professor eddy stols

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por Rangel Cerceau Netto (Bolsista CAPES), André Mascarenhas Pereira (Bolsista FAPEMIG) e Paula Elise Ferreira Soares.

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  • Temporalidades - Para iniciarmos a nossaconversa, gostaramos de saber o que levouo Professor Eddy Stols a experimentar essecampo do conhecimento. Eddy Stols - Na verdade, eu no devia tercado na histria. Meus pais estranharam.Meu pai era um comerciante e esperavaque os estudos universitrios levassem-me a ser mdico e eu escolhi a histria.Nos anos de 1957 o campo da histria eraprestigioso na Europa. A situao dohistoriador, apesar de estar um pouco embaixa agora, teve uma alta considervelnos anos 1970 e 1980. Bastava entrarnuma livraria e ver que havia montes delivros. Talvez fossem os franceses eingleses que criaram o pblico maior paraa histria. O fato que a leitura e o gostopela diversidade me levaram para ahistria. Quando era criana conheci a SegundaGuerra Mundial. Eu dancei no baile daliberdade, lembro-me ainda do samba, damsica que tocava, um samba fajuto: ai,ai, ai, Maria, Maria da Bahia... Querodizer que eu vivi a Segunda GuerraMundial, que foi um transtorno. Eu tiveainda certo conforto porque no passeifome. Todavia, eu vi pessoas como ovizinho da frente ser preso porque tinhatomado cerveja com oficiais alemes nobar. Ele gostava de mostrar que falavaalemo. Depois vieram busc-lo e ele foilevado a chutes para a priso. Eu vipessoas vestidas com os pijamas docampo de concentrao. Portanto, eu jme colocava vrios questionamentos: oque est acontecendo? O que se passapor aqui?Um outro fator importante que meu paivivenciou, na adolescncia, a PrimeiraGuerra Mundial. Ele ficou muito marcadoe sofrido. Em nossas conversas ele mecontava muito sobre isso. Ento, em casa,

    eu tinha a histria da Primeira e daSegunda Guerra Mundial.Eu tambm fazia, desde muito cedo,viagens de frias contnuas para ver meusavs que moravam na Frana. Acho queisso pode ter suscitado um interesse peladiversidade das coisas. Eu colecionavatudo que era diferente. Alm do mais,naquela poca, no havia antropologia e ahistria era a nica formao que podiasatisfazer a minha curiosidade deinteresses. Se fosse hoje, talvez, eu tivessecado na antropologia.

    Temporalidades - A histria uma rea for-mada por diversas noes, enfoques, pos-turas e experincias, todas, contudo,voltadas para a busca da objetividade emmeio a saberes subjetivos. Sobre isso, o quetem a nos dizer?Eddy Stols - Na Blgica, a historiografia sebeneficiou muito dos impulsos dados poroutros campos de pesquisa como a

    sociologia, a poltica, a psicologia e asletras. Sobrava dinheiro nos programasque ofertavam bolsas. Assim me torneihistoriador com bolsas do CNPq de lorientado mais para a pesquisa do quepara a docncia, apesar de as duasatividades no serem dissociadas naquelapoca. Voc logo comeava a trabalharcom seminrios, muitas vezes no lugar doprofessor titular. As aulas nunca eramdeixadas de lado. Naquela poca havia um movimentopoltico que caminhava para a diviso dopas por uma fronteira lingstica. Nonorte da Blgica fala-se flamengo (quenada mais do que o holands compronncia diferente) e no sul, o francs.Na verdade, isso no e nem nunca foium problema, pois a maioria das pessoas,mesmo sem ter escolaridade, tornaram-se bilnges. Mas essa realidade no eramuito aceita pelos polticos daquela pocaque sonhavam com identidades culturais epolticas, a meu ver, completamentedesconectadas, falsas, enganosas, e atfajutas, que so incitadas, ainda hoje, poruma minoria de polticos que vivem disso.Enfim, essa guerra lingstica maisexacerbada na Blgica, mas ela existetambm em outras reas da Europa e dasAmricas.No sou um marxista, mas fui influenciadopela idia de que primeiro o que grita oestmago. Os professores primrios,padres, catlicos, sacristos, geralmenteconsiderados intelectuais criaram econtinuam criando, identidades fictcias. Ameu ver, o historiador, tem que dialogarcom outras reas para formar, noexerccio de seu ofcio, uma massa crticae pensante. Por exemplo, o socilogo eno o historiador quem dir queatualmente todo o mundo fala doisidiomas. Eu acho que em certos casos,

    Quando fizemos o convite para entrevistar o Professor Eddy Stols, nossa proposta era debater acerca do saber historiogrfico eda profisso de historiador. Fomos recebidos por ele, num Flat em Belo Horizonte. Com excelente humor, o belga gentilmenterecebeu-nos, nas seguintes palavras: ser um prazer conversar sobre a profisso de historiador tal como eu a experimentei. Parans da revista Temporalidades esta colocao demonstrou extrema sensibilidade em relao ao nosso ofcio, uma vez que a histria uma rea formada por diversas noes, enfoques, posturas e experincias, todas, contudo, voltadas para a busca da objetividadeem meio a saberes subjetivos. O professor Eddy Stols doutor em Histria pela Universidade Catlica de Leuven, na Blgica. Poraqui esteve durante trs temporadas lecionando na UNESP (Marlia em 1963 e 1968), na USP (So Paulo em 1987) e na UFMG (BeloHorizonte em 2005 e 2006), alm de promover o intercmbio de diversas outras atividades acadmicas. Neste clima de interessepela Histria, pela alimentao, pelo ambientalismo e pelo cotidiano das relaes dos Paises Baixos com o Brasil contemplamos osnossos leitores com a entrevista que se segue.

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    Temporalidades - Revista Discente do Programa de Ps-graduao em Histria da UFMG, vol. 2, n. 1, Janeiro/Julho de 2010 - ISSN:1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades

    Professor Eddy Stolspor Rangel Cerceau Netto (Bolsista CAPES), Andr Mascarenhas Pereira (Bolsista FAPEMIG) e Paula Elise Ferreira Soares.

    entrevistaentrevista

  • alguns historiadores belgas, assim comoalguns franceses, acabam por simplificar emesmo falsificar a Histria porque no sedistanciaram da histria. Ainda bem quecontamos com alguns recursos napesquisa histrica que nos permiteinterrog-la, para no contentarmos comvises extremamente simplrias ou atmesmo equivocadas.

    Temporalidades - Hoje em dia, normal-mente, os historiadores se especializam emuma temtica a qual dedicam toda sua tra-jetria acadmica, ainda que a metodologiae o aparato conceitual possam ser reformu-lados. J no caso da obra do professor, nspercebemos que existe um enfoque sobre aquesto do cotidiano, porm, numa diversi-dade muito grande de temticas, tais comoarte, botnica, alimentao, escravido. Oporqu desta opo?Eddy Stols - Bom, acho que sou curioso.Para mim, uma planta ou um estiloarquitetnico, ou uma cano, todos estesaspectos valem tanto quanto outros. Ocotidiano sempre nos permite interrogarsobre seu uso, sua origem, sua misturacom o outro, sua adaptao. Em MinasGerais, a tendncia se criar razes.Obviamente que existem plantas comrazes profundas, mas eu prefiro as que somaleveis, que se entrelaam comdiferentes copas. E esta diversidade oque mais me fascina. Deve ter sido pelabiografia ou pela inconsistncia, mas o meuconforto viajar. Para mim, viajar escaparno de tudo, pois voc se confronta comsituaes que so semelhantes emqualquer lugar do mundo. Neste sentido,sinto-me bem com afirmaes de LeviStrauss, que no via a possibilidade dedesprestigiar uma cultura em detrimentoda outra. Pelo contrrio, no sou umestruturalista, mas fico confortvel com aidia de que as coisas tm aparnciasdiferentes e podem ter algofundamentalmente igual e semelhante.

    Temporalidades - Em 1986, Andr Burguireorganizou um dicionrio das CinciasHistricas no qual elencou a contribuio devrias escolas historiogrficas americanas eeuropias, dentre essas ltimas, a escolabelga. No verbete assinado por LeopoldGenicot, os historiadores belgas aparecemsobre a influncia da historiografia alem efrancesa, embora sempre inovando os impe-rativos de espaos e fronteiras. Neste con-texto, posicione sua obra em relao a essasquestes do espao e das fronteiras e em

    relao historiografia mundial, especifica-mente, a historiografia brasileira. Eddy Stols - Na verdade, o historiadormais conhecido daquela poca era HenryPirenne. Ele acabou escrevendo sobre aHistria da Blgica, assim como Braudelescreveu a da Frana. Pirenne tambm autor de um livro que trata das cidades daidade mdia, com todas aquelas divisesde condados e de reinos. Com isso,acabou criando, digamos, uma escola dehistoriadores, sobretudo na cidade deGenk (Blgica), reduto de padres eclrigos. Sua linha de pensamento no eramarxista, mas havia muitas semelhanascom o pensamento alemo, do qual vai senutrir mais tarde Braudel, Febvre eoutros. No h como negar que haviauma influncia alem, voltada mais para osocial/econmico.Com relao historiografia francesa,podemos citar Pierre Chaunu e Morrou;mas, na minha opinio, a influnciafrancesa, veio com Braudel. Eu conheciaj um pouco os Annales, e praticava umpouco esse tipo de histria na minha tesesobre os flamengos espanholizados quecomercializavam em Sevilha ou emLisboa, e acabavam voltavam para aAnturpia, mantendo um estilo quasemediterrneo em suas vidas. Portanto,era uma forma de mestiagem. Conheci tambm a historiografia alem dareconstruo, ainda muito perturbada edesnorteada, dos velhos mestres da qualo grande era Leopold Von Ranke, que noera muito dado a grandes teorias. Seuprazer era saber algo novo. um poucopobre se comparado a Weber ou a Marx,mas suficiente para satisfazer minhainquietao. A idia de que no eranecessrio preencher todos os requisitosda pesquisa, da crtica, da confrontao,etc e etc, para se saber algo novo, me eramuito propcia. No que eu no tenhauma grande preocupao terica, mas origor terico no Brasil maior do queconhecia na Europa. Talvez porquequando se vem de um pas pequeno comoa Blgica, que um conglomerado decidades com culturas muito diferentes,voc quer ir sempre contra a teoriadizendo que isso se baseia em dadoshistricos insuficientes, porque dentro dopensamento terico h uma idia doestado nao da qual sou muito crtico.

    Temporalidades - Analisando alguns dos seusdiversos artigos e livros, percebe-se que,dentre os vrios conceitos discutidos, esto

    os de mundializao, mestiagem, trnsito econexo, todos eles articulados s noes deespaos, fronteiras e temporalidades. Porque a opo por estes conceitos? Qual acontribuio deles para as anlises histri-cas atuais?Eddy Stols - Eu no inventei nenhumdesses conceitos, mas aceito a coberturadeles. Quando eu insisto muito namobilidade, na plasticidade, eu diminuo aautodefesa da nossa civilizaoocidental. Eu me lembro de que asfreiras da escola que eu freqentava,quando menino, tinham um Deusparamentado e viviam dentro de umaespcie de armadura. Hoje, possvelvermos, em Paris, algumas moas usandoa burca. So poucas, mas essas coisas meincomodam. No vamos fazer disso umaquesto de civilizao, mas trata-se deuma plasticidade. No sei se com isso eutraio aquele conceito de uma civilizaode valores e de coeso, ao qual ohistoriador, s vezes, precisa trabalharpara reforar. Sinto-me mais a vontadedesconstruindo algumas idias. Talvezporque eu tenha aderido desconstruosem fazer dela uma teoria de novo.Mesmo porque sou muito mais prtico doque um terico. Uso esses conceitos paraprocurar a diversidade.

    Temporalidades - A primeira vista, a suapreocupao acadmica est inserida narelao de diferentes culturas, sob umaperspectiva do cotidiano. Ao mesmo tempo,tem uma atuao alicerada na diplomaciae no nacionalismo. Em sua obra, o senhorprocura relacionar essas duas esferas: coti-diano e poltica? Como seria (ou ) possvelfaz-lo?Eddy Stols - Eu no nego a diplomacia enem as estruturas polticas (e como partedelas, os Estados). Isto no pode sernegado e nem ignorado, mas valorizo ocotidiano. Por exemplo: a lei probe oacesso de estrangeiros Amrica (EUA).Na prtica o que percebemos que isto jno funciona porque a prpria lei polticaj prev, atravs das cartas denaturalizao, adaptaes. Um outroexemplo a aceitao dos Flamengos emSevilha. Eles casaram-se com Espanholaspor vrios motivos. Talvez, pelo direito acarta de naturalizao. Mas creio quemuito mais porque as mulheres erambonitas e faziam boa cozinha. E talvez, atmesmo, porque fossem ricas. Ento, eudou preponderncia naturalmente quelavida vivida do pessoal em trnsito. No se

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  • pode negar a existncia de toda essaestrutura e diviso nacional do mundo,mas acho que uma construo artificial eno natural. No caso da minha pesquisa, sobre onaturalista e diplomata Benjamim Mary, oque me fascina o fato de ele ter aceitadoo posto de primeiro encarregado dosnegcios, porque ele queria desenhar omundo diferente. Ele teve a sorte de tertodo o tempo disponvel para viajar no seimportando muito com a carreiradiplomtica, embora, vez ou outra tivesseque resolver algum problema como porexemplo, de um Capito de barco Belgaque tinha praticado contrabando naentrada do Rio de Janeiro. como se, nocotidiano, eu encontrasse as grandesquestes polticas. E neste sentido, apoltica influncia o cotidiano nestetrnsito. Dessa forma, podemosdesmascarar e desconstruir o discursonacionalista. Afinal, as pessoas queutilizam-se desse discurso no sesustentam, pois no comem diariamenteum prato nacional quando se sentam mesa.

    Temporalidades - Ainda enfatizando o pesodo cotidiano em sua obra e pensando emseus trabalhos sobre o estudo da alimen-tao, a impresso que temos que o sen-hor considera, por exemplo, a introduo dochocolate na Europa como um evento toimportante quanto a chegada dos holan-deses ao Brasil. Essa compreenso perti-nente? Eddy Stols - Sim. Os europeus acham queso os donos do chocolate, o que no oso, evidentemente. importanteobservar todos os processos de origem eintroduo desses produtos. Afinal, osestudos deles ajudam a demonstrar osaspectos das mestiagens, dasapropriaes e das circulaes. Ochocolate e o acar, por exemplo, socarregados de culturas e, sobretudo, deplasticidades, de mobilidades e detransitoriedades atravs das mos doshomens que os levam e os trabalham. OJapo, por exemplo, se rendeu aochocolate, mesmo se dizendo ser umacivilizao fechada, que valoriza osaspectos de suas tradies.

    Temporalidades - Diante do contexto da for-mao do Brasil e das influncias francesase holandesas nesse processo, se convencio-nou denominar a regio de AmricaPortuguesa at por volta de 1822. Quais

    foram as influncias mais significativas queeste territrio chamado pelos europeus deNovo Mundo, exerceu sobre os PasesBaixos?Eddy Stols - Houve uma grande influncia,principalmente porque oferecia aoseuropeus, especialmente aos moradoresdos Pases Baixos, a possibilidade de irpara algum lugar. Sempre questiono oshistoriadores nacionalistas que afirmamque quem saiu dos Pases Baixos, saiu porcausa da misria. Eu vim para o Brasil, nofoi por misria, mas sim porque tinha umacerta curiosidade, um certo fascnio.Creio que, durante o perodo dosdescobrimentos, a curiosidade e fascniose espalharam pelos Pases Baixos porcausa das notcias trazidas pelosmarinheiros portugueses sobre as cidadesdas Amricas. O impacto do NovoMundo foi muito grande. A prataconquistada nas Amricas financiou aguerra dos espanhis para retomar efazer da Blgica o que ela hoje. Mas osprprios holandeses, ao tomar a prata dosespanhis, podiam ter criado aquelaentidade poltica. Contudo, naquelemomento, a Holanda era muito maisfechada do que se imaginava. EmAmsterd, havia pouca liberdade para osjudeus e os catlicos viviam naclandestinidade. A forte identidade daHolanda foi criada, em parte com odinheiro do Novo Mundo, mas tambmatravs da compra de especiariasmediante a prata contrabandeada emSevilha e Lisboa. Ou seja, o fatoreconmico teve o seu valor, mas tambma arte. A pintura incorporava o imaginriodos ndios ou as experincias das pessoasque as relatavam aos artistas e pintoresdos Pases Baixos quando voltavam doBrasil. Isso tudo permitiu criar umaautoconscincia, autoestima eautopromoo, atravs dos produtos edos tesouros da Amrica. Houve aconstruo de uma prosperidade pormeio da rejeio, e tambm da aceitao,que os europeus apropriaram daAmrica. Principalmente os dos PaisesBaixos.

    Temporalidades - Parece-nos que muitos dosseus estudos se voltam para a construo ,nos Pases Baixos, de uma imagem elabora-da do continente Americano. O senhor con-sidera que um Brasil foi inventado pelosholandeses e belgas? (Se sim, como era esseBrasil?) Qual o papel das fontes iconogr-ficas neste contexto?

    Eddy Stols - Dentro do contexto dapintura holandesa, os pintores Frans Poste Albert Eckhout tiveram um impactopequeno, bastante reduzido nos PasesBaixos. Eles tiveram repercusso emapenas algumas reas aristocrticas eburguesas, mais especificamente fora daHolanda. Afinal, Maurcio de Nassauvendeu e cedeu grande parte das pinturasque trouxe da Amrica, o que demonstraa pouca importncia atribuda a elas. Oumelhor, o no reconhecimento dasignificao deste trabalho que foi aconstituio de um Brasil visual. Acho quenesta anlise temos que ser modestosporque, na Holanda, havia concorrnciadaqueles que pintaram muito das corteseuropias. Para os artistas holandeses,representar Constantinopla, Istambul etodo o orientalismo eram fatores demaior importncia; e eles o faziam com omaior interesse. Isto no quer dizer queas pinturas referentes ao Brasil no eramricas e desinteressantes. A questo era deconcorrncia. claro que aqui no Brasil,Post e Eckhout tiveram uma visibilidademuito grande, pois no houve muitasrepresentaes pictricas no sculo XVII.Eles foram quase que os nicos apintarem o Brasil daquela poca. Pormmesmo no Brasil essas pinturas s foramdisponibilizadas no Imprio. O Imperadordo Brasil as descobriu na Holanda e astrouxe para o Brasil. Sobre essa questo,acho que tudo tem que ser visto noconjunto da expanso Holandesa nomundo.

    Temporalidades - Vamos voltar para a dca-da de 1970 e pensar um pouco na suachegada ao Brasil. Como foi ministrar aulasna USP falando de histria da natureza e docotidiano numa perspectiva mundializada,em um perodo que as preocupaes entreos historiadores daquela instituio eram arevoluo socialista e o estudo do polticosob forte influncia marxista?Eddy Stols - O perodo na USP foi curto,de apenas trs meses, a convite do Prof.Eduardo de Oliveira Frana, dizem, queriaequilibrar o predomnio marxista,sobretudo, daqueles consideradosperigosos como Fernando Novais,Carlos Motta e Istvn Jancs. Digamosque, naquela poca, eles precisavam deum outro tipo de historiador. Mas eu nome considerava de direita. O fato queaquele perodo de trabalho foi umperodo de descobertas, tendo ainda oprivilgio de conhecer e me tornar amigo

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  • de Fernando Novais. Talvez eu tenhasofrido algum choque com o rigorintelectual dele, a partir de uma filosofiada histria, mas com reduzida influnciana pesquisa histrica. Ou melhor, dapesquisa histrica que eu fazia em relaoao Fernando. Acabei achando muitomodesta, mas ele sabe como construir eeu fiquei muito impressionado com isso,vamos dizer com essa provocao queno consigo digerir.

    Temporalidades - Antes e depois da for-mao da Escola dos Annales, vrios cientis-tas sociais, artistas e polticos brasileiros fi-guravam em rodas de intelectuais interna-cionalizadas. Como exemplo de con-tribuies acadmicas efetivas para odesenvolvimento dos estudos histricosmundiais, pode-se citar a influncia da obrade Gilberto Freyre. Nesta perspectiva, oprofessor observa em sua obra e formaoalguma semelhana ou influncia de algumintelectual brasileiro?Eddy Stols - Pessoalmente, gostei doGilberto Freyre e gosto do SrgioBuarque de Holanda. No tenho dvidasde que, esse ltimo, eu li com maiorfreqncia. Acredito que o maisfascinante para se ler so as crnicas dosculo XVII, XVIII e XIX, pois so leiturasextremamente inspiradoras. O padreFerno Cardim no brasileiro, mas suaobra se realizou aqui. Tambm, o padreCristvo de Lisboa, por exemplo, portugus, mas criado no Brasil. Jexistem algumas tradues inglesas, comoa dos dilogos da grandeza do Brasil euma traduo em ingls do Cristvo deLisboa, uma reedio luxuosa. Masexistem tantos outros autores que noso conhecidos na Europa. No estoufalando somente dos autores do final dosculo XVIII. Jos Bonifcio, por exemplo,tem muitos escritos que valem a penaserem lidos. Contudo, esto disponveisapenas em portugus. E, mesmo nesteidioma, no fcil encontrar uma boacoletnea. Acho altamente necessriotentar reeditar essas obras em outroslnguas, porque o idioma portugus ainda, em parte, desconhecido, no tendo omesmo alcance que o idioma inglsnaturalmente tem.

    Temporalidades - Vrias questes rela-cionadas ao meio ambiente tm influencia-do diversos historiadores no mundo a sededicarem chamada histria ambiental.

    Como o senhor encara tal temtica e qual arelao da mesma com sua obra?Eddy Stols - Eu produzi um pouco sobreessa temtica, quando essa questo aindano havia sido colocada. Escrevi sobre oroubo de commodities no Brasil, etambm sobre o trfico de plantaspraticado por caadores de plantasbelgas. Acredito que isto foi o comeo deuma expropriao brutal. Afinal, no haviasentido algum colocar em mesaseuropias, orqudeas arrancadas de vriaspartes do mundo, transportadas a um altocusto. Contudo, boa parte desta flora foiconservada devido ao desenvolvimentode tcnicas que permitiram a reproduodo habitat natural delas, para atender aum mercado consumidor que ainda hojed sustentao financeira a estasatividades. De certo modo, isso ambientalismo ao mesmo tempo em queno . No fundo tudo isso muitocontraditrio. O fato que o roubo e otrfico de plantas h sculos atrspermitiram o surgimento, de umabiotecnologia que, hoje, compartilhadamundialmente. Ou seja, o que fora visto,a princpio, como um processo dedestruio, passa a ser de preservao.Acho que devemos refletir mais sobreestes processos.

    Temporalidades - Diante dos desafios,expectativas e problemas que as cinciashumanas, sobretudo a Histria, vmenfrentando no mundo atual, qual conselhodaria a algum que quisesse experimentar aprofisso de historiador?Eddy Stols -O historiador ainda vive sobcerta benesse de investimentos pblicosna rea de pesquisa, mas os recursosesto cada vez menores. Precisamos tervontade e ser maleveis, pois hoje asociedade utiliza a histria para seus fins.Ou seja, ela exige que o historiadorapresente histrias e inovaes, e nohistorietas, para um pblico cada vezmais consumidor. Os historiadores nopodem apenas escrever sobre assuntosno qual sejam top especialists, semconect-los e compar-los a outrostemas, sejam eles melhores ou piores,atuais ou no. Por exemplo, ao escreversobre a Rota da Seda, o historiadorpoder contextualiz-la nos diferentesmomentos histricos, permitindo-seainda um dilogo transversal com, porexemplo, a rota do narcotrfico ou otrfico de armas. preciso pensar sobre

    essas conexes para ganhar certacomunicao dentro do mundo. precisofazer disso o seu ganha po, pois, aHistria infelizmente tem fome.

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