produção do espaço urbano e políticas urbanas - uma análise geográfica do centro de juazeiro...
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UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI – URCA
CENTRO DE HUMANIDADES – CH
DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS – DEGEO
CURSO DE GEOGRAFIA
CLÁUDIO SMALLEY SOARES PEREIRA
PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO E POLÍTICAS URBANAS: UMA ANÁLISE
GEOGRÁFICA DO CENTRO DE JUAZEIRO DO NORTE/CE
Orientador: Prof. Dr. João César Abreu de Oliveira
Trabalho de Conclusão de Curso – TCC –
entregue como requisito parcial para a
obtenção do título de Graduado em Geografia,
Habilitação em Licenciatura Plena, pela
Universidade Regional do Cariri – URCA,
Crato, CE.
CRATO – CEARÁ
SETEMBRO DE 2011
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PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO E POLÍTICAS URBANAS: UMA ANÁLISE
GEOGRÁFICA DO CENTRO DE JUAZEIRO DO NORTE/CE1
Cláudio Smalley Soares Pereira2
Resumo
O presente trabalho pretende fazer uma reflexão acerca do processo de produção do espaço urbano da cidade de Juazeiro do Norte/CE, evidenciando as problemáticas referentes às políticas urbanas. Buscou-se mostrar os principais agentes responsáveis pela produção do espaço ao longo do tempo, bem como perceber o papel atual do Estado no que se refere ao planejamento urbano. Dessa forma, concluiu-se que os projetos de intervenção urbana e as políticas públicas para a cidade, em especial o centro da urbe, são mais urbanísticos (projetos de cunho racional e vertical, que pretendem modelar o espaço de acordo com a lógica da ordem distante) do que urbanos de fato, pois busca contrariar a lógica do lugar, pautada na solidariedade e na participação social nas questões referentes.
Palavras-chave: espaço urbano, urbanização, políticas públicas, cidade, Juazeiro do Norte.
INTRODUÇÃO
Discutir as políticas públicas não é tarefa fácil. É obrigação da academia e das
instituições voltadas para a formação de um pensamento crítico sobre a realidade social
colocar em pauta discussões e debates a respeito dessa temática, engajando-se junto à
sociedade civil.
A participação efetiva da sociedade nos debates a respeito das políticas públicas é
importante, uma vez que é ela (a sociedade) quem deve cobrar e exigir do poder público
(União, Estados, Municípios) a aplicação dessas políticas.
A realidade social e seus problemas são vividos pelos atores sociais que estão de
“fora” da “política” que se vê atualmente; uma “política” preocupada não com a sociedade,
com o bem estar e a qualidade de vida social, mas sim com as empresas que se instalam nos
territórios comprometendo a qualidade de vida e degradando cada vez mais o ambiente com a
visão apenas do lucro e do “desenvolvimento” econômico.
1 Este trabalho contém dados da pesquisa “A problemática ambiental e a reestruturação do centro de Juazeiro do Norte/CE”, a qual teve apoio do CNPq e foi realizada no período de 2009-2011, orientada pelo Prof. Dr. João César Abreu de Oliveira, do Departamento de Geociências, Curso de Geografia, URCA/CE. 2 Graduando do Curso de Geografia da Universidade Regional do Cariri – URCA. E-mail: [email protected]
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Partindo do pressuposto que a sociedade deve estar engajada nos debates sobre a
implementação das políticas públicas, analisaremos a cidade de Juazeiro do Norte, no sul do
Ceará, no que diz respeito às políticas urbanas para o centro desta cidade. O texto está
estruturado em quatro partes: a primeira é destinada à evolução urbana de Juazeiro do Norte;
na segunda parte, a cidade é contextualizada na perspectiva do planejamento urbano e da
participação social nas decisões políticas, em terceiro lugar é feita uma análise das políticas
urbanas para o centro da cidade e, finalmente, as considerações finais, com uma provocação
exposta sobre o que entendemos que seria uma reestruturação do centro de Juazeiro do Note.
Com isso, destacamos ainda, que o conceito de política pública que estamos tendo por
alicerce teórico é o de Sposito (2001, p. 311), para quem a política pública deve ser tomada
“diferentemente da ação que se torna pública porque a esfera pública é diferente da ação
estatal”, isto é, a as políticas públicas devem ser entendidas para além do Estado.
FORMAÇÃO E EVOLUÇÃO URBANA DE JUAZEIRO DO NORTE/CE: BREVES
CONSIDERAÇÕES
Juazeiro do Norte era um lugarejo rural que pertencia ao Brigadeiro Leandro Bezerra
com o nome de fazenda “Tabuleiro Grande”, sendo parte do território da cidade do Crato.
Pelo que se conhece hoje, em pesquisas feitas nos mais diversos ramos do saber, a origem
dessa cidade se deu pelo fato de que, vários viajantes e comerciantes, quando passavam pelas
terras do Brigadeiro, paravam para descansar e alimentar seus animais. Esse ponto de
descanso era em baixo de três árvores, cujos nomes eram juazeiro. Oliveira (1969) nos
descreve como era naquela época.
O ponto mais pirotesco da fazenda [Tabuleiro Grande] era uma ligeira elevação do terreno, próximo ao rio Salgadinho, onde havia três grandes juazeiros, formando um triângulo e sobressaindo, entre os demais, pelo tamanho de sua fronde e pela sua beleza do verde de sua clorofila. Sob esta fronde acolhedora, procuravam abrigo os viajantes feiristas que, de Barbalha, Missão Velha e outras imediações, se dirigiam ao Crato para vender os seus produtos e comprar mantimentos para a semana. (OLIVEIRA, 1969, p. 25).
Em outro momento, Oliveira (1969) ressalta que:
Os vianjantes marcavam encontro ali. Programavam repousar ‘botar a baixo’ as cargas dos burros e aproveitar a sombra acolhedora para então dar também repouso aos animais, que além de descansarem podiam ainda aproveitar a pastagem abundante, ali existente (OLIVEIRA, 1969, p. 25).
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Foi a partir dessas paradas para descansar, que o povoado de Juazeiro começou a se
desenvolver, principalmente depois da construção da capela de Nossa Senhora das Dores
(hoje Basílica Menor) em 1889. Com a chegada de Padre Cícero, personagem fundamental na
história e no desenvolvimento de Juazeiro do Norte, o povoado conhece um processo de
expansão urbana singular na história do Ceará, impulsionado pelo fenômeno religioso, ainda
hoje importante para a cidade.
Depois da fixação de residência na cidade, o Padre Cícero passou a ser uma referência
para o povoado naquela época (e ainda é). Seus conselhos religiosos, destinado aos
trabalhadores sertanejos e migrantes, que envolviam os valores éticos e morais, passaram a
servir de mandamentos, os quais eram seguidos pelos habitantes do lugar.
O marco principal que vai mudar completamente a vida do padre e a história de
Juazeiro se dá pelo fato conhecido como “Milagre da Hóstia”. Não vamos nos detalhar a
respeito desse fenômeno, pois não nos interessa aqui, mas, desde já, sabemos que ele foi o
principal evento que contribuiu para que o Juazeiro do Norte ascendesse, sobretudo em
população, pois depois de sua realização, várias pessoas de outras cidades e estados
nordestinos começaram a migrar para a cidade, na esperança de terem uma vida melhor do
que antes e porque julgavam esta uma “terra santa”.
Antes do “milagre da hóstia”, as pessoas que habitavam essas terras construíram suas
moradas nos arredores da capela de Nossa Senhora das Dores, dando início ao que se pode
chamar do primeiro núcleo urbano. As pessoas que se aglomeraram naquele local, deram
início a atividades distintas como feiras, festas religiosas entre outras, caracterizando o que
hoje é o centro da cidade. Com o posterior desenvolvimento econômico e social, o povoado
de Juazeiro buscou sua independência em relação ao Crato. Foram muitos os embates
políticos para que Juazeiro se tornasse cidade e se desmembrasse da cidade do Crato, fato que
ocorreu somente em 1911, sendo elevada à categoria de vila, e em 1914 à categoria de cidade
(MENEZES; ALENCAR, 1989).
Segundo Calou (2005, p. 27), os primeiros aglomerados que habitaram esses arredores
da capela eram o da “Cacimba do Povo (hoje Praça dos Romeiros), Rua do Brejo (Hoje Rua
da Matriz), Feira do Capim (Hoje, praça Humberto Bezerra), Mercado Velho, Boca das
Cobras, Salgadinho, Mochila, Camboeiro (Malvas)”.
No que diz respeito ao primeiro núcleo urbano de Juazeiro, ela nos diz que:
No início, a cidade de Juazeiro do Norte só tinha uma rua, conhecida como rua do Arame, posteriormente rua Grande e hoje, rua Padre Cícero. Com o crescimento da
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mesma, foram surgindo outras ruas, tais como: rua São Pedro, rua São José, rua do Brejo (hoje, rua da Matriz) e rua Nova (Av. Dr. Floro) (...) (CALOU, p. 27-28).
Em 1911, com o Padre Cícero sendo o primeiro prefeito, a cidade passa a crescer e
rapidamente são alocados serviços urbanos seguido do aumento significativo da população
(ver tabela 01), maioria sertanejos que se identificavam com a cidade no que concerne à
religiosidade representada pelo padre, e buscavam, também, uma melhoria nas qualidades de
vida e emprego.
Figura 01: núcleo urbano de Juazeiro do Norte/ CE no início do século XX
Fonte: Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, Juazeiro do Norte, 2000.
Org. Cláudio Smalley Soares Pereira
Surge, então, a necessidade de se pensar a cidade para o futuro, tendo por base um
planejamento urbano que buscasse as melhorias adequadas para a cidade e para as pessoas
que passavam a fixar residência. São raros os relatos que narram algum fato no que se refere a
um planejamento urbano nesse período. No entanto, Meneses e Alencar (1989) colocam que o
planejamento da cidade foi uma preocupação da gestão de Padre Cícero.
Neste ano [1911], por solicitação de Padre Cícero, então prefeito do Joaseiro, Pelúsio Correia de Macêdo faz uma demarcação das futuras ruas e praças do
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Joaseiro, para que a cidade cresça obedecendo a um alinhamento planejado. O prefeito de Joaseiro apresenta uma planta esquematizada com quarenta e seis ruas e quatorze praças, para ser aprovado pela câmara dos vereadores (...) (MENEZES; ALENCAR, 1989, p. 70).
O crescimento da cidade de Juazeiro se dá, a partir de então, em virtude do
povoamento devido ao fenômeno da religião, principalmente após o evento da transmutação
da hóstia em sangue, protagonizados por Padre Cícero e a beata Maria de Araújo. Por
conseguinte, em decorrência desses acontecimentos, o espaço urbano começou a se estruturar
de forma intensa, através da população que migrava de outras cidades circunvizinhas e de
outros estados do Nordeste brasileiro atrás de graças, fé e melhoria de vida.
Tabela 01: Evolução da população de Juazeiro do Norte ao Longo do Século XX
População Total
1909 1920 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010
Juazeiro do Norte
15.050 22.067 38.530 56.904 68.494 96.047 135.616 173.566 212.133 249.936
Fontes: Araújo, 2006; Queiroz, 2010; Menezes, Alencar, 1989; IBGE, 2011. Org. Cláudio Smalley Soares Pereira
O papel de Padre Cícero foi fundamental nesse contexto. No seu mandato de prefeito
de Juazeiro do Norte, foram construídas fábricas, estradas, como a do Horto, escolas, açudes,
iluminação pública entre outros. A inauguração da Estrada de Ferro em 7 de novembro de
1926 foi um dos marco da gestão política de Padre Cícero, uma vez que “a partir de então,
intensifica-se o comércio do Joaseiro3, que passa a importar e exportar muitos produtos”
(MENEZES; ALENCAR, 1989, p. 148).
A forte influência religiosa e política de Padre Cícero no Ceará, sobretudo no Cariri,
fez com que inúmeros investimentos fossem realizados na cidade. Como destaca Diniz
(1989):
(...) em 1926, Juazeiro do Norte foi alcançado pela estrada de ferro. O comércio cresceu, e a mão-de-obra necessária à construção de açudes financiados pelo governo de Artur Bernardes e realizados por empresas inglesas e americanas foi recrutada graças ao prestígio de Cícero (Diniz, 1989, p. 264).
Esses e outros feitos protagonizados pelo Padre Cícero condicionaram Juazeiro do
Norte a ascender econômica, política e culturalmente no Estado do Ceará, tornando-a um
importante centro urbano no interior do Estado. Assim, a cidade passou a representar uma
3 A cidade de Juazeiro do Norte era chamada apenas de Joaseiro até 1914 (ARAÚJO, 2011).
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importante fatia da economia, da política e da cultura cearense. O Padre Cícero teve uma
influência decisiva na produção do espaço urbano e na estruturação da cidade de Juazeiro do
Norte4, sobretudo na virada dos séculos XIX/XX (SILVA JÚNIOR, 2009).
Figura 02: Evolução Urbana da cidade de Juazeiro do Norte ao longo do século XX
Fonte: Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, Juazeiro do Norte, 2000.
Org. Cláudio Smalley Soares Pereira
Nos últimos anos, com a intensificação do processo de urbanização e de conurbação5
com as cidades Crato e Barbalha, Juazeiro do Norte passou a denotar uma maior força,
polarizando a região do Cariri econômica, social e politicamente. Com isso, viu-se a
necessidade de um planejamento urbano que tivesse como objetivo uma cidade pautada na
justiça social e econômica, conforme previsto no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. 4 “A formação do urbano em Juazeiro do Norte confunde-se com a própria história do Padre Cícero. Enquanto religioso, Padre Cícero incutiu princípios de moralidade e trabalho ao povo juazeirense. Enquanto político, ‘Cícero’ exerceu forte influência sobre o delinear do espaço urbano, hoje meio de interação entre moradores, romeiros e turistas” (OLIVEIRA, 2008, p. 93). 5 Em 29 de Junho, o Governo do Estado do Ceará decretou criada a Região Metropolitana do Cariri, composta pelos municípios de Crato, Juazeiro do Norte, Barbalha, Missão Velha, Jardim, Farias Brito, Santana do Cariri, Nova Olinda, Caririaçu.
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Entretanto, conforme veremos nas linhas seguintes, as ações foram falhas e os resultados das
políticas foram a produção de um espaço urbano mias fraturado e hierarquizado socialmente.
O PLANEJAMENTO URBANO: CONTEXTUALIZANDO JUAZEIRO DO NORTE
A cidade de Juazeiro do Norte apresenta-se atualmente como uma cidade média
(CASTELLO BRANCO 2007; HOLANDA; MARIA JÚNIOR, 2010; HOLANDA, 2011;
PONTES, 2006), representando a maior cidade do interior do Estado do Ceará depois da
capital Fortaleza (SILVA, 2007). A cidade oferta a maioria dos serviços urbanos direcionados
à educação, saúde, indústria, comércio, consolidando-se como o pólo principal da região do
Cariri e do Sul do Ceará. Sua centralidade ultrapassa as fronteiras estaduais, influenciando
cidades de outros estados como Pernambuco, Paraíba e Piauí (REGIC, IBGE, 2008).
Devido ao rápido crescimento urbano no decorrer da história, principalmente nos
últimos vinte anos, a cidade acarretou grandes problemas urbanos, os quais são resultados de
um planejamento urbano ineficaz por parte do poder público. Por exemplo, é sintomática a
situação do centro da cidade. A funcionalidade do espaço central é dominada pelo capital e os
dois circuitos da economia urbana (SANTOS, 2008) são observáveis no cotidiano da cidade,
evidenciando as contradições do espaço.
A infra-estrutura urbana já não dá mais conta da demanda populacional que a cidade
recebe o ano inteiro. São pessoas que vêem Juazeiro do Norte como destino turístico,
religioso, comercial, enfim, de serviços de todos os tipos, o que acarreta uma carência enorme
na infra-estrutura urbana prejudicando a usabilidade dos espaços públicos, praças, o lazer e o
próprio uso dos serviços que a cidade oferece.
Ressaltamos que não estamos defendendo um planejamento urbano no que diz respeito
em considerar o espaço como transparente, opaco e/ou vazio. Pelo contrário, consideramos o
espaço como um componente social e de fundamental importância para a realização da vida e
da reprodução do ser humano.
Como diz Lefebvre (2008), o espaço é um instrumento político que é usado a favor das
classes dominantes, excluindo as pessoas do urbano e segregando-as nas periferias da
sociedade. É esse o espaço que estamos tratando. Sobre isso ele diz que:
Hoje as classes dominantes se servem do espaço como de um instrumento. Instrumento para vários fins: dispensar a classe operária, reparti-la nos lugares prescritos, organizar os fluxos diversos subordinando-os a regras institucionais; subordinar, por conseguinte, o espaço ao poder; controlar o espaço e reger,
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tecnocraticamente, a sociedade inteira, conservando as relações de produção capitalista (LEFEBVRE, 2008, p. 160).
Sabemos que o Estado, que deveria ser a instância responsável para buscar a resolução
dos problemas sociais e de classes, não realiza o seu papel. Assim, os movimentos sociais e a
sociedade organizada, para conseguirem seus direitos, têm de fazer pressão ao aparelho de
Estado em prol da melhoria nas condições de vida.
Tratando-se da cidade de Juazeiro do Norte, essas políticas não vêm tendo
participação efetiva da população, uma vez que, conforme as pesquisas de campo, muitos
deles nunca ouviram falar sobre políticas públicas para o centro, muito menos participaram de
alguma audiência pública sobre propostas de intervenção urbana no espaço central da urbe6.
Nas pesquisas de campo foram aplicados um total de 60 questionários semi-
estruturados a diversos segmentos da sociedade. O objetivo da aplicação dos questionários foi
colher informações a respeito do que os juazeirenses pensam sobre o centro da cidade, como
também saber a sua opinião sobre as ações e os projetos que são direcionados para essa área
da cidade.
Observou-se que grande parte das pessoas que responderam os questionários não
conhece nenhum projeto ou política pública para o centro da cidade, sendo um total de 83%
de respostas negativas e de 17% de respostas positivas, isto é, a grande maioria respondeu
dizendo que não conhece nem nunca ouviu falar sobre algum tipo de intervenção pública
proposta para o centro de Juazeiro do Norte. O número é absurdo quando se observa a
quantidade de pessoas que participaram de alguma audiência pública referente a algum
projeto para o centro. De 60 pessoas entrevistadas, 100% disseram que nunca participou de
nenhuma seção sobre as políticas públicas para o centro, como o orçamento participativo por
exemplo.
No que se refere ao Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), praticamente
3/4 (três quartos) dos que responderam afirmaram que não conhecem o documento nem nunca
ouviram falar. É importante frisar que entre os entrevistados estão pessoas dos mais variados
níveis escolares, desde os que nunca estudaram até os que têm formação de nível superior,
passando pelos que têm somente o ensino fundamental e/ou ensino médio.
6 O relatório de Iacovine e Pinheiro (2009) sobre o PDDU de Juazeiro do Norte elaborado para o Observatório das Metrópoles também mostra a não-participação da população na elaboração dos projetos Centro de Apoio ao Romeiro e Roteiro da Fé. Mais adiante discutiremos isso.
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Gráfico 01: Você já ouviu falar sobre Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano?
25%
75%
Sim Não
Pesquisa de campo em 2010/2011
Portanto, faz-se necessário uma política que busque na organização social, no
orçamento participativo e nos movimentos sociais as melhorias nas condições de vida e de
trabalho. É o planejamento urbano crítico (SOUZA, 2006a) que defendemos, com uma maior
autonomia da sociedade frente aos problemas existentes. Esse planejamento não se caracteriza
apenas como intervenções e regulações propostas pelo Estado, mas um planejamento
democrático onde a sociedade participe de forma efetiva para uma maior justiça social e um
verdadeiro desenvolvimento sócio-espacial, rompendo com a racionalidade que vem de cima
para baixo.
Essa idéia de planejamento urbano crítico compõe um projeto maior de mudança
social e política, de democratização e de justiça social. Trata-se da Reforma Urbana, que não
pode ser confundida com uma reforma urbanística ou paisagística. Esse movimento, que vem
desde os anos 1960, assume uma postura crítica frente à globalização e à redução do poder de
manobra do Estado, tendo como principais metas a redução das desigualdades. Esse
movimento de início dos anos 1960 tinha um cunho progressista, o que mudou nos meados
dos anos 1980, quando o Movimento Nacional da Reforma Urbana (MNRU) surge no seio
dos movimentos sociais (SOUZA, 2006a), que o caracteriza como:
(...) um conjunto articulado de políticas públicas, de caráter redistributiva e universalista, voltado para o atendimento do seguinte objetivo primário: reduzir os
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níveis de injustiça social no meio urbano e promover uma maior democratização do planejamento e da gestão das cidades (SOUZA, 2006b, p. 158).
É fundamental para uma gestão urbana eficaz e um planejamento urbano eficiente a
participação da sociedade, uma democratização das decisões políticas de maneira que essas
decisões sejam tomadas com o intuito de diminuir as desigualdades existentes nos espaços
urbanos.
AS POLÍTICAS PÚBLICAS URBANAS PARA O CENTRO DE JUAZEIRO DO
NORTE/CE
No que se refere às políticas urbanas para o centro7 de Juazeiro do Norte, existem
projetos tanto do Governo do Estado como da Prefeitura Municipal que buscam a
reorganização espacial do centro da cidade. Os projetos são estudos de caso realizados pelo
governo (estadual e municipal) na tentativa de detectar os principais problemas que assolam a
cidade. O centro aparece nos estudos como o espaço para onde mais se destinam os projetos
urbanos.
Interessa-nos aqui somente algumas políticas que pretendem, de certa forma, diminuir
ou amenizar essa problemática, pois, como são muitos documentos existentes e devido ao
espaço e o tempo destinados a esse trabalho, não podemos avaliar todos, o que levaria à
redação de um novo texto.
Os documentos a serem analisados são a) o Programa de Reabilitação Urbana das
áreas Centrais, do Ministério das Cidades, b) o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano da
cidade de Juazeiro do Norte, c) o Marco Conceitual de Reassentamento Involuntário, do
Governo do Estado do Ceará. Esses documentos pretendem, exceto o primeiro, intervenções
urbanas efetivas no espaço urbano juazeirense em sua totalidade, como, também, no centro da
cidade. Por fim, analisaremos também algumas políticas públicas realizadas pela prefeitura
municipal.
O Programa de Reabilitação Urbana das Áreas Centrais é um documento do Ministério
das Cidades de 2005, coordenado pela arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, que visa a
implementação de políticas públicas que controlem o uso e a ocupação do solo urbano, de
forma que amplie o acesso à terra urbana para a moradia e para o uso dos serviços urbanos. O
documento pretende, então: 7 “No interior da cidade, o centro não está necessariamente no centro geográfico, e nem sempre ocupa o sítio histórico onde esta cidade se originou (...) é o lugar para onde todos se dirigem para algumas atividades” (SPOSITO, 1991, p. 06).
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A Reabilitação de Áreas Urbanas Centrais por meio da recuperação do estoque imobiliário subutilizado promove o uso e a ocupação democrática e sustentável dos centros urbanos, propiciando o acesso à habitação com a permanência e a atração de população de diversas classes sociais, principalmente as de baixa renda; além do estímulo à diversidade funcional recuperando atividades econômicas e buscando a complementaridade de funções e da preservação do patrimônio cultural e ambiental. Esses objetivos são parte integrante de uma nova política urbana baseada nos princípios e instrumentos do Estatuto da Cidade. O incremento do uso da infra-estrutura urbana já disponível por meio da ampliação da oferta de moradia reduz os investimentos públicos e promove a melhoria das áreas centrais, contribuindo para reverter os processos de esvaziamento e degradação. E mais, amplia o acesso da população à cidade, garantindo que uma parcela cada vez maior desta possa usufruir das áreas melhores equipadas e estruturadas (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2005, p. 18).
A reabilitação dos centros urbanos se dá, nesse sentido, pela promoção da habitação,
pela maior acessibilidade aos serviços urbanos, transporte e promove a entrada dos
trabalhadores no mercado de trabalho formal. O combate a subutilização dos espaços centrais
e os “vazios” urbanos, como também as ações contra a especulação imobiliária, são as
prioridades do programa.
A aplicabilidade dessa proposta do Ministério das Cidades parece ser impecável. No
entanto, quando pensamos no centro de Juazeiro do Norte, essa proposta não se encaixa
dentro da realidade urbana da cidade, pelo menos em parte.
Figura 03: O Centro de Juazeiro do Norte/CE
Fonte: Google Earth, 2010.
A grande densidade e concentração de imóveis e população (ver figura 03) e a
predominância do setor terciário nas principais ruas do centro da cidade inviabilizam parte da
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execução das propostas do programa. As Ruas São Pedro e São Paulo, que são as principais
da cidade do que se refere à oferta do terciário (comércio e serviços, sobretudo aquele),
chegam a ultrapassar os limites administrativos do bairro centro, chegando a outros bairros
circunvizinhos como, por exemplo, os bairros Salesianos e Franciscanos.
De fato, há ainda habitantes que vivem no centro da cidade e existem casas e
apartamentos tanto próprios como para aluguel. Durante o ano, as casas ganham
funcionalidades diversas. Uma grande parte das pessoas que moram no centro da cidade
utiliza seus imóveis como ranchos que hospedem os romeiros durante as festividades
religiosas ocorridas durante o ano. Esse tipo de prática (que já é tradicional) exercida pelos
moradores em transformar suas residências em ranchos, torna alguns espaços que eram de
função residencial para função comercial, afinal eles estão oferecendo um serviço,
independentemente de preço, tempo de hospedagem etc. Podem ser encontradas ainda
algumas moradias nas Ruas Dr. Floro Bartolomeu, São José, Rua do Cruzeiro, São Francisco
e outras.
Se olharmos o centro de Juazeiro tendo como pauta o programa do Ministério das
Cidades, vemos que os espaços que geralmente servem de especulação imobiliária que são
espaços “vazios” e geralmente encontrados nas grandes metrópoles, como os imóveis vazios
ou abandonados, quase que inexistem.
Reconhecemos que o programa oferece propostas que podem ser aplicadas com
sucesso, como a promoção da acessibilidade aos espaços centrais e a preservação do
patrimônio histórico-cultural, mas que precisam de estudos de caso detalhados para ao
conhecimento dos problemas e suas possíveis soluções.
No que concerne ao Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) da cidade de
Juazeiro do Norte, que é do ano 2000, podemos encontrar algumas medidas que visam o
planejamento da cidade para o futuro, e nele observamos que o centro da cidade é enfocado
várias vezes.
As Linhas Estratégicas do PDDU de Juazeiro do Norte enfatizam a promoção da
cidade por meio de sua imagem para o “estrangeiro”, ou seja, o turista. A Linha Estratégica8 1
diz que “Juazeiro do Norte deverá ser um importante centro de turismo religioso da América
Latina” (SETUR/PDDU, 2000, p. 10). Essa promoção da cidade para o turismo religioso
provocou um embate político entre as autoridades Eclesiásticas da cidade e o Poder Público. 8 As outras linhas estratégicas são: 2) implantar um centro comercial e regional de qualidade; 3) consolidar a economia industrial forte e descentralizada; 4) tornar o município atraente e equilibrado física e socialmente. Preferimos não nos deter a essas linhas estratégicas pelo fato delas demandarem uma análise mais ampla e que não caberiam no presente trabalho.
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O grande fluxo de visitantes a JdN [Juazeiro do Norte] impulsiona o turismo religioso como atividade de grande potencial para o desenvolvimento da região. Porém, se por um lado o poder público planeja políticas para o desenvolvimento do turismo religioso local, a Igreja opõe-se à exploração da atividade turística conforme os modos hoje seguidos pelo poder público por temer a profanação da simbologia do sagrado, principal elemento de atração das romarias (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2009, p. 156).
É notória, então, a existência das contradições entre os agentes produtores do espaço
urbano de Juazeiro do Norte, nesse caso o Estado e a Igreja. Dessa forma, não é demais
lembrar que “a vida política urbana se caracteriza hoje pela interferência de estruturas e forças
diversas e freqüentemente opostas, seja pela origem, situação ou objetivos diferentes e por
vezes contraditórios (LEDRUT, 1981, p. 05).
Sobre essa Linha Estratégica do PDDU um comentário deve ser feito. Por meio de
uma análise de tal tópico estratégico, é possível identificar uma preocupação do poder público
local com a imagem da cidade. Essa preocupação pode ser caracterizada como uma estratégia
de marketing territorial ou, mais precisamente, de marketing urbano que, segundo Benko
(2002), são possíveis hoje através de quatro fatores fundamentais:
1- a mundialização e crescimento da economia, caracterizada por uma mudança
considerável entre as escalas local, nacional e global nos anos 1980 e 1990;
2- a valorização do lugar, buscando um desenvolvimento local pautado nas relações entre
os atores locais (poder decisório, universidades, empresas, movimentos sociais,
sindicatos, etc.);
3- a evolução rápida dos equipamentos de comunicação, que permite uma rápida difusão
por meio das tecnologias midiáticas, a promoção da cidade por meio da imagem para
além de sua hinterlândia;
4- e uma nova etapa na evolução do marketing, a qual passa a ser preponderantemente
usufruída ela cidade através das noções básicas do marketing (relativas ao mercado,
clientes, concorrentes, ofertas, etc).
A promoção da imagem de Juazeiro do Norte é buscada para além do território
nacional. Como podemos ver, a América Latina é o objetivo, caracterizando o poder de
atração da cidade pautado no fenômeno religioso como alicerce para o crescimento
econômico.
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Hoje em dia, porém, mesmo o PDDU insistindo na potencialidade a nível
internacional da imagem de hierópolis9 (ROSENDALH, 1999), o que se percebe no cotidiano
urbano e nas práticas espaciais protagonizadas pelos agentes sociais, sobretudo os atores
hegemônicos, é que a religião e a fé própria do lugar são apropriadas por tais agentes
produtores do espaço urbano para desenvolver suas estratégias econômicas e políticas para o
lugar. Assim, para a cidade se tornar atrativa no atual contexto econômico-social da
globalização porque
É necessário (...) determinar a imagem da cidade que se deseja promover. Trata-se de optar por uma estratégia de diferenciação que visa a dar uma personalidade clara à cidade, de modo que ela venha a obter um lugar preciso na consciência dos indivíduos, quer sejam eles responsáveis por decisões, eleitores, difusores de opinião etc. (...) (BENKO, 2002, p.08).
Porém, os agentes hegemônicos desconsideram a configuração espacial de cada lugar,
que é singular. Os espaços não são homogêneos, mas singulares. A singularidade de cada
espaço se dá através das práticas sócio-espaciais desencadeadas pelos vários agentes que
operam em diferentes escalas geográficas produzindo o espaço.
No caso de Juazeiro do Norte é perceptível a ação constante do Estado através da
prefeitura municipal e do Governo do Ceará, o capital (público e privado), que nos últimos
anos vem se inserindo com mais vigor no cotidiano urbano dos citadinos, e a sociedade, que é
representada tanto pelos moradores do lugar como pelos romeiros que constantemente vão à
cidade10.
Segundo Araújo (2011), o PDDU busca através dos projetos urbanos de ‘revitalização’
da área central de Juazeiro do Norte construir e reinventar a urbe pautada numa lógica da
modernização, onde a padronização e o ordenamento do espaço promoveriam competitividade
e buscariam atrair mais investimentos. Nesse sentido, o espaço é produzido para servir à
ordem distante, aos atores da economia global e aos turistas, e o espaço vivido, o dos
romeiros e dos habitantes locais, é tornando invisível e desconsiderado11.
Nesse contexto, a utopia da forma espacial está sendo sobreposta à utopia do processo
social, em que espaço e tempo não se encontram, mas tentam se sobrepor um ao outro: de um
9 Hierópolis são cidades Santuários, onde além de Juazeiro do Norte no Ceará, se destacam também Aparecida em São Paulo, o Santuário de Jesus crucificado em Porto de Caxias no Rio de Janeiro entre outros. A respeito disso, ver Rosendahl (1999). 10 Aderimos aqui a proposta de Carlos (2011) para designar os agentes que produzem o espaço geográfico na contemporaneidade. 11 “No mundo globalizado, as políticas de Estado valorizam a produção do espaço simbólico decorrente da produção de um espaço construído que responde por uma linguagem que distingue os indivíduos pertencentes ao mundo globalizado, sendo que as pessoas do lugar são invisíveis aos objetivos dessas políticas” (EGLER, 2005, p. 06).
16
lado, o espaço aparece imutável já que controla a temporalidade, reprimindo a dialética do
processo social a favor de uma forma espacial fixa, de outro, os processos sociais que são
geralmente tratados em termos de temporalidade, são desvinculados de uma base espacial,
operando fora da espacialidade. Se buscamos um entendimento mais nítido da sociedade
pautado na mudança, devemos então “considerar o utopismo do processo temporal [social] ao
lado do utopismo da forma espacial” (HARVEY, 2006, p. 228). Assim, concordamos que “em
Juazeiro do Norte, a utopia da forma espacial presente nas Políticas Urbanas tenta
homogeneizar os espaços para o turismo e tenta excluir a utopia do processo social impressa
nas romarias (ARAÚJO, 2011, p. 214).
A tentativa de sobrepor a utopia do espaço construído à utopia do espaço vivido na cidade do Padre Cícero é um problema na atual Política Urbana, particularmente ao propor a transformação dos espaços de romaria em espaços para o turismo religioso. O referido modelo de desenvolvimento local a partir de inspiração global abriga o interesse do lucro e do capital em escala ampliada e instaura novas relações de poder no espaço da cidade (ARAÚJO, 2005, p. 215).
Outro aspecto que também está relacionado com as políticas urbanas para o centro diz
respeito à problemática ambiental. No que se refere aos romeiros, que sem dúvida nenhuma
são um dos responsáveis pela estruturação espacial de Juazeiro do Norte ao longo da história,
a problemática ambiental, que figura dentre os objetos das políticas urbanas, ganha uma nova
dimensão. Como no período das romarias a cidade recebe uma quantidade grande de fiéis do
Padre Cícero, estes contribuem direta e indiretamente para o aumento da problemática
ambiental no centro da cidade.
Diante da concentração de romeiros nos dias de ápice das romarias, há sobrecarga de trabalho na área de serviço e as estruturas de limpeza pública tornam-se insuficientes para atender a demanda. Os resíduos sólidos, lançados aleatoriamente no ambiente, contêm substâncias de alto teor energético e têm elementos necessários à sobrevivência como água, alimentos e abrigo, sendo o habitat de inúmeros organismos vivos, que acarretam graves problemas de saúde ao homem (PEREIRA, 2005, p. 69).
O consumo de objetos descartáveis, a produção de lixo, sem contar com a ocupação do
espaço das calçadas pelos camelôs para comercializar suas mercadorias, provocam um
verdadeiro caos nas romarias. De acordo com os questionários aplicados referente aos
principais problemas ambientais no centro da cidade, figuram na maioria das respostas o
trânsito e a falta de infra-estrutura urbana.
No total foram dadas 114 respostas, as quais estão divididas em grupos e separadas
por porcentagem conforme gráfico abaixo. Lembramos, ainda, que a pergunta sobre os
17
principais problemas ambientais12 que ocorrem no centro da cidade foi aberta, o que
possibilitou a cada pessoa a liberdade de citar quantos problemas achassem necessário.
Gráfico 02: Quais os principais problemas ambientais no centro da cidade?
35%
18%7%5%
11%
9%
9%4%
1%
1%
Trânsito
Infra-estrutura
Poluição sonora
Poluição visual
Saneamento Básico
Lixo
Segurança/insegurança
Comércio informal
Arborização
Banheiros públicos
Pesquisa de campo em 2010/2011
Sobre a problemática ambiental no centro, a prefeitura municipal tem feito algumas
investidas no intuito de melhorar a qualidade de vida dos citadinos e de reorganizar o espaço
central da cidade. Algumas políticas têm sido realizadas, como a despoluição visual do centro
da cidade, com a retirada de placas para facilitar a visualização das sinalizações e dar um
melhor direcionamento de deslocamento dentro da cidade. Também podemos citar as
campanhas feitas pela Secretaria de Meio Ambiente e Serviços Públicos (SEMASP) do
“Romeiro Consciente preserva o Meio Ambiente” em 2009 e do “Romeiro amigo da
natureza” em 2010, numa tentativa de conscientizar ambientalmente os romeiros e turistas.
12 A idéia de problemas ambientais que usamos é a desenvolvida por Souza (2005). Para ele, “os problemas ambientais são todos aqueles que afetam negativamente a qualidade de vida dos indivíduos no contexto de sua interação com o espaço, seja o espaço natural (estrato natural originário, fatores geoecológicos), seja, diretamente, o espaço social” (SOUZA, 2005, p. 117). Esse autor afirma que os problemas ambientais fazem parte dos problemas urbanos primários, isto é, “são problemas em si, problemas objetivos, ou seja, independem de nossa consciência sobre sua natureza ou origem (...) pois são problemas gerados em parte por fatores muito gerais, mas que, por outro lado, guardam especificidades devido às peculiaridades do ambiente construído” (p. 46 – grifos do autor).
18
Contudo, mesmo com essas investidas do poder público, pouco ainda tem sido feito para a
resolução ou, no mínimo, amenização dos problemas do centro da cidade. É sintomático andar
na Rua São Pedro e não encontrar um tambor de lixo para jogar os objetos sem utilidade, os
restos de comida e demais resíduos sólidos ou não.
Uma ressalva faz-se necessária nesse momento. A cidade e a problemática sócio-
espacial urbana, da qual a problemática ambiental faz parte, não está sendo reduzida ao
conceito de meio ambiente, que acaba por naturalizar a cidade e mascarar os problemas e suas
reais origens. Dessa forma pensamos que
(...) a cidade tratada como meio ambiente urbano reduz-se a uma expressão natural como negação da própria historicidade. Como conseqüência, contradição vira desequilíbrio e o desenvolvimento sustentável aparece como a possibilidade única da busca de coesão, coerência e equilíbrio (sob a égide do capitalismo, evidentemente) como horizonte de transformação da realidade. Portanto, há uma inseparabilidade entre a orientação da análise, os processos urbanos definidos pelas políticas públicas e a construção de um projeto sobre a cidade (CARLOS, 2006, p. 77).
Essas idéias vão ao encontro das de Lefebvre (2008), para quem
Os concílios se neúnem para dissertar gravemente e manter as representações (ideológicas) que mascaram os verdadeiros momentos decisivos. De fato, a poluição, o meio ambiente, a ecologia e os ecossistemas, o crescimento e a sua finalidade, fragmentam e mascaram os problemas do espaço (LEFEBVRE, 2008, p.18-19).
Nessa perspectiva, a racionalidade urbana promovida pelo aparelho de Estado através
dos urbanistas e arquitetos, ao invés de buscarem resolver os problemas sócio-espaciais que se
encontram nas cidades, mascaram a verdadeira problemática urbana em nome das classes e do
capital reduzindo a cidade enquanto espaço social ao nível da naturalização e do discurso do
meio ambiente e da sustentabilidade (LEFEBVRE, 2008).
Assim, percebe-se que a participação da sociedade é de fundamental importância para
uma melhor gestão da cidade, onde os problemas urbanos encontrados na cidade, com
destaque para o centro (foco do nosso estudo), podem ser pensados de forma coletiva e que
seu enfrentamento depende, dentre outras coisas, do exercício da cidadania pelos citadinos e
da força política que a sociedade possui, cobrando melhorias na estrutura espacial urbana do
centro e buscando a construção de outro projeto para a cidade. Entretanto, para isso, é
necessário entender que os reais problemas são espaciais (ou sócio-espaciais) e não apenas de
poluição, meio ambiente. Esses servem para mascarar a essência da problemática social, que é
a problemática espacial.
19
POR UMA REESTRUTURAÇÃO DO CENTRO DE JUAZEIRO DO NORTE
É moeda corrente nos discursos acadêmicos, políticos e econômicos a palavra
reestruturação. Esse termo, como vários outros empregados nas ciências sociais
contemporâneas, é polissêmico, isto é, assume vários significados dependendo do contexto
que o mesmo é inserido. Portanto, pode-se falar em reestruturação urbana, da cidade,
reestruturação econômica, política dentre outras.
É fundamental, no entanto, para as nossas pretensões, diferenciar e estipular fronteiras
conceituais (não rígidas, claro!) entre termos que são rotineiramente tratados como sinônimos
pelos mais variados discursos, dentre eles o científico. Essas fronteiras conceituais são, de
fato, para facilitar o entendimento dos processos, pois é sabido que na realidade estes
acontecem ao mesmo tempo.
As noções de requalificação, revitalização, reabilitação, reordenamento e
reestruturação são muitas vezes utilizadas como sinônimos, como se tivessem a mesma
finalidade, o que de fato expressa equívocos que nos levam a analisar as transformações
sócio-espaciais de maneira equivocada.
Entendemos que as expressões requalificação urbana ou de espaços urbanos e
revitalização são usadas para designar transformações em espaços individuais e/ou coletivos
na perspectiva de re-qualificar, dar uma nova vida, ou seja, de recuperar a qualidade
(ambiental, paisagística, etc.) de um espaço determinado. Essa revitalização ou requalificação
pode ser a recuperação de uma antiga atividade de um determinado espaço como também
pode ser a incorporação de uma nova funcionalidade diferente da precedente, mas nos
mesmos limites geográficos.
Para Silva (2007, p. 13) a reabilitação é continente de três processos distintos e
complementares: a) requalificação “incluindo a recuperação do patrimônio, atração de novos
tipos de atividades e moradores, melhoria ambiental, algumas vezes a ‘limpeza social’”, como
também; b) o repovoamento, contrapondo à expansão urbana, e c) o aproveitamento dos
terrenos públicos para a instalação de grandes projetos e obras.
A reabilitação assume duas facetas, descritas por Salgueiro (1994) como parte de um
processo amplo e maior, o da reestruturação: Dessa forma,
A reabilitação que visa conservar produtos imobiliários ou conjuntos, veio moderar a euforia renovadora que tendia potencialmente a substituir tudo que era visto como velho ou pouco adaptado às novas necessidades. A reabilitação de edifícios ou bairros visa muitas vezes manter a população local, aumentando as condições de habitabilidade dos imóveis e a qualidade do espaço urbano, promovendo a
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dinamização de algumas actividades económicas, contribuindo portanto para a qualidade de vida dos residentes e, indiretamente, para uma melhor imagem do funcionamento da cidade. Noutros casos, a reabilitação incide preferencialmente sobre edifícios de qualidade ou com localizações privilegiadas (seja pelo prestígio, seja pelo disfrute de vistas ou pelo acesso a jardins) susceptíveis de serem transformados em habitações de luxo. A intervenção chega a ser muito profunda (quase que se limita a conservar a fachada) e, como os destinatários são famílias de rendimentos altos, acaba por conduzir à expulsão de famílias modestas de áreas centrais. Representa a valorização da centralidade pelos grupos de maior poder económico, parte dos quais tinha optado nas últimas décadas por residências periféricas, quer na cidade, quer nalguns eixos urbanos (SALGUEIRO, 1994, p. 82).
Essa ampla citação é importante na medida em que nos permite estabelecer uma
analogia com os nossos propósitos. A primeira faceta da reabilitação seria o que estamos
chamando de reestruturação, com uma diferença básica e elementar, que é a participação
popular no processo decisório; e a segunda faceta seria um processo similar (se não o mesmo)
à gentrificação13, onde a reabilitação dos centros segue uma lógica de atração de uma classe
média-alta buscando seletividade e com interesses em habitações luxuosas. O centro a cidade,
nessa segunda faceta, é revalorizado e as políticas urbanas de reabilitação das áreas centrais
têm como pano de fundo a gentrificação.
No reordenamento espacial ou territorial da cidade, o que acontece é a realocação de
determinadas funções em locais diferentes. Esse reordenamento pode levar, mas não
necessariamente, a uma re-qualificação e/ou re-vitalização de uma determinada localização
urbana. O espaço, assim, é tratado como palco.
A perspectiva da reestruturação espacial (que é o recorte que norteia o nosso
pensamento) abrange uma série de fatores que englobam os descritos acima, sem, contudo se
reduzir a eles. A reestruturação seria dessa forma uma nova dimensão da vida social em sua
totalidade, pautada nas novas formas de experenciar o tempo e o espaço no mundo atual.
Poderíamos indagar se a reestruturação espacial se confunde com o reordenamento
territorial? Sim, essa indagação é valida, contudo a resposta é que elas, apesar de se
confundirem, são diferentes. A reestruturação espacial seria uma espécie de indutor, enquanto
o ordenamento territorial seria o induzido, o resultado. O ordenamento territorial é estratégico,
planejado pelo Estado (MORAES, 2005) e posto em prática por este, isto é, refere-se à escala
do território estatal14. Por outro lado, a reestruturação ocorre no movimento da sociedade
13 A gentrificação é “um processo de retorno das pessoas ao centro das cidades que implica em várias facetas envolvendo práticas sociais, comportamentos econômicos e políticas públicas” (BIDOU-ZACHARIASEN, 2007, p.50). 14 “O ordenamento territorial diz respeito a uma visão macro do espaço, enfocando grandes conjuntos espaciais (biomas, macrorregiões, redes de cidades, etc) e espaços de interesse estratégico ou usos especiais (zona de fronteira, unidades de conservação, reservas indígenas, instalações militares, etc). Trata-se de uma escala de planejamento que aborda o território nacional em sua integridade, atentando para a densidade da ocupação, as
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global e em sua multiescalaridade, sendo influenciado por uma multiplicidade de fatores. Em
outras palavras, um novo ordenamento territorial surge dos choques e das práticas
desencadeadas pela reestruturação espacial.
Assim, concordamos com Soja (1993) quando ele diz que
Em sua hierarquia de manifestações, a reestruturação deve ser considerada originária de e reativa a graves choques nas situações e práticas preexistentes, e desencadeadora de uma intensificação de lutas competitivas pelo controle das forças que configuram a vida material. Assim, ela implica fluxo e transição, posturas ofensivas e defensivas, e uma mescla complexa e irresoluta de continuidade e mudança. Como tal, a reestruturação se enquadra entre a reforma parcial e a transformação revolucionária, entre a situação de perfeita normalidade e algo completamente diferente (SOJA, 1993, p. 194 - grifos nossos).
Essa passagem é basilar para as inquietações que norteiam a nossa pesquisa.
Podemos, assim, operacionalizar o conceito de reestruturação na realidade urbana de Juazeiro
do Norte, ou melhor, do centro da cidade, já que este é o recorte do espaço intra-urbano
escolhido para a análise.
No decorrer da pesquisa, identificamos ações que visam a mudança estrutural (física)
do centro da cidade através do PDDU e o MCPRI15. Os projetos que tomam relevo dentro das
propostas são os seguintes: a) Urbanização do acesso ao horto; b) Centro de apoio aos
romeiros; e c) Roteiro da Fé16. Essas ações estão no MCPRI no subcomponente
Requalificação de Espaços Urbanos, dentro do projeto intitulado Projeto Integrado de
Urbanização da Área Central17 de Juazeiro do Norte.
Esse projeto visa uma requalificação por meio das ações colocadas acima. O fato é
que, a falta de um geógrafo na composição técnica dos projetos e do PDDU pode ter causado
uma rigidez maior no que se refere à aplicabilidade de tais ações. O queremos dizer é que
apenas o lado físico do espaço geográfico foi considerado na elaboração das propostas. É
importante frisar que, a elaboração dos projetos de intervenção, sobretudo o Roteiro da Fé,
não tiveram participação da sociedade nas discussões, conforme estudo realizado pela Rede
de Avaliação e Capacitação para Implementação de Planos Diretores Participativos:
redes instaladas e os sistemas de engenharia existentes (de transporte, comunicações, energia, etc). Interessam a ele as grandes aglomerações populacionais (com suas demandas e impactos) e os fundos territoriais (com suas potencialidades e vulnerabilidades), numa visão de contigüidade que se sobrepõe a qualquer manifestação pontual no território” (MORAES, 2005, p. 45). 15 Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Marco Conceitual da Política de Reassentamento Involuntário. 16 Para uma análise mais detalhada dessas políticas urbanas em Juazeiro do Norte, ver Araújo (2011). 17 É importante salientar aqui uma diferença. Área central não é a mesma coisa de centro. Segundo Corrêa (1993) a área central é composta do centro e da zona periférica do centro. No nosso trabalho, tratamos do centro, e não da área central como um todo.
22
Em verdade, o Centro [Centro de Apoio ao Romeiro] juntamente com o Roteiro da Fé foram ações de qualificação do Centro de Juazeiro previstas com o objetivo de incrementar o turismo religioso, do qual depende o comércio de Juazeiro. Segundo o Poder Público, essa “vocação turística” era consenso entre todos os setores. Segundo os técnicos da gestão, estas ações teriam nascido das discussões do Plano. Realmente é provável que tenha nascido durante essa discussão, mas ao que parece não foi proposta da população, e sim da assessoria junto com a gestão municipal. Para a sociedade civil e até mesmo para o Vice-prefeito (que à época representava os comerciantes), essa “vocação” não teria sido discutida com a população, tendo sido ela definida pela Prefeitura e pela equipe de assessoria, os quais vieram com ambos os projetos prontos e brigavam a todo custo pela sua aprovação (IACOVINI; PINHEIRO, 2009, p. 04).
A urbanização do acesso ao Horto (bairro da cidade que faz fronteira e
influencia/influenciado diretamente pelas atividades no centro da cidade) se resumiu até o
momento apenas a uma sinalização e a troca do calçamento. O saneamento básico, a rede de
água e esgoto entre outros ainda se encontra em precárias condições.
No que se refere ao Centro de Apoio aos Romeiros, as obras pararam há muito tempo,
e foram retomadas no final de 2009, mas a passos lentos. Tal objeto geográfico servirá para
realocar e desafogar o centro da cidade tanto no que se refere aos transportes como às pessoas,
pois nas épocas de romarias a população da cidade praticamente dobra. Os camelôs, que
ocupavam os arredores da Basílica Menor de Nossa Senhora das Dores (conhecida como
Igreja da Matriz) foram inicialmente os principais alvos, pois foram construídos Box para eles
realocarem suas mercadorias e desocuparem os arredores do espaço sagrado da Basílica. Tal
obra está no PDDU da cidade e é enquadrada como Unidade de Vizinhança do Centro. No
entanto, o investimento milionário, com cerca de R$ 12 milhões, se encontra apenas em parte
da estrutura física (os Box), e a sua finalização é uma incógnita.
O Roteiro da Fé é também uma das ações dentro do projeto de requalificação da área
central da cidade. Seu objetivo é estabelecer, através de intervenções físicas no centro da
cidade, um roteiro que guie o romeiro para os pontos turísticos religiosos da urbe, e que, até o
momento, se resume a um número muito restrito de placas. É possível analisar isso na
proposta de Lefebvre (1991) da contradição entre apropriação e dominação do espaço. A
apropriação do espaço seria o envolvimento dos valores, dos desejos, do corpo, da
espontaneidade; por outro lado, a dominação seria um planejamento com propósitos
estabelecidos por uma ordem distante, visando uma normatização e uma padronização do
espaço (LEFEBVRE, 1991).
Outras ações também são propostas, como o anel viário, que melhoraria a circulação
sem a necessidade dos veículos, sobretudo os de carga pesada, passar no centro cidade. Outras
já foram implantadas, como a Zona Azul, que estabelece um tempo determinado para o
23
estacionamento dos veículos e a retirada dos feirantes da Rua São Paulo, os quais estavam a
mais de 30 anos na localidade, o que provocou muita polêmica na cidade. Enfim, são projetos
que, mesmo realizados em sua plenitude, não acabarão com os problemas encontrados no
centro da cidade.
É nesse sentido que a busca por uma reestruturação de fato (não apenas requalificação,
reordenamento ou revitalização) faria com que o espaço fosse tratado como uma dimensão
social e que a sociedade se apropria dele na medida em que vivência cotidiana promove
usabilidades diversas na perspectiva de uma solidariedade entre os agentes sociais.
Essas mudanças propostas pelos documentos públicos que tratam de intervenções no
centro da cidade de Juazeiro do Norte são de uma proposição vertical, de cima para baixo,
onde a sociedade civil e suas organizações dificilmente têm vez, apenas opinam, mas não tem
poder decisório. Essas intervenções se reduzem a uma mera reforma urbanística, ao passo em
que o que se necessita é uma reestruturação de fato, onde o urbano, a simultaneidade, o
encontro (LEFEBVRE, 2008), será vivenciado pelos atores sociais nas suas práticas
cotidianas. Daí elas não serem qualificadas por nós como projetos de reestruturação, e sim de
outra coisa, as quais citamos nas páginas precedentes.
A reestruturação do espaço se refere não só a uma mudança física do espaço18, pois a
materialidade do mesmo representa apenas em parte o movimento da sociedade em sua
totalidade. Essa reestruturação da qual falamos diz respeito sim a uma mudança física, mas
não só, ela é superada, por uma mudança maior e mais significativa, que é a mudança do
espaço social, das relações sociais estabelecidas em um determinado espaço-tempo e que
passa a ser experienciado de forma mais solidária, onde o valor de uso supera e transcende o
valor de troca.
Nesse sentido, reestruturar significa uma nova usabilidade dos espaços de forma
pública, acessível e democrática, como também uma modificação na estrutura viária,
paisagística, ambiental, na mobilidade dos citadinos etc. Nessa direção, o espaço social
(imaterial, cola que liga os indivíduos em sociedade) e o espaço físico (os objetos produzidos
socialmente ao longo da história) (EGLER, 2009) são redimensionados a caminho de uma
nova organização socioespacial. É uma reestruturação que depende, antes de tudo, da
participação popular nas decisões políticas, econômicas e culturais da sociedade.
18 Em matéria publicada pelo site da prefeitura municipal de Juazeiro do Norte, a reestruturação é colocada como sinônimo de reformas e reajustes no espaço físico provocadas por danos causados pelas chuvas. Ver: http://www.juazeiro.ce.gov.br/index.php?Pasta=paginas_site&Pagina=lista_noticia&IDNoticia=00339&MenuDireito=1
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Portanto, a reestruturação do centro da cidade de Juazeiro do Norte, para acontecer,
deve atender aos requisitos fundamentais rumo a uma nova direção de uma nova configuração
social de usos do espaço público central, entendendo a dinâmica sócio-econômica-espacial
contida nessa parcela do espaço urbano.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pensar as políticas urbanas nos dias atuais é pensar em formas de produção do espaço
urbano que, na maioria das vezes, seguem uma lógica vertical, em que Estado e capital
planejam e executam intervenções que, ao invés de promover uma melhoria nos laços de
sociabilidade entre os seres humanos, os separa e os fraturam.
O espaço aparece como um ente de fundamental importância para as regras impostas
pela ordem distante. É por meio do espaço que o Estado e o capital dominam a sociedade,
pois cada vez que se busca um design espacial de maneira que dê preferência às ações
capitalistas, a sociedade é quem “paga o pato”, isto é, quem sofre com as conseqüências de
remoções, de expulsões e sem nenhuma garantia de melhoria, garantia essas que ficam apenas
nos discursos políticos.
A cidade aparece nesse contexto como lugar privilegiado de análise das contradições
sociais desencadeadas pelo modo de produção hegemônico. Sendo a cidade um produto
social, que é ao mesmo tempo condição e meio da ação e da reprodução da vida, o espaço
urbano assume, nesse contexto, dimensões que penetram de várias maneiras a vida social.
Uma dessas dimensões é a política (LEFEBVRE, 2008). Sendo o espaço, político, ele
é condição, meio e produto (CARLOS, 2008) das contradições sociais, condicionando novas
ações na busca de uma outra ordem da vida social, pautada em valores mais solidários e
fraternos.
Nessa linha de pensamento, planejar a cidade não é apenas impor normas, leis e regras
urbanísticas que alteram e modelam a forma física do espaço geográfico. O planejamento
urbano, ao mesmo tempo em que modela a dimensão física do espaço, modifica também as
relações sociais que estão estabelecidas nesse suporte material. Nesse sentido, o planejamento
interfere no espaço geográfico em sua totalidade, isto é, tanto na dimensão social como na
dimensão física, já que ambos estão imbricados e intrinsecamente interligados.
Pensar a reestruturação do centro da cidade de Juazeiro do Norte através das políticas
urbanas é pensar em um planejamento urbano crítico, que busque nas organizações sociais um
diálogo possível, objetivando produzir um espaço que seja caracterizado pelas relações sociais
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de afeto e sentimento, companheirismo, e não apenas impor normas urbanísticas que
fragmentam sócio-espacialmente ainda mais o cotidiano e a sociabilidade.
Dessa forma, as políticas urbanas propostas pra Juazeiro do Norte eliminam as
contradições espaciais, buscando emergir uma espacialidade ideal, homogênea e sem
diferenciações. As rugosidades espaciais são eliminadas nessas estratégias de intervenção
urbanística.
Portanto, pensamos que planejar uma cidade para o futuro pautada em valores sociais
diferentes dos atuais requer uma longa discussão entre as partes interessadas buscando
promover uma forma espacial que seja paralela ao processo social, ou como diz Harvey
(2006) ao utopismo dialético.
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