamento desumano ou degradante.
Parágrafo único. Para os fins da proteção
mencionada no caput deste artigo, são considerados
especialmente vulneráveis a criança, o adolescente,
a mulher e o idoso, com deficiência.
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Art. 8o É dever do Estado, da sociedade e da família
assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade,
a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde ,
à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à
alimentação, à habitação, à educação , à
profissionalização, ao trabalho, à previdência
social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte,
à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo,
ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços
científicos e tecnológicos, à dignidade , ao respeito,
à liberdade, à convivência familiar e comunitária ,
entre outros decorrentes da Constituição Federal,
da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e
de outras normas que garantam seu bem-estar
pessoal, social e econômico.
Art. 10. Compete ao poder público garantir a
dignidade da pessoa com deficiência ao longo de
toda a vida .
Art. 18. É assegurada atenção integral à saúde da
pessoa com deficiência em todos os níveis de
complexidade, por intermédio do SUS, garantido
acesso universal e igualitário.
(. ..)
§ 2o É assegurado atendimento segundo normas
éticas e técnicas, que regulamentarão a atuação dos
profissionais de saúde e contemplarão aspectos
relacionados aos direitos e às especificidades da
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pessoa com deficiência, incluindo temas como sua
dignidade e autonomia .
(. . .)
Art. 31. A pessoa com deficiência tem direito à
moradia digna , no seio da família natural ou
substituta, com seu cônjuge ou companheiro ou
desacompanhada, ou em moradia para a vida
independente da pessoa com deficiência, ou, ainda,
em residência inclusiva.
§ 1o O poder público adotará programas e ações
estratégicas para apoiar a criação e a manutenção
de moradia para a vida independente da pessoa com
deficiência.
Art. 39. Os serviços, os programas, os projetos e os
benefícios no âmbito da política pública de
assistência social à pessoa com deficiência e sua
família têm como objetivo a garantia da segurança
de renda, da acolhida, da habilitação e da
reabilitação, do desenvolvimento da autonomia e da
convivência familiar e comunitária, para a
promoção do acesso a direitos e da plena
participação social.
§ 1o A assistência social à pessoa com deficiência,
nos termos do caput deste artigo, deve envolver
conjunto articulado de serviços do âmbito da
Proteção Social Básica e da Proteção Social
Especial, ofertados pelo Suas, para a garantia de
seguranças fundamentais no enfrentamento de
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situações de vulnerabilidade e de risco, por
fragilização de vínculos e ameaça ou violação de
direitos .
Destaca-se ainda que a Lei n° 12.764/2012, que
dispõe sobre os direitos da pessoa com transtorno do espectro autista,
também prevê o direito à moradia, como forma de salvaguardar seus
direitos fundamentais, conforme previsto no art. 3°, IV, alínea “b”, in
verbis:
Art. 3° - São direitos da pessoa com transtorno do
espectro autista:
(. ..) IV - o acesso:
(. ..) b) à moradia, inclusive à residência protegida;
5. CONCLUSÃO
Diante do arcabouço jurídico acima elencado, que
garantem proteção integral à pessoa com deficiência, sobretudo durante
a infância e adolescência, é inegável que o poder público tem o dever
de promover, através de políticas públicas de assistência social, os
direitos fundamentais do jovem Alex Alves da Rosa (19 anos),
diagnosticado com transtorno do espectro autista , e dos menores
Jéssica Alves Leme (17 anos), Jeferson Alves Leme (12 anos), Otávio
Alves Leme (10 anos) e Davi Alves Leme (5 anos), todos eles
portadores de necessidades especiais , garantindo-lhes condições
dignas de habitação para o bem-estar e desenvolvimento no seio da
família natural.
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Desta maneira, considerando as condições de
vulnerabilidade social e extrema precariedade das condições de
habitação, o Ministério Público requer que o Município da Estância de
Socorro seja condenado à obrigação de fazer para garantir moradia
digna ao núcleo familiar em questão, o que poderá ser executado por
intermédio de programas habitacionais ou pagamento de “aluguel-
social”, com fundamento no artigo 31, § 1°, da Lei n° 13.146/2015, e
no art. 3°, inciso IV, “b”, da Lei n° 12.764/2012 .
6. DA CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA
Em razão da verossimilhança do direito postulado,
conforme prova inequívoca carreada a estes autos, é mais que necessária e
urgente a antecipação dos efeitos da tutela, evitando-se danos irreparáveis
ao jovem Alex e aos menores Jéssica, Jeferson, Otávio e Davi, que se
encontram em situação de risco, vivendo em condições extremamente
precárias, com risco à saúde e integridade física de todos os membros da
família.
Além da possibilidade da concessão dos efeitos
antecipados da tutela pleiteada nesta Ação Civil Pública, na forma do
artigo 300 do Novo Código de Processo Civil, pode-se verificar a
existência dos elementos necessários e essenciais para a concessão de
liminar, em conformidade com o art. 12 da Lei da Ação Civil Pública (Lei
nº 7.347/85); e art. 213, §1º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
nº 8.069/90), segundo se depreende dos requisitos acautelatórios “fumus
bonis iuris” e o “periculum in mora”, os quais estão amplamente
demonstrados no presente caso.
O núcleo familiar em tela não pode mais esperar e
necessita ser assistido pelo poder público municipal para viver com
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dignidade e desenvolver-se de maneira adequada, de acordo com seu nível
de capacidade de entendimento, com amparo nos preceptivos
constitucionais e legais supramencionados.
A concessão da tutela específica apenas ao final desta
ação poderá trazer prejuízos irreversíveis para os membros da família em
questão, caso continuem vivendo na situação acima exposta.
Faz-se, pois, evidente o “periculum in mora”.
Demonstrada a verossimilhança das alegações, bem como
o risco de dano irreparável ou de difícil (senão impossível) reparação,
acima especificadas, é que se requer, com fundamento no art. 300 do Novo
Código de Processo Civil, c.c. art.69 e art. 213, §1º do Estatuto da Criança
e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) e art.12 da Lei de Ação Civil Pública
(Lei nº 7.347/85), a concessão LIMINAR inaudita altera parte em
antecipação de tutela para determinar ao Município de Socorro que
disponibilize, no prazo máximo de 30 (trinta) dias , condições de
moradia digna ao núcleo familiar em questão, o que poderá ser executado
por intermédio de programas habitacionais ou pagamento de “aluguel-
social”, com fundamento no artigo 31, § 1°, da Lei n° 13.146/2015, e no
art. 3°, inciso IV, “b”, da Lei n° 12.764/2012.
Requer-se, ainda, com fundamento no art. 213, §2º do
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) e artigo 12, § 2º, da
Lei nº 7.347/85, a cominação de MULTA DIÁRIA , no valor de R$ 500,00
(quinhentos reais), para o caso de descumprimento da ordem liminar
concedida por Vossa Excelência nesta Ação Civil Pública, imposta ao
Município de Socorro, sem prejuízo das cominações penais previstas da
referida lei.
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7. DOS PEDIDOS
Em face de tudo o quanto acima foi exposto,
distribuída e autuada a presente ação civil pública, com os documentos
que a instruem, na forma dos arts. 320 e seguintes do Novo Código de
Processo Civil, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE
SÃO PAULO , por de seu representante infra-assinado, digne-se Vossa
Excelência em receber a presente inicial, para:
a. Ordenar a citação do MUNICÍPIO DA ESTÂNCIA
DE SOCORRO, representado pelo Prefeito Municipal, para, querendo,
oferecer resposta no prazo legal.
b. Deferir a antecipação dos efeitos da tutela , em
caráter liminar e inaudita altera pars , nos termos acima requeridos
(item 6).
c. Seja, finalmente, julgado inteiramente
PROCEDENTE o pedido condenatório de obrigação de fazer desta ação
civil pública, na forma requerida e para a finalidade exigida, para
proteção dos interesses do jovem Alex Alves da Rosa (19 anos),
diagnosticado com transtorno do espectro autista , e dos menores
Jéssica Alves Leme (17 anos), Jeferson Alves Leme (12 anos), Otávio
Alves Leme (10 anos) e Davi Alves Leme (5 anos), todos eles
portadores de necessidades especiais, tornando definitiva a liminar
concedida em antecipação de tutela , e impondo ao Município a
obrigação de fazer consistindo em disponibilizar , no prazo máximo de
30 (trinta) dias , condições de moradia digna ao núcleo familiar em
questão, o que poderá ser executado por intermédio de programas
habitacionais ou pagamento de “aluguel-social”, com fundamento no
M IN ISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULOPROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SOCORRO
artigo 31, § 1°, da Lei n° 13.146/2015, e no art. 3°, inciso IV, “b”, da
Lei n° 12.764/2012.
Requerem-se todos os meios de prova em Direito
admitidos, sem exceção de nenhum, bem como da produção de prova
documental, pericial e oitiva de testemunhas, a serem oportunamente
arroladas.
Diante do novel art. 319, inciso VII do Novo Código
de Processo Civil, considerando tratar-se de ação que envolve direitos
indisponíveis, manifesto-me pelo desinteresse na designação de
audiência de tentativa de conciliação.
Requer, por derradeiro, a dispensa do pagamento de
custas, emolumentos e quaisquer outros encargos, desde logo, em
conformidade com o art. 18 da Lei nº 7.347/85, esclarecendo, desde já,
que o Ministério Público não faz jus a honorários advocatícios, nem se
lhe imporá sucumbência.
Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais).
Termos em que,
Pede e espera DEFERIMENTO.
Socorro, 21 de junho de 2018.
ELIAS FRANCISCO BARACAT CHAIBPromotor de Justiça da Infância e Juventude de Socorro
LÍVIA SARAIVA GUIMARÃESAnalista Jurídica