processo relator valter oliveira sobre fungibilidade - prova 1

4
7/9/2014 ::Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia:: http://www.tjro.jus.br/apsg/faces/jsp/apsgDetalheProcesso.jsp 1/4 Rondônia, 07 de setembro de 2014. INÍCIO INSTITUCIONAL CORREGEDORIA SECRETARIA JUDICIÁRIA CONTATO buscar Porto Velho - Consulta Processual 2º GRAU Dados do Processo Processo: 0000610-26.2012.822.0012 Classe: (646) Carta Testemunhável Órgão Julgador: 1ª Câmara Criminal Área: Criminal Destino dos autos: Remetido a Câmara Criminal Segredo de Justiça: Não Baixado: Sim Distribuição em: 24/04/2012 Tipo de distribuição: Sorteio Relator: Relator: Des. Valter de Oliveira Revisor: Conteúdo do Acórdão PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA Tribunal de Justiça 1ª Câmara Criminal Data de distribuição :24/04/2012 Data de julgamento :26/07/2012 0000610-26.2012.8.22.0012 Carta Testemunhável Origem : 00006102620128220012 Colorado do Oeste/1ª Vara Criminal Testemunhante : Júlio César Balbinot Defensor Público : Manoel Elias de Almeida (OAB/RO 208) Testemunhado : Ministério Público do Estado de Rondônia Relator : Desembargador Valter de Oliveira EMENTA Apelação criminal interposta por defensor sem concordância do réu. Prevalência da manifestação de vontade de quem optou pela interposição. Carta testemunhável aviada em lugar de recurso em sentido estrito. Fungibilidade. Aplicação. Porte ilegal de munição e posse irregular de arma de fogo em zona rural. Mínima ofensividade. Atipicidade. Habeas corpus concedido de ofício. Absolvição. Se houver discordância entre a vontade do réu e a do defensor em relação à conveniência na interposição de recurso, prevalece a manifestação de vontade de quem optar por sua apresentação, quer provenha da defesa técnica ou da autodefesa. Em observância à fungibilidade recursal, expressamente prevista no art. 579 do CPP, salvo hipótese de má-fé, a parte não deve ser prejudicada pela imprópria interposição de um recurso por outro, portanto, nada impede o recebimento da carta testemunhável pelo recurso em sentido estrito. Segundo a pacífica jurisprudência desta Corte, o porte de munição sem arma que possibilite seu uso imediato, assim como a posse de arma de fogo em residência localizada na zona rural não representam risco real à segurança da coletividade, mas insignificante potencialidade de perigo ao bem jurídico tutelado pelos artigos 14 e 12 da Lei n. 10.826/03, caso em que o tribunal pode absolver o réu, concedendo-lhe de ofício ordem de habeas corpus. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, em, POR UNANIMIDADE, CONHECER DA CARTA TESTEMUNHAVEL COMO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO E, DE OFÍCIO, CONCEDER A ORDEM DE HABEAS CORPUS PARA ABSOLVER JÚLIO CESAR BALBINOT. Os desembargadores Zelite Andrade Carneiro e Ivanira Feitosa Borges acompanharam o voto do relator. Porto Velho, 26 de julho de 2012. DESEMBARGADOR VALTER DE OLIVEIRA RELATOR PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA Tribunal de Justiça 1ª Câmara Criminal Data de distribuição :24/04/2012

Upload: scaze30

Post on 26-Dec-2015

13 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Processo Relator Valter Oliveira Sobre Fungibilidade - Prova 1

7/9/2014 ::Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia::

http://www.tjro.jus.br/apsg/faces/jsp/apsgDetalheProcesso.jsp 1/4

Rondônia, 07 de setembro de 2014.

INÍCIO INSTITUCIONAL CORREGEDORIA SECRETARIA JUDICIÁRIA CONTATO buscar

Porto Velho - Consulta Processual 2º GRAU

Dados do Processo

Processo: 0000610-26.2012.822.0012

Classe: (646) Carta Testemunhável

Órgão Julgador: 1ª Câmara Criminal

Área: Criminal

Destino dos autos: Remetido a Câmara Criminal

Segredo de Justiça: Não

Baixado: Sim

Distribuição em: 24/04/2012

Tipo de distribuição: Sorteio

Relator: Relator: Des. Valter de Oliveira

Revisor:

Conteúdo do Acórdão

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA Tribunal de Justiça 1ª Câmara Criminal

Data de distribuição :24/04/2012 Data de julgamento :26/07/2012

0000610-26.2012.8.22.0012 Carta Testemunhável Origem : 00006102620128220012 Colorado do Oeste/1ª Vara Criminal Testemunhante : Júlio César Balbinot Defensor Público : Manoel Elias de Almeida (OAB/RO 208) Testemunhado : Ministério Público do Estado de Rondônia Relator : Desembargador Valter de Oliveira

EMENTA

Apelação criminal interposta por defensor sem concordância do réu. Prevalência da manifestação de vontade de quem optou pela interposição. Cartatestemunhável aviada em lugar de recurso em sentido estrito. Fungibilidade. Aplicação. Porte ilegal de munição e posse irregular de arma de fogo em zonarural. Mínima ofensividade. Atipicidade. Habeas corpus concedido de ofício. Absolvição.

Se houver discordância entre a vontade do réu e a do defensor em relação à conveniência na interposição de recurso, prevalece a manifestação de vontadede quem optar por sua apresentação, quer provenha da defesa técnica ou da autodefesa. Em observância à fungibilidade recursal, expressamente prevista no art. 579 do CPP, salvo hipótese de má-fé, a parte não deve ser prejudicada pelaimprópria interposição de um recurso por outro, portanto, nada impede o recebimento da carta testemunhável pelo recurso em sentido estrito.

Segundo a pacífica jurisprudência desta Corte, o porte de munição sem arma que possibilite seu uso imediato, assim como a posse de arma de fogo emresidência localizada na zona rural não representam risco real à segurança da coletividade, mas insignificante potencialidade de perigo ao bem jurídicotutelado pelos artigos 14 e 12 da Lei n. 10.826/03, caso em que o tribunal pode absolver o réu, concedendo-lhe de ofício ordem de habeas corpus.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, naconformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, em, POR UNANIMIDADE, CONHECER DA CARTA TESTEMUNHAVEL COMO RECURSO EMSENTIDO ESTRITO E, DE OFÍCIO, CONCEDER A ORDEM DE HABEAS CORPUS PARA ABSOLVER JÚLIO CESAR BALBINOT.

Os desembargadores Zelite Andrade Carneiro e Ivanira Feitosa Borges acompanharam o voto do relator.

Porto Velho, 26 de julho de 2012.

DESEMBARGADOR VALTER DE OLIVEIRA RELATOR

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA Tribunal de Justiça 1ª Câmara Criminal

Data de distribuição :24/04/2012

Page 2: Processo Relator Valter Oliveira Sobre Fungibilidade - Prova 1

7/9/2014 ::Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia::

http://www.tjro.jus.br/apsg/faces/jsp/apsgDetalheProcesso.jsp 2/4

Data de julgamento :26/07/2012

0000610-26.2012.8.22.0012 Carta Testemunhável Origem : 00006102620128220012 Colorado do Oeste/1ª Vara Criminal Testemunhante : Júlio César Balbinot Defensor Público : Manoel Elias de Almeida (OAB/RO 208) Testemunhado : Ministério Público do Estado de Rondônia Relator : Desembargador Valter de Oliveira

RELATÓRIO

A Defensoria Pública, com fundamento no art. 639 do CPP, interpôs a presente Carta Testemunhável contra decisão de fl. 117, que não admitiu a apelaçãocriminal interposta por Julio Cesar Balbinot, qualificado nos autos, sustentando que este, quando da intimação da sentença, declarou não ter interesse emrecorrer. Em contrarrazões, o Ministério Público pugna pelo não conhecimento do recurso.

Nesta instância, o e. procurador de justiça Charles Tadeu Anderson manifestou-se pelo não conhecimento da carta testemunhável, mas entende que se devaconceder habeas corpus, de ofício, para anular a sentença condenatória por referir-se a fatos atípicos.

É o relatório.

VOTO

DESEMBARGADOR VALTER DE OLIVEIRA

Trata-se de carta testemunhável intentada com objetivo de cassar decisão que não admitiu o recurso de apelação interposto pela Defensoria Pública, emrazão de não haver interesse do réu na reforma da decisão.

Assim, entendeu a juíza de direito porque o testemunhante, ao ser intimado da sentença, de forma expressa declarou ¿não ter interesse em apelar¿,restando, assim, revogado o despacho que antes recebera o apelo (fls. 116/117).

É certo que a decisão que obsta o seguimento da apelação desafia recurso em sentido estrito (CPP, art. 581, XV), entendendo alguns que se considera errogrosseiro a interposição de carta testemunhável visando a sua reforma.

No entanto, em observância ao princípio da fungibilidade dos recursos, expressamente previsto no art. 579 do CPP, salvo hipótese de má-fé, a parte não deveser prejudicada pela imprópria interposição de um recurso por outro, portanto, nada impede o recebimento da carta testemunhável pelo recurso cabível naespécie, a permitir seja ele processado de acordo com os dispositivos pertinentes. De outro lado, tenha-se presente que o exercício do direito de recorrer está subordinado à existência de um interesse direto na modificação do despacho ousentença.

Segundo preleciona Mirabete, ¿tem interesse apenas aquele que teve seu direito lesado pela decisão¿ (in, ¿CPP Interpretado¿, 11ª ed. - SP: Atlas, pg. 1412).Na sequência, prossegue o autor:

É do interesse no recurso que nasce a sucumbência, que se caracteriza como a desconformidade entre o que a parte pediu e o que ficou decidido. Esseprejuízo deve ser resultante da parte dispositiva da decisão, da conclusão da sentença impugnada e não de seus motivos ou fundamentos. [...] O direito derecorrer é irrenunciável, mas o recurso, mesmo interposto, admite desistência. (in, ob. e pg. citadas)

Se é assim e se o testemunhante restou condenado - decisão evidentemente desfavorável ao seu interesse -, descabe concluir que o só fato de ele haverdeclarado ao oficial de justiça que não pretendia apelar, tenha o condão de desconstituir o interesse pela reforma da sentença. Mesmo porque, como visto, odireito de recorrer é irrenunciável.

Destaca-se que a só iniciativa da Defensoria Pública em recorrer afasta a alegação de falta de interesse, isso porque a sentença condenatória torna claro quehouve empenho para modificar o julgado em benefício do réu (sucumbência). Portanto, mesmo com a discordância sobre a conveniência na interposição do recurso, deve prevalecer a manifestação de vontade de quem optar por suaapresentação, quer provenha da defesa técnica ou da autodefesa. A matéria está pacificada no Superior Tribunal de Justiça, verbis:

1. Num sistema de duplo grau, é construtivo tenham os litigantes (mais no circuito em que se impõem penas do que em outros) maior garantia e maiorproteção à defesa, em comemoração a princípios que dizem respeito à dignidade da pessoa. 2. O duplo grau visa a que as pessoas tenham, da forma maisaberta possível, duas oportunidades. 3. Quando em confronto a vontade do réu e a do defensor relativamente à interposição de recurso, a melhor dasindicações é a de que prevaleça a vontade de recorrer. 4. Ordem concedida. (HC 47.680/MS, Rel. Min. Nilson Naves, DJ de 10/4/2006, p. 306). (grifei)

Existindo conflito entre a vontade do réu e a do seu defensor quanto à interposição de recurso, prevalece a manifestação técnica do defensor, porquanto temeste melhores possibilidades de avaliar as condições de êxito da impugnação. Precedentes. Ordem concedida para determinar o recebimento e julgamento dorecurso de apelação interposto perante o Tribunal a quo. (HC 33.093/SP, Rel. Min. Jorge Scartezzini, 5ª T., j. em 5/4/2004, DJ 14/6/2004, p. 259. Nomesmo sentido: HC 28.481/SP, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. em 16/9/2003, DJ 13/10/2003, p. 389)

Induvidoso, portanto, que prepondera a vontade daquele que expressou o desejo de recorrer, no caso a defesa técnica.

Sendo assim, embora reconhecendo a impropriedade do recurso interposto, dele conheço como recurso em sentido estrito, submetendo esta questão àanálise da Corte.

Tendo-se em vista o pedido da PJ do não conhecimento da Carta Testemunhável e de ofício, a concessão de habeas corpus, de ofício, em face da flagranteatipicidade das condutas tida como delituosas, examino o pleito sob esta ótica. Passo, então, a analisar o mérito, lembrando que o recorrente foi denunciado como incurso nos arts. 14 e 12 da Lei n. 10.826/03. Para evitar inútiltautologia, transcrevo do parecer ministerial o seguinte trecho, que bem resume os fatos apurados: [...] o recorrente estava, juntamente, com outras pessoas, na carroceria de um caminhão com destino à fazenda Noroeste, em que trabalhava comotratorista. O veículo foi abordado numa barreira policial no trevo de Colorado do Oeste, na Linha 1º Eixo com a Linha 3 (zona rural, pois). Revistado, em seuspertences foram encontrados um recipiente com pólvora e outro com chumbinhos. Questionado com alguma insistência, disse que tinha uma espingarda nafazenda em que trabalhava como tratorista. Então para lá se dirigiram os policiais e o réu, onde constataram que, de fato, ele mantinha no alojamento dessafazenda - que fica no vizinho Estado do Mato Grosso, comarca de Comodoro - uma espingarda calibre 20 desmuniciada (de uso permitido) e uma bolsatiracolo com uma ¿cabacinha¿, três frascos com pólvora, um recipiente com sete espoletas, doze esferas de chumbo, um cartucho recarregado, sete pedaçosde chumbo, uma chumbada e cinco buchinhas.

Consta que os policiais, embora não desconhecendo que a propriedade estava localizada em outro Estado da Federação, com fundamento no art. 250 do CPP,nele ingressaram para prosseguir nas diligências iniciadas, asseverando tratar-se de ¿delito de ação múltipla ou conteúdo variado, pelo que o porte dasmunições [...] absorveria a posse dos demais objetos ocorridos na Circunscrição de Comodoro/MT¿ (fl. 8), onde efetivamente foi apreendida a espingarda decaça e demais acessórios (fl. 23).

Ocorre que a denúncia imputou ao recorrente a prática de distintas condutas, em concurso material, referindo-se o primeiro fato ao porte ilegal da pólvora e

Page 3: Processo Relator Valter Oliveira Sobre Fungibilidade - Prova 1

7/9/2014 ::Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia::

http://www.tjro.jus.br/apsg/faces/jsp/apsgDetalheProcesso.jsp 3/4

do chumbinho (art. 14 da Lei n. 10.826/03) e o segundo à posse irregular de arma de fogo de uso permitido (art. 12 da Lei n. 10.826/03) e demaispetrechos apreendidos. De acordo com a cota ministerial de fl. 45, a competência para processar e julgar o segundo fato, em tese, praticado no Estado do Mato Grosso, decorreria dodisposto no art. 76, III, do CPP, que estabelece a conexão probatória [quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas elementares influir na provada outra]. Conquanto não se veja claramente essa interdependência nas provas relativas a cada conduta, fato é que o recorrente terminou condenado como incursonos dois crimes, aplicada a regra do concurso material.

A materialidade de ambos os fatos restou demonstrada por meio dos autos de apresentação e apreensão de fls. 22/23 e pelo laudo de exame em arma defogo, cartuchos balísticos, estojos e objetos de fls. 31/34.

A autoria, também induvidosa, é comprovada pela confissão do recorrente, que admitiu em juízo serem verdadeiros os fatos descritos na denúncia.

Como se viu, o recorrente foi flagrado transportando dois recipientes, um deles contendo certa quantidade de pólvora e o outro, vários chumbinhos paraespingarda, constatando-se que referido material estava dentro de uma mochila que era por ele trazida na carroceria do caminhão que o conduzia,juntamente com outros empregados, até a fazenda onde trabalhavam. Além disso, admitiu possuir uma espingarda, a qual ficava na fazenda, artefato esseque foi apreendido em diligências procedidas pela guarnição policial que realizou a abordagem do veículo.

Inicialmente, é preciso registrar que esta Câmara, seguindo a linha de entendimento também assentada por outros tribunais, tem posição firmada no sentidode que o porte de insumos para munições de arma de fogo, desacompanhados do artefato que viabilize a pronta utilização, não constitui crime em virtude desua incapacidade de produzir dano potencial ou efetivo.

O tema foi enfrentado em recentes decisões, verbis:

Na espécie, é de ser mantida a absolvição quando o porte de munição ou insumos, por si só, desacompanhados de arma ou artefato que viabilizem suaefetiva utilização, é desprovida de tipicidade material, porque inapta a produzir dano potencial ou efetivo. [...] (AC 0019909-67.2009.8.22.0020, Rel. JuizFrancisco Borges, j. 11/4/2012)

[...] O porte ilegal de munição de uso permitido desacompanhado de arma de fogo não representa risco concreto à incolumidade pública, apresentando umainsignificante potencialidade de perigo ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal, razão pela qual enseja a absolvição por atipicidade da conduta. [...] (AC0011885-42.2011.8.22.0000, Relª Desª Ivanira Feitosa Borges, j. 16/3/2012)

Em casos como o dos autos, venho defendendo que a infração penal não é só conduta, impondo-se também um resultado, ou seja, dano ou perigo ao bemjuridicamente tutelado. Essa teoria, de certa forma, renega os delitos de perigo abstrato, na medida em que torna sem sentido a punição pela simples ação,sem probabilidade de dano, exatamente como ocorre nos autos, em que o recorrente portava apenas a munição, sem possibilidade de uso, pois ausente aarma de fogo que proporcionasse o imediato carregamento. Essa circunstância torna patente o fato de que, no momento em que houve a apreensão, amunição era imprestável para o fim a que se destina.

Em razão disso, entendo que o caso deve ser solucionado pela aplicação do princípio da ofensividade mínima, segundo o qual não há crime sem lesão ouperigo concreto de lesão ao bem jurídico protegido. Esse princípio, na verdade, constitui verdadeiro limite ao ius puniendi.

Assim, deve ser o recorrente absolvido do delito previsto no art. 14 da Lei n. 10.826/03 (1º fato), porque ausente a tipicidade material elementar do tipo.

Relativamente à posse da arma e demais petrechos apreendidos na fazenda (2º fato), deve-se atentar, antes de tudo, que o material estava sendo mantidoem local ermo de uma propriedade localizada em zona rural, significando, no dizer do e. procurador de justiça, que o uso do artefato se constituiria,reconhecidamente, em uma necessidade de defesa de animais ferozes existentes na região. Conquanto se refira a delito de perigo abstrato, prescindindo da ocorrência de perigo concreto, esta Corte tem expressado o entendimento de que a posseilegal de arma de fogo na zona rural não se considera ofensiva à segurança pública, tampouco se iguala à conduta de quem possui arma de fogo em zonaurbana, ou de quem ostente antecedentes ou tenha envolvimento com a prática de crimes, o que não se vê em relação ao recorrente (fls. 47/48).

Dessa forma, entendo que a conduta descrita no 2º fato da denúncia, não se configurou em toda sua amplitude, em face da ausência de potencialidade lesivaao bem jurídico protegido.

Como já decidiu essa Câmara, a tipicidade não se esgota num juízo lógico-formal de subsunção do fato ao tipo legal do crime, mas compreende a necessáriaofensividade ao bem jurídico protegido, no caso, a incolumidade pública (AC n. 100.501.2004.007578-3), valendo registrar que importa à caracterização dodelito saber se a posse da arma representou uma ameaça ao estado de segurança que a norma procurou proporcionar à sociedade.

Fazendo-se essa análise, não se denota na conduta do recorrente nenhum tipo de ofensa a esse bem jurídico, mormente porque foi encontrada ¿na fundiáriada fazenda, longe da sede¿ (sic), conforme declarou o policial Marcos de Souza Brito (fl. 73), representando mínimo [ou nenhum] perigo ou ameaça de lesãoà incolumidade pública, caso em que a doutrina e a jurisprudência têm dado ênfase ao princípio da insignificância, considerando atípica a conduta que causaresultado sem relevância penal, isto é, com nível ínfimo da lesão ou da potencialidade de perigo ao bem jurídico tutelado (HC n. 8707-RJ, Min. Vicente Leal,DJU de 5/3/2001). Dessa Câmara, cita-se o precedente:

Apelação criminal. Posse ilegal de arma de fogo de uso permitido. Ausência de ofensividade ou potencial perigo de dano ao bem jurídico tutelado aincolumidade pública. Absolvição. Procedência. A utilização de arma de fogo, em zona rural não representa risco concreto à incolumidade pública,apresentando uma insignificante potencialidade de perigo ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal, razão pela qual enseja a absolvição por atipicidade daconduta. (AC 0002227-22.2010.8.22.0002, Relª Desª Ivanira Feitosa Borges, j. 26/1/2012)

Assim, considerando que a conduta descrita no 2º fato da denúncia não importou em potencial perigo de dano ao bem jurídico tutelado, a absolvição émedida que se impõe.

Ante o exposto, a despeito da impropriedade na interposição da presente carta testemunhal, aplicado o princípio da fungibilidade, dela conheço como recursoem sentido estrito e ao invés de dar-lhe provimento, nos termos já delineados acima deste voto, de ofício, concedo a ordem de habeas corpus para reformar asentença que condenou Júlio César Balbinot pela prática dos artigos 14 e 12 da Lei n. 10.826/03 e, absolvê-lo nos termos do art. 386, inc. III, do Código deProcesso Penal.

É como voto.

Page 4: Processo Relator Valter Oliveira Sobre Fungibilidade - Prova 1

7/9/2014 ::Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia::

http://www.tjro.jus.br/apsg/faces/jsp/apsgDetalheProcesso.jsp 4/4

SEDE: Rua José Camacho, nº 585 - Bairro Olaria - Cep 76801-330 - Porto Velho - Rondônia [+ locais] | Alô Justiça 0800-645-7077 Geral (69) 3217-1152

© 2014 TJRO - Coordenadoria de Informática. Todos os direitos são reservados.

Colégio Permanente Orçamento PúblicoPlanejamento Estratégico do TJ Certificação DigitalINFOSEG Projetos TJ-ROJuizes da Justiça Rápida Mesário VoluntárioGRU Cobrança - STJ IESESComarcas - Endereço e Telefones

Favoritos DestaquesAdministração TransparenteBoletos BancáriosCertidão NegativaDiário da Justiça EletrônicoMalote Digital

Outros SitesSuperior Tribunal de Justiça - STJSuperior Tribunal Federal - STFConselho Nacional de Justiça - CNJMinistério Público FederalMinistério Público do Estado de RondôniaOAB - Seção Rondônia