prof. dr. ismar de oliveira soares

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i E E E D D D U U U C C C O O O M M M . . . R R R Á Á Á D D D I I I O O O - - - P P P o o o l l l í í í t t t i i i c c c a a a P P P ú ú ú b b b l l l i i i c c c a a a e e e m m m E E E d d d u u u c c c o o o m m m u u u n n n i i i c c c a a a ç ç ç ã ã ã o o o Patrícia Horta Alves Educom.rádio uma política pública em Educomunicação Banca Examinadora Presidente: ____________________________________ Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares ____________________________________ ____________________________________ ____________________________________ ____________________________________ São Paulo, de de 2007

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Patrícia Horta Alves Educom.rádio uma política pública em Educomunicação

Banca Examinadora

Presidente:

____________________________________

Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares

____________________________________

____________________________________

____________________________________

____________________________________

São Paulo, de de 2007

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A minha avó Eunice que

encheu a minha vida de ternura.

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Agradecimentos

Gostaria de agradecer em primeiro lugar ao meu orientador pela

amizade nestes quatorze anos de caminhos percorridos .

Agradeço também ao meu companheiro, de todas as horas,

Robson, a meus pais , meus irmãos, tias, tios, primos, primas e

sobrinhos, antes de tudo meus amigos e sempre presentes em

minha trajetória.

Vários amigos também tornaram este trabalho possível: Valdinete

de Souza, Cláudia Lago, Claudemir Viana, Richard Romancini,

Márcia Coutinho, Ana Marotto, Eliany Salvatierra, Marciel

Consani, Eliana Brito e Andréa Uglar,

Agradeço também aos professores doutores Dilma de Melo Silva

(USP) e Liana Gotlieb (Casper Líbero), que participaram da

banca de qualificação desse trabalho e contribuíram com

sugestões.

Também gostaria de lembrar de todos que participaram do

educom.rádio.

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RESUMO O projeto tem como objetivo analisar a formulação e implementação do Programa Educomunicação pelas Ondas do Rádio – EDUCOM.RÀDIO, em escolas públicas de ensino fundamental do Município de São Paulo (2001-2004) à luz do encontro entre as noções de política pública e extensão universitária, encontro este vivenciado nos projetos dirigidos pelo Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo. Palavras chaves: políticas públicas, governo local, cidade de São Paulo, educomunicação, extensão universitária.

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ABSTRACT

This work aims to analise the planning and implementation of EDUCOM.RADIO (“Educomunication by the Radio waves”), a program that happens in basic education public schools in the city of São Paulo (2001 - 2004). This theme is highlighted by the rush between public policy and extended learning, wich is experienced within the projects of NCE-ECA/USP (Communication and Education Group/ Communication and Arts School of São Paulo University). Keywords: public policies, local government, city of São Paulo, educomunication, extended learning.

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SUMARIO

INTRODUÇÃO 1

CAPÍTULO I - O NCE E A EDUCOMUNICAÇÃO

12

CAPÍTULO I - O NCE E A EDUCOMUNICAÇÃO

12

1. 1 – O NCE – NÚCLEO DE COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO

12

1.2 - GÊNESE TEÓRICA E PRÁTICA DA EDUCOMUNICAÇÃO

20

1.2.1 – ALGUMAS MATRIZES 20

1.2.2 – APERFEIÇOAMENTO DAS MATRIZES: APARECEM AS MEDIAÇÕES.

33

1.2.3 –COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO PARA O SÉCULO XXI: EDUCOMUNICAÇÃO.

41

CAPÍTULO II – POR UMA EXTENSÃO COMO (EDU)COMUNICAÇÃO

56

2.1 ALGUNS MARCOS DO DESENVOLVIMENTO DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA NO BRASIL.

57

2.2 - DUAS OBJEÇÕES À EXTENSÃO: PEDRO DEMO E PAULO FREIRE

67

2.3 - ASPECTOS INSTITUCIONAIS DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

72

2.4- À MANEIRA DE RÉPLICA 81

2.5 – EXTENSÃO COMO COMUNICAÇÃO 101

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CAPÍTULO III SÃO PAULO - A CIDADE E SEUS CONTRASTES

107

3. SÃO PAULO – A CIDADE E SEUS CONTRASTES

107

3.1. A URBANIZAÇÃO PRETÉRITA 115

3.2 SÃO PAULO: DE VILA NA CAPITANIA A CIDADE NA PROVÍNCIA

124

3.3. A METRÓPOLE DE SÃO PAULO – UMA SEGUNDA FUNDAÇÃO

132.

CAPÍTULO IV - SÃO PAULO UMA CIDADE EDUCADORA

151

4. SÃO PAULO UMA CIDADE EDUCADORA 152

CAPÍTULO V – EDUCOM.RÁDIO – RUMO A UMA CIDADE EDUCOMUNICADOR

172

5. – EDUCOM.RÁDIO – RUMO A UMA CIDADE EDUCOMUNICADOR

173

6.CONCLUSÃO 196

BIBLIOGRAFIA 216

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Um início de conversa...

Chegamos à Escola de Comunicações e Artes da

Universidade de São Paulo, em 1991, respondendo a um cartaz que

anunciava uma bolsa de Iniciação Científica1 em projeto2

coordenado pela Profª Drª Dilma de Melo Silva.

É com carinho que sempre lembraremos este primeiro

momento, pois foi aí que nos deparamos com o primeiro trabalho de

campo na nossa formação acadêmica. Em sua sala, ao sermos

entrevistada para a bolsa, a Profª Dilma nos falava da importância

do Programa de Iniciação Cientifica na carreira de um jovem que

inicia a graduação. Dizia ela então, num jeito descontraído e bem

particular: “Somos colegas, pois eu também vim das Ciências

Sociais. Não se acanhe nunca em me perguntar sobre as dúvidas

que venha a ter no curso”. Começamos assim nossa vida

acadêmica, em meio ao entusiasmo e rigor dessa pesquisadora.

Em 1993, sob recomendação da Profª Dilma, travamos nosso

primeiro contato com o conceito de “Educação para a Comunicação”

e passamos a integrar, também como bolsista de Iniciação Científica, agora vinculada ao CNPq3, a equipe do Projeto de

Pesquisa A Comunicação de Resistência no Movimento Popular

ligado à Igreja Católica4, que teve como coordenador o Prof. Dr.

1Uma das modalidades de bolsas concedidas aos estudantes de graduação para que, ligados a grupos de pesquisa, desenvolvam estudos financiados por agências de fomento. Essa modalidade tem como objetivo “despertar vocação científica e incentivar talentos potenciais entre estudantes de graduação, mediante participação em projeto de pesquisa, orientado por pesquisador qualificado” (http://www.cnpq.br/areas/pibic/index.htm). 2 A pesquisa Migrações Sociais e Redes Sociais, aqui mencionada, foi resultado de um projeto integrado entre universidades brasileiras (Universidade de São Paulo - USP e Universidade do Rio de Janeiro - UFRJ) e a Universidade de Hannover. O trabalho de campo no Estado de São Paulo, mais precisamente no Município de São Bernardo do Campo, ficou sob coordenação da Profª Drª Dilma de Melo Silva. 3 O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq é uma agência de pesquisa brasileira que tem como missão promover o desenvolvimento científico e tecnológico, necessário ao progresso do país, através do financiamento para execução de pesquisa. 4 A Pesquisa A Comunicação de Resistência no Movimento Popular ligado à Igreja Católica, obteve financiamento do CNPq (Processo Nº502071/91-5), sendo parte integrante das pesquisas desenvolvidas pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-

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Ismar de Oliveira Soares5.

Em 1996, é fundado o Núcleo de Comunicação e Educação6

na Escola de Comunicações e Artes, como resultado da iniciativa do

Departamento de Comunicações e Artes – ECA/USP de

institucionalizar as áreas de pesquisa7 vinculadas ao Programa de

Pós-Graduação em Ciências da Comunicação, visando o

aprofundamento de diferentes vertentes teóricas e o fomento de

pesquisas na área.

Estes espaços transformaram-se em sedes, no CCA, de parte

do trabalho de pesquisa. Nos Núcleos ou Laboratórios fundam-se os

grupos de estudos, desenvolvem-se cursos, organizam-se eventos

científicos, constituem-se de banco de dados e acervos

documentais, de onde surge o interesse em pesquisar políticas

públicas em Educomunicação decorreu de nossa atuação,

culminando com o convite para integrar a coordenação do Programa

Educomunicação pelas Ondas do Rádio entre 2001 e 2004, ....

Americanos – CBELA, como também das atividades acadêmicas promovidas pelo Departamento de Comunicações e Artes da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – CCA-ECA/USP no período de 1991 a 1993. Gostaríamos de nos ater um pouco a esta investigação por ela se tratar um marco em nossa formação acadêmica como pesquisadora na área, apontando experiências, que possibilitaram a convergência entre a comunicação de resistência e a educação conscientizadora na implantação de políticas de educação popular. Embora tenha ingressado no Projeto na fase de conclusão, este período se mostrou muito profícua, tendo em vista a leitura da bibliografia especializada e o contato freqüente com a equipe de pesquisadores: Prof. Ismar (comunicação impressa), Denise Cogo (comunicação radiofônica) e Francisco Sogari (comunicação audiovisual, com ênfase em vídeo). 5 Neste momento, gostaríamos de abrir um parêntese e atentar para o começo de uma parceria com o Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares, que, enquanto orientador, teve um papel fundamental em nossa vida acadêmica. O Prof. Ismar vem estabelecendo parâmetros para a nossa participação no debate para a legitimação do campo de inter-relação Comunicação/ Educação, possibilitando assim a reflexão que se concretizará com a finalização desta pesquisa. 6 O Núcleo de Comunicação e Educação foi aprovado pelo Conselho de Departamento de Comunicações e Artes em Reunião Ordinária de 04 de novembro de 1996 (INSTITUIÇÕES DO DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÕES E ARTES, 1996: 23). Neste mesmo ano, é eleita a primeira diretoria do NCE tendo como coordenador geral o Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares e como Conselho Consultivo as Professoras Doutoras: Maria Felisminda de Rezende e Fusari (FE-USP); Elza Dias Pacheco, Nelly de Camargo e Liana Gottlieb. 7 A linha de pesquisa Comunicação e Educação, entre 1992 e 1996, impulsionou o surgimento do NCE, do Laboratório de Pesquisas em Infância, Imáginário e Comunicação – LAPIC, do Centro de Cibernética Pedagógica – CCP e do Laboratório de Gestão de Processos Comunicacionais – CCA-ECA/USP.

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. HIPÓTESE

Esta tese que ora apresentamos visa estabelecer as linhas gerais

da análise de uma política pública em Educomunicação empreendida

pelo Núcleo de Comunicação e Educação da Escola de Comunicações

e Artes da Universidade de São Paulo (NCE-ECA/USP).

O seu foco volta-se, mais precisamente, para a análise das

estratégias escolhidas pelo NCE para a formulação, implementação e

avaliação do EDUCOM.RÀDIO na rede municipal de ensino fundamental

da Cidade de São Paulo em consonância com os processos políticos

desencadeados pela Secretaria Municipal de Educação e o contexto

institucional vigente.

Estes termos nos alicerçam na estruturação da nossa HIPÓTESE

CENTRAL: a de que o Programa Educomunicação pelas Ondas do Rádio – EDUCOM.RÀDIO se consistiu numa política pública em Educomunicação, fruto da relação estabelecida entre o Núcleo de Comunicação e Educação e a Secretaria Municipal de Educação.

Decorrem, a partir de tais considerações, outras QUATRO

HIPÓTESES ESPECÍFICAS:

PRIMEIRA HIPÓTESE ESPECÍFICA: a de que o EDUCOM.RÁDIO foi formulado como um conjunto de cursos de extensão universitária, na modalidade de Difusão Cultural, e ao longo de sua a implementação se transformou numa política pública em Educomunicação;

SEGUNDA HIPÓTESE ESPECÍFICA: a transformação do EDUCOM.RÁDIO em política pública está intrinsecamente ligada a existência de uma convergência entre o conteúdo do programa, os atores envolvidos e os mecanismos disponíveis para sua execução;

TERCEIRA HIPÓTESE ESPECÍFICA: a dimensão operacional do EDUCOM.RÁDIO propiciou o surgimento de redes sociais de implementação consolidada no decorrer do desenvolvimento da dimensão jurídico-administrativa do programa, ou seja, entre a

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primeira e sétima fases, apontando caminhos para definição uma política pública em Educomunicação.

QUARTA HIPÓTESE ESPECÍFICA: as redes sociais de implementação se configuram na esfera do local e se articulam na ordem do cotidiano.

Tomando particularmente a área educacional e os conceitos que

subsidiam o campo da Educomunicação, este trabalho aborda o ciclo de

vida do EDUCOM.RÁDIO como um marco de referência para a

consolidação de uma política pública em Educomunicação.... .transformando-se em objeto de nossa tese doutoral.

5. OBJETIVOS

O objetivo desta pesquisa é mapear e analisar a gênese e o percurso do EDUCOM.RÁDIO, com o intuito de investigar os processos político-administrativos e os conteúdos da política pública que caracterizam as especificidades e complexidade das redes de implementação, as atitudes e os objetivos dos atores políticos, os instrumentos de ação e os elementos de adaptação das estratégias políticas

Para que seja possível o alcance da meta pretendida faz-se

necessário a realização dos seguintes objetivos específicos:

• Analisar a política pública a partir do ponto de vista da ação do NCE;

• Concentrar a análise na natureza da política pública, que o

EDUCOM.RÁDIO, como problema-foco da nossa pesquisa, busca

responder;

• Descrever e analisar as etapas de formulação, implementação e

avaliação do EDUCOM.RÁDIO;

• Mapear e analisar as redes de implementação, consolidadas em meio

ao processo de implementação do EDUCOM.RÁDIO;.

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ABORDAGEM METODOLÓGICA

Esta investigação se inscreve no âmbito das relações entre

políticas públicas, extensão universitária e práticas

educomunicanicativas, que incorporam conceitos e categorias oriundos

dos campos da Comunicação, da Educação e das Ciências Sociais.

Partimos do pressuposto de que a formulação e implementação

do EDUCOM.RÁDIO nas escolas de ensino fundamental da rede

pública de São Paulo alterou os marcos que delimitavam uma formação

de professores para constituir-se numa política pública em

Educomunicação, na qual surgem novos elementos de ação e

participação concretizadas em redes sociais de implementação do

programa na esfera pública local, ou seja, no espaço da escola.

Esta pesquisa será desenvolvida partir de um estudo de caso,

que terá como unidade de análise o EDUCOM.RÁDIO.

Será aplicado o estudo de caso de tipo etnográfico como

defendem alguns autores ao se referirem a diferentes aplicações deste

método, apontando para outros desdobramentos deste procedimento.

O método etnográfico desempenha um papel central na

antropologia contemporânea e em suas interfaces com os estudos de

Comunicação, sendo aquele método muito caro para a teoria

interpretativa da cultura (GEERTZ: 1989).

Compreender a antropologia interpretativa significa desvendar a

prática etnográfica, definida por GEERTZ, como uma descrição densa,

isto é, uma análise e interpretação de estruturas superpostas de

inferências e implicações em busca de seu significado, com o objetivo

de alargar o conhecimento humano.

GEERTZ identifica três características na descrição etnográfica:

ela é interpretativa; o que ela interpreta é o fluxo do discurso social; a

interpretação tem por objetivo preservar esse discurso e fixá-lo em

formas pesquisáveis. Tal abordagem permite ao pesquisador ingressar

no universo conceitual onde vivem seus sujeitos, dialogar com eles,

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tentando manter a análise das formas simbólicas ligadas aos

acontecimentos sociais.

O mesmo ocorrendo em outros âmbitos disciplinares, como na

Sociologia, na Educação, entre outros.

Pela forma como será desenhada nossa estratégia de pesquisa

pode caracterizar nosso estudo como um estudo de caso do tipo etnográfico.

Assim, para que seja reconhecido como um estudo de caso

etnográfico é preciso, antes de tudo, que preencha os requisitos da

etnografia e adicionalmente, que seja um sistema bem delimitado, isto

é, uma unidade com limites bem definidos, tal como uma pessoa, um

programa, uma instituição ou um grupo social. O caso pode ser

escolhido porque é uma instância de uma classe ou porque é por si

mesmo interessante. De qualquer maneira o estudo de caso enfatiza o

conhecimento do particular. (ANDRÉ,1995: 31)

As justificativas para a escolha do método, citadas por ANDRÉ,

adequam-se aos nossos objetivos, na medida em que o estudo do

EDUCOM.RÁDIO compreende uma unidade particular, cujo forte

elemento de interesse, já referido, refere-se à constituição de política

pública em Educomunicação.

Apesar das criticas realizadas ao estudo de caso, acreditamos

em sua validade a partir de reflexões como as de LOPES (1990) quanto

à confiabilidade de uma pesquisa estar diretamente ligada ao exercício

da vigilância epistemológica que todo pesquisador deve manter ao

longo de uma investigação.

Para os resultados sejam obtidos, teremos inicialmente uma

análise descritiva, proveniente da pesquisa etnográfica, valendo de todo

o material colhido na pesquisa. A partir da descrição etnográfica e

recorrendo-me ao quadro de autores e conceitos que nortearão o

trabalho será possível esboçar uma análise interpretativa da

investigação realizada.

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CAPÍTULO I O NCE E A

EDUCOMUNICAÇÃO

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1. 1 – O NCE – NÚCLEO DE COMUNICAÇÃO E

EDUCAÇÃO

Para contextualizar o surgimento do Núcleo de Comunicação e

Educação da ECA/USP, faz-se necessária a referência a alguns

marcos precursores que influenciaram diretamente o processo que

culminou na sua formação e que se desdobra na sua atuação

subsequante.

No período de 1991 a 1993 dá-se, sob a coordenação do Profr. Dr.

Ismar de Oliveira Soares, a realização da Pesquisa A Comunicação de

Resistência no Movimento Popular ligado à Igreja Católica, obteve

financiamento do CNPq8 (Processo Nº502071/91-5), sendo parte

integrante das pesquisas desenvolvidas pelo Centro Brasileiro de

Estudos Latino-Americanos – CBELA., como também das atividades

acadêmicas promovidas pelo Departamento de Comunicações e Artes

da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo –

CCA-ECA/USP9.

Em 1994 realiza-se o Projeto A Comunicação Social na

Educação10, coordenado pelo Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares,

vinculado ao Laboratório de Gestão de Processos Comunicacionais

– CCA-ECA/USP. O projeto realiza a sistematização e edição de um

8 O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq é uma agência de pesquisa brasileira que tem como missão promover o desenvolvimento científico e tecnológico, necessário ao progresso do país, através do financiamento para execução de pesquisa. 9 Foi a partir de 1993 que passamos a integrar, na condição de bolsista de Iniciação Científica, o corpo de pesquisadores encarregados de realizar esta pesquisa. Vínhamos então de uma rica experiência, também como bolsista de Iniciação Científica, sob a orientação da Profa. Dra. Dilma de Melo Silva, de quem partiu a indicação para o trabalho junto ao projeto “A comunicação de Resistência no Movimento Popular Ligado à Igreja Católica”, que marcou o nosso primeiro contato com a noção de “Educação para a Comunicação”. 10 Dessa experiência participamos como colaboradora em apoio técnico.

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catálogo de cursos de curta duração (20 horas), destinados à

capacitar professores da rede pública de ensino.

Esses cursos abordavam os campos da inter-relação

Comunicação Social/Cultura/Educação, voltando-se às seguintes

temáticas11: teorias da recepção; comunicação e linguagem; cultura,

comunicação e educação; arte, comunicação e educação; leitura e

análise dos produtos da indústria cultural; comunicação e defesa do

consumidor; uso dos recursos da comunicação no ensino ;

planejamento e gestão da comunicação na educação.

Ainda em 1994, o Laboratório de Gestão de Processos

Comunicacionais – CCA-ECA/USP abre a primeira turma do Curso

de Pós-Graduação, Lato Sensu. Junto ao curso, cria-se um núcleo

de "Comunicação e Educação"12 e inicia-se uma pioneira publicação

periódica: a revista Comunicação e Educação, publicada em

parceria com a Editora Moderna. Trata-se do primeiro periódico editado

no país voltado especialmente para discutir, analisar e investigar as

questões relativas ao espaço comunicação/educação. Atualmente a revista

tem como parceiro para sua publicação a Editora Segmento.13

11 Sob Supervisão Geral do Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares, os cursos contavam com a coordenação dos professores doutores: Adilson Citelli , Dilma de Melo Silva, Elza Dias Pacheco, Heloisa Dupas Penteado, José Luís Proença, José Manuel Moran, Maria Aparecida Baccega, , Mary Enice Ramalho de Mendonça, Maria Felisminda de Resende e Fusari, Maria Lourdes Motter, Maria Nazareth Ferreira, Marília Franco, Sueli Mara S. P. Ferreira, Waldomiro Vergueiro, entre outros 12 Na Revista Comunicação & Educação (Ano I, NºI), a Profª Drª Maria Aparecida Baccega nos coloca que o objetivo básico desde núcleo de estudo (tenha-se claro que não se trata ainda do NCE, Núcleo de Comunicação e Educação, que só será fundado um pouco mais tarde, como adiante se verá) é a formação de profissionais capazes de “usar os recursos da comunicação/cultura no processo de ensino/ aprendizagem”; de “planejar os processos de comunicação/ cultura próprios do ambiente educacional” e de “desenvolver critérios e métodos para a análise das políticas e dos processos comunicacionais que se produzem através da indústria cultural, dos chamados meios massivos, como o cinema, a televisão, o rádio, os jornais, as revistas”. No mesmo artigo, a autora afirma que “o suporte da formação deste profissional é o que poderíamos chamar de uma ‘pedagogia para os meios’, enfocada a partir da ciência da comunicação, que apresenta uma natureza multidisciplinar e se constitui com base na transdisciplinaridade” (BACCEGA, 1994, p. 8-9). 13 Neste mesmo ano, iniciamos nossa contribuição para a Revista Comunicação & Educação, como colaboradora na Seção Boletim Bibliográfico, sob responsabilidade do Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares e da Profª Drª Anamaria Fadul, cabendo-nos a indicação de uma bibliografia especializada em Comunicação e Educação, como também a publicação da Videografia História para Professores de 2º Grau.

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Em 1996, tomamos parte, em nível de Iniciação Científica14, na

pesquisa orientada pelo Prof. Ismar Soares, que tinha por objetivo

realizar um mapeamento do perfil dos especialistas nas diversas

áreas da inter-relação Comunicação/ Educação.

Nesta pesquisa, nosso orientador propõe uma organização dos

dados a partir de uma relação prévia de nomes de pesquisadores e

agentes culturais por ele coletada em encontros, congressos,

seminários, centros de pesquisa e sedes dos programas voltados

para a temática Comunicação/ Educação, acrescida de um

levantamento bibliográfico a partir da produção acadêmica de alguns

especialistas da área (com atenção especial para a produção dos

países ibéricos e latino–americanos).

Elabora-se assim um rol de especialistas, intitulado Diretório

dos Especilistas e Investigadores em Comunicação e Educação15,

compondo uma amostragem significativa dos profissionais que

atuavam nesta área de convergência desses dois campos.

A sistematização do Diretório e o levantamento da produção

científica na área vão oferecer subsídios para a formulação de um

projeto integrado de pesquisa, intitulado A Inter-relação

Comunicação e Educação no âmbito da Cultura Latino-americana (o

perfil dos pesquisadores e dos especialistas na área), financiada

pela Fundação de Apoio à Pesquisa no Estado de São Paulo - O boletim pautava-se em pesquisa sobre o uso de filmes em vídeo como subsídio às aulas de história, desenvolvida a partir de catálogo13 elaborado pelo pesquisador Antônio Reis Junior, o que resultaria numa série de cursos e oficinas por nós oferecidos a professores de 1º e 2º graus, nos anos subseqüentes, promovendo estratégias para a leitura crítica da TV e do Vídeo em sala de aula. 14 Bolsa PIBIC-CNPq, intitulada O Perfil dos Especialistas nas diversas áreas da Inter-relação Comunicação/Educação, orientada pelo Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares, no período de 1996 a1997. 15 Através da produção científica dos “Seminários Latino-americanos de educação para a televisão”,promovidos respectivamente no Chile, em 1984;no Brasil, em 1986; na Argentina, em 1988 e no Chile, em 1990, foram produzidos relatórios que sedimentaram diferentes trabalhos de pesquisa na área da inter-relação Comunicação e Educação. A participação nesses seminários e em outros encontros e congressos internacionais que abordaram a inter-relação Comunicação e Educação permitiu ao pesquisador Ismar de Oliveira Soares, a formação do “Diretório de Especialistas em Comunicação e Educação”, com mais de mil endereços localizados em 48 países. (BARI, 2002. p. 6)

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FAPESP16 e pela Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade de São

Paulo.

Gostaríamos de ressaltar aqui a importância desta pesquisa17

na trajetória do NCE, dado o seu caráter fundador, paradigmático

para a legitimação de um campo de pesquisa que prevê a

aproximação de duas áreas distintas e consolidadas, a área da

Comunicação e a área da Educação.

Os resultados da pesquisa apontaram para a consolidação de

um novo campo de intervenção social, fundamentado na inter-

relação Comunicação/ Educação, ou simplesmente

Educomunicação, que inaugurava um novo paradigma discursivo

transverso, constituído por conceitos transdisciplinares com novas

categorias analíticas (SOARES, 1999, 23).

Em consonância com tais propósitos objetivou-se a

sistematização, avaliação e articulação das práticas dos

especialistas e pesquisadores, a partir de sub-áreas específicas,

ainda que complementares, denominadas: a) estudos

epistemológicos sobre o campo Comunicação/ Educação; b)

mediação tecnológica em espaços educativos; c) educação para a

comunicação; d) gestão da comunicação no espaço educativo18.

16A Pesquisa Integrada - A Inter-relação Comunicação e Educação no Âmbito da Cultura Latino-americana (O Perfil dos Pesquisadores e Especialistas na Área) - foi registrada como Processo FAPESP Nº 96/07259-2. 17 Equipe de Pesquisadores que integraram a Pesquisa Integrada FAPESP- A Inter-relação Comunicação e Educação no Âmbito da Cultura Latino-americana (O Perfil dos Pesquisadores e Especialistas na Área): Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares, Profª Drª Maria Cristina Costa, Profª Drª Yara Maria Martins Nicolau Milan, Prof. Dr. Pedro Gilberto Gomes, Doutoranda Angela Schaun, Doutoranda Nadia Lauriti, Doutoranda Maria Verônica R. de Azevedo, Doutoranda Margarita Victoria Gomez, Doutoranda Irenilda de Souza Lima, Doutoranda Ana Magda Alencar Correia, Mestra Hilana Reis, Mestrando Edson Gabriel Garcia, Mestranda Eliany Salvatierra, Mestranda Manoela Lopes Lourenço, Mestranda Patrícia Horta Alves, Mestranda Vânia Valente, Mestranda Valéria Aparecida Bari, Profa. Maria Noemi Gonçalves do Prado, Graduado Fernando Peixoto Vieira (FFLCH-USP). Graduandos: Mauricio Fiore, Janina Simioni, Beatriz de Mattos Flauaus e Leandro Saraiva, Grazia Burmann, Inna Thais Martins Fernandes, Tatiana Carla Santiago Macedo, Andréa Souza Ramos, Nicoli Chagas Rangel e André Tobler. 18 Ismar Soares (2000, p.23), posteriormente acrescenta mais uma sub-área ao rol aqui apresentado, a saber: “expressão artística mediada pela produção midiática”. O

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O ano de aprovação desta pesquisa, em 1996, marca também

a fundação do Núcleo de Comunicação e Educação19 na Escola de

Comunicações e Artes, como resultado da iniciativa do

Departamento de Comunicações e Artes – ECA/USP de

institucionalizar as áreas de pesquisa20, visando o aprofundamento

de diferentes vertentes teóricas e o fomento de pesquisas na área.

Estes espaços transformaram-se em sedes, no CCA, de parte do

trabalho de pesquisa. Nos Núcleos ou Laborátórios fundam-se os

grupos de estudos, desenvolvem-se cursos, organizam-se eventos

científicos21, constituem-se bancos de dados e acervos

documentais.

Importa destacar aqui a expressão formal dos objetivos do

Núcleo de Comunicação e Educação. São eles:

I. Favorecer a reunião de

especialistas envolvidos com programas e

projetos de intervenção cultural e/ou

pesquisas acadêmicas nas diversas áreas de

inter-relação Comunicação

social/Cultura/Educação, entre as quais:

artigo aqui citado apresenta e sistematiza dados e conclusões de pesquisa realizada pelo autor nos Estados Unidos entre 1999 e 2000, em projeto financiado pela FAPESP e desenvolvido na Marquette University, Wisconsin, EUA. 19 O Núcleo de Comunicação e Educação foi aprovado pelo Conselho de Departamento de Comunicações e Artes em Reunião Ordinária de 04 de novembro de 1996 (MALCHER, 2001, p. 110). Neste mesmo ano, é eleita a primeira diretoria do NCE tendo como coordenador geral o Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares e como Conselho Consultivo as Professoras Doutoras: Maria Felisminda de Rezende e Fusari (FE-USP); Elza Dias Pacheco, Nelly de Camargo e Liana Gottlieb. 20 Foi junto à linha de pesquisa Comunicação e Educação, entre 1992 e 1996, que se deu o surgimento do NCE, do Laboratório de Pesquisas em Infância, Imáginário e Comunicação – LAPIC, do Centro de Cibernética Pedagógica – CCP e do Laboratório de Gestão de Processos Comunicacionais – CCA-ECA/USP. 21 Em 1996, o NCE assumia a responsabilidade de sediar o I Congresso Internacional em Comunicação e Educação e I Encontro Mundial de Comunicação e Educação, promovido pelo World Council for Media Education – WCME, em parceria com o SESC-Pompéia, o Instituto Cultural Itaú e o Colégio rio Branco, reunindo 160 especialista de 60 países. A pesquisadora Valéria Bari em sua dissertação, intitulada Por uma epistemologia do campo da educomunicação: a inter-relação Comunicação e Educação pesquisada nos textos geradores do I Congresso Internacional de Comunicação e Educação, analisa o discurso dos especialistas na área.

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• a do estudo desta inter-relação

enquanto fenômeno cultural emergente;

• a do uso dos recursos da

comunicação (tecnologias educacionais) no

ensino;

• a da leitura “crítica” ou “ativa” dos

meios de comunicação na educação formal

ou não-formal;

• a da gestão da comunicação nos

diversos espaços onde se processa a

educação formal e não-formal;

II. Animar e articular grupos de

estudos avançados com programas e projetos

na área;

III. Realizar pesquisas que visem

identificar as vertentes teóricas que

sustentam as pesquisas e o trabalho de

intervenção cultural dos especialistas na

área;

IV. Colaborar na formação de novos

pesquisadores na área;

V. Criar um acervo documental,

levando em consideração vários tipos de

materiais impressos, audiovisuais e

multimediáticos;

VI. Difundir o banco de dados formado

a partir dos resultados de pesquisas

desenvolvidas na área da inter-relação

Comunicação social/Cultura/Eucação,

facilitando aos próprios especialistas e

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pesquisadores, bem como aos profissionais

da comunicação e da educação, o acesso às

informações sobre os referenciais teóricos e

metodológicos que sustentam os programas e

projetos de educação para com a

Comunicação Social;

VII. Promover a publicação de trabalhos

de interesse do Núcleo. (BACCEGA apud

MALCHER, 2001, p. 110)

Desde 1996, quando foi fundado, o Núcleo de Comunicação e Educação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São

Paulo (NCE-ECA/USP) tem atuado no sentido de ampliar e buscar

caminhos de integração da comunicação no espaço educativo. Para

isso, vem promovendo, sob coordenação geral do Prof. Dr. Ismar de

Oliveira Soares, uma série de pesquisas22, projetos, programas23, redes

sociais e eventos focados na inter-relação comunicação/educação. O

NCE defende a idéia de que esta inter-relação comunicação/educação

ganhou densidade própria e apresenta-se hoje como um campo de

intervenção social específico, denominado Educomunicação.

As práticas orientadas a partir dos princípios da Educomunicação

procuram propiciar a introdução dos recursos da informação e da

comunicação no ambiente educativo, não apenas como instrumentos

didáticos (tecnologias educativas) ou objeto de análise (leitura crítica

dos meios), mas, principalmente, como meio de expressão e de

produção de cultura.

22 Todas as atividades do NCE fundamentam-se em pesquisas acadêmicas, em nível de pós-doutorado, doutorado, mestrado e especialização, voltadas para identificar a natureza da inter-relação Comunicação/Educação. 23 Vide Quadro – Projetos e Programas. Anexo

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Ao longo da sua trajetória, o NCE transformou-se num espaço

agregador de pesquisadores24 e especialistas25, no qual o debate, os

estudos e as práticas da Educomunicação funcionam como

catalisadores e formadores de novas competências, informações,

“saberes”, possibilitando a disseminação e construção do conhecimento

e a legitimação de um campo deste estudo.

Para tanto, o NCE reúne docentes, pesquisadores e discentes de

pós-graduação e graduação de várias instituições nacionais e

internacionais, envolvidos com a área, objetivando o resgate, o acúmulo

e a disseminação de informações, apoiando para tanto pesquisas e

promovendo projetos e programas de extensão universitária.

24 Segundo o Banco de Dados da Biblioteca da ECA, www.rebeca.eca.usp.br, estão catalogadas 54 teses e dissertações sobre Educomunicação. Destes 54 trabalhos, 40 (28 dissertações e 12 teses) foram defendidos entre os de 1996 e 2004, entre os quais 80% estabeleceram um vínculo de pesquisa com o NCE. 25 Foram contratados entre os anos de 1998 e 2005, 862 profissionais liberais, entre supervisores coordenadores, palestrantes, mediadores e assistentes, para o desenvolvimento de projetos e programas promovidos pelo NCE (Vide Quadro Projetos e Programas – NCE).

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1.2. GÊNESE TEÓRICA E PRÁTICA DA

EDUCOMUNICAÇÃO

1.2.1 – Algumas Matrizes

O percurso que leva ao surgimento do campo de inter-relação

comunicação/educação compreende a assimilação de algumas

matrizes teóricas vinculadas a experiências práticas de comunicação

alternativa. Neste segmento queremos evocar duas das matrizes que

são, ao nosso ver, mais emblemáticas: a Leitura Crítica da

Comunicação e o modelo de experiência que deu conseqüência

prática a essa abordagem, a Comunicação de Resistência (também

chamada de Comunicação Popular ou Alternativa) capitaneada por

segmentos da Igreja Católica.

Em meados do século XX – período do imediato pós-guerra –

nos deparamos com os questionamentos da herança moderna de

uma crença universalizante no poder libertador que a técnica poderia

exercer na melhoria progressiva da vida humana.

O sonho alimentado no século anterior quanto à

presença de técnica para a libertação e a

emancipação do homem, começava a ser

questionado. Afinal, não só as duas grandes

guerras não levaram a isso, como todo o

processo pós-guerra, especialmente, a guerra

fria conduzia ao questionamento do próprio

modelo de sociedade em que imperava o poder

da técnica, como exemplo da própria

industrialização que alimentava o

desenvolvimento do capitalismo. O apelo às

categorias estruturais de explicação da vida

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individual, tanto a psicologia, quanto pelas

diferentes formas de organização da cultura e

da vida social, fazia ressurgir a busca da

compreensão da estrutura do todo como

determinante da relação com o particular. O

peso das estruturas sociais e econômicas,

como categorias explicativas da vida social,

justificava posturas que então começaram a

surgir a partir da economia, da antropologia e

da sociologia (SOUSA, 1999, p. 18).

É nesse contexto que se dá a emergência de uma Teoria Crítica

da Comunicação26. A Teoria Crítica representa um importante vetor

na análise da comunicação contemporânea. Para Mauro Wolf, a

identidade central desta teoria se daria na construção analítica dos

fenômenos que investiga simultaneamente e na como capacidade de

identificar em relação a esses fenômenos as forças sociais que

provocam.

A manipulação do público – perseguida e

conseguida pela indústria cultural entendida

como forma de domínio das sociedades

altamente desenvolvidas – passa assim para o

meio televisivo, mediante efeitos que se põem

em prática nos níveis latentes das mensagens.

Estas fingem dizer uma coisa e dizem outra,

fingem ser frívolas, mas, ao situarem-se para

além do conhecimento do público, forçam o

seu estado de servidão. (...) Através do

material que observa, o observador é

26 A Teoria Critica da Comunicação foi formulada a partir da produção teórica do Instituto de Pesquisas Sociais da Universidade de Frankfurt, à qual se vinculavam Theodor Adorno, Max Horkheimer, Walter Benjamin (década de 30) e , mais tarde, Herbert Marcuse.

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continuamente colocado, sem o saber, na

situação de absorver ordens, indicações,

proibições. (WOLF, 1987, p. 81)

Para Ismar de Oliveira Soares (1990), sempre preocupado em

identificar as linhas de convergência entre as concepções e análises

do campo da comunicação e do campo da educação, tais estudos se

processam no contexto de uma “vertente funcional-estruturo-

culturalista” de educação formal para a decodificação de imagens e

mensagens e têm como certo que, uma vez alertada sobre as

propriedades manipulatórias dos meios de comunicação de massa, a

população se protege de seus efeitos, não se deixando influenciar.

Ismar Soares ressalta contribuição de Antônio Pasquali (1963)

ao apontar o papel dos meios audiovisuais em sociedades

subdesenvolvidas como as latino-americanas, trazendo indicações no

sentido de alterar a produção de programas midiáticos, intervindo na

emissão, assim como no sentido de educar a população para se

posicionar frente aos meios de comunicação de massa dentro de um

processo de leitura crítica destes meios.

Tais estudos, chamados de leitura crítica da comunicação,

deram-se, numa primeira direção, a partir de uma abordagem

pautada na análise estrutural das narrativas, que, originada nos

estudos dos textos literários, é retomada nas abordagens dos textos

comunicacionais como, por exemplo, o discurso da imprensa e das

mensagens publicitárias. Outra direção, seguida pela mesma

corrente, foi a da análise das imagens, mensagens visuais cuja

particularidade requer elementos e aportes teóricos para um

tratamento que iria além das problemáticas primeiras da análise do

texto lingüístico.

No artigo Comunicação e Cultura de Resistência – uma

retrospectiva, Denise Cogo (1994) traça uma retrospectiva da relação

da comunicação com a cultura de resistência, refazendo o percurso

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dos estudos de Comunicação e a trajetória do movimento popular na

América Latina, fortemente centrada no ideário de educação

libertadora de Paulo Freire. A autora recupera o contexto da

contraposição entre essa nova concepção de cultura e a noção

mecânica de comunicação. Objetiva, assim, retomar o debate que

impulsionou, na América Latina, a partir da década de 70, as

primeiras experiências de comunicação de resistência27. Por noção

mecânica de comunicação a autora refere-se ao modelo clássico de

comunicação humana que consiste num processo linear composto de

três elementos essenciais: emissor, mensagem e receptor.

Essa concepção linear do processo de comunicação orientou

diferentes escolas e correntes de investigação sobre os meios de

comunicação, vertentes que surgiram inspiradas numa Teoria

Matemática da Informação28 desenvolvida por matemáticos no início

do século XX e que fez surgir os conceitos de Emissor e Receptor,

que serão mais tarde retomados pela Teoria da Comunicação.

A partir dos anos 40, a teoria matemática da

comunicação cumpre a função importante na

dinâmica de transferência e transposição de

27 A autora afirma que as primeiras experiências de comunicação de resistência assumem diferentes denominações, entre elas: comunicação popular, comunicação grupal, comunicação alternativa, comunicação dialógica, comunicação libertadora, comunicação participativa. 28 No Dicionário de Comunicação (RABAÇA ; BARBOSA, 2001, p. 721) o verbete “Teoria da Informação” aparece definido como “...uma teoria científica, voltada para a formulação e o entendimento matemático dos processos de transmissão de informações, ou seja, para o estudo do comportamento estatístico dos sistemas de comunicação. A necessidade prática de quantificação da informação, para definição de capacidade de determinados canais, determinou o surgimento da teoria da informação, inicialmente na engenharia de telecomunicações (como os estudos de Nyquist, Hartley e Shannon) e posteriormente aplicada também à engenharia eletrônica e à cibernética (como os trabalhos de Wiener). (...) Sobre a utilidade da teoria da matemática da informação para o estudo do processo comunicacional, Márcio Tavares d’Amaral observa que ‘tratar a comunicação através das categorias de informação, redundância, ruído e entropia é sem dúvida útil de um ponto de vista descritivo e operacional. Neste sentido, a teoria da informação há de servir a determinados setores da engenharia, à cibernética, à teoria dos sistemas, à sociologia. à economia e a outros setores das ciências humanas. Mas não poderá nunca esgotar nem dirigir o conhecimento global da comunicação. Não é nem toda a eventual ciência da comunicação, nem sua teoria piloto. Sob, esse aspecto, teoria da informação é rigorosamente diferente de teoria da comunicação’”

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modelos científicos próprios das ciências

exatas. Baseada nas máquinas de comunicar

geradas durante a guerra, a noção de

informação adquire definitivamente sua

condição de símbolo calculável.

(MATTELART ; MATTELART, 1997, p.41)

No âmbito da atividade educacional, podemos caracterizar esta

postura como estando vinculada a uma visão tradicional da

educação, centrada numa prática pedagógica na qual se espera do

professor (emissor) o máximo de eficiência na transmissão de

conteúdos e valores, tomados como informações, aos alunos, sendo

estes tomados como receptores. Para tanto, formulam-se estratégias

de ensino lineares e unidirecionais, nas quais são eliminadas, de

maneira coercitiva, se necessário, qualquer interferência (fonte de

ruído) externa ao programa previamente estabelecido pelo professor

para uma “boa aula”, esperando-se do aluno (receptor) um

comportamento passivo, de mero receptáculo de saberes e

informações.

O modelo matemático é criticado pela maneira como concebe a

troca de informações, baseada numa perspectiva de linearidade de

transmissão de mensagens que não prevê a interação e o diálogo

entre aqueles que participam do ato comunicativo. No campo

educacional, a crítica a este esquema de transmissão de

conhecimento, vertical e autoritário foi celebremente qualificado por

Paulo Freire como modelo de educação bancária. A crítica lançada

por Freire, como, de resto, o conjunto da sua contribuição teórica,

tem influenciado autores tanto no campo da comunicação quanto no

da educação.

A educação bancária se pode assim qualificar

como um tipo de comunicação informacionista.

O sujeito é imaginado como um receptáculo

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vazio de informação, como objeto da atividade

educativa o depósito último no processo da

recepção do saber. Em outras palavras, o

educando é um banco de dados sempre

disponível para extrair ou colocar cifras,

dados, informação e conhecimento solicitados

no momento que assim deseje o professor29.

(SIERRA, 2000, p.53).

Neste sentido, o educador Paulo Freire surge como o grande

inspirador para estudiosos latino-americanos que passam a

incorporar a corrente que pressupõe a comunicação dialógica e

libertadora como alternativa ao modelo linear vigente. Dentro desta

perspectiva, o diálogo e a participação se impõem como as grandes

chaves tanto para a construção de um novo modelo de comunicação,

como para o entendimento entre os universos, até então distintos, da

comunicação, da educação e da cultura.

A partir das relações do homem com a

realidade, resultantes de estar com ela e de

estar nela, pelos atos da criação, recriação e

decisão, vai ele dinamizando seu mundo. Vai

dinamizando a realidade. Vai acrescentando a

ela algo que ele mesmo é fazedor. Vai

temporalizando os espaços geográficos. Faz

cultura. (FREIRE apud COGO, 1994, p.5).

Sob estes parâmetros, comunicação, educação e cultura se

entrelaçam. Esta aproximação fornece o ponto de partida para

estudos centrados nos conceitos de comunicação participativa e

comunicação popular validados por estudiosos como Juan Diaz

29 Tradução livre

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Bordenave, Mário Kaplun e Jesus Martín-Barbero, como também para

experiências impulsionadas pela Igreja Católica.

Ao analisar a Comunicação de Resistência na Igreja Católica,

Ismar de Oliveira Soares (1994) contextualiza o momento abordado,

em que a Igreja apresentava ao mundo sinais renovadores de sua

doutrina.

Motivada por mudanças iniciadas pelo Concílio Vaticano II

(Roma, 1965) e aprofundadas pelos encontros promovidos pela

Conferência do Episcopado Latino-Americano – CELAM (Medellin,

Colômbia – 1968 e Puebla, México – 1979), a Igreja e os cristãos se

confrontam com a realidade, afirmando seus ideais de justiça,

solidariedade e dialogicidade (GOMES, 1995, p. 27). Tais mudanças

redimensionaram o papel do leigo na organização e sua atuação da

vida eclesial, como também conduziram a uma reorientação da

prática evangelizadora, colocando o desafio representado pela mídia

neste processo.

Assim, ganham nova dinâmica as práticas instauradas por

organizações do laicado com forte inserção na questão social, como

a JEC (Juventude Estudantil Católica), JOC (Juventude Operária

Católica) e JUC (Juventude Universitária Católica) 30.

Consoantes a isso, na América Latina em

geral e no Brasil em particular, surgiram

inúmeras organizações leigas que

proporcionavam campo de atuação para o

cristão em meio ao mundo no qual estava

inserido. A maior conseqüência disso, em

30 A chegada da Ação Católica no Brasil dá-se por volta de 1935. Na década de 50 e

60, ela se modifica para Ação Especializada, sendo constituída dos ramos juvenis (Juventude Agrária Católica – JAC, Juventude Estudantil Católica – JEC, Juventude Independente Católica – JIC, Juventude Operária Católica – JOC, Juventude Universitária – JUC) e dos ramos adultos, dos quais dois se firmaram (Ação Católica Independente – ACI e Ação Católica Operária – ACO). O termo especializada liga-se à especialização por setores da sociedade, sendo que cada um representava a Igreja no seu meio respectivo e o seu meio dentro da Igreja, trazendo-lhe os problemas e as preocupações. (WANDERLEY, 1984, p. 89)

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termos de Brasil, foi o surgimento das

Comunidades Eclesiais de Base. As CEBs são

a presença da Igreja nos movimentos

populares, muitos dos quais surgidos desde

1964, onde captavam, refletiam e atuavam

numa linha crítica. (GOMES, 1995, p. 28)

Ismar de Oliveira Soares (1988) atribui a Paulo Freire

significativa contribuição na concepção dos pressupostos básicos do

que posteriormente seria conhecido como Nova Teoria Cristã para a

Comunicação:

Nos núcleos das CEBs permanentemente

vivificados pela leitura da realidade à luz da

bíblia (círculos bíblicos) foi possível assimilar

os ensinamentos do Concílio dentro da

pedagogia democrática e dialógica da

comunicação interpessoal e grupal sugerida

por Paulo Freire no final da década de 50 e

início de 60. (SOARES, 1988, p. 337)

As concepções que ampararam essas atividades tiveram um

processo de gestação associado ao desenvolvimento de

investigações na América Latina entre as décadas de 60 e 80,

centradas na formulação de uma comunicação de resistência

fortemente vinculada à promoção da participação popular e formação

das camadas populares para uma leitura crítica dos meios.

Nesta linha, destacamos, como afirmamos anteriormente, as

obras de Juan Diaz Bordenave e Mário Kaplun, atentos à implantação

de políticas de educação popular e educação para os meios de

comunicação social. Os autores têm como foco central o conceito de

participação como determinante tanto para a prática da comunicação

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popular, como para a educação transformadora.

Para Juan Diaz Bordenave a comunicação alternativa visa

deliberadamente promover ou facilitar a participação e, portanto,

passa a denominar-se comunicação participativa ou participatória.

Na Comunicação Participatória todos os

interlocutores exercem livremente seu direito à

auto-expressão, como uma função social

permanente e inalienável; geral e

intercambiam seus próprios temas e

mensagens; solidariamente criam

conhecimento e saber, e compartilham

sentimentos; organizam-se e adquirem poder

coletivo; resolvem seus problemas comuns e

contribuem para a transformação da estrutura

social de modo que ela se torne livre, justa e

participativa. (BORDENAVE, 1983, p. 91)

Esse mesmo autor salienta o pré-requisito de uma situação de

liberdade para que possa se instaurar uma situação de comunicação.

Deste modo, quando temos processos sedimentados na opressão,

necessariamente temos uma condição de “não-comunicação” ou

“incomunicação”.

Para superar a incomunicação predominante na sociedade, Diaz

Bordenave propõe o planejamento do uso dos meios de comunicação

numa visão análoga à “pedagogia do oprimido”.

Não pedagogia para ele (oprimido), mas dele.

Os caminhos da liberação são o do oprimido

que se libera: ele não é a coisa que se resgata

é o sujeito que se deve autoconfigurar

responsavelmente. A educação libertadora é

incompatível com uma pedagogia que, de

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maneira consciente e mistificada, tem sido

prática de dominação. A prática de liberdade

só encontrará adequada expressão numa

pedagogia em que o oprimido tenha condições

de, reflexivamente, descobrir-se e conquistar-

se como sujeito de sua própria destinação

histórica. (FIORI apud BORDENAVE;

CARVALHO, 1979, p. 211)

A comunicação participatória é uma maneira de fazer

comunicação, necessariamente dialógica e multilateral dentro de

qualquer processo grupal ou coletivo originado de ambientes

educacionais, políticos ou técnicos. Para tanto requer a prática da

auto-expressão em liberdade, o espírito solidário, o planejamento da

ação e a criação conjunta do saber, do conhecimento.

Mário Kaplun (1985) ratifica a importância da educação na

prática da comunicação, afirmando que ao fazermos comunicação

popular almejamos sempre um resultado educativo. Daí conceber que

os meios de comunicação devem se colocar como geradores de uma

“educação transformadora”, porém pontua que para cada tipo de

educação podemos associar uma determinada concepção e uma

determinada prática de comunicação. Diante desta proposição retoma

os escritos de Juan Diaz Bordenave quando este assinala a

existência de três modelos fundamentais de concepções pedagógicas

de acordo com o quadro abaixo: Educação que enfatiza os

conteúdos; Educação que enfatiza os efeitos; Educação que enfatiza

o processo. As distinções entre esses modelos são apresentadas

esquematicamente por Kaplun no quadro que segue:

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QUADRO 1 - OS TRÊS MODELOS DA EDUCAÇÃO

OS TRÊS MODELOS DA EDUCAÇÃO

ENFASE NOS CONTEUDOS

ENFASE NOS RESULTADOS

ENFASE NO PROCESSO

CONCEPÇÃO BANCÁRIA MANIPULADORA LIBERTADORA TRANSFORMADORA

PEDAGOGIA EXOGENA EXOGENA ENDÓGENA

LUGAR DO EDUCANDO OBJETO OBJETO SUJEITO

FIO CONDUTOR PROFESSO – TEXTO PROGRAMADOR SUJEITO-GRUPO

RELAÇÃO AUTORITARIA – PATERNALISTA

AUTORITARIA – PATERNALISTA AUGESTIONADA

OBJETO AVALIADO ENSINAR – APRENDER (REPETIR)

TREINAR – FAZER PENSAR-TRANSFORMAR

FUNÇÃO EDUCATIVA

TRANSMISSÃO DE CONHECIMENTO

TÉCNICAS – CONDUTAS ENGENHARIA DO COMPORTAMENTO

REFLEXÃO – AÇÃO

TIPO DE COMUNICAÇÃO

TRANSMISSÃO DE INFORMAÇÃO

INFORMAÇÃO/ PERSUASÃO

COMUNICAÇÃO/ DIÁLOGO

MOTIVAÇÃO INDICIDUAL: PREMIOS E CASTIGOS

INDICIDUAL: ESTIMULO E RECOMPENSA

SOCIAL

FUNÇÃO DO DOCENTE ENSINAR INSTRUIR FACILITADOR/

ANIMADOR

GRAU DE PARTICIPAÇÃO MÍNIMA PSEUDO

PARTICIPAÇÃO MÁXIMA

FORMAÇÃO DA CRITICIDADE BLOQUEADA EVITADA ALTAMENTE

ESTIMULADA

CRIA TIVIDADE BLOQUEADA BLOQUEADA ALTAENTE ESTIMULADA

PAPEL DO ERRO FALHA FALHA CAMINHO / BUSCA

MANEJO DO CONFLITO REPRIMIDO ELUDIDODO ASSUMIDO

RECURSOS DE APOIO

REFORÇO TRANSMISSÃO

TECNOLOGIA EDUCATIVA GERADORES

VALOR OBEDIÊNCIA LUCRO UTILITARISMO

SOLIDARIEDADE/ COOPERAÇÃO

FUNÇÃO POLÍTICA CONFORMAÇÃO CONFORMAÇÃO/ ADAPTAÇÃO LIBERAÇÃO

FONTE: KAPLUN, 1985, p. 58

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Essa tipologia de modelos educativos orienta a análise de

Kaplun sobre as experiências de comunicação popular, embasada

na formulação e implementação de programas e políticas de

formação de comunicadores populares. Os modelos citados são

encarados como categorias de análise, tipos ideais, ou seja, nunca

podem ser encontrados em seu estado puro na realidade, conforme

esclarece o autor. Em ações comunicativas concretas, eles

interagem entre si.

Kaplun reconhece que privilegia a abordagem centrada no

processo como a possibilidade de plena participação do sujeito na

construção de uma educação problematizadora. É o modelo

pedagógico que Paulo Freire chama de “educação libertadora” ou

“transformadora”.

O que importa aqui, mais que ensinar coisas

e transmitir conteúdos, é que o sujeito

aprenda a aprender; que seja capaz de

raciocinar por si mesmo, de superar as

constatações meramente empíricas e

imediatas de seu entorno (consciência

ingênua) e desenvolver sua própria

capacidade de deduzir, de relacionar, de

elaborar sínteses.(KAPLÚN, 1987, p. 52)

Segundo Cogo (1994), o movimento popular não faz, portanto,

a comunicação pela comunicação, mas a pratica no marco de um

processo transformador no qual o componente comunicacional se

une ao pedagógico e organizativo. Neste sentido, a autora retoma

Mário Kaplún para quem a comunicação cumpre um papel

fundamental no movimento de base como instrumento de

organização e educação populares. Esta concepção se reflete no

trabalho das CEBs, ao propiciar um espaço que privilegia a fala,

valoriza as relações interpessoais e dinamiza a formação de seus

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participantes, constitui-se no berço e no motor de muitos

movimentos populares enquanto espaços alternativos de

transformação da sociedade. Citando Berger, a autora enfatiza a

importância da Igreja como uma das principais articuladoras do

movimento social dos anos 60 no Brasil, especialmente no que

concerne a expressão através da CEBs.

É neste período que as três formas de

comunicação se entrelaçam e representam

setores sociais claramente diferenciados. A

comunicação massiva se relaciona com os

interesses do capital internacional; a

comunicação alternativa com a organização

dos intelectuais em torno de um projeto

histórico nacional e a comunicação popular

com a organização dos movimentos sociais

de base (BERGER apud COGO, 1994, p. 10).

Deste modo, percebemos a estreita relação de via dupla entre

os movimentos sociais e a Igreja: as CEBs garantindo a presença da

Igreja nos movimentos populares, ao mesmo tempo em que servem

como um espaço de articulação destes movimentos de resistência.

No que concerne à relação entre Igreja, Sociedade e

Comunicação, a Igreja constata que “muitos destes meios estão

vinculados a grupos econômicos e políticos nacionais e

estrangeiros, interessados em manter o status quo social“

(ESTUDOS DA CNBB, 1997, p. 15). A constatação é determinante

para a ênfase dada pela Igreja à elaboração de projetos31 na área 31 Um dos projetos que merecem destaque foi elaborado pela UCBC - União Cristã Brasileira de Comunicação, prevendo cursos de educação para os meios. O programa, intitulado LCC – Leitura Crítica da Comunicação teve uma abrangência nacional e possibilitou uma aproximação com o movimento popular, dando vazão aos anseios da época por uma comunicação participativa. Como um espaço destinado ao debate social, possibilitando aí a reflexão e o questionamento das teorias e propondo reformulações das práticas da Comunicação então vigentes no Brasil e na América Latina, surge, em 1969, a UCBC.

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da comunicação e na formação das pessoas visando garantir às

comunidades maior capacidade expressiva frente à perspectiva de

denúncia dos fatores determinantes de manipulação ideológica que

sustentavam o que se entendia como uma “ordem de dependência e

dominação” da sociedade civil na América Latina.

1.2.2 – Aperfeiçoamento das matrizes: aparecem as mediações.

No fim da década de 1970, os estudos de comunicação na

América Latina começaram a evidenciar um deslocamento

metodológico que trará uma nova e promissora vertente para esse

campo de investigação científica. Trata-se não apenas de uma

operação teórica de ruptura, mas de uma reconfiguração de

perspectiva que transcende em grande medida as disputas

intelectuais e apresenta-se como resposta, no plano teórico e

metodológico, às mutações verificadas na constituição do social e

do político, mutações que se acentuariam nas décadas seguintes.

A nova postura metodológica é influenciada pela tradição dos

Estudos Culturais britânicos, que, segundo Martinez (1994), foi

pioneira em abrir possibilidades para uma teoria da interpretação,

formulando questões de cunho social sobre as práticas da classe

trabalhadora inglesa frente às forças ideológicas e hegemônicas. As

investigações supunham que os meios massivos exerciam uma

grande influência sobre a audiência, porém introduziam o fator de

reelaboração dos textos midiáticos pelos receptores que criavam

uma “cultura paralela” e expressavam suas aspirações por meio de

seus produtos e programas.

Nesse contexto, os estudos de E. P. Thompson e R. Hoggart

sobre a cultura dos trabalhadores tiveram grande importância.

Nestas obras temos a cultura sendo analisada a partir de dentro,

interpretada pela própria classe trabalhadora, que cria uma cultura

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paralela, resistente à massificação a que está exposta,

incorporando a cultura massificada e ressignificando-a para

expressar uma visão própria de mundo.

Até meados da década de 70, os teóricos consideravam que o

texto era a única forma de se chegar à interpretação de audiência.

Entretanto, a partir destas novas perspectivas teóricas, a etnografia

de audiência se converte num recurso importante para a

investigação qualitativa da recepção. Ela requer do pesquisador a

reconstrução do significado da mídia a partir do olhar do sujeito

(WHITE, 1998, p. 58). Os estudos de audiências nos forneceram

uma imensa variedade de interpretações entre os receptores e

destes frente às diversas mídias.

As novas possibilidades de abordagem da comunicação

abertas pelos teóricos ingleses propiciaram aos colegas latino-

americanos o encorajamento necessário para redirecionar o seu

olhar metodológico, voltando-o para o problema da recepção. Com

isto, rompiam com uma arraigada visão funcionalista que centrava a

sua atenção nos “meios”, reduzindo a abordagem da história da

comunicação à uma história dos meios contada a partir da relação

destes com as forças produtivas e com os interesses de classe.

Laivos desse funcionalismo se fizeram notar até mesmo em

manifestações do marxismo e da semiótica. À direita e à esquerda,

entre ilustrados e populistas, grassava a mesma visão de que o que

importava aos estudos da comunicação era compreender os

“efeitos” causados sobre uma massa indefesa de espectadores.

Para a esquerda, os “reflexos culturais” dos espectadores passivos,

assim como a maioria dos processos sociais, participaria da

reprodução automática da ordem social. Para o populismo de

inspiração romântica ou nacionalista, a comunicação de massa é a

fonte de uma influência deletéria que degrada a cultura popular,

sendo esta encarada como corpo coerente, unitário e original,

expressão acabada do autêntico.

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Com diferentes nuances, o que permanece aí é a visão mítica

de uma dominação globalmente unificada, seja pelo “imperialismo”,

seja pelas modalidades totalitárias de controle social mobilizadas a

partir de um Estado monolítico. No âmbito da comunicação, captada

de acordo com uma concepção instrumentalista dos meios com forte

inspiração do modelo informacional mcluhaniano, a massificação

generalizada seria o desdobramento de uma estratégia unitária de

dominação.

O que a nova postura metodológica dos estudos em

comunicação vem questionar é, para começar, essa visão de uma

dominação plenamente eficaz, sem brechas, sem fissuras, sem

contradições. Surge a percepção de que à dominação social

encontra não apenas aceitação, resignação e cumplicidade por

parte dos dominados, mas também exercícios pontuais de

resistência, de contraposição, de negação disseminadas numa

esfera social politizada em que surgem formas espontâneas ou

organizadas, individuais ou coletivas de reação à ordem dominante.

Da mesma forma, os meios de comunicação de massa não

constituem um vetor único de imposição cultural. A pretendida

linearidade da comunicação postulada pelos teóricos que vêem a

comunicação somente a partir dos meios, reduzida à informação

projetada por um único vetor, dá mostra de um cabal esgotamento

de suas ferramentas teóricas. Evidencia-se para os pesquisadores a

existência de uma outra “gramática”, de uma outra “lógica na

produção de sentido” que tem lugar na “experiência vital e social”

dos grupos e manifesta-se como “atividade de desconstrução que se

realiza na decodificação” (MARTÍN-BARBERO, 2004a, p. 113).

O massivo deixa agora de ser visto como uníssono tonitruante,

o espaço cultural perde a sua aparência uniforme e mostra-se

cindido por uma pluralidade de atores e identidades, matizado por

zonas de tensão que fazem da cultura um exercício permanente de

mediação da comunicação com o popular. Os receptores passam a

ser vistos como sujeitos não apenas da cumplicidade as também de

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um processo dinâmico e compartilhado de decodificação e réplica

ao discurso dominante. Patenteia-se, assim, a necessidade de levar

em conta a mediação que faz do massivo e do popular forças

interpenetrantes, de contextualizar a produção dos meios de

comunicação a partir da atividade social de produção de significados

que se dá no cotidiano das comunidades de receptores. Fica

evidente...

...a impossibilidade de seguir identificando o

massivo com o que acontece nos meios, já

que no massivo toma corpo um novo

paradigma cultural que ultrapassa os meios e

que nos obriga a referir o sentido destes, fora

deles mesmos, aos mediadores, aos modelos

culturais e por conseqüência aos contextos –

religioso, escolar, familiar, etc. – a partir dos

quais, ou em contraste com os quais, os

grupos e os indivíduos vivem essa cultura.

(MARTÍN-BARBERO, 2004a, p. 130)

Confrontada com a problemática da recepção e das

mediações, a pesquisa da comunicação passa a rever os seus

padrões epistemológicos na tentativa de encontrar formas de

interpretar cientificamente as dinâmicas de re-semantização que se

dão no espaço cultural. Da reconfiguração do aparato teórico-

metodológico necessário à explicação dos processos de

comunicação, surgem como estratégicos três campos de

investigação: “a ordem ou a estrutura internacional da comunicação,

o desenvolvimento das tecnologias que fundem as

telecomunicações com a informática e a chamada comunicação

participativa, alternativa ou popular” (MARTÍN-BARBERO, 2004a, p.

114).

Ao estabelecer como um dos seus centros de interesse a

comunicação participativa, a investigação científica é compelida a

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resgatar o popular da condição de subordinação a que o tinha

submetido os mandarins da cultura aristocrática e a teoria

mecanicista da comunicação começa-se a ver o popular como

constituído de uma dinâmica própria, jamais sufocada pelos intentos

massificadores da mídia ou pela superposição hierárquica da cultura

“esclarecida”.

Analiticamente, pode-se agora identificar o “popular como

memória”, relacionado a uma matriz cultural segregada, hostilizada

mas que resiste nos interstícios da vida cotidiana da comunidade,

nos bairros, nos mercados, nas praças, na vizinhança, nos

encontros familiares dos fins de semana, no intercâmbio simbólico

que esses espaços propiciam, fazendo circular livremente as senhas

de identidade, funcionando como ancoradouros da memória das

classes populares. Paralela a esta dimensão do popular, figura o

“popular-massivo”. Longe de ser apenas força esmagadora e

uniformizante, o massivo apresenta na relação com o popular a

ambigüidade de um e de outro. O massivo é negação mas também

mediação do popular. Nega, na medida em que atua por sobre as

diferenças, as identidades culturais, procurando homogeneizá-las

côo substância uniforme de uma mesma “massa”. O massivo é a

“imagem que a burguesia faz das massas” mas é também a imagem

da própria classe dominante que ela pretende ver interiorizada pelas

massas e modo a propiciar a legitimação da hegemonia burguesa.

No entanto, o massivo é também mediação do popular. A exemplo

do que fizeram os escravos trazidos da África para o Brasil colonial

– utilizando a iconografia cristã da Igreja como representações de

entidades das religiões africanas, que sobreviveram apesar das

interdições da Igreja e dos Senhores, o popular continua o trabalho

de ressignificação dos símbolos da cultura dominante, “moldando”

no material simbólico que lhe é oferecido pelos meios de

comunicação de massa a sua própria imagem identitária, a

expressão de suas expectativas e desejos, ressemantizando aquilo

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que lhes é oferecido como suposta causa eficiente de um mero

“efeito” (MARTÍN-BARBERO, 2004a, p. 121).

Por tudo isso, a compreensão da comunicação passa a

requerer por parte do pesquisador e do agente social que pretenda

protagonizar uma ação consciente na esfera da comunicação

popular já não pode centrar a sua atenção nos suportes técnicos e

nas mensagens, mas, sobretudo nos processos de mediação

impulsionados pela pulsão identitária de indivíduos e comunidades.

O resgate dos modos de réplica do dominado

desloca o processo de decodificação do

campo da comunicação, com seus canais,

seus meios e suas mensagens, para o campo

da cultura, ou melhor, dos conflitos

articulados pela cultura, dos conflitos entre a

cultura e a hegemonia. Aceitar isso é também

algo completamente diferente de “relativizar o

poder das mídias”. O problema de fundo

coloca-se agora em outro nível: já não no

nível das mídias, mas sim no dos

“mediadores” e dos modelos culturais.

(MARTÍN-BARBERO, 2004a, p. 127)

Entender as dinâmicas culturais através das quais a construção

das identidades se processa na contemporaneidade se torna tão

mais imprescindível quanto mais radical é a remodelação dos

espaços públicos na paisagem urbana das grandes cidades, e das

cidades da América Latina em particular. Cidades que se projetam

como desafio ao nosso entendimento de como se processa nelas

um ordenamento social malgrado a precariedade das políticas

públicas de habitação e serviços, a multiculturalidade, a

remodelação profunda dos antigos padrões de pertencimento étnico-

comunitários, movimentos maciços de migração, encolhimento do

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mercado de trabalho, insegurança, degradação da qualidade de

vida.

Atento ao que se passa nas megalópoles da América Latina,

Nestor Garcia Canclini observa:

As grandes cidades do continente, que os governos e os

migrantes camponeses imaginavam até há poucos anos como

avanços de nossa modernização, são hoje os cenários caóticos de

mercados informais nos quais multidões procuram sobreviver sob

formas arcaicas de exploração, ou nas redes da solidariedade ou da

violência. (CANCLINI, 1999, p. 18)

São mutações histórico-sociais dessa natureza que levam

autores com Canclini (1999) e Martín-Barbero (1997) a reinventar

instrumentos metodológicos capazes de alcançar algum potencial

explicativo diante de fenômenos como a “hibridização” ou a

“mestiçagem” das culturas populares. Beatriz Sarlo faz uma síntese

dessa discussão, e aponta ela mesma para a radicalidade do

desafio teórico posto pela realidade contemporânea.

No telhado das casas, nas ladeiras

enlameadas ocupadas pelas favelas, ao

longo das autopistas de acesso às cidades,

nos conjuntos habitacionais arruinados, as

antenas de televisão traçam as linhas

imaginárias de uma nova cartografia cultural.

(...). É preciso descartar qualquer idéia que

relacione o que está acontecendo com o que

aconteceu no passado: se é certo que

dificilmente se pode evocar a época em que

as culturas populares viviam em universos

absolutamente fechados, o que hoje se passa

tem uma aceleração e uma profundidade

desconhecidas (SARLO, 1997, p. 101-102).

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Nesse contexto, não é difícil compreender porque as

mediações – como zonas de articulação que se realizam em torno

das instituições e processos de produção de sentido que se dão nas

práticas cotidianas, que ocorrem entre as diversas esferas enquanto

negociação de sentidos entre o universal e o particular, entre o

público e o privado – se tornaram um aspecto chave para que

tenhamos acesso ao conhecimento da realidade contemporânea.

Não se trata, com em certos estudos da semiótica aplicada, de olhar

para um fenômeno da comunicação isolado e esmerar-se em

explicá-lo exaustivamente num exercício de virtuosismo erudito.

Trata-se agora de compreender o que se passa no nosso entorno

social e o que afeta decisivamente as nossas vidas. Que o conceito

de mediação tenha se tornado tão relevante apenas reflete o papel

estratégico que a comunicação desempenha atualmente na vida

social.

Mas trata-se também da apropriação das ferramentas

metodológicas que possam fazer alguma diferença quando se trata

de interferir politicamente na sociedade, propondo formas

alternativas de comunicação. E nesse aspecto a mediação também

adquire uma importância decisiva como chave para compreender os

processos que envolvem a comunicação na sua forma atual e para

resgatar o popular, conferindo-lhe uma oportunidade de manifestar-

se com autonomia. Compreender as mediações afasta

definitivamente a idéia de que são os meios e, dentre estes, apenas

os grandes meios podem desempenhar um papel relevante. O

argumento definitivo é, mais uma vez, de Martín-Barbero:

Embora dito de muitas maneiras e com

alcances muito diversos, desde os utópicos

até os fechados a possibilidades de

intervenção imediata, um propósito

fundamental parece definir o alternativo em

matéria de comunicação na América Latina:

transformar o processo, a forma dominante e

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normal da comunicação social, para que

sejam as classes e os grupos dominados os

que tomem a palavra. E, nesse sentido, a

comunicação alternativa não é aqui nada de

novo, já que, desde as experiências pioneiras

de Paulo Freire, projetadas depois a muitos

grupos em todos os países do continente,

tem estado ligada mais à liberação da fala, da

atividade e da criatividade popular que à

potência ou ao tipo de mídia utilizada. Isso é

importante. Isso é importante precisamente

para que se possa ir de encontro à moda que

nos chega, reduzindo o alternativo às

possibilidades “dialógicas” que abrem

algumas mídias novas. Não estou afirmando

que as alternativas de comunicação popular

devam ser unicamente marginais às grandes

mídias, que não podem existir aquelas

alternativas que envolvam as grandes mídias,

ou as mídias massivas; estou alertando

contra a velha e perigosa ilusão –

mcluhaniana – de que “o alternativo possa vir

do meio em si mesmo”. (MARTÍN-BARBERO,

2004a, p. 119-120)

1.2.3 –Comunicação e educação para o século XXI: Educomunicação.

A tentativa de recolocar a educação em sintonia com ambiente

social e cultural profundamente modificado pela presença das mídias,

pela globalização e pela reestruturação dos modos de ser e viver dos

indivíduos e grupos sociais exige que assumamos a tarefa de tentar

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compreender o processo de articulação entre a comunicação, a cultura

e a educação sob a influência das novas tecnologias da comunicação

que passaram a exercer um papel fundamental na sociedade

globalizada. Temos que enfrentar também o desafio de reformular a

nossa compreensão sobre o lugar, o papel e a importância da cultura na

sociedade, já que as antigas noções a esse respeito se tornaram

obsoletas em face da verificação de que a mediação tecnológica não é

mais apenas um acessório instrumental, mas adquiriu uma nova

espessura e densidade, convertendo-se em aspecto estrutural de um

processo social complexificado.

Educadores e pesquisadores precisam de novos instrumentos

teóricos e metodológicos que possibilitem a compreensão dos novos

modos de percepção e de linguagem, de uma nova sensibilidade

emergente que em pouco tempo alteraram profundamente o estatuto

cognitivo e as pré-condições institucionais do saber. Os aspectos mais

relevantes que hoje dizem respeito à atividade educacional não podem

ser compreendidos fora da relação que mantêm com a complexificação

que hoje verificamos nos processos de constituição da identidade

individual e coletiva, processos, que como vimos, são inseparáveis da

comunicação, da relação entre o popular e o massivo e da mediação

como dimensão vinculante da significação que os sujeitos atribuem ao

mundo e a si mesmos.

As três principais formas institucionais nas quais se baseou o

processo de construção da identidade individual e coletiva na

modernidade – o trabalho, a política e a escola – mostram-se agora em

estado de profunda crise, uma crise que tem abalado, para muitos, o

significado da existência, solapado as referências identitárias,

desintegrando a segurança que deriva do sentido de pertencimento,

fazendo com que indivíduos e comunidades sintam ameaçados os

centros estáveis de auto-afirmação. Uma paisagem cultural que há

algum tempo se tinha por mais ou menos inteiriça, ainda que dividida

entre uma cultura popular reverenciada pelos românticos e uma cultura

erudita celebrada pelos aristocratas, apresenta-se hoje fragmentada,

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multiplicando os referentes a partir dos quais os indivíduos e grupos se

reconhecem enquanto tais.

Não admira que, nesse contexto, os indivíduos reajam

violentamente na forma de exclusão do outro, como parte de um

mecanismo de defesa da própria identidade ameaçada. Ressurgem,

assim, os fundamentalismos religiosos, a xenofobia, a rigidez dos velhos

códigos morais numa busca desesperada por espaços reconhecíveis de

memória e solidariedade.

Uma reação coerente a esse panorama de fragilização dos

fundamentos identitários depende da construção de uma alternativa que

incorpore a diversidade cultural como valor a ser preservado; depende

da instauração de uma convivência multicultural capaz de propiciar

possibilidades de interação entre variadas experiências e memórias em

espaços comuns de sociabilidade. É imprescindível que, nesses

espaços, se propiciem as condições necessárias para a vigência de

uma forma de comunicação na qual o reconhecimento e a auto-

afirmação identitária de dê fora dos padrões hierárquicos tradicionais;

que se tornem espaços regulados por uma nova ética comunicacional a

partir da qual a identidade não resulta do gregarismo, da mera

aglutinação grupal, mas da possibilidade de expressão livre dos

desejos, crenças, sensibilidades e de tudo que possa constituir elos de

sentido, vinculações entre os indivíduos e os grupos. Trata-se de

construir canais de comunicação e participação com franco acesso e

franca liberdade de expressão a partir dos quais se dará o intercâmbio

comunicacional entre diferentes identidades.

Estamos diante da imperiosa necessidade de criar mecanismos

de promoção da cidadania política e cultural, mas não mais à maneira

moderna, que tenta colocar a cidadania acima das identidades de

gênero, étnicas, raciais. Busca-se agora uma cidadania não mais

baseada no universalismo mas no multiculturalismo, uma cidadania

acolhedora em relação às variadas manifestações da diversidade

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cultural, que reconheça plenamente todos os matizes de identidades e

de diferenças.

A educação mostra-se profundamente afetada pelas evidências

presentes nesse diagnóstico e pelas demandas dele resultantes. A

revolução tecnológica, que alterou profundamente os processos

simbólicos que constituem o ambiente cultural retirou da escola a

posição de centralidade que ela possuía em relação à cultura. A escola

deixou de ser o lugar por excelência do aprendizado. Verificamos hoje

que o ambiente educacional constitui um espectro difuso, desprovido de

centro, um ambiente que assume a forma de um “ecossistema

comunicativo” dinâmico, indiferente aos ritmos institucionais e que faz

circular uma grande multiplicidade de saberes e proporciona diferentes

formas de aprender.

No entanto, ainda é predominante uma postura de resistência por

parte da escola no sentido de manter-se como único lugar legítimo de

produção do saber, deixando de reconhecer que, por força dos fatos, já

perdeu essa condição. Essa resistência começa a sofrer abalos quando

professores e teóricos da educação são chamados a responder

indagações como as feitas por Martín-Barbero:

...que atenção estão prestando as escolas, e

inclusive as faculdades de educação, às

modificações profundas na percepção do espaço e

do tempo vividas pelos adolescentes, inseridos em

processos vertiginosos de desterritorialização da

experiência e da identidade, apegados a uma

contemporaneidade cada dia mais reduzida à

atualidade, e no fluxo incessante e embriagador de

informações e imagens? Que significa aprender a

saber no tempo da sociedade informacional e das

redes que inserem instantaneamente o local no

global? Que deslocamentos cognitivos e

institucionais estão exigindo os novos dispositivos de

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produção e apropriação do conhecimento a partir da

interface que enlaça as telas domésticas da televisão

com as laborais do computador e as lúdicas dos

videogames? Está a educação se encarregando

dessas indagações? E, se não o está fazendo, como

pode pretender ser hoje um verdadeiro espaço social

e cultural de produção e apropriação de

conhecimentos? (2001, p. 58-59)

O mesmo Martín-Barbero conclama a escola a abandonar a sua

postura de resistência e a incorporar as novas formas de sociabilidade,

de cultura e de saber que já fazem parte do cotidiano de crianças e

jovens; convida-a a abrir-se para abrigar as novas formas de identidade

das novas gerações.

...que a escola – da primária à universidade – pense

menos nos efeitos ideológicos e morais dos meios, e

mais no ecossistema comunicativo que configura a

sociedade ao mesmo tempo como modelo e trama de

interações, conformada pelo conjunto de linguagens,

escrituras, representações e narrativas que alteram a

percepção das relações entre o tempo do ócio e o do

trabalho, entre o espaço privado e o público,

penetrando de forma já não pontual – pela imediata

exposição ao, ou em contato com, o meio – mas

transversal a vida cotidiana, o horizonte de seus

saberes, gírias e rotinas. (MARTÍN-BARBERO, 2002,

p. 56-57)

Estamos hoje diante de uma profunda transformação que

estabelece uma relação inaudita entre a cultura, a tecnologia e a

comunicação; que reintegra ao campo da cultura o mundo dos sons e

das imagens que foi desprezado pelo discurso lógico e pela

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racionalidade ocidental. O hipertexto, fazendo interagir sons, imagens e

textos; o audiovisual, o rádio, a imprensa (que se preserva ao lado das

contínuas inovações tecnológicas no campo das mídias), tudo isso

contribui para tornar mais espessa a esfera da circulação de símbolos,

feita agora de “hibridizações” com as quais as novas gerações se

familiarizam cada vez mais precocemente.

Contudo, a escola cometeria um grande erro se tentasse se

adaptar a essa realidade partindo do uma visão mecanicista, tecnicista,

limitando-se a aparelhar-se com as novas tecnologias, mas mantendo

intactas os velhos procedimentos de ensino baseados na idéia de

transmissão do saber. Isso constituiria uma falsa resposta aos desafios

colocados pelo ambiente cultural. Equipar-se com novos suportes

técnicos não significa que a escola tenha compreendido a papel

estratégico que tem a comunicação para a educação.

Ao reduzir a comunicação educativa à sua dimensão

instrumental, isto é, ao uso das mídias, o que se

deixa de fora é justamente aquilo que é estratégico

pensar: a inserção da educação nos processos

complexos de comunicação da sociedade atual, no

ecossistema comunicativo que constitui o entorno

educacional difuso e descentrado produzido pelas

mídias. Um entorno difuso de informações,

linguagens e saberes, e descentrado com relação

aos dois centros – escola e livro – que ainda

organizam o sistema educativo vigente. (MARTÍN-

BARBERO, 2001, p. 59)

O que importa é que a escola seja capaz de incorporar a

mediação, nos termos já definidos aqui, ao seu ambiente interno. E isso

implica em abrir-se à incorporação do entorno comunicacional feito de

trocas simbólicas, de processos de ressignificação através dos quais os

indivíduos afirmam a sua subjetividade e a sua identidade. Implica em

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ter uma clara visão da inter-relação entre comunicação e educação que

foi preconizada entre nós por Paulo Freire.

A “pedagogia da autonomia”, de Freire, propõe uma ruptura com

os padrões pedagógicos tradicionais baseados na relação hierárquica

fundada no monopólio do saber pelo professor e numa estratégia de

transmissão desse saber para o aluno. Contrário a essa distinção entre

um sujeito que sabe e um outro que supostamente nada sabe e que

apresenta-se, portanto, como um mero objeto da ação do primeiro,

Paulo freire propõe uma pedagogia baseada na “intersubjetividade”, na

“intercomunicação”, na interação entre sujeitos que são “co-

participantes” da produção compartilhada do conhecimento, “sujeitos

interlocutores” atuando em condições de plena reciprocidade. É esse

modelo de ação educativa, fundamentalmente baseada na

comunicação, que Paulo Freire chama de “educação como prática da

liberdade”:

...para nós, a “educação como prática da liberdade”

não é a transferência ou a transmissão do saber nem

da cultura; não é a extensão de conhecimentos

técnicos; não é o ato de depositar informes ou fatos

nos educandos; não é a “perpetuação dos valores de

uma cultura dada”, não é o “esforço de adaptação do

educando a seu meio”. Para nós, a “educação como

prática da liberdade” é, sobretudo e antes de tudo,

uma situação verdadeiramente gnosiológica. Aquela

em que o ato cognoscente não termina no objeto

cognoscível, visto que se comunica a outros sujeitos,

igualmente cognoscentes. (FREIRE, 1977, p. 78)

Martín-Barbero (2001, p. 17), que atribui a Paulo Freire o papel de

fundador de uma teoria da comunicação genuinamente latino-

americana, resgata a contribuição teórica do autor brasileiro e propõe

que, inspirados em Freire, comecemos a pensar numa “alfabetização

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em comunicação”, pensando agora numa ruptura da hierarquia dos

códigos que permita que as imagens e símbolos que povoam o nosso

ambiente comunicacional sejam legitimamente incorporados ao

intercâmbio simbólico promovido pela escola no intuito de permitir a

auto-afirmação dos sujeitos no processo de comunicação. Pois toda

prática autêntica de comunicação, seja qual for o código utilizado, é

válida quando se tem em mente a emergência do sujeito autônomo. O

importante é que haja aí a reciprocidade indispensável para que se

funde a “dialogicidade” defendida por Paulo Freire e reafirmada por

Martín-Barbero: “o eu não se torna real a não ser na reciprocidade da

interlocução.” (2001, p. 34)

Tudo isso é condição para uma ruptura com a “cultura do silêncio”,

baseada em códigos de humilhação, submissão e alienação e que

resulta na negação da qualidade de sujeito do aluno e do outro, de

forma geral. A cultura do silêncio confisca a subjetividade, impedindo o

sujeito de “dizer-se a si mesmo”. A escola é tributária freqüente dessa

forma de autoritarismo, produzindo a violência simbólica que, desvelada

pela crítica de Martin-Barbero, evidencia que “o gosto pela palavra oca,

pelo falatório, é apenas a contraface do mutismo profundo que se

expressa na ausência de participação e decisão” (2001, p. 25-27).

Uma outra contribuição teórica importante na tarefa de pensar a

relação entre a educação e a comunicação é a que nos é oferecida por

Guillermo Orozco Gomes (1997).

Orozco situa alguns desafios cujo enfrentamento é necessário para

que a escola e a educação se ponham em sintonia com o novo

ambiente cultural proporcionado pela influência das mídias. Como

dimensões desses desafios ele identifica a dimensão dos conteúdos

que compreende os aspectos quantitativos e qualitativos da torrente de

mensagens que os meios fazem circular, mensagens que estão

relacionadas a variados aspectos da vida social, econômica e política.

O segundo aspecto fundamental destacado pelo autor diz respeito

à forma e diz respeito à capacidade que os meios de comunicação têm

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de produzir e transmitir mensagens cujo significado se constitui do

entrecruzamento entre diferentes linguagens, que articulam signos e

códigos com novos aparatos tecnológicos. Esse processo já tornou

possível, segundo Orozco, distinguir uma linguagem “videotecnológica”

bastante diferente das linguagens convencionais (oral, escrita, visual e

audiovisual). Diz Orozco:

Estamos atualmente assistindo ao

desenvolvimento de elementos e combinações

semióticas novas e distintintivas que começão a

ser os sistemas lingüísticos do futuro e que se

diferenciam dos anteriores a partir da lógica de

suas articulações. Assim, vários pesquisadores

fizeram notar que a lógica gramatical que

permite articular tanto a linguagem escrita

quanto a oral, e que de alguma maneira

também se encontra na linguagem visual (ainda

que essa já se diferencie precisamente por

compartilhar também a lógica da imagem),

desaparece para dar lugar a uma lógica

videotecnológica, na qual a racionalidade deixa

espaço a uma caprichosa justaposição de

signos de diversos tipos e procedências

(visuais, auditivos etc.) com a finalidade de

espetáculo. (1997, P. 58)

Há ainda a dimensão da eficácia da aprendizagem que provém

dos Meios de Comunicação de Massa, eficácia que seria evidenciada

no fato de que os jovens aprendem mais e mais rapidamente a partir do

contato com os MCM. Essa eficácia estaria, segundo o autor, colocando

a escola em desvantagem. Há, finalmente, a dimensão da relevância

atribuída pelas crianças e jovens aos conteúdos que lhes são acessíveis

através dos meios de comunicação. Eles atribuem uma importância

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muito mais significativa ao que lhes chega através da TV, do rádio, da

Internet do que àquilo que a escola lhes apresenta de forma pouco ou

nada atraente.

A partir desse elenco de desafios impostos à escola pelos meios

de comunicação, Orozco propõe uma opção para a escola e para a

educação – praticar o que ele chama de “jogo da mediação”:

...os desafios educativos que nos colocam os Meios

de comunicação de Massa nos empurram a um

dilema: ou enfrentamos os MCM com astúcia,

estratégia e métodos ou corremos o risco de perder a

relevância como educadores. Isto é, corremos o risco

de ficar fora da “jogada educativa” (1997, p. 61).

E acrecenta:

Isso coloca um super desafio educativo a todos os

que estamos no jogo e queremos continuar dentro da

cancha: ou fazemos dos meios aliados ou os MCM

seguirão sendo nossos inimigos e competindo

conosco, deslealmente, fazendo-nos perder

relevância na educação das crianças e, finalmente,

deixando-nos marginalizados de seu

desenvolvimento educativo real, ou seja, esse que se

dá fora do espaço da escola. (1997, p. 62)

Praticar o jogo da mediação significa, neste caso, significa abrir

espaços de interlocução, reciprocidade, dialogicidade, abertura em

relação às novas linguagens e códigos e uma atuação do educador no

sentido de estabelecer uma postura problematizadora através da qual a

escola se apropria dos temas do cotidiano e os converte em

conhecimento coletivamente produzido. O jogo da mediação implica

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também numa concepção de educação que não se restringe ao espaço

institucionalizado da escola:

É necessário exercer explicitamente uma mediação

que oriente a aprendizagem dos estudantes fora da

aula, que permita recontextualizá-la, sancioná-la sob

diversos critérios éticos e sociais, permitindo

aproveitar o que de positivo oferecem os MCM,

capitalizando para a escola a informação e as demais

possibilidades que esses meios nos trazem. Para

dizê-lo de maneira simples e em relação ao meio que

mais dores de cabeça nos causa, a TV: de

professores repressores (mas com pouca eficácia)

dos alunos por ver tanta TV, há que se passar a ser

professores mediadores das distintas experiências

como telespectador. (1997, p. 63)

A Educomunicação as matrizes teóricas que se baseiam em

conceitos como dialogia, mediação, comunicação alternativa,

comunicação participativa. Autores como Paulo Freire, Martín Barbero,

Mário Kaplun, Guillermo Orozco Gómez entre outros constituem

referências da reflexão sobre o que-fazer educomunicativo. Essas

referências, aliadas a intervenção prática e a contínua reflexão sobre

elas permitiram que chegássemos a uma concepção de

Educomunicação como a que expressa o professor Ismar de Oliveira

Soares:

Educomunicação é o conjunto das ações

inerentes ao planejamento, implementação e

avaliação de processos, programas e

produtos destinados a criar e fortalecer

ecossistemas comunicativos em espaços

educativos presenciais ou virtuais (tais como

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escolas, centros culturais, emissoras de TV e

rádios educativos, centros produtores de

materiais educativos analógicos e digitais,

centros digitais, centros coordenadores de

educação à distância, e outros), assim como

melhora o coeficiente comunicativo das ações

educativas, incluindo as relacionadas ao uso

dos recursos da informação no processo de

aprendizagem.

O sentido desta definição requer que a tomemos como síntese,

culminação mais ou menos feliz de uma série de pressupostos que

resultam numa fórmula aglutinadora. Contextualizar o conceito de

Educomunicação em relação a alguns aspectos teóricos que lhe

servem de pressupostos foi o objetivo deste segmento do nosso

trabalho. O caráter parcial que esse objetivo assume aqui ficará

evidente por si mesmo e é inevitável em face do vasto e crescente

acervo bibliográfico dedicado ao tema da inter-relação

comunicação/educação.

A definição acima referida resulta de um processo teórico e

prático que, ao longo dos últimos anos, tem sido empreendido pelo

Núcleo de Comunicação e Educação no sentido de testar a validade

de uma hipótese que se apresentou a partir das pesquisas já

mencionadas: “A hipótese (...) de que efetivamente já se formou,

conquistou autonomia e encontra-se em franco processo de

consolidação um novo campo de intervenção social a que

denominamos de inter-relação comunicação/educação” (SOARES,

2000b, p. 21). Esse campo de inter-relação se efetivaria, ainda

segundo Ismar Soares, em quatro áreas vistas como autônomas

pelos atores sociais que as assumiriam na prática. Seriam elas:

1) A área da educação para a comunicação,

constituída pelas reflexões em torno da

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relação entre os pólos vivos do processo de

comunicação (os produtores, o processo

produtivo e a recepção de mensagens), assim

como no campo pedagógico, pelos programas

de formação de receptores autônomos e

críticos frente aos meios (...) 2) A área da

mediação tecnológica na educação, [que]

compreende o uso das tecnologias da

informação nos processos educativos (...) 3) A

área da gestão da comunicação no espaço

educativo, voltada para o planejamento,

execução e realização dos processos e

procedimentos que se articulam no âmbito da

Comunicação/Cultura/Educação, criando

ecossistemas comunicativos (...) 4) A área da

reflexão epistemológica sobre a inter-relação

Comunicação/Educação como fenômeno

cultural emergente... (SOARES, 2000d, p. 39-

41)

O fato de o NCE, a partir do trabalho educomunicativo que ele tem

realizado ao longo dos últimos anos, ter sido convocado para a

implementação de uma política pública de combate à violência na

cidade de São Paulo é ilustrativo da legitimidade que a

Educomunicação tem adquirido como campo de intervenção social.

Educadores, governos e a sociedade civil estão progressivamente

reconhecendo esta legitimidade e identificado o potencial transformador

que a Educomunicação pode desempenhar em questões de interesse

público que antes eram vistas como problemas a serem enfrentados

com medidas de caráter gerencial-administrativo e mesmo de caráter

policial e hoje são vistas como problemas que podem ser enfrentados

com ações educomunicativas de construção da cidadania. É o caso do

problema da violência.

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Educomunicação é chamada a mostrar que a violência não é

apenas aquela que se dá sob a forma de confronto físico ou verbal

ostensivo. A agressão física, a tentativa de ferir ou aniquilar fisicamente

o outro é apenas uma das formas de violência praticadas na vida social.

Violência é toda tentativa de violação do ser do outro, da sua identidade

individual e coletiva, da sua condição de sujeito. O que é mais

característico da violência é que ela opõe um sujeito a um objeto da

ação violenta. Quem é vitima da violência vê-se, no momento em que a

violência é praticada, reduzido à condição de objeto da ação violenta de

outro, o sujeito. Pelo que depreendemos da crítica que Paulo Freire faz

a uma educação que pretende se fazer como transmissão, e não como

co-intencionalidade de sujeitos interagindo dialogicamente no processo

de co-produzir o conhecimento, fica claro que a escola promove a

violência quando reserva para uns a condição de sujeito e para outros a

condição de objeto da ação educativa. E trata-se aí de uma violência

particularmente perversa, porque prescrita institucionalmente e

socialmente legitimada: a afirmação da “autoridade pedagógica” por

meio da “violência simbólica” enquanto...

...inculcação de um arbitrário cultural realizando-

se numa relação de comunicação pedagógica

que não pode produzir seu efeito próprio, isto é,

propriamente pedagógico, do mesmo modo que

o arbitrário do conteúdo inculcado não aparece

jamais em sua verdade inteira... (BOURDIEU;

PASSERON, 1992, p. 26)

Ora, na medida em que se compromete a romper com os padrões

hierárquicos de uma educação fundada na idéia de transmissão do tipo

que nega-se a reconhecer no aluno a figura de um co-produtor do

conhecimento, privando-o do direito de pronunciar a sua própria palavra,

expressão da sua identidade sócio-cultural; na medida em que se

empenha em abrir canais de expressão e participação, em franquear

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espaços para o pronunciamento da subjetividade de todos os envolvidos

nas ações da escola, a Educomunicação está se propondo, entre outras

coisas, a combater a violência simbólica praticada nos espaços

escolares. E enfrentar a violência simbólica é enfrentar, de modo não

tão indireto quanto se imagina, outras formas de violência, como a

violência doméstica, policial e urbana em geral, pois estas são, na

verdade, variações daquele modelo fundamental e, em muitos casos,

determinante: a violência simbólica.

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CAPÍTULO II POR UMA EXTENSÃO COMO

COMUNICAÇÃO

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CAPÍTULO II – POR UMA EXTENSÃO COMO

COMUNICAÇÃO

2.1 Alguns marcos do desenvolvimento da Extensão Universitária no Brasil.

Não se têm uma definição conceitual da Extensão Universitária

que contemple a diversidade de formas que ela assume em diferentes

momentos históricos e na expressão prática de diferentes iniciativas.

Sendo uma atividade “com historicidade própria, em que, muitas

vezes, mesmo sem o apelo da denominação ‘Extensão’, tem-se ações

que podem ser enquadradas como tal” (ROCHA, 2001, p. 13), o

chamado “extensionismo”32 suscita intensa polêmica num contínuo

debate em que se confrontam posições que, para além da

generalidade do conceito, visam estabelecer um perfil apropriado para

a prática da Extensão que seja coerente com as atribuições precípuas

da Universidade.

De todo modo, num contexto contemporâneo, podemos afirmar

que a Extensão Universitária é uma modalidade de ação da

Universidade que deriva de um duplo influxo: de um lado há a

ascendência da sociedade civil e do Estado no sentido de que a

instituição social encarregada de produzir conhecimento deva se 32 Roberto M. G. Rocha (2001, p. 13) define o extencionismo como “a ação decorente do exercício da Extensão Universitária em suas vária modalidades ou formulações em que se incluem: cursos de Extensão; atividades de assistência técnica; prestação de serviços no campo social, no educacional, no sanitário, no jurídico e no de difusão cultural; atuação em projetos de ação comunitária ou similares; assessorias ou consultas; realização de levantamentos; elaboração de planos e projetos; difusão de resultados e pesquisas.” Essa definição, válida no seu aspecto formal, deixa em aberto a decisiva questão que definirá o estatuto acadêmico da extensão: a de como essa atividade se articula com o Ensino e a Pesquisa.

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encarregar também de reverter parte desse conhecimento em favor

daqueles que a ele não tiveram o acesso devido e que se vêem em

estado de carência material e organizacional para o enfrentamento

dos problemas que os afetam. De outra parte, há a ascendência da

própria Universidade, personificada nos seus principais segmentos

internos – professores e alunos –, que vêem a atividade de Extensão

como algo que, articulado ao Ensino e à Pesquisa, confere uma

dimensão empírica ao processo de construção do conhecimento,

propiciando a alternância dialética entre teoria e prática como requisito

epistemológico para uma melhor qualidade científica do conhecimento

produzido, além de agregar um valor humano e político à existência da

Universidade33.

No Brasil, a Extensão Universitária possui uma história que

pode ser vista de forma panorâmica pela identificação de alguns de

seus marcos mais importantes em termos de formulação e

implementação.

As primeiras experiências de Extensão Universitária no país se

dão a partir de 1911, com a criação da Universidade de São Paulo.

Pesa, nesse início, a influência da experiência da Universidade de

Cambridge, na Inglaterra, em meados do século XIX, quando a

Universidade voltou-se para a Extensão como uma forma de

diversificar as suas atividades em vista das necessidades geradas

pela Revolução Industrial e promoveu “cursos voltados para os

ausentes da instituição que, sem formação acadêmica regular,

desejam obter maior grau de instrução” (TAVARES, 2001, p. 74). Igual

influência derivou de um modelo norte-americano, do mesmo período,

em que a Extensão Universitária se deu sob a forma de “experiências

do extensionismo cooperativo rural que serão os núcleos do

surgimento das Escolas Superiores Rurais ou Universidades Rurais”

(ROCHA, 2001, p. 17). A importação desses modelos influenciará 33 Veremos mais adiante que essa necessidade epistemológica pela qual a Universidade justifica a Extensão está associada a interesses mais concretos, interesses políticos e materiais que uma perspectiva sociológica sobre o funcionamento do “campo científico” pode identificar.

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tanto a promoção de cursos e conferências gratuitos e abertos ao

público em geral na USP logo a partir da sua fundação quanto a

criação, na década de 20, da Escola Superior de Agricultura e

Veterinária de Viçosa/MG e da Escola Agrícola de Larvas/MG, ambas

voltadas para a prestação de serviços na área rural e a assistência

técnica aos agricultores.

Em 1931 surge o Estatuto das Universidades Brasileiras

(Decreto n° 19.851/31), a primeira referência legal à Extensão

Universitária no Brasil. A Extensão é aí concebida sob a forma cursos

e conferências, de caráter utilitário, de maneira isolada e autônoma.

Um ministro da época, Francisco Campos, fez a defesa das novas

atividades nos seguintes termos:

A extensão universitária se destina a dilatar os

benefícios da atmosfera universitária àqueles

que não se encontram diretamente associados

à vida da Universidade, dando assim maior

amplitude e mais larga ressonância às

atividades universitárias, que concorrerão, de

modo eficaz, para elevar o nível de cultura geral

do povo... apud NOGUEIRA, 2001, p. 58).

Por traz dessa idéia de concessão de uma “atmosfera” mais douta

aos que não compunham a elite que de fato a respirava e da benemérita

proposta de “elevar o nível da cultura geral do povo” não se esconde

somente a hierárquica visão de uma cultura mais elevada que podia, ela

mesma, trazer para um patamar mais proeminente a cultura inferior do

povo havia o propósito político de propagar os ideais de uma classe

hegemônica. A Extenção atuaria como “divulgadora da ideologia do

regime forte e autoritário defendido por Campos” (TAVARES, 2001, p.

75).

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Na prática...

As atividades desenvolvidas foram instrumento

de divulgação do ensino ministrado nas

Universidades, complementando a formação

dos seus alunos e atualizando os seus

egressos. Enfim, beneficiou a classe que já

tinha acesso ao ensino superior, mantendo

excluídas desses benefícios as camadas

populares que não tinham poder econômico

nem político. (NOGUEIRA, 2001, p. 59)

Em 1961 dá-se a promulgação da Lei de diretrizes e Bases da

Educação Nacional (n° 4.024). Permanece patente o distanciamento

entre o texto legal e a prática efetiva e não se observa nenhuma

mudança significativa na concepção da Extensão Universitária,

concebida ainda como promoção de cursos de especialização,

aperfeiçoamento e extensão, sem vínculo efetivo com as atividades de

Ensino e Pesquisa. Mas nessa época, entre 1960 e 1964, uma

inflexão política inovadora da atividade extensionista aparece nas

iniciativas dos estudantes universitários, norteadas politicamente pela

União Nacional dos Estudantes. Pela primeira vez a Extensão

Universitária foi encarada em alguma medida numa perspectiva de

“análise crítica da sociedade brasileira”, conforme mostra o documento

que traz a resolução de um dos três Seminários Nacionais da Reforma

Universitária realizados pela UNE no período. Na busca de

estabelecer um maior compromisso da Universidade com os

segmentos populares, com o proletariado e com os trabalhadores

rurais, o documento afirma a intenção de:

...fazer da Universidade uma trincheira de

defesa das reivindicações populares, através da

atuação política da classe universitária na

defesa das reivindicações operárias,

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participando de questões junto aos poderes

públicos e possibilitando aos poderes públicos

cobertura aos movimentos de massa.(apud

SOUZA, 2000, p. 38)

Note-se aí o germe de uma idéia que será abortada no período

subseqüente, com o advento do regime autoritário, mas que vale a pena

ressaltar por ser a primeira vez que ela se apresenta nesses moldes, isto

é, associada a uma perspectiva de crítica social e ação política autônoma:

a ação combinada da Extensão Universitária e dos “poderes públicos”, que

assume a forma de uma associação das ações extensionistas e das

políticas públicas.

Foi também a primeira vez que a extensão Universitária foi

encarada como atividade passível de uma avaliação crítica das ações e

dos resultados por parte dos atores: “sua maior contribuição foi a

metodologia de trabalho utilizada, que possibilitava a reflexão sobre as

ações realizadas” (NOGUEIRA, 2001, p. 59).

O golpe militar de 1964 vem interromper essa perspectiva de

crítica social e engajamento político. Doravante, durante todo o período

autoritário, os alunos serão “recrutados” como meros executores de

projetos de cunho assistencialista formulados e implementados sem

nenhuma relação com a prática docente da Universidade ou com os

seus departamentos. Os principais projetos de Extensão desse período

se farão também sem nenhuma interferência do Ministério da Educação

e estarão subordinados diretamente, e de forma sintomática, ao

Ministério do Interior, com o apoio das Forças Armadas. É o caso do

Projeto Rondon, instituído em nível nacional em 1968 e abarcando

sobretudo as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Uma das

preocupação principais que deram origem ao projeto foi a preocupação

dos militares com a chamada “segurança nacional” e com a integração

territorial do país – na prática, uma forma de ocupar os espaços sociais,

imprimindo a tutela do Estado como precaução contra possíveis

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veleidades de autonomia organizacional e reivindicatória, inclusive por

parte dos estudantes.

A forma como foi concebido o Projeto evidencia

sua subordinação às idéias desenvolvimentistas

que representavam o novo movimento político

do país. Ele se originou a partir da idéia de

colocar a juventude universitária próxima da

realidade brasileira e, assim, possibilitar a sua

participação no processo de desenvolvimento.

[...] o Projeto dava aos estudantes a

possibilidade de vivenciar os problemas

nacionais e lhes mostrava que eram

necessárias muito mais do que as “críticas

descomprometidas” que se habituaram a fazer.

(SOUZA, 2000, p. 63)

Outro projeto de destaque foi o CRUTAC (Centros Rurais de

Treinamento e Ação Comunitária), criado em 1966. Voltado para a

atuação dos estudantes junto às comunidades rurais, o projeto propôs

inicialmente atividades ligadas à área da saúde, estendendo-se

posteriormente a outras áreas. Politicamente, a intenção do projeto era

demonstrar preocupação com as condições de vida da população pobre

do interior do país e, assim, legitimar o governo militar junto a esse

segmento.

Ainda em 1968 dá-se a promulgação da Lei Básica da Reforma

Universitária (n° 5.540). A lei reproduz uma concepção que é um híbrido

das mais antigas vertentes da Extensão Universitária transplantadas

sem maiores ponderações sobre a especificidade local: a concepção

européia que enfatizava a Extensão Universitária como realização de

cursos e conferências e a concepção norte-americana que concentrava-

se na prestação de serviços. Permanece o quadro de dissociação entre

a extensão e a docência, sem a participação dos departamentos

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universitários no planejamento e implementação das ações e

resumindo-se, afinal, como assistencialismo prestado por estudantes

recrutados diretamente, sem a mediação da Universidade.

Na década de 1970, o Conselho de Reitores das Universidades

Brasileiras traça as Diretrizes da Extensão Universitária. Trata-se ainda

de uma tentativa de sensibilizar os reitores das diversas universidades

para a necessidade da Extenção; propõe-se a integração entre Ensino,

Pesquisa e Extensão como tripé de sustentação da Universidade. Em

1975, o MEC formula o Plano de Trabalho de Extensão Universitária,

como a primeira política de Extensão Universitária no Brasil, e cria a

Coordenação de Atividades de Extensão (CODAE). O Plano é

formulado no contexto da disputa de espaço e poder entre o MEC e

outros ministérios que comandavam ações extensionistas envolvendo

estudantes universitários. Forma-se então, a pedido dos reitores, uma

Comissão Interministerial envolvendo o MEC e o Ministério do Interior

com o objetivo de integrar os programas CRUTAC, coordenado pelo

MEC e o Projeto Rondon, coordenado pelo Ministério do Interior.

A realização do Plano de Trabalho de extensão Universitária e a

criação do CODAE, malgrado não superem as tensões resultantes das

disputas ideológicas entre concepções distintas sobre o papel da

Extensão por parte dos profissionais do próprio MEC e das

universidades, apresenta-se como um marco político importante em

razão de trazer um aprimoramento do conceito de Extensão

Universitária que supera as legislações anteriores, notadamente no que

respeita ao caráter complementar do Ensino, da Pesquisa e da

Extensão e à abertura para atender a um público não acadêmico:

O Plano amplia as formas pelas quais a

extensão se deveria processar: cursos,

serviços, difusão cultural, difusão de resultados

de pesquisas, projetos de ação comunitária,

além de outras formas de atuação, de que a

realidade na qual a instituição se encontrasse

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inserida viesse a necessitar. Pode ser

considerado outro avanço do Plano o fato de ele

superar a proposta da Lei n° 5.540/68, que

restringia a Extensão à participação de

estudantes, agora procurando envolver também

os docentes.

O que se percebe, a partir da intensa

atuação do CODAE e dos fundamentos do Pano

de Trabalho de Extensão Universitária, é que a

reflexão sobre a questão da Extensão, de fato,

se iniciara. Mesmo extinta a CODAE, os efeitos

de sua ação permaneceram, a necessidade da

mudança fora colocada e as bases estavam

lançadas. (NOGUEIRA, 2001, p. 66)

O ano de 1987 marca o acontecimento inaugural do

desenvolvimento mais recente do conceito e da forma institucional da

Extensão Universitária no Brasil. É neste ano que se reúne pela primeira

vez o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Universidades

Públicas Brasileiras. O Fórum surge movido pela necessidade de

unificar a política de Extensão Universitária em nível nacional, criando

orientações gerais comuns que servissem de referência para as

diversas universidades, e pela necessidade de institucionalizar

internamente a atividade extencionista das Universidades bem como

definir uma forma de interlocução com o MEC, a exemplo do que ocorria

com outras atividades acadêmicas.

As principais diretrizes alcançadas pelo Fórum no momento da

sua fundação são: a necessidade da institucionalização da Extensão no

quadro das Instituições de Ensino Superior e do MEC; a

indissociabilidade entre as atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão;

o caráter interdisciplinar da ação extensionista; o reconhecimento do

saber popular e da importância da troca entre este e o saber acadêmico;

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a necessidade de financiamento da Extensão como responsabilidade

governamental.

Do perfil geral constituído a partir das diretrizes assumidas pelo

Fórum destaca-se a ruptura com o padrão assistencialista, passando a

Extensão a ser encarada não como uma prestação de serviço mas

como um trabalho social, na medida em que “é uma ação deliberada

que se constitui a partir da realidade e sobre esta realidade objetiva,

produzindo conhecimentos que visam à transformação social”

(TAVARES, 2001, p. 79). Igualmente digno de nota é a ruptura com uma

noção de Extensão vista como uma atividade secundária na vida

acadêmica; a Extensão passa a ser vista como uma modalidade de

prática acadêmica que tem por objetivo articular as atividades de Ensino

e Pesquisa com as demandas advindas da sociedade.

A conceituação assumida pelos pró-reitores

expressa uma nova postura da Universidade

diante da sociedade. A sua função básica de

produção e de socialização do conhecimento,

visando à intervenção na realidade, possibilita

acordos e ação coletiva entre Universidade e

população, o que, de um lado, retira o caráter

de terceira função da Extensão, para

dimensioná-la, de outro, como filosofia, ação

vinculada, política, estratégia democratizante,

metodologia, sinalizando para uma

Universidade voltada aos problemas sociais

com o objetivo de encontrar soluções por meio

da Pesquisa, visando a realimentar o processo

de ensino-aprendizagem como um todo e

intervindo na realidade concreta. (TAVARES,

2001, p. 78)

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A vigilância crítica recomenda uma apreciação prudente do novo

padrão normativo instaurado pelo Fórum. Sua real eficácia só pode ser

observada como decorrência das práticas efetivas que possa suscitar.

Cumpre lembrar que, já em 1973, ainda durante a ditadura militar, o

Ministério da Educação, por meio da Coordenação das Atividades de

Extensão (CODAE), utilizava uma terminologia bastante ousada para

falar de Extensão Universitária: “Falava-se em realimentação, mão

dupla, retroalimentação e outras terminologias similares...” (ROCHA,

2001, p. 23). Este fato evidencia que a assimilação de uma retórica

audaciosa não implica na efetividade de uma prática coerente com os

princípios esboçados, pois, no plano prático, isso não impedia que as

atividades de extensão fossem implementadas como “meros

instrumentos para reforçar os planos governamentais de um Estado

autoritário” (SOUZA, 2000, p. 69).

Assim, quando o Fórum Nacional de Pró-Reitores das

Universidades Públicas Brasileiras explicita as diretrizes da prática

extensionista e evidencia a dinâmica dialética e transformadora que se

deseja imprimir a essa prática, devemos ter claro que a efetivação

dessas intenções depende de um processo de assimilação de valores

pelos atores e instituições no curso de uma prática permanentemente

renovada pela reflexão. E para que a reflexão cumpra esse papel de

renovação da prática, de assimilação subjetiva de novos valores que

orientam a ação dos atores, torna-se imprescindível a articulação entre

o ensino, a pesquisa e a prática extensionista como dimensões de uma

mesma práxis. Essa articulação se explicita de forma exemplar na

atuação do NCE.

A exemplaridade dessa experiência empírica de atuação pode

ser melhor dimensionada se a submetermos ao teste das concepções

mais críticas sobre o conceito e a prática extensionista. É o que

tentaremos esboçar a seguir a partir dos aportes críticos empreendidos

por Pedro Demo e Paulo Freire.

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2.2 - Duas objeções à Extensão: Pedro Demo e Paulo Freire

Pedro Demo (2001) faz forte crítica à noção corrente de Extensão

Universitária. Para ele, a idéia de Extensão deriva do fato de que a

Universidade, acossada pelo fato de que “não consegue trazer o desafio

social e sobretudo da cidadania para dentro da proposta curriular”,

“inventa vinculações sociais compensatórias” que acabam por figurar

como “excrescência” ou como “bijuteria social”. A idéia de Extensão, nos

moldes atuais, só subsiste, segundo Demo, com base na incapacidade

da Universidade de definir e tornar efetiva a “qualidade política” da

formação que oferece aos seus alunos. Por qualidade política, Demo

entende a adoção de um modelo de aprendizagem calcado na pesquisa

permanente, crítica, criativa, na contramão do modelo “instrucionista”

baseado numa sobrecarga de aulas em que o professor trata o

conhecimento de forma abstrata e separada da práxis, da intervenção

efetiva na realidade social como parte de um compromisso educativo

que não se submete às forças do Mercado (2001, p. 141-158).

Uma vez que não consegue assumir esse compromisso e definir

o critério político de sua atuação com base nas suas funções precípuas

de “reconstruir conhecimento e educar novas gerações” a Universidade

tenta preencher a lacuna da falta de atuação política assumindo uma

idéia de Extensão “como algo fora da organização curricular”, fora do

“mandato científico e educativo” que ela deve exercer. A Universidade é

levada então a atuar em projetos de Extensão como algo acessório,

intermitente, com o caráter de prestação de serviços que caberiam na

verdade à política social pública desempenhada pelo Estado (2001, p.

141-158).

“No fundo, a Extensão quer responder ao

desafio da qualidade política na formação

universitária. Entretanto, nisto surge a primeira

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contradição frontal: se qualidade política for

compreendida como razão de ser da formação

universitária, não pode ser “Extensão”, mas

referência essencial.” (2001, p.152)

Para Demo, as atividades que hoje são designadas como

Extensão não carecem de um nome próprio, uma vez que elas deveriam

fazer parte do processo regular de reconstrução sistemática do

conhecimento que deve se dar na Universidade. A intervenção prática

sobre a realidade é conseqüência de uma postura pedagógica baseada

no fato de que “não se aprende sem pesquisar e elaborar” (2001, p.

146). Essa intervenção não deveria, pois, ser posta como um momento

destacado da rotina acadêmica, nem mesmo a título de “estágio” feito

pelos alunos na etapa final dos seus cursos:

Na verdade, todo curso precisaria conectar-se

com a prática todos os semestres, à medida que

traz para dentro de si problemas que a prática

sugere e exige, sem prejuízo da teoria. A prática

é apenas outra forma – necessária – para fazer

teoria, assim como teoria é parte integrante de

qualquer prática, se quiser manter-se crítica e

criativa. (DEMO, 2001, p. 154)

No lugar, pois, da conhecida trilogia – Ensino, Pesquisa e

Extensão – Demo propõe o duo reconstruir o conhecimento e educar as

novas gerações como aspectos que definem o papel essencial da

Universidade. Na nova proposta fica abolida a visão “instrucionista”

embutida na palavra ensino, bem como a instância especial da

Extensão, “este cabide onde tudo pode ser pendurado” e em que se

apóiam aqueles que se dedicam a “inventar à-toa atividades que, a título

de Extensão, são espúrias ao ambiente acadêmico e de aprendizagem”

(DEMO, 2001, 155).

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O segundo aporte crítico ao qual podemos submeter o sentido

extensionista do Educom.rádio é a análise feita por Paulo Freire na

década de 1960. Tendo como pretexto a experiência educacional que o

autor teve no Chile e o problema da comunicação entre técnicos

agrícolas envolvidos em projetos de extensão rural e camponeses

daquele país, o pequeno ensaio denominado Extensão ou

comunicação? assumiu status de referência fundamental e é

considerado por muitos “um verdadeiro divisor de águas no que se

refere à conceituação da Extensão Universitária” (ROCHA, 2001, p. 21-

22).

O ponto de partida do confronto crítico de Paulo Freire com a

Extensão é o próprio conteúdo semântico do termo – extensão.

Evocando os estudos modernos da Semântica e da Lingüística, Freire

apóia-se em autores como Pierre Guiraud e Ferdinand Saussure, para

mostrar que a palavra extensão tem o seu significado vinculado a um

certo “campo lingüístico” dentro da estrutura da língua. Essa forma de

abordagem baseia-se na idéia de que a língua funciona como sistema

ou estrutura da qual cada termo adquire significado a partir da relação

estrutural que mantém com outros termos intercambiáveis. No caso do

termo extensão, Paulo Freire procura demonstrar que ele está

estruturalmente vinculado a um “campo semântico” no qual se

interpenetram conceitos como “transmissão”, “sujeito ativo (o que

estende)”, “conteúdo (que é escolhido por quem estende)”, “recipiente

(do conteúdo”, “messianismo (por parte de quem estende)”,

“superioridade (do conteúdo, de quem entrega)”, “inferioridade (dos que

recebem)”, “mecanicismo (na ação de quem estende)”, invasão cultural

(através do conteúdo levado, que reflete a visão de mundo daqueles

que levam, que se superpõe à daqueles que passivamente recebem)”

(1977, p. 21-22).

Para Freire, o pertencimento do termo extensão a esse campo

associativo de conceitos não é um mero detalhe, “um purismo

lingüístico, incapaz de afetar a essência mesma do que fazer

extensionista”. Ele chama a atenção para a “força operacional dos

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conceitos”, intrinsecamente ligada à visão de mundo que orienta a ação

dos homens (1977, p. 23).

Nessa perspectiva, segundo Freire, o conceito de extensão reflete

e condiciona ( – atenção para o sentido dialético da interação entre a

linguagem e a prática que ela procura significar) uma modalidade de

prática que está em irreconciliável contradição com um “que-fazer

educativo libertador”. A Extensão se basearia num fundamental

“equívoco gnosiológico”, que consiste em imaginar que o conhecimento

seja algo passível de transmissão entre indivíduos situados em dois

pólos distintos da relação: o pólo onde se situa a pessoa que sabe e

projeta esse saber consumado em direção a uma outra pessoa, e o pólo

onde se situa esta outra pessoa, a quem cumpre receber o saber

projetado – portanto, alguém que não sabe.

O que a Extensão não levaria em conta é que a produção do

conhecimento é sempre um ato coletivo que requer um contexto de

“dialogicidade” instaurado entre “sujeitos cognoscentes mediados pelo

objeto cognoscível” (1977, p. 28) e, por não reconhecer esse requisito

fundamental, concebendo, ao contrário, o conhecimento como algo

estático, previamente estabelecido e passível de transmissão, a

Extensão se tornaria incompatível com a idéia de uma ação educativa

de caráter libertador. A incompatibilidade deriva, portanto, tanto da falta

de uma concepção adequada da condição ontológica do homem como

“um ser da ‘práxis’; da ação e da reflexão” como do equívoco sobre o

que seja o conhecimento:

Conhecer, na dimensão humana, que aqui nos

interessa, qualquer que seja o nível em que se dê,

não é o ato através do qual um sujeito,

transformado em objeto, recebe, dócil e

passivamente, os conteúdos que outro lhe dá ou

impõe.

O conhecimento, pelo contrário, exige uma

presença curiosa do sujeito em face do mundo.

Requer sua ação transformadora sobre a

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realidade. Demanda uma busca constante.

Implica em invenção e em reinvenção. Reclama a

reflexão crítica de cada um sobre o ato mesmo de

conhecer, pelo qual se reconhece conhecendo e,

ao reconhecer-se assim, percebe o “como” de seu

conhecer e os condicionamentos a que está

submetido seu ato.

Conhecer é tarefa de sujeitos, não de objetos. E é

como sujeito e somente enquanto sujeito, que o

homem pode realmente conhecer. (FREIRE,

1977, p. 27)

O “equívoco gnosiológico” envolvido na Extensão faria dela um

instrumento de “invasão cultural” através do qual o sujeito da Extensão

sobrepõe hierarquicamente e em seguida impõe a sua visão de mundo,

o sistema de valores que adota, o seu espaço histórico-cultural à visão

de mundo, ao sistema de valores e ao espaço histórico-cultural do outro

sujeito reduzido, segundo esse padrão hierárquico de valores culturais,

à condição de objeto que pode ser conquistado, manipulado,

domesticado etc.

O conceito de extensão nega, dessa forma, “o homem como ser

de decisão” e porta ostensivamente uma conotação de invasão cultural;

está intrinsecamente relacionado a uma perspectiva de “anti-

dialogicidade”. Ao propor a substituição da noção de extensão pela de

comunicação, Paulo Freire tem em vista o resgate do homem como um

ser ontologicamente vinculado à práxis, do conhecimento como

atividade que requer a intersubjetividade, do diálogo entre homens

como condição imprescindível do conhecimento do mundo e do

reconhecer-se a si mesmo. A tarefa do educador, segundo ele,

“corresponde ao conceito de comunicação, não ao de extensão” (1977,

p. 24).

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2.3 - Aspectos institucionais da Extensão

Universitária

Paulo Freire e Pedro Demo demarcam posições frontalmente

adversas à Extensão, seja qualificando-a como uma “excrescência”,

fruto da incapacidade da Universidade de “saber colocar o compromisso

social dentro de seus mandatos essenciais, que são reconstruir

conhecimento e educar novas gerações” (DEMO, 2001, p. 155), seja

atribuindo-lhe o “equívoco gnosiológico” que consiste em pretender

operar mecanicamente uma transferência de saber que contraria a

lógica própria da produção do conhecimento no espaço da Educação.

A contundência crítica dessas duas abordagens e a falta de uma

reação teórica da mesma envergadura que lhe oponha resistência nos

leva às seguintes indagações: como e por que a Extensão Universitária

mantém a sua força institucional e continua a arregimentar adeptos nas

Universidades? Quais as bases conceituais e institucionais de sua

vigência e do seu contínuo fortalecimento?

Ao nosso ver, a dificuldade para que as investidas de Paulo freire

e Pedro Demo encontrem uma via prática, politicamente eficaz, de

superação real da situação que é objeto de crítica reside no fato de que,

em ambos os casos, a crítica empreendida ressente-se de uma decisiva

parcialidade na medida em que não leva em conta os fundamentos

sociais da produção dos desempenhos discursivos e do modelo prático

de intervenção que pretendem combater. As “armas da crítica”,

conforme a beligerante metáfora marxista, só se convertem em “crítica

das armas”, isto é, só encontram o caminho da eficiência prática e

transformadora, se o desempenho crítico estiver firmemente enraizado

no solo concreto das relações sociais fora do qual a crítica é mera

fraseologia impotente.

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No caso da atividade acadêmica, seus fundamentos sociais são

o objeto de uma Sociologia do Conhecimento. Já vai longe o tempo em

que se concebia a atividade científica como um território “supraterreno”,

livre de ser conspurcado por exigências que não fossem determinadas

internamente pela livre especulação, pelo intercâmbio autônomo e

quase lúdico entre teorias e conceitos numa busca plenamente

desinteressada pela Verdade. Ruiu a ilusão sobre o domínio

resguardado de uma ciência pura, assepticamente afastado de toda e

qualquer necessidade social. A Sociologia do Conhecimento, com

acentuada expressão na obra de Pierre Bourdieu, oferece uma

alternativa a essa visão transcendente bem como a sua contraversão

que apresenta, do lado oposto do debate, uma outra forma de

parcialismo que insiste em ver a ciência como um derivado mecânico de

toda sorte de injunções sociais e influências político-econômicas. A

noção de campo34, formulada por Bourdieu, permite mostrar que, para

além das pressões exercidas pelo mundo social global que envolve a

atividade científica, esta se desenvolve no interior de um “espaço

relativamente autônomo”, um “microcosmo dotado de suas leis

próprias”. As leis que determinam o funcionamento desse microcosmo

denominado campo (ou subcampo) – seja ele literário, artístico, jurídico

ou científico, podendo este ser particularizado em diversos campos

disciplinares – são leis de caráter social, mas fundamentalmente

distintas das leis que determinam o funcionamento do macrocosmo

social circundante (2004, p.20-21).

A Extensão Universitária se constitui hoje modelo objetivado de

ação que permeia vários campos disciplinares. Como tal, ela alcançou

uma acentuada densidade institucional. Uma crítica conseqüente da

Extensão Universitária terá maior eficácia se levar em conta, além da

sua dimensão conceitual, os mecanismos institucionais que determinam

o seu funcionamento. A partir dessa perspectiva, tem-se a

compreensão de que não se mostra muito produtiva uma reação

intelectual que vise simplesmente eludir a Extensão, uma vez que ela se 34 Conferir a página XX do presente trabalho.

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apresenta como segmento mais ou menos estável de práticas

objetivadas que, interiorizadas pelos atores, orientarão a conduta

destes. Estando de tal modo imbricada na estrutura do campo científico,

os conflitos epistemológicos que concernem à Extensão tendem a ser

absorvidos no interior desse campo, de modo a figurar como embate

entre forças que reivindicam a legitimidade científica de suas posições.

Nesse contexto, ao nosso ver, a crítica mais eficaz não é aquela que

abdique de todo compromisso em relação ao fortalecimento institucional

da Extensão, mas aquela que, atuando conscientemente no contexto

das alianças políticas internas ao campo científico, seja capaz de

redefinir os modelos objetivados de ação, figurando como intervenção

política no interior do campo, capaz de alterar o desempenho da

atividade extensionista.

Acompanhemos, pois, as indicações de Bourdieu sobre a

definição da noção de campo, sobre a estrutura que o define e sobre o

seu funcionamento. Esse contexto teórico nos auxiliará a estabelecer

uma posição que, compreendendo o lugar institucional que a Extensão

ocupa atualmente, permite situar a contribuição do NCE e da

Educomunicação nessa área.

Nem olimpicamente afastada de toda interferência da sociedade,

nem mecanicamente subordinada a essa interferência, a ciência,

concebida sob a ótica do campo científico, apresenta-se como terreno

relativamente autônomo no qual a estrutura e o funcionamento do

campo determinam as condições sociais da produção do discurso

científico. Essas condições apresentam-se como condições

epistêmicas, isto é, o contexto discursivo no qual se insere cada

discurso particular, e condições institucionais e sociopolíticas, ou seja, o

contexto social no qual se dá a intensa luta entre os agentes pela

ocupação de posições de poder e autoridade, posições estas definidas

pela “distribuição do capital científico”, que determina, baseado em

critérios de competência técnica e poder político, a quais agentes

caberá o monopólio da autoridade científica.

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Nota-se que o exercício da ciência está longe de ser “uma

espécie de partenogênese, a ciência engendrando-se a si própria, fora

de qualquer intervenção do mundo social” (BOURDIEU, 2004, p. 20):

De fato, o mundo da ciência, como o

mundo econômico, conhece relações de força,

fenômenos de concentração do capital e do

poder ou mesmo de monopólio, relações sociais

de dominação que implicam uma apropriação

dos meios de produção e de reprodução,

conhece também lutas que, em parte, têm por

móvel o controle dos meios de produção e

reprodução específicos, próprios do subuniverso

considerado. (BOURDIEU, 2004, p. 34)

Como espaço no qual encontra-se objetivamente definida a

relação entre os agentes, cada campo apresenta formas ou modelos

objetivados de práticas que tendem a ser interiorizados e passam a

fazer parte daquilo que Bourdieu chama de habitus, isto é, da estrutura

mental dos atores como uma “espécie de sentido do jogo que não tem

necessidade de raciocinar para se orientar e se situar de maneira

racional num espaço” (1989, p. 62). Assim, é freqüente que, por trás da

intenção declarada do agente, esconda-se a intenção objetiva, situada

dentro de uma estrutura de relações objetivas a partir das quais é

possível explicar a forma concreta das interações do interior do campo.

Concretamente, a ação dos agentes é movida pela tentativa de

assegurar posições de poder em relação aos seus pares, posições

estas que correspondem ao peso relativo do capital científico apropriado

por cada agente. Bourdieu oferece uma definição precisa do que ele

chama de capital científico, acentuando as características que esse

capital pode assumir:

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...os campos são o lugar de duas formas

de poder que correspondem a duas espécies de

capital científico: de um lado, um poder

institucional e institucionalizado que está ligado

à ocupação de posições importantes nas

instituições científicas, direção de laboratórios

ou departamentos, pertencimento a comissões,

comitês de avaliação etc., e ao poder sobre os

meios de produção (contratos, créditos, postos

etc.) e de reprodução (poder de nomear e de

fazer carreiras) que ela assegura. De outro, um

poder específico, “prestígio” pessoal que é mais

ou menos independente do precedente,

segundo os campos e as instituições, e que

repousa quase exclusivamente sobre o

reconhecimento, pouco ou mal objetivado e

institucionalizado, do conjunto de ares ou da

fração mais consagrada dentre eles (por

exemplo, com os “colégios invisíveis” de

eruditos unidos por relações de estima mútua).

(2004, p. 35)

Para adquirir o status de campo, um determinado ramo da ciência

deve autonomizar-se em relação às influências externas, isto é, passar

a funcionar com base, sobretudo, nas suas próprias leis internas, na

“estrutura das relações objetivas entre os agentes que determina o que

eles podem ou não fazer”. Isto não significa que o princípio de

autonomia do campo esteja isento de ser permanentemente confrontado

com forças heterônomas, isto é, problemas e demandas externos às

relações objetivas que definem o campo e que pressionam no sentido

de encontrar expressão no interior deste. Mas o grau de autonomia de

um campo pode ser dimensionado pela sua capacidade de “refratar” ou

“retraduzir” as exigências externas de modo que estas sejam sempre

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“mediatizadas pela lógica do campo”. Por outro lado, “a heteronomia de

um campo manifesta-se, essencialmente, pelo fato de que os problemas

exteriores, em essencial os problemas políticos, aí se exprimem

diretamente” (BOURDIEU, 2004, p. 22-23). No limite, as pressões

externas podem exceder o poder de refração do campo e atingir o grau

de entropia que leva a sua dissolução.

Tomemos agora o caso da Extensão Universitária à luz da

densidade explicativa do conceito de campo, que tentamos sintetizar

acima. Essa abordagem poderá, talvez, além de demarcar um ponto de

vista sociológico sobre a Extensão Universitária, evidenciar algumas

limitações mais evidentes da crítica lançada por Pedro Demo e Paulo

Freire.

Os marcos históricos da Extensão Universitária esboçados no

início deste capítulo podem ser entendidos como uma escansão

histórica da legitimação social dessa atividade. Trata-se de um processo

progressivo por meio do qual a Extensão que vai se tornando

objetivamente reconhecível em um contexto social abrangente e em

relação a um microcosmo específico de relações sociais – o campo

científico. Trata-se de um processo cumulativo no qual vai se

constituindo um capital simbólico ligado à atividade extensionista que

circula no interior de uma estrutura de relações objetivas e que conferirá

à Extensão Universitária um lugar no interior do campo científico. A

Extensão torna-se, progressivamente, um expediente prático e

epistemológico exigido do campo científico; ela ocupa, portanto, uma

certa posição em relação à ordem institucional desse campo.

A atividade extensionista, praticada no interior do campo científico,

faz parte do repertório de modelos objetivados de ação que aí se

manifesta. Como tal, a Extensão participa das propriedades que aí

funcionam como capital simbólico, propiciando o reconhecimento de

competências, autoridade e prestígio, ajudando a definir e redefinir as

“regras do jogo” próprias do campo e a estipular as posições de poder

que cabem a cada agente de acordo com o capital simbólico

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acumulado. Os mecanismos institucionais que a Extensão coloca a

serviço do campo científico, como o controle específico exercido sobre

postos, contratos, subvenções, instrumentos próprios de consagração,

prêmios, distinções etc., fazem dela um lugar específico na geografia

institucional onde se dá a disputa de poder por parte agentes vinculados

ao campo e esses agentes passam a dedicar-lhe especial atenção.

A consolidação do aparato institucional que funciona em torno da

atividade extensionista redunda na criação de postos exclusivamente

dedicados à Extensão, concentrando, junto ao centro do poder político-

institucional da Universidade, uma forte porção de poder “temporal”

(BOURDIEU, 2004, p. 41), isto é, o controle de certas condições

simbólicas e materiais para a produção e reprodução de uma correlação

de forças próprias ao campo científico: trata-se das Pró-Reitorias de

Extensão Universitária, expressão do poder político-institucional da

Extensão. Como vimos, as Pró-Reitorias de Extensão Universitária são

instâncias politicamente ativas no sentido da institucionalização da

atividade extensionista, a ponto de criarem uma articulação política

entre as suas mais importantes unidades, como a aliança representada

no Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Universidades

Públicas Brasileiras. Outro índice desse processo avançado de

institucionalização da Extensão Universitária são os encontros,

congressos seminários, simpósios e as publicações impressas e

eletrônicas35 dedicadas ao seu universo temático. É nesses eventos,

35 Constituem exemplos de publicações dedicadas à Extensão Universitária as que são citadas neste capítulo. Uma rápida sondagem feita por nós no sistema eletrônico DEDALUS, a Base de Dados Bibliográficos da USP, catálogo global que congrega dados do acervo das várias bibliotecas dessa Universidade, mostrou a ocorrência de 1291 registros a partir do indexador “Extensão Universitária”. Utilizando o mesmo indexador no sistema GOOGLE de busca de dados na Internet, encontramos 1.160.000 registros. Feita sem maior aprofundamento e depuração de dados, essa sondagem é indício da objetivação do universo da Extensão Universitária. É particularmente relevante notar aqui que entre esses milhares de registros encontra-se o da Revista de Cultura e Extensão - USP, apresentada pelo pró-reitor de Cultura e Extensão, Adilson Avansi de Abreu, como uma revista que “editada semestralmente, tanto em papel quanto em meio eletrônico, se constitui num espaço de discussão de idéias, de narrativa de experiências e práticas, em que diferentes pontos de vista encontram diálogo e as reflexões críticas sobre as ações culturais e as atividades de extensão permitirão iluminar trilhas que buscam consagrar a transversalidade entre ensino, pesquisa e extensão.” (PRCEU-USP, 2007)

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livros e periódicos que os agentes desempenham as suas estratégias

discursivas pela conquista do capital simbólico e definem, num trabalho

coletivo de conceptualização em que se confrontam concepções, os

critérios científicos válidos no universo da Extensão. Completam esse

contexto institucional da Extensão Universitária os inúmeros núcleos,

bases e laboratórios que tem entre suas atribuições a atividade

extensionista.

A Extensão tem ganhado visibilidade própria como espaço

institucionalizado para o qual se dirigem os esforços de muitos agentes,

sequiosos por apoderarem-se de certas posições de prestígio e poder

que ela pode oferecer, não só no interior dos campos disciplinares de

origem desses agentes, mas no espaço da Extensão enquanto tal. No

entanto, a prática da Extensão requer sempre a associação a algum

campo disciplinar já estabelecido ou a algum ramo do saber que aí

funciona como capital simbólico. É importante perceber que o lugar que

a Extensão ocupa na estrutura de relações do campo científico impede

que ela venha a autonomizar-se como um campo separado. Ela

depende dos desempenhos discursivos próprios de cada campo

disciplinar ao qual se vincula em cada uma das suas ações. A Extensão

é obrigada a assumir uma forma parasitária, tomando emprestados

esses desempenhos discursivos que vêm de fora, adotando aquele que

melhor se adaptar a cada ação específica que pretenda realizar. A

autonomização da Extensão implicaria na sua capacidade de “refratar”

ou “retraduzir” essas influências (convertidas de vínculo associativo

dentro da estrutura comum do campo científico em influências

“heterônomas”), adaptando-as a um discurso que lhe seja próprio.

Em vez de apresentar-se como campo autônomo, a Extensão é

uma das formas pelas quais o campo científico e os diversos campos

disciplinares já constituídos respondem a exigências que lhe são

externas. É em resposta a forças heterônomas – demandas sociais,

interesses econômicos e políticos (por vezes condenáveis) – que surge

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grande parte das atividades de Extensão desencadeadas nos diversos

campos disciplinares. Esse tipo de exigência externa, tomado como

“corpo estranho” que vem perturbar o funcionamento regular do campo

científico, é alvo freqüente dos críticos da Extensão. Ora, se a Extensão

pode, de um certo ponto de vista, se apresentar como veículo de uma

intromissão heterônoma – espécie de “cavalo de Tróia” que se insinua

na “cidadela protegida” do campo científico, atentando contra a sua

autonomia –, maior ainda é o risco de que as forças heterônomas se

façam sentir sobretudo sobre a própria Extensão Universitária, impondo

as mais sérias dificuldades à sua possível autonomia enquanto campo.

Na verdade, a extensão Universitária tem funcionado como uma espécie

de “filtro”, mecanismo de refração que permite ao campo científico

assimilar exigências externas sem desconfigurar a sua estrutura interna.

A Extensão é o mecanismo institucional mediatizador de duas

necessidades do campo científico: inovar cientificamente, adaptando a

escolha dos seus objetos e métodos aos imperativos do entorno social,

e preservar o núcleo da identidade científica, sem se deixar dominar,

por exemplo, pelas imposições do Mercado, uma vez que a Extensão

opera como mecanismo regulado pela comunidade acadêmica.

Essas breves observações, que visam colocar a Extensão no

quadro da estrutura institucional que lhe dá suporte, figuram aqui como

exercício de contextualização que nos auxiliará a estabelecer uma

adequada compreensão da Extensão Universitária e uma melhor

avaliação da pertinência da crítica que lhe é dirigida por autores como

Pedro Demo e Paulo Freire.

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2.4- À maneira de réplica

É possível concordar com a crítica feita por Demo e aderir ao

sentido utópico de sua proposta, assentindo sobre o mérito de um

modelo ideal de Universidade que consegue equacionar perfeitamente a

sua atuação científica e educativa com as demandas sociais; uma

Universidade que lograsse finalmente chegar ao termo de uma

politização consciente do conhecimento por ela produzido. O problema

está em como dar conseqüência prática ao projeto utópico. É mais uma

vez o antigo problema da relação entre teoria e prática que deve ser

ressaltado aqui e que pode ser colocado em termos familiares à filiação

teórica do pensamento de Demo, isto é, em termos marxistas. Talvez

seja útil relembrar a segunda das Teses sobre Feuerbach:

A questão de saber se cabe ao

pensamento humano uma verdade objetiva não

é uma questão teórica, mas prática. É na práxis

que o homem deve demonstrar a verdade, isto

é, a realidade e o poder, o caráter terreno de

seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou

não-realidade do pensamento isolado da práxis

– é uma questão puramente escolástica.

(MARX, 1986. p. 12)

Trata-se, pois, de ter claro que a crítica teórica só se converte

em crítica prática, transformadora se tiver plena consciência das

mediações sociais que envolvem o seu objeto. É nesse sentido que

evocamos a noção de campo, de Bourdieu, porque ela torna possível

evidenciar as mediações sociais presentes na prática da Extensão

Universitária, possibilitando uma análise mais objetiva que poderá

mostrar-se mais consistente em vista da intervenção transformadora.

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Pedro Demo investe pesadamente contra a Extensão; pretende

colocá-la fora das razões intrínsecas da Universidade. Diríamos que

ele tenta, na medida das forças que sua crítica possa despender,

condenar a Extensão a uma espécie de degredo, já que considera

ilegítima a sua presença no mundo acadêmico. O problema, ao nosso

ver, é que Demo subestima a complexidade da questão que envolve a

Extensão Universitária ao abordá-la a partir de um ponto de

observação parcial, que divisa diante de si apenas os objetivos

estritamente acadêmicos que envolvem a atividade extensionista. No

princípio da sua argumentação reside um equívoco decisivo que

influenciará o curso que ela vai assumir: o de revestir-se do manto do

“puro” (des)interesse acadêmico, promovendo-se em advogado de

uma “petição de princípio” expedida em nome da ciência. Ora, da

breve síntese que fizemos acima sobre a teoria dos campos, podemos

depreender que não existe um tal lugar “neutro” de onde pontifica a

ciência em estado “puro”. A compreensão dos argumentos científicos

só se faz completa se formos capazes de situar com precisão o lugar

social de onde provém o discurso científico. Bourdieu nos mostra que

esse lugar, para além de ser um lugar no quadro de relações sociais

globais, é um lugar no quadro de relações sociais e de embate entre

forças e interesses que compõe um microcosmo, uma estrutura de

relações sociais objetivadas: o campo científico.

Não se pode esperar de todo cientista, e de Pedro Demo entre

os mais destacados, que interponha ao seu discurso um preâmbulo

confessional em que exponha as razões interessadas que o

comandam, antes de partir para as razões supostamente imanentes e

desinteressadas proferidas em nome da ciência. Um tal procedimento

implicaria num grau de desmistificação que acarretaria uma perda de

credibilidade do discurso (existe, pois, um interesse que comanda

essa omissão). A questão aqui é que a crítica feita à Extensão

Universitária por Pedro Demo, ao mesmo tempo em que não situa o

seu próprio lugar social (da crítica, praticada de forma reflexiva), deixa

de levar em conta o espaço de relações sociais em que se situa o

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objeto da sua crítica, isto é, a Extensão Universitária. Ao nosso ver,

reconhecer o espaço institucional, isto é, o microcosmo de relações

sociais objetivadas que abriga e faz funcionar a Extensão é uma

condição indispensável para melhor compreendê-la e conferir eficácia

à crítica que pretende transformá-la.

Demo critica a Extensão Universitária com base no argumento

de que ela excede as funções precípuas da Universidade. Para ele, se

corretamente concebida e colocada “no devido lugar”, a Extensão já

se acha contemplada na tarefa de reproduzir o conhecimento e de

educar as novas gerações, estas sim atividades que constituem a

razão de ser da Universidade. Um ponto de vista mais abrangente

consideraria a Extensão Universitária como confluência de duas

exigências que partem de lugares distintos.

Primeira exigência: a Extensão é uma necessidade interna da

Universidade, que busca qualificar politicamente a sua atuação na

produção e difusão do conhecimento, na tentativa de evitar que o

conhecimento se torne um produto alienado e alienante, separado da

vida social. Conectar a produção do conhecimento com a vida social

resulta num acréscimo de qualidade científica do Ensino e da

Pesquisa, na medida em que incorpora o componente dialético de

uma práxis que confere dinamismo à atividade científica e impede a

sua reificação. Demo reconhece, nesses termos, essa necessidade,

embora não a Extensão como a sua expressão institucional. Ao nosso

ver, reside aí, nessa negação peremptória da Extensão enquanto

atividade legítima, a magnificência crítica e a esterilidade prática da

argumentação de Demo. Vejamos por quê.

A exigência epistemológica de vincular a produção do

conhecimento à intervenção prática sobre a realidade, conferindo-lhe

uma dimensão política que visa transformar a realidade social,

humanizando a prática científica, gerou uma resposta institucional, um

conjunto de práticas objetivadas que permeia vários campos

disciplinares, passando a fazer parte da estrutura de relações

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objetivadas que compõe o campo científico. Essa resposta

institucional é hoje reconhecida como Extensão Universitária. A

densidade institucional alcançada pela Extensão evidencia, uma vez

mais, que a atividade científica, apesar de toda sublimação que

consiste em apresentá-la como busca desinteressada da Verdade

auto-gestada pela subjetividade transcendente dos cientistas, é uma

atividade social que requer formas objetivadas, reconhecidas pelos

agentes e situadas no âmbito de estruturas funcionais que regem a

relação entre eles. A Extensão Universitária tornou-se parte desse

espaço de relações estruturadas, o campo científico, e adquiriu ela

mesma uma densidade institucional própria. Uma vez alcançado esse

grau de institucionalização, todo discurso que diga respeito à

Extensão deve, para ser minimamente aceito, situar-se no interior do

campo de forças em disputa. A eficácia política desse discurso

depende diretamente da legitimidade que lhe seja atribuída pelos

agentes engajados no campo. De todos os discursos, aquele que tem

menos eficácia política é o que se pretende situado fora do campo

específico, e tanto mais se ele pretende ser a negação do próprio

campo instituído. No caso de um discurso voltar-se contra a

legitimidade de um modelo objetivado de ação que participa da

estrutura do campo científico, a reação esperada é a de todos os

agentes engajados em tal atividade que visam preservar o capital

simbólico adquirido argumentando em favor da legitimidade da

atividade em questão. O debate sobre a Extensão Universitária,

observado a partir da intervenção de Demo, apresenta-se como forma

exemplar desse embate entre forças antagônicas no interior do campo

científico. Pois o que Demo pretende é nada menos do que questionar

a legitimidade institucional da Extensão Universitária:

Se a atividade de Extensão estiver

adequadamente encaixada no mandato

científico e educativo da Universidade, não

precisamos mais dela, não porque tenha se

tornado inútil, mas porque foi colocada no seu

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devido lugar. (...) É preciso, pois, colocar a

Extensão no seu devido lugar, e com isso

despedir-se dela. (DEMO, 2001, p. 156)

Dissemos mais acima que é possível concordar com o intento

utópico de Demo. De fato, é uma perspectiva aprazível pensar numa

Universidade que conseguisse fundir o Ensino, a Pesquisa e a Extensão

numa perfeita simbiose que tornaria supérflua a Extensão enquanto tal,

uma vez que ela seria o desdobramento natural das atividades de

Ensino e Pesquisa – e, aliás, em tal caso, a distinção entre estas seria

apenas formal, já que a Pesquisa seria parte da rotina permanente de

formação de alunos e professores. Chegaríamos então à formula

reconstrução do conhecimento e educação das novas gerações como

expressão de uma harmonia finalmente conquistada. Mas esse quadro,

pintado com as tintas de uma imaginação audaciosa, esmaece quando

se observa a paisagem real em torno dele. O que essa paisagem

mostra por toda parte é uma série de instituições sociais construídas no

solo histórico das relações entre os homens num trabalho coletivo que

resulta em padrões objetivados de conduta reunidos em conjuntos

estruturais que funcionam como microcosmos reguladores capazes de

conferir o mínimo de estabilidade ao desempenho dos sujeitos.

No caso da constelação estrutural que aqui nos interessa, o

campo científico, o trabalho social que o constituiu e continua

permanentemente a constituí-lo – afinal o campo científico, como todo

campo, “é um campo de forças e um campo de lutas para conservar ou

transformar esse campo de forças” (BOURDIEU, 2004, p. 22-23) –

estabeleceu, entre outras, três formas objetivadas de ação que se dão

no seu interior: o Ensino, a Pesquisa e a Extensão. Um discurso

científico, cujo estatuto é reconhecido por uma parcela considerável de

agentes do campo, advoga que essas atividades devem permanecer

estreitamente articuladas, retroalimentando-se continuamente de modo

a fortalecerem-se como conjunto que define a função da Universidade.

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Esse intento programático de articulação não impede que essas

atividades, como formas objetivadas de ação, sejam distintas. De fato,

na fisiologia do campo científico, essas três atividades são instâncias

distintas de obtenção do capital simbólico que definem o status relativo

dos agentes envolvidos na disputa por posições no interior do campo.

No entanto, se essas atividades mantêm sua distinção, é por força do

arranjo estrutural que as mantém ligadas como dimensões articuladas

do campo científico.

Baseado nesse contexto que situa institucionalmente a Extensão

Universtária, podemos fazer, de início, duas objeções à crítica proferida

por Pedro Demo. A primeira diz respeito à postura política que essa

crítica encerra. Não cabe questionar a legitimidade dessa crítica, no

sentido de que trata-se de um discurso que traz o lastro da autoridade

de um agente destacado do campo científico e é validado sobretudo

pela pertinência da sua motivação fundamental: a de conferir qualidade

política ao conhecimento científico produzido na Universidade. Mas

esses princípios de validação, próprios das regras do jogo praticadas no

campo científico, deixam em aberto a questão de discutir a pertinência

da estratégia política adotada e de algumas medidas práticas sugeridas

no bojo dessa estratégia.

Quanto à estratégia, pode-se questioná-la dando conseqüência

política à compreensão da posição da Extensão Universitária no

contexto do campo científico. Sendo a Extensão um modelo objetivo de

ação enraizado na estrutura de relações objetivas que compõe o campo

científico, fica claro que não se trata de algo circunstancial ou arbitrário.

A Extensão é fruto de um processo de larga duração no qual as

relações sociais internas ao campo assumem uma determinada forma a

partir da disputa entre as forças que o constituem, sendo essas relações

interiorizadas pelos agentes na forma de um habitus36 duradouro. Na

36 “O abitus preenche uma função que, em uma outra filosofia, confiamos à consciência transcendental: é um corpo socializado, um corpo estruturado, um corpo que incorporou as estruturas imanentes de um mundo ou de um setor particular desse mundo, de um campo, e que estrutura tanto a percepção desse mundo como a ação nesse mundo.” (BOURDIEU, 2004b, p. 144)

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medida em que não é fruto de uma intenção arbitrária, o campo não se

transforma instantaneamente a partir da vontade de um dos seus

agentes; sua mudança, em condições normais, só pode ser fruto de

uma redefinição da correlação de forças que estabelece uma nova

posição hegemônica em torno da qual se agrupa um segmento

considerável dos agentes do campo. É claro que há casos excepcionais,

como observa Bourdieu:

...as oportunidades que um agente

singular tem de submeter as forças do campo

aos seus desejos são proporcionais à sua força

sobre o campo, isto é, ao seu capital de crédito

científico ou, mais precisamente, à sua posição

na estrutura da distribuição do capital. Isso é

verdadeiro, salvo nos casos inteiramente

excepcionais, nos quais, por uma descoberta

revolucionária, capaz de questionar os

fundamentos da ordem científica estabelecida,

um cientista redefine os próprios princípios da

distribuição do capital, as próprias regras do

jogo. (2004a, p. 25)

Aqui, mais uma vez, a exceção confirma a regra e as regras de

um campo são o fruto de um longo período de maturação, de modo que

possuem uma grande tendência à coesão e a permanência, sendo,

contudo, suscetíveis a mudanças parciais. Quando se propõe, como no

caso de Pedro Demo, uma alteração radical da estrutura do campo, faz-

se a opção política de resultado mais improvável. Quando se leva em

conta tudo que está em jogo (no sentido que Bourdieu dá à palavra

“jogo” como expressão da dinâmica de funcionamento do campo),

quando se tem uma noção mais exata do funcionamento do microcosmo

social em que está inserida a Extensão Universitária, fica claro que a

atitude de lançar os mais agudos anátemas contra a Extensão,

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qualificando-a derrisoriamente como atividade supérflua, “bijuteria

social”, “excrescência”, “resíduo” etc. (DEMO, 2001, p. 152), consiste

praticamente em dar as costas à disputa, abandonar a arena, deitando

fora a criança e a água do banho. Ao teorizar sobre a noção de campo,

Bourdieu deixou também lições sobre um certo pragmatismo necessário

aos que aí se colocam como agentes:

Querer fazer a revolução em um campo é

concordar com o essencial do que é tacitamente

exigido por esse campo, a saber, que ele é

importante, que o que está em jogo aí é tão

importante a ponto de se desejar aí fazer a

revolução.

Entre pessoas que ocupam posições

opostas em um campo, e que parecem

radicalmente opostas em tudo, observa-se que

há um acordo oculto e tácito a respeito do fato

de que vale a pena lutar a respeito das coisas

que estão em jogo no campo. ( 2004b, p. 140-

141)

Uma boa dose de pragmatismo se faz necessária mesmo para a

crítica mais severa de uma determinada ordem. Saber o que é preciso

conservar para que haja possibilidade efetiva de transformação é uma

postura conseqüente que impede que nos tornemos reféns de apenas

duas alternativas excludentes: o reacionarismo empedernido e o

extremismo inócuo que pretende fazer tábula rasa de tudo o que existe

e recusa toda transformação parcial. Ambas as alternativas resultam

sempre na permanência inalterada do estado de coisas vigente.

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A estratégia política extremada de uma ruptura total com os

padrões que só adquiriram vigência após longo processo de gestação

por meio de um permanente embate entre as forças atuantes no campo

vem amparada num argumento largamente assentido: a necessidade de

conciliar a qualidade formal e a qualidade política do conhecimento

produzido na Universidade. Mas as medidas práticas que o autor sugere

expressam a pouca viabilidade da estratégia adotada.

Quando Pedro Demo acusa a Universidade de ser “um monte de

salas de aula”, no sentido de estarem presas ao que ele chama de

“instrucionismo” (2001, p. 145) ou quando diz que para coordenar as

atividades curriculares “de aprendizagem e manejo do conhecimento”

que viriam substituir o atual modelo de Extensão “não seria necessária

uma entidade do tipo ‘Pró-Reitoria de Extensão’, muito menos com este

nome banal e banalizante” (2001, p. 153) é a pouca importância que ele

dá à dinâmica de institucionalização definidora da estrutura de relações

do campo que se expressa.

Ele deixa de levar em conta que a aula é a mais antiga tradição

da história da Universidade; portanto, é parte daquilo que deu forma e

sustentação à essa instituição, propiciando que tenhamos hoje

condições para, legitimamente, argumentar que, sustentada apenas

nesse modelo de elocução magistral, de transmissão unidirecional de

certos conteúdos não chegamos a formar pessoas com autonomia

suficiente para dar continuidade à obra de produção (ou de

“reconstrução”, como o autor prefere) do conhecimento. Contudo, a aula

permanecerá como parte da vida acadêmica porque é um modelo de

ação convertido em habitus, porque é uma representação social

incorporada por numerosos agentes e faz parte da estrutura objetivada

de relações que define o campo acadêmico. Isso não significa que

devemos nos render incondicionalmente a uma tradição venerável, mas

que a mudança só pode se dar num processo de redefinição de uma

correlação de forças entre o antigo e o novo.

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No caso da Pró-Reitoria de Extensão, deve-se ter claro que ela é

a representação temporal e política do estágio de objetivação a que

chegou a atividade extensionista no campo acadêmico. Para que hoje

possamos discutir o sentido da Extensão foi necessário um longo

processo cumulativo de conquista da legitimidade desse tema e dessa

atividade no meio acadêmico. As instâncias de poder temporal ligadas à

Extensão são resultado dessa conquista. O reconhecimento da

necessidade de uma articulação entre a qualidade formal e a qualidade

política do conhecimento produzido na Universidade passa, na prática,

pela construção de instrumentos de poder político capazes de ocupar

lugares estratégicos a partir dos quais se pode viabilizar novas

iniciativas e distribuir o capital simbólico que fortalece as posições dos

agentes. Qualquer tentativa de desestabilizar ou de negar legitimidade a

essas instâncias de poder político resultaria num efeito regressivo em

relação às conquistas até agora efetivadas na área da Extensão. É

sempre possível questionar e propor alternativas às concepções

vigentes e à forma de utilização desses instrumentos institucionais, mas

abrir mão deles significa desconhecer os mecanismos de funcionamento

do campo acadêmico, retirando das propostas inovadoras os meios

políticos de sua implementação.

Como alternativa ao modelo “instrucionista” de Educação

centrada em aulas Demo propõe, em nome da justa reivindicação de

conferir “politicidade” à produção de conhecimento, uma espécie de

generalização da prática extensionista, que passaria, junto com a

atividade de Pesquisa, a se tornar um “expediente permanente de

aprendizagem e atualização” (DEMO, 2001, p. 145-146). Trata-se de

uma proposta inserida num ideal de mudança que inclui uma drástica

redefinição do papel do professor na Universidade: “As funções do

professor parecem ser cada dia mais duas: orientar e avaliar. No meio

disto, há sempre lugar para a aula, mas apenas supletivamente”

(DEMO, 2001, p. 151)

Façamos um exercício teleológico, na esteira das projeções

lançadas por Demo.

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Que não nos detenha o escrúpulo exagerado de questionar uma

certa ortodoxia que parece haver ao submeter a educação praticada na

Universidade à uma interpretação um tanto simplista da afirmação de

que teoria e prática devem andar juntas. Tal interpretação postula que o

aprendizado só se realiza efetivamente se vinculado instantaneamente

a uma intervenção prática sobre a realidade, como se todo aprendizado

teórico tivesse que ser imediatamente instrumentalizado como receita

prática de intervenção, sendo a teoria reduzida à condição de manual

do pragmatismo intervencionista; como se sequer se pudesse conceder

à prática um certo comedimento, fazendo-a presente como perspectiva,

projetada na medida em que as mediações teóricas necessárias a uma

intervenção conseqüente são laboriosamente formuladas, discutidas,

apreendidas na sua lógica conceitual. Além disso, é certo que nem

todas as disciplinas prestam-se imediatamente a uma “aplicação”

prática; nem por isso o treinamento intelectual que essas disciplinas

propiciam é algo que se limita a uma dimensão formal, política e

socialmente inútil. Essas disciplinas cumprem um papel dentro do

campo científico e, amiúde servem de base para a elaboração de um

conhecimento mais afeito à aplicação prática.

Com isso não queremos afirmar que Pedro Demo, que goza de

digno respaldo como estudioso da teoria do conhecimento, seja

tributário de um vulgarismo semelhante ao que acabamos de

caracterizar. Mas, no ensaio que tomamos aqui como referência, no teor

da sua proposta de alternativa à Extensão, ele não se resguardou o

suficiente em relação a essa interpretação deturpada e simplista da

dialética entre teoria e prática.

Num exercício projetivo do que seria a realização do ideal

postulado por Demo de uma Extensão “dissolvida” no exercício

cotidiano da Educação como Pesquisa e como prática política de

“intervenção alternativa” (DEMO, 2001, p. 149), podemos prever alguns

riscos contra os quais ele não deu sinais de previsão. Suponhamos a

concretização desse ideal. A atividade regular de professores e alunos

envolveria de imediato a Pesquisa e a Extensão nos moldes concebidos

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por Demo. Alunos primeiro-anistas e mesmo veteranos, individualmente

ou em grupos, teriam como atividade regular, prescrita no currículo do

curso, a formulação e a execução de uma proposta de intervenção junto

à comunidade, sob a orientação (supostamente atenta e rigorosa) de

um professor. De imediato detectamos aí o risco do espontaneísmo, a

tendência a ceder ao impulso de uma boa intenção política que leva a

uma prática levada a cabo sem uma mediação teórica consistente, por

maior que seja o cuidado do professor que orienta tais atividades. Bem

sabemos que a vida acadêmica, em especial no quadro brasileiro, que

conhecemos de perto, está largamente permeada por uma cultura do

simulacro, dos artifícios, do relaxamento quanto à exigência de rigor

científico, tanto por parte de uma parcela importante dos alunos quanto

de uma parcela proporcional dos professores, sem o consentimento dos

quais tais práticas não existiriam. Quais as garantias de que essa

cultura desvirtuadora não açambarcaria o exercício rotineiro da

Extensão quando esta se tornasse uma prática tão regular quanto são

as aulas e provas que Demo condena de forma tão veemente? O que

asseguraria que a Extensão não se tornaria mero expediente

burocrático de alunos apressados em concluir a todo custo os seus

cursos com o menor esforço possível? Diria Demo que no seu modelo

não haveria espaço para a cultura acadêmica degradada que graça hoje

em dia. Mas o que proporcionaria essa nova cultura acadêmica?

A cultura acadêmica nada mais é do que o conjunto das

representações interiorizadas de práticas objetivadas no campo

acadêmico: precisamente aquilo que Bourdieu chama habitus. Com isso

voltamos à concepção de campo e de como ele resulta de uma

dinâmica de forças, uma trama de disputas que gradualmente assume a

forma de uma estrutura de ralações objetivadas. A Universidade e as

formas de atuação que ganham vigência no seu interior não resultam de

um decreto, de uma determinação fundante; constituem-se como

resultado dinâmico de uma correlação de forças ativas. E os intentos de

mudança só podem se concretizar na medida em que conquistem o

consentimento de legitimidade e a adesão ativa de uma parcela

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representativa dos agentes do campo. As novas práticas precisam aí

objetivar-se, num processo de conquista de um valor simbólico do qual

os agentes tentam se apropriar, e, finalmente, ser subjetivamente

incorporadas, interiorizadas como sentido indelével do jogo. Terão então

passado a fazer parte da cultura acadêmica. Fica claro que não se

pode, arbitrariamente, substituir uma estrutura de relações objetivas já

consolidada por um modelo engenhosamente fabricado na imaginação.

Há ainda uma outra indagação necessária envolvendo uma

suposta concretização do ideal (que não é, como se vê, apenas de um

novo modelo de Extensão, mas de um inédito modelo de Universidade)

de Pedro Demo: qual seria a real responsabilidade da “intervenção

alternativa”, apregoada por ele, em relação à eficácia prática e à

realização das expectativas das comunidades atingidas?

Ao que parece, o modelo de “intervenção alternativa”, do modo

como é concebido, não pode oferecer uma tal responsabilidade. A

intervenção, neste caso, é pensada sobretudo a partir de uma

necessidade epistemológica de uma nova forma de aprendizado que

beneficiaria a formação de alunos e professores da Universidade. Mas o

que aconteceria se o novo modelo de Extensão sofresse as distorções

que aventamos acima? Mesmo que esse modelo servisse de alguma

forma para promover uma melhor qualidade da Educação universitária,

serviria para atender às expectativas mais prementes das comunidades

no interior das quais se daria a intervenção?

Vale lembrar que os projetos de Extensão são objeto de uma

expectativa por parte dos segmentos sociais por eles atingidos. Não

seria uma postura responsável, da parte da comunidade acadêmica,

centrar suas expectativas nos resultados eventuais de uma livre

experimentação que poderia trazer os mais interessantes dividendos

para a construção do conhecimento, mas pouco ou nenhum para a

transformação das condições reais de vida de uma população que se vê

frustrada em suas esperanças. Essa necessária responsabilidade, o

devido respeito em relação ao reiterado desamparo que as iniciativas

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extensionistas, uma vez implementadas, se comprometem em

minimizar, exige um rigoroso controle por parte da Universidade sobre

os seus projetos de Extensão, controle que dificilmente se conseguiria

em relação a uma miríade de ações feitas em nome do mero

experimentalismo.

Fica claro que, além da exigência epistemológica pela qual a

Universidade expressa a necessidade de por a produção do

conhecimento em relação constante com uma prática e assim produza

uma emulação que atua sobre o processo cognitivo, a Extensão

também é fruto de uma segunda exigência: a que parte da carência de

segmentos sociais historicamente excluídos, vítimas de um quadro de

desigualdade social agravado pela concentração da renda e pelo

confisco da cidadania típicos do atual estágio de desenvolvimento do

capitalismo e reforçados pela hegemonia neo-liberal. Frente à dupla

face da pobreza que atinge esses segmentos excluídos – “pobreza

material” e “pobreza política”37 (DEMO, 2000, p. 10) – , a Extensão

Universitária, conforme seja a sua orientação, é uma forma de

contrabalançar, pela adoção de uma concepção estratégica do

desenvolvimento humano, a perspectiva assistencialista das políticas

sociais do Estado baseadas na distribuição de benefícios, perspectiva

esta que, trocando a noção de direito conquistado pela do beneplácito e

do favor, resulta no mero adiamento do déficit de cidadania para com

os mais humildes.

Aqui, o cuidado que devemos ter é o de não supor, por

ingenuidade ou oportunismo, que essa segunda exigência (a exigência

de um engajamento social no sentido de minorar as dificuldades que

impedem o encontro de alguns segmentos sociais com a cidadania),

assim como a primeira exigência (a exigência epistemológica de conferir 37 Está claro que Pedro Demo reconhece o aspecto externo da Extensão, isto é, a necessidade dela por parte dos segmentos sociais que estão fora da Universidade, mas a sua proposta parece voltada sobretudo para o aprimoramento do processo interno de um melhor desempenho cognitivo por parte de alunos e professores da Universidade, embora os termos de uma perspectiva não impositiva, dialógica, crítica e participativa envolvendo a interação entre os atores da Universidade e os atores externos a ela estejam bem colocados na sua crítica. O que falta, ao nosso ver, é um direcionamento de controle e eficácia da atividade extensionista.

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à produção do conhecimento um terreno empírico de experimentação

em vista de uma melhor qualidade científica), esteja acima dos

condicionamentos sociais e políticos próprios do campo acadêmico ou

científico. Não podemos escapar do logro de um conhecimento “puro”

para nos abrigarmos agora sob uma outra falácia, uma outra forma de

proclamar as nossas “boas intenções”. Pois aqueles agentes do campo

acadêmico que, talvez por não conseguirem se destacar na área da

pesquisa e se verem obrigados a ocupar outros espaços que lhes

garanta o prestígio necessário, passam a evocar o discurso da

“demanda social” permanecem, assim como os adeptos do “puro

interesse científico”, na ilusão de estar fora das determinações do

campo.

...a retórica da “demanda social” que se

impõe, particularmente numa instituição

científica que reconhece oficialmente as funções

sociais da ciência, inspira-se menos numa

preocupação real em satisfazer as

necessidades e as expectativas de tal ou qual

categoria de “clientes” (...), ou mesmo em

ganhar assim seu apoio, do que em assegurar

uma forma relativamente indiscutível de

legitimidade e, simultaneamente, um acréscimo

de força simbólica nas lutas internas de

concorrência pelo monopólio da definição

legítima da prática científica. (BOURDIEU,

2004, p. 47)

Isso não invalida, ao nosso ver, o aspecto da demanda social

como justificativa legitima da atividade extensionista. O que fica

evidente é, em primeiro lugar, que essa não pode ser a única

justificativa para a prática da Extensão, pois assim estaríamos

desvinculando a Extensão do Ensino e da Pesquisa, coisa que tornaria

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sem sentido a sua vigência no seio da Universidade. Em segundo lugar,

essa justificativa deve ter um caráter político num duplo sentido: político

em relação ao desejo legítimo por parte de qualquer ator social

(sobretudo se se trata de alguém que tem como atividade a produção do

conhecimento – fator cada vez mais relevante para o desenvolvimento

humano das sociedades contemporâneas) de interferir nos rumos da

sociedade, mobilizando os recursos que de alguma forma possam estar

à sua disposição, mas também, mais uma vez, político no sentido de

agregar ao desejo de mudança social as ambições associadas à

conquista de legitimidade no interior do campo acadêmico.

Em países como o Brasil, marcados historicamente pela

marginalização social e política de vastos segmentos da população, a

Extensão Universitária apresenta-se como via de intervenção política da

sociedade civil que cria novos referenciais para as políticas públicas dos

governos, substituindo a concessão de benefícios e a tendência

assistencialista pelo fomento da “cidadania politicamente competente e

adequadamente instrumentada pelo conhecimento” (DEMO, 2000, p.

12), como expressão da capacidade humana de construção da própria

história, do resgate da identidade individual e coletiva dos atores e do

desenvolvimento humano que possibilita a capacidade autônoma de

orientar o próprio destino. Demo reconhece com muita propriedade o

papel político que a Extensão deve ter em relação à necessidade de

conquista da cidadania por parte dos segmentos excluídos dessa

condição, mas, infelizmente, no modelo de Extensão que projeta, não

compreende a necessidade de valorizar e aperfeiçoar as conquistas

institucionais feitas no âmbito da Extensão.

Nesse sentido, propor, como ele o faz, o aniquilamento completo

de tudo o que existe em matéria de Extensão e uma refundação que

parta do ponto zero, não parece razoável em nenhum dos sentidos

políticos a que nos referimos há pouco.

Os problemas sociais se manifestam num ritmo próprio, e não

guarda nenhum respeito em relação ao ritmo das disputas político-

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científicas através das quais a Universidade define os modelos ideais de

suas práticas e os mecanismos institucionais capazes de viabilizá-las. A

premência dos problemas sociais não pode esperar a fabricação política

do consenso acadêmico para enfim se tornar objeto de intervenção. As

disputas intelectuais, em que as partes envolvidas não obedecem outro

ritmo senão o do rigor de suas definições e o dos ritos acadêmicos que

definem a sua condição de legitimidade, não devem constituir pretexto

para o imobilismo. Se não queremos elevar o conhecimento à condição

de demiurgo que funda a prática somente depois de ter assegurada a

sua própria perfeição, podemos conceber a Extensão Universitária

como intervenção efetiva, como dimensão constitutiva de uma práxis a

partir da qual as concepções e as condições políticas do seu exercício

serão continuamente reformuladas, mas sempre num sentido

progressivo.

Sobre a crítica que Paulo Freire faz à Extensão, só nos cabe

dizer que ela diz respeito menos à Extensão em si do que às formas

que ela pode assumir quando perde de vista a perspectiva humanista e

libertadora que deve orientar toda atividade educacional. Não entra na

argumentação de Paulo Freire nenhuma consideração a respeito do

lugar institucional no qual a atividade extensionista se situa. Não

podemos criticar Paulo Freire por ele ter abordado a Extensão a partir

do ponto de vista da intencionalidade pedagógica que a orienta na

maioria dos casos. Mas o reconhecimento das mediações institucionais

a partir das quais a Extensão se define como atividade reconhecível

poderia levar Freire a perceber que, além do “campo lingüístico”, existe

um outro campo, o campo acadêmico, estruturado na forma de relações

institucionais entre agentes e modalidades objetivas de ação por eles

incorporadas, e que esse campo é também definidor da aplicabilidade

dos conceitos, definição que não se dá prioritariamente a partir da

coerência semântica, mas da disputa simbólica entre os agentes do

campo objetivando conquistar e hegemonizar posições de poder

político.

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A distinção essencial entre o campo de associações semânticas

e o campo político institucional revela uma assimetria quanto aos

critérios que podem definir o sentido do termo comunicação e do termo

extensão. Paulo freire confronta os dois termos a partir de um critério

epistemológico, em que a qualidade do conceito define uma relação

explicativa do objeto, a ação educacional. Com base nesse critério, a

sua distinção e a prioridade conferida ao termo comunicação tem uma

validade correspondente à justa celebridade que adquiriu o seu ensaio –

Comunicação ou extensão? – entre estudiosos e educadores

interessados em compreender sentido humanista e emancipador da

educação. Se, contudo, o olhar que faz a distinção entre comunicação e

Extensão adota como critério as determinações políticas do campo

acadêmico, vemos que o termo comunicação corrigiria o virtual

“equívoco gnosiológico” do conceito de extensão, mas não preencheria

o papel institucional da Extensão. Teríamos, então, um vazio

institucional onde antes havia a Extensão. Isso porque essa

denominação cumpre o papel de uma “senha” que permite identificar um

lugar na topografia do campo acadêmico, senha que permite a alguns

agentes se apropriarem do valor relativo que ela adquire como capital

simbólico no contexto das relações estruturais do campo. Já o termo

comunicação denomina um processo, uma relação de caráter semiótico

difusa e de larga envergadura, no sentido que se faz presente numa

enorme diversidade de contextos e de áreas da ação humana, entre os

quais a Educação e a Extensão. Além disso, sabemos que, no campo

acadêmico, a comunicação apresenta-se como centro de convergência

de agentes (professores, pesquisadores, alunos) que se empenham em

associar a ela um capital simbólico específico, conferindo-lhe um

estatuto disciplinar próprio. Parte da dificuldade de alcançar esse intento

deve-se justamente ao fato de a comunicação ser um processo difuso e

abrangente abordado por diferentes disciplinas, da Matemática à

Antropologia. Um bom exemplo da inviabilidade de substituir

institucionalmente o termo Extensão por comunicação seria a séria

ambigüidade que o novo termo geraria em relação à disciplina que tenta

conquistar um lugar específico no campo acadêmico.

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Um olhar mais atento pode observar que Paulo Freire não está

tão isento assim de considerações de caráter institucional.

Não ocorreria a Paulo Freire substituir o termo educação por

comunicação. No entanto, está claro que a comunicação tem para a

Educação a mesma importância estratégica que tem para a atividade

que denominamos Extensão. Pode-se argumentar nesse ponto que o

termo educação não comporta nenhuma conotação que remeta à idéia

de transitividade, como acontece com o termo extensão, mas esse

argumento está longe de ser infalível. Basta pensarmos em certos usos

correntes da palavra: “Dona Judite educou três gerações de crianças da

sua cidade”; “É preciso levar a educação para as crianças e os jovens

da periferia”; “A escola Anísio Teixeira fornece ótima educação aos seus

alunos”; e, para encerrar essa breve lista de exemplos, um slogan que

serve de título a um best seller da “pedagogia de auto-ajuda” : “Quem

ama educa”.

Vemos aí um exemplo da relação de transitividade entre um

sujeito e um objeto da ação verbal, remetendo à idéia de uma atividade,

daquele que educa, contraposta a uma passividade, daquele que é

objeto da ação de educar. Vemos a educação tomada no sentido

estático de algo cristalizado, um “bem” que pode ser “levado” ou

“fornecido” por um sujeito a outro, sendo este último, diria Paulo Freire,

“convertido em objeto”. Vemos, por fim, uma enorme contrafação do

pensamento educacional de Paulo Freire na forma de um reclame

publicitário de uma pedagogia de banca de jornal, vendendo a idéia de

que há um sujeito que pode amar e educar um objeto ausente. Nada

poderia estar mais distante do ideal freireano de uma educação que se

faz por intermédio do diálogo como “o encontro amoroso dos homens

que, mediatizados pelo mundo, o ‘pronunciam’, isto é, o transformam, e,

transformando-o, o humanizam para a humanização de todos” (FREIRE,

1977, p. 43).

Apesar de todas as distorções semânticas a que se torna

suscetível o termo educação, distorções que sem dúvida se relacionam

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a uma prática igualmente distorcida, não é necessário abandonar o

termo consagrado pelo uso para assimilar à prática que ele denomina

as noções fundamentais de dialogicidade, comunicação, co-

participação, co-intencionalidade e outras mais, todas constitutivas de

um projeto de educação como humanização e como prática da

liberdade. O mesmo vale para a atividade institucionalmente nomeada

como Extensão.

Em suma, mesmo levando em conta a “força operacional dos

conceitos”, a sua força de objetivação, é preciso ter igualmente em

conta a relação dialética que eles mantém com a prática à qual estão

associados; a plasticidade, condição essencial da relação do homem

com o mundo, concerne também à linguagem que se utiliza no curso

dessa relação, de modo que há sempre a possibilidade de

ressemantizar, ressignificar as palavras que conferem sentido ao mundo

e à atividade humana sobre ele. O termo extensão, assim como o

termo educação, pode revestir-se, ou não, de uma intencionalidade

libertadora e humanista, dependendo fundamentalmente de como os

agentes se posicionam teórica e praticamente no contexto da correlação

de forças que faz do campo científico ou acadêmico uma arena de

disputas pela hegemonia das concepções e das formas objetivadas de

ação relacionadas.

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2.5 – Extensão como comunicação

Os procedimentos adotados nas práticas extensionistas do

Núcleo de Comunicação e Educação evidenciam uma opção clara

pela Extensão como comunicação e esta é a única postura coerente

para uma ação que se baseia nos princípios da Educomunicação.

A Educomunicação não reivindica para si a condição de um

conhecimento neutro. A politicidade lhe é inerente e marca a sua

distinção em relação àquilo que já foi descrito como “discurso

competente”.

Na acepção dada por Marilena Chauí (1980, p. 3-13), o

“discurso competente” é aquele que, ocultando o lugar social e político

a partir do qual é pronunciado, procura apresentar-se sob o manto

ideológico da cientificidade como expressão de uma racionalidade

imanente ao objeto, prescrevendo formas de ação e cooperação

consideradas racionais segundo a lógica do especialista ou do corpo

de especialistas erigidos em porta-vozes da ratio científica. Assim

procedendo, essa prática discursiva reforça a estratégia de dominação

que dispõe em posições hierárquicas os interlocutores, autorizando a

manifestação de uns ao mesmo tempo em que desautoriza o

pronunciamento da maioria. Tacitamente, atribui-se a essa maioria a

qualificação de incompetência enquanto sujeitos sociais e políticos,

convertendo-a em mero objeto de uma intervenção externa. O

mecanismo da dominação se completa com a autorização, por parte

dos agentes que encarnam o ideal de competência, para que alguns

indivíduos, na condição de pessoas privadas, se tornem reprodutores

do discurso competente em uma forma secundária ou derivada. Com

isso produz-se a aparência de uma restituição da qualidade de

sujeitos que foi confiscada, enquanto se mantém, na realidade, a

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condição de objetos, aprimorada por uma interiorização das regras da

dominação, da noção de superioridade do saber competente.

Vinculada umbilicalmente à idéia de resgate da condição de

sujeitos, aos preceitos de uma comunicação e de uma educação como

processos de mediação e dialogicidade, vinculada a matrizes teóricas

como aquelas cuja apresentação esboçamos no capítulo anterior, a

Educomunicação só pode entender a Extensão como comunicação,

no exato sentido em que Paulo Freire compreende a educação como

comunicação, por paradoxal que pareça colocar essa afirmação diante

da alternativa exclusiva que Paulo Freire formula: extensão ou

comunicação. A educomunicação reconhece (e dá conseqüência

prática a esse reconhecimento) a mediação como dimensão

insuprimível da relação dos sujeitos sociais e de sua cultura com a

comunicação. Atribui a essa dimensão o caráter constitutivo da própria

qualidade de sujeitos aí implicada. Portanto, a ação educomunicativa

recusa peremptoriamente qualquer tipo de cerceamento ou submissão

da capacidade dos sujeitos de investirem suas intenções subjetivas na

construção e reelaboração de significados.

Falar de sujeitos significa falar de desempenhos ativos por

parte dos atores, seja como intérpretes das mensagens midiáticas (no

processo de ressemantização dessas mensagens a partir de

referenciais culturais próprios do contexto receptivo), seja na

apropriação dos recursos técnicos e da linguagem da mídia para

produzirem suas próprias mensagens, seja no desempenho

simultâneo das atividades de produção e recepção de mensagens no

contexto escolar das atividades de ensino-aprendizagem. Numa

perspectiva educomunicativa, importa sobretudo a recusa definitiva de

uma tradição de subestimação da condição de sujeito implicada

nesses desempenhos, tradição reproduzida tanto a partir de uma

vertente ainda influente dos estudos a comunicação (que limita o seu

olhar sobre a comunicação à esfera da emissão, dos meios, dos

esquemas industriais de produção) quanto a partir da própria escola

(centrada nos esquemas de transmissão de um saber estático).

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A subestimação é a face complementar do “discurso

competente” a que se refere Marilena Chauí, mas foi Paulo Freire que

a caracterizou em cores mais vivas como...

...uma inegável descrença no homem simples.

Uma subestimação do seu poder de refletir, de

sua capacidade de assumir o papel verdadeiro de

quem procura conhecer: o de sujeito dessa

procura. Daí a preferência por transformá-lo em

objeto do “conhecimento” que se lhe impõe. Daí

este afã de fazê-lo dócil e paciente recebedor de

“comunicados”, que se lhe introjetam, quando o

ato de conhecer, de aprender, exige do homem

uma postura impaciente, inquieta, indócil. Uma

busca que, por ser busca, não pode conciliar-se

com a atitude estática de quem simplesmente se

comporta como depositário do saber. (1977, p.

46)

O projeto Educom.rádio apresenta-se como exemplo do

intercurso dinâmico entre Universidade, Sociedade e Estado que torna

a Extensão Universitária o exercício político de uma práxis. Ele

atendeu à necessidade urgente de reformulação parcial da prática

político-pedagógica de uma rede de escolas públicas, conferiu feição

prática, de intervenção política ao conhecimento produzido na

Universidade por meio de suas pesquisas e influenciou decisivamente

a emergência de uma política pública do governo municipal de São

Paulo. Além disso, materializou uma experiência empírica capaz de

retroalimentar as atividades de pesquisa que continuam a ser

desenvolvidas na Universidade sobre a inter-relação comunicação-

educação. Conquistou assim, no mínimo, a condição de exceção e

face da tendência de que “...dificilmente programas de Extensão

aparecem como ‘Pesquisa’, ou, mais propriamente, como

reconstrução do conhecimento” (DEMO, 2001, p. 152).

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Observar a questão da Extensão Universitária como uma

demanda convergente, todavia distinta, da Universidade, por um lado,

e da sociedade, por outro, nos interpela no sentido de ajustar a nossa

tentativa de cumprir adequadamente o mandato da Universidade

quanto ao Ensino e à Pesquisa à necessidade de uma intervenção

que, em muitos casos, não pode ser retardada. É preciso ter claro que

os critérios acadêmicos ideais nem sempre se ajustam às exigências

da realidade concreta. O campo da educação é um bom exemplo

disso. As atividades extensionistas são aí uma forma de fazer face ao

rápido processo de massificação da educação e às mudanças

tecnológicas que se intensificaram especialmente ao longo das últimas

duas ou três décadas e que a formação universitária não pode

acompanhar a contento em termos de qualidade e quantidade. É

forçoso constatar que ainda hoje 42% dos professores brasileiros da

educação pública de nível fundamental e médio não têm curso

superior e que a formação continuada para estes e para os demais

professores da rede pública é hoje uma necessidade premente que as

instituições universitárias não conseguem suprir apenas com base nas

suas atividades curriculares estritas a tempo de provocar um efeito

que venha beneficiar as novas gerações que continuam a ingressar e

a concluir o ciclo escolar vitimados por um ensino de qualidade

deficiente. Como então, em face desse quadro, podemos nos aferrar

de forma inflexível à idéia de que “...não é adequado a Extensão

organizar um projeto de capacitação dos professores da rede escolar,

porque stricto sensu deveria fazer parte do curso de Educação

curricularmente falando” (DEMO, 2001, p. 142)?

Ao nosso ver, enquanto a Universidade luta para resolver as

suas disputas em torno da organização curricular que melhor

atenderia a uma perfeita simbiose entre Ensino, Pesquisa e Extensão,

a atividade extensionista deve prosseguir, submetida a um critério de

avaliação que aprecie o grau de articulação que ela consegue manter

com o Ensino e a Pesquisa.

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Nessa perspectiva, o projeto Educom.rádio figura como

audaciosa tentativa de articular a Extensão ao mandato acadêmico,

com o mérito adicional de não se limitar ao molde das “atividades

assistenciais, compensatórias, remediadoras ou atenuantes [que],

quando interrompidas, aumentam o desamparo e prolongam o

sofrimento” (BOTOMÉ, 2001, p. 162). Articulado a uma política pública

e propiciando um tipo de formação orientada para o desdobramento e

a multiplicação, o Educom.rádio desvencilha-se de uma perspectiva

imediatista de curto alcance. Estar vinculado a uma política pública

implica em preconizar ações que tenham o abrigo institucional

necessário, incluindo as condições legais e materiais e os novos

referenciais de valor que darão acolhimento e incentivo às práticas

dos atores. Promover um tipo de formação tendente ao

desdobramento e à multiplicação implica em superar o aspecto

meramente instrumental das práticas defendidas, ou seja, superar o

habitual receituário de práticas reificadas destinado a uma reprodução

mecânica por parte de indivíduos encarados como meros

reprodutores. A metodologia de trabalho empregada durante o curso

buscou fundar, simultaneamente, as ações e o sentido que lhes é

inerente, como dimensões inseparáveis de uma mesma práxis. Assim

procedendo, acredita-se operar uma mudança no próprio etos da ação

pedagógica, alterando de forma duradoura a visão de educadores e

educandos em relação às suas atividades. Tendo vivenciado a

experiência de uma nova dinâmica comunicativa no processo de

ensino-aprendizagem, educadores e educandos assimilam como

dimensão permanente os valores de uma prática colaborativa,

reconfigurando suas imagens e as expectativas em relação a esse

processo. O novo padrão ético fará parte de uma exigência cotidiana

que, pelo caráter exemplar, tende a atrair e cativar outros atores e a

multiplicar-se em novas ações e no engajamento crescente dos

membros da comunidade.

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CAPÍTULO III

SÃO PAULO A CIDADE E SEUS CONTRASTES

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3. São Paulo – a cidade e seus contrastes

Em setembro de 2001, iniciava-se o programa de formação de

professores e estudantes EDUCOM.RÁDIO - Educomunicação para Ondas do Rádio: construindo a paz pela comunicação. A proposta

atenderia à demanda da Secretaria Municipal de Educação da Cidade

de São Paulo (SME-SP) de programar políticas educativas de

prevenção e combate à violência, envolvendo todas as escolas

municipais de ensino fundamental.

O EDUCOM.RÁDIO se constituiria, desta forma, numa experiência

peculiar e inovadora, uma vez que, além de reunir o governo local e a

universidade pública, sua formulação tinha em vista a desafiadora

relação quantidade/ qualidade dada pela natureza programa. Tal desafio

implicaria em um ponto central tratado por Aldaíza Sposati - rejeitar a

perspectiva de um projeto-piloto e se defrontar com o paradigma de

megacidade, a mega-São Paulo.

...falar do volume das necessidades da mega-

São Paulo é tema cotidiano. Ela nos obriga a

enxergá-la como planetária, mundial mas

também local e vizinha no cotidiano. Ela é

exemplo paradigmático do grande fenômeno da

megacidade. (...) Atingir a qualidade em São

Paulo implica efetivamente em assumir a sua

quantidade. Este argumento é fundamental para

São Paulo. A cidade não suporta mais projetos-

piloto. Experiências que diluem a relação

quantidade e qualidade (1996, p.4-5).

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Estas considerações nos levam a indagar de que cidade estamos

falando? Para quem estamos falando? Para quem foi formulado o

educom.rádio? Em que região de São Paulo o programa foi

executado?E, finalmente, como o programa foi implementado nas

escolas municipais da cidade?

Ao completar 450 anos em 2004, a cidade de São Paulo, com uma

área de 1.509km2, abrigava em seu território uma população calculada

em 10.804.867 milhões de habitantes, alcançando uma densidade

demográfica de 7.077,4 hab./km2, o que a define como município-pólo

da maior região metropolitana brasileira. Com taxa de crescimento anual

oscilando em torno de 0,8%, estima-se que em 2010 sejam largamente

superados os 11 milhões de habitantes. A magnitude e a densidade

demográfica podem ser acompanhadas na Tabela 02, que mostra o

crescimento da população urbana entre 2000 até 2005.

São Paulo38 – a cidade e região metropolitana39 – notabiliza-se na

história brasileira por seu intenso crescimento populacional marcado

pelo desempenho econômico oriundo da produção cafeeira no século

XIX e da constituição de um programa de substituição das importações

e expansão do mercado interno e externo, na primeira metade do século

XX .

39 Foram criadas em inícios dos anos 70, por meio das Leis Complementares, as primeiras nove Regiões Metropolitanas (RM), a saber: Belém, Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. A partir da Constituição de 1988 ficou a encargo dos Estados da Federação a competência de criar novas RMs. A Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) é constituída atualmente por 39 municípios numa área de 8.051km2, entre eles a Capital, concentrando 48,04% da população de todo o Estado, atingindo uma densidade demográfica de 2.220 habitantes por km2. Segundo o Projeto Análise das Regiões Metropolitanas do Brasil – Como Andam as Metrópoles Brasileiras: São Paulo, desenvolvido pelo Obsertório das Metrópoles, em 2005, o processo de evolução urbana da Grande São Paulo configura a emergência da estrutura metropolitana, caracterizada pela agregação num conjunto urbano contínuo e orgânico de áreas pertencentes a diversos municípios; pela escala, da ordem de vários milhões, da população residente e/ou exercendo atividades nessa área e, finalmente, pelo desenvolvimento de um sistema complexo de pólos de concentração de atividades terciárias em vários níveis. Este último e mais recente fenômeno, marcado pela estruturação de blocos industriais na segunda metade do século XX, acentuou a extensão de áreas ocupadas pelos usos urbanos, traduzindo-se na incorporação de áreas de novos municípios à conurbação principal. Neste texto nos valeremos de duas definições para Metrópole: cidade grande; nação, em relação às suas colônias.

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TABELA 01 - Evolução da População Residente

Brasil, Estado de São Paulo, Região Metropolitana e Município de São Paulo 1980, 1991, 2000 e 2004

Unidades Territoriais 1980 1991 2000 2004 Brasil 119.002.706 146.825.475 169.799.170 181 132 001 Estado de São Paulo 25.040.712 31.588.925 37.032.403 39 743 807 Região Metropolitana de S.Paulo 12.588.725 15.444.941 17.878.703 19 080 087 Município de São Paulo 8.493.226 9.646.185 10 434 252 10 804 867 Fonte: IBGE - Censos demográficos Secretaria Municipal do Planejamento-SEMPLA / DIPRO - Estimativas, 2001 a 2005

Segundo Ricardo Gaspar, a Região Metropolitana de São Paulo

continua concentrando segmentos industriais de ponta, como a indústria

de material elétrico e de comunicação, e a de máquinas e

equipamentos, refletindo opções empresariais pela proximidade do

mercado e outras vantagens dinâmicas da capital. Desta forma, São

Paulo se mantém no cenário nacional como pólo irradiador, apesar do

processo de reestruturação industrial, com a perda líquida de empregos,

mas com ganhos de produtividade, o que deteve a trajetória declinante

do segmento industrial verificada nas décadas de 1970 e 1980

(GASPAR, 2006, p.14).

Figura 01: Região Metropolitana de São Paulo

Fonte:http://ww2.prefeitura.sp.gov.br//arquivos/guia/mapas/0001/mapa_grande_sao_paulo.jpeg

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A partir da década de 90, a cidade de São Paulo se distingue como

centro de sofisticados serviços auxiliares à produção do sistema

financeiro nacional e de grandes empresas estrangeiras que operam no

país, além de sua condição de pólo consumidor e produtor de insumos e

bens industriais.

Embora as taxas de crescimento econômico tenham refletido no

cotidiano, provocando uma melhoria das condições de vida de toda a

população brasileira, criando uma nova classe média urbana, a riqueza

gerada se manteve concentrada nas mãos de uma pequena parcela da

população.

O binômio ritmo acelerado de crescimento e explosão demográfica,

traço predominante na constituição das metrópoles, influenciaria

significativamente a dinâmica de ocupação do solo, gerando demandas

para acomodar toda essa população em um determinado território,

fazendo surgir, segundo Ermínia Maricato, grandes contingentes

populacionais sem acesso a direitos sociais e civis básicos: legislação

trabalhista, previdência social, moradia e saneamento, entre outros.

Pela primeira vez em sua história, afirma a autora, o Brasil tem

multidões concentradas em vastas regiões - morros, alagados, várzeas

ou mesmo planícies - marcadas pela pobreza homogênea. (MARICATO,

2000, p.23)

São Paulo, caso exemplar deste fenômeno, define-se em seu

desenho, segundo Milton Santos, por uma modernização incompleta,

em que se justapõem e superpõem traços de opulência, devidos à

pujança da vida econômica e suas expressões materiais, e sinais de

desfalecimento, graças ao atraso das estruturas sociais e políticas.

Tudo que há de mais moderno pode aí ser encontrado, ao lado das

carências mais gritantes (SANTOS, 1990, p.13).

Deste modo, a urbanização se por um lado insere a sociedade

brasileira na modernização ao mesmo tempo contraria este processo ao

recriar o atraso expresso em novas formas de apropriação do espaço.

Vejamos alguns indicadores a seguir.

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No que concerne à educação, a SME-SP registrou cerca de um terço

do montante de registros de matrículas ocorridos no ensino fundamental

em 200440 na Cidade de São Paulo, totalizando 556.489 matrículas. Estes

estudantes se distribuíram em 465 em escolas municipais de ensino

fundamental (EMEFs) e foram atendidos por 20.773 docentes. A rede

municipal efetuou 3.213 matrículas no ensino médio e contou com 133

docentes em seus quadros, enquanto o ensino pré-escolar computou

275.875 matrículas e 8.237 docentes (INEP, 2004).

O Censo Demográfico 2000 indicou uma freqüência às escolas na

ordem de 96% da população entre 7 a 14 à escola, porém registrou que

329.240 pessoas a partir de 15 anos nunca freqüentaram os bancos

escolares, apresentando uma taxa de analfabetismo funcional na

População de 15 a 24 Anos de 5,6% entre as mulheres e 7% entre os

homens.

São 207.160 domicílios localizados em favelas, enquanto 14,25% de

domicílios particulares estão vagos.

No que concerne aos equipamentos culturais, temos 235 salas de

cinema, 362 bibliotecas e 273 equipamentos culturais, sendo, públicos e

privados, há uma concentração de 117 equipamentos e 23.401 assentos

na região da Subprefeitura da Sé (SEADE, 2006).

Também se verificou que o segmento da população que tem a maior

taxa de mortalidade por agressões ou homicídios41, no triênio 2000-02, são

homens entre 15 e 24 anos. São registrados 247 óbitos para cada 100.000

40 Na Cidade de São Paulo, em 2004, foram realizadas 1.576.594 matrículas no Ensino Fundamental: 742.207 matrículas oriundas da rede estadual; 187, da rede federal; 556.489 da rede municipal e 277.771 da rede particular. Fonte: Ministério da Educação, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – INEP, Censo Educacional 2004. 41A violência configura-se, segundo Márcio Porchmann, como um fenômeno da sociedade contemporânea que atinge prioritariamente os jovens, principalmente aqueles que sofrem os efeitos do um processo de exclusão social. Apesar da violência não ser determinante do processo de exclusão social ela pode ser vista como expressão e conseqüência da nova realidade produzida pelo acirramento da competição social, das alterações dos valores morais e da nova lógica da sociabilidade que conforma a sociedade de consumo (PORCHMANN, 2004, p.51)

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homens. O dado mostra-se assustador quando verificamos que a mesma

taxa para as mulheres corresponde a 14,40 óbitos.

Para São Paulo, segundo Maria Helena Jorge, a morte de jovens por

acidente de trânsito foi suplantada pela ocasionada por causas externas.

Estes óbitos há quase quinze anos constituem o tipo de violência mais

relevante chegando a atingir no município uma parcela superior a 60%.

Entre as causas que mais são apontadas estão o consumo de bebidas

alcoólicas e o uso de drogas. Outro ponto que merece destaque é o porte

de armas de fogo. (JORGE, 2002, p.52-53)

O Educom.rádio, apresentado pelo Núcleo de Comunicação e

Educação da ECA/USP faz parte da construção de estratégias de

prevenção e combate à violência nas escolas pelo Projeto Vida – SME-SP

como previsto na Lei 13.096, de 08 /12/2000.

A formulação aprovada perfazia não só o mapa dos distritos da

cidade de São Paulo, mas a cidade toda, numa distribuição por fase. Desta

forma, a cidade não se limita a mero cenário, mas que um espaço de

mediação em que se desenrola um programa de formação de professores

e estudantes em Educomunicação.

Abaixo temos a distribuição das escolas pelas regiões de São Paulo

ao longo do 3 anos e meio:

TABELA 02 – DISTRIBUIÇÃO DE TURMAS POR REGIÕES

REGIÕES 2001 2002 2003 2004 NORTE 06 21 33 21 CENTRO/SUL 02 07 42 11 06 SUL 04 14 22 14 OESTE 02 07 11 07 LESTE 12 47 66 47 TOTAL 26 95 143 191

Fonte: http://ww2.prefeitura.sp.gov.br//arquivos/guia/mapas/0001/mapa_distritos.jpeg FIGURA

42 Em 2002, as turmas formadas por cursistas de 94 EMEFs e turma de educadores da CONAE.

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FIGURA 02 – DISTRIBUIÇÃO DE TURMAS POR REGIÕES

LEGENDA- REGIÕES

NORTE: ÁGUA RASA, ANHANGUERA, BRASILÂNDIA, CACHOEIRINHA, CASA

VERDE, FREGUESIA DO Ó, JAÇANÃ, JAGUARÁ, JARAGUÁ, LIMÃO, MANDAQUI,

PARI, PERDIZES, PERUS, PIRITUBA, SANTANA, SÃO DOMINGOS, TREMEMBÉ,

TUCURUVI, VILA GUILHERME, VILA LEOPOLDINA, VILA MARIA, VILA

MEDEIROS.

CENTRO/SUL: BELA VISTA, CAMPO BELO, CURSINO, IPIRANGA, JABAQUARA, LIBERDADE,

MOEMA, SACOMÃ, SAÚDE, SÉ, VILA MARIANA.

SUL: CAMPO GRANDE, CAMPO LIMPO, CAPÃO REDONDO, CIDADE ADEMAR, CIDADE DUTRA, GRAJAU, ITAIM BIBI, JARDIM ANGELA,

JARDIM SÃO LUÍS, MARSILAC, PARELHEIROS, PEDREIRA, SANTO AMARO, SOCORRO, VILA ANDRADE.

OESTE: BUTANTÃ, ITAIM BIBI, JAGUARÉ, MORUMBI, PINHEIROS,

RAPOSO TAVARES, RIO PEQUENO, VILA SÔNIA.

LESTE: ÁGUA RASA, ARICANDUVA, ARTUR ALVIM, BELÉM, CANGAÍBA, CARRÃO, CIDADE LÍDER, CIDADE TIRADENTES, ERMELINO MATARAZZO, IGUATEMI, ITAIM PAULISTA, ITAQUERA, JARDIM HELENA,

JOSÉ BONIFÁCIO, MOOCA, PARQUE DO CARMO, PONTE RASA, SÃO LUCAS, SÃO MATEUS, SÃO MIGUELPAULISTA, SÃO RAFAEL,

SAPOPEMBA, TATUAPÉ, VILA CURUÇÁ, VILA FORMOSA, VILA JACUÍ, VILA MATILDE, VILA PRUDENTE.

Podemos identificar esta cidade como um “ator social”

(CASTELLS; BORJA, 1996), que como tal não se confunde unicamente

com o governo local, porém o inclui e aparece tanto como projeção da

sociedade no espaço43, como quanto uma construção social em que

interagem o material e o simbólico, dando forma e sentido à vida de um 43 Nestor Goulart Reis discorre sobre o processo de urbanização como produto das ações de agentes sociais, que determinam as condições de apropriação, produção, uso e transformação do espaço. (1995, p.4-5)

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grupo que se esforça para transformar, mediante a apropriação, o

espaço anônimo num espaço pleno de sentido (REGUILLO-CRUZ,

1999, P.78). A cidade, “palco-personagem” (ROLNIK, 1994), adquire

uma centralidade na vida política, econômica, social e cultural, na

medida em que protagoniza a articulação entre administrações públicas,

organizações sociais, setores intelectuais e profissionais e meios de

comunicação social (CASTELLS, BORJA, 1996, p.152).

Desta forma, como propõe Raquel Rolnik (1994), impõe-se a tarefa

de “desmontar o espaço urbano” com o intuito de captar as marcas da

constituição da nova ordem social impressas na geografia transformada

da cidade. Concebe-se, então, estas “marcas” como construtos que

permitem as articulações das relações dos significados envolvidos no

fenômeno estudado.

Se tomarmos a cidade como expressão concreta da história de

uma sociedade, sugerimos um passeio por alguns marcos históricos,

com o intuito de melhor conhecermos a cidade de São Paulo e suas

contradições, pontuaremos algumas das especificidades do processo de

urbanização no Brasil.

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3.1. A Urbanização Pretérita44

Pero Vaz Caminha

A descoberta Seguimos nosso caminho por este mar de longo Até a oitava da Paschoa Topamos aves E houvemos vista de terra

História do Brasil Pau Brasil

Oswald de Andrade

Os primeiros séculos de ocupação portuguesa na América não

foram movidos pela pressão demográfica. Por isso muito pouco de

urbano encontramos nas primeiras aglomerações do século XVI. No

começo, pontua Milton Santos, a cidade45 era bem mais a emanação do

poder longínquo, uma vontade de marcar presença num país distante,

resultado de um povoamento cujo eixo propulsor se situaria nos planos

político e econômico voltados para o mercado externo (1993, p.17).

A colonização da América Portuguesa está intrinsecamente

associada aos processos de formação dos Estados Nacionais na

Europa, que teriam colocado Portugal na dianteira da expansão do

comércio marítimo e possibilitado o alargamento de seus domínios. No

entanto, a experiência portuguesa até então se restringia a criar postos

44 A Urbanização Pretérita é o título que Milton Santos escolheu para o segundo capítulo em sua obra a Urbanização Brasileira. 45 A designação de cidade representava o nível hierárquico mais elevado de uma aglomeração urbana na Colônia, sendo sua fundação prerrogativa da Coroa Portuguesa. A cidade dispunha de um estatuto particular, porém se distinguia dos demais centros urbanos por ser a sede de uma jurisdição territorial e por abrigar a sede da autoridade eclesial (TEIXEIRA, 2003, p.56).

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e feitorias em territórios densamente povoados e com uma produção

organizada, dos quais pudesse extrair produtos de interesse no

mercado europeu sem maiores esforços. (GOULART REIS, 1995)

De dimensões continentais, o Brasil apresentava uma floresta de

difícil penetração, uma população pouco densa e escassa produção, o

que fez com que o seu povoamento não representasse a prioridade

para a Coroa Portuguesa. Ao cabo dos primeiros anos, o Brasil,

segundo Bóris Fausto, ainda se apresentava como um território cujas

possibilidades de exploração e contornos geográficos eram

desconhecidos. Por vários anos, pensou-se que não passava de uma

grande ilha. Chamada de Vera Cruz, depois de Santa Cruz, e por fim de

Brasil , associado à primeira riqueza da terra em seus primeiros tempo,

o pau-brasil. (FAUSTO, 2002, p.16).

Sérgio Buarque de Holanda atenta sobre o início da exploração

nos trópicos:

Essa exploração dos trópicos não se processou,

em verdade por um empreendimento metódico e

racional, não emanou de uma vontade construtora

e enérgica: fez-se antes com desprezo e certo

abandono. Dir-se-ia mesmo que se fez apesar de

seus autores. E o reconhecimento desse fato não

constitui menoscabo à grandeza do esforço

português (HOLANDA, 1991, p.12).

Centrados, portanto, na expansão do comércio com as Índias, os

portugueses se limitaram a vistoriar o litoral e instalar não mais que

feitorias46 ou entrepostos para a extração e comercialização do pau-

brasil. Nestor Goulart Reis acrescenta que o Brasil foi submetido a uma

política colonial que visava organizá-lo como uma imensa retaguarda

46 Pontos fortificados na costa brasileira cuja função restringia-se à extração e comercialização de produtos nativos, principalmente o pau-brasil.

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rural para os mercados europeus. Essa foi a diretriz básica da política

colonizadora até o final do século XVII (1995, p.8).

Milton Santos se reporta aos estudos de Nestor Goulart Reis sobre a

nossa evolução urbana, incluindo como elementos explicativos do que

chama de “o sistema social da Colônia” aspectos como: a organização

político-administrativa (capitanias, governo-geral e câmaras municipais),

as atividades econômicas rurais (e suas camadas sociais

correspondentes) e as atividades econômicas urbanas (e seus atores)

(SANTOS, 1993, p.17-27).

A organização político-administrativa no sistema colonial funda-se

no pressuposto de que qualquer ação do governo português para o

povoamento ou exploração das novas terras então descobertas

convergiria para as diretrizes da colonização determinadas pelo

“exclusivo metropolitano”47, que ditava a economia “de tal forma que a

produção em grande escala para a exportação geraria ganhos e

acumulação de capitais na metrópole” (FAUSTO, 2002, p. 57).

O aumento do interesse comercial dos franceses48 nas costas

brasileiras impulsionaria uma primeira ação efetiva de colonização com

a Coroa vendo-se obrigada a adotar medidas que incluíam a criação de

assentamentos, promovendo a instalação de forma permanente de um

segmento da população européia na América portuguesa. Foram assim

criadas as Capitanias Hereditárias49, com o objetivo de efetivamente

promover a ocupação do território em consonância com os interesses

mercantis vigentes.

47 O exclusivo metropolitano consistia na exclusividade do comércio externo em favor da metrópole, assumindo as formas de arrendamento, de exploração direta pelo Estado, de criação de companhias privilegiadas de comércio beneficiando determinados grupos comerciais metropolitanos (FAUSTO, 2003, p. 27) 48 Os franceses não reconheciam o Tratado de Tordesilhas e sustentavam o princípio que a possessão da terra era de quem efetivamente a ocupassem. 49 A Coroa portuguesa implanta o sistema de exploração, anteriormente adotado nas Ilhas Madeira e Açores, baseado em Capitanias Hereditárias, o que resulta na divisão das terras conhecidas em faixas, paralelas à linha do equador, dispostas entre o litoral e o meridiano de Tordesilhas.

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Os documentos de concessão50 das Capitanias eram entregues

aos capitães donatários51, garantindo-lhes amplos poderes

administrativos e econômicos, possibilitando-lhes arrecadar tributos52,

instalar engenhos, exercer a justiça, fundar vilas, doar sesmarias53,

alistar colonos para fins militares, adquirir mão de obra escrava e formar

milícias sob o seu comando (FAUSTO, 2003).

A partir de então os centros urbanos propagaram-se, lentamente,

pelo território brasileiro, inseridos em um sistema de exploração

colonial, cujo sentido básico era abastecer o mercado europeu com

produtos alimentícios ou minérios. Para tanto, a Metrópole portuguesa

incentivou o empreendimento comercial baseado na produção em larga

escala de poucos itens exportáveis, oriundos de grandes propriedades

rurais (os latifúndios), resultado do trabalho compulsório (FAUSTO,

2003).

Sérgio Buarque de Holanda pontua que a agricultura aqui praticada

assumia um caráter de produção de índole semicapitalista direcionada à

geração de riquezas e não o zelo carinhoso pela terra, tão peculiar ao

homem rústico entre os povos genuinamente agricultores. Deste modo

observa o autor:

50 Os donatários eram os “possuidores da terra” e não seus proprietários. A concessão do lote não os autorizando desfazer-se do bem que lhes eram destinados, atribuindo apenas ao rei o direito de vender, modificar ou extinguir as capitanias. 51 Os capitães donatários “constituíam um grupo diversificado, no qual havia gente da pequena nobreza, burocratas e comerciantes, tendo em comum suas ligações com a coroa. (...) Nenhum representante da grande nobreza se incluía na lista dos donatários, pois os negócios na Índia, em Portugal e nas ilhas atlânticas eram, por essa época, mais atrativos” (FAUSTO, 2003, p.44) 52 As normas que regiam a arrecadação dos tributos eram encontradas na Carta Foral. Tal documento definia as taxas devidas à Coroa e aos donatários correspondentes à exploração pelos colonos dos bens extraídos de suas sesmarias, como: o pau-brasil, os metais preciosos, a instalação de engenhos, moinhos de água, entre outros. 53 Por sesmaria entende-se “uma extensão de terra virgem cuja propriedade era doada ao sesmeiro com a obrigação, raramente cumprida, de cultivá-la no prazo de cinco anos e de pagar o tributo devido à coroa”. (FAUSTO, 2003, p.44/45). Merece destaque a doação de sesmarias que originariam os futuros latifúndios, um dos pilares do sistema agromercantil movido pela produção açucareira baseada no trabalho compulsório ou pouco qualificado.

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Numa produção de índole semicapitalista,

orientada sobretudo para o consumo externo,

teriam de prevalecer por força critérios

grosseiramente quantitativos. Em realidade, só

com alguma reserva se pode aplicar a palavra

“agricultura” aos processos de exploração da

terra que se introduziam amplamente no país

com os engenhos de cana. (...) A verdade é que

a grande lavoura, conforme se praticou e ainda

se pratica no Brasil, participa, por sua natureza

perdulária, quase tanto da mineração quanto da

agricultura. Sem o braço escravo e terra farta,

terra para gastar e arruinar, não para proteger

ciosamente, ela seria irrealizável. O que vinha

buscar o português era, sem dúvida, a riqueza,

mas a riqueza que custa ousadia, não riqueza

que custa trabalho. (HOLANDA, 1991, p.18).

Ao longo dos dois primeiros séculos de domínio português as vilas

e cidades foram construídas, estrategicamente, na costa brasileira, em

encostas de rios, baías e ancoradouros, com o intuito de impedirem a

entrada de concorrentes, facilitarem o escoamento de mercadorias e

promoverem o ingresso de expedições ao sertão do país. Esta

disposição urbana sugere a Roger Bastide um arranjo peculiar de uma

formação ganglionar, em que células primordiais se multiplicariam

dando nascimento, ao seu redor, a outras células, até que todas

acabariam por se encontrarem formando o Brasil (BASTIDE, 1978,

p.26).

Estes núcleos urbanos, no entanto, eram constituídos por uma

grande maioria da população que ainda residia no campo. Sergio

Buarque de Holanda pontua que os portugueses instauraram uma

civilização de raízes rurais, em que as cidades são virtuais, ou

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simplesmente propriedades rústicas dependentes (HOLANDA, 1991,

p.41).

A centralidade das propriedades rurais define a vida colonial e os

atores sociais que a compõem. Deste modo, o domínio rural é exercido

pelo círculo familiar, sob a autoridade do patriarca, o proprietário de

terra. Seu pátrio poder ilimitado e incontestável atingia todas as esferas

da vida social. A entidade privada precede a entidade pública. Sendo

assim, a família colonial fornecia a idéia mais normal de poder, de

respeitabilidade, de obediência e de coesão entre os homens.

(HOLANDA, 1991, p.41-60)

O resultado é a sobreposição do público ao privado. Este traço da

cultura colonial encontra sua feliz manifestação nos escritos citados por

Sérgio Buarque de Holanda, de Frei Vicente do Salvador:

Notava as coisas e via que mandavam comprar

um frangão, quatro ovos e um peixe para comer, e

nada lhe traziam, porque não se achava na praça,

nem no açougue , e, se mandava pedir ditas

coisas e outras mais às casas particulares, lhas

mandavam. Então disse o bispo: verdadeiramente

que nesta terra andam as coisas trocadas, porque

toda ela não é república, sendo-o cada casa.

(HOLANDA, 1991, p.49)

As esferas do público e privado não só se apresentam

profundamente imbricadas como o privado delimitaria a ação do público.

Outro flagrante dessa relação nos é proporcionado por Oswald de

Andrade no poema Senhor Feudal:

Se Pedro Segundo Vier aqui Com historia Eu boto elle na cadeia

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Os grupos sociais54 se resumiam ao proprietário de terra (o senhor

e seu núcleo familiar) e escravos. O escravo é um bem cujo principal fim

se restringe a exercer a força de trabalho nas terras em lhe são

determinadas pelo senhor. O escravo não é indivíduo é uma

propriedade, assim como são as terras. O escravo só é dono de seu

próprio corpo no quilombo ao fugir ou quando conseguisse comprar sua

própria alforria.

Na Colônia, portanto, a vida urbana dependia intrinsecamente do

meio rural, condicionando-se ao afluxo dos senhores de terra e suas

famílias. As casas urbanas, e certamente as melhores, pertenciam

quase todas aos proprietários rurais e permaneciam fechadas a maior

parte do ano ou eram habitadas apenas pelo pessoal de serviço. Vilas e

cidades tinham vida intermitente, animavam-se somente nas festas e

procissões, estabelecidas rigidamente pelo calendário oficial, ou nos

períodos de embarque de safras, dando impressão de decadência aos

viajantes que por lá passavam, como se a população houvesse

desertado (GOULART REIS, 1995, p. 17).

Bóris Fausto assinala que a própria capital da Colônia foi descrita

por Frei Vicente de Salvador como “uma cidade de casas sem

moradores”, em que seus proprietários “passavam mais tempo em roças

rurais”. A população urbana, detinha-se o frei, “constava de mecânicos

que exerciam seus ofícios, de mercadores, de oficiais de justiça,

fazenda, de guerra, obrigados à residência” (2002, p.36) .

Ermínia Maricato sublinha que este setor agrário se sustentaria

como epicentro da economia brasileira até 1930, quando o Estado

passou a investir decididamente em infra-estrutura para o

54 Surgem outras divisões sociais, como, por exemplo, os grandes comerciantes, entre os quais uma elite traficante de escravos, assim como segmentos da burocracia administrativas.

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desenvolvimento industrial visando à substituição de importações.

(2000, p.22).

Roger Bastide sublinha que o processo de industrialização se fez

tardio, por razões inerentes ao sistema colonial. Seja o pacto colonial

que impedia a abertura de fábricas na colônia e garantia o exclusivo

metropolitano, seja a economia estritamente rural.

O fazendeiro não precisava comprar nada, a não

ser o sal e os objetos de luxo ostentados nas

grandes recepções; não oferecia mercado, pois

para os produtos industriais. Além disso, para

construir fábricas era preciso capital; e todo o

capital disponível dos senhores de engenho e dos

barões do café escoava-se na compra dos

escravos necessários ao trabalho da terra, ou na

renovação elevada (...) De outro lado, o trabalho

dos escravos tornava inútil a industrialização; não

se produz se não para vender, e não se pode

vender a trabalhadores que não dispõem de um

salário em dinheiro (BASTIDE, 1964, p.146-147) .

O que pesa quando se pesquisa a vida colonial brasileira como

tecido de valores e significados, afirma Alfredo Bosi, é justamente essa

complexa aliança de um sistema agromercantil, voltado para a máquina

econômica européia, com condição doméstica tradicional, quando não

francamente arcaica nos seus mores e na sua políticas. E ressalta

entender por sistema uma totalidade articulada objetivamente, enquanto

o termo condição toca nos modos ou estilos de viver e sobreviver.

A condição senhorial e a condição escrava

supunham um desempenho de papéis no sistema

produtivo, objeto de uma análise funcional da

economia do açúcar, mas não se reduziam ao

exercício das ações correspondentes a esses

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mesmos papéis. Condição traz em si as múltiplas

formas concretas da existência interpessoal e

subjetiva, a memória e o sonho, as marcas do

cotidiano no coração e na mente, o modo de

nascer, de comer, de morar, de dormir, de amar, de

chorar, de rezar, de cantar, de morrer e ser

sepultado. (BOSI, 1992,p.26-27)

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3.3 SÃO PAULO: DE VILA NA CAPITANIA A CIDADE NA PROVÍNCIA

Frei Vicente do Salvador

Prosperidade de São Paulo Ao redor desta vila Estão quatro aldeias de gentio amigo Que os padres da Companhia doutrinam Fora outro muito Que cada dia desce do sertão

História do Brasil Pau Brasil

Oswald de Andrade

Não fugiria à regra a Capitania de São Vicente, cuja ocupação

iniciou com a conquista do litoral, a fundação de vilas e a edificação de

engenhos. Porém a qualidade do solo e a distância dos portos da

Metrópole, em relação ao Nordeste, impunham-se como obstáculos à

produção e escoamento do açúcar para o mercado europeu, levando os

colonos a enveredarem por empreendimentos mais rentáveis como a

produção de cachaça e a realização de campanhas que desbravariam o

sertão em busca de indígenas a serem escravizados e metais

preciosos.

Com exceção de São Vicente e Pernambuco, as capitanias

hereditárias não obtiveram sucesso no Brasil, seja pela falta de recursos

ou pouca experiência de seus donatários, seja por ataques de indígenas

ou estrangeiros.

O que leva à Coroa portuguesa promover uma reformulação

administrativa, que consolidando o Governo Geral, com sede em

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Salvador, e retomando ,ao mesmo tempo, por meio de compra, os lotes

anteriormente doados.

Por essa época é que situamos a fundação da Vila de São Paulo

do Piratininga. Os estudos históricos assinalam a criação de uma casa

para educação e catequese dos guaianases edificada por padres

jesuítas na aldeia Piratininga em 25 de janeiro de 1554 como marco

para a sua fundação, porém, seria apenas, em 1560, que o povoado se

firmaria como vila por ordem do terceiro Governador-Geral Mem de Sá,

que autorizou a extinção e demolição da Vila de Santo André e, como

conseqüência, a transposição de seus moradores para a Vila de São

Paulo de Piratininga.

1554 - Janeiro 25. Primeira missa celebrada no

altar ligeiramente construído sob casa de palha,

junto ao colégio de Piratininga. Este colégio e

povoação que assim começavam, ficaram desde

então conhecidos pelo nome de São Paulo do

Piratininga (MARQUES, 1980, 332)

A dimensão de mobilidade, dispersão, instabilidade, enfatizada por

Fernando Novais, expressa-se já na formação da Vila de São Paulo de

Piratininga, contrapondo-se ao caráter rural, estável, permanente e

sedentário do litoral brasileiro produtor de açúcar (1997, p.25).

Vários foram os obstáculos superados para se consumar o

povoamento da região do planalto paulista, o que resultou numa

ocupação dispersa do território pelos portugueses. São muitos os

relatos das dificuldades enfrentadas na transposição das barreiras

naturais. O acesso ao planalto era tão difícil que , segundo Florestan

Fernandes, designavam-no de “zona mediterrânea”.

O sistema tecnológico dos brancos fornecia-lhes

poucos recursos para vencer os obstáculos e as

barreiras naturais. Eis como Fernão Cardim

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descreve a viagem que fez a caminho do mar: “O

caminho é tão íngreme que às vezes íamos

pegando com a mão” (FERNANDES, 1974, p.249)

Outro ponto que merece destaque refere-se ao fato da Coroa

favorecer o povoamento e a exploração das regiões costeiras, onde

seria mais fácil reunir e embarcar os produtos rendosos no comércio

europeu, desestimulando a escalada das serras em direção ao sertão.

Os gêneros do sertão nunca chegariam a portos

onde os embarcassem, ou se chegassem seriam

com despesas tais, que aos lavradores não fariam

conta de largá-los pelo preço, por que se

vendessem os da marinha (FERNANDES, 1974,

P.250)

Nesta região deparamo-nos com uma colonização peculiar

marcada pela fraqueza de uma agricultura exportadora, forte presença

da cultura indígena, querela entre missionários e colonizadores pelo

controle dos índios, escassez da moeda e freqüente uso da troca.

(FAUSTO, 2002, p. 50)

Sob uma economia agrícola voltada para a subsistência ou para as

expedições ao sertão, o planalto do Piratininga veria surgir um

segmento social distinto dos proprietários de terra ou colonos. Seriam

caçadores de índios, farejadores e exploradores de riquezas, que só

quando forçados, tornavam-se colonos. Segundo Sérgio Buarque de

Holanda, seriam empreendedores, que distantes de se desfazerem dos

vínculos com a metrópole, desafiariam a mata cerrada e a superfície

irregular redesenhando a geografia brasileira (HOLANDA, 1982, p.68).

Tendo como referência Sergio Buarque de Holanda, Laura de

Mello e Souza reporta-se aos hábitos cotidianos desenvolvidos pelos

sertanistas de Piratininga para destacar a dimensão de mobilidade

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destes que eram, por excelência, integrantes de bandos e circulavam,

por vezes, anos a fio, nas lonjuras, nas fronteiras, cortando sertões,

vencendo rios pestilentos, lutando contra ataques inimigos e cometendo

atrocidades. (SOUZA, 1997, p. 43-81). Oswald de Andrade expressa

poeticamente o espírito sertanista numa “carta” em versos atribuída pela

imaginação do poeta a Fernão Dias Paes:

Partirei Com quarenta homens brancos afora eu E meu filho E quatro tropas de mossos meus Gente escoteyra com pólvora de chumbo

Vossa Senhoria Deve considerar que este descobrimento É o de maior consideração Em rasam do muyto rendimento E também esmeraldas

Vale atentar que a presença de índios e mamelucos nas

expedições não só eram freqüentes, quanto por muitas vezes

superavam em grande número os brancos. Bóris Fausto cita a grande

bandeira de Manuel Preto e Raposo Tavares que atacou a região do

Guaíba em 1629, contando com 69 brancos, 900 mamelucos e 2 mil

indígenas.

Alfredo Bosi observa que o “bandeirismo” como sublimação do

contexto de agressão e defesa que definiu as incursões paulistas, as

reações que os indígenas e os missionários lhes impuseram e o uso e

abuso do nativo e do africano pelo português tanto no nível do sistema

global quanto nos hábitos enraizados da corporeidade (BOSI, 1992,

p.29).

A Vila de São Paulo de Piratininga se beneficiou com o

apresamento de nativos,55 destacando-se como um dos principais

pontos de saída das expedições para o interior. Em 1878, Manuel

55 Estes nativos apresados eram em grande parte absorvidos nas próprias economias paulistas, em especial no cultivo do trigo. (FAUSTO, 2003, p.97).

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Eufrásio de Azevedo Marques, em obra intitulada Apontamentos

históricos, geográficos, biográficos, estatísticos e noticiosos da

Província de São Paulo: seguidos da Cronologia dos acontecimentos

notáveis desde a fundação da Capitania de São Vicente até o ano de

1876, chega a atribuir às bandeiras “o rápido progresso”56 da Vila de

São Paulo, “adiantando-se com o tempo em população e comércio,

avantajando-se às povoações de São Vicente e Santos”, chegando a

atingir “o predicamento de cabeça da capitania” (1980, p.241).

A região de São Paulo, eminente e arrebatada ao

mais alto daquele hemisfério, aonde se sobe pela

íngreme e dilatada serra de Paranapiacaba, foi

no seu princípio vila de Piratininga, e de presente

é cidade do nome do glorioso Apóstolo tutelar, e

um dos três governos que na repartição do sul

são entre si independentes e só sujeitos ao

governador da Bahia, capitão-geral de todo o

Estado (PITA, 1976, p.69).

A condição de cidade, no entanto, será alcançada por decreto

imperial em 11 de julho de 1711, cerca de 150 anos depois, como

resultado da disputa liderada por paulistas contra os portugueses pela

posse das minas descobertas pelos sertanistas, conhecida como Guerra

dos Emboabas. Desta feita, separam-se a Província de Minas Gerais e

São Paulo. Esta separação prejudicou a Província de São Paulo, pois

além de perder efetivamente o controle sobre as novas riquezas da

província mineira, assistiria a descoberta de novo caminho de

escoamento de ouro e escravos que transformaria o Rio de Janeiro em

pólo comercial.

Portugal, que até momento prestara relativa atenção à Colônia

americana, desfecharia um processo de centralização administrativa, 56 A idéia de “progresso” deve ser aqui relativizada diante da precariedade das construções e da pobreza da população associada à condição urbana nos séculos XVI e XVII.

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intensificado com a descoberta de metais preciosos no sertão. Desta

forma, estabeleceria normas para arrecadação de impostos, criaria

milícias e nomearia burocratas para a supervisão e aplicação “da lei e

da ordem”, principalmente na região mineradora. No entanto, o Brasil

setecentista ainda se caracterizava como uma extensa área com baixa

densidade demográfica e concentração populacional em sua larga faixa

litorânea. As antigas capitanias foram definitivamente incorporadas à

Coroa.

Como poucos centros capitaneavam a atividade de mineração, a

grande lucratividade da extração de minérios provocou uma explosão

demográfica nas regiões mineradoras, desencadeado pelo fluxo

migratório interno e por uma corrente imigratória européia e africana.

Estima-se que em meio século tenham afluído algo em torno de 600 mil

portugueses, acrescido a este montante um número ainda maior de mão

de obra escrava. (GOULART REIS, 1995, p. 31-32)

O deslocamento e a concentração da população geraram uma

nova articulação na economia interna provocada pelo surgimento de

uma demanda por transporte, serviços e alimentos, inexistentes até

então, quando o mercado interno era regido pelas normas da

subsistência. Vemos aí surgir uma cidade diferenciada, que se

transformou em palco para uma comunidade que abrigava, além dos

mineradores, comerciantes, padres, advogados, juízes, militares,

fazendeiros, artesãos. Embora entre os mais ricos desta nova

sociedade que emergia deparássemos com proprietários de terra que

investiam na mineração.

A cidade mineradora carregaria em seu seio a forma embrionária

da urbanidade característica de uma comunidade de base industrial em

que as atividades agropecuárias são geradas como complementares à

economia urbana, com níveis complexos de integração e de divisão

sócio-espacial do trabalho (MONTE-MÓR, 2001).

Segundo Roberto Monte-Mór (2001), é nesse momento que, pela

primeira vez, mercados urbanos expressivos se constituem, resultantes

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da distribuição de renda57 proveniente da atividade extrativa mineradora

que permitem um acúmulo de riquezas por atores locais (individuais e

coletivos), particularmente as Ordens Terceiras, gerando uma economia

urbano-regional tão dinâmica que impulsionaria uma cultura local,

expressa nas artes plásticas, na arquitetura, na música, nos

movimentos literários, na imprensa e no debate político. Não é de se

espantar que, ressalta o autor, a organização política que originaria uma

tentativa de revolução republicana tenha seu foco nas cidades

mineradoras.

As cidades da mineração apresentavam uma

população livre expressiva (em alguns momentos,

superior à população escrava, caso raro no país),

uma classe média urbana desenvolvida com o

comércio e o artesanato que coloca novas

exigências culturais, amplia e diversifica as

funções urbanas centrais e aprofunda, local e

regionalmente a divisão sócio-espacial do trabalho

(MONTE-MÓR, 2001).

Deparamo-nos com a efervescência de um mercado regional, em

que gado e alimentos foram transportados da região sul e negociados

em Minas. Do Sul vieram não apenas o gado, mas as mulas, tão

necessárias ao carregamento de mercadorias. Este fato fez com que

começasse a ganhar destaque a figura do tropeiro, com o seu gado

muar. Sorocaba, de insignificante povoado no interior de São Paulo,

tornou um centro de venda para as tropas de burros. Com sua famosa

57 Temos que ter em mente que esta “folga de enriquecimento”, como chamou Márcio Porchmann dada “até para homens livres e inclusive para o próprio pagamento da liberdade de poucos escravos” durante a economia de mineração do ouro e de diamantes, criava “a ilusão de fazer fortuna no eldorado da mineração”, porém esta possibilidade não romperia com o compromisso na ordem colonial. Vale atentar, no entanto, que economia que aí se instalara em muito se distinguiria da economia da exploração da cana-de-açúcar, cuja possibilidade de mobilidade social era praticamente inexistente (2004, p.32).

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feira, transformou-se na passagem obrigatória dos comboios de

animais, distribuídos principalmente em Minas. (FAUSTO, 2002: 53)

O comércio interno prosperou, deslocando o centro de decisões do

campo para a cidade, do Nordeste para o eixo centro-sul. Minas Gerais

tornou-se capitania, desmembrando-se do Rio de Janeiro e São Paulo e

até a década de 40, despontava no cenário nacional como a mais

populosa. O Rio de Janeiro transformou-se em pólo exportador de

metais preciosos e importador de mão-de-obra e suprimentos,

culminando em 1763 com a transferência da capital de Salvador para a

cidade fluminense.

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3.3. A METRÓPOLE DE SÃO PAULO – UMA SEGUNDA FUNDAÇÃO.

PAULICEA DESVAIRADA

Paisagem N.4

Os caminhões rodando, as carroças rodando, rápidas as ruas se desenrolando, rumor surdo e rouco, estrépitos, estalidos ... E o largo coro de ouro das sacas de café! Na confluência o grito inglês da São Paulo Railway ... Mas as ventaneiras da desilusão! a baixa do café!... Fogem os fazendeiros para o lar!... Cincinato Braga!... Muito ao longe o Brasil com seus braços cruzados ... Oh! as indiferenças maternais!... , Os caminhões rodando, as carroças rodando, rápidas as ruas se desenrolando, rumor surdo e rouco, estrépitos, estalidos ... E o largo coro de ouro das sacas de café!...

Lutar! A victoria de todos os sozinhos! As bandeiras e os clarins dos armazéns abarrotados... Hostilizar!... Mas as ventaneiras dos braços cruzados!...

E a coroação com os próprios dedos! Mutismos presidenciais para trás! Ponhamos os (Victória!) colares de presas inimigas!

Enguirlandemo-nos de café-cereja! Taratá! E o pean de escárnio para o mundo!

Oh! este orgulho máximo de ser paulistamente!!!

Paulicea Desvairada Mário de Andrade

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A segunda fundação de São Paulo surge com a introdução de um

novo ciclo econômico na agroindústria brasileira, a cultura cafeeira,

assim como dos primeiros passos dados pela industrialização na

Província de São Paulo.

A cidade de São Paulo passara de mais um entreposto comercial

das para as minas a centro financeiro do país. Torna-se o lugar por

excelência dos acontecimentos. Os interesses da cafeicultura se

confundem com os programas de Estado. O mineiro Artur Bernandes,

com os paulistas Cincinato Braga à frente do Banco do Brasil e Sampaio

Vidal como Ministro da Fazenda, garante a defesa permanente do café

e reafirma a política café-com-leite. As variações de preço das sacas do

café, as oscilações no mercado europeu, o fim da primeira grande

guerra e as geadas nas plantações pautavam a agenda política do fim

dos anos vinte. “a baixa do café!...”. As alianças políticas entre a elite

cafeeira e o Estado se concretizam na construção de enormes

armazéns enormes que abrigariam as safras nos entrocamentos

ferroviários. Mario de Andrade nos convida para a nova fundação da

São Paulo como cidade de um Brasil que se torna urbano. A cidade

para onde convergem o novo e o arcaico. Ritmo e tempo. A cidade

reinventada. A velocidade, o movimento, o barulho, a máquina e a ironia

compõem a paisagem. Este orgulho máximo de ser paulistamente.

O Brasil, que fora durante os séculos anteriores, segundo Milton

Santos, um “grande arquipélago” formado por subespaços, dispersos,

evoluindo segundo lógicas próprias ditadas em grande parte por

relações com o mundo exterior, inicia seu processo de urbanização

(1993, p.26).

Ermínia Maricato relembra que o Brasil já apresentava cidades58

de grande porte desde o período colonial, mas é somente na virada do

58 Milton Santos (1993) aponta que no Brasil viviam cerca de 2.850.000 habitantes no fim do período colonial, dos quais se estimava 5,7% correspondiam à população

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século XIX para o século XX que presenciaríamos a explosão

demográfica que consolidaria o Brasil-urbano.

A cidade de São Paulo traduziria este Brasil-moderno,

impulsionado pela emergência do trabalhador livre, pela Proclamação

da República, por uma indústria incipiente e pela necessidade do

mercado interno. Porém, carregaria em seu ventre a ambigüidade: o

rebento urbano-insdustrial que, ao nascer já respirava os ares

republicanos, acomodaria em seu seio as marcas dos interesses de

uma sociedade colonial.

A cidade moderna do poema Paisagem, de Mário de Andrade, se

opõe ao relato da cidade imperial de que fala Manuel Eufrásio de

Azevedo Marques, em seus apontamentos sobre a Província de São

Paulo. Meio urbana, meio rural a cidade de São Paulo rascunha em

seus traçados prédios públicos, igrejas, hospitais, cadeia, cemitério,

chácaras, escolas:

A cidade de São Paulo acha-se edificada no

extremo Norte de uma colina, tendo como que a

seus pés a grande planície que começa nas

margens do rio Tamanduateí e que se estende a

grande distância, oferecendo assim as belas

perspectivas que a distinguem e tornam aprazível

a sua habitação. O que é propriamente cidade

compreende as freguesias da Sé, Santa Efigênia,

Bom Jesus do Braz e Senhora Consolação. No

seu recinto acham-se o palácio do governo e as

repartições públicas estabelecidos no antigo

colégio dos jesuítas; a Sé catedral, o mosteiro de

São Bento, os conventos do Carmo e são urbana distribuída principalmente em capitais, entre elas: Belém, São Luís do Maranhão, Recife, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Ainda capital da Colônia, na virada dos séculos XVII para o XVIII,entre as quais podíamos apontar alguma com a população atingindo o marco de 100.000 habitantes, como é o caso de Salvador Este dado se torna relevante para entendermos a dimensão deste parâmetro, atém Santos, quando lembramos que as colônias inglesas na América do Norte, neste mesmo período, não reuniam em suas aglomerações mais que 30.000 habitantes.

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Francisco (funcionando neste a faculdade de

direito e respectivas aulas preparatórias, casa da

Misericórdia, as igrejas da Misericórdia, Senhora

do Rosário, Santo Antônio, Senhora dos

Remédios, São Gonçalo, Senhora da Boa Morte,

São Pedro, Recolhimento de Santa Teresa, Santa

Efigênia, Capela do Seminário Episcopal,

Recolhimento da Senhora da Luz, Capela da

senhora da Consolação, do cemitério municipal,

do antigo cemitério do Braz e de Santa Cecília.

São dignos de menção outros edifícios públicos

tais como a casa penitenciária, chamada de

correção, a casa da câmara e cadeia, o quartel, a

estação de ferro de Santos a Jundiaí que está

situada no pitoresco bairro da Luz, o Jardim

Público, e finalmente um bom número de prédios

e chácaras bem construídas, colégios de

instrução elementar, hotéis, etc. Entretanto, como

cidade central, São Paulo, não obstante a

excelente posição em que está colocada e os

belos arrabaldes que a rodeia, apresenta ainda

um aspecto monótono e quase tristonho pelo

pouco movimento de comércio em grosso e de

fábricas. Suas ruas são irregulares e mal

dispostas, mas têm em grande parte bom

calçamento (MARQUES,1980, p.242).

Inicialmente chamadas de “freguesias”, numa franca referência à

presença portuguesa, estas divisões administrativas atribuiriam a São

Paulo a condição de cidade, uma área urbana que se contrapunha a

zona rural. As observações59 acima citadas referem-se a uma cidade da

59 Como dito anteriormente a obra de Manuel Eufrásio de Azevedo Marques é publicada em 1878 com o título de Apontamentos históricos, geográficos, biográficos,

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segunda metade do século XIX, quando São Paulo abandonaria a

condição de entreposto comercial e começaria a abrigar as famílias

paulistas abastadas com o desenvolvimento da lavoura cafeeira,

oriundas em grande parte das fazendas ou cidades de menor porte da

região oeste da Província. O “pitoresco bairro da Luz” abrigaria os

primeiros palacetes neoclássicos, instalando os fazendeiros e suas

famílias afastados dos alinhamentos das ruas.

Com a ascensão da cultura cafeeira, as condições do mercado

internacional reformulariam o papel estratégico da cidade de São Paulo,

alçando-a a centro da economia brasileira, vendo florescer uma fase em

que se consolidaria como centro financeiro do Império e palco político

para a República.

Entre 1872 e 1940, a população paulistana cresce

assustadoramente. Afluíram para São Paulo mais um milhão e duzentas

pessoas em aproximadamente setenta anos, o que equivale dizer que a

cidade configurou uma taxa de crescimento populacional superior a

5.700%. Estes números, segundo Nicolau Sevcenko, pareciam justificar

o refrão ufanista de que “São Paulo é a cidade que mais cresce no

mundo” (2003, p.108).

GRAFICO 1

Fonte: IBGE; SANTOS, 1993, p.21

estatísticos e noticiosos da Província de São Paulo: seguidos da Cronologia dos acontecimentos notáveis desde a fundação da Capitania de São Vicente até o ano de 1876

População da cidade de São Paulo – 1872/1940

18721890

1900

1920

1940

239.820

579.033

64.934

1.326.261

31.3851820

1840

1860

1880

1900

1920

1940

1960

0

200.000

400.000

600.000

800.000

1.000.000

1.200.000

1.400.000

Ano População

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As mudanças se refletem no espaço urbano. O parque industrial se

diversifica, organiza-se e se multiplica, abrangendo os setores têxteis,

alimentícios, serrarias e cerâmicas. Em 1915 já somam 1038

estabelecimentos na cidade de São Paulo.

GRAFICO 2

Fonte: ROLNIK, 1994, P.107

A estrutura ocupacional se altera, complexifica-se, Profissões

tradicionais são reformuladas e surge um segmento: o operariado. Só

em São Paulo em 1940 serão 174.367 operários (PEREIRA, 2001, p.

47). Atraídos pela acumulação de recursos, de oportunidades na

indústria e no comércio, ou mesmo vislumbrando a possibilidade de

enriquecimento acorreram a São Paulo indivíduos de todas as terras. O

panorama étnico sofre modificações, a cidade de fronteiras abertas

abrigaria brasileiros, alemães, sírios, ingleses, portugueses, espanhóis,

italianos, entre outros. O censo de 1950 registraria 58 nacionalidades e

693.321 estrangeiros e naturalizados presentes no Estado de São

138 161

334434

1038

0

200

400

600

800

1000

1200

Novas Indústrias

Número de Novas Indústrias na Cidade de São Paulo - 1890-1915

1890-18941895-19001900-19051905-19101910-1915

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Paulo. Neste mesmo ano, São Paulo registraria 1.080.438 migrantes de

outros estados.

Segundo Nicolau Sevcenko, estas multidões, atraídas pelo “ouro

vermelho”, detentoras ou não de conhecimentos especializados,

aportariam em São Paulo e não encontrariam sequer uma cidade:

tinham que improvisar habitações e suas vidas. A partir de um

fragmento colhido na coluna “Queixas e reclamações” do jornal Estado

de São Paulo de 15 de junho de 1919, o autor comenta:

Exceto a área central e os bairros mais

distintos projetos em direção às colinas, o restante

da urbe, nos dizeres de um popular, apresentava “o

aspecto de aldeia de garimpeiros do faroeste

americano”. Não era certamente casual que essa

imagem do mais completo improviso e

assentamento tumultuário viesse através de

evocações do cinema contemporâneo, referidas à

“corrida do ouro” da Califórnia. Havia, porém, os

agravantes locais que nem o cinema e nem a cena

americana poderiam ilustrar (SEVCENKO,

2003p.109).

Raquel Rolnik sintetiza muito bem esta primeira industrialização

quando se refere à São Paulo como cidade de fronteiras abertas (...)

palco que se prepara para ser território do capital. Portanto, a cidade de

fronteiras abertas redefiniria seus espaços estabelecendo marcas que

distinguiriam os lugares na ordem urbana.

Desta forma, a partir de 1870, a cidade se “refundaria” sob novas

regras pautadas na exploração capitalista, ou seria melhor dizer, “sem

qualquer regulamentação, submetida a um prática especulativa”

Segundo Nicolau Sevcenko, estes novos rumos tornariam desconexos

entre si os vários bairros e setores do município, ao mesmo tempo que

centralizava o comércio e os serviços, criando dificuldades extremas de

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transporte e saturação de fluxos, já por si agravados pela topografia

acidentada, pelos rios, alagados e trilhos ferroviários (SEVCENKO,

2003, p. 109).

Ermínia Maricato se refere às reformas urbanas entre o final do

século XIX e início do século XX como delineadoras de um urbanismo

moderno "à moda" da periferia do capitalismo promoveriam obras de

saneamento básico e embelezamento paisagístico, implantando as

bases legais para um mercado imobiliário de corte capitalista, ao

mesmo tempo em que expulsaria uma parcela da população excluída

desse processo para os morros e as franjas da cidade. (2000: p.22) Tais

mudanças conjugariam saneamento ambiental, embelezamento e

segregação territorial, prescrevendo uma topografia em que as

distâncias estariam marcadas e a cidade dividida em setores distintos

sob uma nova “ordem urbana”.

Deste modo, podemos dizer que nem mesmo o crescimento

inesperado da população na virada do século impediu que as famílias

enriquecidas e um segmento médio se agregassem em locais distintos

das camadas populares. Campos Elísios, porções da Santa Ifigênia,

Liberdade, Higienópolis e, a partir de 1891, a Avenida Paulista

acolheriam fazendeiros, negociantes e empresários do café .

A construção de novos bairros residenciais e

elegantes, adequados aos preceitos sanitários,

plásticos e comportamentais gerados no cotidiano

burguês das cidades européias conseguiu forjar

em São Paulo uma marcha contínua de

vizinhanças homogêneas. Excluiu-se a

proximidade dos menos favorecidos,

desestimulando-se seu trânsito público nas ruas

do bairro de elite (MARINS, 2004, p.172-175).

Um caso emblemático é a construção das cidades-jardins pela City

of São Paulo Improvements and Freehold Co. – Companhia City.

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Projetado por arquitetos ingleses, os novos bairros-jardins inspiravam-

se nas gardens city que se constituíram em uma proposta “de habitação

suburbana para classes médias e pobres inglesas”, idealizadas com o

intuito de minimizar as precárias condições de moradia existentes em

grandes metrópoles industriais. Entretanto, da proposta que inspirou as

cidades-jardins ou os bairros-jardins, só conservou o nome, pois os

lotes com ruas sinuosas, arborizados e as casas situadas em jardins

foram vendidos aos segmentos mais abastados. (MARINS, 2004,

p.181).

Um outro ponto revelador do “urbanismo à moda da periferia” é

que os novos loteamentos desbastariam as reminiscências da floresta

tropical, assentada no topo da colina, ou por não condizer com os traços

britânicos ou simplesmente por impedir a visão panorâmica na

promoção de suas vendas (SEVCENKO,2003, p.115).

Um dos incrementos valorativos para estes novos lugares seriam o

caráter exclusivamente residencial apresentado por alguns terrenos,

com o arruamento sinuoso dificultando o trafego de transeuntes

estranhos ao bairro ou visitantes inapropriados. Dizia o anúncio de

vendas dos lotes60:

Por que se deve comprar e construir neste

bairro: (...) Porque Jardim América é em São

Paulo o único bairro reservado exclusivamente

para residências (...) Porque todo o proprietário

tem a vizinhança garantida mediante a servidões

mútuas (MARINS, 2004, p.182).

60 A partir de 1911, a Companhia City expandiu o padrão da “cidade-jardim” para bairros como Anhangabaú, City Butantã, Alto de Pinheiros, Jardim Guedala, Boaçava, Caxingui. O modelo no entanto foi seguido por outros incorporadores edificando outros bairros, como: Jardim Europa, Jardim Paulistano, Cidade Jardim, Sumaré, Jardins das Bandeiras. Outros bairros mais tarde surgiram preservando características paisagísticas ou habitacionais: Jardim Paulista, Jardim Lusitânia, Vila Paulista, Vila Primavera, Perdizes, Água Branca, Paraíso, Vila América e parte da Consolação. Os bairros-jardins garantiram a São Paulo uma arquitetura padronizada e reorientou a concentração das elites paulistanas para a região sudoeste, desviando-se da vizinhança dos bairros industriais.

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“Garantir uma vizinhança” pressupõe não só uma classificação dos

espaços, mas uma hierarquização que permita uma distinção. São

Paulo foi então fragmentada. As colinas ou alamedas retilíneas e

arborizadas em que se localizavam os palacetes contrastavam com os

bairros populares dispostos em lotes entremeados por galpões

industriais, formando becos, cortiços e vilas.

Assim, pelas várzeas, acompanhando as linhas do trem,

instalaram-se as indústrias e formaram-se os bairros operários: Brás,

Pari, Mooca, Belenzinho, Bom Retiro, Barra Funda, Ipiranga, Vila

Prudente, Água Branca. A classe média situaria suas residências em

bairros adjacentes ao centro, entremeadas de bolsões de pobreza.

(SEVCENKO, 2003, p.123)

A Light and Power61 exerceria um papel decisivo na expansão da

cidade ao localizar suas paradas finais em pontos extremos e de

população rarefeita, suscitando a criação de loteamentos em áreas

remotas. A medida que tais áreas eram vendidas, a região recebia os

serviços básicos de transportes, eletrificação e gás oferecidos pela

empresa que detinha o monopólio dos serviços essenciais na cidade de

São Paulo – nada menos que a própria Light. Para Sevcenko, a Light

foi:

... o mais danoso agente especulador, que

comprometeu definitivamente o futuro da cidade,

forçando seu desenvolvimento em bolsões

desconexos, espaços discriminados, fluxos

saturados e um pavoroso cemitério esparramado

de postes e feixes de fios pendurados como

varais em toda área urbana (SEVCENKO, 2003,

p.122).

61 Empresa de capital misto canadense-anglo-americano que monopolizava o fornecimento de transportes urbanos, telefones, eletrificação, gás e, posteriormente, água.

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O historiador mais uma vez recolhe em fragmentos desta vez

retirados das memórias de Jorge Americano, a límpida tradução do

desastre causado pela empresa canadense em nome da especulação

financeira e da espoliação imobiliária.

Se quiser avaliar a cidade, verá no mapa uma

imensa aranha cujas pernas peludas são linhas

de bonde da Light (o “polvo canadense”)

rodeadas de casa [...] De permeio entre as

pernas do “Canadian Octopus”, zonas verdes

vazias. São Paulo tinha em 1922 a extensão de

Paris, com três milhões de habitantes nesse

tempo, para uma população de 600 mil

habitantes em São Paulo (Apud SEVCENKO,

2003, p.124).

O caráter expansivo da urbanização expostos por Sevcenko e

Americano, traço dominante da geografia paulistana, consistirá em um

dos pontos centrais do debate sobre a democratização de acesso à

moradia, que se entendem até o século XXI. O cerne do problema se

encontra na relação entre a expansão da cidade e o crescimento

elevado que originam os chamados “espaços vazios” destinados à

especulação imobiliária. (SANTOS, 1993, p. 18-27)

Estes terrenos vazios atingem vultosas quantias, à medida que

setores mais afastados do centro são ocupados. O crescimento radial à

margem das “imensas pernas peludas” proporcionou muitas “zonas

verdes vazias” retidas para uso do mercado imobiliário quando melhor

lhe conviesse.

A área central da cidade, classificada como “não-civilizada”,

também foi alvo de reformas em que se demoliriam moradias,

alargaram-se ruas e avenidas, além de se construírem edifícios públicos

monumentais, mesmo que ao custo da expulsão da maioria de seus

antigos moradores para qualquer outro lugar onde pudessem morar:

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sejam as periferias, sejam os cortiços, sejam as favelas, sejam as

próprias ruas.

Um traço peculiar “desta cruzada civilizatória” seria a imposição de

um projeto vertical para o centro da cidade, o que agravaria

desastrosamente os problemas de estrangulamento do tráfego e

concentração dos serviços até hoje sofridos pelos habitantes de São

Paulo. Ficara no passado a cidade marcada pela austeridade dos

sobrados e taipas em que se entreviam a antiga capitania dos

sertanistas e tropeiros se dissolveria frente a projetos de

embelezamentos e reformas sanitaristas.

Raquel Rolnik, em seus textos, nos apresenta alguns pontos que

irão delinear o perfil de urbanização que se instaura, a partir dos

primeiros anos do século XX, no Brasil, com particular atenção para

cidade de São Paulo, como por exemplo, a segregação sócio-territorial

(centro-periferia), a concentração de oportunidades na região central, e,

finalmente o processo de transição da cidade escravocrata para uma

cidade de fronteiras abertas.

Segundo a autora, é preciso considerar que as periferias

cresceram mais do que o centro, o que implicou um aumento relativo

das regiões pobres segregados nos espaços que habitam. Esta

condição, ao ser cada vez mais “naturalizada”, cria um apartheid que

separa nossas cidades em centros e em periferias.

O “centro” é o ambiente dotado de infraestrutura

completa, onde estão concentrados o comércio,

os serviços e os equipamentos culturais; e onde

todas as residências de nossa diminuta classe

média têm escritura devidamente registrada em

cartório. Já a “periferia” é o lugar feito

exclusivamente de moradias de pobres, precárias,

eternamente inacabadas e cujos habitantes

raramente têm documentos de propriedade

registrados. (ROLNIK, 2006, p.201)

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Outra conseqüência excludente do modelo expansivo é a

concentração da grande maioria das oportunidades em um fragmento

da cidade, com a ocupação das periferias precárias assumindo o perfil

de bairros-dormitório. Para exercer qualquer atividade remunerada,

multidões atravessam a cidade ao raiar do dia e retornam aos seus

lares ao cair da noite, o que gera necessidade de circulação imensa,

provocando assim o caos no trânsito cotidiano das grandes cidades.

(ROLNIK, 2006, p.200-206)

Raquel Rolnik chama a atenção ainda para o fato de que a

segregação sócio-territorial não se deu apenas seguindo critérios

econômicos, tendo em vista que em trinta anos a cidade de São Paulo

deixa para trás um passado de “pouca importância de um país

escravocrata para firmar-se como cidade-vanguarda da produção

industrial (...) Esta transição, redefinição social, foi uma transformação

multidimensional: mudaram enredos, palcos e personagens” (1994,

p.95).

Temos, assim, uma transição de uma cidade escravocrata para

uma cidade de fronteiras abertas. A cidade escravocrata erguia-se

sobre ordem definida, cujos limites estavam estabelecidos. Os atores

sociais se resumiam ao senhor e ao escravo, cuja relação direta se

dava uso da força e violência física, legitimado por discurso “científico”

etnocêntrico. O escravo residia na senzala, tinha sua sobrevivência

garantida pelo “seu” senhor/dono, que lhe impunha uma conduta,

controlava sua circulação e aplicava-lhe castigos físicos.

A cidade de fronteiras abertas não comporta escravos, este é

substituído pelo trabalhador livre e assalariado, constituído em um

indivíduo, que reside em “casa de aluguel”, vende sua força de trabalho

e possui mobilidade por entre as “fronteiras abertas” da cidade.

A autora aponta que em São Paulo, nem o negro, nem o caipira

(homem livre não proprietário de escravos) foram tidos como aptos para

ocupar o lugar do novo trabalhador. Economicamente, as vantagens

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convergiriam para a contração da mão de obra imigrante européia em

substituição a trabalho compulsório.

... ao mesmo tempo a opção pelo “braço livre

europeu” significava usar a mão de obra

“civilizada”, já que não era possível romper

repentinamente com todo o arcabouço étnico-

político da escravidão, montado mediante

identificação “selvagem-inumano-cativo” (...) Abrir

as portas para a pobreza européia, atraindo-a. e

dar a ela lugar de assalariado implicou em

diferenciar internamente a pobreza, produzindo ao

mesmo tempo a figura do marginal e usando para

isto uma estigmatização racial. Colada sobre ela

estava definição dos lugares que cada grupo

ocuparia na hierarquia do espaço social (ROLNIK,

1994, p.96).

Em 2001, esta estimagtização pode ser verificada em pesquisa

desenvolvida por Suzana Pasternak e Lúcia Bógus. Ao se debruçarem

sobre os dados sobre a Metrópole de São Paulo, afirmam que:

Para a população total, o percentual de negros e

pardos em 1991 atingia quase 30% no Município de

São Paulo, e crescia em direção à periferia, onde

alcançava 41,38%. A associação cor-pobreza-

periferia afirma-se de forma clara, ainda mais

quando é verificada a proporção de negros e pardos

nas favelas paulistanas em 1991 (53% da

população favelada). Há fortes indícios da

estigmatização de contingentes populacionais que,

ao residir em determinados locais, são

discriminados por uma combinação de fatores de

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classe e etnorraciais (Wacquant,

1995)(PASTERNAK; BÓGUS, 2001, p. 79).

Nos idos de 1980, a população brasileira passara a ser

majoritariamente urbana, em parte devido a explosão migratória inserida

num modelo de desenvolvimento urbano excludente e concentrador,

que confinaria uma grande parcela da população em periferias nas

grandes cidades e regiões metropolitanas, privadas das condições

básicas de urbanidade. Data deste período a canção “São Paulo, São

Paulo”, do grupo Premeditando o Breque. A letra da canção identifica

elementos característicos do ambiente de São Paulo – metrópole como

sua diversidade, sua mestiçagem, sua poluição, sua violência, suas

condições de moradia, as oportunidades reservadas à maioria da

população e, ainda assim, seu humor peculiar:

É sempre lindo andar na cidade de São Paulo O clima engana, a vida é grana em São Paulo A japonesa loura, a nordestina moura de São Paulo Gatinhas punks, um jeito yankee de São Paulo Na grande cidade me realizar Morando num BNH. Na periferia a fábrica escurece o dia. Não vá se incomodar com a fauna urbana de São Paulo Pardais, baratas, ratos na Rota de São Paulo E pra você criança muita diversão e poluição Tomar um banho no Tietê ou ver TV. Na grande cidade me realizar Morando num BNH Na periferia a fábrica escurece o dia. Chora Menino, Freguesia do Ó, Carandiru, Mandaqui, ali Vila Sônia, Vila Ema, Vila Alpina, Vila Carrão, Morumbi Pari, Butantã, Utinga, Embu e Imirim, Brás, Brás, Belém

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Bom Retiro, Barra Funda, Ermelino Matarazzo Mooca, Penha, Lapa, Sé, Jabaquara, Pirituba, Tucuruvi, Tatuapé Pra quebrar a rotina num fim de semana em São Paulo Lavar um carro comendo um churro é bom pra burro Um ponto de partida pra subir na vida em São Paulo Terraço Itália, Jaraguá, Viaduto do Chá. Na grande cidade me realizar morando num BNH Na periferia a fábrica escurece o dia Na periferia a fábrica escurece o dia

Na segunda metade do século XX, o processo de industrialização

no Brasil entrara em nova etapa, instalaram-se setores

tecnologicamente avançados, destinaram-se à manufatura volumosos

investimentos, a migração interna se intensificou e a urbanização, de

fato, se consolidou. Fazia-se crer que uma “nova civilização urbano-

industrial” se firmara nos trópicos, ao combinar as conquistas materiais

do capitalismo com traços da cultura local.

Cidades com mais de 20.000 habitantes se multiplicariam pelo

território brasileiro, aumentando sua participação no conjunto da

população para 14,93% do total em 1940, atingindo os 28,43%, em

1960, para se constituírem nos anos 80 em mais da metade, ou seja,

51% (SANTOS, 1993, p.70)62.

62 Aglomerações urbanas com mais de 20.000 habitantes

Ano População Total % da População total do Brasil 1940 6.144.935 14,93 1960 19.922.252 28,43 1980 60.745.403 51,00

PARTE RELATIVA DOS AGLOMERADOS URBANOS COM MAIS DE 20.000 HABITANTES, NA POPULAÇÃO TOTAL BRASILEIRA

Ano 1940 1960 1980 Brasil 14,93 28,43 51,00 Norte 15,77 22,11 36,90 Nordeste 8,58 16,45 31,71 Sudeste 21,96 41,92 69,39 Sul 11,08 20,85 42,88 Centro-Oeste 1,85 14,12 45,57 Fonte: SANTOS, 1993, p.70.

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Temos que atentar para as diferenças regionais, porém em todo

país o processo de urbanização se consolida, revelando os seus

maiores índices localizados na região Sudeste, que em 1980,

concentraria cinco dos catorze centros urbanos com a população

superior a 500.000 habitantes (SANTOS, 1993, p.70-74)

O Estado de São Paulo se firmaria no cenário nacional. A

densidade demográfica que no começo do século acusara 5,6

habitantes/km2, superaria os 50 habitantes/km2 nos anos 60. A capital

do Estado se espalharia pelo altiplano, em resposta a um crescimento

vertiginoso, levando à duplicação, a cada 10 anos, de sua população,

passando de cerca de um milhão e trezentos mil habitantes em 1940 a

aproximadamente oito milhões e quinhentos em 1980.

Deste modo, cinco milhões de indivíduos que se dirigem a mesma

uma cidade ao longo de quarenta anos. Trata-se de fenômeno

demográfico que, segundo Ermínia Maricato, desencadeia um

gigantesco movimento de construção urbana, pois se faz necessário o

assentamento residencial dessa população, bem como a satisfação de

suas necessidades de trabalho, abastecimento, transporte, saúde,

energia, água, etc. (2000: p. 21).

Este fato pode ser percebido no período que vai de 1940 a 1980,

quando a dinâmica de organização do sistema urbano brasileiro foi

fortemente caracterizada pelas tendências à dispersão63,, da população

em periferias distantes das áreas centrais caracterizados como

loteamento periférico- autoconstrução, e pelo surgimento das

primeiras favelas64 na cidade de São Paulo.

Uma política pública em habitação surgida neste contexto foi o

Banco Nacional da Habitação – BNH, integrado ao Sistema Financeiro

da Habitação, a partir de 1964, que mediante a drenagem de recursos

63 A dispersão foi resultado de uma “política de incentivo” à autoconstrução de casas próprias em loteamentos periféricos como solução à crise habitacional nas áreas centrais. 64 As primeiras favelas em São Paulo aparecem somente no início da década de 40, em terrenos públicos na região central da cidade.

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financeiros para o mercado habitacional traça o perfil dos grandes

centros urbanos com a difusão da verticalização, que consolidaria uma

nova linha no mercado de imobiliário privado, baseado no edifício de

apartamentos, criando uma verdadeira explosão imobiliária. IComo

observa Maricato, o financiamento imobiliário não impulsionou a

democratização do acesso à terra por meio da instituição da função

social da propriedade, aponta Maricato,

Essa era a proposta da reforma urbana

preconizada pelos arquitetos no Congresso do

IAB - Instituto de Arquitetos do Brasil - de 1963. A

atividade produtiva imobiliária não subjugou as

atividades especulativas, como ocorreu nos

países centrais do capitalismo. O mercado não se

abriu para a maior parte da população que

buscava moradia nas cidades. Ele deu absoluta

prioridade às classes médias e altas.

(MARICATO, 2000: p.23)

Milton Santos critica o modelo BNH e critica o seu caráter seu traço

desarticulador da cidade, tendo em vista que as escolhas dos terrenos

para a edificação dos conjuntos seguiram a linha de uma urbanização

expansiva com a construção dos prédios distantes do centro da cidade.

(1993, p. 31)

Ermínia Maricato enfatiza que o poder público, promotor dos

conjuntos habitacionais populares, não enfrentou a questão fundiária

urbana. Em vez disso, desvia sua atenção dos “vazios urbanos para jogar

a população em áreas completamente inadequadas ao desenvolvimento

urbano racional, penalizando seus moradores e também todos os

contribuintes que tiveram de arcar com a extensão da infra-estrutura”

(Maricato, 2000, p.23).

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È nesse contexto, em que se cruzam o processo de urbanização,

com as características aqui mencionadas, as características estruturais da

sociedade brasileira, marcada pela desigualdade sócio-econômica, por

uma cultura política que sustenta uma indefinição entre o público e o

privado, com a conseqüente dificuldade de reconhecimento de uma esfera

pública dos direitos, pela escalada do desemprego e da violência e pela

ineficiência dos serviços públicos que surge uma proposta de política

pública com características como as que serão abordadas no próximo

capítulo.

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CAPÍTULO IV

SÃO PAULO UMA CIDADE EDUCADORA

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4. SÃO PAULO

UMA CIDADE EDUCADORA

“há um modo espontâneo, quase

como se as cidades gesticulassem ou

andassem ou se movessem ou

dissessem de si, falando quase como

se as cidades proclamassem feitos e

fatos vividos nelas por mulheres e

homens que por elas passaram, mas

ficaram, um modo espontâneo de as

cidades educarem” (Paulo Freire,

Política e educação, )

De 2001 a 2004 transcorreu a administração municipal da

prefeita Marta Suplicy, auto-denominada “Governo da Reconstrução”,

que se propôs a articular em seu âmbito de atuação as políticas

educacional, ambiental, cultural, esportiva, de saúde, urbana,

assistencial e econômica.

A gestão municipal iniciada em 2001 anunciava como objetivo

tendo vista que visa estimular a organização da sociedade civil e

promover a reestruturação dos mecanismos de decisão, em favor de um

maior envolvimento da população. Desta forma, foram promovidos em

todas as instâncias do governo espaços direcionados a uma ampliação

da participação da sociedade civil e da população na gestão da coisa

pública.

No que concerne à educação foram definidas diretrizes para a

orientação das políticas públicas municipais no intuito de transformar

São Paulo em uma Cidade Educadora o que implicava na concepção

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de uma educação pautada pela democratização da gestão, pela

democratização do acesso e a garantia da permanência, assim como

pela qualidade na educação.

Por Democratização da Gestão entendia-se:

A democratização da gestão tem para nós pelo

menos dois significados fundamentais: contribuir

para a realização da qualidade social da

educação e permitir que a escola e o conjunto do

sistema sejam geridos, no âmbito da competência

de cada unidade ou instância, por coletivos

representativos que aperfeiçoem as práticas

democráticas na cidade (...) a democratização da

gestão refere – se ao direito saudável de que a

sociedade participe da construção e do

acompanhamento da política educacional como

forma de aperfeiçoamento da educação e do

exercício da democracia... ( EducAção 1, 2001: 8)

A Qualidade Social da Educação atrelava-se diretamente à gestão

democrática e formação do cidadão, garantindo-lhe o acesso “ao

conhecimento socialmente produzido e sistematizado, como instrumento

de compreensão do mundo, das relações com a natureza, com a cultura

e com a sociedade e de emancipação individual e coletiva, na

perspectiva de construir uma sociedade justa e igualitária (...) A

integração do sistema formal de Educação em um conjunto de relações

políticas e sociais é que define para nós o sentido da ‘Cidade

Educadora’” ( EducAção 3, 2001, p. 25)

Segundo Vera Souza, a democratização da gestão ocorreu com a

ampliação dos fóruns de participação, por meio dos Conselhos de

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Escola, dos Conselhos Regionais dos Conselhos de Escola (CRECEs),

dos Grêmios Estudantis, do Orçamento Participativo (OP) e do

Orçamento Participativo Criança.

Diante de tais diretrizes, a escola e o estudante tornaram-se os

eixos norteadores da política educacional. Desta forma, a escola foi

considerada o lugar por excelência da formação do cidadão, centrada

construção e difusão da cultura, reconhecendo no estudante a condição

de sujeito de sua própria história e integrante de uma comunidade

escolar. Uma escola que permite a participação da população,

possibilita a apropriação do espaço público e dos diferentes

conhecimentos que nelas se produzam, objetivando desencadear a

inclusão destas temáticas nas discussões de reorientação curricular

(Cadernos EducAção, 2001-2004).

A incorporação das Creches à Secretaria Municipal de Educação

e sua transformação em Centros de Educação Infantil (CEls) merece

destaque como uma política pública, ratificando no plano administrativo

o direito à educação de crianças de 0 a 4 anos. Vera Souza sublinha a

importância desta transferência para a formação de professores como

um marco político e institucional, uma vez que a educação infantil,

historicamente, no município de São Paulo, estava ligada à Secretaria

de Assistência Social (SOUZA, 2005, p.156).

Porém a “marca da gestão” foi a construção dos Centros

Educacionais Unificados (CEUs) que visou atender, de forma integrada,

crianças, adolescentes, jovens e adultos nas áreas mais desprovidas da

cidade de São Paulo, sendo a marca educacional do seu governo.

A idéia central do projeto é aproveitar o conceito

de "praça de equipamentos" das periferias,

ponto de encontro da comunidade local. Um

conceito similar de Escola parque - que foi

idealizado na dédada de 50, pelo educador

Anísio Teixeira. Existe, ainda hoje, uma única

escola do gênero em atividade na Bahia,

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denominado Centro Educacional Carneiro

Ribeiro, inaugurado em 1950 no bairro popular

da Liberdade, em Salvador. ...A partir desta

"inspiração ", que veio ao encontro e fortaleceu

a proposta político-social de uma administração

pública e popular, surgiu o CEU - Centro

Educacional Unificado, cujo objetivo central é o

de contribuir com uma formação rica em termos

de recursos educativos e culturais, que esteja

integrada com a realidade da comunidade e

direcionada a toda a família. É uma escola que

visa formar cidadãos. (EducAção n° 4,2003,

p.13)

A gestão da prefeita Marta Suplicy foi marcada por medidas

polêmicas: a construção dos CEUs65; a alteração da Lei Orgânica do

Município (LOM)66., assim como pela alternância de dirigentes:

Fernando José de Almeida jan/2001-fev/2002), Eny Marisa Maia

(fev/2002-dezJ2002), Nélio Bizzo (que permaneceu apenas seis dias),

depois de 44 dias de vacância, o cargo foi assumido por Maria

Aparecida Perez (março de 2003-dezJ2004).

Apesar desta inconstância desde 2001, houve uma preocupação

em manter as diretrizes da política educacional já anunciadas

anteriormente, que eram largamente disseminadas pela publicação

65 Segundo Vera Souza, a construção dos CEUs ocorreu apesar de não ter havido no setor educacional, com enormes discussões não a respeito de sua validade, mas quanto à aplicação de altas verbas e definições de prioridades, que para muitos não seria a construção desses centros. 66 O Relatório Educação na capital paulista – um ensaio avaliativo da política municipal (2001-2002) afirma que a proposta apresentada pelo poder Executivo em dezembro de 2001, ampliando de 30% para 31 % os gastos do orçamento municipal em Educação causou uma certa polêmica na rede. Polêmica esta qualificada por Souza como “frustrações” geradas “em toda a rede” diante da distinção dos gastos em duas categorias: uma relativa à Manutenção e ao Desenvolvimento do Ensino (MDE), correspondendo aos 25% previstos constitucionalmente, e outra relativa aos 6%, utilizados para investimento em programas sociais.

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EducAção67 (RELATÓRIO DE AVALIAÇÃO DA POLÍTICA MUNICIPAL,

2003, p.13).

Em 2003, a Secretaria de Educação faz sua primeira retrospectiva:

Resgatando o percurso trilhado em relação à

questão curricular, na revista EducAção 1 foi

proposta uma reflexão aos educadores acerca de

algumas questões, a saber, “(...) lugar do homem,

determinantes, metas para acesso, gestão e

aprendizagem, momento de avaliação,

contribuição e relação entre a política educacional

e o Projeto Político-Pedagógico da escola”

(2001:11).

Em EducAção 2, propôs-se a criação do Grupo de

Acompanhamento da Ação Educativa – o GAAE4

–, que ganhou contornos próprios e singulares em

cada NAE. Essa proposta concebeu a ação

supervisora com nova configuração – unindo

supervisão e formação –, aproximada da escola,

eleita como locus de formação permanente,

marca dessa Administração.

Na revista EducAção 3, dimensionou-se o

Movimento de Reorientação Curricular como

especialmente relevante para a implementação

das três diretrizes da SME na busca da

construção coletiva da Educação que queremos.

(EducAção 4, 2003, p.5-6)

67 Ao longo da gestão municipal foi publicado o documento EducAção com o objetivo de conduzir a reorientação curricular, definindo-se como “um texto desencadeador de novas discussões” e fomentador de um processo dialógico de ação-discussão-reflexão-ação, em que se registraria o “exercício de uma reflexão coletiva, cerne de uma proposta que se baseia na dialogicidade permanente”, assim como se divulgaria as ações promovidas e projetaria as metas futuras (EducAção, 2003).

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Em 2001, nomeado Secretário da Educação, o Prof. Dr. Fernando

José de Almeida68 traça sua linha de trabalho, na qual retoma a

concepção de escola como um espaço democrático e promotor da

cidadania, fundando sua(s) política(s) na tríade: democratização da

gestão da escola; democratização do acesso e garantia da

permanência; e, construção da qualidade social da educação

(EducAção Nº2, 2001: 6).

Este plano de ação é a publicado no Caderno EducAção, com o

objetivo de tornar este documento o gerador e o instigador da política

educacional da Secretaria Municipal de Educação que então se iniciava,

como também referendar a criação de espaços oficiais e legítimos para

o diálogo com a comunidade escolar e a sociedade.

Logo em janeiro de 2001, foi publicada e entregue à comunidade

escolar a primeira edição69 do Caderno, representando o marco inicial

do debate com as escolas. Dizia:

Este documento visa iniciar um diálogo com a

comunidade educativa, educadores, funcionários, pais

e alunos da rede municipal sobre a retomada de uma

escola bonita, alegre, fraterna, democrática e popular

na cidade de São Paulo... Nosso diálogo tem como

horizonte a construção de uma política educacional,

numa cidade capaz de promover o desenvolvimento

do ser humano em suas inúmeras possibilidades,

incentivando-se, para isso, o prazer pela descoberta, a

curiosidade, a capacidade de permanentemente

aprender através de um processo de construção do

conhecimento que instigue a criação e a reflexão

crítica, que permita o desenvolvimento da autonomia

intelectual dos alunos, sempre como elementos

basilares do exercício da liberdade, da cidadania e do 68 Professor da Pontifícia Universidade católica de São Paulo (PUC/SP), exerceu a pasta de Secretário Municipal de Educação entre janeiro de 2001 e fevereiro de 2002. 69 O Caderno EducAção teve cinco edições entre 2001 e 2004.

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trabalho de forma criativa e significativa (EducAção

Nº1, apud Souza, 2005: 175) .

Ainda neste documento, na tentativa de estabelecer um efetivo

“diálogo com a comunidade educativa”, a SME propunha às escolas

uma reflexão centrada em questões70 referentes à visão de educação,

sociedade e projeto pedagógico de cada unidade escolar, no sentido de

problematizar as idéias, projetos e experiências que serviriam de base

para a reestruturação de uma política educacional que respeitasse a

particularidades de cada região.

Com isso a Secretaria Municipal de Educação, segundo Souza,

propôs a construção de uma escola que respeitasse a diversidade

cultural e étnica; que se constituísse em referência para cada

comunidade; que fosse espaço de criação e difusão cultural, permitindo

que a população se apropriasse do espaço público e dos

conhecimentos que nele se produzissem (SOUZA, 2005: 176).

O segundo documento, EducAção Nº2, foi publicado em maio de

2001, historicizando o processo desencadeado no primeiro caderno71,

analisando as questões levantadas a respeito das diretrizes da política

educacional e, finalmente, sugerindo uma bibliografia para a Formação

de Professores, indicada pelo Prof. Dr. José Cerchi Fusari, e novas

questões72 que norteariam reflexões para a continuidade das

discussões nas escolas.

Ao registrar este início de caminhada, recuperamos nesta segunda

publicação definições determinantes para o entendimento da formação 70 Duas questões foram sugeridas para debate nas escolas: 1)O homem faz parte do programa de sua escola? Como isso se dá? 2) Na construção do Programa, ou seja, do Projeto Pedagógico da escola, que pressupostos sua escola considera determinantes? 71 Entre fevereiro e junho de 2001, uma série de encontros e seminários entre a DOT e os NAEs foram agendados. 72 Duas novas questões foram sugeridas: 1. Quais as situações que refletem a fragmentação da Ação Educativa nas Unidades Escolares e os desafios que devem ser enfrentados para sua superação? 2) Como as unidades Escolares entendem o pressuposto: A escola como “locus” de formação permanente.

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da agenda política da Secretaria de Educação. Merecem destaque duas

decisões de ordem organizacional tomadas neste primeiro semestre de

2001: a reestruturação da Diretoria de Orientação Técnica – DOT e a

nova configuração administrativa em Núcleos de Ação Educativa.

A reestruturação organizacional da DOT finca-se “na crítica a uma

visão fragmentada do Sistema educacional, à ausência de uma

compreensão articulada dos segmentos envolvidos no processo

educativo e no isolamento das escolas” (EducAção Nº2, 2001: 5).

Devemos observar que temos aí a redefinição de novos limites políticos,

administrativos e geográficos.

FIGURA 03 – ESTRUTURA DA

DIRETORIA DE ORIENTAÇÃO TÉCNICA – DOT

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A representação foi identificada um círculo/sol. Deste modo, a

estrutura proposta figurava a escola como centro irradiador do processo

educacional e lócus, por excelência, da formação continuada, envolvidas

pelos Núcleos de Ação Educativa – NAEs..Os NAEs e as escolas, por sua

vez, contavam com os Grupos de Trabalho73 e a direção da DOT74 para a

interlocução e organização do trabalho pedagógico

Como já pudemos perceber, a instância administrativa aglutinadora

das escolas deixou de ser denominada de Delegacia Regional de Ensino

Municipal (DREM) e passou a ser Núcleo de Ação Educativa (NAE). Esta

substituição também ocorreu em nível central havendo a mudança de

Superintendência Municipal de Educação (SUPEME) para Coordenadoria

dos Núcleos de Ação Educativa (CONAE). Estas alterações foram ratificadas

por meio do Decreto Nº40.430, de 10 de abril de 2001, redesenhandoo mapa

político-administrativo da Secretaria de Educação na Cidade de São Paulo.

Fundam-se novos territórios de ação, nos quais a escola é o ponto de

partida.

73 Estrutura organizacional da DOT reuniu os seguintes Grupos de Trabalho: Educação Infantil; Educação Fundamental; Educação de Jovens e Adultos/MOVA; Gestão; Educação Especial (Inclusiva); Projetos Especiais; Pesquisa e Intercâmbio Cultural; Tecnologias da Informação e da Comunicação; Multimeios e Múltiplas linguagens; Formação Permanente/ Reorientação Curricular”. (EducAção Nº2, 2001: 11) 74 “A DOT tem como responsabilidade básica a elaboração, planejamento, acompanhamento e avaliação da política pública pedagógica, criando condições e espaços para as contribuições dos NAEs e escolas a partir das diretrizes da atual administração”. (EducAção Nº2, 2001: 11)

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NAE 1 – localizava-se na Vila Clementino e integrava

os distritos de Bela Vista, Bom Retiro, Brás, Cambuci,

Campo Belo, Consolação, Cursino, Ipiranga,

Jabaquara, Liberdade, Moema, República, Sacomâ,

Santa Cecília, Santo Amaro, Saúde e Vila Mariana.

NAE 2 – localizava-se em Tucuruvi eintegrava os

distritos de Jaçanã, Mandaqui, Pari, santana,

Tremembé, Tucuruvi, Vila Guilherme, Vila Maria,e Vila

Medeiros.

NAE 3 – localizava-se em Vila

Arcádia e integrava os distritos de

Brasilândia, Cachoeirinha, Casa

Verde, Freguesia do Ó, Limão e

Luz.

NAE 4 – localizava-se no Parque

São Domingos e integrava os

distritos de Anhanguera, Barra

Funda, Jaguará, Jaraguá, Lapa,

Perdizes, Perus, Pirituba, São

Domingos e Vila Leopoldina.

NAE 5 – localizava-se no Campo Limpo e

integrava os distritos de Vila Andrade,

Jardim São Luís, Jardim Ângela, Capão

Redondo e Campo Limpo.

NAE 6 – localizava-se em Veleiros e integrava os distritos de Campo Belo,

Campo Grande, Cidade Ademar, Cidade Dutra, Grajaú, Itaim Bibi,

Marsilac, Parelheiros e Santo Amaro.

NAE 7 – localizava-se no Tatuapé e integrava os distritos de Água Rasa,

Belém, Cangaíba, Carrão, Mooca, Penha, Ponte Rasa, Tatuapé, Vila

Formosa e Vila Matilde.

NAE 8 – localizava-se no Parque São Lucas e integrava os distritos de

São Lucas, Sapopemba e Vila Prudente.

NAE 9 – localizava-se em Cidade Líder e integrava os distritos de Artur

Alvim, Cidade Líder, Itaquera, Parque do Carmo e José Bonifácio.

NAE 10 – localizava-se em Vila Jacuí e integrava os distritos de Ermelino

Matarazzo, Itaim Paulista, Jardim Helena, São Miguel Paulista, Vila

Curuçá e Vila Jacuí.

NAE 11 – localizava-se em Vila Princesa Izabel e integrava os distritos de

Cidade Tiradentes, Guaianases, José Bonifácio e Lajeado.

NAE 12 – localizava-se em Caxingui e integrava os distritos de Alto de

Pinheiros, Itaim Bibi, Jaguaré, Jardim Paulista, Morumbi, Pinheiros,

Raposo Tavares, Rio Pequeno e Vila Sônia.

NAE 13 – localizava-se em São Mateus e integrava os distritos de

Aricanduva, Iguatemi, São Mateus e São Rafael.

FIGURA 04 – DIVISÃO ADMINISTRATIVA SÃO PAULO – 2001/2002

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Uma outra mudança foi necessária com a implementação em 2003

da reforma administrativa na cidade criando 31 subprefeituras (Lei 13.399,

de 01/08/2002). As subprefeituras foram organizadas em sete

coordenadorias: Ação Social e Desenvolvimento, Planejamento e

Desenvolvimento Urbano, Manutenção da Infra-Estrutura Urbana, Projetos

e Obras Novas, Administração e Finanças, Saúde e Educação.

Cabe ressaltar que desde a Constituição de 1988, os Municípios

foram definidos como instâncias autônomas da Federação, o que

reestruturou a dinâmica da gestão local e redefiniu a ação dos agentes

urbanos. Portanto, um município não mais se subordinaria diretamente ao

Estado, pois, desde então, estaria entre suas competências a de se

organizar por carta própria, a Lei Orgânica Municipal (L.O.M.).

São Paulo foi, segundo Aldaíza Sposati, a primeira cidade a exercer o

direito de realizar o próprio tratamento intra-urbano, após tal disposição

constitucional, promovendo mudanças, entre elas a criação de uma

unidade de divisão territorial75 - o distrito, acabando com “a categoria de

subdistrito, dando igual trato a todo o território da cidade, composto de

1.509 quilômetros quadrados”

Foram desta forma, aprovados pela Câmara Municipal, os 96 distritos

censitários (Figura XX), com extensão determinados pela lei municipal no.

10.932, de 15/01/91, depois alterada pela lei no. 11.220 de 20/05/92.

Apenas em 2002, atendendo aos princípios de autonomia, participação e

descentralização política, administrativa e financeira, as subprefeituras são

criadas. Essa estrutura teve a intenção de garantir uma maior aproximação

do Governo com a comunidade local e uma atuação mais adequada e

compatível com a complexidade da cidade.

Abaixo expusemos o rol de subprefeituras e distritos que compõem a

malha urbana : 75 Segundo Sposati, a reestruturação do solo paulistano resultou de múltiplas discussões que reuniria, entre outros, especialistas do IBGE, SABESP, Eletropaulo e Correios, secretarias municipais e estaduais, representantes comunitários e dirigentes de serviços públicos, evidenciando o caráter inusitado que assumiu o debate interórgãos oficiais (municipais, estaduais e federais) com representantes dos bairros da cidade realizados no período de sua distritalização, significando um relevante passo para o reconhecimento do território municipal (2001, p.29-35).

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FIGURA 05

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Neste sentido é que, em 2001, a Secretaria Municipal de

Educação de São Paulo (SME-SP) encontrou no Núcleo de

Comunicação e Educação o terreno propício para o desenvolvimento

das atividades de implementação do EDUCOM.RÁDIO, enquanto um

programa de Formação de Professores que incluía, entre seus

participantes, educadores e estudantes do ensino fundamental da

Rede Pública do Município de São Paulo.

As propostas76 geradoras do Programa Educomunicação pelas

Ondas do Rádio foram apresentadas em meio a um cenário de

reestruturação da DOT-SME/SP, sendo, primeiramente, discutidas na

instância de um Projeto Especial, o Núcleo Central do Projeto Vida,

vinculado ao Gabinete do Secretário de Educação do Município de

São Paulo.

Atentemos para o fato de que o Projeto Vida, coordenado pelas

Professoras Dirce Gomes e Sônia Almeida, foi criado em 2001, com o

intuito de aplicar a Lei Nº. 13.096-00, DOM 14/12/0077, instituindo o

Programa de Prevenção da Violência nas Escolas.

76 Em maio de 2001, o NCE apresenta para apreciação do Projeto Vida a proposta Novas Ondas – Gestão de Comunicação, via Rádio, em Escola numa Situação de Conflito. Novas Ondas constituía-se, em um projeto-piloto, desenhado para uma escola pública de ensino fundamental – EMEF Benedito de Jesus Batista Laurindo (Pe. Batista) com duração de 12 meses. Esta proposta inicial foi recusada sob a alegação de que o Projeto Vida não incluiria em sua agenda projetos-pilotos ou ações que se restringissem a uma escola. Foi então que o NCE foi convidado, e porque não dizer, desafiado, a formular uma linha de ação para o combate às diversas formas de violências nas escolas que abarcasse toda a rede de ensino fundamental da Cidade de São Paulo. Ao NCE foi solicitada a formulação de uma política pública para as escolas de ensino fundamental da Cidade de São Paulo. 77 Lei 13.096 de 2000 - Institui o Programa de Prevenção da Violência nas Escolas.

A CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO DECRETA:

Art. 1° - Fica instituído o Programa de Prevenção da Violência nas Escolas, a ser implantado prioritariamente nas escolas dos distritos ou bairros que apresentem maiores índices de violência no Município.

Art. 2° - São objetivos do Programa:

I - formar comissões de prevenção da violência nas escolas, vinculadas aos Conselhos de Escola, para discussão da questão da violência, suas causas e possíveis soluções;

II - desenvolver ações educativas e de valorização da vida, dirigidas a crianças, adolescentes e à comunidade;

III - implementar outras ações identificadas como formas de combate à violência;

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O Projeto Vida ressaltava o papel da escola como um espaço de

inclusão e de emancipação social, contextualizando a construção do

saber na realidade e na compreensão destas relações, numa

perspectiva de mudança e transformação desta realidade,

promovendo esforços para que a Educação se afirme também como

prioridade da sociedade, ultrapassando os muros das unidades

escolares.

Com o intuito de fazer valer os objetivos previstos em lei, o

Projeto Vida comprometia-se em “desenvolver ações educativas e de

valorização da vida, dirigidas a crianças, adolescentes e à

comunidade”; “aumentar o vínculo estabelecido entre a comunidade e

a escola”; “garantir a formação de todos os integrantes da equipe

técnica, do corpo docente e servidores operacionais da rede de

ensino, com vistas a evitar a ocorrência de violência nas escolas”,

prevendo a preparação dos profissionais da educação para que

estimulem e exerçam "mediações de conflitos, de modo que os

impasses possam ser substituídos pelo diálogo".

Outro ponto central na atuação do Projeto Vida estava no

cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),

especialmente em seu artigo 5º, segundo o qual "nenhuma criança ou

adolescente será objeto de qualquer forma de negligência,

discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na

forma da lei, qualquer atentado, por ação ou omissão aos seus direitos

fundamentais".

O Projeto Vida desenvolveu ações, visando situar o problema da

violência que atinge professores, estudantes e demais integrantes da

comunidade escolar. Para tanto se propôs:

IV - aumentar o vínculo estabelecido entre a comunidade e a escola;

V - garantir a formação de todos os integrantes da equipe técnica, do corpo docente e servidores operacionais da rede de ensino, com vistas a evitar a ocorrência de violência nas escolas.

Parágrafo único - As comissões tratadas no inciso I deste artigo serão paritárias e formadas por professores, funcionários, especialistas da área de educação, pais, alunos e representantes da comunidade ligada a cada escola.

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• Entender suas causas;

• Precisar os limites da atuação profissional;

• Exercitar formas não-violentas de resolver conflitos;

• Saber reconhecer sinais de violência contra os alunos e tomar

providências previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente

– ECA;

• Fazer funcionar as estruturas democráticas;

• Atuar rigorosamente dentro dos princípios éticos.

Para tanto, o Projeto Vida promoveu estudos e ações em

educação, entre as quais os programas: O Projeto Escola Aberta78, o

Projeto Educom.rádio, o Projeto Recreio nas férias79 e alguns outros

projetos especiais80 como o Seminário Internacional Gênero e

Educação: Educar para a Igualdade, e a Bibliografia Afro-Brasileira,

com resenha de 40 títulos e, numa primeira tiragem, 30.000

exemplares, contribuindo para o processo de ensino-aprendizagem da

cultura de matriz africana, parte da história do povo brasileiro.

Segundo a Profª Dirce Gomes,

78 Possibilitar a abertura das Unidades Escolares durante os fins de semana, feriados, recesso e férias, como forma de prevenção da violência; Promover a articulação da escola/comunidade buscando uma interlocução com as lideranças locais para construir a convivência, a justiça e a paz; Resgatar o bem público na perspectiva da democratização dos equipamentos sociais; Incentivar o protagonismo juvenil, reconhecendo o jovem como sujeito do seu próprio processo de desenvolvimento; Garantir oportunidades iguais de acesso e de condições concretas de participação e expressão, por meio do desenvolvimento de atividades culturais, esportivas e de lazer, assim como atividades programadas pelas Unidades Educacionais e que respondam às necessidades da comunidade escolar; Promover a articulação com a Secretaria Municipal de Cultura e a Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação e demais secretarias, conforme a necessidade para a realização de atividades que melhor atendam às demandas das Unidades Educacionais, somando com outros projetos já existentes. (EducAção Nº 4, p.9-11) 79 Uma ação articulada das Secretarias Municipais de Educação, da Cultura, do Esporte, Lazer e Recreação, do Verde e Meio Ambiente e do Abastecimento com o objetivo de promover o estreitamento da relação escolar com a comunidade. (EducAção Nº 4, p.9-11) 80 Projetos priorizando as questões de gênero, etno-raciais e multiculturalismo na formação curricular os debates sobre o negro, a mulher e o índio, do a exploração e os preconceitos históricos e culturais da sociedade. (EducAção Nº 4, p.9-11)

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a inserção do projeto EDUCOM.RÁDIO na proposta da

Secretaria é permitir que o jovem possa ter voz e se

organizar. “Esse será mais um instrumento para

auxiliar a trazer o jovem para a escola, garantindo um

processo de educação mais pleno de cidadania”

(LEÂO, 2001:5)

Ficou, portanto, a encargo do Projeto Vida implantar ações de

prevenção e combate à violência, entendendo-a como um fenômeno

que implica em uma nova exclusão social, que abrange

indiscriminadamente parcelas da população, mas que atinge

significativamente, de maneira mais preocupante, o jovem,

principalmente aqueles que se encontram na periferia das grandes

cidades em situação de vulnerabilidade social.

A vulnerabilidade juvenil foi tema de estudos realizados pela

Fundação SEADE a pedido da Secretaria Estadual da Cultura, no

contexto do projeto Fábrica de Cultura, que resultou na formulação de

índice capaz de subsidiar políticas do governo do estado na

prevenção da violência na cidade de São Paulo. Tendo como base os

96 distritos, o indicador mapeia as áreas em que os jovens estão mais

expostos aos riscos da violência e a cooptação pelo crime, tendo

como base de cálculo as seguintes variáveis81:

• taxa anual de crescimento populacional entre 1991 e

2000;

81 Todos os dados são referentes a 2000, com exceção da taxa de mortalidade por homicídio entre a população masculina de 15 a 19 anos, em que foram utilizados os dados de 1999, 2000 e 2001, e do percentual de jovens de 15 a 17 anos que não freqüentam escola, cujas informações referem-se a 1996. As fontes de dados utilizadas foram o Censo Demográfico de 2000 e a Contagem da População de 1996, da Fundação IBGE e o Sistema de Estatísticas Vitais, da Fundação SEADE. Fonte: http://www.seade.gov.br/produtos/ivj/index.php

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• percentual de jovens, de 15 a 19 Anos, no total da

população dos distritos;

• taxa de mortalidade por homicídio da população

masculina de 15 a 19 anos;

• percentual de mães adolescentes, de 14 a 17 Anos,

no total de nascidos vivos;

• valor do rendimento nominal médio mensal, das

pessoas com rendimento, responsáveis pelos

domicílios particulares permanentes;

• percentual de jovens de 15 a 17 anos que não

freqüentam a escola.

A partir desta escala de pontos, foram gerados cinco grupos de

vulnerabilidade juvenil:

• Grupo 1: até 21 pontos - engloba os nove

distritos menos vulneráveis do município de São

Paulo: Jardim Paulista, Moema, Alto de Pinheiros,

Itaim Bibi, Pinheiros, Consolação, Vila Mariana,

Perdizes e Santo Amaro;

• Grupo 2: de 22 a 38 pontos - engloba os 21

distritos que se classificam em segundo lugar

entre os menos vulneráveis: Lapa, Campo Belo,

Mooca, Tatuapé, Saúde, Santa Cecília, Santana,

Butantã, Morumbi, Liberdade, Bela Vista,

Cambuci, Belém, Água Rasa, Vila Leopoldina,

Tucuruvi, Vila Guilherme, Campo Grande, Pari,

Carrão e Barra Funda;

• Grupo 3: de 39 a 52 pontos – engloba os 25

distritos que se posicionam em uma escala

intermediária de vulnerabilidade: República,

Penha, Mandaqui, Cursino, Socorro, Ipiranga,

Casa Verde, Vila Matilde, Vila Formosa, Jaguara,

Brás, Vila Prudente, Vila Sônia, Freguesia do Ó,

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Bom Retiro, São Lucas, Limão, São Domingos,

Jaguaré, Rio Pequeno, Pirituba, Aricanduva, Sé,

Artur Alvim e Ponte Rasa;

• Grupo 4: de 53 a 65 pontos - engloba os 22

distritos que se classificam em segundo lugar

entre os mais vulneráveis: Sacomã, Jabaquara,

Vila Medeiros, Cangaíba, Cidade Líder, Vila

Andrade, Vila Maria, Tremembé, Ermelino

Matarazzo, São Miguel Paulista, José Bonifácio,

Jaçanã, Itaquera, Raposo Tavares, Campo Limpo,

São Mateus, Parque do Carmo, Vila Jacuí, Perus,

Cidade Dutra, Jardim São Luís e Jaraguá;

• Grupo 5: mais de 65 pontos - engloba os 19

distritos com maior vulnerabilidade juvenil do

município de São Paulo: Cachoeirinha, Vila

Curuçá, Guaianases, Sapopemba, Capão

Redondo, Lajeado, Anhangüera, São Rafael,

Jardim Helena, Cidade Ademar, Brasilândia, Itaim

Paulista, Pedreira, Parelheiros, Jardim Ângela,

Grajaú, Cidade Tiradentes, Iguatemi e Marsilac.

O Figura 6 apresenta a distribuição espacial dos grupos de

vulnerabilidade no município de São Paulo

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FIGURA 06 – MAPA DE VULNERABILIDADE DA CIDADE DE SÃO PAULO

Fonte: Fundação SEADE

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Tendo por certo que os dados aqui apresentados são baseados no

Censo de 2000, quando o Projeto Vida acordou o NCE o Programa

Educom.rádio, visou atingir 173 (38,02%) escolas com maior

vulnerabilidade juvenil do município de São Paulo, a saber :

Distritos com mais de 65 pontos Escolas Municipais

Anhangüera 5 Brasilândia 12 Cachoeirinha 6 Capão Redondo 15 Cidade Ademar 7 Cidade Tiradentes 16 Grajaú 12 Guaianases 6 Iguatemi e 13 Itaim Paulista 9 Jardim Ângela 9 Jardim Helena 8 Lajeado 5 Marsilac. 1 Parelheiros 5 Pedreira 8 São Rafael 6 Sapopemba 20 Vila Curuçá 10

Total 173

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Educom.rádio – rumo a uma Cidade Educomunicadora

Transcrição do áudio do vídeo

Locução Off: Está entrando no ar, a minha, a sua, a nossa, Rádio Educom.

Vinheta cantada (off): Atenção, meus amigos, no que agora eu vou falar,

estamos falando da rádio escolar.

Sons e coro (off): A rádio está no ar! Rádio JJ - Jovem Já!

Sons e coro (off): Rádio Jovem, Novo Mundo!

Locução (off): Está no ar: Rádio Jovem, Novo Mundo.

Vinheta cantada - coro (off): Um, dois, três! Rádio Edu Prado! Contribuindo

para um mundo bem melhor!

José Alex: Agora é só aproveitar?

Caio: Porque a rádio está no ar.

Caio: Antigamente eu não me interessa por isso, pensava que era bobeira. E

quando tinha jornal, assim essas coisas, eu nem assistia. Agora eu já

sei que é um meio de comunicação e eu tenho que assistir porque faz

parte do meu país. Grandes notícias, etc. Vale a pena, acordar de

manhã, mas ter mais conhecimento.

Mayara: A gente aprendeu a analisar as coisas, atrás do que aparece.

Flávio: Não só aquilo que está sendo falado, tocado. A gente aprendeu a ver o

que acontece também nesse processo.

Locução cantada (off): Fique ligado no que agora eu vou falar, é Rádio

Interativa, entrando no ar.

Coro (off): Rádio Jovem, Novo Mundo!

Locução (off): Está no ar, Rádio Jovem, Novo Mundo!

Locução (off): Teodomiro Dias, a rádio que toca educação! Aqui, mais

informações, notícias e alegria, para que você sinta mais emoção.

Coro canta (off): O Educom, oi, oi. Está entrando, oi, oi. Na nossa escola

Programa EDUCOM.RÁDIO Pós-Produção: Renato Tavares

Fonte: Acervo Memória Audiovisual - NCE-ECA/USP Supervisão Geral: Ismar de Oliveira Soares

Coordenação de Documentação: Márcia Coutinho Ramos Jimenez Agradecimento: Secretaria Municipal de Educação da Cidade de São Paulo

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Em que consistiu o Educom.rádio? Em um conjunto de cursos de formação

de professores ou numa política pública? Se o Educom.rádio foi uma

política pública, de que prática política estamos nos referindo? E enfim

qual a configuração do Educom.rádio enquanto uma política pública para a

Cidade de São Paulo? Essas questões orientaram nosso olhar sobre o

Educom.rádio implementado na Cidade de São Paulo entre 2001 e 2004.

Este capítulo objetiva analisar processo dinâmico da implementação de uma política pública,

que traz em seu cerne a Educomunicação expressas em processos que envolvem a

mediação tecnológica, a educação para a comunicação e a gestão participativa, convergindo

para resignificação do ambiente escolar como um espaço público para a prática da cidadania.

Em setembro de 2001, “O Educomunicador” anunciava em seu Nº 0 em

primeira página: Projeto leva o rádio a 455 escolas municipais. Tinha-se

dado a largada! Desde momento em diante o Programa EDUCOM.RÁDIO

iria constar da agenda de formação de professores da rede pública de

ensino por mais SETE FASES, semestrais, atendendo em cada fase a um

número diferenciado de escolas municipais de ensino fundamental em São

Paulo.

Devemos observar que a cada fase o EDUCOM.RÁDIO contava com um

número de pré-determinado de escolas inscritas pelo Projeto Vida no

Programa, respeitando uma distribuição de 25 vagas82 por escolas de

cada um dos 13 (treze) Núcleos de Ação Educativa83, o que nos levou a

uma programação de atendimento em que se incluía, por semestre,

impreterivelmente, escolas de todas as regiões da Cidade de São Paulo.

Tomemos como exemplo o quadro abaixo:

82 As 25 vagas oferecidas a cada escola inscrita constituíam uma turma. Como sugestão para a distribuição das vagas de cada turma numa escola propúnhamos: 13 vagas para membros da escola, 10 vagas para estudantes e 2 vagas para membros da comunidade. 83 A partir de 2003, são implementadas na cidade de São Paulo as Subprefeituras, o que interferiu nas estruturas de Núcleos de Ação Educativa como foi anteriormente ressaltado

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Quadro 02 – Estrutura por Fases - EDUCOM.RÁDIO

O Programa EDUCOM.RÁDIO foi composto de uma série de três cursos

de Extensão Universitária na modalidade de Difusão Cultural, do

acompanhamento de uma Coordenação Operacional e da produção de

materiais de apoio didático e de divulgação.

A Coordenação Operacional foi a instância responsável pela coordenação

e gerenciamento para a consecução dos objetivos pretendidos, não

apenas restrita a “uma ação administrativa, mas capaz articular o

planejamento e execução de uma política de educomunicação à luz de

processos de gestão da comunicação em espaços educativos” (SOARES,

apud SILVA FILHO, 2002, 154).

Genésio Silva Filho, em sua tese de doutoramento sobre Educomunicação

e sua metodologia, afirma que

a gestão de processos comunicacionais engloba

ações que visam garantir a interconexão, sem

setorização, gerar interdiscursos entre as áreas de

ação, e potencializar o coeficiente comunicativo dos

processos culturais. Isso requer que, em todas as

etapas do processo, haja projetos que garantam a

convergência das áreas de intervenção para um

mesmo objetivo (SILVA FILHO, 2002, p. 154).

2001 – 2º Sem: 1ª Fase – 26 escolas

2002 – 1º Sem: 2ª Fase – 40 escolas 2002 – 2º Sem: 3ª Fase – 55 escolas

2003 – 1º Sem: 4ª Fase – 65 escolas 2003 – 2º Sem: 5ª Fase – 78 escolas

2004 – 1º Sem: 6ª Fase – 123 escolas 2004 – 2º Sem: 7ª Fase – 68 escolas

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A Coordenação Operacional garantiu o que Ismar Soares irá definir como:

um processo articulado e orgânico voltado, a partir de

dada intencionalidade educativa, para o

planejamento, execução e avaliação de atividades

destinadas a criar e manter ecossistemas

comunicacionais, entendidos como ambientes regidos

pelo princípio da ação e do diálogo

comunicativos(SOARES, apud SILVA FILHO, 2002,

p.154)

À Coordenação Operacional coube a articulação do planejamento e da

execução das ações para implementação das diretrizes do Programa

Educom.rádio, tanto no que concerne à dinâmica das atividades dos

cursos de extensão universitária, como a elaboração de materiais

impressos, audiovisuais e multimidiáticos.

A Coordenação Operacional a partir de 2002 já contava com uma equipe

composta por supervisor, coordenadores de área e auxiliares, assim como

um calendário semanal de reuniões.

Os cursos de Difusão Cultural, intitulados Comunicação e Educação,

Planejamento da Educomunicação e Comunicação e projetos

Colaborativos para a Construção da Paz, perfaziam o quadro temático do

Educom.rádio, com carga horária de 32 horas.

De acordo com a estrutura das fases, o Educom.rádio tinha a seguinte

previsão de atendimento:

Fases Estudantes Professores Integrantes da Comunidade

Subtotal

FASE 1 260 338 52 650

FASE 2 400 520 80 1000

FASE 3 550 715 110 1375

FASE 4 650 845 130 1625

FASE 5 780 1014 156 1950

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FASE 6 1230 1599 246 3075

FASE 7 680 884 136 1700

TOTAL 4550 5915 910 11375

Para tanto, o educom.rádio se estruturou em Palestras, Workshops, Oficinas e Reuniões de Área , abaixo descritos:

a) Palestras de Educomunicação: discorriam sobre o conceito de Educomunicação, identificado nas pesquisas do NCE-ECA/USP

como um campo de intervenção social que propicia a introdução

dos recursos da informação no ensino, não apenas como recursos

didáticos (tecnologias educativas), ou como objeto de análise

(leitura crítica dos meios), mas principalmente como meio de

expressão e de produção cultural, permitindo a conformação de

ecossistemas comunicativos abertos à participação de todos os

membros da comunidade escolar. Tinha como público-alvo os

educadores, subdividindo-se em cinco temas: O Campo da

Educomunicação; Práticas Educomunicativas; Linguagens da

Educomunicação; Impacto dos Meios Sobre a Criança e o

Adolescente; e, Políticas da Comunicação e Participação Popular.

b) Palestras de Eixo Temático: Discorriam sobre os eixos

temáticos, previstos nos parâmetros curriculares nacionais, assim

como abordavam conteúdos que possibilitam um entendimento da

prática educomunicativa, propiciando elementos para os

exercícios do fazer comunicacional de professores, estudantes e

membros da comunidade. Tinha como público-alvo os

educadores, subdividindo-se em cinco temas: Comunicação e

Subjetividade; Comunicação e Meio Ambiente; Comunicação e

Diversidade Cultural; Comunicação e Saúde; Comunicação e

Protagonismo juvenil.

c) Workshops: A equipe do projeto educom.rádio realizava

workshops de rádio, workshops de planejamento e workshops

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com os estudantes, nos quais estudantes e educadores tinham

oportunidade de discutir, elaborar e implementar os conceitos de

educomunicação relacionados com a produção de programas

radiofônicos e sua inserção na prática pedagógica de cada escola.

Eram previstos Workshops para Educadores e Workshops para

Estudantes, a saber:

Workshops para educadores - Nos workshops de rádio, os

profissionais da Comunicação discorriam sobre a História

do Rádio, seus ídolos, especifidades da linguagem

radiofônica, tipos de emissoras, gêneros radiofônicos e

tipos de programação. Os workshops de planejamento

tratavam da implementação dos conceitos de ecossistema

comunicativo no planejamento pedagógico da escola, por

meio da rádio-escola. Esses workshops contribuíram para a

realização do Planejamento de Ação Educomunicativa na

escola durante as oficinas de planejamento.

Workshops para estudantes - Nos workshops de

estudantes eram desenvolvidas práticas radiofônicas, nas

quais se trabalhava os conceitos de educomunicação,

gestão participativa, ecossitema comunicativo e linguagem

radiofônica.

c) Oficina: As oficinas eram realizadas por mediadores/as versavam

sobre a prática radiofõnica e o exercício do planejamento

participativo, nas quais educadores e estudantes aprendiam,

juntos, a elaborar, produzir, apresentar e avaliar programas

radiofônicos, assim como planejavam a implementação do uso e da

criação da rádio-escola e demais meios de comunicação no Projeto

Pedagógico de sua escola.

d) Reuniões de Área: Consistiam em encontros para o planejamento

e a avaliação das atividades previstas no Programa, assim como

Simpósios e seminários.

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Ao longo dos três anos e meio, foram realizados cerca de 756 palestras,

588 oficinas, 336 workshops, 7 simpósios ou encontros gerais, 28

seminários ou reuniões gerais de equipe e 900 encontros de

planejamentos da equipe: As práticas desenvolvidas com cursistas pela

equipe do NCE foi descrita em relatórios semanais de atividades, que

compõem um banco de dados de aproximadamente 3.600 documentos,

dos quais 2.613 estão em formato digital.

A certificação era fornecida apenas para os educadores, que tinham que

fornecer a documentação necessária e ter a freqüência mínima exigida.

Foram certificados 3.694 cursistas, o equivalente a 62,45% das vagas

disponibilizadas.

Vale destacar que não podemos atribuir os 37,55% integralmente à

desistência de cursistas, tendo em vista o caráter problemático das

inscrições em um curso de formação opcional, fora do horário de trabalho

e aos sábados.

A inscrição e as freqüências mereceram uma especial atenção da equipe

central. Foram elaborados para a quarta e quinta fases relatórios que

possibilitavam um acompanhamento detalhado da freqüência do cursista

EDUCOM.RÁDIO - em números

900

28

756

588

336

70

100200300400500600700800900

1000Reuniões de equipe

Seminários(ReuniõesGerais)Palestras

Oficinas

Workhops

Simpósios/ EncontrosGerais

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durante o programa. Assim temos para a quarta fase iniciou em 08 de

março de 2003:

TOTAIS ATÉ 06 DE MARÇO DE 2003 (COLSUTA FEITA APENAS SOBRE DISQUETES E LISTAS INICIAIS)

ESCOLAS INSCRITAS DOCENTES ALUNOS COMUNIDADE

60 644 547 131

FAIXA ETÁRIA DOS ALUNOS - TOTAIS ATÉ 06 DE MARÇO DE 2003

(COLSUTA FEITA APENAS SOBRE DISQUETES E LISTAS INICIAIS)

10 OU MENOS 11 – 15 16 – 20 21 – 25 26 OU MAIS

10 368 92 15 33

FORMATO - TOTAIS ATÉ 06 DE MARÇO DE 2003

TOTAL EM DISQUETE TOTAL EM PAPEL

57 51

Na quarta fase foram certificados 612 educadores, o equivale a 95% de

freqüência, haja vista que 644 foram os inscritos, embora tenhamos

disponibilizado 845 vagas. A lista de inscritos nem sempre correspondia

aos que de fato “apareciam” para fazer o curso. No quadro de freqüência

abaixo podemos constatar o que chamamos de “registro dos dois

primeiros dias” para uma escola da quarta fase:

3 63 1

2 63 1

01 02 03 04 0

d ia 0 8 / 0 3 d ia 1 5 / 0 3

P r e s e n ç a n o s d o is p r im e ir o s e n c o n t r o s

A u s ê n c ia n o s d o is p r im e ir o s e n c o n t r o s

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TOTAL DE INSCRITOS: 62

PRESENTES NO DIA 08/MAR: 36

AUSENTES NO DIA 08/MAR: 26

PRESENTES NO DIA 15/MAR: 31

AUSENTES NO DIA 15/MAR: 31

PRESENTES NO DIA 29/MAR: 0

AUSENTES NO DIA 29/MAR: 0

PRESENTES NO DIA 05/ABR: 0

AUSENTES NO DIA 05/ABR: 0

Obs: As ausências calculadas para os dias 08 e 15 de março levam em consideração os

cursistas que se inscreverem após o início da quarta fase

A participação dos cursistas, ou mesmo a apatia destes, foi tema em

alguns relatórios da equipe do NCE. Sobre a prática em campo dos/as

mediadores/as discorre a pesquisadora e jornalista Cláudia Funari em sua

dissertação de mestrado, intitulada A prática da mediação em processos

educomunicativos: o caso do Projeto Educom.Rádio:

O conceito participação é trabalhado, na maioria das

vezes, como objetivo a ser atingido. Os mediadores

acreditavam ser preciso que os professores, alunos e

membros da comunidade participassem das

atividades propostas, através do diálogo, do ouvir e

do produzir. O antagonismo à participação também

aparece nos relatórios, como forma de documentar

um tipo de comportamento adverso. A percepção

deste comportamento reafirma a preocupação do

mediador, que se ressente quando detecta

comportamentos como o desinteresse, a dispersão, e

a apatia, palavras que foram encontradas com

freqüência na leitura qualitativa. Fizemos então, a

busca das palavras: "desinteresse", "dispersão" e

"apatia", com o objetivo de verificar sua ocorrência.

(FUNARI, 2007)

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Funari relata que o conceito participação tem 38,3% de ocorrências. A

referência a atitudes de dispersão aparece em 9,9%, enquanto temos para

o verbete desinteresse, 3,0%, e apatia, 1,0%. Foram pesquisados os

relatórios correspondentes à 6ª e 7ª fases, perfazendo 2.613 documentos.

Gráfico.08

Ocorrência de conceitos nos relatórios da 6ª e 7ª fases.

71,6%66,6%63,9%38,3%23,7%12,0%

9,9%11,1%

9,3%8,0%3,0%1,0%

0 500 1000 1500 2000

PlanejamentoMediação

ApatiaDesinteresseProtagonismo juvenilEcossistema Comunicat ivoProtagonismoDispersãoDiálogoEducomunicaçãoPart icipaçãoProdução

1872

1740

1671

1002

618

314

258

290

243

210

79

25

7ªfase6ªfase

Fonte: FUNARI, 2007. Dissertação (Mestrado) - ECA/USP, São Paulo.

A produção de material no educom.rádio apresenta uma peculiaridade que

atribuiríamos a natureza de um programa de longa duração que se permite

Visava-se com o programa implantação de práticas educomunicativas

para seus participantes e por seus participantes – os membros da

escola84, os estudantes e os membros da comunidade, vinculados às 455

escolas municipais de ensino fundamental85, permitindo, assim,à

comunidade escolar dar respostas aos problemas de convivência diária no

ambiente educativo.

Quadro 03 – Estrutura por Pólos de Formação -EDUCOM.RÁDIO

84 O termo membro da escola foi escolhido por não se limitar apenas ao docente, abrangendo agentes escolares, vigias, cozinheiras, entre outros, como profissionais da educação a quem a formação era oferecida. 85 Vide Anexo 02 Lista das Escolas inscritas no Programa.

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Dessa maneira, o Programa EDUCOM.RÁDIO destinou-se a capacitar a

comunidade escolar, reunida em pólos de formação – as escolas-pólos,

facilitando a aquisição dos conhecimentos e das habilidades

indispensáveis para a promoção de uma prática dialógica, solidária e

participativa no ambiente escolar.

Os pólos de formação, no entanto, não se restringiam às turmas oriundas

das escolas públicas municipais, sendo o NCE um centro agregador da

equipe, constituindo-se em constante pólo de atividade, seja de formação,

seja de coordenação. Aqui vale destacar a colaboração da Escola de

Comunicações e Artes, que cedeu salas e auditórios para preparação das

ações prevista no educom.rádio. Para tanto, a equipe de profissionais

vinculados ao NCE realizava reuniões específicas, semanais, para

avaliação de atividades ocorridas e planejamento da programação para o

encontro subseqüente. Estas reuniões demandaram de cada integrante da

equipe a capacidade pessoal para ordenar e utilizar os dados

sistematizados no desenvolvimento de estratégias, métodos e técnicas

para atender a situações diferenciadas.

Estas reuniões contavam com um grupo de especialistas que proporcionam um

atendimento especializado, assim como uma formação continuada. Estes procedimentos

correspondiam ao acompanhamento e avaliação dos processos de implementação do

programa em cada escola-pólo.

Os relatórios e documentos elaborados a partir destes encontros em pólos de formação

no NCE subsidiaram a Coordenação Operacional na estruturação de redes de informação

de acessibilidade garantida e atendendo a peculiaridades de cada grupo. Notemos ainda

que os sistemas de informação montados e em uso desde o início do programa

possibilitam estratégias de avaliação mais condizentes com seus objetivos de uma

política pública.

A literatura especializada americana também tem chamado a atenção para

algumas contribuições de uma política permanentemente acompanhada,

2001 – 1ª Fase – Cinco Pólos – 026 escolas

2002 – 2ª Fase – Treze Pólos – 040 escolas 2002 – 3ª Fase – Treze Pólos – 055 escolas

2003 – 4ª Fase – Treze Pólos – 065 escolas 2003 – 5ª Fase – Treze Pólos – 078 escolas

2004 – 6ª Fase – Dezessete Pólos – 123 escolas 004 – 7ª Fase – Dez Pólos – 068 escolas

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implicando monitoramento constante do processo de implementação.

Deste modo, a pesquisa de policy oriented, não se restringe apenas a

diagnosticar, mas a corrigir o curso das ações, no momento em que os

programas estão sendo executados, proporcionando maior grau de

integração dos distintos corpos da política (administrativo, político e

comunidade), o que fundamental para o desempenho da política (PEREZ,

1998:67).

Tome-se como exemplo a Figura 3, que mostra o mapa correspondente a

quatro fases, e notaremos que a cada fase, participantes, oriundos de

todas as regiões do município de São Paulo reuniam-se, em sintonia, para

planejar e implementar um programa de educomunicação em suas

escolas:

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Legenda

Fase 1 – 26 escolas

Fase 2 – 40 escolas Fase 3 – 55 escolas Fase 4 – 65 escolas

Figura 3 – Distribuição de escolas Educom.rádio – 2001/2003

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Deste modo, ao longo de 12 encontros, aos sábados, o

EDUCOM.RÁDIO propiciou a compreensão das várias linguagens da

informação e da comunicação no ambiente escolar, conforme

recomendam os Parâmetros Curriculares Nacionais, bem como

proporcionou um planejamento do plano político-pedagógico capaz

de permitir a construção de um ecossistema comunicativo

fundamentado na gestão participativa de seus atores.

A estrutura dos encontros constitui-se de dois momentos, divididos

em programação matutina e vespertina. A programação matutina

subdividia-se em duas turmas, a saber: uma turma de participantes

adultos, composto em sua maioria de membros da escola e da

comunidade, em palestras e workshop, e outra de estudantes em

atividades planejadas especificamente para este público, como já

mencionamos anteriormente.

A programação vespertina subdividia-se também em grupos, desta

vez menores, separados por escola de origem, reunindo membros da

escola e da comunidade com os estudantes. As atividades da tarde

centravam-se em oficinas sobre linguagem radiofônica e

planejamento da prática na escola. Tais oficinas constituíram-se em

espaços privilegiados de discussão sobre as práticas pedagógicas

dialógicas e participativas sob o viés da gestão da comunicação no

ambiente educativo.

A linguagem radiofônica foi escolhida como central por permitir o

resgate da oralidade do aluno, aspecto que tem se mostrado

fundamental para ajudar a ampliar sua auto-estima. Outras mídias, no

entanto, como o jornal e o vídeo, foram trabalhadas em sua interface

com a linguagem radiofônica, possibilitando a integração de mídias

na prática educativa (LAGO & ALVES, 2004, p.10) .

A aquisição dos equipamentos para as escolas ficou a cargo da

Secretaria Municipal de Educação, que deveria adquirir uma rádio de

caráter restrito, operando em faixa específica do dial, intramuros

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escolares, não colidindo, portanto, com a legislação sobre rádios

comunitárias86.

O conceito de Educomunicação (SOARES, 1999), serviu, portanto,

como norteador para a prática diária do conjunto de ações inerentes

ao planejamento, implementação e avaliação do EDUCOM.RÁDIO

em todas as suas instâncias de atuação, tendo como fio condutor a

promoção da cidadania.

86 A Legislação que prevê a instalação e funcionamento de rádios comunitárias no Brasil é basicamente a Lei 9.612, de 19 de fevereiro de 1998. Ela disciplinou legalmente o sentido das rádios comunitárias, estabelecendo baixas potências (máximo de alcance de transmissão de 1 km de raio) e sem finalidade lucrativa. A concessão de operação fica a cargo da Anatel e, até hoje, a matéria é motivo de inúmeras controvérsias. A questão da rádio difusão comunitária insere-se em um debate bem mais amplo, que diz respeito à questão da democratização da comunicação no Brasil. O projeto educom.rádio, projetado para passar ao largo dessa questão não caracterizando as rádios que se instalam nas escolas como “comunitárias”, todavia trabalha o tema sob o ponto de vista da necessidade de ampliação dos mecanismos de democratização da comunicação. Desta forma, incentiva a aproximação das escolas com rádios comunitárias de suas regiões, apoiando a possibilidade de trabalhos conjuntos. (LAGO&ALVES, 2004:nota de rodapé 3)

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Esta investigação se inscreve no âmbito das relações entre políticas públicas, extensão

universitária e práticas educomunicativas, que incorporam conceitos e categorias oriundos

dos campos da Comunicação, da Educação e das Ciências Sociais.

Partimos do pressuposto de que a formulação e implementação do EDUCOM.RÁDIO nas

escolas de ensino fundamental da rede pública de São Paulo alteraram marcos que

delimitavam uma formação de professores para constituir-se numa política pública em

Educomunicação, na qual surgem novos elementos de ação e participação concretizadas

em redes sociais de implementação do programa na esfera pública local, ou seja, no

espaço da escola.

Como evidencia Marília Fonseca (2001, p. 22), num panorama recente, as

diretrizes que orientam projetos educacionais implementados a partir da

cooperação entre organismos internacionais de fomento, como o Banco

Mundial (Bird); Banco Interamericano de desenvolvimento (BID), e

organismos estatais brasileiros evidenciam critérios segundo os quais a

qualidade da educação é avaliada a partir da ênfase no “gerenciamento de

resultados”. Estabelece-se assim a “necessidade de subordinar a

avaliação educacional a uma filosofia educacional e a objetivos

educacionais operacionalizáveis e de satisfação de necessidades básicas

de aprendizagem”. Importa aí utilizar categorias de avaliação que não

sejam “difíceis de serem identificadas e aferidas – como, por exemplo, a

formação do espírito crítico”; a prioridade dos indicadores de avaliação

recai, portanto, sobre “aspectos concretos voltados para a racionalidade

tecnológica”.

Está claro que a filosofia que ampara o projeto Educom.rádio e a feição

prática da sua implementação, embora possibilitem a obtenção de

resultados parciais a curto prazo, não visam apenas esse limite temporal

de obtenção de metas, mas compreende imprescindivelmente uma

perspectiva de longo alcance que requer o amparo do caráter permanente

de uma política pública que não esteja pautada pela estreita visão de uma

racionalidade de cunho tecnocrático. Essa perspectiva de longo alcance

exprime-se no caráter exponencial do modelo educomunicativo. Capacitar

um certo número de profissionais da escola e um certo numero de alunos

não corresponde ao limite último das expectativas do projeto. É, digamos,

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o capítulo inicial de uma história com final em aberto. Ao fazer ingressar na

escola, por meio de um pequeno grupo de professores, funcionários, pais

e alunos, uma nova orientação para a práxis educacional, pretende-se que

a vigência efetiva dessa práxis desencadeie um processo multiplicador,

incorporando novos atores, reinventando procedimentos e relações,

reconfigurando a cultura institucional que se expressa em novos modelos

de conduta e ação incorporados à identidade individual e coletiva dos

atores.

A aferição empírica dos resultados de um tal processo cumulativo deve,

para ser coerente com a natureza conceptual do empreendimento,

respeitar o ritmo de uma marcha evolutiva de médio e longo prazo, embora

deva também acompanhar os estágios de desenvolvimento em que a

mudança se efetua, como, por exemplo, a vigência de fóruns de gestão

participativa, o nível de participação dos diversos segmentos (professores,

direção, coordenação, membros da comunidade escolar, funcionários e

alunos) nesses espaços de decisão, o planejamento e a implementação de

novas ações envolvendo a mediação tecnológica em processos

educomunicativos. Mas esse acompanhamento deve pautar-se sempre no

equilíbrio entre o aspecto qualitativo e o quantitativo. Somente observando

esse equilíbrio, a avaliação pode ser um instrumento efetivo de revisão e

aprimoramento da política implementada, uma vez que se orienta pelo

respeito às suas características específicas.

A compreensão da dinâmica temporal específica de uma política pública

de educomunicação e a adoção de uma concepção de avaliação

condizente não impede que se leve em consideração aspectos como o

controle quantitativo do desempenho escolar dos alunos e a quantidade de

recursos despendida no financiamento, mas afasta a visão economicista

que quer fazer destes os únicos termos de uma equação voltada para a

diminuição de custos.

A “visão economicista de diminuição dos custos” que comanda a

intencionalidade do “modelo gerencialista” não cessa de evidenciar suas

diferenças em relação ao modelo pedagógico e de gestão da

educomunicação. A forma de avaliação com que esse tipo de

racionalidade empresarial mede a eficácia de suas “estratégias de

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performatividade” baseando-se, por exemplo, no controle quantitativo do

desempenho escolar, é só a expressão final (inclusive no sentido de que a

avaliação não é tomada como fator de reorientação substantiva se suas

concepções e métodos) de uma deturpação da coerência pedagógica em

favor do cálculo econômico.

Tomemos dois exemplos de oposição diametral entre as políticas

baseadas no modelo gerencialista e as que se vinculam à perspectiva da

educomunicação.

No que respeita concepção do papel das mídias na educação, a

educomunicação tem por base a idéia de mediação. O uso das mídias

numa perspectiva educomunicativa afirma a compreensão de que os

meios de comunicação desempenham um papel pedagógico coerente

quando são usados de modo a romper a unidirecionalidade da

comunicação entre um emissor ativo e um receptor passivo, quando cria

espaços e formas de interlocução e co-participação que trazem para uma

dinâmica coletiva de trocas comunicacionais o universo simbólico e a

identidade cultural de cada sujeito envolvido no processo de ensino-

aprendizagem. Dessa forma, os meios de comunicação tornam-se um

recurso pedagógico que potencializa o grau de significação das

mensagens emitidas e recebidas por múltiplos atores e o caráter de

produção coletiva de sentidos no processo interativo de ensino-

aprendizagem. A ninguém é reservado o status exclusivo de

produtor/emissor ativo de mensagens nem, por outro lado o de

expectador/receptor passivo. A todos os envolvidos na dinâmica coletiva

de trocas comunicacionais é assegurado o direito e a oportunidade de

expressão, de falar, emitir por variados códigos expressivos, ler, ver, ouvir,

interpretar, de acordo com as matrizes socioculturais que lhes servem de

mediações (para as quais muito contribuem os referenciais simbólicos

apreendidos na experiência cotidiana com as mídias).

Bem distinto é o papel educacional que o “autismo tecnicista” e a

“hegemonia gerencial” (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 10) atribuem aos

meios de comunicação: é a “política de diminuição de custos” e não algum

critério de natureza pedagógica que justifica “a adoção de estratégias

como a formação extra-escolar ou não-formal e a utilização do ensino de

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massas, via rádio e televisão, e do ensino programado” (FONSECA, 2001,

p. 29). Vê-se aí um exemplo acabado de uso educacional das mídias

baseado numa perspectiva instrumental e utilitária. A mídia é encarada

como um substituto do educador, uma prótese técnica interposta entre

emissores e receptores que tem por efeito aumentar o hiato entre os

legítimos portadores do saber, aqueles que produzem as mensagens e

que detêm o domínio da técnica e da linguagem dos meios de

comunicação, e, na outra ponta, os receptores passivos, privados de sua

própria palavra. Essa visão tecnicista está longe de reconhecer o papel

estratégico da comunicação na educação, a comunicação como essência

mesma do processo de ensino-aprendizagem que se constitui com base

no intercurso dialógico entre os atores que ativa as mediações sócio-

culturais como pontes de significado que ligam os sujeitos entre si e com o

objeto do conhecimento.

Outro exemplo que marca a diferença da perspectiva educomunicativa em

relação ao modelo gerencialista diz respeito à participação da comunidade

na gestão escolar.

Para o gerencialismo economicista a participação da comunidade é parte

da estratégia que visa a diminuição dos gastos públicos com a educação e

o fortalecimento do setor privado. Como evidencia Marília Fonseca, as

diretrizes de alguns dos organismos internacionais de fomento deixam

clara essa perspectiva privatista que vê na participação da comunidade

uma forma de que “os custos do ensino fossem transferidos para os

alunos” (Bird, 1974, p. 25 apud FONSECA, 2001, p. 30). É o cálculo

econômico, e nada mais, que comanda a operação: “As instituições

escolares podem ser mais efetivas em seu desempenho quando os pais

são envolvidos com as escolas dos filhos. O envolvimento de muitas

famílias se dá na forma de contribuição direta ou indireta com os custos da

educação” (BIRD, 1980, p. 81 apud FONSECA, 2001, p. 30).

O projeto Educom.rádio apresenta uma marcante diferença em relação a

essa visão economicista do papel da comunidade escolar. Longe de ser

apenas contingente, essa diferença deriva dos próprios fundamentos da

educomunicação. Ao entender como uma prioridade a conexão entre as

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práticas que se dão no interior da escola e as mediações sócio-culturais

que compõem o entorno comunicacional da escola, ao pretender situar a

escola no contexto de um ecossistema-comunicativo mais amplo, a

educomunicação demarca a sua distinção tanto em relação ao uso

meramente instrumental das mídias como próteses técnicas quanto em

relação à instrumentalização da participação dos atores que circundam o

ambiente escolar. A inserção tanto das mídias quanto da comunidade

escolar no cotidiano escolar é aqui vista como forma de conectar aquilo

que nunca deveria estar separado: a escola e a dinâmica comunicacional

dos atores feita de práticas e saberes, de mediações que se dão

cotidianamente no contato com as mídias e que necessitam ser inseridas

no dia a dia da escola como condição para que se instaure um processo

verdadeiramente dialógico de ensino-aprendizagem.

Mirando a inserção das mídias e da comunidade escolar no cotidiano

escolar, como forma de conectar a escola ao ecossistema comunicativo, o

projeto Educom.rádio tem o mérito de imprimir um novo vigor ao sentido do

projeto político-pedagógico da escola. Isso porque o projeto político-

pedagógico não figura aí como uma exigência administrativa imposta a

partir de fora e que suscita uma resposta de caráter burocrático. Ao

contrário, trata-se de evidenciar, a partir de uma reivindicação autêntica

dos próprios atores, a necessidade objetiva de construção do projeto

político-pedagógico como condição de uma realização coletiva que se

deseja alcançar. De exigência alienante, o projeto político-pedagógico

passa a se constituir em imperativo da vontade coletiva dos sujeitos.

Vê-se que o projeto Educom.rádio afasta-se decididamente da condição de

um projeto isolado destinado a promover na escola uma intrusão invasiva

desconectada de diretrizes já existentes como a que prevê a adoção da

prática de construção do projeto político-pedagógico como forma de

“recuperar a identidade social da escola e de seus mestres, que só pode

ser construída no exercício de suas práticas cotidianas” e de “politizar o

cotidiano escolar, tomando consciência de suas práticas, estruturas e

competências” (FONSECA, 2001, p. 41).

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Ao instaurar uma reflexão renovada sobre a prática educacional e renovar

essa prática por intermédio de novas ações carregadas de um sentido

revigorado, o Educom.rádio reforça e revitaliza o projeto político-

pedagógico como forma de pensar coletivamente a escola e a função

social que ela deve exercer. Dá-se, assim, vigência prática à noção de que

Para a construção do projeto político-

pedagógico, devemos ter claro o que se quer

fazer e por que vamos fazê-lo. Assim, o projeto

não se constitui na simples produção de um

documento, mas na consolidação de um

processo de ação-reflexão-ação que exige o

esforço conjunto e a vontade política do coletivo

escolar. (VEIGA, 2001, p. 56)

O EDUCOM.RÁDIO permite uma série de interrogações sobre os modos em que os

diversos atores envolvidos percebem e orientam a gestão dos processos comunicacionais

desta política pública diante perspectiva de incorporação de um recurso midiático (o

“equipamento de rádio restrita”) a partir da visão de uma comunicação dialógica, que

reivindica a ampliação dos espaços de expressão e participação no interior da escola.

Junte-se ainda o fato de que a convergência entre o conteúdo da política, as

expectativas dos atores envolvidos e os mecanismos disponíveis para sua

execução concretizava-se nos pólos de formação87, que assumiam a dimensão de

“pólos geradores de conflitos”, ou melhor, dizendo, “pólos de negociação dos

sentidos”, nos quais se evidenciavam a multiplicidade de representações dos

sujeitos no que concerne às dimensões objetiva e subjetiva da ação comunicativa

no ambiente escolar.

PROJETOS CLAUDIA RENATO BEL

87 Deve-se notar os pólos de formação no EDUCOM.RÁDIO podem encontrados no âmbito de atuação do NCE nas escolas-pólo, como também na esfera de formação da equipe do NCE para capacitação da comunidade escolar.

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POLITICAS PÚBLICAS .....

O EDUCOM.RÁDIO – Educomunicação pelas Ondas do Rádio88 foi

idealizado a partir do EDUCOM – Programa em Educomunicação89, desenvolvido pelo NCE-ECA/USP com o objetivo de formular, implementar

e avaliar “políticas de gestão de processos comunicacionais em ambientes

educativos” (EDUCOM – PROGRAMA DE EDUCOMUNICAÇÃO, 2000, p.

3).

O EDUCOM.RÁDIO iniciava suas atividades em setembro de 2001,

destinando-se a “capacitar integrantes do ensino fundamental da rede

pública municipal, facilitando a aquisição de conhecimentos e das

habilidades indispensáveis para que promovam os diferentes modos de

comunicação em sala de aula e no conjunto da prática educativa para a

promoção da paz”.

Como já mencionado, a proposta desenhada pelo NCE e executada

durante o período de setembro de 2001 a dezembro de 2004, atenderia à

demanda da Secretaria Municipal de Educação da Cidade de São Paulo

(SME-SP) de programar políticas educativas de prevenção e combate à

violência, envolvendo todas as escolas municipais de ensino fundamental.

Desta forma, encontrou o terreno fértil para sua formulação e sua

implementação tanto na redefinição do conceito de extensão universitária,

como em ações empreendidas pelo Município de São Paulo neste período.

A reformulação dos pilares que orientam a extensão universitária tem

significativa importância para a compreensão do Programa 88 O Programa Educomunicação pelas Ondas do Rádio foi resultado de um contrato firmado entre a Coordenadoria dos Núcleos de Ação Educativa da Secretaria Municipal de Educação da Cidade de São Paulo – CONAE- SME/SP e a Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo – FUSP. 89 O EDUCOM – Programa em Educomunicação foi formulado, em outubro de 2000, com o intuito de capacitar e assessorar grupos de professores das redes públicas de educação do Estado e do Município para o desenvolvimento de projetos em educomunicação, de acordo com metodologia específica do campo da inter-relação comunicação/educação.

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EDUCOM.RÁDIO, que extrapola uma prestação de serviço ao poder

público.

O EDUCOM.RÁDIO atende à nova concepção da integração universidade-

sociedade definida como um “processo educativo, cultural e científico que

integra o ensino e a pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação

transformadora entre a Universidade e a Sociedade”. 90

Neste sentido, repensar esta relação universidade-sociedade significava

entendê-la como o instrumento que democratiza o conhecimento produzido

e ensinado na Universidade e atende às demandas da sociedade,

colocando na agenda da extensão universitária a formação do cidadão e

a inclusão social.

No que concerne à esfera de ação do Estado, o EDUCOM.RÁDIO contempla em seu bojo as premissas desta nova gestão municipal, na qual

se distingue nitidamente a centralidade de conceitos como participação,

dialogicidade, formação do cidadão e inclusão social, tão caros ao NCE,

em suas diretrizes de pesquisa e de extensão universitária.

Em vista disso, vale ressaltar que, embora partamos do pressuposto de que política pública

é o modo de operar do Estado – o Estado em ação – , ela pode (e deve) assumir a forma de

um conjunto de práticas e normas emanadas de um ou vários atores públicos. Tal condição

nos permite abordar o “ato de fazer política pública” como uma ação social, na qual se

estabelece uma relação entre atores governamentais e a sociedade civil.

Porém esta afirmação, embora pareça conclusiva, apenas nos coloca o problema por nós

enfrentado a cerca da relação Estado/ Sociedade Civil hodiernamente. Duas grandes

tendências polarizadoras, de pronto, apresentam-se neste debate: enquanto muitos criticam o

controle excessivo do Estado sobre a sociedade civil, outros o acusam de ineficácia em

desempenhar as funções de que se incumbe perante a sociedade civil.

Segundo Boaventura de Souza Santos, em ambas as tendências acima delineadas, entre

tantas outras concepções que poderíamos anunciar igualmente contraditórias, deparamo-nos

90 O PNE – Plano Nacional de Extensão Universitária, desde 1998, concebe extensão como : ...o processo educativo, cultural e científico que articula o Ensino e a Pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre Universidade e Sociedade. A Extensão é uma via de mão-dupla, com trânsito assegurado à comunidade acadêmica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade de elaboração da praxis de um conhecimento acadêmico. No retorno à Universidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que, submetido à reflexão teórica, será acrescido àquele conhecimento. Tal conceito é incorporado normas da Universidade de São Paulo em RESOLUÇÃO Nº 4940, DE 26 DE JUNHO DE 2002 - (D.O.E. - 03.07.2002). http://leginf.uspnet.usp.br/

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com a distinção entre Estado e Sociedade Civil, disposta também em formulações como “a

separação entre o político e o econômico, a redução do poder político ao poder estatal e

identificação do direito com o direito estatal” (1997, p.117).

Partindo deste pressuposto, chegamos, segundo Santos, a um dos considerados maiores

dualismos do pensamento ocidental moderno: Estado/ Sociedade Civil. Nesta concepção, o

Estado moderno é uma realidade construída, uma criação artificial, como se expressa o autor

ao citar Hayek: “as sociedades formam-se, mas os estados são feitos.” (SANTOS, 1997, 117).

A modernidade do Estado, portanto, caracterizar-se-ia pela sua organização formal, unidade

interna e soberania absoluta, fundada sobre um sistema jurídico unificado e centralizado, em

contraposição à Sociedade Civil concebida como o domínio da vida econômica, das relações

sociais e espontâneas orientadas pelos interesses privados.

Diante da formulação de distinção Estado/Sociedade Civil, Santos propõe uma alternativa que

é a construção de modos básicos de produção de poder que se articulam de maneiras

específicas. Assim as análises das sociedades capitalistas não se restringiriam a esta

dualidade, elas conteriam espaços (que também seriam tempos) estruturais, entre os quais se

enumera: o espaço doméstico, o espaço da produção, o espaço da cidadania e o espaço

mundial. Cada espaço estrutural é um fenômeno complexo constituído por cinco componentes

elementares: uma unidade de prática social, uma forma institucional privilegiada, um

mecanismo de poder, uma forma de direito e um modo de racional idade. Cada um dos

espaços estruturais e sua forma de poder se apresentam interdependentes por uma lado e

autônomos por outro, o que lhes garante articulações internas e uma variação de

combinações nas relações sociais.

Assim temos como proposição de Santos os seguintes espaços:

• o espaço doméstico é constituído pelas relações sociais (os direitos e os deveres

mútuos) entre os membros da família, nomeadamente entre o homem e a mulher e

entre ambos (ou qualquer deles) e os filhos. Neste espaço, a unidade de prática social

são os sexos e as gerações, a forma institucional é o casamento, a família e o

parentesco, o mecanismo do poder é o patriarcado, a forma de juridicidade é o direito

doméstico (as normas partilhadas ou impostas que regulam as relações quotidianas

no seio da família) e o modo de racionalidade é a maximização do afeto.

• espaço da produção é constituído pelas relações do processo de trabalho, tanto as

relações de produção ao nível da empresa (entre produtores diretos e os que se

apropriam da mais-valia por estes produzida), como as relações na produção entre

trabalhadores e entre estes e todos os que controlam o processo de trabalho. Neste

contexto, a unidade da prática social é a classe, a forma institucional é a fábrica ou

empresa, o mecanismo do poder é a exploração, a forma de juridicidade é o direito da

produção (o código da fábrica, o regulamento da empresa, o código deontológico) e o

modo de racionalidade é a maximização do lucro.

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• espaço da cidadania é constituído pelas relações sociais da esfera pública entre

cidadãos e o Estado. Neste contexto, a unidade da prática social é o indivíduo, a

forma institucional é o Estado, o mecanismo de poder é a dominação, a forma de

juridicidade é o direito territorial (o direito oficial estatal, o único existente para a

dogmática jurídica) e o modo de racionalidade é a maximização da lealdade.

• espaço da mundialidade constitui as relações econômicas internacionais e as

relações entre Estados nacionais na medida em que eles integram o sistema mundial.

Neste contexto, a unidade da prática social é a nação, a forma institucional são as

agências, os acordos e os contratos internacionais, o mecanismo de poder é a troca

desigual, a forma de juridicidade é o direito sistêmico (as normas muitas vezes não

escritas e não expressas que regulam as relações desiguais entre Estados e entre

empresas no plano internacional) e o modo de racionalidade é a maximização da

eficácia.

Mapa estrutural das sociedades capitalistas

Componentes elementares Unidade de prática social Forma institucional Mecanismo de poder Forma de direito Modo de racionalidade

Espaços Estruturais

Espaço Doméstico

Sexos e gerações Família Patriarcado Direito

Doméstico Maximização de afetividade

Espaço de Produção Classe Empresa Exploração Direito de

Produção Maximização de lucro

Espaço de Cidadania Indivíduo Estado Dominação Direito Territorial Maximização de

lealdade

Espaço Mundial Nação

Contratos, acordos e organizações internacionais

Troca Desigual Direito Sistêmico Maximização de eficácia

Acima de tudo, Santos advoga: “esta concepção permite mostrar que a natureza política do

poder não é um atributo exclusivo de uma determinada forma de poder. È antes o efeito global

da combinação de diferentes formas de poder” (1997, p. 126). A partir deste quadro conceitual

proposto, autor analisa a sociedade civil portuguesa e verifica que ela é mais complexa que a

constatação da sua condição de sociedade semiperiférica, fraca e pouco autônoma que lhe é

atribuída pelas sociedades centrais.

Santos discorre sobre os feixes de relações sociais que podem ser encontradas na sociedade

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civil portuguesa e conclui que esta pode ser classificada como fraca e pouco autônoma no que

concerne aos espaços de produção e de cidadania, porém a sociedade civil portuguesa se

mostra, no espaço doméstico, muito forte, autônoma e auto-regulada, chegando até mesmo a

ser mais forte, autônoma e auto-regulada que as sociedades civis centrais. Portanto,

a centralidade do Estado português enquanto Estado semiperiférico

distingue-se assim e antes de mais da dos Estados dos países

centrais por ser mais autoritária e menos hegemônica e por ser

mais difícil determinar onde o Estado acaba e o não-Estado

começa. Mas, para além disto, e um tanto paradoxalmente, este

tipo de centralidade é uma centralidade que não se sabe impor

eficazmente, ou seja, cujos resultados de exercício ficam sempre

aquém da lógica que lhes subjaz (SANTOS, 1997, p.127-130).

Assim, ao contrário do que se passa nos países centrais, é tão importante determinar a

autonomia relativa do espaço de cidadania (do Estado) em relação aos restantes espaços

estruturais como determinar a autonomia relativa destes em relação àquele, evitando o

reducionismo da distinção Estado/sociedade civil, particularmente inadequada, segundo o

autor, para analise de sociedades semiperiféricas. Podemos assim pontuar que a

dicotomia Estado/ Sociedade Civil nos revela a polarização entre o público e o privado

restringindo o espaço das mediações nas sociedades semiperiféricas.

Em sua tese, intitulada O Espaço Público como uma Rede de Atores, Jackeline de

Andrade se acerca do debate entre público e privado. Afirma a autora que, na prática, a

separação entre público e privado não é demarcada por limites ou polarizações, mas convive

por entre fronteiras difusas que se interpenetram continuamente. As mediações são, portanto,

necessárias, principalmente quando se compreende que as relações entre Estado, mercado e

sociedade são uma expressão histórico-cultural particular. O público é uma realidade

socialmente construída que deve ser compreendida no seu sentido prático (ANDRADE, 2004,

p.7).

Assim, pontua a autora, a questão centra-se em compreender como a força da ação social do

Estado, da sociedade e do mercado se relacionam na formação do espaço público. Onde o

conceito de público se amplia para além da dimensão estatal, demandando por um

reequilíbrio de forças nas bases da regulação social que necessitam ser repensadas em suas

dimensões institucional e prática. O público é um espaço em construção no qual são definidas

as bases de ação social e de compartilhamento de responsabilidades capaz de resultar na

construção da cidadania (ANDRADE, 2004, p.7-8). Como dizia Herbert de Souza, o Betinho:

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O público é o que nos permite hoje escapar do dilema entre o

privado e estatal, entre mercado e Estado, entre direito de uns

poucos e o de todos. Nesse sentido, o público é o espaço da

solidariedade, da igualdade, da participação, da diversidade, da

liberdade. Enfim, o público é a expressão da democracia aplicada

ao conceito do que deve e pode ser universal. (SOUZA, Apud.

ANDRADE, 2004, p. )

Sob tal perspectiva podemos inserir o educom.rádio como o lócus de articulação entre a ação

do Estado e organizações não estatais para a formação do cidadão.

Andrade recorre mais uma vez a Boaventura de Souza Santos para afirmar que a

configuração deste espaço público em que o Estado convive com interesses e organizações

não estatais, um novo contrato social mais inclusivo deve ser firmado, incluindo igualmente os

espaços-tempo local, regional e global, bem como os critérios de igualdade e de diferença.

(ANDRADE, 2004, p.5-8)

Portanto, conforme advogará Klaus Frey, a compreensão da dinâmica social passa

necessariamente pelo reconhecimento do entrelaçamento e de inter-relações complexas entre

o global e o local nas práticas sociais. Sendo assim, a cidade e a comunidade como bases da

organização social e política desempenham um papel fundamental nos processos de

significação social e de formação de identidade, assim como na articulação dos diferentes

atores em torno de objetivos comuns de desenvolvimento. Este processo de afirmação das

cidades e municípios tem como central o papel dos meios de comunicação, principalmente a

Internet ao representarem um potencial de emancipação social, no sentido de uma maior

democratização do acesso à informação e ao poder social e político (FREY, s/d, p.1-3).

Para Klaus Frey, as respostas dos governos locais a estes desafios são bastante

heterogêneas. Porém, não restam dúvidas de uma sociedade democrática e não-excludente

cabe aos poderes locais um papel fundamental, sobretudo no que diz respeito à preparação e

ao fortalecimento das comunidades locais para poder responder adequadamente ao avanço

tecnológico e aos efeitos desintegradores do capitalismo contemporânea e se valer das novas

potencialidades em benefício do desenvolvimento social sustentável. (FREY, idem)

Afirma o autor, se por um lado se percebe a complexidade dos processos de tomada de

decisão local e uma sobrecarga na agenda urbana com a geração de emprego, a promoção

da segurança pública e o combate à poluição e deterioração ambiental, entre outros temas

relevantes, por outro se observa uma propensão por governos locais em experimentar novas

formas de participação social, entre as quais:

• o fomento ao desenvolvimento tecnológico, com a criação de parques tecnológicos,

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• a implementação de medidas tributárias de redistribuição,

• o estímulo a uma economia solidária local através de programas de micro-crédito,

• a cooperação com outras cidades por meio de consórcios intermunicipais e da

inserção em redes de cidades no âmbito nacional e internacional,

• as parcerias com a iniciativa privada e organizações não-governamentais na

prestação de serviços públicos,

• modernização da administração pública e o sistema político mediante a inserção das

TICs e da Internet nos processos político-administrativos e, finalmente,

• criação de condições sociais, tecnológicas e políticas favoráveis à autonomia e ao

empoderamento de comunidades locais e a práticas sociais de solidariedade.

Este cenário, no entanto, no Brasil, é determinado por dois principais

vertentes de reflexão teórica sobre o Estado e a Gestão Pública, norteados

por de experiências práticas em gestão urbana. .

Desta forma, deparamo-nos com uma primeira abordagem chamada de “social

democracia”, que segundo Frey, adota um modelo gerencial, em que o gestor público é

avaliado conforme sua capacidade de alcançar as metas estabelecidas pelo sistema de

decisão política. O modelo gerencial é inspirado na prática do gerenciamento de

empresas privadas, buscando transferir instrumentos de gerência empresarial para o setor

público. Incluem-se aí diretrizes a orientação para o cidadão ou o cliente para a obtenção

de resultados; a utilização do contrato de gestão como instrumento de controle dos

gestores públicos; a descentralização administrativa e incentivos à criatividade e à

inovação como estratégias principais; finalmente, a transferência de ampla autonomia e

responsabilidade aos gerentes públicos (Bresser-Pereira, Apud FREY, s/d).

A outra abordagem “democrático-participativa” visa estimular a

organização da sociedade civil e promover a reestruturação dos

mecanismos de decisão, em favor de um maior envolvimento da

população. Desta forma, há uma reinvenção do setor governamental e

administrativo que passa a ter um aumento do controle social e uma

ampliação da participação da sociedade civil e da população na gestão da

coisa pública. Enquanto o modelo gerencial visa isolar o gestor público das

pressões oriundas da sociedade, o modelo democrático-participativo

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requer novas habilidades do gestor público, sobretudo em relação à

articulação e à cooperação com os mais variados atores políticos e sociais.

Na prática da realidade municipal, salienta Klaus Frey, estas abordagens apresentam-se

mescladas tendo os governos locais, comprometidos com o discurso democrático-

participativo, recorrido a instrumentos de gestão, defendidos pelo novo gerencialismo, assim

como governos evocam a revolução gerencial no setor público, vêem-se obrigados a abrir

espaços para a participação popular frente a necessidade de enfrentar as crescentes

demandas locais, ou mesmo, recuperar a sua legitimidade política perante a população de

eleitores.

Klaus Frey coloca ainda que cada vez fica mais difícil distinguir estas duas abordagens, em

princípio, antagônicas nas suas origens, diante da apropriação do discurso da cidadania e da

participação por concepções gerenciais e, por outro lado, temos estratégias de privatização e

de parcerias público-privado defendidas pelos adeptos do modelo democrático-participativo.

Diante deste cenário, surgem as análises relacionadas à governança urbana como ponto de

partida para a criação de redes, com o intuito de restaurar a legitimidade do sistema político

pela criação de novos canais de participação e parcerias entre o setor público e o setor

privado ou iniciativas voluntárias, contribuindo para novas formas democráticas de interação

público-privada. Nessa abordagem de governança emancipatória a ênfase está no aumento

de poder social, ou seja, a inclusão e o fortalecimento dos não poderosos nos processos de

tomada de decisão política, enquanto que a eficiência administrativa é considerada um

objetivo subordinado.

Vale destacar que as redes sociais e informacionais como base estrutural de qualquer

sistema de cooperação público-privada ganham destaque na nova sociedade da

informação, não obstante as divergências que os diversos conceitos de governança

apresentam no debate sobre políticas públicas.

Em vista disso, podemos ressaltar, entre as definições propostas pelas Ciências Políticas

para a empiria e a prática política, a formulação que se volta para“os resultados que um

dado sistema político produz, ancorando-se numa avaliação das estratégias escolhidas

para a solução de problemas em campos específicos” (FREY, 2000: 213).

Salienta FREY (2000) que tais resultados produzidos por um sistema político

correspondem ao âmbito das políticas públicas. A análise de políticas públicas – policy

analysis, no entanto, não se restringe a aumentar o conhecimento sobre programas e

planos de ação implementados por políticas setoriais, mas a inter-relação entre as

instituições políticas, os processos políticos e os conteúdo da política.

Deste modo, a literatura sobre policy analysis diferencia três dimensões da política, a

saber: Polity (dimensão institucional), Politics (dimensão processual) e Policy (dimensão

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material).

O autor ressalta que estas diferenciações teóricas das dimensões da

prática política nos auxiliam na construção de um instrumento analítico-

conceitual para a elaboração de uma policy analysis.

Quadro 04 – Dimensões da Política- Policy Analysis

POLITY Instituições

políticas

Dimensão

institucional

Refere-se à ordem do sistema

político, delineada pelo sistema

jurídico, e à estrutura institucional

do sistema político-administrativo.

POLITICS Processos

políticos

Dimensão

processual

Tem-se em vista o processo

político, frequentemente de caráter

conflituoso, no que se diz respeito

à imposição de objetivos, aos

conteúdos e às decisões de

distribuição.

POLICY Conteúdos

políticos

Dimensão

material

Refere-se aos conteúdos

concretos, isto é, à configuração

dos programas políticos, aos

problemas técnicos e ao conteúdo

material das decisões políticas.

Tais categorias são tipos ideais que nos permitem evidenciar aspectos peculiares da

política analisada, porém nunca se deve perder de vista a realidade onde estas

dimensões se entrelaçam e se influenciam mutuamente. Segundo SCHUBERT (apud

FREY, 2000:217), “a ordem política concreta forma o quadro dentro do qual se efetiva a

política material por meio de estratégias políticas de conflito e de consenso”.

Um estudo de políticas públicas necessariamente promoveria uma análise das

interdependências recíprocas entre as instituições políticas (polity), os processos políticos

(politics) e os conteúdos concretos das políticas (policy).

Merilee GRINDLE discute a influência do contexto político na implementação de políticas.

Assim elabora um modelo de processo político em que os limites e os condicionantes do

processo ocorreriam em função do conteúdo da política, do contexto político de

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implementação e do espaço administrativo em que se desenvolve a política. (Viana, 1996:

28)

Deste modo, devemos atentar para um detalhamento da relação entre a dimensão

processual e a dimensão material na policy analysis, o que nos permite discriminar

fatores favoráveis e entraves bloqueadores, deixando clara a interdependência entre os

processos e os resultados da política.

Outras três categorias que ganham relevância na policy analysis são policy networks,

policy arenae policy cycle .

Definidas como interações das diferentes instituições e grupos tanto executivo,legislativo

como da sociedade na gênese e na implementação de uma determinada policy, a policy networks abrange as redes de relações sociais que se repetem periodicamente, a ponto

de seus integrantes evidenciarem uma certa confiança entre si e estabelecerem opiniões

e valores comuns (FREY, 200:221).

As características particulares das policy networks são estruturas horizontais de

competências, densidade comunicativa bastante alta, barreiras de acesso relativamente

baixas e, inter-relacionado com isso, um controle mútuo comparativamente intenso.

(PRITTWITZ, apud FREY, 2000: 221)

Mais um elemento importante da abordagem da policy analysis é a chamada policy

arena.

Segundo FREY, a concepção de policy arena91 refere-se aos processos de conflito e de

consenso dentro das diversas áreas de políticas, partindo do pressuposto de que as

reações e expectativas das pessoas afetadas por medidas políticas têm um efeito

determinante no processo político de decisão e de implementação. (FREY, 2000:223)

Devido ao fato de que as redes e as arenas das políticas setoriais podem sofrer

modificações no decorrer dos processos de elaboração e implementação das políticas, a

concepção de policy cycle torna-se fundamental na policy analysis.

O policy cycle engloba o caráter dinâmico e a complexidade temporal dos processos

político-administrativos, ao subdividir o agir público em fases parciais do processo político-

administrativo de resoluções de problemas.

Segundo a concepção do modelo de policy cycle, o processo de resolução de um

problema consiste de uma seqüência de passos, regidos por uma dinâmica de interação

mútua entre os atores envolvidos.

Processos de aprendizagem política e administrativa encontram-se de fato em todas as

fases do ciclo político, mas pode – ou deve – acompanhar as diversas fases do processo

e conduzir a adaptações permanentes do programa e, com isso, propiciar uma

reformulação contínua da política. (FREY, 2000:229)

91 FREY atribui a introdução desta categoria no debate científica a Theodore Lowi.

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Comum a todas as estas concepções temos as etapas da percepção e definição de

problemas, agenda setting, elaboração de programas e decisão, implementação de

políticas e finalmente avaliação de políticas.

A concepção de policy analysis parece em princípio apropriada para a análise de

políticas públicas no contexto da realidade brasileira, porém é imprescindível, no nosso

entender, uma adaptação da abordagem às particularidades da situação política e

institucional vigentes, além de mostrar as próprias limitações da proposta em questão.

Ao levar em conta as dimensões de uma política pública podemos, segundo

PEREZ(1998), esboçar um modelo de pesquisa de processo de implementação que

procura captar as relações complexas entre variáveis dependentes (graus e formas da

implementação), variáveis intervenientes (comportamentos de agentes envolvidos na

implementação) e variáveis independentes (estrutura de operação da rede envolvendo as

dimensões organizacionais, jurídicas, financeira e apoio logístico). Além disso considera-

se, ainda, nesse nível a dinâmica de ação dos atores (grau de conhecimento do processo,

sistema de incentivo e de punição, opiniões, interesses, etc).

Um modelo dessa natureza pode ter como objetivo a reconstituição do processo de

implementação, identificando os obstáculos e os elementos facilitadores, assim como o

grau de adesão e resistência dos agentes implementadores.

Page 207: Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares

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No próximo capítulo, discutiremos alguns aspectos relevantes para a compreensão de um

ciclo de políticas com o intuito de destacar especificidades de cursos de extensão

universitária para a formação de professores da rede pública municipal que por meio de

sua implementação se transformou em uma política pública em Educomunicação

promovido pela Secretaria Municipal de Educação e implementado pela Universidade.

As vicissitudes da implementação de programas

governamentais têm sido entendidas como uma das

dimensões cruciais - senão a variável central - para a

explicação do insucesso dos governos em atingir os

objetivos estabelecidos no desenho das políticas

públicas. A implementação revelou-se, portanto, o "elo

perdido" nas discussões sobre a eficiência e eficácia

da ação governamental. (SILVA; MELO, 2000, p.3)

A implementação se revela em estudos de políticas públicas como o eixo central na

execução de um planejamento para uma ação coordenada; problemas não antecipados

que surgem ou “mudanças de percursos” portam-se como o "elo perdido" nas discussões

sobre a efetividade e mesmo legitimidade da ação governamental.

Sob esta perspectiva é que gostaríamos de enfocar o EDUCOM.RÁDIO

que durante o período em que esteve sob a coordenação do NCE/USP foi

constantemente reformulado, garantindo-se os marcos referenciais que

nortearam o processo de implementação do programa enquanto uma política

pública.