projeto gestÃo integrada e sustentÁvel dos … · 2015-05-18 · uma das características mais...

45
1 PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS RECURSOS HÍDRICOS TRANSFRONTEIRIÇOS NA BACIA DO RIO AMAZONAS, CONSIDERANDO A VARIABILIDADE E MUDANÇA CLIMÁTICA OTCA/GEF/PNUMA Subprojeto II.1 Investigação dirigida sobre a compreensão da base de recursos naturais da bacia do Rio Amazonas Atividade II.1.1 Melhorar o conhecimento dos ecossistemas aquáticos amazônicos Atividade III.1.1 Manejo de ecossistemas aquáticos em hotspots Foto: Roberto E. Reis Relatório Produto 4 Estudo consolidado e integrado dos trabalhos de campo com ênfase nos ecossistemas aquáticos e biodiversidade Brasília, Brasil Fundo Para o Meio Ambiente Mundial Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

Upload: vuongliem

Post on 09-Nov-2018

219 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

1

PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS

RECURSOS HÍDRICOS TRANSFRONTEIRIÇOS NA BACIA DO

RIO AMAZONAS, CONSIDERANDO A VARIABILIDADE E

MUDANÇA CLIMÁTICA

OTCA/GEF/PNUMA

Subprojeto II.1 Investigação dirigida sobre a compreensão da base de

recursos naturais da bacia do Rio Amazonas

Atividade II.1.1 Melhorar o conhecimento dos ecossistemas aquáticos

amazônicos

Atividade III.1.1 Manejo de ecossistemas aquáticos em hotspots

Foto: Roberto E. Reis

Relatório – Produto 4

Estudo consolidado e integrado dos trabalhos de campo com

ênfase nos ecossistemas aquáticos e biodiversidade

Brasília, Brasil

Fundo Para o Meio Ambiente Mundial

Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

Page 2: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

2

PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS

RECURSOS HÍDRICOS TRANSFRONTEIRIÇOS NA BACIA DO

RIO AMAZONAS, CONSIDERANDO A VARIABILIDADE E A

MUDANÇA CLIMÁTICA

OTCA/GEF/PNUMA

Subprojeto II.1 Investigação dirigida sobre a compreensão da base de

recursos naturais da bacia do Rio Amazonas

Atividade II.1.1 Melhorar o conhecimento dos ecossistemas aquáticos

amazônicos

Atividade III.1.1 Manejo de ecossistemas aquáticos em hotspots

Relatório – Produto 4

Estudo consolidado e integrado dos trabalhos de campo com

ênfase nos ecossistemas aquáticos e biodiversidade

Coordenador dos Componentes

Cleber J. R. Alho

Coordenação da Atividade

Norbert Fenzl

Consultor

Roberto E. Reis

Novembro/2013

Page 3: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

3

Ecossistemas Aquáticos e Biodiversidade

RESUMO EXECUTIVO

A bacia Amazônica está situada sobre um terreno de origem mista – uma grande área recente de

terras baixas no centro, duas grandes áreas periféricas de rochas ígneas cristalinas e

metamórficas Pré-Cambrianas, o Escudo Brasileiro e o Escudo das Guianas, e os Andes a oeste.

Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa altitude

média na crosta terrestre. Cerca de 50% da área total do continente situam-se abaixo de 250 m de

altitude. Uma consequência dessa baixa elevação é que porções significativas do continente

estiveram repetidamente expostas a transgressões e regressões marinhas ao longo do curso dos

últimos 120 milhões de anos, afetando drasticamente a extensão e distribuição dos hábitats

disponíveis para os peixes de água doce. A distribuição biogeográfica dos peixes amazônicos

está limitada por características ecológicas e de paisagem, como geomorfologia das bacias,

clima, tipos de hábitat, e química da água. A sazonalidade na Amazônia se refere à precipitação

pluviométrica e não a temperatura. A precipitação na Amazônia é, de maneira geral, muito

intensa, apesar de não ser homogeneamente distribuída no espaço e no tempo. A estação chuvosa

se estende por cerca de seis meses, com a maior parte da chuva em janeiro. Julho é geralmente o

meio da estação seca, na maior parte da Amazônia. A precipitação média anual situa-se entre 1,5

e 2,5m na bacia como um todo, com valores locais ultrapassando os 4m no noroeste da bacia, na

Colômbia, e ao norte da foz do rio Amazonas, no Amapá. Toda essa pluviosidade é a causa do

mais importante aspecto da sazonalidade dos rios Amazônicos, o regime de enchentes e secas.

As águas altas seguem a estação chuvosa, com as épocas locais de enchente dependendo de

fatores geográficos locais e posição na bacia.

A enorme diversidade de peixes Sul Americanos vive em uma série de diferentes hábitats

aquáticos, incluindo grandes rios, pequenos riachos, extensos banhados e áreas alagadas, lagos e

rios de altitude, lagoas costeiras, etc. Esses principais tipos de hábitats aquáticos são baseados

em altitude, gradiente, pluviosidade, temperatura, cobertura vegetal e tipo de solo. A química da

água impõe limites adicionais à distribuição e abundância dos peixes neotropicais, especialmente

na Amazônia. A principal característica regional e de paisagem que influencia a química da água

é a localização das cabeceiras (escudos, Andes, florestas baixas), a cobertura vegetal dominante

(floresta ou savana) e o tipo de solo (rochas ígneas antigas ou terreno sedimentar Andino). A

fauna de peixes da bacia Amazônica é a mais rica do mundo e estimativas conservativas sugerem

que existam cerca de 2.200 espécies conhecidas na bacia Amazônica. Esse número, entretanto, é

uma clara subestimativa, pois uma parcela significativa da biodiversidade está ainda por ser

descoberta e descrita. Essa enorme e diversa fauna de peixes de água doce é muito antiga e tem

origens históricas distintas.

As ameaças ambientais aos ecossistemas aquáticos e à ictiofauna detectadas nos estudos

de campo nos três hotspots designados e com base na literatura publicada estão sintetizadas nos

seguintes elementos:

Alteração e perda de hábitats de peixes devido ao desmatamento da vegetação ripária

As medidas mitigadoras para esta ameaça ambiental compreendem:

Monitoramento e controle de desmatamentos da vegetação ripária, inclusive em

cumprimento à legislação de vários países membro da OTCA;

Conscientização dos produtores rurais sobre a faixa mínima de vegetação ripária;

Criação de mecanismos participativos de fiscalização (cooperação das comunidades de

pescadores com os órgãos ambientais).

Page 4: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

4

Efeito da diminuição da vazão dos rios devido ao desmatamento das áreas de nascentes

As medidas mitigadoras para esta ameaça ambiental compreendem:

Monitoramento e controle de desmatamentos extensivo em todas as áreas da bacia

Amazônica, em especial a sua metade sul no Brasil;

Conscientização dos governos dos países membros da OTCA da importância da

manutenção das florestas ainda existentes para a sobrevivência do ecossistema;

Criação de mecanismos participativos de fiscalização (cooperação das comunidades de

pescadores com os órgãos ambientais).

Efeito de contaminantes ambientais na qualidade da água

As medidas mitigadoras para esta ameaça ambiental compreendem:

Monitoramento e controle do uso extensivo e indiscriminado de fertilizantes e pesticidas

em todas as áreas da bacia Amazônica, em especial a sua metade sul no Brasil;

Conscientização dos governos dos países membros da OTCA da importância da melhoria

das condições de saneamento das capitais e dos principais núcleos urbanos, mediante a

ampliação ou a implementação de sistemas de tratamento de esgotos domésticos, além de

sistemas para tratamento de efluentes industriais e de disposição final de resíduos sólidos

Proibição do uso de mercúrio para separação do ouro nos garimpos;

Desenvolvimento de pesquisa para encontrar forma alternativa de separação do ouro;

Fiscalização sobre venda e utilização de mercúrio;

Conscientização de garimpeiros sobre os malefícios do mercúrio para a saúde e ambiente.

Efeito de reservatórios de hidrelétricas na diversidade e comunidades de peixes

As medidas mitigadoras para esta ameaça ambiental compreendem:

Conscientização dos governos dos países membros da OTCA da importância da

construção de sistemas de passagens para peixes (escadas, canais, elevadores) em

hidrelétricas novas e existentes;

Planejamento de longos espaços livres de rio entre as UHEs em sequência em um mesmo

rio;

Desenvolvimento de pesquisa para proposição de ações na operação das UHEs com a

finalidade de reduzir a variação do nível do rio a jusante durante a estação reprodutiva

dos peixes.

Efeito de obras de infraestrutura na diversidade e comunidades de peixes

As medidas mitigadoras para esta ameaça ambiental compreendem:

Planejamento de longos espaços livres de rio entre as UHEs em sequência em um mesmo

rio;

Desenvolvimento de pesquisa para proposição de ações na operação das UHEs com a

finalidade de reduzir a variação do nível do rio a jusante durante a estação reprodutiva

dos peixes.

Desenvolvimento de pesquisa para utilização mais eficiente de outras formas de geração

de energia elétrica.

Reforçar a necessidade da efetiva implementação da legislação ambiental Brasileira

relativa ao Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e ao Relatório de Impacto ao Meio

Ambiente (RIMA) nos empreendimentos altamente impactante, que determinam

mitigação de impactos e compensação por perdas ambientais.

Page 5: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

5

Pressão predatória sobre quelônios e outras espécies de hábitos aquáticos

As medidas mitigadoras para esta ameaça ambiental compreendem:

Elaboração de programas de educação ambiental para a conscientização da população de

ribeirinhos sobre a importância das tartarugas e outros animais no ecossistema.

Incrementar os programas existentes de proteção aos quelônios na época da desova e de

cultivo controlado, a exemplo do que já ocorre em algumas praias do rio Negro e outros

locais na Amazônia.

Estabelecer novos programas de cultivo e uso sustentável de recursos naturais com a

tartaruga-da-Amazônia.

Ampliação da fiscalização por parte do IBAMA e de agências estaduais sobre a caça e

comercialização de quelônios e mamíferos aquáticos.

Efeitos das mudanças climáticas sobre os ambientes aquáticos

As medidas mitigadoras para esta ameaça ambiental compreendem:

Conscientização dos governos dos países membros da OTCA sobre importância da

floresta e de sua manutenção, como um regulador do clima;

Estudos sobre programas de reflorestamento e recuperação de áreas degradas, com a

finalidade de diminuir a exposição do solo;

Desenvolvimento de programas de educação ambiental e de conscientização sobre as

mudanças climáticas e de como elas afetam a biodiversidade, em especial a

biodiversidade aquática.

Diminuição mundial das emissões de gás carbônico.

Page 6: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

6

SUMÁRIO

RESUMO EXECUTIVO

I - A BACIA AMAZÔNICA, ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS E ICTIOFAUNA

Descrição física da bacia

Os peixes da bacia Amazônica

II. A BACIA DO RIO XINGU

A bacia hidrográfica

A fauna de peixes do Xingu

III. O HOTSPOT DO ALTO RIO XINGU

A floresta do alto Xingu

Fazendas na área visitada

Pousadas de pesca

Ambientes aquáticos visitados

As ameaças aos peixes e ambientes aquáticos

IV. A BACIA DO RIO TOCANTINS

A bacia hidrográfica.

Hábitats aquáticos

A fauna de peixes do rio Tocantins

V. O HOTSPOT DO BAIXO RIO TOCANTINS

A floresta do rio Tocantins

A Usina Hidrelétrica de Tucuruí

Mercados e áreas de desembarques de pescado visitados.

No reservatório da UHE Tucuruí

A jusante do reservatório da UHE Tucuruí

Colônias de pescadores visitadas

Ambientes aquáticos visitados

As ameaças aos peixes e ambientes aquáticos

VI. A BACIA DO RIO NEGRO

A bacia hidrográfica

Page 7: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

7

Hábitats aquáticos

A fauna de peixes

VII. O HOTSPOT DO MÉDIO RIO NEGRO

A floresta do médio rio Negro

Comunidades ribeirinhas visitadas

Ambientes aquáticos visitados

Áreas de pesca visitadas

Principais entrevistas

As ameaças aos peixes e ambientes aquáticos

VIII. AÇÕES PROPOSTAS PARA CONSERVAÇÃO E MANEJO

LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando a área visitada com os principais pontos referidos no texto.

Figura 2. Os trechos de rio marcados com o track de GPS foram visitados de barco. O Rio Sete de Setembro

próximo à Canarana e o seu riacho afluente próximo à Água Boa foram visitados de carro.

Figura 3. Margem do rio Sete de Setembro mostrando o desmatamento até a beira do rio. As árvores mais altas são

testemunhos da dimensão que a mata primária possuía antes do desmatamento .

Figura 4. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando o rio Coluene imediatamente acima da área visitada.

Figura 5. Plantação de soja em fase de colheita junto à área de mineração de areia em riacho tributário do rio Sete

de setembro.

Figura 6. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando a área visitada no baixo Tocantins com os principais pontos

referidos no texto.

Figura 7. Vista parcial da represa da Usina Hidrelétrica de Tucuruí.

Figura 8. Vista parcial do Porto do Onze, local por nós visitado de desembarque de pescado do reservatório de

Tucuruí.

Figura 9. Vista interna do Porto de Novo de Jacundá, local por nós visitado de desembarque de pescado do

reservatório da UHE Tucuruí.

Figura 10. Vista parcial do mercado de peixes de Baião.

Figura 11. Local de pesca no rio Tocantins, a jusante da UHE Tucuruí.

Figura 12. Área de várzea no baixo rio Tocantins, alagada no período de cheia onde peixes desovam e utilizam

como berçário para juvenis.

Figura 13. Canal do rio Negro em frente à cidade de Barcelos, onde destaca-se a Igreja Matriz e o porto.

Figura 14. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando a área visitada no rio Negro e seus afluentes, destacando

os principais pontos referidos no texto.

Figura 15. Demonstração do uso do rapixé na área rasa do igapó, para coleta de peixe de aquário.

Figura 16. Demonstração do uso do cacuri na área rasa do igapó para captura de peixes da pesca para suprir

espécies de interesse do comércio da aquariofilia.

Page 8: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

8

I - A BACIA AMAZÔNICA, ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS E ICTIOFAUNA

Descrição física da bacia

A distribuição biogeográfica dos peixes amazônicos está limitada por características

ecológicas e de paisagem, como geomorfologia das bacias, clima, tipos de hábitat, e química da

água. Ainda, como em todo o planeta, cerca de 80% da superfície da Amazônia é drenada por

cursos d’água de primeira e segunda ordem. Riachos de primeira ordem são os menores

tributários de cabeceiras, e riachos de segunda ordem são formados pela confluência de riachos

de primeira ordem. Apenas uma pequena fração da superfície terrestre é ocupada por grandes

rios (8-12 ordem) e suas áreas de inundação associadas, que ocupam aproximadamente 8% da

área da bacia Amazônica. Ainda assim, essa superfície de áreas periodicamente inundadas do rio

Amazonas é da ordem de 250.000 km2. Nesta bacia, todas as dimensões são gigantescas. Quando

o comprimento total ou mesmo a área da bacia de drenagem são considerados, apenas dois rios

da América do Sul estão entre os dez maiores do mundo, o Amazonas e o Paraná. Entretanto, se

a descarga média dos rios é considerada, cinco rios Sul Americanos estão entre os dez maiores

do planeta – Amazonas, Orinoco, Madeira, Negro e Paraná, que juntos descarregam 393.000 m3

por segundo no oceano Atlântico. O rio Amazonas sozinho é de longe o mais volumoso do

mundo, com uma descarga de 219.000 m3 por segundo, à frente do Orinoco com 98.000 e do

Congo, na África, com 41.800 m3 por segundo (Reis, 2013).

Outra importante característica ecológica da bacia Amazônica é a sua posição sobre o

equador, estendendo-se cerca de 10º norte e 15º sul, com cerca de dois terços do total da bacia no

hemisfério sul. A sazonalidade na Amazônia se refere à precipitação pluviométrica e não a

temperatura. A precipitação na Amazônia é, de maneira geral, muito intensa, apesar de não ser

homogeneamente distribuída no espaço e no tempo. A estação chuvosa se estende por cerca de

seis meses, com a maior parte da chuva em janeiro. Julho é geralmente o meio da estação seca,

na maior parte da Amazônia. A precipitação média anual situa-se entre 1,5 e 2,5 m na bacia

como um todo, com valores locais ultrapassando os 4 m no noroeste da bacia, na Colômbia, e ao

norte da foz do rio Amazonas, no Amapá. Toda essa pluviosidade é a causa do mais importante

aspecto da sazonalidade dos rios Amazônicos, o regime de enchentes e secas. As águas altas

seguem a estação chuvosa, com as épocas locais de enchente dependendo de fatores geográficos

locais e posição na bacia (Goulding et al., 2003). Muitos rios das terras baixas amazônicas estão

em período de enchente por cerca de seis a sete meses por ano, com os tributários da margem sul

geralmente enchendo primeiro. Os tributários do Amazonas que drenam o Arco de Fitzcarraldo,

no Peru, e o Escudo Brasileiro (Madeira, Tapajós, Xingu, Araguaia e Tocantins) tem sua cheia

com a estação chuvosa, com o pico entre março e abril. O Negro e o Branco tem seu período de

águas mais altas em junho e julho. No oeste da bacia as águas mais altas são em março e abril, e

se propagam para baixo, de tal maneira que o pico das águas altas chegam a Manaus e Santarém

em junho e julho. O período de águas mais baixas geralmente ocorre quatro a seis meses mais

tarde. O nível da água ao longo da bacia Amazônica varia enormemente, com o nível anual em

Tefé, na Amazônia central, variando cerca de 10m entre a cheia e a seca, chegando a mais de

13m no médio Madeira e médio Purus. O período de águas baixas dura de agosto a dezembro na

maior parte da bacia Amazônica, apesar de que as enchentes podem durar até setembro em

alguns tributários da margem norte (Goulding et al., 2003).

Page 9: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

9

Os peixes da bacia Amazônica

A fauna de peixes da bacia Amazônica é a mais rica do mundo e rivaliza em diversidade com

peixes marinhos de recifes coralinos. Estimativas conservativas sugerem que existam cerca de

2.200 espécies descritas de peixes na bacia Amazônica (Albert & Reis, 2011b). Esse número,

entretanto, é uma clara subestimativa, pois uma parcela significativa da biodiversidade está ainda

por ser descoberta e descrita. De acordo com Reis (2013), a fauna de peixes de água doce da

América do Sul está estimada em mais de 4.000 espécies. Quando toda a região Neotropical é

considerada – incluindo também a América Central ao sul do istmo de Tahuantepec, no México

– o número de espécies de peixes sobe para mais de 5.000, representando quase 10% de todos os

vertebrados conhecidos (Lundberg et al. 2000).

A seguir, apresenta-se uma interessante ilustração do atual ritmo de descoberta e

descrição de novas espécies de peixes, para ilustrar essa grande diversidade de espécies. O Check

List of the Freshwater Fishes of South and Central America – CLOFFSCA (Reis et al., 2003)

listou 4.475 espécies válidas de peixes e estimou a existência de 1.550 espécies adicionais, ainda

não descritas, com base na experiência dos autores, conjecturas e conhecimento sobre pesquisas

em andamento, elevando o número estimado de espécies existentes na região Neotropical para

6.025. Nos nove anos decorridos desde a publicação do CLOFFSCA, cerca de 900 novas

espécies de peixes de água doce foram descritas para a região, perfazendo uma média de uma

nova espécie descrita a cada 3,5 dias, e assim elevando o número de espécies conhecidas para

cerca de 5.400 em 2012. Mantido este ritmo de descrição de novas espécies, a estimativa de

6.025 espécies do CLOFFSCA será atingida em seis anos. Como a curva de acumulação de

descrição de novas espécies está claramente ascendente e não se aproxima de uma assintótica,

pode-se esperar que o número final de peixes de água doce da região Neotropical possa exceder a

estimativa de Schaefer (1998) de 8.000 espécies!

Aplicando-se a mesma estimativa de aumento para a fauna de peixes de água doce apenas

da bacia Amazônica, conclui-se que é possível que o bioma possa exceder 3.200 espécies!

Surpreendentemente, essa estimativa de que cerca de 30% da fauna de peixes de água doce da

América do Sul ainda estão por ser descritas, não é novidade. Há 35 anos, um clássico artigo de

Bohlke et al. (1978) estimou o número de peixes de água doce da América do Sul e chegou a

mesma avaliação de que 30% das espécies ainda estavam por ser descritas. O período decorrido

desde a avaliação de Bohlke et al. testemunhou um número sem precedentes de espécies de

peixes sendo descritas da América do Sul. Ainda assim, 35 anos depois continuamos com a

mesma estimativa da percentagem de espécies que ainda não foram descritas. Os fatores que

explicam o aumento na taxa de descobertas de novas espécies de peixes na América do Sul

foram listados por Ferraris & Reis (2005) referindo-se aos bagres (Siluriformes), mas aplicam-se

igualmente a todos os grupos de peixes: o aumento no número de taxonomistas de peixes, a

exploração mais intensa dos ambientes aquáticos do continente e mudanças no conceito de

espécie, que tendem cada vez mais a discriminar mais finamente as populações.

Essa enorme e diversa fauna de peixes de água doce é muito antiga e tem origens

históricas distintas (Albert et al., 2011). Os ancestrais marinhos da maioria dos pequenos grupos

de peixes invadiram as águas doces do continente Sul Americano e diversificaram durante o

Paleogeno, principalmente Oligoceno e Mioceno. Os grandes grupos, entretanto, como os

Page 10: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

10

Cichlidae e Ostariophysii, estiveram isolados no continente desde o final da separação do

Gondwana, no Cretáceo, aproximadamente a 100 milhões de anos.

II. A BACIA DO RIO XINGU

A bacia hidrográfica

O rio Xingu é um dos principais tributários da bacia Amazônica e drena o Escudo Brasileiro,

juntamente com o Tocantins, Araguaia, Tapajós e parte do rio Madeira. A bacia do rio Xingu

compõe a Ecorregião Aquática 322 do mapa das ecorregiões de água doce do mundo de Abell et

al. (2008), que é limitada ao norte pela área de Belo Monte, na zona de contato entre a bacia

sedimentar Amazônica e o Escudo Brasileiro, a leste e ao sul pelo divisor de águas com a bacia

do rio Araguaia, ao longo da Serra do Roncador, Serra dos Gradaús e Serra dos Carajas, e a oeste

pelo divisor de águas com a bacia do rio Tapajós, ao longo da Serra Formosa e Serra do

Cachimbo. A elevação ao longo da bacia é muito lenta na maior parte da bacia, com um aumento

da cota em relação ao nível do mar de cerca de 150 metros ao longo da Volta Grande, entre Belo

Monte e Altamira e mais 150 metros entre Altamira e a confluência dos rios Sete de Setembro e

Coluene, já em sua parte alta, área visitada neste estudo. As suas cabeceiras mais altas nascem no

Planalto de Mato Grosso, a mais de 800 metros de altitude. Na maior parte de seu percurso o rio

Xingu corre sobre terrenos cristalinos de granito e também calcário, o que lhe confere uma

quantidade de sedimentos carreados muito baixa e alta transparência. O clima nesta ecorregião é

tropical, com precipitação média anual entre 1.485 e 2.547 mm e com estação de cheia entre

novembro e abril e com temperatura do ar média entre 21,6 e 26,5ºC.

O rio Xingu é a quarta maior bacia hidrográfica da Amazônia (cerca de 7% em área) e

um dos maiores rio de águas claras que drena os planaltos cristalinos e planícies sedimentares do

Escudo Brasileiro, sendo responsável por cerca de 5% da vazão do rio Amazonas. A

transparência de suas águas esverdeadas (por causa de florações de fitoplancton) varia de 0,6 a 4

metros, com pH entre 4,5 e 7,8. O nível da água começa a subir em setembro ou início de

outubro, atingindo o pico da cheia entre março e abril. A média anual de flutuação do nível do

rio é entre dois e cinco metros. Por causa da baixa carga de sedimentos, o rio é bastante largo na

ria, assemelhando-se a um lago. Marés oceânicas ocorrem até cerca de 100 km acima da sua foz,

a qual se encontra a cerca de 420 km do oceano Atlântico. A parte superior da bacia do rio

Xingu, ao sul do paralelo de 10ºS, que coincide aproximadamente com a divisa Pará-Mato

Grosso, situa-se em uma depressão caracterizada por extensas áreas úmidas que são

periodicamente alagadas. Essa área contém lagos, banhados, florestas sazonalmente alagadas e

savanas. Comparando-se com a parte baixa da bacia, onde o nível de nutrientes é baixo, a parte

superior da bacia é mais rica em nutrientes, suportando maior diversidade de vegetação aquática,

moluscos e outros invertebrados. Cataratas e corredeiras ocorrem principalmente na parte baixa e

nos tributários do rio Xingu, notadamente as cataratas da Serra do Cachimbo e as corredeiras da

Volta Grande, que agem como barreiras para a fauna aquática entre a Amazônia central e o

Xingu superior (Hales & Petry, 2013).

A fauna de peixes do Xingu

A bacia do rio Xingu está dentro da região ictiogeográfica Guyano-Amazônica, e mais

especificamente na província ictiogeográfica Amazônica (Gery, 1969; Ringuelet, 1975). Esta

bacia contém um grupo de espécies diverso e único da porção leste do escudo Brasileiro (Hales

& Petry, 2013). Em um estudo recente sobre a ictiofauna dos rios Xingu e Tapajós, Buckup et al.

Page 11: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

11

(2011) coletaram 288 espécies de peixes de pequeno porte no rio Xingu, 128 das quais foram

exclusivas dessa bacia. Essas espécies se distribuíram entre uma espécie de Condrichthyes

(Rajiformes) e 11 ordens da Actinopterygii, das quais os Characiformes representaram cerca de

50% das espécies, seguidos pelos Siluriformes com cerca de 32%, dos Perciformes com cerca de

10% das espécies, entre outras. Ainda, pelo menos dois gêneros de peixes de água doce são

endêmicos da bacia do rio Xingu (Ossubtus e Phallobrycon). Um achado muito positivo nesse

estudo é que nenhuma espécie exótica foi capturada na bacia do Xingu. Considerando as

espécies de médio e grande porte não levantadas e as demais espécies pequenas não amostradas

naquele estudo, estima-se uma riqueza aproximada de 500 espécies para a bacia do rio Xingu.

Ao final deste relatório estão listadas e ilustradas as 25 espécies mais importantes da pesca

esportiva no rio Xingu.

III. O HOTSPOT DO ALTO RIO XINGU

Durante a viagem a campo para o alto rio Xingu priorizou-se a estratégia de inspeção ambiental

direta, através de deslocamento por barco e automóvel. A equipe ficou hospedada na Pousada

Nascente do Xingu, na beira do rio Xingu no município de Canarana, Mato Grosso. A partir

dessa pousada diversas excursões em barco rápido (voadeira) foram empreendidas a diferentes

ecossistemas aquáticos. Entrevistas com lideranças de pescadores e entidades representativas de

pescadores, como Colônias de Pesca, foram efetuadas no sentido de conferir proximidade do

diagnóstico e das ações propostas neste estudo. Ambientes visitados situavam-se nos rios

Coluene e Sete de Setembro, próximas a nascente do rio Xingu, formado pela confluência dos

dois rios acima, e no rio Coronel Vanick, um afluente do rio Sete de Setembro (Fig. 1). A área

das nascentes do rio Sete de Setembro, escolhida para representar da região de nascentes do rio

Xingu, foi inspecionada por terra, em veículo apropriado, e comparada com as demais nascentes

do rio Xingu através de imagens de satélite (Fig. 2). Todo o trabalho foi registrado

fotograficamente e as áreas visitadas nos rios foram georeferenciadas através de GPS.

Page 12: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

12

Figura 1. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando a área visitada com os principais pontos referidos no texto.

Note a Reserva Indígena do Alto Xingu no canto superior esquerdo. Os trechos de rio marcados com o track de GPS

foram visitados de barco.

A floresta do alto Xingu. A região do alto Xingu representa uma zona de transição entre a

Floresta Amazônica típica e o Cerrado do Planalto Central, com uma composição florística

própria. À medida que a floresta amazônica vai avançando para o sul, sua fisionomia também vai

se modificando, por causa do clima estacional sob o qual essa formação encontra-se hoje. Por

isso, apesar de tratar-se de Floresta Estacional, é distinta florística e fisionomicamente da

Floresta Estacional Semidecidual ou Decidual, com a qual ainda mantém algum contato por

meio das florestas de galeria. Por este motivo, Ivanauskas et al. (2008) sugeriu a denominação de

Floresta Estacional Perenifólia para o tipo vegetacional do alto Xingu. Assim, sob o ponto de

vista fitogeográfico, a floresta do alto Xingu é considerada Amazônica, mas do ponto de vista

morfoclimático é uma área de transição para o domínio do Cerrado.

A área visitada situa-se exatamente sobre a fronteira do desmatamento no município de

Canarana. A inspeção de imagens de satélite mostra que uma grande parte das florestas do alto

Xingu já foi retirada para abrir espaço para a pecuária e, mais recentemente, para a agricultura

extensiva (Fig. 3).

Page 13: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

13

Figura 2. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando a área visitada com os principais pontos referidos no texto.

Note a bacia do rio Araguaia no canto inferior direito e a Reserva Indígena do Alto Xingu no canto superior

esquerdo. Os trechos de rio marcados com o track de GPS foram visitados de barco. O Rio Sete de Setembro

próximo à Canarana e o seu riacho afluente próximo à Água Boa foram visitados de carro.

Fazendas na área visitada. Durante a inspeção da área, algumas fazendas de criação de gado e

de plantação de soja foram visitadas. Nessas visitas os proprietários e/ou funcionários das

fazendas foram entrevistados sobre as suas práticas de agricultura e pecuária, sobre

desmatamento da região e sobre a sua percepção do declínio da quantidade de peixes nos rios e

suas possíveis causas. Todos os fazendeiros e outros trabalhadores entrevistados tendem a

atribuir à pesca esportiva indiscriminada a responsabilidade pela diminuição da quantidade de

peixes. De modo geral, apesar de reconhecerem que defensivos agrícolas e fertilizantes podem

ser prejudiciais aos peixes, não reconhecem o desmatamento como um importante impacto aos

ambientes aquáticos. Essa falta de entendimento da importância da floresta para os ambientes

aquáticos está claramente expressa na mínima faixa de floresta ripária mantida na beira dos rios

em várias áreas inspecionadas (Fig. 3).

Page 14: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

14

Figura 3. Margem do rio Sete de Setembro mostrando o desmatamento até a beira do rio. As árvores mais altas são

testemunhos da dimensão que a mata primária possuía antes do desmatamento. Foto: Roberto Reis.

Pousadas de pesca. Durante as excursões de barco no rio Sete de Setembro e, principalmente,

rio Culuene, cinco Pousadas de Pesca foram visitadas e seus proprietários e/ou funcionários

foram entrevistados. Algumas dessas pousadas são bastante bem aparelhadas, possuindo grande

número de barcos (mais de 20), e pista de pouso. Da mesma forma que nas fazendas, estes foram

questionados sobre suas práticas profissionais como guias e promotores de pesca esportiva,

pescadores, desmatamento da região e sobre a sua percepção do declínio da quantidade de peixes

nos rios e suas possíveis causas. Aqueles que vivem na região há muito tempo reconhecem um

drástico declínio na quantidade de peixes nos últimos 10-15 anos. Essa percepção não é tão clara

para os entrevistados que vivem a menos de 15 anos na região. Apesar do inicio do

desmatamento na região ser mais antigo, este era feito prioritariamente para criação de gado, que

não impacta tão severamente os ambientes aquáticos. No entanto, a partir de cerca da 15 anos

atrás muitas das fazendas de criação de gado iniciaram a trocar sua atividade principal para o

plantio de soja ou outros grãos como milho, sorgo, etc., o que introduziu no ambiente, de forma

sistemática e periódica, enormes cargas de defensivos agrícolas e fertilizantes de solo, além de

provocar o incremento do desmatamento e diminuição adicional da faixa de floresta ciliar ao

longo dos rios. Ao contrário dos fazendeiros, as pessoas envolvidas com a pesca esportiva

atribuem o declínio na quantidade de peixes às praticas agrícolas, mas também não veem o

desmatamento como um impacto sério para os ambientes aquáticos.

Page 15: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

15

Ambientes aquáticos visitados. A expedição às cabeceiras do rio Xingu foi conduzida durante a

estação de cheia, quando o rio está vários metros acima do nível normal. Os ambientes visitados

de barco foram rio de grande porte (Xingu), rios de médio porte (Sete de Setembro e Culuene), e

também rios pequenos, como o Coronel Vanick. Apesar dos rios estarem sobre o planalto, estes

são bastante convolutos e com muitos meandros, e possuem uma faixa de floresta inundável que

varia de um a cinco quilômetros de largura na parte baixa dos rios Culuene e Sete de Setembro, e

de quatro a oito quilômetros de largura no rio Xingu – semelhantes as áreas de terras baixas da

Amazônia central. Essa floresta é anualmente inundada pela cheia do rio e peixes e outros

organismos aquáticos deixam o leito do rio para se abrigar e alimentar na mata inundada. Nessa

mesma época ocorre a frutificação de um grande número de árvores de mata inundável,

fornecendo assim frutos e sementes como um valioso recurso energético para os peixes que deles

se alimentam. Além disso, uma grande quantidade e diversidade de invertebrados, especialmente

insetos, ocupam as florestas inundadas e são consumidos por numerosas espécies de peixe.

Além dos rios, vários lagos dos rios Coluene e Sete de Setembro foram visitados. Estes

lagos (oxbow lakes) são formados pela dinâmica de mudanças do curso do leito principal do rio

dentro da faixa de mata alagável (Fig. 4). Estes lagos são permanentes, sobrevivendo a estação

das águas baixas, e se constituem em áreas de refugio e criação de algumas espécies e área de

alimentação para outras.

Figura 4. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando o rio Coluene imediatamente acima da área visitada. Note

lagos (oxbow lakes) formados pelas mudanças do curso do leito principal do rio dentro da faixa de mata alagável. A

linha vermelha corresponde a 4 km.

Também foram visitadas as nascentes do rio Sete de Setembro, em áreas dos municípios

de Canarana e Água Boa. Cerca de 20 km a oeste da cidade de Canarana o rio Sete de Setembro

Page 16: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

16

apresenta um leito variando entre 30 e 60 metros de largura, com meandros dentro de uma área

de floresta inundável de 600-1.200 metros de largura. Mais acima, a oeste da cidade de Água

Boa, um riacho afluente do rio Sete de Setembro foi inspecionado. Esse riacho tem cerca de 20-

30 metros de largura, já não possui área de mata inundável e pouca mata ciliar foi mantida após o

desmatamento. Nesse riacho havia mineração de areia no leito e grandes montes de areia

estavam acumulados esperando compradores. Também, grandes lavouras de soja se localizavam

em todo o entorno desse e de outros mananciais na região (Fig. 5). Finalmente, foi inspecionado

um pequeno córrego de primeira ordem, da cabeceira do rio Sete de Setembro. Este córrego

estava parcialmente represado e, como todos na região, era cercado de lavouras de soja. Abaixo

do represamento, no entanto, sua água é corrente e aparentemente limpa, mas possivelmente

poluída com defensivos e fertilizantes agrícolas.

Figura 5. Plantação de soja em fase de colheita junto à área de mineração de areia em riacho tributário do rio Sete

de setembro. Foto: Roberto Reis.

As ameaças aos peixes e ambientes aquáticos. Diversas ameaças aos ambientes aquáticos e

peixes do rio Xingu foram identificadas nesta viagem. As ameaças podem ser classificadas em

diretas, como a pesca, coleta de peixes ornamentais, retirada de mata ripária e uso de defensivos

e fertilizantes agrícolas, com ação rápida diretamente sobre os peixes; e indiretas, como

Page 17: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

17

desmatamento extensivo, mineração no leito do rio, construção e operação de usinas hidrelétricas

e mudanças climáticas.

Pesca esportiva. A pesca esportiva é, de maneira geral, uma atividade de baixo impacto

nas comunidades de peixes, especialmente quando a prática de pescar-e-soltar é utilizada.

Na região do alto Xingu, entretanto, o número de pousadas especializadas em receber

pescadores esportivos e disponibilizar condições para pesca é muito grande. Em uma área

visitada de cerca de 50 km no baixo rio Coluene, por exemplo, existem pelo menos cinco

pousadas com capacidade para receber dezenas de pescadores e de levá-los para pescar

diariamente. Essas pousadas contam com acesso por estrada e por aviões pequenos e tem

até cerca de 20 barcos para piloto e dois pescadores. Relatos de pilotos de barcos de

pesca nessa área reportam varias dezenas de barcos pescando concomitantemente neste

trecho do rio na estação de seca. As quotas individuais de pesca, tanto para pescadores

comerciais como esportivos, tem sido sistematicamente diminuídas nos últimos anos.

Ainda assim, a retirada contínua de peixes pela pesca esportiva é um impacto

considerável para as populações locais. Ainda, uma consequência conhecida da pesca é a

diminuição do tamanho dos peixes. A pesca, especialmente a pesca esportiva,

seletivamente retira da população os exemplares grandes, fazendo com que os peixes

menores, mas já maduros, produzam a nova geração. Com o passar do tempo o tamanho

médio dos peixes da população sob efeito de pesca pode ser sensivelmente diminuído.

Coleta de peixes ornamentais. A coleta de peixes ornamentais no rio Xingu é bastante

importante economicamente, sustentando uma comunidade de pescadores que se

originaram do garimpo de ouro no leito do rio. Essa atividade, no entanto, está restrita ao

baixo Xingu e se concentra na região da Volta Grande, entre Altamira e Belo Monte.

Essa atividade é de baixo impacto para o ambiente aquático, mas tem efeito diretamente

nas populações de peixe pela retirada de indivíduos e representa uma ameaça por

produzir os mesmos efeitos que a pesca comum.

Retirada de mata ripária. Mata ciliar ou ripária é a vegetação que ocorre nas margens dos

rios. Essa mata é fundamental para o ambiente aquático e para os organismos que vivem

nos rios por três motivos principais. A integridade das margens é, em grande parte,

sustentada pela vegetação ripária. A sua retirada facilita o carreamento de terra e outros

sedimentos para o leito do rio pela chuva, causando o assoreamento do leito, com a

consequente diminuição da profundidade e da estruturação. Além disso, a mudança na

turbidez da água provoca alteração na penetração de luz e consequentemente na

produtividade primária do manancial. Ainda, altera as habilidades de percepção do meio

pelos peixes que se orientam visualmente para atividades reprodutivas, alimentares, etc.,

impactando a sua sobrevivência. Finalmente, diversas árvores da mata ciliar produzem

frutos e sementes que são utilizadas por diversos peixes para alimentação, especialmente

na época de cheia.

Fertilizantes de solo agrícolas. Diferentes tipos de solos precisam ser corrigidos para

adaptar-se a distintos cultivos agrícolas. Os típicos latossolos do Escudo Brasileiro na

região do alto Xingu são empobrecidos de nutrientes e necessitam de correção de pH e de

acréscimo de fertilizantes para o plantio da soja e outros grãos. A engenharia agrícola

obviamente procura minimizar o uso destes componentes a fim de diminuir o custo da

Page 18: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

18

produção. No entanto, parte destes corretivos e fertilizantes é carreada para os riachos e

daí para os rios, eutrofizando os mananciais e modificando a dinâmica da cadeia

alimentar dos organismos aquáticos.

Herbicidas, inseticidas e outros defensivos agrícolas. Da mesma forma que os

fertilizantes, diversos tipos de herbicidas e pesticidas são empregados nos cultivos de

soja, predominantes na região do alto Xingu. Estes produtos são usualmente aplicados

com aviões que jogam grandes quantidades sobre as lavouras. Uma vez aplicados, parte

acaba sendo carreada pela chuva para os rios causando diferentes tipos de

envenenamentos nos organismos aquáticos.

Desmatamento extensivo. O desmatamento extensivo provavelmente representa o mais

importante fator de impacto sobre os ambientes terrestres, com consequências igualmente

importantes para os ambientes aquáticos envolvidos. A retirada da floresta aumenta

drasticamente a evaporação da água do solo, causando a diminuição de fluxo ou mesmo

desaparecimento de nascentes, culminando com a diminuição da vazão dos rios. O

desmatamento também desagrega o solo que será parcialmente carreado pelas chuvas,

especialmente quando a faixa de mata ciliar remanescente for pequena.

Mineração de areia no leito dos rios. A demanda por areia para a construção civil tem

crescido dramaticamente na região do alto Xingu, uma vez que cidades estão crescendo e

se desenvolvendo com o dinheiro da soja que chegou recentemente à região. A mineração

de areia no leito do rio causa a completa destruição do leito e das margens localmente,

causando um impacto severo, porém pontual. As ameaças ao ambiente aquático e à fauna

aquática são severas, mas são, como mencionado, pontuais.

Construção e operação de usinas hidrelétricas. Represas hidrelétricas impactam as

populações de peixes de três maneiras. A transformação de um ambiente lótico em um

lago erradica ou reduz significativamente as populações das espécies reofílicas e ao

mesmo tempo fornece as condições para que as espécies lênticas proliferem, dessa forma

alterando a composição da comunidade local. Em uma escala mais ampla, as barragens

regulam o fluxo do rio a jusante, perturbando os ciclos anuais de alimentação e

reprodução, e perturbando as rotas migratórias de muitos peixes grandes que não

conseguem atravessar a barreira criada pela represa. Nas cabeceiras do rio Xingu,

especificamente no rio Coluene, existe a Usina Hidrelétrica do rio Coluene. Há relatos de

pescadores e de cientistas (Flávio Lima, comunicação pessoal), de que grandes cardumes

de matrinxã chegam até a represa do rio Coluene e se acumulam a jusante desta por não

poder seguir rio acima. Essa parada na rota migratória de espécies de piracema, como o

Matrinxã, prejudica a reprodução da espécie. Além disso, há relatos de que comunidades

de pescadores locais se reúnem nessas ocasiões para uma pesca farta e fácil, mesmo

durante o período de defeso da piracema. No baixo Xingu, por outro lado, a UHE Belo

Monte está em fase de construção e depois de concluída irá afetar a comunidade de

peixes reofílicos, especialmente acaris da família Loricariidae, que vivem na Volta

Grande do Xingu, a jusante de Altamira.

Mudanças climáticas. Dados preliminares de um estudo em desenvolvimento pela WWF

sugerem que as mudanças climáticas futuras não estão sendo consideradas de maneira

Page 19: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

19

adequada no planejamento energético de longo prazo ou na avaliação da viabilidade de

projetos hidrelétricos da Amazônia. Secas severas como as que assolaram a Amazônia

em 2005 e 2010 tendem a se tornar mais frequentes, e essas alterações climáticas,

associadas ao desmatamento generalizado da região, podem reduzir a vazão do rio Xingu

e de outros rios Amazônicos que drenam o Escudo Brasileiro. Uma eventual redução na

vazão do rio Xingu poderá afetar a produtividade em usinas hidrelétricas como a UHE

Belo Monte, como sugerido pelo estudo da WWF. As consequências de uma redução de

vazão do rio Xingu por causa de mudanças climáticas, entretanto, poderão ser muito mais

prejudiciais à fauna aquática, uma vez que áreas de alimentação e refugio podem tornar-

se menos acessíveis anualmente e migrações reprodutivas rio acima podem não ser

desencadeadas por uma vazão reduzida em um ano de seca.

IV. A BACIA DO RIO TOCANTINS

A bacia hidrográfica.

O rio Tocantins é um dos principais tributários da bacia Amazônica e drena, em sua maior parte,

o Escudo Brasileiro, juntamente com o Xingu, Tapajós e parte do rio Madeira. A bacia de

captação do rio Tocantins drena uma área de 767.000 km2, sendo 343.000 correspondem ao rio

Tocantins e 382.000 ao rio Araguaia, seu principal afluente. O rio Tocantins é bastante

canalizado, com planície de inundação relativamente estreita e densidade de drenagem

moderadamente alta (Mérona et al. 2010). A bacia do rio Tocantins está contida em duas

ecorregiões bastante distintas do mapa das ecorregiões de água doce do mundo de Abell et al.

(2008). A maior parte da bacia do rio Tocantins compõe a Ecorregião Aquática 324 (Tocantins-

Araguaia), que é limitada ao norte pela barragem da UHE Tucuruí, justamente nossa base de

operações nesta expedição. Limita-se a oeste pelas serras do Roncador e dos Gradaús, divisores

de água entre as bacias dos rios Araguaia e Xingu, e ao sul pelo divisor de águas com o rio

Paraná no Planalto Central e pela formação Chapada dos Guimarães, que o separa da bacia do rio

Paraguai. Ao leste é separada de bacias costeiras como o rio São Francisco e rio Parnaíba, pela

Chapada das Mangabeiras e pela Serra Geral de Goiás. A topografia ondulada da bacia do rio

Tocantins varia de 1.600 m no Planalto Central até cerca de 25 m nas terras baixas do Amazonas,

junto à sua foz. Corredeiras e cachoeiras são os hábitats mais comuns ao longo do curso superior,

sendo estes hábitats mais esparsos nos cursos médio e inferior. O último desses ambientes está

hoje submerso pela UHE Tucuruí. Ilhas rochosas e arenosas e extensas praias são características

e predominantes da estação seca no curso médio do rio Tocantins, ao passo que ilhas aluviais

predominam no curso inferior (Mérona et al., 2010). A maior parte da ecorregião é caracterizada

pelo clima tropical quente e úmido, com uma precipitação anual variando de 1.200 a 2.400 mm.

A temperatura média é de 25.5oC, variando entre a mínima de 17 e a máxima de 33

oC (Hales &

Petry, 2013).

A parte norte da bacia do rio Tocantins, a jusante da UHE Tucuruí está incluída na

Ecorregião Aquática 323 (Amazonas Estuary & Coastal Drainages), que inclui a área do estuário

do rio Amazonas e bacias costeiras adjacentes, com limite sudeste na bacia do rio Itapicuru e

limite noroeste na bacia do rio Caciporé, na costa do Amapá. Esta região situa-se inteiramente

sobre a planície aluvial, com altitudes máximas abaixo de 100 m. O pico das chuvas nesta

ecorregião ocorre entre março e abril, mas essas chuvas sazonais tem pouca influência nos níveis

Page 20: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

20

da planície de inundação, devido à influência das marés. A água salgada não chega até o rio

Tocantins, mas o represamento das águas do rio Amazonas pelas marés oceânicas, faz com que

estas sejam percebidas na ria do Tocantins. O estuário do rio Amazonas é enorme em tamanho e

volume, descarregando entre 180 e 220 mil m3/s no Oceano Atlântico, o que corresponde a cerca

de 20% de toda a água doce despejada nos oceanos. Por causa da magnitude dessa descarga,

praticamente não há entrada de água salgada no estuário e a mistura da descarga do rio

Amazonas com a água salgada ocorre até 160 km mar adentro, sobre a plataforma continental.

Somente durante períodos de água baixa a água salobra chega até Belém, mas nunca até o rio

Tocantins (Hales & Petry, 2013).

Hábitats aquáticos. A bacia do rio Tocantins é a terceira maior sub-bacia do rio Amazonas, com

uma descarga média anual de 11.000 m3/s. Da mesma forma que o Tapajós e Xingu, suas águas

são claras e pobres em nutrientes em virtude de drenarem os terrenos cristalinos do Escudo

Brasileiro. Na parte superior da bacia, existem numerosas cataratas e corredeiras, refletindo a

geologia desse antigo escudo. Entretanto, ao contrário do Xingu e Tapajós, que deságuam

diretamente no rio Amazonas, o rio Tocantins deságua no rio Pará, ao sul da ilha de Marajó. Seu

principal tributário, o rio Araguaia, apresenta uma descarga média anual de 6.170m3/s. O rio

Araguaia possui muitas lagoas sazonais, extensas áreas alagadas, e ilhas, incluindo a ilha do

Bananal, a maior ilha fluvial do mundo. Essa é uma área de savana úmida localizada entre os

dois ramos do rio Araguaia, que fica inundada seis meses por ano com menos de dois metros de

água. Outros ambientes aquáticos importantes na bacia do rio Tocantins incluem o reservatório

da UHE Tucuruí e a porção do rio a jusante desse reservatório (Fig. 6). Na parte mais baixa da

bacia, a norte de Tucuruí, o nível da água é influenciado pelas marés oceânicas, apesar de que

nunca ocorre entrada de água salgada. Como em outros tributários da margem sul do Amazonas,

a estação de cheias dura de janeiro a maio, com o pico a inundação entre março e abril. A

variação média anual do nível do rio é de cerca de 5-6 m (Hales & Petry, 2013).

Page 21: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

21

Figura 6. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando a área visitada com os principais pontos referidos no

texto.

A fauna de peixes do rio Tocantins

Da mesma forma que o rio Xingu, a bacia do rio Tocantins está dentro da região ictiogeográfica

Guyano-Amazônica, e mais especificamente na província ictiogeográfica Amazônica (Gery,

1969; Ringuelet, 1975). A sua fauna de peixes contém cerca de 400 espécies distribuídas em 40

famílias, dominadas por Characidae (73 espécies), Loricariidae (39) e Rivulidae (32). Mais de

175 espécies são endêmicas do rio Tocantins, representando um nível de endemismo maior do

que 40%. Famílias com maior grau de endemismo são Characidae (36 espécies), Rivulidae (30) e

Loricariidae (26). Os gêneros de Rivulidae Rivulus e Simpsonichthys são bem representados

entre as espécies endêmicas, com nove e oito espécies, respectivamente. Este último inclui várias

espécies ameaçadas de extinção. Como uma curiosidade, a região superior da bacia do rio

Tocantins contém a mais diversa fauna de peixes de caverna da América do Sul. Historicamente

a bacia do rio Tocantins abrigava espécies migratórias de peixes em sua migração rio acima para

a desova. A construção da UHE Tucuruí impediu a continuidade dessa migração e isolou os

locais de desova de muitas espécies.

A porção da bacia do rio Tocantins ao norte da UHE Tucuruí, por estar livremente

conectada ao restante na bacia Amazônica, abriga algumas espécies de peixes ausente ou raras na

porção hoje isolada pela represa. A porção baixa do Tocantins, assim como toda a área do delta

do Amazonas no entorno da ilha de Marajó, fornece importantes hábitats de berçário para os

Page 22: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

22

grande bagres migradores da Amazônia, como o filhote ou piraíba (Brachyplatystoma

filamentosum), a piramutaba (B. vaillantii), a dourada (B. rousseauxii), e o jaú (Zungaro

zungaro), que fazem grandes migrações reprodutivas desde o estuário do Amazonas até suas

cabeceiras. Algumas famílias de peixes relictuais que ocorrem na Amazônia estão presentes no

baixo rio Tocantins. Estas incluem a piramboia, ou peixe pulmonado sul americano (Lepidosiren

paradoxa), único representante da família Lepidosirenidae, que é um respirador aéreo

obrigatório e hiberna sob o lodo na estação seca. Outros peixes relictuais incluem o pirarucu

(Arapaima gigas, Arapaimidae), um dos maiores peixes de água doce do mundo com mais de 2

m de comprimento, e o aruanã (Osteoglossum bicirrhosum, Osteoglossidae).

V. O HOTSPOT DO BAIXO RIO TOCANTINS

Durante a viagem a campo para o baixo rio Tocantins priorizou-se a estratégia de inspeção

ambiental direta, através de deslocamento por voadeira (barco de alumínio com motor de popa)

ou carro. A equipe ficou hospedada no hotel CRT, na Vila Permanente da Eletronorte junto à

Usina Hidrelétrica de Tucuruí, no município de Tucuruí, Pará. A partir desse ponto diversas

excursões em voadeira foram empreendidas a diferentes áreas do lago da UHE Tucuruí, como

Porto Novo de Jacundá e Santa Rosa, locais com importantes entrepostos de pescado, bem como

a vilas e cidades na beira do rio Tocantins a jusante da represa, como Joana Peres, na RESEX

Ipaú-Anilzinho e a cidade de Baião. Em deslocamentos de carro foram visitados o mercado de

peixes de Tucuruí e o marcado de peixes do Igarapé do Onze, ao sul de Tucuruí. Em cada um

desses locais foram feitas entrevistas com pescadores, atravessadores de pescado, vendedores de

peixe, administradores de colônias de pescadores e demais integrantes da cadeia produtiva da

pesca. Da mesma forma, entrevistas e discussões foram desenvolvidas com o Sr. Tacashi,

responsável pelo setor de Ictiologia e Pesca da Eletronorte em Tucuruí, que coordena o trabalho

de inventário e estudo de parâmetros alimentares e reprodutivos dos peixes da região de

influência da UHE Tucuruí, tanto a montante como a jusante da represa, e controla o

desembarque de pescado nos diversos portos da região. Todo o trabalho foi registrado

fotograficamente e as áreas visitadas no lago e no rio foram georeferenciadas através de GPS.

A floresta do rio Tocantins.

A transição de florestas úmidas das terras baixas da Amazônia para a vegetação de florestas

secas e savanas (cerrado) no Planalto Central reflete a heterogeneidade da paisagem da bacia do

rio Tocantins. O cerrado domina as partes mais altas da bacia, enquanto que matas de galeria e

florestas de inundação com buritizais (Mauritia flexuosa) acompanham o curso dos rios e

igarapés. Floresta amazônica de terra firme ocupa as áreas fora das planícies de inundação ao

longo da bacia do rio Tocantins (Hales & Petry, 2013).

A maior parte das áreas de terra firme no entorno do lago da UHE Tucuruí, no entanto, já

apresenta profunda modificação antrópica com retirada da floresta para atividades econômicas,

principalmente a pecuária extensiva (Fig. 1). As florestas do baixo rio Tucuruí, ao norte da UHE,

encontram-se melhor preservadas. A área visitada nesta expedição situa-se exatamente no

entorno da represa de Tucuruí, ponto original das quedas que delimitavam o médio do baixo rio

Tocantins, e local a transição entre a área mais preservada, ao norte, e mais antropizada, ao sul.

A Usina Hidrelétrica de Tucuruí.

Page 23: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

23

A Usina Hidrelétrica de Tucuruí foi construída na porção baixa do rio Tocantins e inaugurada em

1984, com o fechamento da represa e consequente formação do reservatório (Fig. 7). O lago que

se formou tem cerca de 200 km de extensão e aproximadamente 2.875 km2 de área de superfície.

Com a inauguração da segunda fase da UHE Tucuruí em 2008, a capacidade instala de geração

de energia passou a ser de 7.960 MW de potência.

Figura 7. Vista parcial da represa da Usina Hidrelétrica de Tucuruí. Foto: Roberto Reis.

Após o fechamento da represa registrou-se uma diminuição na diversidade da ictiofauna

na região alagada. Essa diminuição na diversidade na área do reservatório é um fenômeno

conhecido e foi estudado por Mérona et al. (2010). A transformação de um ambiente lótico em

um lago erradica ou reduz significativamente as populações das espécies reofílicas e ao mesmo

tempo fornece as condições para que as espécies lênticas proliferem, dessa forma alterando a

composição da comunidade local. Por estes motivos, peixes detritívoros, herbívoros e insetívoros

foram prejudicados e tiveram a sua abundância na área do reservatório diminuída após o

enchimento do lago. Ao mesmo tempo, espécies piscívoras, carnívoras, onívoras e planctívoras

foram favorecidas e aumentaram a sua abundância na área do reservatório após o enchimento do

lago (Mérona et al., 2010). A jusante da represa a diminuição na abundância das espécies de

peixes é devida, principalmente, a regulação do fluxo do rio, que perturba imensamente os ciclos

anuais de alimentação e, principalmente, reprodução dos peixes, e a interrupção de rotas

migratórias, uma vez que os peixes migradores não conseguem atravessar a barreira criada pela

represa para reproduzir.

Page 24: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

24

A pesca comercial na região da UHE Tucuruí, tanto no reservatório como no rio a jusante

da represa, é basicamente artesanal, com mínima organização de pescadores independentes em

Colônias de Pesca. Não existem cooperativas organizadas de pescadores e a cadeia produtiva do

pescado passa dos pescadores para marreteiros, ou atravessadores, que compram o produto da

pesca nos portos de desembarque e comercializam nos mercados locais ou os transportam para

outras cidades para venda ou beneficiamento.

Mercados e áreas de desembarques de pescado visitados.

No reservatório da UHE Tucuruí. Três pontos de desembarque de pescado dentro do

reservatório da UHE Tucuruí foram visitados, o Porto do Onze (Fig. 8), no extremo norte do

reservatório, junto à represa, o Porto Novo de Jacundá (Fig. 9), e o Porto de Santa Rosa, no terço

superior do reservatório. Nestes locais foram identificadas as espécies de peixe desembarcadas

ou estocadas no momento da visita, sendo registradas por fotografia. A lista das espécies

identificadas nos portos de desembarque dentro do reservatório encontra-se no Apêndice 1. De

maneira geral, havia muita abundância de peixes e diversidade de espécies, fartura típica da

estação, mas incomum ao longo do restante do ano. Três espécies contribuem com 87% do total

de desembarque na região do reservatório: o mapará (60%), a pescada (15%) e o tucunaré (12%)

(Sr.Tacashi, Eletronorte, comunicação pessoal). Tucunaré, no entanto, corresponde a três

espécies – vide lista abaixo.

Figura 9. Vista parcial do Porto do Onze, local de desembarque de pescado do reservatório de Tucuruí.

Page 25: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

25

Foto: Roberto Reis.

Figura 9. Vista interna do Porto de Novo de Jacundá, local de desembarque de pescado do reservatório da

UHE Tucuruí. Foto: Roberto Reis.

Também, foram feitas entrevistas com pescadores, vendedores, atravessadores e demais

trabalhadores da pesca, com a finalidade de entender o funcionamento da cadeia produtiva do

pescado em cada local, entender os tipos de pesca e apetrechos utilizados localmente, e formar

uma imagem da percepção dos trabalhadores locais sobre as mudanças temporais de longo prazo

na comunidade de peixes e das ameaças sofridas pelos peixes e pelo ambiente aquático. De

maneira geral os pescadores do reservatório consideram o aumento do número de pescadores na

última década e as práticas de pesca predatória, como os principais responsáveis pelo declínio na

diversidade e quantidade de peixes. Há relatos de que algumas espécies como o pacu-manteiga, o

jaraqui e o pirarucu, antes abundantes, praticamente não ocorrem mais no reservatório.

Pescadores mais antigos relatam uma abundância de peixes muito superior a atual há 20-30 anos,

e notam um declínio mais acentuado nos últimos 10-12 anos. Vários entrevistados condenam o

uso do arpão em pesca subaquática, prática que tem se tornado comum na última década, pois

permite a captura das matrizes de tucunaré – adultos que pouco se alimentam ou se movem

durante o período em que estão incubando ovos ou cuidando da prole, e por este motivo não são

capturados por apetrechos usuais como redes e anzóis. A captura desses indivíduos em

reprodução compromete toda a prole e tem, assim, grande efeito predatório. Da mesma forma, a

maior parte dos entrevistados reclama da ausência de fiscalização da pesca por parte do IBAMA,

Page 26: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

26

relatando que fiscais raramente aparecem ao longo do ano ou do período do defeso. Por outro

lado, todos os entrevistados afirmaram que o período do defeso (novembro a fevereiro) não é

observado pela maioria dos pescadores da região.

A jusante do reservatório da UHE Tucuruí. Dois pontos de desembarque de pescado a jusante

do reservatório da UHE Tucuruí foram visitados, o mercado de Tucuruí, imediatamente abaixo

da represa, e o mercado da cidade de Baião (Fig. 10), a cerca de 130 km ao norte de Tucuruí. Da

mesma forma que nos outros pontos, foram identificadas e fotografadas as espécies de peixe

desembarcadas ou estocadas no momento da visita. A lista das espécies identificadas nos portos

de desembarque a jusante do reservatório encontra-se no Apêndice 2. Da mesma forma que na

área do reservatório, havia muita abundância de peixes e diversidade de espécies, quantidade

incomum ao longo do restante do ano. Nota-se que na região do rio Tocantins a jusante do

reservatório a diversidade de espécies encontrada foi maior (90% a mais de espécies foram

observadas a jusante do que no reservatório).

Figura 10. Vista parcial do mercado de peixes de Baião. Foto: Roberto Reis.

Igualmente à porção superior, foram feitas entrevistas com pescadores, vendedores,

atravessadores e demais trabalhadores, para conhecer o funcionamento da cadeia produtiva do

pescado, os tipos de pesca e apetrechos utilizados localmente, e entender a percepção dos

trabalhadores locais sobre as modificações na comunidade de peixes e as ameaças a que peixes e

o ambiente aquático estão submetidos. Apesar de haver ocorrido um significativo aumento do

Page 27: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

27

número de pescadores nos últimos 10-15 anos, os pescadores não atribuem a isso o severo

declínio percebido na quantidade média de espécies. As mesmas espécies, pacu-manteiga,

jaraqui e pirarucu, antes abundantes, são agora consideradas raras a jusante do reservatório. A

utilização do arpão em pesca subaquática também tem se tornado comum nesta área e é

condenada pela maioria dos pescadores. Da mesma forma, a maior parte dos entrevistados

reclama da ausência de fiscalização da pesca por parte do IBAMA e afirmaram que o período do

defeso não é observado pela maioria dos pescadores da região.

De acordo com a maioria dos pescadores entrevistados, entretanto, o principal

responsável pelo acentuado declínio da abundância de peixes após o fechamento da represa da

UHE Tucuruí são as flutuações diárias e, especialmente, as semanais do nível do rio por conta da

regulação do fluxo de água nas turbinas geradoras. Essas variações perturbam os ciclos naturais

de alimentação e, especialmente, reprodução, sendo especialmente destrutivas na época da

desova (outubro-março).

Colônias de pescadores visitadas.

Durante este trabalho visitamos e entrevistamos funcionários de três Colônias de Pescadores da

região do baixo rio Tucuruí: a Colônia Z-53 de Breu Branco, a Colônia Z-43 de Porto Novo de

Jacundá, ambas no interior do reservatório, e a Colônia Z-34 de Baião, a jusante do reservatório.

Os entrevistados afirmaram que houve sensível diminuição na abundância de peixes, tanto no

lago como à jusante deste, especialmente nos últimos 10-15 anos. Todos atribuem a diminuição

na abundância ao aumento de pescadores, a falta de fiscalização e a não observância do período

de defeso. Funcionários da Colônia Z-43 mencionaram, ainda, desorganização administrativa nos

municípios como um impedimento ao adequado ordenamento e organização da cadeia produtiva

da pesca. Como um exemplo, citaram a construção de uma pequena usina de beneficiamento de

pescado em Jacundá, concluída há anos, mas nunca operada por causa de desorganização e

disputas políticas.

Ambientes aquáticos visitados. A expedição ao baixo rio Tocantins foi conduzida durante a

vazante, período no qual os peixes estão saindo das áreas alagáveis e retornando ao leito do rio e,

portanto, de grande fartura para a pesca. Os ambientes aquáticos visitados foram o reservatório

da UHE Tucuruí, especialmente as suas áreas de margem e inúmeras ilhas cobertas de mata que

se formaram como enchimento do lago. As áreas abertas do lago, mais profundas e que formam

ambientes abertos habitados por peixes pelágicos, como o mapará, também foram visitadas. Na

porção a jusante da represa, vários locais de pesca (Fig. 11) foram visitados ao longo do leito do

rio entre Tucuruí e Baião. Planícies de inundação que são utilizadas como áreas de desova e

berçário por muitas espécies de peixes também foram inspecionadas (Fig. 12). Ainda, a Reserva

Extrativista Ipaú-Anilzinho, na margem esquerda do rio Tocantins, foi visitada até a vila de

Joanas Peres. Nessa área de reserva a água do rio é preta, demonstrando que esse sistema nasce

dentro da floresta, sem aporte de água da UHE Tucuruí. De maneira geral as margens, tanto do

reservatório, como do rio Tocantins a jusante dele, estão bem preservadas. Mata de terra firme

ladeia as margens do reservatório em praticamente toda a sua extensão. No trecho a jusante,

extensas áreas com matas alagáveis estão preservadas no entorno do rio.

Page 28: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

28

Figura 11. Local de pesca no rio Tocantins, a jusante da UHE Tucuruí. Foto: Roberto Reis.

Page 29: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

29

Figura 12. Área de várzea no baixo rio Tocantins, alagada no período de cheia onde peixes desovam e utilizam

como berçário para juvenis. Foto: Roberto Reis.

As ameaças aos peixes e ambientes aquáticos. Diversas ameaças aos peixes e seus ambientes

aquáticos foram identificadas nesta viagem. As ameaças podem ser classificadas em diretas,

como as diversas modalidades de pesca, desmatamento e uso de defensivos e fertilizantes

agrícolas, com ação rápida diretamente sobre os peixes; e indiretas, como desmatamento

extensivo, construção e operação de usinas hidrelétricas e mudanças climáticas.

Pesca esportiva. Tucunarés são as espécies mais visadas pela pesca esportiva no rio

Tocantins, especialmente no interior do reservatório da UHE Tucuruí. Apesar de haver

competições de pesca esportiva de tucunarés, essa não constitui uma ameaça importante

face à dimensão da pesca comercial na mesma região.

Crescimento da pesca comercial. A pesca comercial no baixo rio Tocantins, tanto no

interior do reservatório da UHE Tucuruí como no trecho a jusante da represa, apresentou

um forte crescimento ao longo dos últimos 15-18 anos (Aviz, 2006). Na época da

construção da UHE Tucuruí existiam três Colônias de Pescadores na região a jusante de

Marabá. Atualmente existem 12 colônias na mesma região, das quais visitamos três. O

crescimento do número de pescadores afiliados a cada uma dessas Colônias dá uma ideia

do crescimento da atividade. Segundo Juras et al. (2004) no inicio da década de 2000

existiam 1.222 pescadores afiliados à Colônia Z-43 de Jacundá, 1.300 à Colônia Z-53 de

Page 30: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

30

Breu Branco, e 2.460 a Colônia Z-34 de Baião. Em nossas visitas recentes a essas

Colônias identificamos os números de 2.300, 6.200, e aproximadamente 6.000

pescadores afiliados, respectivamente, registrando um crescimento de 290%. É possível

que parte desse crescimento seja em função da criação do auxílio-defeso, através do qual

cada pescador cadastrado recebe do governo federal o valor de um salário mínimo nos

meses de novembro a fevereiro.

Pesca predatória com arpão. A pesca subaquática é feita com máscaras de mergulho e

com o uso de arpão a ar comprimido ou com armas de construção caseira com tiras de

borracha, e tem se tornado comum na região ao longo da última década. Esse tipo de

pesca permite a captura de indivíduos reprodutivos de espécies como os tucunarés –

adultos que pouco se alimentam ou se movem durante o período em que estão incubando

ovos ou cuidando da prole, e que por este motivo não são capturados por apetrechos

usuais como redes e anzóis. A captura desses indivíduos que estão incubando ovos ou

guardando os alevinos compromete de forma severa a população, pois tem grande efeito

destrutivo por matar as matrizes e todos os filhotes.

Falta de fiscalização da pesca. A precariedade da fiscalização dos órgãos de controle da

pesca e, especialmente, do IBAMA, faz com que pescadores inescrupulosos utilizem

técnicas e malhas proibidas nas diferentes modalidades de pesca. Malhas de rede de

tamanho 4, 5 e 6 cm entre-nós são proibidas (apenas malhas acima de 7 cm entre-nós são

permitidas), mas são usadas regularmente por muitos pescadores.

Não observação do defeso de pesca. O defeso, ou época de suspensão da pesca para a

migração reprodutiva (piracema) e desova dos peixes ocorre anualmente entre 1º de

novembro e 28 de fevereiro. Esse período é determinado em função da coincidência do

período médio de desova da maioria das espécies, mesmo tendo espécies que desovem

antes de novembro e depois de fevereiro. A observação da suspensão das atividades

pesqueiras nesse período é fundamental para que as populações possam se reproduzir. A

pesca dirigida sobre os adultos migradores é muito prejudicial, pois captura os peixes

antes da desova. De acordo com vários relatos na região de Tucuruí, a maioria dos

pescadores não observa o período de defeso, continuando as suas atividades de pesca

normalmente, apesar de receberem o auxílio-defeso do governo.

Desmatamento extensivo. O desmatamento extensivo provavelmente representa o mais

importante fator de impacto sobre os ambientes terrestres, com consequências igualmente

importantes para os ambientes aquáticos envolvidos. A retirada da floresta aumenta

drasticamente a evaporação da água do solo, causando a diminuição de fluxo ou mesmo

desaparecimento de nascentes, culminando com a diminuição da vazão dos rios. O

desmatamento também desagrega o solo que será parcialmente carreado pelas chuvas,

especialmente quando a faixa de mata ciliar remanescente for pequena.

Operação da Usina Hidrelétrica de Tucuruí. A operação e consequente regulação do fluxo

do rio Tocantins é provavelmente uma das mais sérias ameaças às populações de peixes a

jusante do reservatório. Como mencionado acima, as flutuações diárias e, especialmente,

as semanais, do nível do rio por conta da regulação do fluxo de água nas turbinas

geradoras, causa problemas nas áreas de desova a jusante da represa. A maior demanda

Page 31: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

31

de energia elétrica no inicio da noite de cada dia, bem como a menor demanda pelas

indústrias do país nos finais de semana, acarretam uma regulação da quantidade de água

que passa pelas turbinas e é liberada no rio, causando um pequeno aumento no nível do

rio a cada noite, e uma razoável diminuição no nível a cada final de semana. Essas

variações perturbam os ciclos naturais de alimentação e, especialmente, reprodução,

sendo especialmente destrutivas na época da desova (outubro-março). A maioria das

espécies deixa o leito do rio na época de cheia, entrando na mata inundada ou áreas

temporariamente alagadas para efetuar a desova. Essas mesmas áreas servem de berçário

para os alevinos recém-eclodidos, pela alta produtividade e proteção que apresentam.

Grande parte dessas áreas são rasas e pequenas variações no nível do rio, como aquelas

produzidas pela retenção da água nos finais de semana, são suficientes para expor ao ar e

assim matar os juvenis e ovos colocados pelos peixes na massa de vegetação. Há relatos

de muitos casos onde mesmo os adultos de peixes, em grandes números, são retidos sobre

ambientes que secam nos finais de semana, causando grandes mortandades.

Outro sério problema que as represas causam aos peixes migradores é a interrupção

das rotas migratórias e consequente falha ou diminuição acentuada da desova. Grandes

bagres da família Pimelodidae, como o filhote, a dourada, a piramutaba, o surubim, a

pirarara, e o jaú, são comuns e abundantes no trecho imediatamente a jusante da represa

da UHE Tucuruí. No entanto, nenhuma dessas espécies foi registrada nos pontos de

desembarque de pescado do reservatório, como o Porto do Onze, o Porto Novo de

Jacundá ou Santa Rosa. É possível que estas espécies ainda existam no rio Tocantins a

montante da represa, mas certamente em quantidades muito menores do que a jusante e

do que costumava ocorrer antes da construção da UHE Tucuruí.

Construção de novas UHEs e PCHs. O rio Tocantins já possui diversas Usinas

Hidrelétricas em funcionamento, além de várias outras planejadas. Com a construção de

novas UHEs os problemas existentes no momento deverão ser intensificados. Se ainda

existem populações de grandes bagres e outros peixes migradores nos trechos acima da

UHE Tucuruí, estas tendem a desaparecer com a construção de novas UHEs,

especialmente aquelas entre Tucuruí e Estreito, no curso médio, e das muitas Pequenas

Centrais Hidrelétricas (PCHs) planejadas para o trecho superior do rio Tocantins.

Considera-se que as PCHs não sejam muito prejudiciais ao meio ambiente, pelo seu

pequeno tamanho, quase nula área de inundação e possibilidade de permitir a migração

reprodutiva dos peixes nos picos de cheia. No entanto, o conjunto das PCHs planejadas

para o rio Tocantins deverá ter um forte efeito nocivo em função do grande número de

empreendimentos planejados.

Mudanças climáticas. Dados preliminares de um estudo em desenvolvimento pelo WWF

sobre o rio Xingu e outros rios que drenam o Escudo Brasileiro, sugerem que as

mudanças climáticas futuras não estão sendo consideradas de maneira adequada no

planejamento energético de longo prazo ou na avaliação da viabilidade de projetos

hidrelétricos da Amazônia. Secas severas como as que assolaram a Amazônia em 2005 e

2010 tendem a se tornar mais frequentes, e essas alterações climáticas, associadas ao

desmatamento generalizado da região, podem reduzir a vazão dos rios Amazônicos que

drenam o Escudo Brasileiro. Uma eventual redução na vazão do rio Tocantins poderá

afetar a produtividade em usinas hidrelétricas como a UHE Tucuruí, como sugerido pelo

estudo do WWF. As consequências de uma redução de vazão do rio Tocantins por causa

Page 32: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

32

de mudanças climáticas, entretanto, poderão ser muito mais prejudiciais à fauna aquática,

uma vez que áreas de alimentação e refugio podem tornar-se menos acessíveis

anualmente e migrações reprodutivas podem não ser desencadeadas por uma vazão

reduzida em um ano de seca.

VI. A BACIA DO RIO NEGRO

A bacia hidrográfica

Ao contrário das duas primeiras expedições, que exploraram ambientes aquáticos que drenam o

Escudo Brasileiro, o rio Negro está inteiramente contido na bacia sedimentar Amazônica, sendo

o maior tributário da margem esquerda do rio Amazonas. A bacia do rio Negro inclui as

Ecorregiões Aquáticas 314 (Rio Negro) e parte da Ecorregião 315 (Amazonas Guiana Shield –

que inclui o rio Branco e outros tributários menores), do mapa das ecorregiões de água doce do

mundo de Abell et al. (2008). A ecorregião Rio Negro inclui a bacia de drenagem do rio Negro

Figura 13. Canal do rio Negro em frente à cidade de Barcelos, onde destaca-se a Igreja Matriz e o porto. Foto:

Roberto Reis.

desde Manaus, junto a sua foz, até o sopé da cordilheira dos Andes na Colômbia. Ela inclui a

parte baixa das bacias do rio Branco e do rio Jauaperi, sendo limitada ao norte pela divisa

montanhosa com a bacia do rio Orinoco e ao sul pelo divisor de águas entre as cabeceiras dos

seus afluentes da margem direita e os afluentes da margem esquerda do rio Solimões. O rio

Page 33: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

33

Negro drena três áreas principais: os tributários do norte se originam na porção sul do Escudo

das Guianas, as cabeceiras a oeste nascem no sopé dos Andes Colombianos e os afluentes da

margem direita nascem nas terras baixas da Amazônia brasileira. A maior parte dessa bacia está

sobre um platô de terras baixas, com 100-250 m a oeste e descendo para cerca de 50 m de

elevação próximo a sua foz. A porção mais alta da bacia é dominada por afloramentos graníticos

do Escudo das Guianas, como as serras de Tapirapecó e Imeri ao longo da fronteira Brasil-

Venezuela, com a mais alta elevação no Pico da Neblina a quase 3.000 m sobre o nível do mar.

Esta ecorregião tem um clima de floresta tropical com uma temperatura média anual em torno de

26ºC. A precipitação média anual varia entre 1.850 e 3.500 mm, com a maioria das chuvas

ocorrendo entre abril e julho (Petry & Hales, 2013).

Figura 14. Imagem de satélite (Google Earth) mostrando a área visitada no rio Negro e seus afluentes, destacando

os principais pontos referidos no texto. As coordenadas geográficas dos pontos mencionados são: Comunidades:

Bacabal: 0°29’08”S 62°55’21”W; Daraquá: 0°30’27”S 63°12’48”W; Ponta da Terra: 0°46’18”S 63°08’34”W.

Pontos de pesca de peixes ornamentais: Igarapé do Zamula: 0°50’15”S 62°45’34”W; Igarapé Murumuru: 0°27’34”S

62°56’08”W; Igarapé Daraquá: 0°27’52”S 63°09’15”W; Igarapé do Mamulé: 0°50’19”S 63°13’48”W.

Hábitats aquáticos. Rios e igarapés de baixo gradiente atravessam solos sedimentares formados

principalmente por espodossolos sujeitos à inundação sazonal. A água do rio Negro é

extremamente pobre em conteúdo mineral, com condutividade tão baixa como 8 mS, e é

extremamente ácida, com pH variando de 2,9 a 4,2. Maior rio de água preta do mundo, o rio

Negro se estende por 2.230 km, tem uma bacia de captação de 691.000 km2, e uma vazão média

de 28.000 m3/s, o que representa 14% da vazão média anual da bacia Amazônica. Seu principal

afluente, o rio Branco é, por outro lado, um rio de água branca. Embora não seja tão turva como

a do rio Amazonas ou rio Madeira, é barrenta na época das cheias, e os sedimentos são visíveis

até cerca de 200 km à jusante da confluência com o Negro. Na porção superior da bacia a estação

Page 34: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

34

das cheias ocorre entre maio e setembro, com pico em julho. Flutuações do nível da água no

curso inferior são ditadas mais pelo rio Amazonas, e ocorrem um pouco mais cedo. Nessa região,

a estação das chuvas vai de fevereiro a julho, com o pico das águas em junho. A flutuação anual

média do rio varia de 4 a 5 m no curso superior e até cerca de 10 m nas partes mais baixas.

Estima-se que uma área de 30.000 km2 da bacia do Negro seja inundada sazonalmente entre 4 e

8 meses do ano. As maiores planícies de inundação ocorrem ao longo dos afluentes da margem

direita, bem como entre a rede de ilhas ao longo do médio e baixo rio Negro. Existem muitos

ambientes insulares ao longo do curso principal do rio Negro, incluindo mais de 600 ilhas na

parte inferior e média do rio. Ao longo do seu curso principal e dos afluentes estão vastas

planícies cobertas por florestas alagadas e campinas e caatingas inundadas (campinaranas), assim

como muitos lagos de várzea e lagoas marginais ao longo dos canais. Durante a estação seca

enormes praias de areia são encontradas ao longo de toda a extensão dos rios. O fundo dos rios

são rochosos, com grandes rochas ou cascalho na porção superior da bacia, e arenosos na parte

média e inferior. Afloramentos rochosos e cataratas revelam evidências do Escudo das Guianas

em pontos ao longo dos cursos superior e médio do rio Negro (Petry &Hales, 2013).

A fauna de peixes

A estimativa atual da riqueza de espécies na bacia do rio Negro ultrapassa 750 espécies descritas.

Das 11 ordens já registradas, Characiformes e Siluriformes representam cerca de 74% das

espécies. Dezenas de novas espécies são conhecidas, uma das quais representa uma nova família

para a ciência. A riqueza total de espécies deve estar próxima a 1.000 espécies. Mais de 90

espécies são consideradas endêmicas da bacia do rio Negro, assim como seis gêneros

monotípicos - Tucanoichthys, Ptychocharax, Atopomesus, Leptobrycon, Niobichthys e

Stauroglanis - atualmente encontrados somente nesta bacia. O rio Negro é o lar de mais de 100

espécies que são utilizadas no comércio de peixes ornamentais. A iridescência de algumas

espécies como o cardinal (Paracheirodon axelrodi), pode ser uma característica adaptativa à

água preta do rio Negro. Fenômenos ecológicos interessantes incluem grandes migrações dos

bagres doradideos, dos characídeos como Brycon e dos prochilodontideos do gênero

Semaprochilodus. O jaraqui (Semaprochilodus insignis), por exemplo, migra das águas pretas do

rio Negro para os rios de água branca para desovar. Há também assembleias únicas de espécies

em depósitos de folhas, e muitas formas miniaturizadas. Espécies relictuais nessa região incluem

o pirarucu (Arapaima gigas, Arapaimidae), um dos maiores peixes de água doce no mundo com

mais de dois metros de comprimento, o aruanã (Osteoglossum bicirrhosum, Osteoglossidae) e o

endêmico aruanã preto (O. ferreirai) (Petry &Hales, 2013).

VII. O HOTSPOT DO MÉDIO RIO NEGRO

Durante a viagem a campo para o médio rio Negro priorizou-se a estratégia de inspeção

ambiental direta, através de deslocamento por barco e entrevistas com membros das

comunidades. A equipe ficou hospedada no Hotel da Cidade, no município de Barcelos, na

margem direita do rio Negro, Amazonas (Fig. 13). A partir dessa cidade diversas excursões em

barco rápido (voadeira) foram empreendidas a áreas de pesca de peixes ornamentais em igarapés

e igapós, comunidades ribeirinhas, e os diferentes ambientes aquáticos do entorno. As áreas

visitadas encontram-se localizadas no rio Negro (igarapé do Zamula [0°50’15”S 62°45’34”W],

na margem esquerda, em frente a Barcelos e igarapé Daraquá [0°27’52”S 63°09’15”W], em

frente à comunidade de Daraquá [0°30’27”S 63°12’48”W]), no rio Aracá (comunidade de

Page 35: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

35

Bacabal [0°29’08”S 62°55’21”W] e igarapé Murumuru [0°27’34”S 62°56’08”W]), bem como na

margem direita, no rio Quiuini (comunidade de Ponta da Terra [0°46’18”S 63°08’34”W] e

Igarapé do Mamulé [0°50’19”S 63°13’48”W]) (Fig.14). Todo o trabalho foi registrado

fotograficamente e as áreas visitadas nos rios foram georeferenciadas através de GPS.

A floresta do médio rio Negro. A bacia do rio Negro é formada primariamente por grandes

áreas de floresta de igapó, devido ao elevado número de igarapés e rios de água preta. Este tipo

de floresta ocorre em terras que são inundadas todos os anos e tem solos arenosos, oligotróficos,

e pobres em nutrientes. Espécies de árvores abundantes incluem a ucuúba (Virola elongata), as

matamatás (Eschweilera longipes e E. pachysepala) e a fava amarela (Pithecellobium

amplissimum). Há também áreas de floresta de várzea, que ocorrem nas várzeas dos rios de água

branca como o rio Branco, rio Padauari e rio Demini, que tendem a conter material em suspensão

e nutrientes elevados. As florestas de terra firme, um terceiro tipo florestal, nunca sofrem

inundações e tem uma composição florística semelhante à floresta de várzea. Espalhadas por

estas florestas estão grandes áreas de campinarana (campina inundável) que formam um mosaico

de tipos de vegetação desde savanas herbáceas até florestas de dossel fechado. Estes ocorrem

principalmente em torno de depressões pantanosas circulares de espodossolos arenosos e pobres

em nutrientes.

A área visitada nesta expedição situa-se no médio rio Negro, onde grandes áreas de mata

de igapó e pequenos trechos de terra firme se sucedem. A inspeção de imagens de satélite mostra

que as florestas do médio rio Negro estão muito bem preservadas e apenas recentemente, com o

declínio acentuado da pesca de peixes ornamentais, começam a abrir-se áreas para agricultura de

subsistência.

Comunidades ribeirinhas visitadas. Além da cidade de Barcelos, três outras comunidades

foram visitadas durante as excursões de barco no rio Negro, e alguns de seus moradores foram

entrevistados. Comunidade de Daraquá: localizada em uma ilha inundada do próprio rio Negro,

até cerca de 10 anos atrás possuía mais de 20 famílias, todas vivendo exclusivamente da pesca de

peixes ornamentais. Com o declínio da pesca de ornamentais as famílias foram pouco a pouco

abandonando a comunidade e mudando-se para áreas de terra firme, onde outras atividades

econômicas são possíveis. Atualmente apenas uma família, pai e filho, continuam em Daraquá,

vivendo da pesca de ornamentais e produção de artesanato. Comunidade de Bacabal: localizada

no curso inferior do rio Aracá, essa comunidade é formada primariamente por indígenas. As suas

atividades econômicas são principalmente a agricultura (mandioca) e produção de farinha de

mandioca. A criação de animais (porcos) e a pesca de peixes ornamentais, complementam a

renda familiar. Comunidade de Ponta da Terra: localizada próximo à foz do rio Quiuini, é a

maior das três comunidades. Possui uma escola de ensino básico recentemente construída e bem

aparelhada e durante a visita testemunhamos a ocorrência de atividade letiva, merenda escolar e

zeladoria da escola. Da mesma forma que nas anteriores, até cerca de 10 anos atrás todas as

famílias nessa comunidade viviam da pesca de peixes ornamentais. Hoje ninguém mais na

comunidade pratica a pesca de peixes ornamentais e a principal atividade econômica é a

agricultura. Para tanto, uma área considerável de floresta de terra firme foi removida para

acomodar as plantações de mandioca, milho, e outras.

Page 36: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

36

Figura 15. Demonstração do uso do rapixé na área rasa do igapó. Foto: Pedro Aquino.

A cidade de Barcelos tinha, até cerca de 10 ou 12 anos atrás, cerca de 600 famílias

vivendo da pesca de peixes ornamentais. Esse número está hoje reduzido para menos de dez por

cento desse número, e as principais atividades econômicas passaram a ser a agricultura, comércio

e pesca esportiva – especialmente de tucunarés. A estação de pesca esportiva, que ocorre entre

agosto e fevereiro movimenta a cidade, tanto social como economicamente. Existem diversos

hotéis, barcos-hotéis e pousadas na cidade e no entorno, que somente funcionam neste período.

A companhia aérea que serve a cidade (Azul) aumenta os voos para Barcelos de dois voos

semanais para voos diários na estação da pesca esportiva. Várias pousadas na floresta possuem

hidroaviões para levar os seus hóspedes, alguns vindo diretamente de Manaus. A pesca de

tucunarés tem gerado alguns conflitos com a pesca comercial, uma vez que competem

diretamente tanto pelos peixes como pelos locais de pesca. Assim, existem zonas de pesca

esportiva delimitadas para diferentes operadoras de pesca. Estas muitas vezes não são respeitadas

assim como as áreas de pesca de comunidades locais e comunidades indígenas.

A pesca comercial, por outro lado, é incipiente em Barcelos. Basicamente, todo o

pescado resultante da pesca comercial é vendido e consumido em Barcelos. Não há envio de

peixes para Manaus ou outras cidades. Curiosamente, não há em Barcelos um mercado de peixes

ou um mercado geral onde sejam vendidos peixes. Existem, ao contrário, vários vendedores

ambulantes que percorrem a cidade de bicicleta ou motocicleta com um reboque com gelo, e

vendem os peixes de porta em porta. Um exame e registro fotográfico de alguns desses

vendedores, e a visita à casa de um vendedor que possuía freezer com peixes para venda,

Page 37: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

37

permitiu o levantamento de 29 espécies de peixes comercializados na época da visita. Pescadores

ainda relataram outras espécies comuns, mas não encontrados nessas visitas. A lista das espécies

e fotografias de algumas encontram-se ao final deste relatório (Figs. 15 e 16).

Figura 16. Demonstração do uso do cacuri na área rasa do igapó. A, Cacuri iscado e pronto para instalação. B,

Piabeiro escolhendo a localização para instalação do cacuri. C, Cacuri em posição de pesca no igapó. D, Piabeiro

com caçapa para recolhimento do cacuri. Fotos: Roberto Reis.

Ambientes aquáticos visitados. A expedição ao médio rio Negro foi conduzida durante o final

da estação de cheia, quando o rio está ainda vários metros acima do nível normal. Os ambientes

visitados de barco foram rio de grande porte (Negro), rios de médio porte (Aracá, Demini,

Quiuini), igarapés (Zamula, Daraquá, Murumuru, Mamulé) e áreas de igapó, ou mata inundada.

Todos esses ambientes são de água preta, exceto o rio Demini que apresenta água branca. As

dimensões na Amazônia central são gigantescas, e o rio Negro é o maior rio de água preta do

mundo. Na região de Barcelos a sua largura está entre quatro e oito km, mas se a área contígua

de floresta inundada for considerada, a largura do corpo de água passa para 30 a 40 km. O rio

Negro possui muitas centenas de ilhas, canais, furos, paranás e lagos, formando um intrincado

emaranhado de ambientes aquáticos. Os rios de médio porte são bastante convolutos e com

muitos meandros, canais e lagos, e também possuem uma extensa área de floresta inundável em

suas margens.

Page 38: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

38

Os ambientes de igapó são muito interessantes e fundem-se com os igarapés em uma

extensa área de floresta inundada com até cerca de 10 metros de profundidade de água sobre o

solo da floresta. Peixes e outros organismos aquáticos deixam o leito do rio para se abrigar e

alimentar na mata inundada. Nessa mesma época ocorre a frutificação de algumas árvores da

mata inundável, fornecendo valioso recurso alimentar para os peixes. Também, uma grande

quantidade de invertebrados, especialmente insetos, ocupam as florestas inundadas e são

consumidos pelos peixes. Finalmente, muitas espécies de peixe utilizam o igapó para

reprodução, que ocorre durante a enchente quando os juvenis ficam protegidos pelo ambiente

inundado.

Áreas de pesca visitadas. Durante a inspeção da área, visitamos quatro locais de pesca de peixes

ornamentais. Dois na margem esquerda do rio Negro (igarapé do Zamula e igarapé Daraquá), um

no rio Aracá (igarapé Murumuru), e um no rio Quiuini (igarapé do Mamulé) (Fig. 2). A pesca de

peixes ornamentais ocorre junto à margem do igapó, onde a profundidade é de no máximo 50

cm. Assim, sempre guiados por um morador local e pescador de peixes ornamentais, seguimos o

procedimento usual de pesca de ornamentais, e entramos com o barco – às vezes apenas uma

canoa de madeira a remo por causa das passagens estreitas entre as árvores – por igarapés, até

encontrar a margem do igapó. Nesses locais observamos e praticamos a pesca de peixes

ornamentais, especialmente cardinais. Basicamente os pescadores utilizam uma rede de mão

chamada rapiché (Fig. 5) e um remo de canoa. A rede é mantida imóvel dentro da água e os

peixes são lenta e cuidadosamente conduzidos com o remo para dentro do rapiché. Quando o

cardume se encontra dentro da rede está é suavemente erguida e os peixes são apanhados com

uma pequena bacia, ou cuia, e colocados dentro de caixas plásticas, ou caçapas.

Alternativamente, pescadores utilizam uma pequena armadilha chamada cacuri (Fig. 6), que é

iscada e deixada na margem do igapó e recolhida mais tarde. Usualmente os peixes são mantidos

por vários dias em pequenos currais ou viveiros feitos de rede plástica, antes de serem

novamente colocados nas caçapas para envio à Barcelos. Em Barcelos acompanhamos o

carregamento de um grande barco (recreio) com caixas plásticas de neons (Paracheirodon

simulans) que foram trazidos do rio Branco em um pequeno barco de pescadores, e seguiam para

Manaus, para exportação.

Principais entrevistas. Diversas pessoas, atores das várias atividades da cadeia produtiva da

pesca comercial, esportiva e ornamental de Barcelos foram entrevistadas. Três dessas pessoas

merecem especial destaque pela sua importância, qualidade das informações prestadas, e

profunda experiência com a pesca.

Sr. Robertto L. Souza (Betão): Secretário do Meio Ambiente de Barcelos e ex-Presidente

da Colônia de Pescadores de Barcelos.

Sr. Raimundo Ribeiro: Principal comprador/atravessador de peixes ornamentais de

Barcelos até o colapso da atividade no início da década de 2000. Ex-pescador de peixes

ornamentais e profundo conhecedor de toda a cadeia produtiva da pesca de ornamentais.

Sr. Nivalso Maia. Proprietário do barco que utilizamos para os deslocamentos pelo rio

Negro. Ex-pescador e profundo conhecedor da região, das comunidades, das pessoas e seus

costumes.

As ameaças aos peixes e ambientes aquáticos. Contrariamente ao observado nas duas

primeiras expedições, o grau de ameaças ambientais detectadas aos corpos aquáticos e peixes do

rio Negro foi considerado baixo. As mais sérias ameaças identificadas são ameaças à pesca de

Page 39: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

39

peixes ornamentais e a sobrevivência desta atividade econômica, que já foi de alta importância

para a região.

Ameaças à pesca ornamental. A pesca ornamental já foi a principal atividade econômica

da cidade de Barcelos e de outras comunidades do médio rio Negro, tendo sido iniciada

entre os anos 40 e 50 do século passado. Até o final da década de 90, aproximadamente

60% da economia da cidade de Barcelos estava baseada na pesca de peixes ornamentais,

e cerca de 80% dos seus 20 mil habitantes trabalhava direta ou indiretamente na

atividade. Estima-se que, na época, cerca de 20 milhões de peixes eram exportados todos

os anos a partir de Barcelos, 80% destes sendo da espécie cardinal (Paracheirodon

axelrodi). Segundo uma estimativa desse período, a região do médio rio Negro possuía

uma área produtiva de cerca de 1,5 milhões de ha, em cerca de 300 pesqueiros espalhados

por centenas de quilômetros de rios. Essa área era explorada por 600-700 pescadores, o

que representa uma área de mais de 2.000 ha por pescador (Paulo Petry, TNC, Comun.

Pessoal). Para acompanhar essa atividade e garantir a sua sustentabilidade, foi criado em

1989 o Projeto Piaba, liderado pelo ictiólogo da UFAM, Dr. Labbish Chao, cujo objetivo

fundamental era determinar que sistemas sócio-culturais e ecológicos seriam capazes de

garantir a preservação dos peixes ornamentais e da sua pesca sustentável. As premissas

do Projeto Piaba se baseavam na ideia de que, ao contrário de garimpo, extração de

madeira ou agricultura, a extração de peixes ornamentais não é uma atividade destrutiva.

Muito pelo contrário, pois segundo os responsáveis pelo Projeto Piaba, os piabeiros

(como são conhecidos os pescadores de piabas ou peixes ornamentais) sabem que se

preservarem a floresta também estarão assegurando as suas fontes de rendimento. Essa

percepção está muito claramente expressa no slogan do Projeto Piaba: “Compre um peixe

e salve uma árvore”. Um folheto do Projeto Piaba com as espécies ornamentais mais

importantes da região do médio rio Negro é reproduzido nas Figs. 11 e 12.

Durante os últimos 10-15 anos, no entanto, toda a cadeia produtiva da pesca

ornamental no médio rio Negro entrou em franco declínio. A causa direta e imediata

desse declínio é clara: a forte diminuição na demanda por peixes ornamentais pelos

exportadores. As causas indiretas, subjacentes à diminuição da demanda, entretanto, são

menos claras e tem múltiplas origens. Aparentemente a concorrência dos novos e

crescentes mercados de exportação de peixes ornamentais no Peru, Venezuela e,

principalmente, Colômbia, que praticam preços ainda mais baixos que o Brasil, aumentou

as dificuldades na colocação dos peixes brasileiros pelos exportadores. Em 2003 o preço

pago aos piabeiros em Barcelos era entre 10 e 14 reais por milheiro de cardinais – esse

valor encontra-se hoje entre 12 e 15 reais por milheiro. Além disso, várias das espécies

ornamentais comumente exportadas a partir do rio Negro passaram a ser reproduzidas em

cativeiro a custos reduzidos por países asiáticos, como Malásia e Singapura. Também, a

principal espécie das exportações do rio Negro, o cardinal, passou a ser reproduzido em

cativeiro nos Estados Unidos e na República Tcheca, ainda que em pequena escala.

No entanto, as principais causas que minaram o interesse dos exportadores de

Manaus (em sua maioria brasileiros, mas alguns estrangeiros), foram o custo da

exportação e, principalmente, os seguidos problemas enfrentados com o IBAMA. O alto

custo das tarifas aéreas e o despreparo das companhias aéreas e aeroportos brasileiros

para enviar peixes vivos – por vezes atrasos inesperados acarretavam a morte de milhares

de peixes embalados para exportação – acresciam muito no preço final do produto.

Também, uma reclamação recorrente dos exportadores é o pequeno número de espécies

Page 40: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

40

ornamentais com permissão para exportação pelo IBAMA. Na época, a exploração de

peixes ornamentais continentais era regulada pelas Portarias 062-N/92 e 080-N/94, que

listavam 174 espécies e três gêneros passiveis de exportação de todo o Brasil (menos de

100 da região do rio Negro). Muitas das espécies que poderiam ser exportadas e garantir

a viabilidade econômica da exportação de peixes ornamentais não o eram, pois não

estavam listadas nas portarias do IBAMA. Arraias e aruanãs, por exemplo, eram espécies

muito procuradas e de alto valor comercial, mas de exportação proibida. Aparentemente,

apesar da pressão ocorrida na época, o IBAMA não teve a sensibilidade e agilidade

necessárias para revisar a lista de espécies com permissão para exportação e normatizar

os processos da atividade, o que acabou contribuindo para o colapso da atividade no

médio rio Negro. A falta de normatização deixava uma lacuna que era explorada tanto

pelos exportadores, que tentavam fazer passar espécies proibidas na suas exportações,

como por agentes do IBAMA, que aceitavam subornos para liberar guias de exportação.

O conjunto desses problemas culminou com o encerramento das atividades de exportação

de muitas empresas de Manaus, que enviavam para a Europa, Ásia e América do Norte os

peixes do rio Negro. O caso específico de Barcelos, entretanto, foi mais grave, pois cerca

de 80% de toda a sua produção de peixes ornamentais era comprada por um único

atravessador, o Sr. Raimundo Ribeiro, que provia emprego e renda para quase 500

famílias, com as quais cultivou relações pessoais por mais de 30 anos. Esse comprador

enviava os peixes para o Sr. Asher Benzaken, da Turkys Aquarium, exportador israelense

radicado em Manaus desde os anos 70, que encerrou as suas atividades no inicio da

década de 2000 em grande parte por causa de dificuldades sistemáticas como o IBAMA,

por não aceitar o modo de operação daquela agência. A Turkys Aquarium era a empresa

com maior volume de exportação porque era muito bem conceituada no mercado exterior

por produzir peixes de alta qualidade, com baixas taxas de mortalidade, possuindo,

inclusive, certificação ISO 14000. Essa cadeia de problemas e a falta de entendimento ou

interesse por parte de autoridades brasileiras de diversas esferas, culminaram com o

colapso de uma atividade econômica sustentável, que preserva o meio ambiente e que

gerava recursos para a subsistência de mais de 600 família na região de Barcelos.

Pesca esportiva. A atividade econômica envolvendo a pesca esportiva tornou-se muito

importante na região de Barcelos com o declínio da pesca de peixes ornamentais.

Geralmente a pesca esportiva é uma atividade de baixo impacto nas comunidades de

peixes. Na região de Barcelos, entretanto, o número de pescadores esportivos durante a

estação de pesca (agosto à fevereiro) é muito grande. Relatos de guias e piloteiros de

barcos de pesca sugerem a visita de milhares de pescadores esportivos a cada ano,

especialmente estrangeiros. Essas informações são corroboradas pelo grande número de

barcos-hotéis, pousadas e operadoras de pesca existentes na região. Como descrito acima,

os ambientes aquáticos do médio rio Negro são muito grandes, mas a retirada contínua de

peixes pela pesca esportiva pode ser um impacto considerável para as populações de

peixes, especialmente de tucunarés, sobre os quais é dirigida a maior parte do esforço de

pesca esportiva. Apesar da alegação de baixas taxas de mortalidade pela pesca esportiva,

não existem dados concretos que corroborem esta situação. Existe uma grande

disparidade nas técnicas de manejo dos peixes por parte dos guias e principalmente por

parte dos pescadores, que contribuem significativamente para a mortalidade dos

exemplares que são soltos após a captura.

Page 41: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

41

Agricultura. A agricultura comercial na região do médio rio Negro é incipiente. No

entanto, com o declínio da pesca de peixes ornamentais ao longo da última década, um

grande número de famílias ribeirinhas está mudando a sua atividade comercial da pesca

de peixes ornamentais para a agricultura e para a pesca esportiva. Como a paisagem do

médio rio negro é dominada por matas inundáveis, a agricultura é praticada em pequenas

roças nas porções de terra firme, junto às comunidades. A dinâmica de inundação sazonal

dominante na região, além da baixa qualidade dos solos e a ausência de culturas

adaptadas à condição climática da região, no entanto, fazem da bacia do rio Negro uma

área sem vocação para a agricultura extensiva, e esta ameaça é considerada de pequena

importância.

Mudanças climáticas. Dados levantados por diferentes estudos e sintetizados por

(Merengo et al. 2010) indicam que a situação pode ser preocupante na Amazônia em

geral e no rio Negro. Em 2005, uma forte estiagem – a maior dos últimos 103 anos,

somente comparável com a estiagem de 1962-1963 – atingiu o oeste e o sudoeste da

Amazônia. Alguns grandes rios da bacia Amazônica chegaram a baixar 6 cm por dia.

Milhões de peixes morreram e apodreceram nos leitos de afluentes do rio Amazonas, os

quais serviam de fonte de água, alimento e meio de transporte para comunidades

ribeirinhas. As possibilidades de ocorrerem períodos de intensa seca na região da

Amazônia podem aumentar dos atuais 5% (uma forte estiagem a cada 20 anos) para 50%

em 2030 e até 90% em 2100. No lado oposto dos extremos climáticos, em 2009 a

Amazônia enfrentou uma enchente de dimensões históricas, superior aos máximos

históricos registrados no porto de Manaus nos últimos 100 anos, maiores que os níveis

recordes registrados em 1953. Segundo o Serviço Geológico do Brasil, o ano de 1953

marcou a história de Manaus como o período da pior enchente da cidade. Na ocasião, o

nível do rio Negro atingiu a marca de 29,68 m, valor que foi ultrapassado em 2009,

atingindo 29,78 m (Merengo et al. 2010). No caso específico do rio Negro, secas muito

intensas são mais prejudiciais aos peixes, pois diminuem consideravelmente a área de

igapó, local de refúgio, alimentação, e reprodução dos peixes.

VIII. AÇÕES PROPOSTAS PARA CONSERVAÇÃO E MANEJO

Com base nos estudos de campo nos três hotspots designados, acrescidos de dados coletados na

literatura publicada, as seguintes ameaças ambientais aos ecossistemas aquáticos foram

identificadas:

Alteração e perda de hábitats de peixes devido ao desmatamento da vegetação

ripária As medidas mitigadoras para esta ameaça ambiental compreendem:

Monitoramento e controle de desmatamentos da vegetação ripária, inclusive em

cumprimento à legislação de vários países membro da OTCA;

Conscientização dos produtores rurais sobre a faixa mínima de vegetação ripária;

Criação de mecanismos participativos de fiscalização (cooperação das comunidades de

pescadores com os órgãos ambientais).

Page 42: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

42

Efeito da diminuição da vazão dos rios devido ao desmatamento das áreas de

nascentes

As medidas mitigadoras para esta ameaça ambiental compreendem:

Monitoramento e controle de desmatamentos extensivo em todas as áreas da bacia

Amazônica, em especial a sua metade sul no Brasil;

Conscientização dos governos dos países membros da OTCA da importância da

manutenção das florestas ainda existentes para a sobrevivência do ecossistema;

Criação de mecanismos participativos de fiscalização (cooperação das comunidades de

pescadores com os órgãos ambientais).

Efeito de contaminantes ambientais na qualidade da água

As medidas mitigadoras para esta ameaça ambiental compreendem:

Monitoramento e controle do uso extensivo e indiscriminado de fertilizantes e pesticidas

em todas as áreas da bacia Amazônica, em especial a sua metade sul no Brasil;

Conscientização dos governos dos países membros da OTCA da importância da melhoria

das condições de saneamento das capitais e dos principais núcleos urbanos, mediante a

ampliação ou a implementação de sistemas de tratamento de esgotos domésticos, além de

sistemas para tratamento de efluentes industriais e de disposição final de resíduos sólidos

Proibição do uso de mercúrio para separação do ouro nos garimpos;

Desenvolvimento de pesquisa para encontrar forma alternativa de separação do ouro;

Fiscalização sobre venda e utilização de mercúrio;

Conscientização de garimpeiros sobre os malefícios do mercúrio para a saúde e ambiente.

Efeito de reservatórios de hidrelétricas na diversidade e comunidades de peixes

As medidas mitigadoras para esta ameaça ambiental compreendem:

Conscientização dos governos dos países membros da OTCA da importância da

construção de sistemas de passagens para peixes (escadas, canais, elevadores) em

hidrelétricas novas e existentes;

Planejamento de longos espaços livres de rio entre as UHEs em sequência em um mesmo

rio;

Desenvolvimento de pesquisa para proposição de ações na operação das UHEs com a

finalidade de reduzir a variação do nível do rio a jusante durante a estação reprodutiva

dos peixes.

Efeito de obras de infraestrutura na diversidade e comunidades de peixes

As medidas mitigadoras para esta ameaça ambiental compreendem:

Page 43: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

43

Planejamento de longos espaços livres de rio entre as UHEs em sequência em um mesmo

rio;

Desenvolvimento de pesquisa para proposição de ações na operação das UHEs com a

finalidade de reduzir a variação do nível do rio a jusante durante a estação reprodutiva

dos peixes.

Desenvolvimento de pesquisa para utilização mais eficiente de outras formas de geração

de energia elétrica.

Reforçar a necessidade da efetiva implementação da legislação ambiental Brasileira

relativa ao Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e ao Relatório de Impacto ao Meio

Ambiente (RIMA) nos empreendimentos altamente impactante, que determinam

mitigação de impactos e compensação por perdas ambientais.

Pressão predatória sobre quelônios e outras espécies de hábitos aquáticos

As medidas mitigadoras para esta ameaça ambiental compreendem:

Elaboração de programas de educação ambiental para a conscientização da população de

ribeirinhos sobre a importância das tartarugas e outros animais no ecossistema.

Incrementar os programas existentes de proteção aos quelônios na época da desova e de

cultivo controlado, a exemplo do que já ocorre em algumas praias do rio Negro e outros

locais na Amazônia.

Estabelecer novos programas de cultivo e uso sustentável de recursos naturais com a

tartaruga-da-Amazônia.

Ampliação da fiscalização por parte do IBAMA e de agências estaduais sobre a caça e

comercialização de quelônios e mamíferos aquáticos.

Efeitos das mudanças climáticas sobre os ambientes aquáticos

As medidas mitigadoras para esta ameaça ambiental compreendem:

Conscientização dos governos dos países membros da OTCA sobre importância da

floresta e de sua manutenção, como um regulador do clima;

Estudos sobre programas de reflorestamento e recuperação de áreas degradas, com a

finalidade de diminuir a exposição do solo;

Desenvolvimento de programas de educação ambiental e de conscientização sobre as

mudanças climáticas e de como elas afetam a biodiversidade, em especial a

biodiversidade aquática.

Diminuição mundial das emissões de gás carbônico.

IV. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Abell, R., R. E. Reis, P. Petry & 25 autores. 2008. Freshwater ecoregions of the world: A new

map of biogeographic units for freshwater biodiversity conservation. Bioscience, 58: 403-

414.

Page 44: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

44

Albert, J. S. & R. E. Reis (eds). 2011a. Historical biogeography of neotropical fishes. Univ.

California Press, Berkeley, 388p.

Albert, J. S. & R. E. Reis. 2011b. Introduction to neotropical freshwaters. Pp. 3-19 In.: Albert, J.

S. & R. E. Reis (eds). Historical biogeography of neotropical fishes. Univ. California Press,

Berkeley, 388p.

Albert, J. S., P. Petry & R. E. Reis. 2011b. Major biogeographic and phylogenetic patterns. Pp.

21-57 In.: Albert, J. S. & R. E. Reis (eds). Historical biogeography of neotropical fishes.

Univ. California Press, Berkeley. 388p.

Böhlke J. E., S. H. Weitzman & N. A. Menezes. 1978. Estado atual da sistemática dos peixes de

água doce da América do Sul. Acta Amazonica, 8: 657-677.

Buckup, P. A. & 14 autores. 2011. Inventário da ictiofauna da ecorregião aquática Xingu-

Tapajós. Pp. 163-174 In.: Castilhos, Z. C. & P. A. Buckup (eds). Ecorregião aquatic Xingu-

Tapajós. CETEM-MCT, Rio de janeiro. 248p.

Casatti, L. 2003. Family Sciaenidae. Pp. 602-606 In.: Reis, R. E, S. O. Kullander & C. J. Ferraris

(eds). Check List of the Freshwater Fishes of South and Central America. Edipucrs, Porto

Alegre. 730p.

Castro, R. M. C. & R. P. Vari. 2003. Family Prochilodontidae. Pp. 66-71. In.: Reis, R. E, S. O.

Kullander & C. J. Ferraris (eds). Check List of the Freshwater Fishes of South and Central

America. Edipucrs, Porto Alegre. 730p.

Ferraris Jr., C. J. & Reis, 2005. Neotropical catfish diversity: An historical perspective.

Neotropical Ichthyology, 3: 453-454.

Ferraris, C. J. 2003. Family Auchenipteridae. Pp. 473-486 In.: Reis, R. E, S. O. Kullander & C.

J. Ferraris (eds). Check List of the Freshwater Fishes of South and Central America.

Edipucrs, Porto Alegre. 730p.

Garavello, J. C. & H. A. Britski. 2003. Family Anostomidae. Pp. 72-85 In.: Reis, R. E, S. O.

Kullander & C. J. Ferraris (eds). Check List of the Freshwater Fishes of South and Central

America. Edipucrs, Porto Alegre. 730p.

Gery, J. 1969. The fresh-water fishes of South America. Pp. 828-848. In.: Fittkau, E. J., J. Illies,

H. Klinge, G. H. Schwabe & H. Sioli (eds). Biogeography and ecology in South America. W.

Junk Publishers, Dordrecht.

Goulding, M., M. L. Carvalho & E.J. G. Ferreira. 1988. Rio Negro: Rich life in poor waters. SPB

Academic Publishing, The Hague.

Goulding, M., R. Barthem & E. J. G. Ferreira. 2003. The Smithsonian atlas of the Amazon.

Smithsonian Books, Washington.

Hales, J. & P. Petry. 2013. Freshwater Ecoregions of the world; Ecoregion 322: Xingu. Webpage

http://www.feow.org/ecoregions/details/322. Acessada em 21/04/2013.

Ivanauskas, N. M., R. Monteiro & R. R. Rodrigues. 2008. Classificação fitogeográfica das

florestas do Alto Rio Xingu. Acta Amazonica [online], 38(3): 387-402.

(http://www.scielo.br/pdf/aa/v38n3/v38n3a03.pdf)

Jégu, M. 2003. Subfamily Serrasalminae. Pp. 185-199. In.: Reis, R. E, S. O. Kullander & C. J.

Ferraris (eds). Check List of the Freshwater Fishes of South and Central America. Edipucrs,

Porto Alegre. 730p.

Page 45: PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS … · 2015-05-18 · Uma das características mais marcantes do continente Sul Americano é a sua baixa ... como geomorfologia das bacias,

45

Kullander, S. O. 2003. Family Cichlidae. Pp. 609-659. In.: Reis, R. E, S. O. Kullander & C. J.

Ferraris (eds). Check List of the Freshwater Fishes of South and Central America. Edipucrs,

Porto Alegre. 730p.

Lima, F. C. T. 2003. Subfamily Bryconinae. Pp. 177-184. In.: Reis, R. E, S. O. Kullander & C. J.

Ferraris (eds). Check List of the Freshwater Fishes of South and Central America. Edipucrs,

Porto Alegre. 730p.

Lundberg, J. G. & M. W. Littmann. 2003. Family Pimelodidae. In.: Reis, R. E, S. O. Kullander

& C. J. Ferraris (eds). Check List of the Freshwater Fishes of South and Central America.

Edipucrs, Porto Alegre. 730p.

Lundberg, J. G., M. Kottelat, G. R. Smith, M. L. J. Stiassny & A. C. Gill. 2000. So many fishes,

so little time: An overview of recent ichthyological discoveries in continental waters. Annals

of the Missouri Botanical Garden, 87: 26-62.

Olson, D., E. Dinerstein, P. Canevari, I. Davidson, G. Castro. V. Morriset, R. Abell & E. Toledo.

1998. Freshwater biodiversity of Latin America and the Caribbean: A conservation

assessment.

Oyakawa, O. T. 2003. Family Erythrinidae. Pp. 241-244. In.: Reis, R. E, S. O. Kullander & C. J.

Ferraris (eds). Check List of the Freshwater Fishes of South and Central America. Edipucrs,

Porto Alegre. 730p.

Reis, R. E, S. O. Kullander & C. J. Ferraris (eds). 2003. Check List of the Freshwater Fishes of

South and Central America. Edipucrs, Porto Alegre. 730p.

Reis, R. E. 2013. Conserving the freshwater fishes of South America. International Zoo

Yearbook, 47: 65-70.

Ribeiro, M. C. L. B. & M. Petrere, Jr. 1990. Fisheries ecology and management of the Jaraqui

(Semaprochilodus taeniurus, S. insignis) in central Amazonia. Regulated Rivers: Research

Management, 5: 195-215.

Ringuelet, R. A. 1975. Zoogeografia y ecologia de los peces de águas continentales de la

Argentina y consideraciones sobre las áreas ictiológicas de Amércia del Sur. Ecosur, 2: 1-

151.

Shibatta, O. A. 2003. Family Pseudopimelodidae. Pp. 402-406. In.: Reis, R. E, S. O. Kullander

& C. J. Ferraris (eds). Check List of the Freshwater Fishes of South and Central America.

Edipucrs, Porto Alegre. 730p.

Toledo-Piza, M. 2003. Family Cynodontidae. Pp. 237-240. In.: Reis, R. E, S. O. Kullander & C.

J. Ferraris (eds). Check List of the Freshwater Fishes of South and Central America.

Edipucrs, Porto Alegre. 730p.

Vari, R. P. & L. R. Malabarba. 1998. Neotropical ichthyology: An overview. Pp. 1-11 In.:

Malabarba, R. E. Reis, R. P. Vari, C. A. S. Lucena & Z. M. S. Lucena (eds). Phylogeny and

classification of Neotropical fishes. Edipucrs, Porto Alegre. 706p.

Vari, R. P. 2003. Family Ctenoluciidae. Pp. 256-258. In.: Reis, R. E, S. O. Kullander & C. J.

Ferraris (eds). Check List of the Freshwater Fishes of South and Central America. Edipucrs,

Porto Alegre. 730p.

Winemiller, K. O. 1996. Factors driving spatial and temporal variation in aquatic floodplain food

webs. Pp. 298-312. In.: Polis, F. A. and K. O. Winemiller (eds). Food webs: Integration of

patterns and dynamics. Chapman and Hall, New York.