produção de fiambre

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1 MESTRADO EM ENGENHARIA ALIMENTAR Microorganismos e Segurança Alimentar PRODUÇÃO DE FIAMBRE FATIADO E EMBALADO. ANÁLISE DE PERIGOS. por Joana Isabel Carvalho Pinto Introdução O presente trabalho tem como objetivo descrever o processamento/produção de fiambre fatiado e embalado, apresentando um fluxograma do processo desde a matéria-prima até que chega ao consumidor, bem como apresentar e discutir a análise de perigos e a identificação de pontos críticos de controlo para o este produto. De acordo com a Norma Portuguesa NP 4393 (2001), o fiambre é um alimento à base de carne suína, tratada por salmoura, prensada ou não e seguidamente submetida a um processamento térmico. É também referido na norma que a remoção do courato e da gordura subcutânea, a condimentação, a aromatização e a fumagem são facultativas na produção de fiambre de porco. O fiambre de porco tem como ingredientes essenciais: carne de porco (da pá ou da perna), água potável, gelo e sal refinado (NP 4393, 2001). O açúcar, os aromatizantes, geleias de cobertura e aditivos alimentares são considerados ingredientes facultativos (NP 4393, 2001). Assim, no próximo capítulo apresentam-se as etapas da produção do fiambre, incluindo o fluxograma representativo. A produção industrial do fiambre ocorre de modo a obter um produto que garanta qualidade nutricional e segurança alimentar.

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Descrição do processo produtivo de fiambre embalado e avaliação de riscos.

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Page 1: Produção de fiambre

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MESTRADO EM ENGENHARIA ALIMENTAR Microorganismos e Segurança Alimentar

PRODUÇÃO DE FIAMBRE

FATIADO E EMBALADO.

ANÁLISE DE PERIGOS. por Joana Isabel Carvalho Pinto

Introdução

O presente trabalho tem como objetivo descrever o processamento/produção

de fiambre fatiado e embalado, apresentando um fluxograma do processo desde a

matéria-prima até que chega ao consumidor, bem como apresentar e discutir a análise

de perigos e a identificação de pontos críticos de controlo para o este produto.

De acordo com a Norma Portuguesa NP 4393 (2001), o fiambre é um alimento à

base de carne suína, tratada por salmoura, prensada ou não e seguidamente

submetida a um processamento térmico. É também referido na norma que a remoção

do courato e da gordura subcutânea, a condimentação, a aromatização e a fumagem

são facultativas na produção de fiambre de porco.

O fiambre de porco tem como ingredientes essenciais: carne de porco (da pá ou

da perna), água potável, gelo e sal refinado (NP 4393, 2001). O açúcar, os

aromatizantes, geleias de cobertura e aditivos alimentares são considerados

ingredientes facultativos (NP 4393, 2001).

Assim, no próximo capítulo apresentam-se as etapas da produção do fiambre,

incluindo o fluxograma representativo. A produção industrial do fiambre ocorre de

modo a obter um produto que garanta qualidade nutricional e segurança alimentar.

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Etapas do processamento do fiambre

Figura 1 | Fluxograma representativo do processo de fabrico do fiambre.

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Na figura 1 estão representadas as principais etapas do processo produtivo do

fiambre.

1. Receção da carne, desossa e pesagem

O processo de fabrico do fiambre inicia-se numa sala de preparação da carne,

com o corte da carcaça em várias peças, remoção da gordura visível, do coágulo,

tendões, nervos e do tecido conjuntivo. Segue-se a desossa, etapa onde são retirados

todos os ossos grandes, sendo utilizado, para o fabrico do fiambre da perna, carne da

perna desossada e, para o fiambre da pá, fêvera da pá desossada. Depois das peças

limpas procede-se à pesagem.

2. Receção de outros ingredientes e embalagens

A receção dos ingredientes, bem como das embalagens é realizada e controlada

por uma pessoa responsável, com o objetivo de controlar a entrega e as condições em

que se encontra a mercadoria.

3. Preparação da salmoura

Procede-se à pesagem dos ingredientes/aditivos necessários à preparação da

salmoura (água, sal e condimentos), que será realizada seguidamente numa

misturadora com agitação contínua na sala de preparação da salmoura (Raimundo,

2010). A salmoura é preparada por dissolução aquosa dos condimentos e aditivos

necessários em quantidades adequadas às características pretendidas no produto final

(Toldrá, 2010).

4. Injeção da salmoura

A salmoura é bombeada para uma injectora que, através de micro-agulhas,

injecta a salmoura na peça de carne (Ganhão, 2010), favorecendo a solubilização e

extracção das proteínas, actina e miosina (Toldrá, 2010). Esta etapa inclui a

tenderização que consiste em ligeiros cortes na carne para uniformizar a absorção da

salmoura; este processo melhora o rendimento da cozedura, fatiagem e firmeza do

produto final (Patarata).

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5. Massagem

Este procedimento consiste numa massagem contínua num bolbo massajador a

vácuo, com uma duração de cerca de 16 horas. Durante esta etapa, a carne deve ser

mantida, a temperaturas entre os 4 e os 8ºC de modo a prevenir o crescimento e

multiplicação de microrganismos (Xargayó, n.d.). A massagem permite a fixação da

água, favorece a distribuição da salmoura e torna a carne mais tenra (Ganhão, 2010).

6. Enformagem

Seguidamente procede-se à enformagem, onde se coloca uma película de

plástico dentro da forma metálica do fiambre. Depois, introduz-se a carne massajada e

um pedaço de couro por cima (previamente tratado e cortado). Faz-se a prensagem

com a tampa e mede-se a temperatura no centro térmico (Ganhão, 2010).

7. Cozedura

A cozedura do fiambre é realizada em água a uma temperatura de 74-80 °C, até

atingir uma temperatura no centro de 72 °C (Toldrá, 2010). O processo de cozedura

demora aproximadamente 30 minutos (Tremarin, 2010) e é uma etapa importante,

não só a nível microbiológico, como também no desenvolvimento de aroma, cor, sabor

e textura (Orvalho, 2010).

8. Arrefecimento

Dá-se um arrefecimento térmico rápido através de banhos com água fria,

durante 10 a 15 minutos, até atingir uma temperatura inferior a 20°C. Posteriormente

o produto sofre um arrefecimento lento durante 24 horas a 0°C (para que o produto

atinja temperaturas de 4 °C ou abaixo desse valor), concedendo estabilidade e

consistência acrescida ao produto (Toldrá, 2010).

9. Desenformagem e fatiamento/tranchagem

O fiambre é retirado da forma, isto é, separado da película de plástico que o

envolve. Geralmente, o fiambre é comercializado fatiado e em embalagens de

atmosfera modificada. Assim, no caso do fiambre fatiado, este é arrefecido até uma

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temperatura entre 0 e -1°C, de seguida remove-se a película de plástico, sendo

posteriormente este colocado na fatiadora automática (Ganhão, 2010); geralmente

cortam-se fatias com 8 a 10mm de espessura (Feiner, 2006).

10. Embalamento, rotulagem e etiquetagem

O produto é embalado a vácuo, contribuindo para o aumenta do prazo de vida

útil do produto. A embalagem é etiquetada com um rótulo onde constam dados como:

a identificação da empresa, o nome do produto, os ingredientes, o peso, a data de

fabrico e de validade, a marca de salubridade, o código de barras e a temperatura de

conservação.

11. Armazenamento

O fiambre é armazenado numa câmara de refrigeração com temperatura entre

os 0 e os 4°C até à sua expedição.

12. Expedição/Distribuição

A expedição consiste na saída do produto da empresa. A distribuição do

produto para o estabelecimento de revenda deve ser feita em transporte que possua

caixas de carga estanques e uma rede de refrigeração suficiente para manter os

produtos à temperatura adequada.

Análise do risco, identificação de perigos e controlo dos pontos críticos

Na indústria alimentar é de elevada importância identificar e controlar as fases

do processo de fabrico que representem um perigo para saúde, desde a recepção das

matérias-primas até ao consumidor final, de modo a prevenir, minimizar ou eliminar a

probabilidade da sua ocorrência, mediante a aplicação de medidas preventivas. De

modo a assegurar a qualidade e segurança alimentar de um produto, o sistema HACCP

é entendido como parte integrante do sistema de segurança alimentar das indústrias

de processamento de carnes.

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Primeiramente identifica-se o perigo existente no produto. Em seguida avalia-

se o perigo (tabela 1) através do cálculo do Índice de Risco (IR) que consiste na

multiplicação da severidade (S) pela probabilidade com que o perigo ocorre (P).

Quando IR>4 (sombreado) é o índice considerado crítico. Assim, são estes os

perigos que serão resolvidos: (1) definir as medidas de controlo para prevenir, eliminar

ou reduzir o perigo para os níveis de aceitação definidos; (2) validar a eficácia das

medidas de controlo para a redução desses perigos; e (3) definir uma metodologia que

permita a classificação das medidas de controlo.

O fiambre fatiado deve ser sujeito a um maior controlo uma vez que se torna

um produto mais perecível dado que o processo de fatiagem pode representar uma

fonte de contaminação microbiológica. É, então importante controlar esta etapa do

processamento, uma vez que a grande maioria das contaminações de produtos de

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carne fatiados estão relacionadas com o desenvolvimento de biofilmes à superfície das

fatias (Ray & Bhunia, 2007) que podem dever-se à não higienização das lâminas de

corte (Serio et al., 2009).

Assim, o controlo de temperaturas incorrecto e potencial presença de

microrganismos patogénicos, bem como a possível contaminação cruzada por más

práticas de manipulação e higienização durante o processo de corte/fatiagem são

fatores cruciais na avaliação do risco associado à produção de fiambre fatiado.

Dado que estes produtos, devido à sua composição e elevada atividade da

água, apresentam uma potencial ocorrência de contaminação cruzada durante a

fatiagem e embalagem, o tempo de vida de prateleira fica comprometido,

dependendo de boas condições de higiene durante o seu processamento e

manipulação (Toldrá, 2009).

Listeria monocytogenes, resistente às temperaturas de refrigeração durante o

armazenamento, Staphylococcus aureus, anaeróbios facultativos e mesófilos são os

principais microorganismos a considerar quando se aborda o tema da segurança

alimentar na linha de processamento do fiambre fatiado (Buncic, 2006).

É possível a contaminação do fiambre a partir das máquinas fatiadoras com S.

aureus, L. monocytogenes e Enterobacteriaceae e, particularmente, E. coli,

principalmente nas primeiras fatias de cada máquina (Pérez-Rodríguez et al., 2007).

Deste modo, o processo de tranchagem representa a maior fonte de contaminação de

bactérias ácido-láticas em fiambre fatiado, dado que, no armazenamento a atividade

metabólica destes microorganismos (sob vácuo ou atmosfera modificada) resulta em

acidificação, produção de odores e modificação da cor (Toldrá, 2010).

De acordo com esta análise de perigos, na linha de fatiados torna-se essencial o

controlo da temperatura da câmara de refrigeração de produtos por fatiar; controlar o

processo de limpeza e higienização é uma medida importante para evitar

contaminação por L. monocytogenes, uma vez que é um microorganismo ubiquitário e

extremamente resistente. Consideram-se, então, estes dois parâmetros como PCC na

fase da fatiagem.

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O controlo da temperatura da câmara de armazenagem dos produtos fatiados

também constitui um PCC, uma vez que, sendo produtos com elevada perecibilidade,

há a possibilidade de ocorrer o desenvolvimento de microorganismos patogénicos

devido a variações na temperatura da câmara.

Após o processamento, a ausência de microorganismos patogénicos indica o

cumprimento de boas práticas de higiene e segurança, a inexistência de

contaminações cruzadas e a eficiência do processamento térmico (Chambel et al.,

2007).

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