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Escola Superior de Teologia e Espiritualidade franciscana Bruno Glaab Página 1 PROFETISMO Bruno Glaab Introdução I ASPECTOS GERAIS No presente capítulo, buscar-se-á definir questões sobre o fenômeno do profetismo em Israel, fenômeno este que se originou fora de Israel, mas que marcou esta nação de forma pecu- liar, chegando a formar escola de profetismo, culminando na vasta literatura profética que hoje faz parte da Bíblia. 1 Etimologia A palavra portuguesa Profeta geralmente é entendida como a pessoa que sabe prever o futuro. Esta, porém, não é a compreensão etimológica da palavra, na sua origem. A sua raiz se encontra no grego que pode ser traduzida por: Aquele que fala diante 1 Não é o pré-ditor, mas o que fala pelo outro, alguém que fala diante dos outros, que comunica revelação divina. 2 Traduz o Hebraico nabi, cuja raiz acádica tem o sentido de: chamar, falar em voz alta, orador, anunciador A mesma raiz, em árabe tem o sentido de delirar 3 , borbulhar, caráter frené- tico de expressão. A partir destas idéias, Albright define o profeta como um chamado por Deus para falar por ele 4 . 2 A Profecia no Antigo Oriente É comum, no Antigo Oriente, a existência de homens que exercem a magia e a adivi- nhação (Nm 22,5s; Dt 2,2; 4,3-4) 5 . São pessoas consultadas pelas autoridades antes de grandes empreendimentos. Geralmente diante de guerras, os profetas devem dizer com proceder. 3 A Profecia em Israel Em Israel, inicialmente, os profetas têm papel semelhante aos do Antigo Oriente (1Rs 22,1-29). Nos tempos dos juízes surgem os filhos dos profetas (1Sm 10,5ss), cuja função é semelhante à dos profetas do Antigo Oriente (1Sm 19,20-24). Estes se parecem como grupos de dança e can- to no culto. Ainda recebem títulos como: vidente (1Sm 9,9), visionário (Am 7,12), homem de Deus (1Sm 9,7) 6 . 1 ASSURMENDI, J. O profetismo das origens à época moderna. p.13. 2 SCHILDENERGER, J. Profeta. In: Dicionário de Teologia Bíblica. 3 MAZZAROLO, I. A Bíblia em suas mãos. p.39. 4 MCKENZIE, J. Profeta. In: Dicionário Bíblico. 5 BEAUCHAMP, P. Profeta. In: Vocabulário de teologia Bíblica. 6 Idem

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PROFETISMO Bruno Glaab Introdução

I – ASPECTOS GERAIS

No presente capítulo, buscar-se-á definir questões sobre o fenômeno do profetismo em

Israel, fenômeno este que se originou fora de Israel, mas que marcou esta nação de forma pecu-

liar, chegando a formar escola de profetismo, culminando na vasta literatura profética que hoje

faz parte da Bíblia.

1 – Etimologia

A palavra portuguesa Profeta geralmente é entendida como a pessoa que sabe prever o

futuro. Esta, porém, não é a compreensão etimológica da palavra, na sua origem. A sua raiz se

encontra no grego que pode ser traduzida por:

Aquele que fala diante1

Não é o pré-ditor, mas o que fala pelo outro, alguém que fala diante dos outros, que

comunica revelação divina.2

Traduz o Hebraico nabi, cuja raiz acádica tem o sentido de: chamar, falar em voz alta,

orador, anunciador A mesma raiz, em árabe tem o sentido de delirar3, borbulhar, caráter frené-

tico de expressão. A partir destas idéias, Albright define o profeta como um chamado por Deus

para falar por ele4.

2 – A Profecia no Antigo Oriente

É comum, no Antigo Oriente, a existência de homens que exercem a magia e a adivi-

nhação (Nm 22,5s; Dt 2,2; 4,3-4)5. São pessoas consultadas pelas autoridades antes de grandes

empreendimentos. Geralmente diante de guerras, os profetas devem dizer com proceder.

3 – A Profecia em Israel

Em Israel, inicialmente, os profetas têm papel semelhante aos do Antigo Oriente (1Rs 22,1-29).

Nos tempos dos juízes surgem os filhos dos profetas (1Sm 10,5ss), cuja função é semelhante à

dos profetas do Antigo Oriente (1Sm 19,20-24). Estes se parecem como grupos de dança e can-

to no culto. Ainda recebem títulos como: vidente (1Sm 9,9), visionário (Am 7,12), homem de

Deus (1Sm 9,7)6.

1 ASSURMENDI, J. O profetismo – das origens à época moderna. p.13. 2 SCHILDENERGER, J. Profeta. In: Dicionário de Teologia Bíblica. 3 MAZZAROLO, I. A Bíblia em suas mãos. p.39. 4 MCKENZIE, J. Profeta. In: Dicionário Bíblico. 5 BEAUCHAMP, P. Profeta. In: Vocabulário de teologia Bíblica. 6 Idem

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Em Israel se formou uma tradição profética devido aos discípulos dos profetas (2Rs 2; Nm

11,17). Assim, o que inicialmente era apenas um movimento espontâneo, tornou-se uma expe-

riência que foi marcante na história de Israel.

O surgimento dos profetas está relacionado com a instituição da monarquia e do sacerdócio. O

profeta forma, ao lado do rei e do sacerdote, um dos três eixos da sociedade (1Rs 1). Eles dão

palpites aos reis (Natan, Elias, Eliseu, etc.). Porém, a profecia não é uma instituição como a

realeza e o sacerdócio (Dt 18,14-19). O profeta sempre será o portador de um Dom de Deus. É

neste sentido que o profetismo, em Israel, adquire um sentido diferente do mesmo fenômeno

em outros povos, ainda que em Israel também haja profetas de outras divindades. Estes se res-

tringem à magia, adivinhação e oráculos. Não é este o caso de Israel. “O conteúdo ético e reli-

gioso da profecia israelita não tem paralelo no mundo antigo”7.

Ao que parece, na origem do profetismo de Israel, havia líderes profetas que acolhiam discípu-

los. Estes eram chamados de Filhos de Profetas, ou seja, eram discípulos de um profeta e se

identificavam com sua causa. Samuel é um líder profeta (1Sm 3,1ss). Ele tem papel nas esco-

lhas dos reis, na unção dos mesmos e até na sua deposição (1Sam 7 –15). Além desta função

política, Samuel tem também funções mágicas. Ele é vidente (1Sm 9,9-11.18-19). Ele encontra

animais perdidos. “Samuel é mais diretamente o antepassado do profetismo sucessivo do que o

são os Filhos de Profetas”8.

4 – Profecia e reinado

Os profetas de Israel “são intérpretes da história. São leitores da vida do povo”9. Eles conhe-

cem bem a experiência de Javé (Êxodo) e o momento político. Não existiam profetas na origem

de Israel. Eles surgem aproximadamente na época em que surgem os reis10

. Profetas e reis são

contemporâneos. O período dos reis, em Israel, vai do séc. XI a.C. ao século VI a.C. Este é

também, a rigor, o período dos profetas. Eles não existiam, nem antes, nem depois. Alguns

profetas aparecem depois da monarquia, mas em vista dos reis anteriores.

“Desde o tempo de Samuel em diante, à medida que as estruturas monárquicas centralizadas entravam em

tensão e conflito com as prioridades tribais socioeconômicas e religioso-políticas mais antigas, aparece-

ram profetas como defensores ardentes ou críticos acres de instituições, políticos e líderes públicos”11.

5 – Profecia e Apocalíptica

Profecia: seu ponto de partida é Israel ou Judá (Am 1,1). O profetismo é concomitante

ao Estado de Israel e com sua monarquia. Importa-se muito com a justiça social e com os abu-

sos do rei. Tem ousadia de enfrentar os abusos cometidos pelos monarcas.

Apocalíptica: seu ponto de partida é o mundo (Is 24-27). Is 24-27 é um texto apocalíp-

tico pós-iasaiano, como também Dn, provém do 2º século a.C. Reflete o período do Império

Grego, que ocupou a Palestina a partir do ano 330 a.C. “Pode-se dizer que esta apocalíptica que

7 MCKENZIE, J. Profeta. In: DB. 8 Idem 9 SCHWANTES, M. A profecia durante a monarquia. p.6. 10 Idem, p.6. 11 GOTTWALD, N. Introdução sócioliterária à Bíblia hebraica. p.427.

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interpreta o mundo internacionalizado dos gregos (sucedido depois pelos romanos) é a sucesso-

ra da profecia”12

. A apocalíptica tem traços na profecia exílica e pós-exílica (Ez 38-39). Isto se

reflete em Is 24-27, Ageu, Zacarias, Joel e Daniel. Muitos profetas, ou antes, aqueles que com-

pilaram os profetas, deixaram traços apocalípticos em seus escritos: Is 1,2-3; Am 1,2; Mq 1,2-

5; Sf 1,2-6. Isto demonstra que os colecionadores dos livros proféticos (pós-exílicos) reliam os

profetas na ótica da apocalíptica13

.

6 – Profetas anteriores e posteriores

A Bíblia Hebraica chama de profetas a certos líderes que na Bíblia cristã não recebem

este nome. Os livros de Josué até Reis são chamados de profetas anteriores e os nossos profetas

são chamados de posteriores14

.

“Na tradição, foram tidos por autores homens, que se consideravam profetas: Josué, Samuel (o do livro

dos Jz e dos livros de Samuel) e Jeremias (o dos livros dos Reis). Estes livros formam a primeira parte do

cânone profético: os profetas anteriores. Seguem, então, os livros proféticos propriamente ditos, que são

denominados os profetas posteriores”15

.

7 – Profetas pré-literários e profetas literários

a) Os profetas pré-literários são os que nada escreveram, mas cujos atos são narrados

em outros livros bíblicos. Bem antes dos profetas literários, ainda nos tempos pré-iasraelíticos,

há vestígios dos precursores que se apresentam nas mais variadas formas: grupos extáticos

(1Sm 10,5ss; 19,22ss) e também como indivíduos16

. Atuam no início do período profético, ou

seja, atuam antes de Amós (1º profeta literário, no séc. VIII). Deles se fala em 1 e 2 Sm, bem

como em 1 e 2Rs. Os principais profetas pré-literários são:

Tempo pré-Israel: Balaão (Dt 23,5 = Nm 22,1ss); Samuel exerce papel, ora de juiz

(1Sm 7,15ss; 6); ora de vidente (1Sm 9,6ss); ainda como espírito de um morto (1Sm 28,7ss);

líder de um grupo extático (1Sm 19,18ss); e, finalmente de profeta (1Sm 3,19s)17

.

Reinado de Davi: Gad (1Sm 22,5; 2Sm 24). Enfrenta Davi num Censo demográfico.

Começa-se a esboçar resistência ao rei;

Natan: ora favorável a Davi (2Sm 6), ora contra o rei (2Sm 7; 12) a favor de Salomão

(1Rs 1).

Reinado de Salomão e de Jeroboão: Aías de Silo (1Rs 11,29-40; 1Rs 12; 14);

Reinado de Jeroboão: Profetas desconhecidos (1Rs 13), (Aías de Silo (1Rs 14).

Reinado de Basa: Jeú (1Rs 16,1ss).

Reinado de Acab, Ocozias, Jorão, Jeú, Joacaz: Elias e Eliseu (1Rs 17-2Rs13) e Mi-

quéias ou Micas de Jemla18

(1Rs 22,8-18).

Reinado de Josias: Hulda (2Rs 22,11-20).

Elias é o mais importante dos profetas pré-literários (Ml 3,23; Mc 9,11). Luta pelo ja-

vismo no Reino do Norte (1Rs18,21: 2Rs 1). Luta pela justiça contra rei Acab (1Rs 21. Repete

12 SCHWANTES, M. Op. cit. p.8. 13 Idem, p.8. 14 MAZZAROLO, I. Op. cit. p.39. 15 RENDORFF, R. A formação do Antigo Testamento. p.26. 16 SCHMIDT, W. Introdução ao Antigo Testamento. p.184. 17 Idem, p. 185. 18 Não confundir com o profeta Miquéias que tem um livro escrito.

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Moisés (1Rs 19 = Ex 19; 33). Como Henoc (Gn 5,24), Elias sobe ao céu (2Rs 2). Ele é profeta

singular.

Eliseu é o sucessor de Elias (2Rs 2-9; 13). É vocacionado por um gesto de Elias (1Rs

19,19ss). Recebe o espírito de Elias (2Rs 2,9 cf. Dt 21,17). Como os anciãos (Nm 11,17-25)

participam do espírito de Moisés, assim Eliseu participa de Elias. É mestre de um grupo (2Rs

2,3ss; 4,1.38; 6,1). Tanto ele , quanto Elias, tem participação na ascensão de Hazael ao trono de

Damasco (2Rs 8).

Suas principais características são a defesa da justiça do pobre e a luta contra a idola-

tria. Duas realidades que se interligam, ou seja, a idolatria é o fundamento ideológico sobre o

qual se constrói a política da exploração do pobre e do fraco.

b) Os profetas literários são aqueles que escreveram livros. O primeiro profeta literário

é Amós. Em seus escritos, pouco se apresenta como história. Usam muito o estilo literário do

dito, da profecia. Assim se expressam Amós, Isaías, Jeremias, Ezequiel, etc. Também estes

seguem a defesa dos pobres e a luta contra a idolatria. Eles, por terem deixado obras escritas,

trazem uma crítica mais contundente e mais radical ao estado e ao templo. Não criticam apenas

as conjunturas, mas também as estruturas.

8) Divisão dos profetas literários

Os profetas literários se dividem em duas categorias:

a) Profetas maiores: devido ao tamanho de seus escritos. Chamam-se profetas maiores,

àqueles, cujos livros são volumosos:

- Isaías – 66 capítulos

- Jeremias – 52 capítulos; Baruc (Dêutero-can.) – 6 cap. Secretário de Jeremias;

- Lamentações - 5 cap. atribuídas a Jeremias.

- Ezequiel – 48 capítulos

- Daniel - 14 cap. (1; 8-12 – hebr; 2-7, menos 3,24-90 – aram; 3,24-90 + 13-14 –

grego e Dêutero-can.)19

.

b) Profetas menores:

Na Bíblia hebraica são Doze Escritos, chamados de “Os doze”20

. É chamada, em grego,

de . São chamados de menores devido à brevidade de suas obras escritas.

São eles:

- Amós de Técua – 9 capítulos

- Oséias – 14 capítulos

- Joel – 4 capítulos

- Abdias – 1 capítulo em 21 versículos

- Jonas – 4 capítulos

- Miquéias – 7 capítulos

- Naum – 3 capítulos

- Habacuc – 3 capítulos

19 VADEMECUM, para o estudo da Bíblia. p.120s. 20 BÍBLIA de Jerusalém, Introdução. p.1349

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- Sofonias – 3 capítulos

- Ageu – 2 capítulos

- Zacarias – 14 capítulos

- Malaquias – 3 capítulos

Nosso estudo vai seguir a ordem cronológica dos profetas:

1) Profetas não-literários, dos anos 1000-800 a.C.

2) Profetas pré-exílicos (800-600):

Amós (783-743) do sul, mas prega no norte, no tempo de Jeroboão II

Oséias (734-723) no RN, sob Jeroboão II

Miquéias (725-690) RS, sob Acaz e Ezequias

1º Isaías 1-39 (740-690). RS. É chamado de Proto-Iaías. Sob Ozias.

Jeremias (627-580). RS

Sofonias (640-600). RS, sob Manassés, Amon e Josias

Naum (600?), RS, profetiza contra o norte.

Habacuc (605-598), RS21

3) Profetas exílicos (609-538)

2º Isaías 40-55 (589-538). Também chamado Dêutero-Isaías

Jeremias

Ezequiel (580-538). Sacerdote exilado na Babilônia

Lamentações (587)

4) Profetas pós-exílicos (538-175)

Ageu (520). Reconstrução

Zacarias (520). Reconstrução

3º Isaías 56-66 (470). Trito-Isaías. Reconstrução

Abdias (450) Menor de todos

Profetas no limiar do Novo Testamento.Daniel, Ana, João Batista, Jesus Cristo.

- PROFETAS DO ANO 1000 A 800: DE SAMUEL A ELIAS

- Pré-literários -

Para este estudo nos valeremos dos livros de Js, Jz, 1 e 2 Sm, 1 e 2 Rs (OHD – Obra

Historiográfica Deuteronomista). Não se trata de livros que querem descrever biograficamente,

mas antes, querem perceber a Palavra de Deus presente ou ausente na história.

A OHD é uma coleção de livros escritos no exílio (por volta de 560). Na dor do exílio

relêem a história de Israel. Por que tudo isto aconteceu? Desta forma relêem sua história desde

a entrada na Terra Prometida (Js) até o exílio (2Rs). Na base destes livros está a teologia do

Deuteronômio, que revela o amor de Deus para com seu povo, concretizado na Aliança (Dt

4,35-40). Ou seja, o Dt é o fio condutor de toda OHD.

A OHD mostra a fidelidade de Deus para com seu povo: a Lei, a Terra Prometida, as

promessas a Abraão, o Rei, o Templo, etc. tudo são a certeza de que Deus foi fiel. Agora nada

disto existe mais. Em meio a este desânimo, a OHD quer resgatar a esperança. Quando muitos

abandonam o barco, alguém procura a Deus em meio à tragédia. Se Deus é fiel, por que esta

situação? Onde erramos? A OHD resume a históra: Deus sempre é fiel, mas o povo, nem sem-

pre.

21 Ver MAZZAROLO, I. Op. cit. 40ss.

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A OHD descreve a monarquia na ótica da aliança. Determinado rei foi ou não foi favo-

rável à aliança? Davi se torna o modelo. Por isto os reis do norte, que não são davididas, são

mal vistos. Alguns reis do sul, da dinastia de Davi, são bem vistos.

A OHD se vale de escritos oficiais: História de Salomão (1Rs 11,41), Livro dos anais

dos Reis de Israel (1Rs 14,19), Anais dos Reis de Judá (1Rs 14,29). Mas também se valeu das

histórias populares dos profetas.

2.1 – O surgimento da Profecia em Israel

Antes da monarquia não há profetas, em Israel. No sistema tribal as soluções eram bus-

cadas pelos líderes (Juízes) juntamente com seu povo. Não necessitavam de um rei. Este siste-

ma foi bom, justo e igualitário, mas teve também seu lado fraco.

Alguns ricos, para defender seus interesses, patrocinaram a monarquia (Jz 9). Havia

problemas internos, como o enriquecimento de algumas tribos, bem como problemas externos,

como a invasão e o modelo comum da monarquia adotada por todos os povos. Assim, os ricos

patrocinaram a monarquia, que acabou com o Sistema Tribal.

Quando Saul, o primeiro rei se instala, logo surgem problemas com o que restou do tri-

balismo (1Sm 13,2; 22,6; 11,15). Surge assim a voz dos profetas, como representantes deste

sistema em extinção. Quando o novo rei empreende uma guerra de saque (1Sm 15,10-35) ele é

duramente reprovado por Samuel. Samuel se torna profeta a partir de então. Por isto se diz que

o profeta e o rei andam lado-a-lado, mas em sentido contrastante. Com as invasões desapare-

cem os reis e com eles, também os profetas.

Projeto dos reis: a cidade, o comércio, a especulação, o culto oficial centralizado, a es-

cravidão, os tributos, o exército, as guerras.

Projeto dos profetas: as tribos, as aldeias, a roça, produtividade familiar da terra, pe-

quenos santuários rurais, culto familiar, trabalho livre.

Houve também profetas que traíram o povo e se colocaram ao lado do rei. Bem,

como também houve reis fiéis à aliança, como: Josias (sRs 22).

2.2 – O profetismo e o templo

Havia muitos templos, mas Salomão construiu o grande Templo, rico e majestoso em

Jerusalém. Aos poucos todos os pequenos templos cessaram. O templo, além de ser centro reli-

gioso manipulado pelo rei, tornou-se, também centro comercial, fazenda, banco e centro políti-

co. Um único centro (templo) facilitou a centralização política. Davi intuiu bem isto. Alguns

profetas reagem diante deste abuso (2Sm 7,1-29; 12,1-15). Os principais profetas que surgem

nesta época, são:

a)Samuel: Este profeta, até certo ponto é um juiz, mas aos poucos toma feições de pro-

feta. Ou seja, quando Israel está no sistema tribal, Samuel é juiz, isto é, um líder. Quando Israel

abandona o sistema tribal e adota o sistema monárquico, o mesmo juiz se transforma em profe-

ta. Ele tem destacada atuação de remanescente do tribalismo frente ao monarquismo que se

instala. Assim:

- Combate a tendência de instalação da monarquia: 1Sm 8,1-22

- Interfere na escolha dos reis: 1Sm 9-10; 16

- Interfere na deposição de Saul 1Sm 15,1-36

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- Mostra a corrupção existente na monarquia, coisa que não acontece no tribalismo:

1Sm 12,1-25

b) Natan: O profeta Natan é um homem de confiança de Davi, porém, quando houve

necessidade, enfrentou o rei, num momento em que ninguém ousava fazê-lo. Ele está próximo

do rei, mas interfere também nos momentos de contrariedade:

- Promete a Davi dinastia: 2Sm 7,1-29

- Não deixa o rei fazer o templo: 2Sm 7,1-7

- Denuncia o crime do rei: 2Sm 12,1-15

- Interfere na escolha do sucessor de Davi: 1Rs 1,11ss

c) Aías: trata-se de um profeta que atua no Reino do Norte. Está próximo do rei. Como

Natan, às vezes está a favor do rei, mas sabe também enfrentar o mesmo quando as circunstân-

cias o exigirem:

- Diante dos abusos do rei do sul, o profeta insta um líder popular a se revelar contra o

rei: 1Rs 11,26ss

- Quando o novo rei, apoiado por Aías, adota a idolatria, o profeta se volta contra ele e

o denuncia com toda severidade: 1Rs 14,1-20

d) Elias: este profeta surge nos tempos do rei Acaba (857ss). O rei Acab deu um grande

impulso econômico. Estabeleceu novas relações comerciais com os países vizinhos. Porém,

tudo isto favoreceu, também a contaminação religiosa. O rei casou com a Jesabel, filha do rei

de Sidon, sacerdote idólatra (1Rs 16,29-34).

Elias surge repentinamente (1Rs 17,1ss). Ele parece alguém solitário e ambulante, uma

espécie de Hipie: cinto de couro, veste de pelos22

(2Rs 1,7-8). Toda a problemática vem na

relação rei x religião. Sua luta se concentra no combate a Baal23

(1Rs 18). Em Canaã existiam

ídolos e, pelas novas relações comerciais eles eram absorvidos em Israel. O rei Acab faz a mais

grave mistura de religião javista e cananéia. Baal é o deus das chuvas e da fertilidade que de-

terminava a economia. Elias condena esta duplicidade: “Até quando dançareis num pé e no

outro?”(1Rs 18,21). Elias provoca a definição.

Os reis, por sua natureza, eram considerados religiosos por excelência. Eles eram os

filhos de Deus. Isto tudo acarretava um pietismo de conveniência, pois esta ideologia legitima-

va o papel dos reis. Elias, e mais tarde Eliseu, combatem este duplo desvio da monarquia: a

idolatria e o papel do rei. Ele deve praticar a justiça.

Trava-se uma terrível batalha. No céu, entre Javé e Baal; na terra, entre Elias e Acab.

Esta narrativa tem três momentos:

1º) Poder sobre a vida: Elias inicia sua missão anunciando uma seca ao rei (1Rs

17,1ss). Ora, Baal era o deus das chuvas e da fertilidade. Ao assim agir, Elias está desmasca-

rando o deus da chuva (Baal). Combate o ídolo em seu campo. “Elias simplesmente destitui, de

maneira pública e oficial, o poder de Baal sobre a natureza, portanto, sobre a fertilidade, a vi-

da”24

. Elias vai a Sarepta (Sidônia), terra de Baal. Lá também faz seca. Baal é incompetente,

incapaz de zelar pela sua gente e pela sua terra. Elias mostra que não é Baal, mas Javé que sal-

va a viúva e seu filho da fome, não o deus da fertilidade.

Acab, o rei idólatra, se preocupa com a sorte dos cavalos e burros (1Rs 18,5ss), enquan-

to isto, Elias, o profeta de Javé, se ocupa da viúva e do órfão (1Rs 17,17ss). Na terra de Baal,

22 Veja a semelhança com João Batista, no Novo Testamento. 23 ASSURMENDI, J. O profetismo das origens à época moderna. p.20 24 SILVA, M. A. V. Elias – o juízo sobre a monarquia ou a desfeita de Baal. In: Estudos Bíblicos, n.4, p.35.

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deus da fertilidade, o menino morre. A ironia é que não é Baal quem restitui a vida, mas Javé.

“Acab, por ter trocado Javé por Baal, perde o veio desta tradição e, com ela conseqüentemen-

te, a preocupação com os pequenos”25

. A troca de Javé por Baal é mais do que simplesmente a

troca de divindades. É a troca de projetos políticos.

2º) Poder religioso: o fenômeno da seca/chuva tem seu desfecho no monte Carmelo

(1Rs 18,21ss). Carmelo era a versão cananéia de Baal, deus da fertilidade e da chuva26

. Elias se

confronta com os 450 profetas de Baal e os 400 de Asera. Ele e Javé vemncem. Javé vence em

ambiente de outras divindades. Baal, Asera e Carmelo são impotentes, até em seu próprio chão.

Além de consumir a oferta, agora Javé dá a chuva, não Baal, nem o Carmelo.

3º) Poder político: a narração da vinha de Nabot (1Rs 21) mostra o embate do poder

político. O rei Acab extrapola o projeto da monarquia. Sua ação sinistra reflete a passagem do

sistema tribal para o sistema monárquico. O texto de Dt 17,14-20 descrevia o perfil do rei, isto

é, a justiça que este deveria viver, mas Acab se comporta bem diferente. Sua mulher também

não se pauta por Dt 17. Antes, apela ao absolutismo, à mentira e à violência. Assim, Acab pre-

cisa da idolatria para levar a efeito seu projeto. Elias, javista, se choca com o projeto baalista

do rei. Ele está a favor do fraco (Nabot, órfão, viúva), enquanto Acab pensa em seus interesses.

Na vida de Elias (1Rs 19) tem muitas tem muitas cenas semelhantes ao Êxodo. Assim:

- A caminhada de Elias até o Horeb (1Rs 19) é um símbolo do Sinai. Elias, qual novo

Moisés, refaz a caminhada do êxodo para restabelecer o verdadeiro Israel. O Horeb é a versão

nortista do Sinai (Ex 19-24; 33-34).

- Agora Deus não se manifesta nos fenômenos da natureza, com no Ex 19-24: temporal,

raios, trovões, mas na simples brisa leve. Isto são agora os fenômenos de Baal. “O Deus de

Israel não se identifica com estes fenômenos”27

. O Deus do Sinai usava estes fenômenso (Ex

19,16ss; 33,20-23). Porém, o Deus de Elias é semelhante ao Deus da sarça ardente (Ex 3,1ss.).

- Os quarenta dias de caminhada de Elias lembram os quarenta anos dp povo no deser-

to.

- O alimento dado ao profeta desanimado lembra o maná no deserto (Ex 16 e 34,28).

“A vontade de colocar em paralelo Moisés e Elias é evidente. O profeta aparece assim como o novo Moi-

sés que recebe de Deus uma missão que permitirá salvar o seu povo da situação crítica em que se

acha”28.

A jornada de Elias termina na ordem de ungir um novo rei para Israel (1Rs 19,15ss),

um novo rei para Damasco e um novo profeta. Desta forma, um novo Israel será possível. “Um

novo começo, a partir desta montanha, com um novo Moisés para um povo renovado”29

.

e) Eliseu: discípulo de Elias. Atuou no tempo dos reis Ocozias , Jorão, Jeú, Joás e Joa-

caz.. Como Elias, também ele se destaca na luta contra a idolatria. Seu ciclo está descrito em

2Rs 2,19-8,15. Ele é apresentado como poderoso e milagroso. Ele purifica a água (2Rs 2,19-

22), amaldiçoa os meninos gozadores (2Rs 2,23-25), campanha de guerra (2Rs 3,11-20), mul-

tiplicação do óleo (2Rs 4,1-7), a ressurreição do menino (2Rs 4,8-37), a panela envenenada

(2Rs 4,37-41), a multiplicação do pão (2Rs 4,42ss), a cura do leproso (2Rs 5,21ss), etc.

25 Idem, p.35-36. 26 Ibidem, p. 37. 27 ASSURMENDI, J. Op. cit. p.23. 28 Idem, p.24. 29 Ibidem, p.24.

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Muitas destas cenas tem inspiração no Êxodo e muitas delas servem de inspiração para

o Novo Testamento.

f) Conclusão: Elias e Eliseu são símbolo da luta contra o culto a Baal e a monarquia

débil do Reino do Norte. “A partir desta memória coletiva de seus gestos e palavras organiza-se toda uma série de textos que mos-

tram – de maneira fortemente visual e dramática – essa luta de morte contra a religião de Baal e contra a

incapacidade dos monarcas”30.

Por um lado, a saga de Elias e Eliseu mostra Javé como o verdadeiro Deus. Por outro

lado, bate forte na monarquia idólatra. Assim, num único intento, desacredita-se a religião ca-

nanéia e a monarquia. São, portanto, textos populares que refletem reação diante dos abusos.

Não se pode lê-los como relatos históricos, ainda que apresentem alguns aspectos históricos.

São uma antessala de Oséias (luta contra Baal e monarquia).

III – PROFETAS DE ELIAS ATÉ O EXÍLIO – 800-600 – LITERÁRIOS

Neste período inicia o profetismo literário, embora ainda existem alguns profetas pré–

literários, mas aqui se volta toda a atenção aos literários. Também neste período a profecia dei-

xa definitivamente as características de videntes, de magia ou transe e assume o rosto da prega-

ção moral e da denúncia da injustiça. Os livros, nem sempre, nascem como livros. Alguns, an-

tes, formam grupos. Depois seus discípulos reúnem seus discursos ou escritos e os compilam

em livros, e até escrevem outros livros dentro do seu espírito (2º e 3º Isaías, Baruc e Lamenta-

ções na sequência de Jeremias). Os profetas agem, pregam e denunciam. Quando, talvez alguns

deles já não vivem mais, seus discípulos querem manter viva a sua memória, criam os livros.

Por isto, alguns livros formam verdadeira miscelânea, compilação ou até, empilhação sumária.

“O livro crescia por assim dizer dentro do seio da comunidade até chegar à sua redação final no

fim do exílio da Babilônia”31

.

Características deste período

32:

1) Surgimento das grandes potências: Assíria e Babilônia – inquietações, insegurança, ameaça

de invasão;

2) Deportação do Reino do Norte (722) e decadência do Reino do Sul;

3) Os reis do norte e do sul caem na órbita de outros reis. Trazem a idolatria e esquecem a

fidelidade a Javé;

4) Acaba o sistema tribal: esquece-se a aliança e a justiça social. A fé entra em crise;

5) Surgem os profetas Amós, Oséias, Isaías, Miquéias, Sofonias, Naum, Habacuc e Jeremias.

Eles querem refazer a aliança, por isto lutam:

- defendem o povo da roça contra a cidade;

- anunciam a intervenção de Javé;

- denunciam os erros dos reis e do povo;

- procuram reformar o sistema dos reis;

30 Ibidem, p. 26. 31 Tua Palavra é vida, vol. 3,p.89 32 Idem, p.28.

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- anunciam a proximidade do desastre.

3.1 – O Profeta Amós

Natural de Técua (Judá), próximo de Jerusalém. É o primeiro profeta literário Atuou no

tempo do rei Jeroboão II (781-740 a.C.)33

. Segundo sua própria definição, era agricultor e va-

queiro (Am 7,14), criador de rebanhos (1,1). Conhecia bem o momento político. Pregou contra

as nações34

. Sulista, mas exerce seu ministério no norte. Fala no santuário de Betel, santuário

oficial do reino do norte. Usa linguagem dura (vacas de Basã – 4,1). Sua mensagem central é a

justiça social. “O pecado, que o profeta denuncia com mais força, é a injustiça que reina nas

relações sociais”35

.

a) Estrutura36

Am 1-2 = Oráculos contra Damasco, Gaza, Tiro, Sidon, Edom, Amon, Moab, Judá e Is-

rael;

Am 3-6 = Coletânea de discursos de julgamento contra o Reino do Norte;

Am 7,1-9,6 = Visões. Julgamento iminente, interrompido pela narrativa de Amasias

(7,10ss) e alguns discursos de julgamento;

Am 9,7-15 = Promessa de restauração.

b) Estilo literário

Os oráculos contra os estrangeiros (Am 1-2) seguem o modelo litúrgico das execrações

egípcias37

, onde se execrava os povos vizinhos e os pecados domésticos. Amós execra os vizi-

nhos, mas no lugar dos pecados domésticos, ataca o estado. Supõe-se que Amós fosse, origi-

nalmente profeta do culto, mas devido à sua radicalização, tivesse rompido com o mesmo. A

linguagem hínica (Am 4,13; 5,8-9; 9,5-6) mostram um estilo litúrgico. Pode ser também que

Amós usasse a linguagem hínica para combater o culto que pretendia ter uma santidade inatin-

gível38

.

Em Amós existem ainda características sapienciais: “pelos três crimes, pelo quarto”

(1,3.6.9.11.13), bem como as asserções didáticas de 3,3-8. Isto reflete a sabedoria dos clãs, não

da corte. Ser sábio é sinônimo de ser líder alternativo. Amós, pastor e agricultor é remanescen-

te do sistema tribal, ou seja, é um sábio daquele sistema que reage à monarquia com seus abu-

sos. Amós é homem independente. Ele é pequeno proprietário (7,14), isto é, não é venal como

alguns supostos profetas. Ele fala unicamente em nome de Javé.

c) Fases de formação:

1) Coleção de palavras do próprio Amós: 3-6

33 Ibidem, p.91. Cf. também. MINETTE DE TILESSE, C. Amós. In: Revista Bíblica Brasileira. n.1-2, 2001,

p.44. 34 ASSURMENDI, J. Op. cit. p.37. 35 Idem, p. 38. 36 A estrutura é inspirada em N. Gottwald. Introdução sócioliterária à Bíblia hebraica. 335. 37 Idem, p.335. 38 Ibidem, p. 336.

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2) Oráculos contra as nações: Damasco (1,3-5), Filistéia (1,5-8), Amon (1,13-15),

Moab (2,1-3) e Israel (2,6-16)39

.

As visões: 7,1-9; 8,1-9,4

Tanto os oráculos como as visões foram colocadas como molduras de Am 3-6,

ou seja, 1-2 é abertura e 7-9 é conclusão. Aos cinco oráculos, correspondem as

cinco visões.

3) Uma antiga escola de Amós faz a redação dos textos anteriores e insere o relato

de Amasias (7,10-17) e as admoestações (5,14-15).

Obs.: as três fases anteriores vêm do séc. VIII a.C.

4) Nos tempos de Josias (640-609) um grupo acrescenta as doxologias (4,13; 5,8;

9,5s) e as críticas a Betel (4,4-12; 5,21-27), pois Josias havia destruído os tem-

plos (2Rs 23,15).

5) Redação deuteronomista (Exílio) acrescentou os oráculos contra Tiro (1,9-10),

Edom (1,11-12) e Judá (2,4-5).

6) No Pós-Exílio se acrescenta uma escatologia para amenizar o negativismo do li-

vro (9,11-15)40

.

Assim, pode-se definir como:

Sujeito 1: o item 1, ou seja, os cap. 3-6 – a crítica de Amós às estruturas injustas;

Sujeito 2: os itens 2, 3 e 4, ou seja, os cap. 1-2 e 7-9 com os referidos acréscimos;

Sujeito 3: os itens 5 e 6, ou seja, a redação deuteronomista e o acréscimo da esca-

tologia (9,11-15).

Pode-se afirmar que o texto reflete a situação trágica do século VIII, a reforma de Josias

(séc. VII), a situação deuteronomista do Exílio (séc. VI) e as esperanças do pós-exílio (séc. VI

e V). Ou seja, o texto castiga os abusos do século VIII, serve aos josianos na reforma deutero-

nomista e principalmente aos reconstrutores pós-exílicos41

.

O livro é fruto de um longo processo formativo: “No início havia os ditos e as visões de Amós, que foram complementados pelo relato na terceira pessoa

(7,10-17) e talvez ainda por outras palavras de um grupo de amigos ou discípulos do profeta. Por fim são

acrescentadas diversas complementações posteriores”42.

d) Conteúdo central

Amós é agricultor e pastor (1,1; 7,14s). Não sobrevive às custas da profecia ou dos ser-

viços do templo, nem se considera profeta profissional. Por isto é independente e fala em nome

de Javé. É profeta porque foi coagido por Javé (3,8; 7,14s). Mostra que Israel é mais culpado

do que as nações (1,3-2,16), pois o oráculo contra Israel é o mais extenso e mais detalhado. A

crítica se dirige contra as injustiças sociais. Justamente por Israel ser escolhido, é que será cas-

tigado com mais rigor (3,2).

Os demais povos são censurados pelas guerras (1,3ss). Israel é censurado pelas trans-

gressões do direito (3,10; 5,7.24; 6,12): Vendem o justo por dinheiro (2,6). Muito luxo (8,4s).

39 Os oráculos contra Tiro, Edom e Judá são acréscimos posteriores. 40 Ibidem, 337. 41 Ibidem, p.338. 42 SCHMIDT, W. Introdução ao Antigo Testamento. p.190.

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Distorcem o direito 5,10.12.15; 3,9s.15. Seu tema preferido, mas não único, é a justiça social.

Polemiza com a falsa segurança (6,1s.8.13; 8,7). Ataca o altar (3,14; 5,5; 7,9; 9,1). Ataca os

sacrifícios e as festas (4,4s; 5,21ss; 8,10)43

. O profeta ataca a reação conservadora patriótica e

piedosa das classes superiores no tempo de Jeroboão II.

“As cobiçosas classes superiores, com cumplicidade governamental e jurídica, expropriavam sistemati-

camente a terra dos plebeus, a fim de poderem elas acumular riquezas e ostentá-las”44.

A riqueza também se expressava no culto e nos templos ricamente ornados. Diante dis-

to, Amós ataca o fervor religioso como disfarce fraudulento. Critica a excessiva religiosidade

sem compromisso. Esta prática deve acabar (8,1-3).

Amós conhece bem a situação do povo e a proposta de Javé. Esta experiência, Amós a

tem como reminiscência do antigo sistema tribal. Ainda havia vestígios na memória do povo.

As leis tribais estavam na mente do povo.

“Esta leis se praticavam mais ou menos fielmente sob seus olhos em aldeias como Técua, enquanto eram

ridiculamente ignoradas e atropeladas pelas mesmas pessoas que tributavam os mais ruidosos louvores a

Jahweh”45

.

Assim, a vida fiel da aldeia tribal e sua experiência de Deus, forneceram a estrutura de

sua análise crítica.

Conclusão

O profeta Amós é porta-voz do movimento tribal, fiel à aliança, que vê, aos poucos a

religião javista sendo avacalhada pelos abusos das elites, principalmente a partir da monarquia.

Os representantes do javismo nada podem fazer, pois dependem da monarquia (Amasias). Nes-

te contexto, as duas grandes bandeiras do profeta são, a luta contra as elites e a luta contra a

idolatria, que servia de cimento para a estrutura do sistema monárquico e injusto. Amós, como

homem independente, pois não depende do sustento do estado, nem dos favores da elite, en-

frenta o estado lamentável religioso em que Israel se meteu. Ele quer refazer a experiência do

êxodo.

3.2 – O Profeta Oséias

a) Introdução: O profeta Oséias é talvez o único profeta do norte. Supostamente nasci-

do em Siquém46

. Sabe-se pouco dele. Provavelmente era camponês. Tem parentesco com o

deuteronomista e também com o eloísta. Há um consenso de que houvesse uma cadeia traditiva

que liga Elias e o eloísta com Oséias e este com o deuteronomista e com Jeremias47

. Não se

pode afirmar sua procedência com certeza, nem sua profissão. Seu pai chamava-se Beeri (1,1),

sua mulher, Gomer (1,3), seus filhos têm nomes simbólicos (1,4ss). O profeta sofreu resistên-

cia (9,7ss).

Sua atuação se situa por volta de 750-725 a.C. no reinado de Jeroboão II e talvez até

sobrevivesse à queda da Samaria48

.

43 Idem, p.192. 44 GOTTWALD, N. Introdução sócioliterária à Bíblia hebraica. p.338. 45 Idem, p. 339. 46 ASSURMENDI, J. Op. cit. p.32. 47 SCHMIDT, W. Op. cit. p.194. 48 GOTTWALD, N. Op. cit. p.340.

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“Em meio à desmoralização e falta de direção, Oséias depara-se com uma geração de líderes resolvidos a

proteger seus próprios interesses mesquinhos apoderando-se de toda circunstância favorável à custa de

outros. Iahweh torna-se para eles o adjudicador e o garante de benefícios pessoais. A linha entre javis-

mo e balismo transformou-se com o tempo”49

.

Oséias denuncia a idolatria, que ele chama de prostituição. A prostituição vai além da

idolatria, chega às alianças políticas (Os 7,8-12; 8,9-10). Já se pressente o poder da Assíria que

emerge como grande força política em expansão. Isto provoca mal-estar e insegurança em Isra-

el. Cada vez mais a monarquia do RN pede trabalhos e gente para as guerras. Tudo isto afetou

a vida familiar, desintegrando-a50

. É neste universo que Oséias prega através de suas metáforas

(Os 1-3; 11,1-7, etc.).

b) Camadas: O livro de Oséias não saiu pronto das mãos do profeta. Ele é fruto de

diversas fases redacionais.

1) Os 1-3: trata-se de um conjunto construído sobre Os 2,2-15 e 3,1-5, que provavel-

mente é do próprio Oséias. O conjunto foi completado por um discípulo.

2) Os 4,1-11,11: é a transcrição da pregação pública do profeta. Neste sentido fica evi-

dente que, sendo pregação pública e não texto escrito, os redatores apresentam Oséias com as

suas próprias tintas, isto é, deve-se ver, no texto, a pregação do profeta, mas também o trabalho

dos seus redatores. Inicia com: “Ouçam a palavra de Javé” e termina com: “Oráculo de Javé”.

3) Os 12,1-14-9: comunicações públicas. Reflete liturgia (12,6).

“Todos os três conjuntos passam da acusação e julgamento para promessa de salvação, como também to-

dos os três mostram marcadas afinidades lingüísticas e conceituais com o pensamento deuteronômico”51.

c) Gênero literário: o gênero literário é confuso, muito misturado. Faltam formas esti-

lísticas de interligação. É difícil dizer o que é original e o que é redacional. Os redatores finais

fizeram bastante confusão52

. O profeta se vale da alegoria do casamento para descrever a situa-

ção de Israel. Apresenta a relação Deus e Israel como a relação marido e mulher. O profeta,

como Deus, é o marido fiel e Israel, como a esposa, é infiel, ou prostituta. “O profeta apresenta

a relação entre Deus , sempre fiel e cheio de amor, e seu povo que o abandonou e preferiu cor-

rer ao encontro dos ídolos”53

.

Não obstante à mistura estilística, Oséias é um livro que se apresenta sob a roupagem

das metáforas. Assim, destacam-se as metáforas do casamento infiel (Os 1-3) para ilustrar a

relação entre Deus e Israel, e a metáfora do Pai e do Filho (Os 11,1-7) para ilustrar a mesma

relação. “Javé é também descrito como médico (6,1ss), caçador de aves, leão (5,14), leopardo, ursa despojada,

orvalho, árvore luxuriante, pus (ou traça? – 5,12), e podridão (5,12). Israel é visto como pessoa enferma,

rebanho, pombo volúvel, novilha treinada, mas teimosa, jumento selvagem errante, videira e uvas, vinho

do Líbano, figo prematuro, lírio, mulher nas dores de parto, um filho não nascido, bolo cozido demais no

forno, neblina e orvalho de manhã cedo e palha carregada pelo vento”54.

49 Idem, p. 340. 50 TUA Palavra é vida, vol. 3, p. 98-99. 51 GOTTWALD, N. Op. cit. p.341. 52 SCHMIDT, W. Op. cit. p.195. 53 BÍBLIA Sagrada Edição Pastoral, Introdução a Oséias, p.1166. 54 GOTTWALD, N. Op. cit. p.341.

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d) Estrutura55

Num primeiro momento pode-se dividir o livro de Oséias em dois blocos:

1) Os 1-3: metáfora do casamento e da esposa infiel

2) Os 4-14: uma coletânea de desgraça e salvação, de ameaças e promessas. A segunda

parte se subdivide em duas subunidades

a) 4,1-11,11

b) 12,1-14,9

Desgraças Salvação

1) Caps. 1-3 1,2-9 2,1-3

2,4-15 2,16-25

3,1-4 3,5

2) Caps. 4-14 4,1-11,7 11,8-11

12,1-14,1 14,2-9

Num segundo momento pode-se ver as subunidades:

I – Os 1-3

1 = Incumbência de casar com uma prostituta e os três filhos

2 = Ditos isolados:

2,1-3 = Transformação dos nomes dos filhos: salvação

2,4-15 = Ameaça

2,16-25 = Promessa, retorno ao deserto (2º Êxodo).

3 = Incumbência de amar uma mulher adúltera

3,4 = Sem rei, sem sacrifício

3,5 = Retorno a Deus e a Davi

II – Os 4-14

a) 4-11

4 = Contra os sacerdotes e contra o culto

5,1-7 = Contra os líderes do povo

5,8ss = Guerra siro-efraimita

6,1-3 = Cântico de arrependimento

6,4 = Israel sem cura

6,6 = Conhecimento de Deus em vez de sacrifícios

7,8 = Efraim se mistura com os povos

8,4ss = Contra a monarquia e o culto

9,10ss = Retrospectiva histórica

11 = Israel, filho apóstata

b) 12-14

12 = Israel como o astuto Jacó (Gn 27ss)

13 = Ruína de Israel

14 = Chamado à conversão

e) Conteúdo

55 A estrutura é inspirada em W. Schmidt, p. 195/196.

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Oséias quer de volta sua mulher infiel. Deus quer reatar a aliança com Israel. A prosti-

tuta é o símbolo de Israel, é a figura da prsotituta do culto a Baal. Assim, o casamento do pro-

feta com a prostituta reflete a mistura e confusão existente em Israel, pois neste tempo até Javé

era adorado como Baal (podia ser manipulado. Casar com a prostituta era cortar o baalismo e

suas manifestações dentro do javismo, pela raiz. Os filhos refletem esta situação:

a) Jesrael = vale onde Jeú inicia e termina (2Rs 9s);

b) Lo-Ruhamah = Não compadecida: é a situação de Israel;

c) Lo-Ammi = Não meu povo: Israel bastardo.

No século 9/8 Javé era adorado como Baal e tinha uma esposa por nome de Asherah. Is-

to serviu de base para o casamento de Oséias. Esta mistura está descrita em Os 4,1-3; 5,3-4 e

8,1-3.

Assim, a Segunda parte (4-14) ainda se encontra no mesmo tema teológico, ou seja, a

apostasia. Tudo gira ao redor do tema da idolatria que vem apresentada como prostituição e a

sua conseqüente injustiça.

f) Conclusão

O livro de Oséias é uma colcha de retalhos de diversas etapas. É difícil estabelecer uma

estrutura. No entanto, pode-se dizer que seu livro é uma chamada de atenção aos perigos dos

desvios religiosos patrocinados, principalmente pela monarquia e pelas elites de Israel. Oséias

quer refazer a aliança, para isto ele enfrenta a idolatria e as injustiças sociais, combate a reli-

gião faustosa, mas sem compromisso.

3.3 – O Profeta Isaías (1-39)

a) Introdução: O atual livro de Isaías, como se apresenta na Bíblia, é na realidade uma

justaposição de três livros. O primeiro Isaías, também conhecido por Proto-Isaías, compreende

os capítulos 1-39. Este livro reflete os anos 740-701 a.C. Pode Ter por tema a santidade de

Deus56

.O segundo Isaías, ou também chamado Dêutero-Isaías, compreende os capítulos 40-55.

Agora o cenário histórico já é bem outro. Estamos no Exílio da Babilônia e o livro quer conso-

lar os deportados, incutir esperanças nos neles. É uma mensagem de esperança, um novo Êxo-

do. O terceiro Isaías é formado pelos capítulos 56-66. Este é reflexo do período da volta do

Exílio, quando se quer reconstruir Jerusalém e o templo. É um projeto de reconstrução. Aqui,

neste capítulos, no entanto, o estudo se refere unicamente ao primeiro Isaías, ou seja, aos capí-

tulos 1-39. A partir de agora, só nos referimos ao primeiro Isaías, simplesmente como Isaías.

Isaías é do Reino do Sul, ou seja, de Jerusalém, talvez fosse homem da corte, ou próxi-

ma a ela. O rei e a nobreza vivem alheios à vida do povo, a religião é faustosa, mas a justiça é

esquecida. A Assíria está em plena expansão57

. Neste período ocorre a Guerra Siro-efraimita

(2Rs 16,7ss). Trata-se de uma conspiração entre o rei de Damasco (Síria – não confundir com

Assíria) e o rei da Samaria (Efraim = Israel) contra o Rei da Assíria.

56 Introdução a Isaías, Bíblia Sagrada, Ediçào Pastoral. p.947. 57 ALONSO-SCHÖKEL, L. Profetas (I). p.97ss.

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“Damasco e Samaria, irritadas por terem de pagar tributo à Assíria, resolvem revoltar-se; mas seus exér-

citos são muito pequenos para se oporem ao assírio. Pensam então em fazer aliança com Judá. Acaz, po-

rém, não vê esta aliança com bons olhos, considera a revolta uma aventura louca. Por este motivo, Rasin

de Damasco e Pecá de Samaria decidem declarar guerra contra ele, destroná-lo e nomear rei o filho de

Tabeel, partidário da coligação antiassíria”58.

O rei Acaz (Judá) pede auxílio a Teglat-Falasar (Assíria). Isto lhe valeu a submissão à

Assíria, devendo pagar tributos.

Por ser de Jerusalém, encontram-se nele dois temas fortes: a eleição de Jerusalém e a

dinastia de Davi. Deus se comprometera com a cidade e com a dinastia (2Sm 7). Ele é filho de

Amós (não confundir com o profeta Amós). Sua teologia apresenta alguns pontos que merecem

destaque: 1) A santidade de Deus; 2) A consciência do pecado; 3) A necessidade do castigo; 4)

A esperança da salvação. “Estes quatro temas, unidos às tradições de Sião e da dinastia davídi-

ca, deverão ser levados em consideração para compreender a fundo a pregação de Isaías”59

.

Como o profeta Oséias, também Isaías casa (8,3). Sua esposa é profetisa e seus filhos

têm nome simbólico: Sear Jasub (um resto que voltará) e Mather Salal Has Baz (pronto ao sa-

que, rápido aos despojos).

O Talmude conta que Isaías foi assassinado por Manassés que mandou cortá-lo ao

meio, mas isto não é confirmado. “Isaías que era personagem aristocrática, políticamente con-

servador, inimigo de revoltas sociais profundas”60

.

O livro de Isaías não é um bloco monolítico escrito por um mesmo escritor. Exis-

tem muitas partes interpoladas e acrescidas. Algumas mudam inclusive de gênero. Ex.:

os capítulos 24-27; 34-35 deixam de ser profecia, são apocalípticos. Os cap. 36-39 são

história que falam do profeta na 3º pessoa.

b) Visão de conjunto61

1) Oráculos ao Povo de Deus (1-12)

Fundamentalmente a pregação do profeta Isaías no tempo de Joatão e da Guerra Siro-

efraimita:

a) 1,1-3,1 b) 2,1-4,6 c) 5,1-30 +9,7-10,4

d) 6,1-9,6 (rompe com 5 e 9,7) e) 10,5-12,6 f) 12 Hino (acréscimo).

2) Oráculos contra as nações estrangeiras (13-23)

Usa muito o termo hebraico (masha) = oráculo: 13,1; 14,28; 15,1; 17,1; 19,1;

21,1.11.13; 22,1; 23,1.

Oráculos contra:

Babilônia 13,1-14,23 e 21,1-10

Assíra 14,24-27

Filistéia 14,28-30

Moab 15-17

Damasco 17,1-11

Egito18-20

58 Idem, p.97. 59 Ibidem, p.101. 60 Ibidem, p.102. 61 Inspirado em Schökel, p.113.

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Duma 21,11-1262

Tribos Árabes 21,13-17

Tiro e Sídon 23,1-18

3) A grande escatologia – grande Apocalipse (24-27)

Refletem um balanço final. “Toda terra, sem distinção de raças nem países, fica subme-

tida ao juízo de Deus”63

. Estes capítulos, embora estejam no primeiro Isaías, são do período

pós-exílico. Falam da vitória final do povo de Deus.

4) Oráculos ao Povo de Deus (28-33)

Refletem a ação do profeta nos anos 705-701. O material está bastante confuso. Suas

unidades iniciam com os Ai: 28,1; 29,1.15; 30,1; 31,1 e 33,1. Supõe-se que, juntamente com

10,,5-14 + 18,1-6 formassem o Livro dos Ais”. Predominam três ideias:

- Humilhação da Assíria

- Rebaixamento do orgulho do povo eleito

- Restauração de Sião.

5) Pequena escatologia – pequeno apocalipse (34-35)

Tipicamente escatológico. Representam ser do 2º Isaías.

34 – Javé enfrenta os gentios, arrasando-os

35 – o povo eleito recebe a bênção

6) Apêndice histórico (36-39)

Destacam-se três episódios:

- Invasão de Senaquerib (36-37)

- Enfermidade e cura de Ezequias (38)

- Embaixada do rei da Babilônia (39)

A invasão de Senaquerib é problemática:

A) Mensagem de senaquerib 36,1-22

Reação de Ezequia 37,1-2

Intervenção de Isaías 37,3-7

Desfecho 37,8-9a.37-38

B) Mensagem de senaquerib 37,9b-13

Reação de Ezequias 37,14-20

Intervenção de Isaías 37,21-35

Desfecho 37,36

Há diferenças nas duas coleções, portanto, refletem períodos posteriores, acréscimos ou

retoques.

c) Mensagem: o livro do primeiro Isaías é confuso pelo fato de estar totalmente mistu-

rado, ou seja, o livro apresenta muito do sujeito 1 (o profeta Isaías), boa parte do Sujeiro 2 (a

escola de Isaías = discípulos que complementam) e partes do Sujeito 3 (período da redação

62 Cf. Bíblia de Jerusalém, nota j a Is21,11-12: A menção de Duma causa embaraço: é um oásis do norte da Ará-

bia, fora de Edom”. 63 Idem, p.114.

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final do atual livro, talvez em períodos pós-exílicos). Por isto é muito difícil ler o livro de co-

meço ao fim, pois as partes estão completamente misturadas. Mesmo assim, podem-se desta-

car, no livro de Isaías, alguns temas:

- O problema social – as injustiças (1,10-20; 5,8ss; 10,1ss)

- A política desastrada (1,10ss;21; 7,1ss; 10,1ss)

- O messias (o menino, o rebento) (1,24ss; 3,1ss; 6,13; 7,14ss; 8,1ss; 9,1ss; 11,1ss).

Sua denúncia social sofre forte influência de Amós. Critica a classe dominante pelo lu-

xo e orgulho, pela cobiça e injustiças. Tudo isto vem acompanhado de ritauias religiosos efusi-

vos64

.

Na política Isaías sofre influência do davidismo e do sionismo. “Deus tem se compro-

metido com a cidade e com a dinastia, e é nisto que consiste sua maior segurança”65

. Mas o

profeta não vê esta segurança como algo mágico. Requer resposta. O fiel deve crer na ação de

Deus e não nos pactos internacionais.

Entre o tema da justiça social e da política, insere-se o tema do Messias, aquele que im-

plantará a justiça e o direito. A figura do Messias em Isaías, sempre vem associada ao frágil, o

menino, o rebento, o adolescente, etc.

3.4 – O Profeta Jeremias

O livro do profeta Jeremias é um livro complexo, cheio de alterações, ou seja, um livro

vindo de diversas camadas literárias, ou misturas de gêneros66

Não se deve ver o livro de Jere-

mias como um livro escrito em ordem, com uma estrutura lógica de início até o fim. Antes,

trata-se de um livro que vem de diversas camadas. O sujeito 1 representa o que o profeta disse

e fez, o sujeito 2 representa a tradição oral levada em frente pelos seus discípulos e o sujeito 3

reflete a redação final, levada a cabo por escribas deuteronomistas que releem, ampliam e dão

uma redação conforme seu tempo. Mas, num primeiro momento vamos estudar a situação do

profeta Jeremias.

3.4.1 – O Momento Histórico

O profeta Jeremias profetiza entre 627-586 a.C67

e tem, a grosso modo, dois períodos,

que marcam seu ministério: Antes do ano 609 (morte de Josias) e depois de 609. Antes o profe-

ta reflete otimismo, depois, tensões, conflitos e a derrocada68

.

Josias é posto no poder, como rei de Judá aos 8 anos de idade, pelos am ha arets = po-

vos da terra (2Rs 21,23s). A Assíria se enfraquecera e o rei Josias se fortalece, inclusive se vale

deste momento e faz uma incursão no RN, tentando reconquistar o antigo território. Mas o im-

portante deste rei é a Reforma de Josias (632-422), quando o rei toma medidas de purificação

religiosa e de justiça social (2Rs 23,4-24). Como base desta reforma está a descoberta do livro

da Lei, ou seja, o Dt (2Rs 22). Neste período a Assíria é aniquilada. Desaparece, assim, a gran-

de ameaça de Judá. Porém, em 609, numa batalha de guerra com o Egito, morre Josias (2Rs

23,29ss). Inicia-se o declínio.

64 Ibidem, p.109. 65 Ibidem, p.110. 66 SCHMIDT, W. Introdução ao Antigo Testamento. p.223ss. 67 GOTTWAKD, N. Introdução sócioliterária à Bíblia hebraica. p.372. 68 ALONSO SCHÖKEL, Op. cit. p. 411.

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O sucessor de Josias, Joacaz (609) só governa por 3 meses. O faraó Necao do Egito o

depõe e impõe tributos a Judá e, ainda por cima, troca, a seu bel prazer, o rei. Nomeia rei a

Joaquim (irmão de Joacaz (609-598). Este é um rei déspota, inimigo do povo. Ele recebe duras

críticas de Jeremias.

Neste período, Nabucodonosor (rei da Babilônia) bate o Egito e se torna Senhor do

mundo. Judá lhe deve tributo. Porém, passados alguns anos, Joaquim deixa de pagar os tributos

(600), isto faz com que, em 598 Nabucodonosor marche contra Jerusalém. Em meio à confu-

são, Joaquim morre e sobe ao trono Jeconias (598), permanecendo também 3 meses no poder.

Inicia-se a deportação para a Babilônia. Jeconias é deposto e em seu lugar é nomeado Mataías

(irmão de Joacaz, tio de Jeconias), cujo nome é mudado para Sedecias (597-586). Este rei de

Judá é preso por Nabucodonosor, teve de assistir a degola de todos os seus filhos e por fim teve

seus olhos vazados. Cego foi levado parao Exílio (2Rs 25,1-7). O templo e a cidade de Jerusa-

lém são incendiados, a muralha da cidade é derrubada e acontece a 2º deportação69

.

3.4.2 – Vida e atividade de Jeremias

O profeta Jeremias bate forte na ordem interna de Judá: na corrupção, na idolatria e na

injustiça social. O rei e as elites julgavam que Judá estaria salvo pela santidade do templo. Je-

remias se opõe a esta visão.

“Na sua opinião, as tradições da aliança e o culto de Jerusalém não forneciam fundamento algum para

segurança na falta de justiça social, nem a confiança no Egito poupava a Judá de a Neobabilônia forne-

cer um meio exterior de fuga”70.

Jeremias quer mudanças, conforme fora anunciado por Josias. Vendo que a ameça da

Babilônia se tornava sempre mais forte, sugeriu que Sedecias se rendesse. Imaginava Judá sem

rei e sem templo (40,7-12). Por fim foi levado para o Egito, contra a sua vontade (43,6-7). Lá

ele desaparece.

3.4.3 – Formação do livro de Jeremias

No passado se supunha que Jeremias tivesse ditado seu livro ao seu secretário Baruc e

que este era responsável pela redação do mesmo. Hoje se tem outra idéia: há uma corrente je-

remiana que incluiu a poesia do profeta , as narrativas a respeito dele, material reelaborado,

prosa e temas e faz a redação em ambiente do exílio e pós-exílio. “Sem dúvida, encontramos o autêntico Jeremias dentro do seu livro, porém todos os materiais foram

conservados e juntados por sobreviventes à queda de Jerusalém, os quais liam constantemente, avalia-

vam e elaboravam as palavras e feitos do profeta como alguém que poderia instruí-los nas atuais condi-

ções de vida completamente mudadas”71.

Neste processo, foi posto no livro do profeta, material que, na realidade era de seus se-

guidores, em ambiente diferente, porém, sempre à luz do profeta.

69 Idem, p.412-413. 70 GOTTWAKD, N. Introdução sócioliterária à Bíblia hebraica. p.373. 71 Idem, p.374.

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“No livro de Jeremias devemos contar com um processo de formação mais demorado e uma redação

constituída de várias camadas. Até as passagens deuteronomistas não são uniformes, mas mostram dife-

renças bastante marcantes na sua intenção”72.

Até hoje os teóricos não chegaram a um consenso sobre o material autêntico. A redação

final tem um grande papel na elaboração do livro. O Exílio tem influência forte sobre a forma-

ção do livro, bem como a teologia deuteronomista.

3.4.4 – Estrutura do livro de Jeremias73

I – Ameaças contra Jerusalém e contra Judá (1,1-25,14)

1 – A vocação de Jeremias

2 – Denúncias do culto à natureza e infidelidade de Israel

3-4 – Retorno de Javé

4-6 – Ameaças do norte

7; 26 – Discurso contra o templo e outros cultos

8-9 – Ditos isolados

10 – Complementação – Idolatria

11 – Aliança

12 – Queixa contra os inimigos

13 – Ação simbólica

14-15 - Liturgia de lamentação

16 - Celibato – sinal

17 – Palavra sapiencial

18 – O oleiro

19-20 – Ação simbólica

21-23 – Palavra sobre a casa real

23 – Palavra sobre os profetas

24 – Dois cestos

II – Ameaças contra as nações (25,15-38; 46-51)

III – Palavras de salvação para Israel (30-35)

30,1-31,30 – O livrinho – consolação para o norte

30,31 – A nova aliança

32 – Compra de campo em Anatot

33 – Promessas

34 – Cerco a Jerusalém

35 – Os recabitas

IV – Biografia (26-29; 36-45)

26 – Depois do discurso contra o temlo

27-29 – Contra os falsos profetas

27 – Submissão a Nabucodonosor

28 – Jeremias e Hananias

72 SCHMIDT, W. Op. cit. p.225. 73 A presente estrutura se inspira em W. Schmidt, Op. cit. p.226-228.

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29 – Carta aos deportados

36 – O rolo do livro

37-39 – Cerco a Jerusalém

40-43 – Morte do governador e fuga para o Egito

44 – Contra o falso culto

45 – Profecia para Baruc

V – Apêndice tirado de 2Rs 24-25 (Jr 52).

Pode-se agrupar os textos de Jr com bastante propabilidade74

:

627/6 – A Vocação de Jeremias (1,4-10)

627-609 – Pregação a Israel (3,6-13)

Silêncio do profeta

609 - Oráculo sobre Joacaz (22,10-12)

608 – Discurso do templo (7,1-15; 26)

605 – Oráculo contra o Egito (46,2-12)

Discurso sobre conversão (25,1-11)

Redação e leitura (36)

Palavra de Baruc (45)

598 – Palavra sobre Jeremias (22,24-30)

Dois cestos de figos ((24)

Carta aos exilados (29)

Oráculo contra Elam (49,34-39)

594-93 – Contra a rebelião (27-28)

Maldição da Babilônia (51,59-64

587-86 – Durante o assédio (21,10; 34; 37-39)

Jeremias preso no átrio (32-33; 39,15-18)

586 – Depois da queda de Jerusalém (39-44).

“Possuímos numerosos dados sobre a vida de Jeremias, mas não podemos reconstruí-la

com todos os pormenores “75

. Jeremias nasceu por volta de 650 a.C. em Anatot (perto de Jeru-

salém. Era da tribo de Benjamin, ou ao menos, viva na região de Benjamin. Era do RS, mas se

vinculava muito ao RN. Filho de Helcias, sacerdote de Anatot, possivelmente descendente de

Abiatar, deportado por Salomão (1Rs 2,26)76

. Sua vocação profética se deu por volta de 627

a.C., nos tempos do rei Josias.

Seu ministério profético tem quatro períodos77

:

1) Durante o reinado de Josias (627-622) – Reforma de Josias

Pouco se sabe deste período. O profeta estaria ligado à Reforma de Josias, princi-

palmente quando esta começa a esfriar. Jeremias teria criticado a timidez e a superficialidade

74 ALONSO SCHÖKEL, Op. cit. p.414. 75 Idem, p.414. 76 MAZZAROLO, I. A Bíblia em suas mãos. p.45. 77 ALONSO SCHÖKEL. Op. cit. p.415ss.

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da mesma (Jr 8,8). Sabe-se que o profeta elogiava Josias, ao menos depois de sua morte (Jr

22,15ss).

Textos que provavelmente falem da Reforma de Josias:

Jr 3,6-13;11,1-17; 12,1-5; 17,19-27

Vestígios sobre a Reforma:

Jr 2-3; 30-31

Hipótese: Jeremias estaria satisfeito com o êxito de Josias e teria parado de profetizar

78.

2)Durante o reinado de Joaquim (609-598)

Período melhor conhecido.

609 – Jeremias faz seu discurso contra o templo (Jr 7,1-15; 26).

Denuncia a tentativa de Joaquim de construir novo palácio (Jr 22,13-19).

Simbolicamente fala da ameaça do norte – Panela fervendo (1,13-14).

Ameaça de invasão e sua justificação (4-6).

605 – Nabuconosor vence o Egito em Carquêmis (46,2-12).

Os inimigos do norte = Babilônios (20,4-6; 25,11).

Jeremias sofre represálias

- Jarra de louça 19,1-2a.10-11

- Discurso 19,14-15; 25,1-11

- Cárcere 20,1-6

Jeremias exorta o rei à conversão, mas ele corta e queima seu texto e manda pren-

der o profeta Jeremias (36).

Estas perseguições levam Jeremias a desabafar como Jó (Jr 15,10-11.15-21;

17,14-18; 18,18-23; 20,7-11.13-18).

Palavras a Baruc durante a redação (45)

Visita aos Recabitas (35)

Resumo: Jeremias mostra que Deus está descontente com Judá, pois é povo pecador

(9,1-10). Ninguém é fiel (5-6), Apela à conversão (7,3; 25,3-6; 36,7). O templo e a cidade se-

rão destruídos (7,1-15). Jerusalém será quebrada (19). O profeta bate forte:

- Esquecimento de Deus (5,12s);

- Esquecimento da Palavra de Deus (6,10);

- Falso culto (6,20; 7,21-28);

- Falsa segurança religiosa (7,1-15)

- Idolatria (Rainha do Céu) (7,16-20);

- Baal, Moloc (7,29-34)

- Injustiças sociais (5,26-28; 12,1-5).

2) Durante o reinado de Sedecias (597-586)

No reinado de Sedecias se dá a 1º deportação. O povo começa a duvidar de Deus, que

não o defendeu, permitindo o exílio. Nesta época surgiu uma teologia escapista: “os exilados

são culpados, são incrédulos, com quem Deus rompeu. Deus só ama os remanescentes.

- Jeremias reage a tal teologia contando a história dos dois cestos de figos (24; 29,16-

20).

- Escreve uma carta aos exilados, advertindo contra falsos profetas (29).

78 SCHMIDT, W. Op. cit. p.230.

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Em 593 a.C. os reis de Moab, Edom, Amon, Tiro e Sidon instigam Jerusalém contra a

Babilônia. Jeremias se opõe a tal aventura, por ele vista como suicídio (27).

- Arruma uma briga com o profeta Hananias (28).

- Reage contra a Babilônia (51,19-64).

Em 588 o rei Sedecias se rebela contra a Babilônia:

- Jeremias anuncia, ao rei, a queda de Jerusalém (34,1-7);

- “ “ que a Babilônia voltará vitoriosa (37,3-10);

- Jeremias vai a Anatot ver uma herança, mas é preso (37,3-10).

- Com a volta da Babilônia, Jeremias sai da prisão (37,11-21; 38.24-28).

- Jeremias exorta à rendição e à fuga, os príncipes querem matá-lo, jogam-no numa cis-

terna (38,1-13).

- Em momentos de desespero, o profeta compra uma terra, indicando que ainda resta

uma esperança (32);

- Queda de Jerusalém (39,1-10).

Resumo: Este período se restringe a dois focos:

- Os exilados

- Os remanescentes

Deus entregou Jerusalém ao rei gentio. O retorno não será logo. Os remanescentes não

terão independência. A submissão à Babilônia é castigo pela não conversão. Jeremias foi acu-

sado de ter passado para o outro lado, isto é, para o lado dos babilônios (Jr 37,13), porém isto

não é real. Jeremias, libertado pelos babilônios, poderia escolher ir para a Babilônia, mas ele

preferiu permanecer em Jerusalém, ao lado de Godolias (40,2-6).

3) Após a queda de Jerusalém (586 - ?)

Depois da rendição de Jerusalém, os babilônios foram benévolos com Jeremias, pois ele

havia sido favorável à rendição (32,28; 39,3.14). Por engano levam Jeremias até Ramá. Nabu-

zardã vem para incendiar o templo (52,12-14) e para soltar o profeta (39,11-12). O profeta po-

dia optar entre ir para a Babilônia, ir morar com governador Godolias ou ir onde bem quisesse

(40,1-6).

Com o assassinato de Godolias, a comunidade fugiu para o Egito e obrigou Jeremias a

ir com ela até Tafnis, onde Jeremias faz a última profecia (40,7-44,30). Depois disto, o profeta

desaparece sem deixar rastros.

3.4.5 – Conclusão

O profeta Jeremias é um homem integrado no seu tempo. Pressentiu a derrocada do da

monarquia, do templo e da sociedade. Vendo o fracasso da Reforma de Josias e o avanço de

Nabucodonosor, o profeta assume um papel de combate aos reis, à elite e à religião oficial.

Exorta a povo a se render à Babilônia. Mas ao mesmo tempo conforta os deportados, profetiza

contra a Babilônia. Acaba seus dias deportado para o Egito.

IV – PROFETAS DURANTE O EXÍLIO – 609-538

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A partir de 609 a.C, com a morte de Josias, Judá caminha a passos largos para a desin-

tegração. Reis corruptos e impopulares levam Judá e Jerusalém ao encontro da ruína que se

completa em 586 com o saque de Jerusalém e do templo.

O Exílio deixa o povo numa situação de insegurança, de perda de identidade. A questão

é: “Será que Deus ainda está conosco?”

Os profetas deste tempo ajudam o povo exilado a perceber que ainda pode confiar em

Deus e resistir diante da prepotência da Babilônia. Mostram que Deus está, também, no sofri-

mento. Mostram o motivo da ruína: as injustiças e a idolatria. Mas também apontam para a

grande esperança do retorno79

.

4.1 – O Profeta Ezequiel

O profeta Ezequiel é um homem um tanto misterioso, difícil de ser definido. O presente

estudo fará uma descrição de alguns pontos sobre a pessoa do profeta, a época e o local de atu-

ação, bem como a atividade do profeta e os principais problemas

4.1.1 – Quem?

Ezequiel é filho do sacerdote Busi (1.3)80

. Exilado na Babilônia, ele não pode exercer o

sacerdócio, uma vez que este só tinha lugar no templo, em Jerusalém. Segundo Flávio Josefo,

Ezequiel era ainda menino quando se deu sua deportação (598 a.C.). Teria nascido por volta de

610 a.C. Se o ano 30 (1,1-3) se refere à sua idade, então teria nascido em 622 a.C. Era casado,

mas não se sabe se teve filhos. Ficou viúvo antes da queda de Jerusalém 81

.

É homem de visões (1,1-3,15; 3,22ss; 8-11; 37,1-14; 40-48. Atua por meio de ações

simbólicas: palavras, danças, etc. (6,11). Desanima, perde a fala. Alguns autores o consideram

de personalidade doentia82

. Klostermann julga que os capítulos 3-24 sejam um diário de um

doente e os capítulos 33-48 seria, um diário de cura. Karl Jaspers chamou Ezequiel de esquizo-

frênico83

. Mas isto, na realidade, são símbolos que não devem ser lidos como fatos históricos.

4.1.2 – Quando?

Supostamente Ezequiel iniciou seu ministério no ano 593 a.C., ou seja Paulo 5º ano da

deportação (1,1-2). O profeta fala do ano 5º (1,2), do 6º ano (8,1), do 7º ano (20,1), do 9º ano

(24,1), do 10º ano (29,1), etc. culminando no 27º ano (29,17). Assim sendo, pode-se fixar o

ministério de Ezequiel entre 593-57184

.

Alguns autores (J. Smith e C. Torrey) julgam que Ezequiel é de outros tempos, mas que

seu livro sofreu uma adaptação aos tempos exílicos. Smith supões ser Ezequie do século VIII.

Enquanto Torrey sugeria o século III. Estas teorias parecem ser sem fundamento sério.

Ezequiel esteve entre os deportados de 598 (1º deportação). Este grupo estava ferido.

Perdeu as referências. Sem pátria, sem terra, sem esperança, nem sequer tem certeza de ser o

povo eleito de Deus. Ezequiel exerce seu papel entre estes desesperançados, incutindo esperan-

ça em terras estrangeiras85

.

79 TUA Palavra é Vida, v. 3. p.29. 80 SCHMIDT, W. Op. cit. p.236. 81 ALONSO SCHÖKEL. Op. cit. p.691. 82 GOTTWALD, N. Op. cit. p.457. 83 Idem, p.691. 84 ALONSO SCHÖKEL, Op. cit. p.341. 85 Idem, p. 689.

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4.1.3 – Onde?

Ez foi deportado para a Babilônia (1,2), junto ao Rio Cobar (1,3). Ele experimen-

ta o templo profanado e depois volta ao exílio (11,24ss). Terá exercido seu ministério

na Babil6onia entre 593 - 570 a.C. Era sacerdote, certamente da elite sacerdotal de Jeru-

salém. Parece ser o primeiro profeta fora de Israel. Reunia os líderes em sua casa (8,1;

14,1). Era um líder aglutinador. Seu livro mais parece Compilação da vida comunitá-

ria.

No quadro do Exílio o povo caiu no desânimo. Javé, segundo sua crença, era ex-

clusivo de Judá. Em terra estranha só existem deuses estranhos. Como sacerdote de Je-

rusalém, Ezequiel devia estar contagiado pela Reforma Josiana, que queria restringir

todo culto à Jerusalém. Morar em terra estranha era sinônimo de estar abandonado por

Javé. "Como haveríamos de entoar um canto a Javé em terra estranha?"(Sl 137,4). Neste qua-

dro sinistro só resta desespero. "Os nossos ossos se secaram. Pereceu a nossa esperança. Esta-

mos de todo exterminados" (Ez 37,11).

4.1.4 - Estrutura86

I – Vocação de Ezequiel 1,1-3,15

II – Oráculos contra Judá 4-24

Ações simbólicas 4-5

Contra os montes de Israel 6

Chega o dia 7

Visão do templo profanado 8-11

Para o exílio 12

Falsos profetas 13

Nostalgia dos ídolos 14

Parreira inútil 15

Uma história de amor 16

A águia e o cedro 17

Responsabilidade pessoal 18

A leoa e os cachorros 19

A vinha decepada 19,10-14

História de uma rebeldia 20

O bosque em chamas 21,1-12

A espada – 21,13-37

A cidade sanguinária 22

As duas irmãs 23

A panela no fogo 24,1-14

Morte da esposa 24,15-27

III – Oráculos contra as nações estrangeiras 25-32

Amon 25,1-7

Moab 25,8-11

Edom 25,12-14

Filistéia 25,15-17

86 Ibidem, p.698/99.

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Tiro 26

Tiro 27

Contra o rei de Tiro 28,1-19

Sídon 28,20-24

Restauração de Israel 28,25s

Egito 29

O dia do Egito 30

Contra o faraó 31

Contra o faraó 32

IV – Oráculos de salvação 33-48

O profeta como atalaia (sentinela) 33

Os pastores de Israel 34

Contra o monte de Seir 35

Aos montes de Israel 36,1-15

Castigo e reconciliação 36,16-38

Os ossos e o espírito 37,1-14

As duas achas de lenha 37,15-28

Oráculos contra Gog 38-39

Novo templo e nova terra 40-48

4.1.5 – O que?

O papel de Ezequiel foi levantar de novo o ânimo do povo desanimado. Ele mostrou

que Javé também está no Exílio. Recebeu a vocação no Exílio, em terra estrangeira (Ez 1,3;

3,14s). Vê a Glória de Javé na Babilônia (1,28; 3,12.23). Desta forma, pela atuação de Eze-

quiel, o povo se sente acompanhado de Javé e por isto mesmo reacende a esperança de voltar à

Terra Prometida. Apesar do desânimo, agora tudo é possível. Ezequiel se torna o Mensageiro

da Boa Notícia, pois transferiu Javé para o Exílio. De tudo isto resultou um projeto de Ezequi-

el, ou Projeto Ezequielano: Promessa87

.

Projeto Ezequielano

Depois de muita denúncia, Ez auncia a Grande Reconstrução(33-48).

- Anuncia uma nova realidade:

"Dar-lhes-ei um só coração, porei no seu íntimo um espírito novo: removerei do seu corpo o coração de

pedra, dar-lhes-ei um coração de carne, a fim de que andem de acordo com os meus estatutos e guardem

as minhas normas e as cumpram. Então serão o meu povo e eu serei o seu Deus"(Ez 11,19-20).

- Denuncia o pecado de Israel (Ez 16)

- Voltarão à terra (Ez 37)

Ez 37,1-14 Assim como outrora Deus criou o homem e soprou sobre ele o hálito de

vida, agora, pela profecia de Ezequiel, Deus cria o homem novo. Javé vai revivificar o povo

sem esperança (37,11ss). Em Ez 37,15-28 Deus vai congregar novamente todos os filhos de

Israel dispersos (37,21).

- Novo Êxodo (Ez 36,16-38 cf. tb. 20,35ss).

87 SCHWANTES, M. Sofrimento e esperança no Exílio. P.73ss.

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Javé irá borrifar água, purificando o povo (v.25 = Êxodo). Então receberão novamente a

terra de seus pais( v28).

- Novo Davi (Ez 34,1-31. Destacar os vv. 23ss. + 37,24).

Os maus pastores (reis e condutores de Israel) não souberam conduzir bem o povo de

Israel. Cuidando apenas de seus próprios interesses, levaram o povo à desgraça. Mas, ainda

resta uma esperança: o Novo Davi. Davi era um símbolo. Muito embora se saiba, pela história,

de suas atrocidade (2Sm 11,2ss), Davi é o porta-voz de uma classe pobre que chegou ao poder

(1Sm 16,1-13), isto é, Davi é representante dos pastores, e dos mais fracos, pois seus irmãos

mais fortes, de bela aparência, foram rejeitados. Por que Ez fala de um novo Davi? Os reis de

Judá todos eram davididas e foram os maus pastores denunciados pelo profeta. A estas alturas,

Davi se tornou símbolo messiânico, ou seja, figura idealizada, representante dos pequenos:

pastores e agricultores em contrapartida às elites governamentais. Davi semi-escravos não é

descendente carnal do velho Davi, mas alguém que, como ele encarna o ideal do povo simples

(Por isto Jesus, no NT é apresentado como Filho de Davi - Mt 1). Também Jesus é apresentado

como o Bom Pastor (Jo 10) que substitui aqueles velhos pastores (judaísmo).

- Novo Templo (40-48; Esp. 40,1-5; 43,1-12).

O novo Templo não terá mais lugar para a prostituição (43,9). Ez vê o velho Templo e o

velho culto como abuso dos maus pastores (34). Reconstruir o Templo é sinônimo de novo

culto.

4.1.6 – Atividade profética

A atividade de Ez se divide em dois momentos históricos: antes da queda de Jerusalém

e depois da sua queda.

1º) Do Exílio até a queda de Jerusalém (597-586)

Os exilados julgavam que sua sina fosse um castigo de Deus, temporário. Logo iriam

voltar para Israel e viveriam em paz. Os falsos profetas incitavam o povoa pensar numa rápida

volta. Ez enfrenta esta realidade, mostrando a dura realidade.

Ano de 593

- 1,1-3,15 - A vocação do profeta no ano de 593

- 4-7 - Conteúdo da mensagem = primeira pregação:

- 4-5 - Três visões simbólicas: o cerco (4,1s); A fome (4,9-11); A deportação

(5,1s).

“Diante do otimismo e da esperança dos deportados, Ez anuncia a catástrofe”

88.

- 6 - Até os montes serão destruídos

- 7 – O fim para toda a terra prometida

Ano de 592

- 8-11 – as causas do castigo. Em êxtase o profeta vê os pecados de Jerusalém.

- 8 – Idolatria

- 9 – Injustiças e crimes

88 ALONSO SCHÖKEL, Op. cit. p.693.

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Ano de 591

- 20 – Toda a história de Israel é cheia de pecado. Isto provoca um castigo inevitável

que há de vir.

- 16 e 23 – Olhar ao passado. Denuncia o constante esquecimento de Deus, o que é

caracterizado por prostituição com os egípcios, assírios e babilônios. “Tudo gira em

torno do mesmo tema: o castigo de Judá e de Jerusalém, justificado por meio de es-

pectro cada vez mais amplo de acusações: sincretismo, injustiças, alianças com es-

trangeiros”89

.

Reação dos adversários de Ezequiel:

- 12-14 – Não vai se realizar

- 13,1-16 – Falsos profetas dizem besteiras

- 13,17-23 – Falsas profetisas

- 14,1-18 – o conservadorismo impede de ouvir os apelas atuais. Os ídolos denuncia-

dos são: Jerusalém, o templo, a terra prometida;

- 18 – julgam que a intercessão os salva, ou seja, há, no seu passado, algumas pessoas

honestas. Isto lhes serviria de garantia de salvação? O profeta diz que cada um res-

ponderá pelos seus pecados. O fato de termos tido pais bons não nos isenta de cul-

pa. Não são alguns justos que vão salvar (14,12-21).

Ano de 588

- 17,1-10 – Alegoria da águia e do cedro: denúncia contra a política errada de Sede-

cias, pró-Egito.

- 21,23-32 – Os dois caminhos = Nabucodonosor cerca Jerusalém

- 24,1-5.9-10 – Panela = fim de Jerusalém

- 22,1-22 – A injustiça é a causa da desgraça

Ano de 587: Cerco de Jerusalém. O Egito foi instigador de Israel contra Nabucodono-

sor.

Oráculos contra o Egito:

- 29,1-6 – O orgulho do Egito

- 30,20-26 – A derrota do Egito

- 31,1-18 – Orgulho do Egito

- 24,15-24 – Conclusão simbólica dos anos 597-586. Destaca a ruína de Israel. Assim

como o profeta não pode chorar a esposa, não se pode chorar o templo.

Ano de 586

3,25-26 – Queda de Jerusalém. O profeta fica mudo até receber o mensageiro que lhe

comunica a ruína (24,26s). Só depois recupera a fala (33,21-22).

Tudo neste período, ações simbólicas, pantomimas, alegorias, parábolas, enigmas ser-

vem para anunciar a queda inevitável de Jerusalém e acabar com as falsas esperanças entre os

deportados90

.

89 Idem, p. 694. 90 Ibidem, p. 695.

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2º Depois da queda de Jerusalém (685 -?)

Em 586 Jerusalém cai e Ezequiel recebe esta notícia algum tempo depois, quando recu-

pera a fala (33,21-22). Inicia-se nova etapa na profecia. Ez sofre evolução. Ou seja, muda com-

pletamente sua perspectiva. Antes pregava a ruína, agora anuncia a reconstrução.

a) Reação diante dos colaboradores da destruição

- 25 – Condena Amon, Moab, Edom e os Filisteus

- 26,1-6 – Condena Tiro

- 32 – Condena o Egito

b) Combate uma teologia viciada: os exilados diziam que a culpa era dos pais (18,2).

Eles estariam pagando o que os antepassados fizeram. Ez diz que todos pecaram, pais e

filhos.

- 22,18-22 – Todos pecaram

- 18; 33,12-20 – Cada um será julgado conforme seu pecado.

c) Quem são os responsáveis?

- 22,25-31 – Príncipes, sacerdotes, nobres, latifundiários

- 34 – Pastores (reis e pastores

d) Nova esperança

- 34,11-16 – Depois de denunciar os culpados, Ez mostra o surgir de nova esperança;

- 36 – Surge um mundo novo. Tudo o que foi destruído (cap. 6) ouve agora o conso-

lo. Haverá mudança interior (36,25-28).

- 37,1-14 – O povo não crê nestas promessas (17,11), mas Ez lhe diz que os ossos se-

cos voltarão a viver.

- 37,15-24 – Israel voltará a ser um só.

- 37, 26-27 Deus fará nova aliança

- 40-42 - Um novo templo será construído

- 43,1-5 – A glória de Deus voltará

Inicia-se em Ez um matiz consolador dos exilados, que se estende também ao 2º Is e

aos demais profetas pós-exílicos.

4.1.7 – Conclusão

O livro de Ez sofreu muitos acréscimos e alguns deles, bastante artificiais. Parece que

Ez escreveu sua pregação e sua vida. Às vezes falava antes e depois escrevia (11,25). Também

ele teve uma transmissão oral que mais tarde foi escrita. Ez, em vida, chegou à fase das folhas

soltas (Fohrer). Talvez ele mesmo já iniciasse o colecionamento das folhas soltas. O livro atual

não é obra exclusiva sua 91

. “Sua escola, seus discípulos foram retocando numerosas passagens

e acrescentando novas palavras”92

. Alguns biblistas julgam que houve até seis reelaborações do

livro de Ez e que as últimas seriam feitas por volta do ano 300 a.C.

Assim, num texto de diversas camadas, percebe-se a, num primeiro momento a mão do

profeta previne o povo de Israel que foi para o exílio nos anos de 598 a.C. Estes pensam que

91 GOTTWALD, N. Op. cit. p. 449. 92 ALONSO SCHÖKEL, Op. cit. p. 698.

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tudo é passageiro e que logo voltarão para Jerusalém. Num segundo momento Ez incute espe-

rança nos exilados, depois da queda de Jerusalém. Sobre este material se trabalhou em momen-

tos posteriores, resultando no atual livro do profeta Ezequiel.

4.2 – O Profeta Dêutero-Isaías (Is 40-55)

A partir de Is 40 até 55 estamos em ambiente diferente do 1ºIs, ou seja, de Is 1-39. Es-

tes capítulos (40-55) recebem o nome de 2º Isaías ou Dêutero-Isaías.

4.2.1 – Quem?

O biblista alemão Johann Döderlein, em 1788 insinua que a partir de Is 40 começa ou-

tro ambiente que nos capítulos anteriores. O texto está quase no fim do Exílio93

. Já supõe Jeru-

salém destruída (44,26). O povo está no Exílio (42,22). Espera o fim da Babilônia (43,14;

46ss). Confia em Ciro, rei da Pérsia (44,26ss)94

. Pode-se supor o profeta por volta dos anos

553-539.

Ele tem afinidade com o 1º Is, supostamente é discípulo deste, porém difere dele, pois

já supõe Jerusalém destruída (Is 44,26), o povo está no Exílio (42,22). Ele espera o fim da Ba-

bilônia (43,14; 46ss)95

. Israel vive de forma catastrófica: sem templo, sem líderes religiosos,

sem pátria, sem culto, sem aliança. Tudo evaporou. Trata-se de um profeta anônimo entre os

exilados, já nos tempos do declínio babilônico e ascensão persa (2° geração dos exilados). Seu

livro tem estilo hínico-sâlmico. Ex.: Is 42,10 lembra o Sl 96 e 98. Assim, pensa-se, ser ele um

dos cantores do templo. O 2° Isaías quer, também, incutir esperança no povo exilado. Já se

fazem sentir os sintomas da repatriação. Quando ele fareja as vitórias da Pérsia, logo se põe a

animar o povo. Javé olhou pelo povo. Isaías tem de insistir em Javé, pois Ciro pregava que fora

Marduk quem lhe dera a vitória sobre a Babilônia e o tornara senhor do mundo96

.

4.2.2 – O que?

O 2º Isaías dirige-se às vítimas do Exílio, ao resto de Israel (46,3). Vê a desolação do

povo (49,14; 40,27). Por isto o 2ºIs usa linguagem diferente do 1ºIs. Não tem as ameaças e

acusações. Em terra distante, sem templo, sem líderes religiosos, sem pátria97

um resto de Isra-

el alimenta a esperança de permanecer firme em Javé: trata-se do Servo de Javé. Em meio à

desolação surge um revigoramento da fé. Trata-se da fé à luz do choque da provação. Neste

período surgem muitos dos livros que hoje formam o Antigo Testamento.

O 2ºIs vê no declínio da Babilônia e na ascensão da Pérsia uma brecha de esperança.

Ciro, rei da Pérsia, bate o rei da Babilônia em 539 a. C. e o povo exilado passa para seu domí-

nio. Ciro é chamado de Servo, ou Ungido de Javé (Is 45,1). Este rei permite o retorno dos exi-

lados para sua pátria. Além disto, os persas permitiam que seus subjugados vivessem sua pró-

pria cultura e cultuassem suas divindades. Isto permitiu a restauração do culto, do templo e de

Jerusalém. O 2ºIs vê em Ciro o cumprimento do projeto de Javé. O 2ºIs é porta-voz da espe-

rança entre os exilados.

93 Idem, p.269. 94 SCHMIDT, W. Op. cit. p.550. 95 Idem, p. 550. 96 ALONSO SCHÖKEL, L. Op. cit. p.271. 97 TUA Palavra é vida, Vol. 3, p.170.

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4.2.3 – Como?

O 2ºIs não segue muito o estilo dos profetas pré-exílicos. Parece se inspirar em outras

fontes. Suas categorias não propriamente proféticas98

:

a) Oráculos de salvação. Lembram o consolo a aflitos (1Sm 17; Gn 21,17). O 2º Is usa

estas categorias para consolar o povo: “Não temas, ó Israel”.

Javé fala em 1ºpessoa: “eu te remi” (41,8-16; 43,7-15; 44,1-5; 49,14; 51,9ss).

Anúncios de salvação, no futuro (41,17-20; 42,14-17; 43,16,21).

b) Controvérsias ou polêmicas. O 2º Is procura se defender de acusações não claras.

“Os que esperam no Senhor renovam as suas forças (40,12-17.21-24.27-31; 46,5ss.

c) Discursos de tribunal. Julgamento junto ao portão

- Convocação ao tribunal (43,22ss)

- Fala diante do tribunal (44,6ss)

- Defesa de Javé (43,22-28)

- Confrontação entre Javé os povos com seus deuses (41,15.21-29; 43,8-13;

44,6-8).

d) Hinos escatológicos. Convocam todo mundo ao louvor pela salvação de Deus que já

se antecipa na história (42,10-13; 44,23; 45,8; 48,20s; 52,9s).

Estrutura99

Talvez haja, no livro do 2º Is, muitos pequenos oráculos independentes. Discute-se se o

2º Is era pregador ou escritor. Não se sabe se ele dispôs seu material desta forma, ou se seus

discípulos assim o fizeram mais tarde.

A – Prólogo (40,1-11) = Palavra de Deus e Novo Êxodo

B – A libertação da Babilônia e polêmicas contra os deuses (40,12-48,22)

a) 40,1-44,23 –28 – o hino como limite

b) 45,1-48,20-22 – o hino é o limite

C – Restauração e glorificação de Jerusalém (49-55)

a) 49,1-52,7-10 - o hino como limite

b) 53,1-55,12-13 – o hino como limite

D – Epílogo (55,6-13) = Palavra de Deus e Novo Êxodo

4.2.4 - Temas

1º - Consolação (40,1-11; 43,1-7).

Is consola os deportados, dizendo que seus pecados foram perdoados (40,2). Devem

abrir novos caminhos (40,3). Javé resgatou seu povo (43,1). Agora Javé será seu único Deus.

2º - Perdão dos Pecados (43,22-44,5)

A deportação foi castigo pela idolatria de Israel, mas Javé já perdoou tudo. Tal atitude

de perdão desmistifica a ideologia dominante, para a qual a deportação não passava do destino.

Era, também novo ânimo para os deportados que já estavam no Exílio há 50 anos.

98 SCHMIDT, W. Op. cit. p. 246ss, cf. também GOTTWALD, N. Op. cit. p.459ss. 99 ALONSO SCHÖKEL, L. Op. cit. p.279s.

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3º - Retorno à Terra (40-45; 48,20; 49,12;52,11-12;55,12-13

A volta será a grande alegria. Até o deserto fará uma estrada para os deportados passa-

rem(55,12-13). Tudo no 2° Is inspira confiança. Tanto assim que Is 40-55 recebe o nome de

LIVRO DA CONSOLAÇÃO DE ISRAEL

Por que o 2°Is podia ser tão otimista?

- O profeta é um homem com profunda experiência de Deus;

- Ciro, rei da Pérsia já faz sentir suas pretensões de invadir a Babilônia;

- A Babilônia está declinando.

4º - Quatro Cânticos do Servo de Javé (42,1-4; 49,1-6; 50,4-9 e 52,13-53,12).

O 2º Is usa 21 vezes o termo ebed = servo. Estes títulos se referem ao povo de

Deus100

. Mas há raras exceções onde o servo se contrapõe ao povo (49,5-6 e 53,8). O servo é

modelo de paciência e de fidelidade. Isto difere do povo exilado. O 2°Is não fala do Novo Davi

(messiânico), mas também tem seu personagem messiânico: O Servo de Javé. Quem seria este

Servo Javé? Uma hipótese: Os quatro cânticos vêem no servo derrotado um sinal de vitória.

Seriam, os cânticos do Servo de Javé uma nova mentalidade que induz os deportados a não

verem sua sorte como uma derrota? Israel é sofredor, exilado sim, mas não derrotado? Em ou-

tras palavras, apesar da grande deportação, apesar da escravidão e do desespero, o povo deve se

reanimar, pois que, como o Servo arrasado, haverá de reconquistar a liberdade.

"Eis que meu Servo há de prosperar, ele se elevará, será exaltado, será posto nas alturas. Exatamente co-

mo multidões ficaram pasmadas à vista dele - tão desfigurado estava o seu aspecto e a sua forma não pa-

recia a de um homem - assim agora nações numerosas ficarão estupefatas a seu respeito, reis permanece-

rão silenciosos, ao verem coisas que não lhes haviam sido contadas e ao tomarem consciência de coisas

que não tinham ouvido" (Is 52,13-15).

Está, aqui, ao que parece, uma verdadeira imagem de Israel deportado, mas com espe-

rança de vir a se tornar novamente uma grande nação sob a proteção de Javé.

“A figura do „Servo‟ na tradição bíblica, indica aquele indivíduo ou grupo de pessoas que servem a Javé,

o Deus da vida. É o justo identificado com o Filho de Deus! Sofre porque na solidariedade com os ir-

mãos assume sobre si o sofrimento causado pela infidelidade à aliança com Javé (cf. Is 53,4-5)”101.

O Servo é o povo (41,8-9; 42,18-20; 43,10, etc.). É o povo desfigurado sem as mínimas

condições humanas, sem graça, sem beleza. Desprezado como leproso. Mas é por meio deste

servo desprezado que se volta à justiça.

4.2.5 – Conclusão

O 2º Is é um profeta-poeta situado no fim do exílio da Babilônia, que assumiu a missão

de consolar o povo apontando para a iminente volta do povo para sua pátria. Ele mostra o cari-

nho de Deus para com os exilados. Sua missão não é tanto de denúncias de pecado, mas antes,

de encorajamento.

100 Idem, p. 277. 101 TUA Palavra é vida. Vol 3. p.173.

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V – PROFETAS DO PÓS-EXILIO

0 - Introdução

Em 550 a.C., Ciro se torna chefe do exército Medo-persa e começa a expansão de fron-

teiras. Seu império se alonga da Índia à Grécia. Engole grande parte do Império da Babilônia.

Em 539 a.C. a Palestina cai no domínio persa.

Os persas, uma vez no poder, adotam outra política do que os babilônios. Não impõem

sua religião aos dominados. Cada povo sob seu jugo pode cultivar sua religião e cultura, po-

rém, fica proibida qualquer organização política.

Os judeus exilados na Babilônia (598 a. C.) puderam retornar ao seu país em 538a.C.

(Esd 1). Nesta ocasião a Judéia se torna parte da Samaria. Tinha sua relativa liberdade, mas

anualmente pagava tributo à Pérsia.

5.1 - O retorno

Em 537 a.C. Sassabassar conduz a primeira leva de exilados de volta para a Judéia (Esd

1). Sua primeira tarefa foi retomar o culto e iniciar a reconstrução do templo, isto é, o segundo

templo (Esd 2-3).

Este grupo de repatriados encontra dificuldades, pois os samaritanos querem impedir a

reconstrução, vendo nisto uma reorganização política (Esd 4-5). Só em 520 a.C. Zorobabel

consegue, do rei Dario I, licença para continuar a obra (Esd 6-12). Aqui se situam os profetas

Ageu e Zacarias (520 a.C.). A consagração do novo templo se dá em 515 (Esd 6,19ss). Em 448

a.C. volta uma 2º leva de exilados. Uma de suas tarefas é reconstruir as muralhas de Jerusalém

(Esd 4,8-20). Também estes são bloqueados pelos samaritanos.

Em 445 Neemias vai a Jerusalém para continuar as obras (Ne 1-2). Neemias é nomeado

governador da Judéia (Ne 5,14). Em 428 chega o sacerdote Esdras com muitos judeus e junto

com levitas promulga a lei que regerá a comunidade judaica. Assim começa o judaísmo. Os

samaritanos querem participar, mas os judeus se fecham num exclusivismo fanático.

Nesta época se tem vasta produção literária:

HC: História do cronista, 1-2 Cr, Esd e Ne

Pentateuco: revisão e redação final

Tb, Jn, Rt, 3º Is, Ag, Zc, Jl, Jó, Pv 1-9, Ct.

2 - Propostas de reconstrução

Com a política persa, muitos exilados querem reconstruir sua pátria. Porém, em con-

fronto com os remanescentes, surgem as diversos projetos de reconstrução.

2.1 - Ageu e Zorobabel (Ag 1-2; Zc 4,6-10)

Em 520m volta um número de exilados sob o comando de Zorobabel (descendente de

Davi), portanto, herdeiro da promessa (2Sm 7). Assim sendo, reacenderam as esperanças de

reimplantar a monarquia. Zorobabel chefiou a reconstrução do templo (Esd 3,5). Nesta linha

estão: Ag 1-2; Zc 4,6-10; 6,9-15. Ageu e Zorobabel querem o retorno da monarquia pré-exílica,

davídica.

Em 515, por ocasião da inauguração do templo, não se menciona mais Zorobabel, nem

Ageu (Esd 6,15-22). Provavelmente eles estejam exilados.

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Duas idéias primam em Ageu: O templo 1,1-2,19 e Zorobabel como novo rei 2,20-23.

Estas mesmas idéias se encontram em Zacarias: Zorobabel, novo rei Zc 4,6-10 . Mais tarde

quando Zorobabel morre, Josué, sacerdote, abarca o poder civil.

Os pontos-chave deste projeto são: Reconstrução do templo e reimplantação da mo-

narquia davídica (Zorobabel é descendente de Davi - 1Cr 3,17-19 e Josué é descendente do

sumo sacerdote - Esd 3,2). Este projeto pode ser chamado de Sacerdotal-monárquico.

2.2 - Zacarias e Josué (Zc 3,1-9; 6,9-15; Esd 6,15-18)

O projeto encabeçado por Zacarias e Josué é a continuação do projeto anterior. Porém,

com o fracasso da monarquia (desaparecimento de Zorobabel), põe o poder na mão dos sacer-

dotes (Zc 6,9-15. Assim, a religião se torna o centro e o poder do povo. Está colocada a ori-

gem dos saduceus: a nobreza sacerdotal que assume o poder político. Assim o judaísmo se tor-

na excludente (6,21).

2.3 - O terceiro Isaías (Is 56-66).

Os capítulos acima mencionados são a obra de um grupo de seguidores de Isaías, que

insiste num projeto alternativo de reconstrução. Não quer apenas reconstruir o templo, mas

quer nova realidade, isto é, novo céu e nova terra (Is 65). O 3º Is não quer voltar aos tempos

davídicos (monarquia). Quer voltar aos princípios como nos tempos dos juizes (tribalismo). Ou

seja, quando se vivia a Aliança (Ex 22,20-27; Dt 10,14-22). Ele sonha com nova realidade: a

restauração total 60-62 (62,2-9). Esta nova realidade passa pela justiça ao pobre e pela verda-

deira prática religiosa. Ele denuncia:

- A injustiça dos chefes (56,9-12);

- A injustiça do povo (57,14-21);

- Falta de justiça e direito (59,1-21 - dest. v.9);

- Idolatria (57,3-10);

- Culto maldoso (66,3-4);

- Jejum sem justiça (58,1-12).

Destacar: os estrangeiros e excluídos terão parte (56);

Novo céu e nova terra (65,17-25).

Obs.: Os chefes do culto e do templo praticavam a opressão e matavam. Havia luta

entre os diversos grupos de sacerdotes. Com a reforma deuteronomista os sacerdotes do interi-

or perdem sua função. No exílio muitos sacerdotes foram mortos. Entre os remanescentes só

havia alguns sacerdotes interioranos e nortistas. Ao retornar do exílio, travam-se lutas pela he-

gemonia. Um grupo vence e relega os demais ao segundo plano. Os vencedores foram os aaro-

nitas ou sadocitas, que a partir de então assumem o sacerdócio de forma hegemônica, deixando

para os perdedores, os levitas, apenas um papel de auxiliares (sacristães). O 3º Is pode ser um

membro dos levitas.

“É provável, portanto, que as vozes proféticas/sacerdotais, que falam em Is 56-66, sejam patrocinadoras

de exercício mais amplamente compartilhado (ou alternativo?) do cargo sacerdotal por líderes religiosos

eticamente honestos e comunalmente responsáveis, apoiados pelo mesmo calibre de líderes políticos

(GOTTWALD, 473).

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Os aaronitas, por serem vencedores, corromperam-se com o poder persa. O 3º Is chega

a superar o templo (65,17-25; 66,1-4). O 3º Is quer englobar os judeus do exílio, os remanes-

centes, os de Judá e de Benjamin. Este projeto pode ser chamado de Profético.

2.4 - Rute

Continuação do anterior. Propõe o direito aos pobres: terra, trabalho, pão. Aceita os

estrangeiros, é da periferia (Belém). Não fala das genealogias como Esdras e Neemias. Vem

dos camponeses e do sistema clânico, ou seja, o clã que reage contra a nova organização.

2.5 - Neemias (Ne 5)

Neemias é nomeado governador da Judéia (5,14). Quer reconstruir a comunidade divi-

dida entre ricos e pobres (5,1-19). Enfrenta oposição externa, da Samaria (2,10.19; 3,33), bem

como oposição interna dos ricos (6,17-19).

Neemias se baseia na antiga lei (Dt 15,1-11; Lv 25) assim quer que também agora de-

volvam tudo aos pobres (5,11; 10,31-32). Ne 5 tem semlhança com 1Sm 8,10ss.

O que se deve notar é que o agente principal deste projeto é o povo, sobretudo as mu-

lheres (5,1ss). Neemias, o governador, é o executor. Ele é induzido a fazer reforma (5,6). Este

projeto pode ser chamado de popular.

2.6 - Esdras (Esd 9-10; Ne 10;13 - Matrimônios mistos).

Esdras é sacerdote e doutor da lei (7,1ss). Quer reconstruir Judá com base na observân-

cia da Lei e do culto (7-8). Nesta tarefa expulsa as mulheres estrangeiras com seus filhos (Esd

9-10). Quer a estrita observância da Lei (Ne 8,1-8).

Esdras deu identidade ao povo, mas meteu o povo num isolamento, separando-o dos

outros povos (Ne 9,1-2; 10,29), criando assim a raiz do farisaísmo.

“Os critérios de seleção: a raça, o culto, a observância da Lei, a canonização das Escri-

turas acabaram por determinar que apenas uns poucos eleitos, os puros, estavam cre-

denciados para o encontro com Deus no recinto do templo”102

.

Este projeto é misto de popular e de elite sacerdotal e do templo.

3 - Conclusão

Pode-se dividir tudo em dois caminhos:

3.1 - Ageu, Zorobabel, Zacarias, Josué, Neemias e Esdras.

Eles representam a elite. Fincam pé no templo e no país (cf Jo 11,49-50). Acentuam a

observância da Lei. Querem manter a Aliança em suas mãos. Cuidam de seus interesses, caem

no lagalismo sem justiça (Mt 23,1-4;Is 58,1-12).

102 TUA PALAVRA É VIDA, p.194.

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3.2 - 3º Isaías, Rute, Jó, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos.

Representam a resistência popular. Acima da observância da Lei, buscam o pobre, a

mulher, a pessoa humana.

Ou ainda se pode classificar assim:

O que? Quem? Projeto

Pobres/periféricos 3º Is e Rt Volta ao clã, volta à justiça

Poderosos/reis/sacerdotes Zorobabel, Josué, Ag e Zc Volta ao culto no templo

Nível médio Esdras e Neemias Fidelidade à Lei e pureza das

raças.

A proposta de Esdras e Neemias prevaleceu até Jesus.