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Instituto de Pesquisa e Documentação Etnográfica - Olhar Etnográfico PROJETO: “Valorização e Adequação dos Sistemas de Parto Tradicionais das Etnias Indígenas do Acre e do Sul do Amazonas” Ilustração 1: Crianças jaminawa de viagem pelo rio Purus RELATÓRIO DE ETNOGRÁFICO FINAL (3º PRODUTO) (SETEMBRO 2006 – JANEIRO 2007) FLORIANÓPOLIS, 23 de janeiro 2007.

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PROJETO: “Valorização e Adequação dos Sistemas de Parto Tradicionais das Etnias Indígenas do Acre e do Sul do Amazonas”

Ilustração 1: Crianças jaminawa de viagem pelo rio Purus

RELATÓRIO DE ETNOGRÁFICO FINAL (3º PRODUTO)

(SETEMBRO 2006 – JANEIRO 2007)

FLORIANÓPOLIS, 23 de janeiro 2007.

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EQUIPE TÉCNICA EXECUTORA

Laura Pérez Gil - Coordenação antropológica e administrativa (NESSI-UFSC / Instituto Olhar Etnográfico)

Marlinda Patrício - Antropóloga (Consultora da Área de medicina Tradicional

Indígena/VIGISUS II)

Edina Carlos Brandão - Monitora shanenawa (Vice-presedente de Sitoakore)

Letícia Luiza Yawanawá - Apoio administrativo (Presidente de Sitoakore)

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1. Apresentação do relatório __________________________________________ 2

2. Atividades realizadas durante a segunda etapa do projeto._______________ 3 2.1. A equipe executora. _____________________________________________ 8 2.2. Reuniões com membros do DSEI/Alto Purus. _______________________ 10 2.3. Visita aos pólos-base. __________________________________________ 12 2.4. Contato com as organizações locais. _______________________________ 14 2.5. Descrição das reuniões _________________________________________ 17

2.5.1. A região abrangida pelo DSEI/Alto Purus _______________________ 19 2.5.2. Participação nas reuniões.____________________________________ 24 2.5.3. Metodologia adotada nas reuniões. ____________________________ 27 2.5.4. 4ª Reunião – região de Pauini. ________________________________ 29 2.5.5. 5ª Reunião – região de Boca do Acre___________________________ 31 2.5.6. 6ª reunião – regiões de Sena Madureira, Santo Rosa e Assis Brasil. ___ 31

3. Universo etnográfico _____________________________________________ 33 3.1. Localização e transporte das comunidades incluídas na segunda etapa de execução do projeto._______________________________________________ 51

3.1.1. Região de Pauini___________________________________________ 52 3.1.2. Região de Boca do Acre _____________________________________ 53 3.1.3. Região de Sena Madureira ___________________________________ 55

4. Funcionamento do DSEI/Alto Purús. ________________________________ 58 4.1. Constituição das Equipes Multidisciplinares de Saúde _________________ 61

5. Dados referentes ao parto indígena. _________________________________ 64 5.1. Apresentação de dados que aparecem na bibliografia etnográfica.________ 65 5.2. Descrição dos sistemas de parto tradicionais indígenas conforme os dados obtidos durante as reuniões: _________________________________________ 70

5.2.1. Apurinã __________________________________________________ 70 5.2.2. Jaminawa ________________________________________________ 79 5.2.3. Kaxinawa ________________________________________________ 83 5.2.4. Kulina ___________________________________________________ 85 5.2.5. Jamamadi ________________________________________________ 86 5.2.6. Kaxarari _________________________________________________ 87

5.3. Práticas e cuidados durante a gravidez e o pós-parto __________________ 90 5.3.1. Princípios básicos sobre a noção e corporalidade entre as sociedades ameríndias. ____________________________________________________ 90 5.3.2. Dietas durante a gravidez e resguardos pós-parto. _________________ 93

5.4. Discussão sobre o conceito de parteira e seu desenvolvimento. __________ 97

6. A interação das populações indígenas com o sistema oficial de saúde no processo de gestação, parto e pós-parto._______________________________ 102

6.1. A utilização do sistema público de atenção à saúde por parte dos povos atendidos pelo DSEI/Alto Purus. ____________________________________ 102

6.1.1. Apurinã _________________________________________________ 103 6.1.2. Jamamadi _______________________________________________ 109 6.1.3. Jaminawa _______________________________________________ 111

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6.1.4. Kaxarari ________________________________________________ 114 6.1.5. Kaxinawa _______________________________________________ 115 6.1.6. Kulina __________________________________________________ 116 6.1.7. Reivindicações de melhoria do sistema público de saúde.__________ 118

6.2. A medicina tradicional_________________________________________ 125 6.3. Relação entre parteira, AIS e pajé. _______________________________ 130

6.3.1. Sistemas xamânicos _______________________________________ 130 6.3.2. A parteira e o pajé_________________________________________ 133 6.3.3. A parteira e o AIS. ________________________________________ 137

6.4. Parto na aldeia/parto no hospital _________________________________ 140 6.4.1. Comparação entre o parto na aldeia e o parto no hospital __________ 141 6.4.2. A utilização dos serviços públicos de saúde por parte das mulheres indígenas para a realização do parto. _______________________________ 145

6.5. O pré-natal e exames preventivos.________________________________ 152 6.6. Interação das “parteiras” com o sistema público de saúde: articulações entre sistemas. _______________________________________________________ 154

7. Apresentação de dados epidemiológicos. ____________________________ 156 7.1. Gerais______________________________________________________ 157 7.2. Dados epidemiológicos relacionados com o tema do parto. ____________ 158

8. Propostas para articulação de sistemas._____________________________ 165

9. Resultados do projeto. ___________________________________________ 169

10. Bibliografia ___________________________________________________ 173

11. ANEXOS _____________________________________________________ 177 11.1. Anexo 1: Documentos oficiais dirigidos pela equipe executora ao DSEI/Alto Purus e à CASAI ________________________________________________ 178 11.2. Anexo 2: Convites ___________________________________________ 182 11.3. Anexo 3: Listas de participantes ________________________________ 185 11.4. Anexo 4: Roteiros das reuniões_________________________________ 191 11.5. Anexo 5: Cadastros das parteiras________________________________ 197 11.6. Anexo 6: Dados sobre o número de grávidas e o número as pessoas que assistem os partos em cada aldeia. ___________________________________ 206 11.7. Anexo 7: Dados sobre os locais dos partos da população indígena. _____ 209 11.8. Anexo 8: Dados epidemiológicos _______________________________ 211

11.8.1. Dados do pólo-base de Assis Brasil __________________________ 211 11.8.2. Dados do pólo-base de Boca do Acre_________________________ 212 11.8.3. Dados do pólo-base de Manuel Urbano _______________________ 213 11.8.4. Dados do pólo-base de Pauini ______________________________ 214 11.8.5. Dados do pólo-base de Santa Rosa do Purus ___________________ 215 11.8.6. Dados do pólo-base de Sena Madureira _______________________ 216 11.8.7. Dados gerais do DSEI/Alto Purus ___________________________ 217

11.9. Anexo 9: Notícia sobre xingané. ________________________________ 219

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AAF – Agente Agroflorestal

AIS - Agente Indígena de Saúde

AISAN - Agente Indígena de Saneamento

AMTI – Área de Medicina Tradicional Indígena/VIGISUS II

CASAI – Casa do Índio

DSEI – Distrito Sanitário Especial Indígena

DST – Doenças Sexualmente Transmissíveis

EMSI – Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena

GMI – Grupo de Mulheres Indígenas

OCAEJ - Organização Comunitária Agroextrativista Jaminawa.

PCCU: Prevenção do Câncer Cérvico-Uterino

P.I. – Posto Indígena da FUNAI

SIASI – Sistema de Informações de Saúde Indígena

Sitoakore – Organização das Mulheres Indígenas do Acre, Sul do Amazonas e

Noroeste de Rondônia.

SUS – Sistema Único de Saúde

T.I. – Terra Indígena

UNI/AC – União Nacional Indígena /Acre

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1. Apresentação do relatório

O presente documento constitui o segundo relatório etnográfico produzido pelas

técnicas do projeto “Valorização e Adequação dos Sistemas de Parto Tradicionais das

Etnias Indígenas do Acre e do Sul do Amazonas”. Nesse relatório desenvolveremos três

pontos principais. Em primeiro lugar, faremos uma descrição das atividades realizadas

pela equipe técnica durante a segunda etapa de execução do projeto, entre os meses de

setembro e novembro de 2006; em segundo lugar, no corpus central desenvolveremos

vários pontos, que especificaremos a seguir, relativos à caracterização dos sistemas de

parto indígenas e ao sistema de atenção à saúde da população indígena nas regiões

tratadas; por ultimo, apresentaremos algumas propostas de articulação entre os sistemas

médicos nativo e oficial, que possam vir a embasar futuras políticas públicas de saúde

voltadas para as populações indígenas.

O corpus etnográfico do relatório será desenvolvido atendendo aos seguintes

objetivos:

1) Apresentar um marco etnográfico básico relativo às etnias indígenas

envolvidas na segunda etapa do projeto, que permita ao leitor contextualizar

as informações referentes aos sistemas de parto indígenas, assim como as

relações de cada povo com o sistema oficial de saúde e com determinados

sectores da sociedade envolvente.

2) Descrever o sistema de atenção oficial de saúde destinado à população

indígena na região compreendida pelo Distrito Sanitário Especial Indígena

do Alto Purus, ao qual estão ligadas as comunidades indígenas envolvidas na

segunda etapa de execução do projeto.

3) Expor os dados etnográficos nos quais se fundamenta a análise antropológica

que sustenta as propostas finais. Esses dados etnográficos se referem aos

seguintes pontos:

• Apresentação de dados relativos aos sistemas de parto

indígenas, assim como a outras temáticas e noções que sejam

importantes para subsidiar a discussão do presente relatório,

como os conceitos de corpo, pessoa ou doença, que estejam

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presentes na bibliografia etnográfica existente sobre as etnias

aqui tratadas.

• Apresentação dos dados relativos aos sistemas de parto

surgidos nas discussões realizadas durante as Reuniões de

Parteiras, Pajés e AIS. Esses dados se referem a várias

questões, como o complexo de cuidados durante a gravidez e

o pós-parto; as figuras envolvidas no cuidado da grávida e na

realização do parto; o atual desenvolvimento do conceito de

“parteira”.

• Apresentação dos dados relativos à interação dos indígenas

como o sistema oficial de saúde em relação ao parto.

b) Apresentação de dados epidemiológicos que permitam traçar o perfil dos

povos aqui tratados quanto aos problemas de saúde relacionados com o

processo de gravidez, parto e pós-parto.

Os dados etnográficos apresentados nesse relatório se referem apenas às etnias

envolvidas na segunda etapa do projeto. Entretanto, as reflexões finais relativas às

propostas de articulação de sistemas estarão baseadas tanto nesse relatório quanto no

relatório etnográfico parcial (2º produto), no qual foram apresentadas as informações

relativas às etnias envolvidas nas atividades da primeira etapa do projeto, ocorrida entre

fevereiro e abril de 2006.

2. Atividades realizadas durante a segunda etapa do projeto.

A segunda etapa do projeto foi realizada entre os meses de setembro e novembro

de 2006. Embora no cronograma inicial estava prevista a finalização das Reuniões de

Parteiras, Pajés e AIS para o mês de agosto, foi necessário adiar a realização das três

últimas reuniões por dois fatores principais: a necessidade de ampliar o prazo previsto

para a elaboração dos relatórios, dada a sua complexidade; a demora na liberação dos

recursos destinados à execução das atividades do projeto, uma vez os relatórios foram

entregues.

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Durante a segunda etapa do projeto, foram realizadas as seguintes atividades:

• Reuniões internas da equipe executora do projeto para o

planejamento logístico das reuniões.

• Reuniões com membros do DSEI/Alto Purus.

• Visita a quatro dos seis pólos-base pertencentes ao DSEI/Alto Purús.

• Três Reuniões de Parteiras, Pajés e AIS na região atendida pelo

DSEI/Alto Purús.

Após a finalização da execução da segunda etapa do projeto, foi realizada uma

reunião na sede do VIGISUS em Brasília, nos dias 17 a 19 de janeiro de 2007, na qual

participaram a Área de Medicina Tradicional Indígena/VIGISUS II, a equipe executora

do projeto e o Instituto Olhar Etnográfico. O objetivo da reunião era planejar as

atividades que ainda faltavam por fazer, e considerar a realização de atividades de

encerramento do projeto. Devido à demora nos prazos inicialmente definidos e na

liberação dos recursos, e por não ser suficientes os recursos liberados na terceira

parcela, não foi possível realizar durante a segunda etapa de execução do projeto os

estudos de caso previstos no mesmo. Foi decidido que esses estudos seriam efetuados

numa terceira etapa, após a liberação da quarta parcela do recurso, sendo o relatório

correspondente posteriormente anexado ao presente relatório.

Porém, na reunião realizada entre os dias 17 e 19 de janeiro de 2007, as

representantes da Sitoaköre se mostraram contrárias a que os estudos de caso fossem

realizados, apesar de ser esta uma das atividades já definidas no projeto, em cuja

elaboração e execução a Sitoaköre tinha participado como entidade parceira. A principal

razão alegada foi que as comunidades não iriam aceitar que nenhum estudo fosse feito,

já que são resistentes a qualquer tipo de pesquisa, alegando o perigo de roubo de

conhecimentos que implicam. A Gerência da Área de Medicina Tradicional

Indígena/VIGISUS II, junto às antropólogas que integram a equipe executora, tinha

proposto várias medidas que tinham como objetivo acalmar estas reticências e

contribuir para a capacitação profissional de indígenas, como são a apresentação de

planos onde constaria quais seriam as atividades concretas da pesquisa, centrada

especialmente na definição do itinerário terapêutico e nas histórias de vida dos

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detentores de saberes dentro das comunidades; e o envolvimento de pesquisadores

indígenas, que acompanhariam as antropólogas em campo. Contudo, as representantes

da Sitoaköre se negaram a levar a proposta para as comunidades e negociar com elas.

Em razão dessa circunstância, os estudos de caso não serão feitos. Porém, outras

atividades foram planejadas pela Gerência da Área de Medicina Tradicional Indígena e

o Instituto Olhar Etnográfico, voltadas para a avaliação do mesmo entre as comunidades

indígenas, e para dar um retorno aos DSEIs do Alto Juruá e Alto Purus. Essas atividades

serão executadas entre fevereiro e março de 2007.

A seguir, apresentamos o cronograma de atividades realizadas durante a segunda

etapa de execução do projeto, entre setembro e novembro de 2006.

12/9/06 • Reunião em Brasília das antropólogas da equipe com a Gerência da AMTI e com o Instituto Olhar Etnográfico para definir procedimentos administrativos e questões a serem repassadas para a Sitoköre.

• Deslocamento das antropólogas para Rio Branco

14/9/06 • Reunião entre as antropólogas com Edina Carlos Brandão na sede da Sitoakore.

• Reunião da equipe com o chefe do DSEI/Alto Purus e sua equipe para apresentação do projeto.

15/9/06 • Reunião das antropólogas com o chefe do DSEI/Alto Purus.

17/9/06 • Deslocamento a Pauini.

17/9/06 a 19/09/06 • Visita ao pólo-base de Pauini: Levantamento de dados e entrevistas com as enfermeiras.

• Contatos com a organização indígena da região.

20/9/06 • Deslocamento a Boca de Acre.

21/9/06 • Visita ao pólo-base de Boca do Acre: entrevista com administradora do pólo-base de Boca do Acre.

• Levantamento de preços nos supermercados.

22/9/06 • Deslocamento a Rio Branco

23/9/06 e 24/9/06 • Trabalho na preparação da logística das reuniões.

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25/9/06 • Reunião da equipe executora na sede da Sitoaköre. • Visita dos membros da equipe à CASAI. • Reunião da equipe com o chefe do DSEI.

26/9/06 • Deslocamento a Sena Madureira. • Visita ao pólo-base de Sena Madureira: Entrevista com o

administrador do pólo-base. • Entrevista com Zé Correia da Silva, chefe do P.I. da FUNAI

em Sena Madureira e Tesoureiro da OCAEJ para articular a organização e a divulgação da 6ª Reunião.

27/9/06 • Entrevista com a enfermeira do pólo-base de Sena Madureira e levantamento de dados no pólo.

28/9/06 • Deslocamento a Assis Brasil. • Visita ao pólo-base de Assis Brasil: entrevista com o

administrador do pólo-base.

29/9/06 • Entrevista com a enfermeira do pólo-base de Assis Brasil. • Deslocamento a Rio Branco.

4/10/06 • Reunião no DSEI com Balica Monteiro, consultora da UNESCO.

5/10/06 • Deslocamento da equipe a Boca do Acre.

6/10/06 • Visita da equipe à aldeia de Camicuã (Boca do Acre) para articular com as pessoas da aldeia a realização da 5ª Reunião de Parteiras, Pajés e AIS que seria celebrada lá.

7/10/06 • Saída da equipe de Boca do Acre em direção à aldeia Nova Vista.

8/10/06 • Chegada a Nova Vista.

9/10/06 • Organização da reunião.

10/10/06 a 13/10/06 • 4ª Reunião de Parteiras, Pajés e AIS

14/10/06 • Saída de Nova Vista em direção a Boca do Acre.

16/10/06 • Chegada a Boca do Acre

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17/10/06 a 19/10/06 • Estadia em Boca do Acre e organização da 5ª Reunião.

19/10/06 • Deslocamento da equipe à aldeia Camicuã.

20/10/06 a 23/10/06 • 5ª Reunião de Parteiras, Pajés e AIS

24/10/06 • Deslocamento a Boca do Acre.

25/10/06 • Entrevista da antropóloga Laura com a administradora do pólo-base e com o médico do mesmo. Levantamento de dados.

• Deslocamento da equipe a Rio Branco.

28/10/06 • Deslocamento das antropólogas e de uma pessoa da Sitoaköre a Sena Madureira.

1/10/06 • Reunião com os encarregados indígenas do P.I., Zé Correia da Silva e Raimundo Nonato Kaxinawa, para articular e organizar a 6ª reunião.

• Reunião com o administrador do pólo-base de Sena Madureira para organizar a 6ª Reunião.

3/11/06 • Saída de Sena Madureira para a aldeia Kaiapucá.

4/11/06 a 7/11/06 • 6ª Reunião de Parteiras, Pajés e AIS

8/11/06 • Deslocamento da equipe e dos participantes até Sena Madureira.

• Deslocamento de parte da equipe a Rio Branco.

9/11/06 • Deslocamento da antropóloga Laura a Rio Branco.

10/11/06 • Reunião de avaliação da equipe na sede da Sitoakore. • Reunião das antropólogas com o chefe do DSEI/Alto Purus • Deslocamento da antropóloga Marlinda a Brasília.

11/11/06 • Deslocamento da antropóloga Laura a Brasília.

12/11/06 • Reunião da antropóloga Laura com Olhar Etnográfico

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17/1/07 a 19/1/07 • Reunião em Brasília entre a Gerência da Área de Medicina Tradicional Indígena/VIGISUS II, a equipe executora do projeto e o Instituto Olhar Etnográfico para planejamento das próximas atividades.

2.1. A equipe executora.

Como na etapa anterior, a equipe executora esteve composta por duas

integrantes da Sitoaköre (Organização de Mulheres do Acre, Sul do Amazonas e

Noroeste de Rondônia) e duas antropólogas especializadas na área de etnologia. Das

quatro integrantes da equipe, apenas houve um câmbio em relação à equipe que operou

na primeira etapa no projeto. A antropóloga Juliana Rosalen precisou se desligar do

projeto por ter outros compromissos laborais, como já tinha informado quando foi

incorporada ao mesmo, e seu lugar foi ocupado pela antropóloga Marlinda Patrício. A

constituição da equipe durante a segunda etapa foi a seguinte:

1. Letícia Luiza Yawanawá - coordenadora da Sitoaköre.

2. Edina Carlos Brandão Shanenawa - vice-coordenadora da Organização.

3. Laura Pérez Gil – antropóloga, coordenação antropológica do projeto.

4. Marlinda Patrício – antropóloga.

No trabalho da equipe, as antropólogas realizaram as funções de efetuar os

levantamentos de dados nos pólos-base, assim como as entrevistas com os profissionais

de saúde que trabalham nos mesmos; acompanhar e etnografar as Reuniões de parteiras,

pajés e AIS; e participar ativamente na organização logística das reuniões. As

integrantes da Sitoaköre participaram também no planejamento das reuniões,

especialmente no que se refere ao contato com as organizações indígenas que faziam a

ponte com as comunidades participantes. Durante o desenvolvimento das reuniões

cumpriam também importantes funções, como indicar às antropólogas as formas

adequadas de se comportar nas aldeias; organizar junto as lideranças das aldeias e das

organizações indígenas aspectos envolvidos nas reuniões (alimentação e hospedagem

dos participantes, principalmente); e coordenar as discussões durante as sessões,

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auxiliando as antropólogas no que respeita às traduções dos depoimentos dos

participantes.

As reuniões internas da equipe

executora aconteceram ao longo de todo o

período que durou o trabalho, e tinham como

objetivo fundamental planejar as ações de

organização e logística das atividades a ser

executadas. Dado que a metodologia e as

temáticas a serem propostas durante as

reuniões já tinham sido estabelecidas durante

a primeira etapa, estas questões ocuparam

pouco espaço nas reuniões. A equipe

considerou que o mais acertado era seguir,

em linhas gerais, o proceder já definido.

Outras questões tratadas foram a

possibilidade de realizar uma filmagem de

uma das reuniões, como tinha sido proposto pela Área de Medicina Tradicional

Indígena/VIGISUS II (AMTI) e pelo Instituo Olhar Etnográfico, e, no final da etapa,

uma avaliação do desenvolvimento das atividades.

Quanto à filmagem, esta foi desestimada pela diretoria da Sitoaköre, em função

dos seguintes argumentos: de um lado, a filmagem não tinha sido prevista no início do

projeto; de outro, as comunidades se mostram receosas perante atividades que

impliquem o registro da imagem1 e já houve problemas na etapa anterior quando foi

proposta na reunião de Tarauacá a possibilidade de realizar uma filmagem.

É necessário especificar que, num primeiro momento, a coordenadora da

Sitoaköre, se mostrou em contra da filmagem, mas, em conversas posteriores,

considerou que uma filmagem constituiria um instrumento importante para a divulgação

do trabalho da organização, assim como um registro de suas atividades. Entretanto,

1 Existe o receio de que as imagens tomadas das populações indígenas possam ser usadas por quem as tomou para ganhar muito dinheiro. Há, portanto, uma grande preocupação dentro das comunidades por controlar e limitar o uso de aparelhos de registro visual.

Ilustração 2: Membros da equipe executorade caminho a aldeia Nova Vista

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queria que a filmagem fosse realizada por um indígena e não pelo Instituto Olhar

Etnográfico, como tinha sido proposto. O fato de não encontrar um indígena que

pudesse realizar a filmagem, e tempo estar já avançado demais para iniciar as

negociações necessárias, fez com que abandonasse a idéia.

Como atividade de encerramento dessa etapa, a equipe realizou uma reunião de

avaliação na sede da Sitoaköre, na qual, além de se comentar globalmente diversos

aspectos do desenvolvimento do projeto, se conversou sobre a possibilidade de realizar

uma reunião final de avaliação e encerramento junto aos chefes dos DSEIs e a outros

parceiros, e que essa proposta seria levada à Gerência da Área de Medicina Tradicional

Indígena /VIGISUS II para sua consideração.

2.2. Reuniões com membros do DSEI/Alto Purus.

Ao longo do período concernente à segunda etapa de execução do projeto, a

equipe executora se reuniu em várias ocasiões com pessoas do DSEI/Alto Purus com os

seguintes propósitos:

• Apresentar o projeto e informar do andamento do mesmo e dos

resultados das reuniões.

• Apresentar o cronograma e os lugares onde as reuniões seriam

realizadas,

• Solicitar informações sobre o funcionamento do DSEI.

• Solicitar apoio na organização das reuniões, especialmente no que

se refere ao deslocamento de alguns dos participantes.

• Solicitar a participação dos profissionais de saúde nas reuniões.

Deve ser mencionado desde já que em todo momento tivemos um excelente

recebimento por parte do DSEI, especialmente do chefe do mesmo, o Sr. Gelcimar

Mota da Cruz, e um total apoio na organização das reuniões. Além de fornecer as

informações solicitadas sobre o funcionamento do DSEI, entre elas os relatórios de

gestão de 2000 a 2005 do DSEI/Alto Purus, foi indicado aos administradores dos pólos-

base que nos forneceram a ajuda necessária em termos de logística, e que nos

auxiliaram no levantamento de dados previsto no projeto. Foi especialmente importante

sua ajuda no que tange ao deslocamento tanto da equipe quanto dos participantes. Quase

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todos os deslocamentos aos municípios foram realizados em veículos disponibilizados

principalmente pelo DSEI, e também pela CASAI. Igualmente, os pólos-base de Boca

de Acre, Pauini e Sena Madureira disponibilizaram embarcações para o deslocamento

da equipe e dos participantes até as aldeias onde seriam realizadas as reuniões.

Finalmente, o DSEI forneceu transporte para o deslocamento das participantes Kaxarari,

cuja T.I. se situa entre o sul do Estado de Amazonas e o noroeste do Estado de

Rondônia (ver mapa 1).

Em anexo (Anexo 1) apresentamos os documentos que foram redigidos à chefia

do DSEI/Alto Purus e à administração da CASAI.

A primeira reunião com o Sr. Gelcimar foi realizada no dia 14 de setembro, logo

após a chegada das antropólogas a Rio Branco. Nessa reunião, na qual participaram as

antropólogas da equipe e uma das integrantes da Sitoakore, Edina Carlos Brandão, foi

apresentado o projeto por parte da equipe, e solicitado o apoio do DSEI. Igualmente, foi

apresentado o cronograma, previamente elaborado pela equipe, onde constavam as datas

para a realização das reuniões, e as aldeias onde esses eventos deveriam ocorrer. A

previsão era que uma ocorresse no mês de setembro e duas durante o mês de outubro.

Durante a reunião, e em conversa com a equipe do DSEI, foi redefinido o cronograma,

já que existiam várias dificuldades para se realizar uma reunião ainda durante o mês de

setembro por várias razões: o baixo nível de água do rio Purus, já que esse ano foi

especialmente seco, dificultava o acesso a algumas das aldeias onde estavam previstas

as reuniões; a proximidade das eleições nacionais, que levaria aos indígenas a sair das

suas aldeias para votar e limitava o período no qual poderia ser realizada a reunião; e o

fato de existirem já outros eventos agendados em comunidades onde estava prevista a

realização das reuniões. Por exemplo, tinha sido considerado realizar a primeira reunião

na aldeia Camicuã (Município de Boca do Acre), por encontrar-se próxima de Boca do

Acre e, portanto, ser possível fazê-lo antes das eleições. Entretanto, a celebração durante

o mesmo período de uma festa apurinã que ia ser filmada e na qual estavam convidadas

pessoas de todas as aldeias apurinã da região, fez inviável a realização da reunião. Boa

parte do calendário de eventos nas aldeias foi do conhecimento do DSEI, que procurou

se programar obedecendo às datas desses acontecimentos.

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Outra questão que fez necessário revisar o cronograma foi a de coordenar as

atividades do projeto com as das Equipes Multidisciplinares de Saúde dos pólos-base, já

que os profissionais que as integram estavam convidados para participar nos dois

últimos dias de cada reunião. O convite foi bem vindo, mas com a ressalva de ser

acertado com os administradores do Pólo-Base e sua equipe de saúde, devido a haver

uma agenda local de atividades destes profissionais na atuação junto às aldeias. As

distâncias consomem dias de viagem, requerendo aviso prévio para participarem de

ações fora do cronograma rotineiro de atividades. Em função das dificuldades

existentes, o sr. Gelcimar Mota da Cruz sugeriu que a equipe aproveitasse o mês de

setembro para fazer as visitas aos pólos-base e o levantamento de dados previsto nos

mesmos, e apenas após a eleições realizássemos as reuniões. A equipe executora do

projeto achou acertada a sugestão, e modificamos o cronograma atendendo a ela. Assim,

ficou definido que durante o mês de setembro visitaríamos os municípios onde se

encontram sediados os pólos-base, realizando os levantamentos de dados e as

articulações com as organizações indígenas, para efetuar, em coordenação com elas, a

divulgação das reuniões em cada região e a previsão de aspectos logísticos.

Uma relação completa das reuniões aparece no cronograma de atividades

apresentada no início desse item.

Durante as reuniões com a equipe do DSEI tratou-se também da escolha,

anteriormente feita, das aldeias onde as reuniões ocorreriam. As escolhas nem sempre

foram de concordância do DSEI devido entenderem não haver infra-estrutura para

receber grande número de participantes. Contudo, consideramos importante acatar a

escolha feita pelas coordenadoras da Sitoaköre, pois conheciam pessoas que poderiam

fazer as articulações necessárias para que chegássemos nesses locais.

2.3. Visita aos pólos-base.

Como aparece especificado no cronograma, a equipe realizou visitas a quatro

dos pólos-base dependentes do DSEI/Alto Purus, localizados nos municípios de Pauini,

Boca do Acre, Sena Madureira e Assis Brasil. Durante essas visitas, foram feitos

levantamentos de dados referentes, especialmente, à porcentagem de mulheres que dão

à luz nas aldeias e nos hospitais (os dados levantados em cada um dos pólos aparecem

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em anexo). Foram também realizadas, quando possível, entrevistas com os

administradores dos pólos-base e com os profissionais que integram as EMSI,

atendendo às seguintes questões: funcionamento administrativo do pólo e do

atendimento que fornece; ações realizadas pelo pólo; relação com a população indígena;

avaliação dos profissionais sobre o estado de saúde da população indígena e sobre a

atuação das parteiras e de outros praticantes de medicina tradicional; caracterização dos

diversos povos em relação ao uso da atenção pública de saúde; relações e colaboração

do pólo com outras instâncias administrativas na execução das suas ações.

As conversas realizadas

nos deram condições para

compreender o funcionamento

dos pólos, que extrapolou as

definições estabelecidas pela

legislação, pois tivemos noção

de seu cotidiano. Conhecer o

município sede dos pólos

possibilitou também contatar os

indígenas que estavam na cidade e

que poderiam repassar os convites

para as reuniões às comunidades

convidadas. Esse papel foi

desenvolvido pelas coordenadoras

da Sitoaköre.

Durante as visitas aos

municípios de Pauini e Boca do

Acre, as antropólogas foram

acompanhadas da vice-

coordenadora da Sitoaköre, e nas

visitas a Assis Brasil e Sena Madureira, da coordenadora. Seu papel foi fundamental,

Ilustração 3: Pólo-base de Assis Brasil

Ilustração 4: Vista aérea da cidade de Pauini

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especialmente para realizar os contatos com as comunidades e as organizações

indígenas locais. As coordenadoras da Sitoaköre acompanharam as antropólogas nas

entrevistas aos profissionais de saúde, o qual não tinha acontecido na etapa anterior, já

que as visitas aos pólos aconteciam paralelamente a diversas atividades para a

organização das reuniões (levantamento de preços nos comércios, articulação com

organizações locais, recepção de participantes que chegavam com antecedência) e,

portanto, o trabalho devia ser dividido. A organização das atividades em etapas

diferentes abriu um espaço singular para as coordenadoras da Sitoaköre, que tiveram a

possibilidade de conhecer sobre o funcionamento desses, as dificuldades, as formas de

organização dos serviços e a infra-estrutura disponível.

2.4. Contato com as organizações locais.

Como foi explicado no relatório etnográfico parcial a respeito da região do

Juruá, a Sitoaköre depende das organizações indígenas locais e regionais para entrar em

contato com as comunidades e fazer a divulgação da reunião, definir os participantes e

mobilizá-los. Mesmo sendo a Sitoaköre uma organização indígena, não pode tomar

decisões sem contar com a aquiescência das lideranças das comunidades. Um exemplo

dessa dependência se refletiu na dificuldade para definir as aldeias onde seriam

celebradas as reuniões. Inicialmente, a Sitoaköre tinha definido que a 4ª reunião seria

realizada na aldeia de Mipiri, que fica próxima da cidade de Pauini e conta com uma

infra-estrutura adequada para eventos. De fato, quase todos os eventos da região se

realizam lá. Entretanto, quando, por conta de outro evento anterior, a coordenadora da

Sitoaköre visitou Mipiri, a comunidade se recusou a hospedar a reunião, alegando que

tinham acontecido muitos eventos recentemente e as pessoas da aldeia estavam

cansadas. Na mesma viagem ela visitou a aldeia Nova Vista que, após uma negociação

e uma explicação detalhada da natureza da reunião, aceitara ser sede da mesma.

Outro exemplo está relacionado com questões de desentendimentos e rixas que

envolvem os grupos indígenas. Uma desavença entre Kaxinawa e Jaminawa fez com

que se demorasse em definir onde seria realizada 6ª reunião. Os Kaxinawa resistiram em

ir à aldeia dos Jaminawa, como tinha sido definido, e reivindicavam que fosse feita no

Purús, mas isso implicava longas distâncias a serem percorridas. Finalmente, se aceitou

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a referida aldeia como lugar para realizar a reunião. Nesse episódio também, a Sitoaköre

apenas pode tomar a decisão com a aquiescência das comunidades.

As organizações indígenas são partes importantes neste processo de organização

dos encontros, porque forneceram informações sobre as particularidades locais,

necessárias para a organização da reunião - como realizar o transporte dos participantes

e qual seu custo; onde comprar a alimentação; qual o tipo e o que há disponível na

aldeia. Desta forma, existiram diversas instâncias com as quais os antropólogos da

equipe, com o apoio da Sitoaköre, tiveram que negociar para efetivamente executar as

atividades.

Em algumas ocasiões estas organizações possuem uma dimensão regional,

aponto de abranger diversos povos que ocupam uma mesma região. Em outras, possuem

uma dimensão apenas étnica. As organizações indígenas envolvidas nas atividades da

segunda etapa de execução do projeto foram as seguintes:

OCIAC – Organização de Comunidades Indígenas Apurinã e Camadeni

APITKAM - Associação Pupingari da Terra Indígena Camicuã

MAPKHA – Organização dos Povos Manchineri do rio Iaco

OCAERJ – Organização das Comunidades Agroextrativistas Jaminawa.

Assim, um dos principais papéis da Sitoaköre foi estabelecer os contatos com as

diversas organizações e lideranças importantes de cada povo para negociar as

possibilidades de realizar as reuniões em cada uma das aldeias escolhidas, e de

incentivar aos convidados a participarem. Essa função da Sitoaköre foi fundamental já

SITOAKÖRE Organizações regionais ou deabrangência étnica Lideranças

indígenas

P.I. FUNAI,especialmente se

o chefe éindígena

Pólos-base

Comunidades

Quadro 1: Instâncias envolvidas nos processos de negociação para a toma de decisões, e na divulgação dasatividades.

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que, pelo longo andamento de suas integrantes no movimento indígena, conhecem as

redes de relações que permeiam a complexa configuração da política institucional

indígena na região.

Em comparação com a primeira etapa de execução do projeto na região do

Juruá, a articulação com as organizações para chegar até as comunidades foi mais

complicada. Podemos apontar duas razões. Primeiro, na região do Juruá há

organizações regionais que conseguem abranger todas as comunidades assentadas numa

determinada área geográfica ampla2; diferentemente, na região do Purus, especialmente

na reunião de Sena Madureira, foi necessário contatar com várias organizações porque

não existia nenhuma que abrangesse todas as comunidades convidadas, o que tornou

mais complexa essa tarefa. Além disso, a comunicação com as organizações não foi

fácil, devido à alta mobilidade dos seus líderes - em função de participação em eventos,

viagens para as aldeias vizinhas, etc. -, e da falta de meios de comunicação (falta de

infra-estrutura em algumas organizações, de sistemas de radiofonia nas aldeias).

Segundo, a comunicação com as comunidades tornou-se complicada devido às

desavenças entre as diferentes organizações indígenas. Acertos feitos com integrantes

de algumas organizações para que fizessem a divulgação das reuniões junto às

comunidades não foram cumpridos. As integrantes da Sitoaköre explicaram essa atitude

fazendo alusão a rixas – como a que mencionamos acima entre Kaxinawa e Jaminawa -

e inveja. Disseram em várias ocasiões que, devido à Sitoaköre ser uma organização

exclusivamente de mulheres – a primeira de mulheres indígenas no Acre –, e a ser uma

das suas orientações e linhas de trabalho a defesa dos direitos das mulheres, muitas

organizações indígenas formadas principalmente por homens se mostram receosos3 com

elas e, o sucesso que elas estão tendo com suas atividades, está suscitando a inveja

deles. Essa é uma informação que precisa ser considerada visto que é uma questão de

2 No Juruá realizamos três reuniões: na primeira participavam as T.Is da bacia do Juruá; na segunda as T.Is da bacia do Tarauacá; e na terceira nas T.Is da bacia do Envira. Em cada uma delas contamos com a colaboração de uma organização que abrangia todas as comunidades de cada bacia. 3 Em várias ocasiões fomos testemunhas de comentários feitos por lideranças indígenas homens fazendo alusão a esse aspecto. Do ponto de vista deles, a defesa dos direitos da mulher é “coisa dos brancos”, e pode se tornar um fator de desestabilização das relações de gênero dentro das comunidades indígenas. Sua atitude é, portanto, crítica ante iniciativas nesse sentido. Para as integrantes da Sitoaköre, essa atitude crítica se deve a que os homens vêem ameaçada sua autoridade sobre as mulheres.

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gênero, mas também política. Contudo, isso não inviabilizou a execução das atividades;

e apesar das dificuldades apresentadas, a equipe contou com a ajuda fundamental de

integrantes de várias organizações indígenas.

2.5. Descrição das reuniões

Dando continuidade as atividades realizadas na etapa anterior, foram executadas

três Reuniões de Parteiras, Pajés e AIS em municípios pertencentes ao DSEI/Alto

Purus.

Ilustração 5: Partida de alguns dos participantes da 4ª Reunião de Parteiras, Pajés e AIS

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Mapa 1: Mapa do Acre e Sul do Amazonas com as áreas abrangidas por cada reunião

Locais das reuniões 1ª Reunião, aldeia Campinas, Cruz. do Sul 2ª Reunião, aldeia Ig. Caucho, Tarauacá 3ª Reunião, aldeia Morada Nova, Feijó 4ª Reunião, aldeia Nova Vista, Pauini 5ª Reunião, aldeia Camicuã, Boca do Acre 6ª Reunião, aldeia Kaiapucá, S. Madureira

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2.5.1. A região abrangida pelo DSEI/Alto Purus

Devemos lembrar aqui que os DSEIs estão concebidos como unidades de

organização que assumem uma série de tarefas administrativas, de planejamento,

organização e execução das ações voltadas para o atendimento à saúde indígena. Cada

DSEI foi delimitado atendendo a critérios geográficos e operacionais, mas também

socioculturais e políticos, de forma que os territórios distritais constituem unidades

geográficas e populacionais claramente identificadas. Dessa forma seus limites não

coincidem necessariamente com os limites políticos dos Estados (Fundação Nacional de

Saúde 2004).

No caso do DSEI/Alto Juruá, toda a área por ele compreendida se encontra

dentro dos limites do Acre. Diferentemente, o DSEI/Alto Purus abrange a parte oriental

do Acre, uma área ao Sul do Estado do Amazonas e uma pequena região do Noroeste de

Rondônia, na qual se encontra a T.I. Kaxarari. Isso implica que, para as comunidades

indígenas dessas regiões, o principal ponto de referência em termos administrativos é

Rio Branco, onde se encontra sediado o DSEI/Alto Purus. Na tabela abaixo aparecem os

municípios abrangidos por cada um dos DSEIs, e a qual deles pertencem as

comunidades que participaram em cada uma das reuniões.

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Estado Município Reuniões

Cruzeiro do Sul Rodrigues Alves

Mâncio Lima Porto Walter

Marechal Thaumaturgo

1 ª Reunião 15 a 19 de fev.

Aldeia Campinas – Cruzeiro do Sul

Tarauacá

Jordão

2ª Reunião: 13 a 17 de março

Aldeia Caucho - Tarauacá

DSEI Alto

Juruá Acre

Feijó 3ª Reunião

27 a 31 de março Aldeia Morada Nova - Feijó

Pauini 4ª Reunião:

10 a 14 de outubro Aldeia Nova Vista - Pauini

Amazonas

Boca do Acre 5ª Reunião

20 a 24 de outubro Aldeia Camicuã – Boca do Acre

Manuel Urbano Assis Brasil

Sena Madureira Acre

Santa Rosa

DSEI Alto

Purús

Rondônia Extrema

6ª Reunião 4 a 8 de novembro

Aldeia Kaiapucá – Sena Madureria

Tabela 1: Municípios abrangidos pelos DSEIs Alto Purus e Alto Juruá.

O eixo geográfico da região abrangida pelo DSEI/Alto Purus é a bacia do rio

Purus, sendo seus afluentes mais significativos o rio Iaco e o Caeté, por se encontrar

situadas neles várias T.I.s. O trecho do Purus que se encontra no Estado do Acre,

basicamente entre a cabeceira e a desembocadura do Iaco, é considerado Alto Purus. A

partir daí, o Purus se alarga, adquirindo as características de um rio no seu curso médio.

Essas áreas do Alto e Meio Purus distinguem-se entre si não apenas pela largura do rio,

já que existe um diferencial ambiental entre elas que tem implicações, por exemplo, nas

atividades econômicas das populações. Podemos citar como exemplo, a importância na

economia do Alto Purus em vários momentos dos séculos XIX e XX, como no resto do

Acre, do extrativismo seringalista, que afetou de forma significativa a vida dos povos

indígenas da região. No Médio Purus, entretanto, o extrativismo está mais centrado na

colheita da castanha do que na produção de seringa. Esse fato, por outro lado, incide

consideravelmente nas atividades econômicas das comunidades indígenas, em termos

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dos recursos econômicos, da estacionalidade do trabalho e na organização social do

mesmo.

As aldeias indígenas se encontram situadas, principalmente, ao longo dos rios,

sendo estes as principais vias de acesso às sedes municipais. A distância entre as aldeias

e os centros urbanos varia muito, sendo que algumas se encontram a, apenas, alguns

minutos, e outras a vários dias de viagem. Ainda é necessário mencionar que algumas

aldeias são acessíveis apenas por estrada. É o caso das comunidades dos Kaxarari, às

quais se chega através de ramais de complicado trânsito na época das chuvas, e algumas

T.I.s Apurinã estabelecidas ao longo da estrada que liga Boca do Acre a Rio Branco.

Rio Branco conta com conexão por estrada com várias das sedes municipais da região

oriental do Acre e do sul do Amazonas. Em alguns casos - Sena Madureira, Assis

Brasil, Boca do Acre - a estrada é transitável durante o ano todo; em outros, como

Manuel Urbano, apenas é possível usar a estrada na época do verão, quando a pista, sem

asfalto, fica seca. Porém, há algumas cidades (Sta. Rosa do Purus, Pauini) às quais

apenas se acessa por avião ou por via fluvial, sendo ainda necessários vários dias de

viagem4.

Estas características geográficas e dos sistemas de comunicação dão idéia da

complicação e da demora dos deslocamentos e das dificuldades que, portanto, enfrenta

o DSEI para dar atendimento à população indígena.

4 Estamos fazendo alusão apenas a cidades que possuem pólo-base e constituem pontos de referências para a população indígena.

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Mapa 2: Área abrangida pelo DSEI/Alto Purus (DSAI/FUNASA 2005b)

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Mapa 3: Área abrangida pelo DSEI/Alto Juruá (DSAI/FUNASA 2005a)

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2.5.2. Participação nas reuniões.

Na tabela abaixo aparece um resumo da participação em cada uma das reuniões.

Diferentemente do que aconteceu na região do Juruá, onde o número de participantes

das duas últimas reuniões (Tarauacá e Feijó) quase triplicou o que tinha sido previsto,

neste caso a quantidade de participantes se manteve mais próximo ao definido no

projeto. Algumas dificuldades logísticas e de comunicação fizeram com que faltassem

participantes de algumas Terras Indígenas.

De forma geral, contamos com escassa presença dos pajés. Na região de Boca do

Acre isto se deveu a que atualmente não há, segundo os participantes e moradores da

aldeia hospedeira, mais pessoas praticando a pajelança. Já nas regiões de Pauini e

Kaiapucá, existem vários indivíduos que mantêm viva a prática xamânica, mas, como

várias pessoas enfatizaram, trata-se de personagens que não gostam muito de se expor

em público e participar de reuniões. Gostaram de ter sido considerados e convidados a

participar, mas, de forma geral, se mantiveram a margem das discussões. Suas

intervenções foram pontuais e sua participação foi mais significativa fora da própria

reunião. Sobre o papel dos pajés voltaremos na frente.

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Participantes Aldeia/T.I.

hóspede Data T.Is. participantes Etnias participantes Parteiras Pajés AIS Líderes Representantes

de mulheres outros Total

Seruini/Marienê 2 1 1 4

Peneri/Tacaquiri 9 3 3 2 3 15 Guajahã 1 1 2

Catipari/Mamoriá 4 1 1 6 Água Preta/Inari

Apurinã

5 1 1 7

4ª Reunião de Parteiras, Pajés e

AIS

Aldeia Nova Vista

T.I. Peneri/ Tacaquiri

10 a 14 de outubro

Camadeni Camadeni 1 1 1 3 Totais 22 3 8 6 3 42

Camapã 2 1 1 4 Manhẽ 1 1

Apurinã BR 317 KM 124

Km 124 2 2 Boca do Acre (Apurinã Km 45)

Camicuã 8 2 1 1 5 17 Katispero 2 1 1 4 Camicuã Centrim

Apurinã

2 1 3 Goiaba/Monte

Lurdes/Cajueiro Apurinã/Jamama

di 1 1 2 Inauni/Teuini 2 1 1 1 5

Iquirema Igarapé Capana

5ª Reunião de Parteiras, Pajés e

AIS

Aldeia Camicuã T.I. Camicuã

20 a 24 de outubro

Tumiã

Jamamadi

Total 20 1 7 4 1 5 38

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Participantes Aldeia/T.I. hóspede Data T.Is. participantes Etnias

participantes Parteiras Pajés AIS Líderes Representantes de mulheres outros

Total

Boca do Canamari 1 1 2 Extrema 1 1 2

T.I. Jaminawa do Caeté

Buenos Aires 1 1 2 Jaminawa de Kaiapucá 1 2 1 1 5 10

Jaminawa da Colocação São Paulino 1 1 2 Jaminawa do Guajará Cabeceira do Rio Acre

Jaminawa

Kaxinawa 1 1 2 Alto Purus Kulina 2 2

Mamoadate Manchineri do Seringal Guanabara

Manchineri

6ª Reunião de Parteiras, Pajés

e AIS

Aldeia Kaiapucá T.I. Kaiapucá

4 a 7 de novembro.

T.I. Kaxarari Kaxarari 3 1 4

Total 11 2 5 2 2 5 27 Tabela 2: Participantes das reuniões realizadas na segunda etapa de execução do projeto.

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2.5.3. Metodologia adotada nas reuniões.

A forma das reuniões não mudou

muito em relação à etapa anterior. Dado que

estas questões foram tratadas no anterior

relatório de atividades, dedicaremos aqui

pouco espaço a elas, apenas especificando as

particularidades dessa segunda etapa.

Os locais onde as reuniões foram

realizadas eram estruturas abertas usadas em

cada uma das aldeias para eventos coletivos.

As coordenadoras da Sitoaköre realizaram a

coordenação das discussões com base a

roteiros (apresentados em anexo 3)

previamente definidos pela equipe em função dos temas que era de interesse tratar. As

intervenções das técnicas se limitavam a problematizar questões durante as discussões,

proporem temas de conversa e responder dúvidas dos participantes referentes a temas

diversos.

Como nas reuniões anteriores, os monitores cumpriram fundamentalmente três

funções:

• Apoio na organização da reunião, especialmente no que se refere à

divulgação da mesma, assim como na coordenação do transporte, alimentação

e hospedagem dos participantes.

• Participação na própria dinâmica das discussões.

• Tradução durante as reuniões entre língua indígena e o português.

Na reunião de Nova Vista, apenas uma pessoa cumpriu o papel de monitoria,

mas em Camicuã e Kaiapuká, ele foi repartido entre várias pessoas, em função,

especialmente, da presença de participantes que falavam línguas diferentes e a

necessidade de dar apoio a todos eles. Por exemplo, na reunião de Kaiapuká

participaram falantes das línguas kaxinawa, kaxarari, jaminawa e kulina. Dado o

Ilustração 6: Dona Maria (parteira) eMarisina (monitora), participantesKaxarari, 6ª Reunião.

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limitado domínio do português desses participantes, foi necessário contar um monitor

para cada uma dessas línguas indígenas.

Dois aspectos nos

interessam notar, ainda, em

relação ao desenvolvimento das

reuniões. Primeiro aspecto, as

coordenadoras da Sitoaköre

usaram dinâmicas para animar

as reuniões. Estas dinâmicas são

jogos ou brincadeiras educativas

através das quais se pretende

repassar algumas idéias e, ao

mesmo tempo, descontrair os

participantes, já que as reuniões podem chegar a ser cansativas. Uma das dinâmicas

consiste em colocar as pessoas enfileiradas tocando no chão adiante dos pés, formando

um túnel que simboliza o canal do parto. Uma pessoa simula ser a criança que vai

descendo durante o parto pelo canal. Solicita-se aos AIS que mostrem como eles fariam

para receber a criança, cortar o umbigo e o resto de ações implicadas no momento do

parto. Alguns AIS não souberam

como fazer, outros se esforçaram

para simular os gestos de pegar a

criança e cortar o cordão. Em

seguida uma parteira demonstrou

a forma correta de realizar o

parto. Essa brincadeira evidencia

que as parteiras têm um

conhecimento especializado, do

qual eles precisam saber como

ocorre, levando-os a respeitar o

trabalho que elas realizam. Ilustração 7: Um AIS jaminawa mostra como faria umparto durante uma dinâmica, 6ª Reunião.

Ilustração 8: Participantes fazendo a dinâmica da ponte, 4ªreunião

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Segundo aspecto, as dinâmicas realizadas têm por objetivo enfatizar a idéia da

importância da colaboração entre AIS, parteiras e pajés. Isso observamos ser necessário

ressaltar, devido à dispersão dos profissionais na realização de suas atividades, como se

os cuidados com a saúde nas aldeias devesse ocorrer de forma solitária para cada

profissional.

Quanto às apresentações culturais, tiveram o papel fundamental de inserir os

participantes no objetivo das reuniões, permitindo que ficassem à vontade e

participativos. As músicas tiveram como tema o amor, a saudade de um tempo, as

mulheres bonitas, a saudação aos que vêm de longe. As danças, a oração para os que

ficaram, fizeram parte da dinâmica cultural.

2.5.4. 4ª Reunião – região de Pauini.

A 4ª Reunião ocorreu na aldeia Nova

Vista, administrada pelo Pólo de Pauini, do

dia 10 a 14 de outubro, conforme apresentado

na tabela acima. Nosso ponto de apoio para

esse evento foi a cidade de Boca do Acre,

para a compra de mantimentos e o que mais

fosse necessário para os cinco dias de evento.

Nesta reunião participaram representantes das

etnias Apurinã, Camadeni e Jamamadi. A

programação da reunião (anexo 3) constou

pela manhã da abertura - com a apresentação

da equipe executora do projeto, da

apresentação dos objetivos desse, das

respostas quanto às dúvidas entre os participantes, da apresentação dos participantes, de

exposição dos trabalhos que a Sitoaköre vem desenvolvendo e da apresentação cultural.

Pela tarde foi feita a avaliação dos cursos de Aperfeiçoamento das Parteiras

Tradicionais Indígenas, e foi tratado também sobre o que vem a ser medicina tradicional

para os participantes.

Ilustração 9: Participantes almoçando peixeassado e cabeça de queixada, 4ª reunião.

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Em todas as manhãs

houve uma apresentação

cultural, o que ajudou a animar

os participantes, assim como na

primeira hora da tarde uma

dinâmica educativa era realizada

pelas coordenadoras da

Sitoaköre. O perfil das parteiras

e o relato dos trabalhos e

experiências por elas vivido foram amplamente tratados e trouxe algumas necessidades

a tona, como precisarem de um barco para transportar suas pacientes em risco de vida

para a cidade. Outro tema da reunião foi os partos na aldeia e na cidade: vantagens e

desvantagens. O pré-natal, a saúde da grávida e os encaminhamentos para a cidade

foram descritos, assim como os cuidados que se devem ter com a grávida (resguardo,

dietas como são feitos e se ainda são feitos) e a amamentação. Reservou-se um dia para

preparar a conversa com os profissionais de saúde e construir propostas de políticas

públicas para a valorização da medicina tradicional. No dia seguinte, reservado para a

conversa com os profissionais de saúde – dia previamente agendado com as enfermeiras

do pólo-base de Pauini e que pretendia-se falar sobre os problemas que os profissionais

de saúde e as comunidades indígenas enfrentam em relação a saúde indígena e como

melhorá-la – não ocorreu, pois não compareceram. Recebemos informações de que

estavam em missão em outra localidade. Ante essa circunstância, procuramos trabalhar

documentos relacionando algumas necessidades que a comunidade enfrentava, e

buscamos direcionar aos órgãos competentes e atribuir às associações a

responsabilidade pelo encaminhamento, o que a Sitoaköre assumiu. No último dia,

foram feitos os acertos relativos ao auxilio transporte, alimentação, cozinheira lenheiros

e monitoras. Esta foi a reunião melhor organizada, visto que contou com o apoio de AIS

e parteiras mulheres que se empenharam para que nada faltasse e onde conseguiram

pesar os produtos e atribuir valores mais adequados, o que facilitou a atuação da

coordenação do projeto e das coordenadoras da Sitoaköre.

Ilustração 10: Reunião na aledia Nova Vista.

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2.5.5. 5ª Reunião – região de Boca do Acre

A 5ª Reunião ocorreu

entre os dias 20 a 24 de outubro

na aldeia Camicuã, e novamente

nosso ponto de apoio foi Boca

do Acre. Os Jamamadi e

Apurinã foram os grupos

participantes desta reunião.

Inicialmente, estava prevista

também a participação dos

Kaxarari nesta reunião, mas

várias dificuldades, sua

participação foi transferida para a última reunião. A aldeia Camicuã fica do outro lado

do rio Purus, na bifurcação com o rio Acre. A programação da reunião foi a mesma da

anterior, e revelou semelhanças e diferenças com os relatos de experiência dos

participantes daquela reunião. Nessa ocasião, houve uma atenção direta da

administradora do Pólo Boca do Acre para o desenvolvimento dos trabalhos e

deslocamento dos participantes. Nesta reunião houve a participação de uma enfermeira

no dia previsto para os profissionais de saúde e, apesar das criticas e da ameaça de um

pequeno grupo da aldeia dos apurinã para prender quem viesse, nada disso aconteceu a

enfermeira procurou responder as dúvidas, levar as queixas e dissipar o mal entendido

nos atendimentos que ocorrem nas aldeias e na cidade. No dia anterior contamos com a

presença da administradora do Pólo-Base, que mesmo tendo ido até o Camicuã para

resolver outros assuntou, chegou até a reunião e ouviu os pedidos e reclamações

prometendo melhorar e acertar os erros.

2.5.6. 6ª reunião – regiões de Sena Madureira, Santo Rosa e Assis Brasil.

A 6ª Reunião ocorreu entre os dias 4 e 7 de novembro na aldeia Kaiapucá, a

região do meio Purus. Esta era a reunião mais complicada em termos logísticos, já que

se previa a participação de representantes de terras indígenas localizadas em três

Ilustração 11: Participantes durante a reunião na aldeiaCamicuã.

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regiões: Sena Madureira, Assis Brasil e Santa Rosa do Purus. A dificuldade do

transporte e da comunicação com as comunidades motivou que não contássemos com a

participação de todas as terras indígenas localizadas nessas regiões.

Para esta reunião estava prevista a participação das etnias Jaminawa, Kaxinawá,

Kulina, e Manchineri. Infelizmente, não foi possível contar, com nenhum representante

Manchineri. Apesar de que havia a possibilidade dos participantes aproveitarem um vôo

que foi à T.I. naqueles dias para transladar um doente até a cidade, as pessoas da

comunidade não conseguiram entrar em acordo sobre a designação dos participantes, e,

finalmente, não foi enviado ninguém. Ainda, naqueles dias estava ocorrendo uma

capacitação de parteiras indígenas na região, organizada pela FUNASA.

Esta foi a reunião onde tivemos a menor estrutura de trabalho, mas também

houve o maior esforço dos Jaminawa no sentido de alimentar e acomodar todos os

participantes, visto que a aldeia possui estrutura mínima. A programação também foi a

mesma, e contamos com o apoio da associação dos Jaminawa (OCAEJ), tanto no

contato com os demais participantes, quanto no referente à tradução (do que

consideravam necessário sabermos) dos relatos das experiências das parteiras, pajés e

AIS. No dia dedicado aos profissionais de saúde, não houve o comparecimento dos

mesmos, pois estavam chegando de uma missão e não tiveram tempo de chegarem a

Sena Madureira e seguirem para a aldeia Kamicuã. Utilizamos esse dia para

construirmos os documentos conforme havíamos feito nas outras reuniões. O último dia

foi reservado para o acerto com os participantes. Nesta reunião a caça não foi possível e

a pesca foi precária. Contudo a compra de gado e de alguns poucos produtos na aldeia

ajudou a alimentar a todos.

A avaliação final da reunião feita pelos participantes das três reuniões primou

pela idéia positiva do encontro e pela solicitação de novos encontros, mais cursos de

preparação para as parteiras e AIS e mais comunicação com esses.

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3. Universo etnográfico

O objetivo do presente item é fornecer ao leitor um marco etnográfico básico de

referência sobre as etnias envolvidas na segunda etapa de execução do projeto. É

importante salientar que, da mesma forma que na etapa anterior, o conjunto de povos

tratados é sumamente heterogêneo tanto no que se refere à tradição cultural – estamos

tratando com três famílias lingüísticas diferentes -, quanto no tipo de relação com a

sociedade envolvente, o grau de preservação das tradições e da língua e o local e as

condições gerais de vida. Ao longo desse item iremos pontuando essas questões.

A segunda etapa do projeto abrangeu basicamente5 a região atendida pelo

DSEI/Alto Purus. Nessa área, existem 23 terras indígenas ocupadas por um total de 10

etnias indígenas diferentes pertencentes a três famílias lingüísticas distintas: pano,

arawá e arawak. O quadro abaixo apresenta um resumo referente à população indígena

considerada.

5 A critério das integrantes da Sitoaköre, foi também incluída no projeto a T.I. Tumiã que não é atendida pelo DSEI/Alto Purus, mas pelo DSEI/Meio Purus. Foram convidados participantes dessa T.I., mas, por causa da grande distância, não acudiu nenhum representante à reunião.

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Família lingüística Etnia T.I. População por T.I.6 População

por etnia7 Camadeni Camadeni 84 84

Inauni/Teuini 215

Iquirema 47

Igarapé Capana 28

Arawá Jamamadi

90

452

Arawak Apurinã Lurdes/Cajueiro

87 177

Arawá Jamamadi 72 Goiaba/Monte

27 99

Água Preta/Inari 231 Catipari/Mamoriá 222

Guajahã 31 Peneri/Tacaquiri 719 Seruini/Marienê 176

Tumiã 858 Camicuã 398

Boca do Acre (Apurinã Km 45) 188

Apurinã

Apurinã BR 317 KM 124 210

2374

Manchineri do Seringal Guanabara 1669

Arawak

Manchineri 650

816

Mamoadate 186

836

Jaminawa da Colocação São Paulino 74

Jaminawa do Caiapucá 104

Jaminawa do Rio Caeté 126

Jaminawa do Guajará 68Cabeceira do Rio Acre 234

Jaminawa

36

828 Pano

Kaxinawa 1139 1394 Arawá Kulina

Alto Rio Purus

1002

2432

1002 Pano Kaxarari Kaxarari 359 359

População considerada pelo projeto para a segunda etapa de execução 7.309

Tabela 3: População indígena atendida pelo DSEI/Alto Purus

6 Dados demográficos fornecidos pelo DSEI/Alto Purus (DSEI/Alto Purus 2005). 7 Essa cifra se refere apenas à população de cada etnia dentro da região estudada, dado que em todos os casos, existem aldeias de essas mesmas etnias em outras regiões do país, ou mesmo além das fronteiras brasileiras. 8 Dados da FUNAI referentes a 2006 (Instituto Socioambiental 2006b). 9 Dados referentes a 2005 (Instituto Socioambiental 2006a).

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No conjunto da área aqui tratada podemos distinguir três regiões em função da

supremacia de umas etnias ou outras. A região do meio Purus, compreendida pelos

municípios de Boca de Acre é Pauini, se caracteriza pelo predomínio dos apurinã. Nessa

região se encontram também os Jamamadi, embora em número muito inferior. Na

região de Assis Brasil convivem as etnias jaminawa e manchineri, sendo que a primeira

foi se espraiando em direção a Sena Madureira, e ocupam hoje alguns pontos do Rio

Caeté e do Meio Purus. Finalmente, no alto Purus encontramos uma das terras indígenas

que alberga mais população no Acre, ocupara fundamentalmente por Kulina e

Kaxinawa. Na tabela abaixo aparecem as terras indígenas e etnias que são atendidas por

cada pólo-base:

Pólo-Base Terras indígenas Etnias Camicuã.

Apurinã Km 124.

Apurinã Km 45.

Apurinã

Capana.Teuini/Inauini.

IquiremaJamamadi

Jamamadi do Lurdes

Boca do Acre

Goiaba/MonteApurinã/Jamamadi

Água Preta / Inari Catipari / Mamoriá

Guajarahã Peneri / Tacaquiri Seruini / Marienê

Camadeni

Apurinã Pauini

Teuini/Inauini. Jamamadi Kaxinawa Jaminawa Santa Rosa do Purus

Manoel Urbano

Alto Purus Kulina

Jaminawa da Colocação São Paulino Jaminawa do CaiapucáJaminawa do Rio CaetéJaminawa do Guajará

Jaminawa Sena Madureira

Kaxarari Kaxarari Manchineri do Seringal Guanabara Manchineri

Mamoadate Manchineri/Jaminawa Assis Brasil

Cabeceira do Rio Acre Jaminawa Tabela 4: Terras indígenas e etnias atendidas por cada Pólo-base

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Mapa 4: Localização das aldeias atendidas pelo DSEI/Alto Purus em 2006. (Mapa proporcionado pela chefia do DSEI/Alto Purus).

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Diferentemente do que acontece na região do Juruá onde a família lingüística

pano predominava de forma contundente, no caso do Purus a porcentagem é muito mais

igualada, como mostra o gráfico.

A etnia mais

numerosa da área

considerada é à Apurinã

(arawak), que ocupa, junto

com os Jamamadi (arawá), a

região do meio Purus, no sul

do estado do Amazonas,

que compreende os

municípios de Boca do Acre

e Pauini

Durante a segunda

etapa de execução do

projeto, participaram nas

reuniões grupos representantes das três famílias lingüísticas da região. Da família

lingüística pano, contamos com a presença dos Jaminawa, os Kaxinawa e os Kaxarari;

da família lingüística arawak, contamos com a presença maciça dos Apurinã10; e,

finalmente, da família arawá, houve a participação dos Kulina e dos Jamamadi.

Embora habitantes de uma mesma região, cada um desses povos possui

peculiaridades etnográficas e de interação com a sociedade envolvente que vale a pena

ressaltar, porque influem, especificamente, na interação com o pólo-base e, de forma

mais geral, com o sistema público de saúde. De forma clara, para os profissionais de

saúde e para os administradores do pólo, cada uma das etnias representa desafios

diferentes em função, precisamente, dessas particularidades culturais.

A família lingüística Pano está composta por 30.000 falantes (Erikson

1992)dos quais aproximadamente 8800 indivíduos se encontram no Acre. Pelo número

10 Inicialmente, estava também prevista a participação do povo Manchineri. Infelizmente, a sua presença não foi possível, como explicamos no item 2.5.6. Contudo, contamos com alguns dados referentes a essa etnia que exporemos no texto.

Pano35%

Arawak44%

Arawá21%

PanoArawakArawá

Gráfico 1: Famílias lingüísticas

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de etnias (11) e indivíduos, a família Pano é a mais representativa nesse Estado.

Enquanto conjunto lingüístico abrange a área da tríplice fronteira entre Peru (onde

encontramos grupos pano nas margens do rio Ucayali; na região de confluência de

cabeceiras dos rios Purus, Ucayali e Juruá; nas margens do Yavarí; na área de cabeceira

do rio Madre de Dios e na região do meio Urubamba em torno da missão católica de

Sepahua), Brasil (nas regiões de cabeceira dos rios Juruá e Purus e seus afluentes

próximos, no Estado do Acre; em toda a área compreendida entre os rios Javari e

Itaquaí no Estado do Amazonas; e no alto rio Madeira no Estado de Rondônia), e

Bolívia (nos rios Tahuamanu e Beni).

Esta agrupação geográfica num espaço relativamente contínuo dos grupos que a

formam é um dos traços que caracteriza a família lingüística Pano frente a outros

conjuntos lingüísticos como, por exemplo, o Arawak. Em geral, os autores que dão uma

visão panorâmica dos grupos Pano (Erikson 1992; 1993; Santos Granero & Barclay

1998), salientam que, a despeito de certas diferenças, decorrentes da diversidade de

nichos ecológicos onde os grupos se localizam11 ou das diferentes histórias e momentos

de contato de cada grupo12, existe uma unidade sócio-cultural relativamente expressiva.

No Acre, encontramos várias etnias representantes deste macro-conjunto Pano.

Porém, vou me referir exclusivamente às etnias que estiveram envolvidas na segunda

etapa do projeto.

Os Kaxinawa, também conhecidos como Huni Kuin – é o grupo mais numeroso

no Acre - aproximadamente 4.000 indivíduos no Acre e 1.400 no Peru (Instituto

Socioambiental 2006c) -, e o melhor conhecido, pois foi objeto de vários estudos

etnográficos(Aquino 1994; Deshayes & Keifenheim 1994; Kensinger 1995; Lagrou

1998; McCallum 1989). Eles possuem certas características que lhes conferem unidade

e homogeneidade étnicas apesar de sua ampla distribuição espacial. Dos grupos Pano,

ele é o único que mantém uma organização social dualista constituída por metades

exogâmicas. O contato dos Kaxinawa com a sociedade envolvente se iniciou durante as

11 Desde as ribeiras dos grandes rios como os Shipibo-Conibo até as áreas interfluviais das cabeceiras como os Yaminawa. 12 Alguns grupos como os Shipibo-Conibo estão em contato com os ocidentais desde o século XVI, quando os primeiros missionários espanhóis iniciaram o processo de evangelização da Amazônia peruana, enquanto outros, como os Yora e os Txitonawa, apenas estabeleceram contato permanente com a sociedade envolvente nas décadas de 80 e 90 respectivamente.

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duas décadas finais do século XIX, à medida que avançavam os frentes extrativistas do

caucho (no Peru) e da borracha (no Brasil). Após a dizimação que sofreram na primeira

época do contato, por causa das epidemias e as correrias – ataques de caucheiros

peruanos e seringalistas brasileiros, que tinham o objetivo de espantar e acabar com as

populações indígenas que ocupavam territórios que eles queriam explorar –, foram

sendo incorporados progressivamente, no Acre, aos seringais onde trabalharam como

mão de obra semi-escrava. Como muitos outros grupos acreanos, os Kaxinawa se

mantiveram atrelados aos seringais até que, na década de 1970, a FUNAI começou a

demarcar as terras indígenas (Aquino 1994).

Hoje em dia os Kaxinawa se caracterizam por ser uma etnia com grande

visibilidade e participação ativa no movimento indígena acreano. São conhecidos

especialmente por seu belo artesanato, destacando os tecidos com desenhos

geométricos. Sendo um conjunto tão amplo, existem diferenças entre umas

comunidades e outras. Algumas delas se encontram situadas muito próximas de cidades,

enquanto outras, como as que existem na T.I. Alto Purus, se localizam em áreas

remotas, longe dos núcleos urbanos maiores. No caso da T.I. Alto Purus, a única área

Kaxinawa contemplada nessa segunda etapa do projeto, o ponto de referência é a sede

municipal de Santa Rosa de Purus, uma pequena cidade de 2.24613 habitantes, com

pouca infra-estrutura, à qual apenas se acessa por avião ou por embarcação fluvial.

Nessa região, as distâncias entre as aldeias e os núcleos urbanos são grandes, o qual tem

diversas implicações. Se de um lado, traz benefícios, na medida em que são geralmente

áreas onde a dependência dos produtos da cidade é menor e os recursos naturais (caça,

pesca, áreas para cultivar) são mais abundantes do que nas aldeias próximas da cidade,

de outro, constitui uma desvantagem quando, por exemplo, há algum problema de saúde

e é necessário encaminhar com urgência algum paciente para ser atendido na cidade.

Uma das participantes kaxinawa da 6ª reunião, por exemplo, mora na aldeia Porto Rico,

que fica a três dias de distância de Santa Rosa do Purus e a seis dias de Manuel Urbano.

A esse respeito é interessante notar também que aquelas comunidades mais

afastadas dos centros urbanos, como é o caso das que se encontram na T.I. Alto Purus,

13 Dados do IBGE, 2000.

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têm um maior grau de preservação da língua nativa e das tradições do que aquelas que

se localizam perto das cidades.

Os Jaminawa14 formam parte de um conjunto mais amplo de grupos Pano,

espalhados entre o território acreano e, especialmente o peruano, próximos cultural e

lingüisticamente entre si, como os Arara (ou Shawanawa). Este conjunto se caracteriza

por ter uma organização social extremamente atomizada, alimentada por uma dinâmica

de fissões e fusões contínuas. Devido aos conflitos internos, as famílias se separam

criando novos assentamentos, mas continuam mantendo relações entre si e se

reconhecendo como parentes (Calavia 2001). Dessa forma, podemos ver a sociedade

Jaminawa como um conjunto de famílias espalhadas geograficamente, mas formando

uma rede de relações que se atualizam, por exemplo, através dos casamentos. É

interessante notar que o nome “Jaminawa”, surgido na época do contato, abrange e

oculta toda uma série de outros etnônimos diferentes que são o resultado de uma de sua

dinâmica social particular.

Diferentemente dos

Kaxinawa, os Jaminawa, que

sumam aproximadamente 1500

indivíduos espalhados entre o

Acre, o Peru e a Bolívia, onde se

encontra o maior contingente

(Instituto Socioambiental

2006c), apenas foram contatados

nas décadas de 1960 e 1970, já

que adotaram a estratégia de se esconder sistematicamente nas cabeceiras mais

inacessíveis dos rios, evitando, na medida do possível, os “brancos”, aos quais só se

aproximavam para roubar ferramentas de metal e outros objetos nos acampamentos. É

por isso que os Jaminawa não tiveram a experiência do trabalho nos seringais de forma

14 São também conhecidos como Yaminawa ou Yaminahua.

Ilustração 12: Aldeia Jaminawa de Kaiapucá.

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tão marcante como outros grupos acreanos, embora também sofressem por causa das

perseguições e epidemias.

Há um aspecto sobre os Jaminawa que interessa remarcar, especialmente pelas

suas implicações em relação ao atendimento de saúde que lhes é dispensado. A etnia é

conhecida no Acre – não é o caso, por exemplo, no Peru – pela atração que sentem pelo

meio urbano. Sua tendência a se deslocar até as cidades – pode ser Rio Branco,

Brasiléia, Assis Brasil ou Sena Madureira, que constituem seus principais pólos de

atração – e permanecer nelas sem recursos, em condições muito precárias, sendo essa

situação agravada por problemas de alcoolismo e a desnutrição (Sales Souza 1999), é

uma questão que preocupa as autoridades tanto da FUNAI quanto do DSEI. Essa

circunstância precária os leva a mendigar pelas ruas dessas cidades. Com a finalidade de

paliar essa situação, vêm sendo feitos esforços para incentivar os Jaminawa a voltarem e

permanecerem em suas aldeias.

Tanto em Sena Madureira quanto em Assis Brasil, pontos de referência das

regiões onde habitam os Jaminawa, eles constroem moradias precárias para ficar na

cidade, usando as aposentadorias dos mais velhos e a mendicância como meios de

sobrevivência.

Nos últimos anos, líderes jaminawa têm criado a Organização Comunitária

Agroextrativista Jaminawa (OCAEJ), que tem uma vocação transnacional, já que

pretende, em última instância, abranger todas as comunidades jaminawa existentes,

tanto em território acreano, quanto na Bolívia e no Peru. As relações com os Yaminawa

da Bolívia existem desde faz anos devido aos laços de parentesco que reconhecem entre

si. De fato, não é raro encontrar pessoas jaminawa que, além do português e da língua

nativa, falem espanhol por ter passado longas temporadas na Bolívia ou ser originários

de lá. Já no caso dos Yaminawa peruanos, embora reconhecidos com esse etnônimo e,

portanto, como “parentes”, não existem lembranças de relações de parentesco

específicas. Nos últimos anos, e usando os aparelhos de radiofonia como meio, os

jaminawa acreanos começaram a ter comunicação com eles.

Um dos objetivos específicos da organização, como nos explicou Zé Correia, um

dos grandes líderes jaminawa, atualmente chefe do P.I. de Sena Madureira e tesoureiro

da OCAEJ, é o de promover a recuperação das tradições “perdidas” a partir do contato

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com os “brancos”. Ele sustenta que a pesar dos Jaminawa manterem viva a língua

indígena – de fato a maioria tem grandes dificuldades em falar português -, têm

abandonado muitas de seus costumes e essa é uma das causas de sua problemática

relação com a cidade. Entretanto, insiste, essa recuperação das tradições não tem como

finalidade de transformá-las em folclore e usá-las como meio para obter recursos – do

qual acusa a outros grupos acreanos –, mas deve ter como objetivo preservar sua

identidade indígena. O projeto político de revitalização cultural é uma questão muito

presente nas discussões e colocações realizadas durante as reuniões, e sobre a qual

voltaremos ao longo do texto.

Quanto à economia e moradia desses grupos, podemos apontar de forma geral

que os produtos da roça, da caça e da pesca constituem sua base alimentar. Atualmente,

combinam essas atividades tradicionais de subsistência com outras derivadas de sua

inserção na sociedade nacional. Antes do contato moravam em grandes malocas que

albergavam várias famílias. Hoje em dia, estes grupos indígenas adotaram como forma

de moradia a casa sobre pilotis típica da região. Normalmente, cada casa alberga uma

família nuclear, mas estas se agrupam em função de seu pertencimento a famílias

extensas, formando conjuntos mais amplos e sociologicamente mais representativos.

O último grupo pano envolvido nessa segunda etapa de execução do projeto são

os Kaxarari, cuja única terra indígena se localiza no limite entre o sul do estado de

Amazonas e o Noroeste do estado de Rondônia. É, provavelmente, um dos grupos pano

sobre os quais existe menos informação disponível. Além de alguns relatórios, de difícil

acesso, da FUNAI ou de organizações religiosas como o Conselho Indigenista

Missionário (CIMI), ou de notícias nos jornais, não existem trabalhos etnográficos

acadêmicos sobre esse grupo.

Os primeiros contatos dos Kaxarari com a sociedade envolvente aconteceram no

início do século XX, sendo as primeiras referências históricas de sua existência de 1910.

Nessa época ainda mantinham certa independência em relação à sociedade envolvente.

Porém, da mesma forma que outros povos acreanos, a partir do contato os Kaxarari

foram primeiro dizimados pelas correrias de seringueiros e caucheiros e,

posteriormente, absorvidos como mão de obra escrava do sistema de aviamento nos

seringais. No final da década de 1970, quando a FUNAI demarca a T.I. Kaxarari,

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entretanto os problemas dos Kaxarari continuam por causa da exploração que a empresa

mineradora Mendes Júnior Engenharia S.A. empreendeu numa área rica em pedra-

granito situada no limite oeste da T.I, e que foi excluída, segundo os Kaxarari

intencionalmente, da área a ser demarcada. A exploração dessa área por parte da

empreiteira teve graves conseqüências para os Kaxarari. A empresa construiu uma

barragem no rio que constituía a fonte de água potável para a comunidade. Esse fato não

apenas acabou com o abastecimento de água das comunidades e com áreas apropriadas

para a caça, como criou um foco de proliferação de insetos, gerando uma endemia de

malária e doenças intestinais que, junto com a falta de assistência médica adequada, tem

sumido a população kaxarari numa situação de saúde extremadamente precária (Silva

2000).

Além da mineradora, que não apenas explorou a área mencionada senão que

também desmatou 10 ha. dentro da T.I., este povo pano tem enfrentado outras invasões,

especialmente de madeireiros. Uma das conseqüências desses problemas foi que os

Kaxarari não conseguiram manter a produção de seus roçados ao nível de suas

necessidades, gerando situações de fome e desnutrição entre a população15 (Silva 2000).

Além das ações de subsistência, os Kaxarari se dedicam à quebra da castanha e à

produção de borracha, atividades que realizam em diversos momentos do ano.

Outro aspecto que vale a pena notar é que, por sua situação geopolítica – no

limite entre os estados de Amazonas e Rondônia – e sua dependência de um DSEI

localizado em outro estado, já que estão ligados ao DSEI/Alto Purus, sediado em Rio

Branco (AC), sua situação com as instituições dos três estados é marginal. Quanto ao

atendimento de saúde, eles estão ligados ao pólo-base de Sena Madureira, mas por ser

inviável o deslocamento até essa cidade quando há algum problema de saúde, seu ponto

de referência a esse respeito é Rio Branco. Uma das reivindicações dos Kaxarari é,

precisamente, a construção de um pólo-base na cidade de Extrema, em Rondônia,

próxima a sua área indígena; porém, como salientou o chefe do DSEI/Alto Purus, o

15 A empresa mineradora foi condenada em sentencia judicial a pagar uma indenização por esses fatos ao povo kaxarari (Ministério Público Federal 2004).

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número pequeno de indígenas que seriam atendidos nesse pólo não justifica sua

construção16.

Em contraste com o conjunto Pano, há membros da família lingüística Arawak

espalhados por um território muito amplo17. No Acre, existem assentamentos de três

populações Arawak: Ashaninka, Machineri e Apurinã.

Nessa segunda etapa do projeto, estava prevista a participação de Manchineri e

Apurinã. Enquanto os segundos foram os protagonistas das duas primeiras reuniões,

dado seu número, os primeiros acabaram no participando por razões que já foram

explicadas no item 2.5.6. De qualquer forma, forneceremos alguns dados que possuímos

sobre eles.

Os Apurinã começaram a ter contato sistemático com os não-índios a partir da

metade do século XIX, quando se iniciaram as expedições governamentais de

reconhecimento do Médio Purus. Porém, essa região apenas foi ocupada de forma

maciça com a chegada da frente extrativista para a exploração da borracha, a partir da

década de 1970. Parte da população Apurinã foi absorvida pelas empresas seringalistas

já nessa época, embora outra parte apenas o seria no segundo boom da borracha,

coincidente com a Segunda Guerra Mundial. Como no caso dos outros povos das

regiões que foram assimiladas na exploração da borracha, essa etapa da história Apurinã

está marcada pelos massacres, os abusos e a escravidão. Entre o primeiro e o segundo

boom da borracha e depois deste, muitos seringais foram abandonados pelos patrões,

ficando neles a população indígena, que tinha sido absorvida como mão de obra, e os

seringueiros, a maior parte vindos do nordeste. A exploração da borracha,

16 Tínhamos encontrado essa mesma reivindicação por parte dos Jaminawa-Arara da T.I. Jaminawa do Igarapé Preto, que reclamavam a construção um pólo-base em Rodrigues Alves. Entretanto, ambas as situações possuem uma diferença. No caso dos Jaminawa, a reivindicação tinha conotações políticas, já que reclamavam que o pólo de Cruzeiro, onde eram atendidos, era dominado pelos Katukina, por ser um Katukina vice-administrador do mesmo. No caso, o deslocamento não era o problema, já que a distância entre Cruzeiro do Sul e Rodrigues Alves é pequena e a estrada que une ambas as cidades está asfaltada e, portanto, transitável todo o ano. No caso dos Kaxarari, a maior proximidade de Rio Branco faz com que seja ridículo seu deslocamento até Sena Madureira para acudir ao pólo-base (ver mapa 4). Quando as mulheres kaxarari que vieram participar da 6ª Reunião passaram por Sena Madureira, de onde saiu a embarcação com todos os participantes para a aldeia, comentaram que era a primeira vez que conheciam a cidade, o pólo e o administrador do pólo, já que, apesar de estarem ligados a ele, nunca recorriam a seus serviços. 17 Assim, encontramos grupos Arawak na região do Rio Negro (como os Baniwa), no Mato Grosso (Enawenê-nawê, Pareci), no Parque Nacional do Xingu (Yawalapití, Waujá), na Guaiana (Palikur, Wapixana), nas fronteiras de Brasil com Venezuela (Wakerena) e com Colômbia (Kuripako).

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complementada com a coleta de castanha, passaram a constituir atividades de

subsistência junto com a caça, a pesca e a agricultura de roça (Schiel 2004; 2005). Com

a demarcação das terras durante os anos de 1980, os Apurinã começaram a organizar-se

em comunidades e a lutar por seus direitos, assumindo um lugar destacado no

movimento indígena acreano, especialmente na União de Nações Indígenas do Acre e

Sul do Amazonas (UNI)18.

Hoje em dia, a coleta de castanha

continua sendo uma das principais atividades

através das quais os Apurinã obtém recursos

para adquirirem mercadorias. Quando se

inicia a época da chuva, cada família se

interna na floresta onde passa várias semanas

coletando castanha. Trata-se de uma atividade

penosa, porque durante esses meses as

pessoas se deslocam entre os acampamentos

que existem na área que vão explorar, em

função da existência da castanheira, e devem

levar a pesada carga até a beira do rio. Apesar

do penoso trabalho, os benefícios são

escassos. Dado que não têm meios para eles mesmos escoarem a produção até as

cidades de Boca do Acre ou Rio Branco, se vêem obrigados a vendê-la aos marreteiros,

que pagam pelo produto um preço muito mais baixo do que corresponde.

18 De fato, a presidência da UNI foi ocupada por vários Apurinã em diversos momentos de sua história, inclusive por Antônio Apurinã, que posteriormente foi, durante um tempo, presidente da FUNAI em Brasília. Segundo alguns profissionais de saúde que atendem os pólos-base das regiões onde se localizam os Apurinã, a forte presença de representantes desse povo na UNI está associada aos atuais conflitos entre as equipes dos pólos e alguns indígenas. Não devemos esquecer que a UNI assinou em 1999 um convênio com a FUNASA, através do qual assumia a gestão dos recursos e a organização do atendimento de saúde à população indígena da região do Acre e Sul de Amazonas. Por problemas de desvio de recursos públicos, o convênio foi cancelando em 2004, passando a FUNASA a assumir integralmente essas responsabilidades. Como conseqüência desse grave acontecimento, a UNI desapareceu. O convênio UNI/FUNASA implicava que a saúde indígena no Acre estava em mãos dos próprios índios. Para alguns indígenas com os que conversamos, o serviço que recebiam era melhor; para outros, era muito pior. Sobre essa questão voltaremos na frente.

Ilustração 13: Homens apurinã chegando decaça carregando queixadas, aldeia NovaVista.

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Deve levar-se em conta que o povo apurinã é grande e existe certa diversidade

enquanto a sua forma de vida atual. Existem algumas comunidades localizadas em

lugares distantes da cidade, como as situadas da T.I. Peneri/Tacaquiri, onde a caça e a

pesca são abundantes, e as pessoas se dedicam à coleta de castanha durante o inverno.

Nesses casos, as moradias podem estar agrupadas formando uma aldeia de várias

famílias, ou dispersas ao longo do rio, sendo que as comunidades estão integradas por

várias famílias que moram a certa distância.

Ilustração 14: Casas apurinã ao longo do rio Purus, T.I. Tacaquiri/Peneri

Em outros casos, como nas comunidades da T.I. Camicuã, muito próxima da

cidade de Boca do Acre, a caça e a pesca se tornaram difíceis, e a dependência dos

recursos da cidade, inclusive em termos de alimentação é maior. A aldeia Camicuã, por

exemplo, é muito maior do que as existentes no Peneri/Tacaquiri, com uma população

em torno de 300 habitantes.

Quanto aos Manchineri, são poucas as informações que possuímos por não

existirem praticamente trabalhos acadêmicos dedicados a eles, pelo menos aos grupos

localizados no Brasil. No Peru, os Manchineri são conhecidos como Piro ou Yine, e

sobre eles existem mais informações etnográficas (Gow 1991). Trata-se, da mesma

forma que os Kaxinawa e os Jaminawa, de um povo que se localiza tanto no território

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peruano quanto no brasileiro. No Brasil, ocupam, junto com os Jaminawa, a T.I.

Mamoadate, na região de cabeceira do rio Iaco, onde existem onze aldeias Manchineri.

A história de contato dos Manchineri é de longa data, já que no Peru era um dos

povos localizados nas margens do Ucayali que, junto com os Shipibo-Conibo,

monopolizou a interação com os primeiros missionários europeus e as redes de

comercio na região (Santos Granero 1992). Como muitos outros grupos do sudeste

amazônico, quando o boom da borracha se iniciou, os Manchineri sofreram suas

conseqüências, por serem, primeiramente, massacrados e, posteriormente, absorvidos

nos seringais como mão de obra, em condições de escravidão. Apenas com o início da

demarcação das T.I.s por parte da FUNAI nas décadas de 1970 e 1980 – a T.I.

Mamoadate foi demarcada em 1985 (Cruz & Ferreira eds. 2004: 117) – a situação

começou a mudar.

Os Manchineri mantêm uma organização social e espacial fragmentada. Em

geral, na maior parte das aldeias manchineri a população não supera os 30 indivíduos, e

naquelas maiores, como as de Jatobá ou Extrema, muitas casas se encontram espalhadas

ao longo do rio e distantes entre si. Essa estrutura fragmentada se reflete também no

fato de não existir uma liderança única para toda a T.I., mas apenas lideranças locais

(Cruz & Ferreira eds. 2004: 118).

Dado que na T.I. Mamoadate não existem castanheiras nem seringueiras,

espécies objeto das principais atividades extrativistas na região, os Manchineri

desenvolveram outros tipos de atividades produtivas para a geração de recursos, como a

criação de animais e o cultivo de produtos próprios dos brancos (Cruz & Ferreira eds.

2004), que combinam com suas tradicionais atividades de subsistência.

Da família lingüística Arawá, o grupo que recebeu mais atenção por parte dos

etnógrafos foi o Kulina, cuja população, estimada entre 2.500 e 3.000 pessoas, se

localiza nas margens do alto Juruá (Acre) e do alto e Purus – a maior parte – (Acre e

Peru) (Silva 2003). No curso médio desses mesmos rios, já no Estado do Amazonas, se

encontram as populações menores e menos conhecidas, Jamamadi e Deni, da mesma

família lingüística. Todos estes grupos sofreram o impacto de ambos os ciclos da

borracha durante o século XX. A pressão exercida pelo frente econômico nacional

durante esse período e a incidência de epidemias provocaram a redução demográfica

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desses grupos, até o ponto que, em certo momento, os Jamamadi foram dados por

extintos (Schröder 2002).

Sendo tradicionalmente grupos de terra firme, a caça e a agricultura parecem

ocupar um lugar privilegiado como atividades de subsistência, embora a pesca com

venenos seja também praticada (Gonçalves ed. 1991). Hoje em dia, além dessas

atividades que fornecem sua base alimentar, os membros desses grupos se engajam em

atividades extrativistas, trabalhando para outros ou produzindo para vender eles mesmos

o rendimento do seu trabalho, com a finalidade de obter as mercadorias de que precisam

(Gonçalves ed. 1991; Schröder 2002).

Na área abrangida pelo DSEI/Alto Purus, os Kulina, conhecidos também como

Madihá, se encontram assentados, na T.I. Alto Purus, que partilham com os Kaxinawa.

Também existem várias comunidades kulina na cabeceira do mesmo rio, mas do outro

lado da fronteira, em território peruano.

Já os Jamamadi, que ocupam áreas contíguas aos Apurinã, se localizam no curso

médio do Purus. Jamamadi e Kulina, além das semelhanças culturais que o fato de

pertencer a uma mesma família lingüística possam implicar, compartilham dentro dos

seus respectivos contextos regionais um mesmo tipo de imagem, que podemos verificar

tanto entre outros grupos indígenas, quanto entre os profissionais de saúde: são

percebidos como povos que mantém, de uma forma muito acentuada, suas tradições, e

que ainda têm dificuldades para se desenvolver no mundo dos “brancos”, em parte pelo

fato de não falar praticamente o português. Dos líderes kulina e jamamadi, que

participaram nas reuniões organizadas pelo presente projeto, tanto na primeira etapa

quanto na segunda, nenhum falava fluentemente o português19.

Essa falta de desenvoltura no mundo dos “brancos” não deve atribuir-se a um

contato mais recente. Os Jamamadi têm contatos com os “brancos” desde a metade do

século XIX, e da mesma forma que outros povos, sofreram a violenta chegada do frente

extrativista da borracha, que quase acabou com sua existência (Schröder 2002).

Igualmente, os Kulina foram definitivamente contatados no final do século XIX, com o

início do boom da borracha. Entretanto, a dificuldade de escoamento da produção desde

19 Cabe notar que os líderes são os que normalmente têm um maior domínio da língua dos “brancos”. No caso desses povos, eles são, efetivamente, os que melhor a falam, só que apenas a arranhavam.

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as áreas de cabeceira de rio, que constituem os lugares de moradia dos Kulina, fez com

que a presença das empresas seringalistas fosse menos marcada nelas, o que permitiu

aos Kulina se manterem um pouco mais isolados. Foi o desejo de ferramentas e outras

mercadorias o que determinou a aproximação deles aos brancos (Silva 2003).

A imagem projetada por esses grupos, especialmente pelos Jamamadi, não é

apenas a de povos que preservaram mais do que outros suas tradições, mas também a de

gentes mais ingênuas e necessitadas de proteção. Quando perguntamos a uma das

enfermeiras do pólo-base de Pauini se existem diferenças entre os Jamamadi e os

Apurinã, ela fez a seguinte comparação, muito reveladora da forma diferenciada de

como cada um desses povos estabelece a relação com os “brancos”:

“...são duas etnias completamente diferentes. O Jamamadi, eles têm cultura ainda... não são aculturados, falam a língua, são bilíngües, e os Apurinã é um povo mais guerreiro, totalmente aculturado, mais polêmico, exigente. O Jamamadi eles nem eram muito assistidos, não tinha viagem para eles, quase que nasceram com a gente. Eles são muito inocentes, muito doces”.

A antropóloga Oiara Bonilla, que trabalhou com os Paumari, povo também da

família arawá e muito próximo dos Jamamadi, propõe uma interessante interpretação da

forma como esse povo se coloca na interação com os “brancos”, que, a nosso ver,

poderia se aplicar aos Jamamadi. O “branco” é certamente, o inimigo, o predador, o

qual se verifica na história de exploração que os povos indígenas têm sofrido desde o

contato. Para neutralizar a agressividade predadora do “branco”, os Paumari se colocam

na interação com eles na posição de “empregados” que devem ser protegidos e

cuidados. Essa forma de colocar a relação implica dois movimentos. Em primeiro lugar,

os Paumari definem a relação em termos comerciais, onde o “branco” é o “patrão” e o

paumari o “freguês”; em segundo lugar, se deslocam da posição de presa (freguês) para

a de animal domesticável (empregado), transformando o inimigo/predador em patrão

domesticador (Bonilla 2005). Em outras palavras, em vez de definir a relação com os

“brancos” em termos de confronto – como, por exemplo, parece ser o caso dos Apurinã,

descritos sempre como povo guerreiro -, o fazem em termos de submissão ou

clientelismo. Porém, de forma paradoxal, isso parece ter permitido maior margem para a

preservação de suas formas de vida e tradições. Como expressão disso, os Jamamadi são

praticamente monolíngues da língua nativa, enquanto os Apurinã são, praticamente,

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monilíngues do português. Outros aspectos sobre estas diferenças – que são

interessantes na medida em que se trata de povos que ocupam uma mesma área

geográfica, que tiveram uma história do contato similar e que parecem manter relações

fluídas entre si – aparecerão ao longo do texto.

Ilustração 15: Xingané na aldeia Nova Vista

Antes de encerrar esse item gostaríamos de relembrar uma questão sobre a qual

tratamos já no anterior relatório etnográfico: à da revitalização cultural. Da mesma

forma que os povos do Juruá20, os do Purus se encontram envolvidos num contexto de

revitalização cultural, promovido tanto pelos líderes indígenas, em função de sua

interação com a sociedade envolvente, quanto por diversos agentes desta,

principalmente ONGs, mas também instituições ligadas ao Governo do Acre, como a

Universidade21. Um claro exemplo é o fato dos Jaminawa estarem envolvidos, na

20 Sobre este tema tratamos no 1º relatório etnográfico. 21 Ver como exemplo o livro organizado pelos professores Paulo Roberto Nunes Ferreira e Tereza Almeida Cruz (Cruz & Ferreira eds. 2004), fruto de um projeto que consistiu na realização de várias oficinas de revitalização cultural com vários povos acreanos.

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mesma época em que estávamos executando a segunda etapa do projeto, numa

conferência pan-jaminawa, na qual um dos temas principais era a necessidade de

recuperar e preservar suas tradições culturais. Essas propostas devem ser entendidas, a

meu ver, como projetos políticos que, em última instância, têm como objetivo preservar

a identidade indígena frente à capacidade fagocitadora, em parte pela grande atração

que exerce, da forma de vida dos “brancos”. É necessário levar em conta esse contexto

porque o projeto, na medida em que traz a tona a questão da medicina tradicional e sua

valorização, é enquadrado nele por parte dos participantes das reuniões.

3.1. Localização e transporte das comunidades incluídas na segunda etapa de execução do projeto.

O objetivo desse item é apresentar dados básicos sobre a localização de cada T.I.

e os meios de transporte disponíveis em cada comunidade para chegar às cidades onde

contam com atendimento médico. Esse ponto é importante na medida em que uma das

principais dificuldades que as comunidade dizem ter é a questão do transporte. O

transporte se torna, por tanto, uma das reivindicações centrais de todos eles (ver item

6.1.7.), não apenas quando se trata dos problemas que enfrenta a grávida, mas qualquer

paciente que precise se deslocar até o pólo-base com urgência. Em cada caso, as

dificuldades enfrentadas e as necessidades são diferentes. Quando a via de comunicação

é fluvial, o meio de transporte pode ser o batelão – barcaça de madeira para o transporte

de pessoas e carga -, ou canoa com motor de rabeta. Pelo que podemos observar, as

comunidades não possuem batelão. Apenas algumas pessoas são donos de motores e

canoas que, eventualmente, podem emprestar a seus convizinhos. Aquelas pessoas que

não dispõem de motor, ou em caso de não haver combustível disponível, a única

possibilidade é se deslocar a remo.

Os tempos de deslocamento que aparecem nas tabelas podem variar muito em

função de vários fatores: nível de água do rio; se a embarcação vai a favor ou em contra

da correnteza; a potência do motor; a carga da embarcação, etc. São dados apenas

aproximativos para fornecer um marco de referência sobre as características da área e as

dificuldades que a esse respeito enfrentam tanto as comunidades, quanto as EMS.

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3.1.1. Região de Pauini

Terra Indígena Etnia Cidades que são ponto de referência Meio de transporte Dificuldades

Peneri/Tacaquiri

• Pauni • Boca do Acre

Seruini/Marienê

Guajahã

Catipari/Mamoriá

Água Preta/Inari

Apurinã

Pauni: não existe nenhuma estrada até Pauini. A cidade está comunicada com outras cidades por rio. A cidade mais próxima é Boca do Acre, a quatro dias de distância numa embarcação com motor de rabeta. Com motor fora-borda o tempo empregado se reduz a seis horas. Existem também pequenos aviões (teco-teco) que fazem os trechos Pauini/Boca do Acre e Pauini/Rio Branco. População: segundo IBGE, 17.092 pessoas.

Camadeni Camadeni

Embarcação fluvial pelo Rio Purus e seus afluentes, dependendo da localização da aldeia.

• Grandes distâncias entre as aldeias e as cidades de referência: entre dois dias e meio e algumas horas, dependendo dos casos, com embarcação a motor. Com embarcações sem motor, o tempo se multiplica. • Falta de disponibilidade de combustível. O combustível em

Pauini é muito mais caro do que em outras cidades melhor comunicadas. • Falta de motores suficientes nas aldeias. • Na aldeia Nova Vista (T.I Peneri/Tacaquiri) existe uma

dificuldade extra: a aldeia se encontra à beira de um igarapé que durante o verão não tem suficiente água para as embarcações pequenas poderem se deslocar por ele. Para chegar da aldeia até a beira do Purus, é necessário caminhar em torno de uma hora por uma trilha.

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3.1.2. Região de Boca do Acre

Terra Indígena Etnia Cidades que são ponto de referência Via de comunicação e meio de transporte Dificuldades

Apurinã BR 317 KM 124

Boca do Acre (Apurinã Km 45)

Ambas terras indígenas se encontram situadas em áreas por onde passa a estrada BR. 317, que une Boca de Acre e Rio Branco. Embora ainda não esteja completamente asfaltada (se encontra atualmente em processo de completar o asfaltamento, pelo menos no trecho acreano), é transitável o ano todo. Os meios de transporte são terrestres. As pessoas da comunidade usam o ônibus para se deslocar (o qual exige recursos econômicos). Quando há pacientes que devem ser deslocados, o pólo envia uma toyota. As comunidades não contam com veículos próprios.

• Longas distâncias entre as diferentes casas ou aldeias que se encontram dentro das T.I.s, que devem ser percorridas a pé. • Falta de meio próprio de transporte. • Necessidade de recursos para usar o ônibus. • Na parte que atravessa as terras indígenas, a estrada não está asfaltada, de forma que na época de chuvas se torna muito lamacenta, dificultando o deslocamento.

Camicuã

Apurinã

Transporte fluvial. A T.I. Camicuã se estende na beira oposta a Boca do Acre. Dependendo das aldeias, o deslocamento até Boca do Acre pode levar vinte minutos ou duas horas. Apenas na aldeia Centrim é necessário caminhar por uma trilha em torno de uma hora para chegar até a beira do rio.

• Escassez de combustível e embarcações.

Lurdes/Cajueiro

Transporte fluvial pelo rio Purus até Boca do Acre. • Em torno de um dia para chegar a Boca do Acre. • Escassez de combustível e embarcações.

Goiaba/Monte

Jamamadi / Apurinã

Iquirema

Boca do Acre – A cidade se encontra comunicada com Rio Branco pela estrada BR 317, que está apenas parcialmente asfaltada, mas é transitável o ano todo. Por rio se encontra comunicada com Sena Madureira (4 dias de viagem), embora o ponto de referência principal seja Rio Branco. População: 26.529 (dado do IBGE, 2000)

Ramal até a estrada BR 317 • Dificuldades na época das chuvas porque o ramal fica lamacento e dificulta o deslocamento. • Dependência da Toyota do pólo para deslocamentos.

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Inauni/Teuini

Transporte fluvial pelos rios Inauini e Teuini (em cada caso), e posteriormente pelo Purus até Pauini e Boca do Acre, respectivamente,

• As aldeias são muito distantes. Com motor de rabeta se demora em torno de quatro dias em chegar a Boca do Acre (desde a aldeia São Francisco, localizada no rio Inauini, afluente do Purus) ou a Pauini (desde a aldeia Torcimão, localizada no rio Teuini, afluente do Purus) (ver mapa 1) • Durante o verão, os rios Teuni e Inauini têm pouco caudal, de forma que as embarcações não podem navegar. Nessa época, a aldeia São Francisco especialmente, fica isolada até que começa a época de chuvas. • Escassez de motores e combustível nas aldeias.

Igarapé Capana

Jamamadi

Transporte fluvial pelo rio Purus até Boca do Acre. • Longa distância até Boca do Acre, em torno de dois dias. • Escassez de combustível e embarcações.

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3.1.3. Região de Sena Madureira

Terra

Indígena Etnias Cidades que são ponto de referência Meio de transporte Dificuldades

Jaminawa da

Colocação

Embarcação fluvial. Demora em torno de duas horas pelo rio Purus no trecho São Paulino – Sena Madureira, em motor de rabeta.

• Escassez de combustível e embarcações

Jaminawa do Caiapucá

Embarcação fluvial. Leva em torno de dois dias de viagem fazer o trecho entre Caiapucá e Sena Madureira, pelo rio Purus.

• Escassez de combustível e embarcações. • Longa distância até Sena

Madureira. Jaminawa

do Rio Caeté

Embarcação fluvial. Leva em torno de quatro dias pelo rio Caeté para chegar a Sena Madureira em canoa de rabeta.

• Escassez de combustível e embarcações. • Longa distância até Sena

Madureira.

Jaminawa do Guajará

Sena Madureira: Ligada a Rio Branco por estrada asfaltada, transitável o ano todo. O deslocamento entre Rio Branco e Sena Madureira demora duas horas. População: 29.420 habitantes, conforme o IBGE, 2000.

Embarcação fluvial. Leva em torno de três o quatro dias pelo rio Iaco para chegar a Sena Madureira em canoa de rabeta.

• Escassez de combustível e embarcações. • Longa distância até Sena

Madureira

Cabeceira do Rio Acre

Jaminawa

Assis Brasil: Ligada com Brasiléia e Rio Branco por estrada asfaltada, transitável o ano todo. População: 3.490 habitantes, conforme o IBGE, 2000.

Deslocamento pelo rio Acre até Assis Brasil. Dependendo das aldeias, o trajeto leva em torno de duas ou três horas.

• Escassez de combustível e embarcações. • No verão, o escasso caudal do rio

pode dificultar o trânsito de embarcações.

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Mamoadate

Manchineri / Jaminawa

Assis Brasil Existe um ramal entre o Iaco e Assis Brasil que apenas está disponível na época da seca. Até o ramal, o deslocamento se faz em canoa de rabeta ou a remo, dependendo da disponibilidade de combustível. O deslocamento desde a aldeia mais distante até o ponto onde se inicia o ramal demora quase um dia. No inverno, o ramal está intransitável, de forma que os únicos meios de transporte viáveis são a embarcação fluvial até Sena Madureira (em torno de uma semana em canoa impulsionada com motor de rabeta), ou os aviões fretados pelo pólo para levar até a cidade pacientes em estado grave.

• Escassez de combustível e embarcações. • No verão, o escasso caudal do rio

dificulta o trânsito de embarcações, deixando algumas comunidades praticamente isoladas. • Longa distância até Sena

Madureira.

Manchineri do Seringal Guanabara

Manchineri

• Assis Brasil • Sena Madureira

Deslocamento pelo rio Iaco até Sena Madureira ou até o ponto do ramal que leva a Assis Brasil.

• Escassez de combustível e embarcações. • Longa distância até Sena

Madureira.

Alto Rio Purus

Kaxinawa Kulina

Jaminawa

• Sta. Rosa do Purus: Não existem estradas até esta cidade. Os meios de transporte são apenas fluviais e aéreos (em teco-tecos). Cidade com escassa infra-estrutura. População: 2.246 habitantes, segundo IBGE, 2000. • Manuel Urbano: Cidade ligada a Sena Madureira

por estrada sem asfaltar. Na época de chuvas, o trânsito pode ver-se muito dificultado pela lama. População: 6.374 habitantes, segundo IBGE, 2000. • Sena Madureira

Deslocamento pelo rio Purus até Santa Rosa ou Manuel Urbano, dependendo das aldeias (algumas delas são ligadas a Santa Rosa e outras a Manuel Urbano). As distâncias entre as aldeias e as cidades variam, mas em vários casos, as viagens podem durar dois ou três dias até a cidade mais próxima22.

• Escassez de combustível e embarcações. • No verão, o escasso caudal do rio

dificulta o trânsito de embarcações, deixando algumas comunidades praticamente isoladas. • Longas distâncias até as cidades

mais próximas.

22 Como exemplo, podemos mencionar os casos das aldeias onde moram as representantes Kulina e Kaxinawa de esta região que participaram da 6ª reunião. Desde a aldeia Puerto Rico (ver mapa 4), são necessários três dias para chegar a Santa Rosa, seis para chegar a Manuel Urbano, e oito para chegar a Sena Madureira; desde a aldeia Santa Gloria, ligada ao pólo de Manuel Urbano, são precisos três dias para chegar a essa cidade.

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Kaxarari Kaxarari • Extrema • Rio Branco

Aldeias ligadas por ramais à estrada BR 384 e à cidade de Extrema. O trajeto deve ser feito em toyota. As quatro aldeias se encontram a diversas distâncias, mas todos os trajetos são de várias horas.

• A comunidade não conta com veículo próprio, dependendo para os deslocamentos do toyota do pólo. • Na época das chuvas, os

deslocamentos pelos ramais se tornam de difíceis e perigosos, especialmente até a aldeia Marmelinho, que fica mais distante.

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4. Funcionamento do DSEI/Alto Purús.

O Pólo-Base é uma das instâncias de atendimento a saúde indígena, ou ainda, é a

primeira referência para os agentes indígenas de saúde que atuam nas aldeias. No caso

do Acre, os pólos estão localizados nos municípios e não há Posto de Saúde atendido

por um auxiliar de enfermagem, como ocorre em outros estados. Tendo em vista este

aspecto, no Acre o pólo-base corresponde a uma unidade básica de saúde existente na

rede de serviços do município. A Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos

Indígenas, em suas Diretrizes, afirma que “a maioria dos agravos à saúde deverão ser

resolvidos nesse nível e que as demandas que não forem atendidas no grau de

resolutividade dos Pólos-Base deverão ser referenciadas para a rede de serviços do

SUS, de acordo com a realidade de cada DSEI” (Fundação Nacional de Saúde 2004:

282).

Os pólos-base que participaram do desenvolvimento do projeto foram: os pólos-

base do Alto Rio Juruá, localizados no município de Cruzeiro do Sul-AC, Feijó-AC e

Tarauacá-AC; no Alto Purus, localizados em Pauini-AM, Boca do Acre-AC, Sena

Madureira-AC e Assis Brasil-AC. Devido a estarem localizados nos municípios em que

as aldeias estão e não haver Posto de Saúde, existe uma forte identificação das

comunidades indígenas com os pólos-base, a ponto de considerarem o lugar como seu23.

Este modelo de assistência prevê as viagens da equipe multidisciplinar de saúde para as

aldeias como o pilar para o atendimento básico, visto que o AIS é o único recurso para o

atendimento sem o apoio de uma estrutura (Posto de Saúde) e um auxiliar de

enfermagem, como ocorre em outros estados.

O atendimento da equipe do pólo-base acontece da seguinte forma, e

corresponde a dois momentos de atendimento: aldeia e cidade (atendimento no

município e encaminhamento para o SUS). Cada EMS organiza sua programação para o

ano, obedecendo a uma agenda estabelecida pelo DSEI, onde a atenção básica e os

programas do ministério da saúde precisam ser implementados junto às famílias

indígenas. A saída da equipe para fazer o atendimento nas aldeias demanda outras

23 Esta relação é possível também ser vista entre as populações indígenas no estado do Pará, onde possuem Posto de Saúde nas aldeias.

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atividades que somam com as já agendadas para desenvolverem quando estiverem no

pólo. Na atenção básica, o que não é possível ser resolvido na aldeia e as emergências

são encaminhadas para os estabelecimentos do SUS, onde são feitas consultas e exames,

nas unidades de referência na cidade.

Durante as visitas às comunidades, que realizam entre três e quatro vezes ao ano,

em meia, as EMSI implementam, na medida do possível, as ações preconizadas pelo

Ministério da Saúde, atualizam o prontuário de todas as famílias indígenas, consultam

as pessoas com problemas de saúde que se encontram na aldeia e os encaminham para a

cidade se for necessário, realizam a cobertura vacinal da população, organizam palestras

para tratar de diversos assuntos de saúde com as pessoas da aldeia (pré-natal, DST/AIS,

higiene, etc.), e fazem a coleta de dados populacional necessária para o preenchimento

do SEASI.

Durante sua estadia na cidade, uma das funções das equipes é o consolidado dos

dados coletados durante as viagens, para o preenchimento do SEASI. Devem,

igualmente, receber os pacientes que chegam ao pólo à procura de atendimento e

encaminhá-los para o estabelecimento do SUS correspondente, em função da

complexidade do atendimento. Um papel importante das EMS é o de acompanhar a

referência e a contra referência dos pacientes.

Quando não é possível resolver o problema de saúde no município ou é

necessário tratamento ou consulta de alta complexidade, o paciente é encaminhado para

algum centro de referência de um município próximo maior (ver tabela 5), ou para a

CASAI de Rio Branco, que realiza o mesmo labor de encaminhamento ao SUS que faz

cada pólo-base nos municípios.

Os recursos e os estabelecimentos do SUS com os quais conta cada município

variam muito de um a outro. O mais precário dos que visitamos era, sem dúvida o de

Pauini, onde apenas existia um médico para atender toda a população da cidade,

encontrando-se completamente desbordado de trabalho, conforme comentaram as

enfermeiras do pólo. Igualmente, faltavam nesse município laboratórios onde realizar

exames e análises, de forma que estes deviam ser solicitados a cidades maiores como

Boca do Acre.

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Paciente acompanhado de AIS

Pólo-BaseEstabelecimentos de saúdelocais ou regionais:- Postos de Saúde- Hospitais- Maternidades

CASAI(Rio Branco)

Estabelecimentos doSUS em Rio Branco

Não solucionado na região

Pacien

te ac

ompa

nhad

o de A

IS

Paciente acompanhado de A

IS

Aldeias do município

Visitas das EMSIás aldeias

Visitas das EMSIás aldeias Visitas das EMSI

ás aldeias

Quadro 2: Fluxo de atendimento

Os recursos destinados à saúde indígena não são diretamente encaminhados para

o pólo-base, mas para o município. Dessa forma, é a prefeitura quem administra os

recursos, sendo necessária uma boa articulação entre a administração do pólo-base e a

prefeitura para que o trabalho das EMSI, especialmente as visitas às aldeias, possam ser

organizadas. Além dos recursos governamentais, cada pólo-base recebe do DSEI

medicamentos que são armazenados no próprio pólo. Os medicamentos dos quais o pólo

não dispõe, são adquiridos em farmácias conveniadas com a prefeitura, que pagará esses

gastos com os recursos recebidos para a saúde indígena. Igualmente, todos os

profissionais do pólo, incluindo os AIS, são contratados pela prefeitura.

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4.1. Constituição das Equipes Multidisciplinares de Saúde

O pólo-base é composto pelo administrador e a equipe multidisciplinar de

saúde (EMS). Cada pólo faz um esforço para montar sua equipe, já que médicos são

profissionais difíceis de serem conseguidos24. Cada equipe multidisciplinar de saúde é

formada por: médico, enfermeiro (a), auxiliar de enfermagem, microscopista, motorista,

barqueiro e cozinheiro. O número de EMS que integram o pólo depende da quantidade

de população indígena atendida. Cabe destacar que algumas equipes incorporam

indígenas entre seus membros, como as de Boca do Acre e Santa Rosa do Purus.

Na tabela a seguir se apresentam dados referentes ao número de profissionais de

saúde contratados e aos estabelecimentos do SUS existentes em cada município:

24 Os pólos têm se tornado exigentes na busca dos profissionais para comporem as EMS. É difícil encontrar profissionais com o perfil adequado para esse trabalho, já que implica, não apenas saber trabalhar com a diversidade cultural, mas também, estarem dispostos a fazer grandes deslocamentos para atender ou fazê-lo em condições adversas. Esse foi um comentário pertinente entre os administradores ou enfermeiros entrevistados.

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Estabelecimentos do SUS no município Município Posto de

Saúde/ Unidades

Mistas Hospital de referência

Equipe

Assis Brasil 2 1 Brasiléia

2 enfermeiras 1 técnica de enfermagem 1 auxiliar de enfermagem

1 auxiliar de consultório dental 2 barqueiros

Boca do Acre 4 1

1 médico 1 enfermeira

1 técnica de enfermagem 1 auxiliar de enfermagem

2 auxiliares de saúde 1 dentista

1 auxiliar de consultório dental 1 barqueiros 1 motorista

Manuel Urbano 1 1 Sena Madureira

1 enfermeiras 2 auxiliares de enfermagem

2 barqueiros

Pauini 1 1

2 enfermeiras 2 técnicas de enfermagem

1 odontólogo 1 técnico protético

Santa Rosa do Purus 1

1 médico 2 enfermeira

3 auxiliar de enfermagem 1 dentista

Sena Madureira 9 1

1 enfermeira 2 auxiliares de enfermagem

1 guarda de endemias 1 motorista

Tabela 5: Recursos humanos dos pólos-base e estabelecimentos do SUS em cada município (DSEI/Alto Purus 2005).

Um elemento-chave nesse modelo de atenção à saúde da população indígena é o

próprio Agente Indígena de Saúde. Entre outros papeis, ele atua como articulador entre

os membros de sua comunidade e a EMSI. As principais funções do AIS são:

• encaminhar e acompanhar ao pólo-base correspondente os pacientes cujas doenças

não possam ser resolvidas com os recursos da aldeia;

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• realizar o seguimento do crescimento das crianças, do estado de saúde das grávidas,

dos doentes crônicos ou das pessoas que estejam seguindo um tratamento de cura

prescrito pelos profissionais de saúde;

• fornecer os primeiros socorros;

• acompanhar e ajudar na organização do atendimento da EMSI quando esta realiza

suas visitas à aldeia;

• coletar dados referidos à saúde dos membros da comunidade (nascimentos, óbitos,

doenças acontecidas, etc.) e a suas próprias atividades como AIS (visitas realizadas,

palestras proferidas na comunidade, etc.), que deverão posteriormente ser repassados

à EMSI para incluí-los nos consolidados.

No Acre, a formação de AIS foi iniciada em 1988 pela ONG CPI/Acre. Essa

capacitação estava baseada na prevenção e no saneamento e os resultados foram

positivos, especialmente no que diz respeito à vacinação. Também entre 1990 e 1991 a

ONG internacional Médicos Sem Fronteiras realizou uma campanha no Acre que, entre

outras atividades, incluiu a capacitação de indígenas em relação a algumas técnicas

biomédicas.

Cabe destacar que durante a época em que a FUNAI estava encarregada da

saúde indígena, na região do Acre promoveu a capacitação de alguns índios como

auxiliares de enfermagem. Quando a saúde indígena passa a ser responsabilidade da

FUNASA25, esta assinou, no Acre, um convênio com a principal organização indígena

do Estado, a UNI (União de Nações Indígenas), por meio do qual repassava a esta

organização a responsabilidade sobre a atenção a saúde dos povos indígenas. Entre as

competências da UNI estavam a de capacitar e contratar os Agentes Indígenas de Saúde.

Entretanto, a partir dos depoimentos coletados em campo, se pode concluir que a UNI

não cumpriu essa função de forma adequada, e durante esse período a capacitação de

25 Durante essa época, até 1991, a saúde indígena estava ainda em mãos da FUNAI. A necessidade de se reformar o sistema de assistência à saúde dos povos indígenas através de um subsistema integrado no SUS que garanta o respeito das especificidades culturais dos grupos indígenas se define sucessivamente na I Conferência Nacional da Proteção Saúde do Índios (1986), na II Conferência Nacional de Saúde para os Povos Indígenas (1993), e na III Conferência Nacional de Saúde Indígena (2001). Entre 1991 e 1999, FUNAI e FUNASA dividiram responsabilidades no que se refere à atenção saúde indígena, executando cada uma delas ações sem que existisse coordenação entre si. Esta situação se resolveu finalmente quando em 1999 a Lei nº 9.836 concedeu a total responsabilidade pela saúde indígena à FUNASA (Fundação Nacional de Saúde 2004; Langdon 2004).

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AIS foi deficitária. Quando o Convênio UNI-FUNASA foi cancelado por deficiências

na prestação de contas por parte da organização indígena, os DSEIs assumiram a

capacitação e a contração de AIS.

Atualmente existe uma grande diversidade no que respeita à formação dos AIS

da região do Alto/Purus. Alguns já levam tempo atuando e têm recebido capacitação em

etapas anteriores; outros, entretanto, foram contratados recentemente e ainda não

receberam capacitação. Durante nossa estadia na região do Alto/Purus, entre os meses

de setembro e novembro, o DSEI/Alto Purus estava envolvido na organização das

capacitações de AIS em cada uma das regiões, questão à qual se estava dando

prioridade pela precariedade em que se encontrava.

5. Dados referentes ao parto indígena.

No presente item, pretendemos apresentar os dados disponíveis referentes aos

sistemas de parto entre os grupos envolvidos na segunda etapa de execução do projeto.

Em primeiro lugar, exporemos algumas informações que aparecem na literatura

etnográfica especializada sobre as práticas e concepções relativas ao parto entre os

povos tratados no presente relatório ou outros culturalmente próximos a eles. Embora

sejamos conscientes de que os dados relativos a grupos culturalmente relacionados não

podem ser extrapolados diretamente aos grupos sobre os quais tratamos, consideramos

que servem para construir um marco etnográfico geral que possa servir como subsídio

para nossas interpretações.

É importante mencionar que, nas etnografias, as informações relativas aos

sistemas de parto são escassas. Em primeiro lugar porque muitas vezes os etnógrafos

não têm prestado suficiente atenção a essa questão; em segundo lugar, porque são

questões difíceis de abordar, especialmente para os homens. Devemos considerar, ainda,

que não estamos falando exclusivamente das práticas relacionadas ao momento do

parto, mas nos referimos a um sistema mais amplo de práticas e idéias que abarcam

todo o processo de gravidez, parto e pós-parto. Sobre algumas delas – como as dietas

pós-parto, por exemplo, conhecidas como couvade e que têm chamado atenção dos

etnógrafos - há mais informação do que sobre outras, como o evento do parto, sobre o

qual, dado que se trata de um acontecimento íntimo, as mulheres indígenas não

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costumam falar com estranhos. Essa escassez de dados evidencia o caráter inovador do

presente projeto, não apenas quanto à sua proposta de ação, mas também enquanto

pesquisa etnográfica.

Devemos mencionar ainda que no relatório etnográfico anterior já apresentamos

alguns dados, especialmente sobre os Ashaninka (povo arawak) e sobre alguns grupos

pano, pelo qual evitaremos repetir as informações. A escassez de informações a respeito

dos Apurinã e dos Jamamadi se vê incrementada pela falta de trabalhos etnográficos

sobre eles.

Em segundo lugar, completaremos as informações expondo alguns dados

obtidos durante a execução do projeto. Ao longo das reuniões, foram realizados alguns

comentários sobre os sistemas de parto por parte dos participantes. Entretanto, nosso

acesso a essas informações foi limitada, em grande medida porque as lideranças

presentes, incluídas as integrantes da Sitoaköre, exerciam um controle sobre todas as

informações referidas à “cultura tradicional” que eram mencionadas, evitando traduzi-

las sob a alegação de que se trata de segredos.

5.1. Apresentação de dados que aparecem na bibliografia etnográfica.

O que apresentamos a seguir é, portanto, um conjunto de informações ainda

fragmentárias, que precisam ser completadas, mas que contribuem a fornecer um

panorama sobre o sistema tradicional de parto indígena.

Um recente trabalho de Luisa Elvira Belaúnde sobre os Yine26 - da família

arawak - focalizado na questão do parto nos fornece valiosas informações.

Os Yine concebem o parto como um momento no qual a força da mulher, contida nos seus ossos e numa postura adequada, é colocada em ação para enfrentar a morte, de cócoras, até dar à luz a criança. A idéia de que a força de uma mulher reside na postura adequada dos ossos, se sustenta na prática de

26 Lembremos que os Yine, também conhecidos como Piro, habitantes da região do rio Urubamba no Peru, estão relacionados com os Manchineri do Acre. Alguns autores sustentam ainda que se trata da mesma etnia que foi dividida durante a época das correrias. Em qualquer caso, a relação é real na medida em que se reconhecem laços de parentesco e existe certo fluir de pessoas entre os Manchineri e os Piro. Uma das integrantes da Sitoaköre é Manchineri e me comentou que seu pai tinha ido morar com familiares dele que estão assentados no Peru.

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“acomodar” ritualmente os ossos das mulheres jovens durante a reclusão da menarca27 (Belaúnde 2005: 122).

A autora chama atenção sobre o processo de “modelagem” corporal que

acontece ao longo da vida de uma adolescente, e que tem como objetivo produzir um

corpo capaz de cumprir as tarefas próprias do gênero feminino, entre elas trazer crianças

ao mundo. As duras tarefas que as mulheres devem realizar todos os dias, como

carregar água, lenha ou os produtos da roça, e que continuam fazendo durante toda a

gravidez, assim como certos rituais realizados com ocasião da primeira menstruação das

jovens, contribuem a fortalecer o corpo. Ter um corpo forte e preparado é fundamental

para as mulheres na hora do parto.

As mulheres continuam trabalhando e carregando peso durante a gravidez até o dia do parto, quando a força exercitada durante toda a vida por meio da boa postura e o trabalho é usada para trazer ao mundo um novo parente, de forma discreta, sem gritar e, se possível, “sem ninguém olhando”. Para o parto ter sucesso, a mulher deve manter a tranqüilidade e o controle sobre a força e empurrar no momento adequado. Geralmente, as mulheres tentam dar à luz sem ajuda, enfrentando sozinhas e em silêncio o a dor das contrações. Apenas quando percebem que não podem mais controlar suas forças, e que o bebê está prestes a vencê-las, mandam chamar uma parente para que as ajude.

A ajuda que as mulheres costumam receber se reduz, geralmente, a uma parente, que aperta o ventre com ambos os braços, situada atrás dela, abraçando-a por embaixo das axilas. O parto é concebido como uma guerra, travada com muito esforço pela parturiente e sua ajudante, contra a criança. Uma das principais funções da ajudante é evitar que a parturiente deite, porque se o fizesse estaria abdicando da criança, obstaculizando o parto (Belaúnde 2005: 122-123) .

A autora explica também que quando o casal leva junto vários anos, o marido

costuma ajudar sua mulher durante o parto, segurando a criança, banhando-a, e depois

cozinhando e cuidando da esposa durante os dias que ela precisa para se recuperar se o

parto foi difícil.

Como mencionei anteriormente, não existem muitos dados sobre os Apurinã. A

única referência que obtivemos foi uma informação fornecida por Paul Ehrenreich,

Paul, um viageiro alemã que visitou a área apurinã no século XIX:

27 Original em espanhol, tradução nossa.

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Algum tempo antes do parto, a mulher se recolhe a um rancho da floresta, onde é assistida por algumas mulheres idosas, que também dão nome à criança. Por meio de torsão separa-se o cordão umbilical, e em seguida amarra-se um barbante abaixo da ferida. Daí a quatro ou cinco dias, a mãe volta para casa com o recém-nascido (Gonçalves ed. 1991: 140).

Embora seja uma informação antiga que não se corresponde com a realidade

atual dos Apurinã, ainda é valida para entender a evolução das práticas de parto nesses

grupos e para contrastá-la com as que obtivemos durante as reuniões.

Sobre os Kulina e os Jamamadi, de língua arawá, tampouco contamos com

muita informação. A descrição de um dos etnógrafos que trabalhou entre os Kulina,

embora incompleta, traz a tona algumas informações interessantes:

Numa tarde, enquanto eu ouvia as histórias contadas por Mae no pátio da aldeia, chegou a notícia do nascimento do filho de Dário (casa 05) e Haurita. Dário era meu pai adotivo na aldeia e sua mulher era quem me cuidava. Dirigimo-nos para lá, eu e Mae - o xamã -, já que o momento do parto é bastante singular numa aldeia. Ele havia sido realizado por Zacaria, filho de Mae e novo xamã da aldeia. Ao chegarmos e presenciarmos a criança deitada no estrado da casa, ao lado da placenta da mãe, legitimamos o fato de que aquela era uma criança de Madija, filha de Madijas e nascida numa aldeia Madija [...] Pollock descreve que há cantos femininos que ocorrem logo após a concepção na porta da casa da mãe, mas isso não ocorreu nesse caso. [...] Á criança é dado o nome da pessoa que cortou seu cordão umbilical no momento do nascimento. Essa pessoa é normalmente um parente adulto próximo, do mesmo sexo do recém-nascido, d o qual, é claro, sabe-se o nome (Silva 1997: 128).

Infelizmente, não há mais referências sobre o papel do xamã no parto – que é

uma informação infreqüente e valiosa, sobre a qual voltaremos posteriormente.

Contudo, a descrição coloca um novo elemento que contrasta com a descrição anterior:

o caráter social do evento, já que as pessoas da comunidade acodem ao lugar onde

aconteceu o parto e são entoados cantos – conforme a descrição de outro etnógrafo.

Essa característica do parto como evento social é descrita também a respeito dos Matis

(grupo pano), como explicamos no relatório anterior. Lembremos:

O parto matis constitui, efetivamente, um acontecimento social importante, no qual todas as mulheres em idade fértil devem participar [...] A parturiente, acocorada sobre uma folha de tsinkwin kimo (‘bananeira verdadeira’), com a cabeça rasurada segurada por sua mãe ou alguma outra mulher mais idosa, não deve manifestar nenhum sinal de dor, contentando-se apenas com emitir, no final, o gemido “kwa kwa kwa”, onomatopéia de

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circunstância. A maior parte do tempo, como para minimizar ou negar o sofrimento da futura mãe, as outras mulheres presentes riem, brincam com macaquinhos que criam como animais de companhia, comem bananas assadas, massageiam e comparar uns bebês com outros28 (Erikson 1996).

A descrição continua explicando que uma das mulheres mais velhas e

experientes será escolhida para ser a primeira a pegar a criança, e será ela quem decidirá

se o bebê é viável. Essa mulher se tornará sua “madrinha” e terá um papel fundamental

nos rituais que marcam o ciclo vital matis no processo de construção da pessoa. Ela será

também a responsável por enterrar a placenta no roçado, ao pé de uma bananeira

(Erikson 1996: 231-232).

As descrições expostas acima nos levam a vislumbrar dois tipos de

circunstâncias em que o parto indígena acontece, conforme os diferentes grupos:

• Em alguns casos, o parto é praticamente “invisível”: a mulher dá à luz

sozinha, ou apenas com a ajuda de uma parente próxima quando o parto

apresenta alguma dificuldade. Em certos casos, o parto acontece na casa da

parturiente e, em outros, em na floresta, em alguma estrutura previamente

preparada para esse propósito29, mas de qualquer modo de forma

imperceptível para os vizinhos, que muitas vezes apenas chegam ter

conhecimento do nascimento de uma nova criança na aldeia depois que o

parto aconteceu. Durante o parto, as mulheres evitam qualquer mostra de

dor.

• Outro modelo, menos comum, descreve o parto como um evento social no

qual participam as mulheres da aldeia, acompanhando o processo, cantando

às vezes. Esse tipo de parto foi também testemunhado por Lagrou entre os

Kaxinawa. Durante o mesmo, que durou doce horas, várias mulheres

estavam presentes, cantando para facilitar o nascimento da criança (Lagrou

1998: 91-92). Em qualquer caso, a evitação de gritos e mostras de dor

continua presente nesses casos.

28 Original em francês, tradução nossa. 29 Remetemos novamente ao primeiro relatório etnográfico, no qual se apresentam algumas descrições dos partos entre os povos ashaninka (arawak) e sharanawa (pano). Nesses casos, as mulheres se internam sozinhas na floresta para dar à luz.

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Esses dados não devem ser interpretados, a meu ver, como mostras de dois

modelos de parto diferentes, já que a respeito dos kaxinawa, por exemplo, outras

descrições explicam que a parturiente dá a luz sozinha na floresta. São dados que dizem

respeito às características gerais do parto entre os povos indígenas, que, apesar das

diferenças culturais, partilham determinados princípios. Os dados acima corroboram a

caracterização geral feita no primeiro relatório:

• O parto é um evento que não gera uma quebra marcada da rotina, nem a

mobilização de recursos (humanos, terapêuticos ou econômicos)

excepcionais, a não ser que aconteça algum tipo de complicação.

• A mulher dá à luz sozinha ou acompanhada de mulheres experientes,

geralmente mais velhas. O papel delas, em muitos casos, é muito mais social

– o ato de receber a criança ou cortar o umbigo gera uma relação especial

entre a criança e a pessoa que o faz, por exemplo – do que “profissional”, no

sentido de realizar o parto.

• Em determinados casos, a mulher dá à luz em algum lugar um pouco

afastado da aldeia; em outros, dentro da sua própria casa. Mesmo com outras

pessoas presentes, o parto é um evento íntimo, e não é qualquer pessoa que

pode estar presente: apenas as mulheres próximas, que podem dar apoio de

diversas formas, e o marido, principalmente para ajudar a segurar sua

mulher.

• Há um controle marcado, por parte da parturiente, em relação às

manifestações de dor.

• Em relação à placenta, o mais normal é que ela seja enterrada atrás da casa

ou em algum lugar do roçado. Como explica Belaúnde a partir de uma

pesquisa comparativa de vários povos amazônicos, na maior parte dos casos

a placenta é enterrada ritualmente. Considera-se que, caso contrário, a

placenta se vingaria do recém-nascido provocando sua morte imediatamente.

Ainda segundo essa autora, a placenta é concebida como um "irmão" do

recém-nascido. O parto implica a morte da placenta, por tanto pode ser lido

como um fratricídio. Daí a rivalidade da placenta e sua periculosidade

(Belaúnde 2005: 273). Essa interpretação da placenta como “irmão” é

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interessante para entender o fato de que algumas das parteiras apurinã que

participaram nas reuniões segunda etapa de execução do projeto a chamem

“companheiro”.

Uma explicação sobre o caráter perigoso da placenta, complementar a esta, nos

foi dada por mulheres kaxinawa durante a primeira etapa de execução do projeto: após o

parto, a placenta é enterrada para que nenhum animal a coma. Se isso acontecer, a

criança morreria já que continua existindo um elo entre a placenta e a criança, por

ambos compartilharem as mesmas substâncias corporais.

Essa explicação deve entender-se à luz do princípio generalizado entre os povos

amazônicos, conhecido na literatura etnográfica como “relações de substância”. As

“relações de substância” decorem das teorias nativas sobre a concepção, segundo as

quais o corpo do feto é formado das substâncias corporais dos pais: o sêmen, o sangue

e, posteriormente, o leite materno. O tema das “relações de substância” já foi explicado

no primeiro relatório, e abundaremos nele no item 5.3.1.

5.2. Descrição dos sistemas de parto tradicionais indígenas conforme os dados obtidos durante as reuniões:

Como mencionamos, ao longo das reuniões e em conversas com os

participantes, obtivemos algumas informações que nos permitem caracterizar os

sistemas de parto de cada uma das etnias aqui consideradas. Estas caracterizações não

devem entender-se como definitivas, já que, em qualquer caso, essa tarefa exigiria um

trabalho etnográfico focalizado no estudo desses sistemas em cada caso, o qual vai além

das possibilidades do projeto. Em relação aos Manchineri, pelo fato deles não terem

participado nas reuniões, não possuímos informações para ser colocadas aqui.

5.2.1. Apurinã

Antes de começar a caracterizar o sistema de parto entre os Apurinã, é

necessário especificar que, diferentemente de outros casos, como os Jamamadi ou os

Jaminawa, esse povo tem um grau de interação maior com a sociedade envolvente, no

sentido de que existem vários casamentos com não-indígenas – e, portanto, vários não-

indígenas convivendo com os apurinã nas aldeias, assim como muitos apurinã com

algum dos progenitores não-indígenas. Muitos costumes não-indígenas acabaram por se

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superpor aos propriamente nativos. Mesmo em termos lingüísticos, o português

predomina, e muitas das pessoas das gerações mais novas não entendem nem falam a

língua apurinã.

Algumas das pessoas que participaram nas reuniões como representantes das

comunidades apurinã eram não-indígenas, e vários dos conceitos e idéias expressadas

durante o encontro são mais características da sociedade ribeirinha do que da sociedade

indígena. Não estamos com isto pretendendo que se deva discernir entre elementos

puramente indígenas e os que não o são. O que nos interessa é o mundo vivido apurinã,

como os Apurinã vivem, atuam e pensam atualmente, suas condições reais de

existência. Este apontamento tem o único intuito de chamar atenção sobre uma

característica da atual sociedade apurinã que deve ser levada em conta na hora de

entender o sistema de parto.

Não temos praticamente dados sobre como era tradicionalmente o sistema de

parto. Como vimos no caso de outros grupos, cujos sistemas foram comentados no

primeiro relatório, a figura da “parteira” começou a aparecer recentemente entre os

povos indígenas. No caso dos Apurinã não parece ser diferente. Dona Corina o expressa

dessa forma:

Eu já estou com cinco crianças que eu pego, eu fazer que nem a história, eu pegava criança é porque nós antigamente ninguém usava parteira certo, né?, a parteira era aquela que estava na hora quando a mulher estava sofrendo, se chegou a ocasião de eu pegar criança, eu consegui pegar, todos os partos que eu fiz, todos os cinco, nenhum teve atrapalho. Teve parto normal, por isso que de hoje para frente eu vou enfrentar ser uma parteira mesmo que seja da minha comunidade (Dona Corina, 4ª Reunião, Aldeia Nova Vista).

O fato de que não houvesse pessoas específicas especializadas na realização dos

partos, não quer dizer que não existisse um conhecimento acurado sobre o processo de

gravidez, parto e pós-parto. Diferentemente do que acontece na sociedade ocidental,

onde esse conhecimento está em mãos de profissionais especializados, em muitas

sociedades indígenas, como é o caso dos Apurinã, se trata de um conhecimento passado

de geração em geração. Muitos dos depoimentos das participantes refletem essas linhas

e mecanismos de transmissão de conhecimentos.

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Eu aprendi com minha mãe, com minha tia, botei na minha cabeça, quando pega outro já está sabendo, quando eu vou pegar eu sei, por mim mesma, quando menino está sentando, quando está atravessado de mal jeito,quando está morta a criança. Agora esses enfermeiros me ensinam. A primeira vez eu peguei, foi um parto da minha mãe, ainda mais de duas crianças, ainda mais na mata, porque meu pai foi pescar, nós fiquemos, duas crianças, da minha mãe. Eu ainda pequena, minha mãe me chamou, ela disse assim, “ainda tem outro”, eu deixei num cantinho, encima da folha, não vou negar, ne?, peguei o outro, chamei meu tio, que era pequeno, “me dá alguma coisa”, taboca, afilou bem, aí eu cortei umbigo. Ela falou “minha filha, amarra assim”, amarrei, pedaço de pano, não tinha panela, um camburonzinho, “esquenta água”, esquentei, peguei o outro, dei banho. Peguei da minha mãe, depois da minha tia. “É assim, minha filha”, depois eu já sei como é. Agora eu quero ensinar minhas netas, porque têm coragem. Agora, eu esteve doente, me chamaram, falei que não tinha perigo, “tenha coragem, minha netinha” (Dona Elsa, 4ª Reunião, Aldeia Nova Vista).

Dona Elsa é a pessoa mais velha das

que participaram das reuniões, e era

considerada com muito respeito devido não

apenas a sua idade, mas a sua sabedoria e ao

fato de ter realizado muitos partos ao longo de

sua vida. Segundo ela, apenas de suas netas já

tinha feito quarenta e oito partos. A maior

parte das pessoas às quais assistiu ao longo de

sua vida eram familiares próximas,

primeiramente sua mãe e sua tia, depois suas

irmãs, posteriormente suas filhas e netas. Não

é reconhecida apenas por sua profunda ciência

sobre técnicas do parto – realizar partos

difíceis, como o “parto de bunda”, ou ajeitar

crianças que estão atravessadas ou sentadas -, mas também por seu conhecimento do

uso de plantas, muitas delas medicinais, que utiliza tanto para tratar as grávidas e

parturientes, como a outros tipos de paciente. Da mesma forma que Dona Corina, Dona

Elsa explicou que antes as mulheres costumavam davam à luz sozinhas em suas casas.

Ilustração 16: Dona Elsa Apurinã, 4ªreunião.

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Em muitos casos, a sogra também teve um papel importante no processo de

transmissão desse tipo de conhecimentos pelo fato de que, geralmente, após o

casamento, a mulher costuma ir morar junto à família do seu marido.

Eu fiz muito parto. Eu casei, aí tinha minha sogra, ela tinha carteira de parteira. Minha mãe pegava menino, mas não tinha carteira. Minha sogra pegou meu primeiro menino. Ela me ensinou. “Minha filha, eu já estou velinha, quando eu morrer esse cargo que eu estou, você vai ficar”. Aí, todo canto que ela ia, ela me levava. Eu acompanhava ela, eu fui aprendendo, como era para cortar umbigo, para ajeitar criança. Minha sogra morreu e eu fiquei. Minha mãe ficou, eu ensinava minha mãe, minha mãe me ensinava. Muitas coisas eu aprendi as coisas da minha sogra. Antes do curso eu já peguei meus netos. Eu já estou pegando meus bisnetos (Dora Raimunda, 5ª Reunião, Aldeia Camicuã).

Dona Raimunda é uma mulher Apurinã casada com um não-indígena. O caso

dela ilustra como existem linhas de transmissão de conhecimentos relativos ao parto

entre a população indígena e a não-indígena em relação ao parto. A sogra de D.

Raimunda era uma parteira não-indígena, e cabe supor que o fato dela ter “carteira”

implicava algum grau de oficialidade ou reconhecimento de sua função por parte das

autoridades. Diferentemente de sua sogra, que tinha carteira, sua mãe pegava menino,

mas não tinha carteira. Neste caso se percebe que entre a população não-indígena do

Acre o conceito de “parteira” como pessoa especializada existe desde faz algumas

décadas30. No primeiro relatório etnográfico argumentamos que as políticas públicas

voltadas para as parteiras, notadamente os cursos para parteiras, tinham contribuído de

forma decisiva para o surgimento da figura da “parteira” entre a população indígena;

consideramos, que a interação com a população não-indígena teve também um papel

importante no processo.

No caso de Dona Raimunda, ela aprendeu com sua sogra, e depois repassou esse

conhecimento para sua mãe, que já tinha assistido partos anteriormente.

O depoimento de D. Raimunda nos leva para outro ponto que caracteriza o

sistema de parto Apurinã e o diferencia dos sistemas de outros povos aqui considerados.

Em geral, uma jovem não era permitida de estar presente quando acontecia um parto até

depois de casada.

30 Lembremos aqui que D. Raimunda nasceu, segundo consta no seu RG, em 1937. Cabe supor que ela aprendeu de sua sogra nas décadas de 1950 e 1960.

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Todo mundo aprendeu com a mãe, com a avó, com a madrinha. Eu aprendi só, porque no tempo que nós solteiros, quando uma mulher estava sofrendo, as nossas mães não deixavam a gente chegar àquela distância, não deixava. Cansei de pegar meu irmão mais novo e ir embora. Eu não sabia de que jeito era. Até que um dia, eu fiquei grande, perdi minha mãe, meu pai. Eu estava voltando com a minha irmã que estava gestante. Chamaram ela. Eu tremi naquela hora. Graças a deus que a menina veio direito. Quando veio eu peguei a criança, e perguntei como tinha que fazer para cortar o umbigo. Ela que me indicou, “aqui está tesoura, corta três dedos, puxa para aqui, puxa para ali e corta no meio”, ela que me ensinou, ela já tinha filhos. De lá para cá já era chamada para fora, eu comecei, comecei, depois que fiz o curso, depois do curso que foi pior (Dona Onda, 5ª Reunião, Aldeia Camicuã).

Dona Onda é uma mulher não-indígena casada com um Apurinã e que viveu

quase toda sua vida entre eles. Da mesma forma que ela, várias outras participantes

apurinã explicaram que apenas começaram a aprender como fazer um parto depois que

casaram porque antes não lhes era permitido estar presentes quando uma mulher dava à

luz. Quando um parto estava prestes a acontecer, as crianças e adolescentes eram

enviados longe, para a mata. De fato, como é possível apreciar no cadastro de parteiras

apresentado em anexo (anexo 5), no caso das Apurinã a maior parte começou a assistir

partos já depois que elas mesmas eram mães, o qual contrasta com o que acontece em

outros povos, como os Katukina31, por exemplo, onde não há uma ocultação proposital

do evento do parto às crianças e adolescentes solteiras, de forma que, desde pouca

idade, se familiarizam com esse tipo de evento.

Apenas em circunstâncias imprevisíveis em que não tinha ninguém para ajudar à

parturiente, uma criança podia ver-se obrigada a dá-lhe assistência, como aconteceu

com Dona Leonilla, uma mulher Camadeni32:

Eu não aprendi com a minha mãe, eu aprendi por necessidade também. Quando eu tinha 14 anos, eu comecei pegar um filho da minha prima mesmo, a gente estava brincando. Nossas tias estavam tomando conta dela, mas elas foram para o roçado. Eu estava brincando, tomando banho e ela me chamou: “minha prima, chega, me acode aqui”, eu corri embaixo do mosquiteiro, “me acode aqui minha irmã, eu vou morrer”. Eu não sabia o que eu fazia, porque não tinha

31 Ver o primeiro relatório etnográfico. 32 Dona Leonilla é de mãe apurinã e pai camadeni. Seu pai não quis ensinar a língua própria aos filhos para eles não serem ridiculizados pelos brancos, de forma que hoje já não a falam mais. Os Camadeni são um povo da família lingüística arawá, mas como eles mesmos me explicaram, além de ser um povo pequeno, casam desde faz tempo com os Apurinã, passando praticamente a ser englobados por estes.

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conhecimento, “o que é?”, “me acode aqui”, ela aperreada, ela pegou na rede, ela começou a fazer força, quando a criança nasceu, a minha tia já vinha do roçado, eu vi aquele resto da criança, “meu deus, ela botou tripa dela fora”, porque eu não tinha conhecimento, primeira vez, eu fiquei assim, “titia, pelo amor de Deus, a Carminha ganhou nenê mas eu acho que a tripa saiu tudo”, ela correu para lá, “ah, é uma meninazinha, agora como você viu, você vai lavar ela”, eu fiquei assim treimosa, eu nem sabia o que fazer, não tinha nem coragem de fazer, “mas como é que faz tia?”, ela ensinando, começou a amarrar, “olha minha filha, tu corta o umbigo da criança”, mas eu não peguei tesoura, nada, eu estava com medo, eu mesmo cortei, mandaram tomar banho, depois fiquei pensando, quando me casei, eu tive meus meninos (Dona Leonilla, 4ª Reunião, Aldeia Nova Vista).

É interessante que nesse depoimento

de Dona Leonilla, a tia diz “agora você viu”,

como se ainda não fosse o tempo dela saber

sobre essas coisas, e como já viu, é incluída, e

ensinada sobre o que está acontecendo. A

interpretação que deu D. Onda para explicar

esse encobrimento do parto é que as meninas

poderiam ficar com medo de engravidar.

Uma vez que uma mulher atinge a

condição adequada, se ela demonstra interesse

e predisposição, começará a ser chamada por

sua sogra, sua mãe ou sua avó para

acompanhá-la quando assiste um parto. A

mulher mais idosa assume a realização da tarefa mais complicada (ajeitar a criança na

barriga quando há alguma complicação, receber a criança quando nasce, cortar o

cordão, chupar o nariz do bebê, dar banho nele...) , enquanto a mais nova serve de

apoio, fazendo algum chá, dando massagens na barriga da parturiente com algum óleo

para ajeitar a criança e aliviar a dor, servir de apoio à parturiente se quer caminhar, e

segurar a parturiente por trás no momento do parto. Com o tempo irá aprendendo e,

chegado o momento, pela morte da mulher mais idosa ou, quando ela atinge uma idade

Ilustração 17; Dona Leonilla Camadeni, 4ª Reunião.

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que não lhe permite continuar realizando a tarefa adequadamente – por falta de forças,

perda de visão -, a mais nova ocupará seu lugar.

Aparece aqui a figura da “acompanhante”. Durante as reuniões realizadas na

primeira etapa, não se mencionou nunca a “acompanhante”33, mas durante as de a

segunda etapa, esse conceito apareceu com freqüência e constitui um tema importante

durante as discussões. Nunca uma parteira trabalha sozinha, sempre deve ter sua

“acompanhante”, que vai ajudá-la e apoiá-la durante os partos. Existe uma clara

hierarquia entre elas, devido geralmente à idade e à sabedoria. Contudo, o sistema da

“acompanhante” não é apenas uma forma de suporte para a parteira, mas um mecanismo

de transmissão de conhecimentos sobre o parto. De fato, muitas das parteiras que

vieram participar das reuniões o fizeram junto com suas acompanhantes. Caci é a

acompanhante de sua mãe, Dona Raimunda, e assim explica ela como foi o primeiro

parto que fez sozinha.

Eu estava sozinha em casa e o moço veio e me disse “titia, a Lena está sofrendo”. Meu Deus, não tinha ninguém. “Meu filho, não sou parteira não, só assim, eu assisto junto com a mãe, seguro a mulher, faço massagem”. “Embora lá, a senhora assiste junto com a vovó”. Só Deus e ela e eu. Eu me tremia como uma vara verde. (Se encomenda a Deus). Eu peguei o umbigo dela, amarrei, cortei com a tesoura, peguei um paninho, enrolei, amarrei, ajeitei a mulher, fiz a comida dela, peguei um paninho que a mamãe pega, fiz um buraco, enterrei o umbigo, o pai dela sumiu. Primeiro menino sozinha. Fiquei muito preocupada. (Caci, 5ª Reunião, Aldeia Camicuã).

É interessante mencionar que, da mesma forma que acontece com outros grupos

(ver primeiro relatório etnográfico), em cada comunidade existem várias mulheres que

aprenderam ao longo de suas vidas a assistir partos, embora atualmente essa função

esteja sendo limitada a uma mulher específica. Geralmente, como é possível perceber

claramente nos cadastros das parteiras apresentados em anexo (anexo 5), a maior parte

delas assistiu os partos daquelas mulheres mais novas que formam parte de sua família

extensa e que moram com ela: inicialmente a mãe ou a tia, posteriormente as filhas,

noras, netas e sobrinhas. Poucas das participantes assistiram partos de pessoas externas

33 No caso dos Nawa e os Nukini principalmente, as mulheres explicavam que quando novas ainda eram chamadas por parteiras mais experientes para acompanhá-las durante os partos para ajudá-las. A idéia é a mesma que à da “acompanhante”, mas naquele caso nunca foi referida com esse termo como uma figura específica.

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à comunidade; em geral as que o fazem são aquelas que adquiriram fama como boas

parteiras – o caso de D. Elsa ou D. Onda -, ou não-indígenas.

Dona Raimunda explica, por exemplo, que ela não ensinou apenas a Caci, mas

também a suas outras filhas. Elas casaram e foram morar em outras casas, de forma que

Caci, a única que mora próxima dela, é quem a acompanha. Além de suas filhas,

também sua nora sabe assistir partos. Na T.I. Apurinã do Km. 124 onde elas moram, as

casas se encontram espalhadas ao longo da estrada. Dependendo de onde more a

parturiente e das relações pessoais e de parentesco, recorrerá à “parteira” mais próxima.

Ilustração 18: Caci e Dona Raimunda, 5ª reunião, aldeia Camicuã

Assim, entre os Apurinã encontramos uma situação parecida à que já

descrevemos em relação aos Kaxinawa e aos Shanenawa: em geral, as mulheres

aprendem a assistir os partos com suas mães, avós ou sogras. A diferença é que, salvo

casos de extrema necessidade, apenas o fazem quando já são adultas e casadas.

Normalmente, em cada família extensa há mulheres mais idosas e experientes às quais

as mulheres mais novas confiam a tarefa de realizar a assistência ao parto. De alguma

forma, saber como assistir um parto, pelo menos um parto em condições normais,

constitui um saber que toda mulher deve possuir, que vai aprendendo ao longo da vida e

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do qual precisará quando tenha que atender às mulheres mais novas que vão se

agregando ao seu conjunto familiar.

De qualquer forma, houve vários comentários de que muitas mulheres, embora

saibam assistir partos, já não querem fazê-lo por medo a que aconteça alguma coisa e a

responsabilidade recaia sobre elas. Por outro lado, várias mulheres mais velhas

reclamaram que existe atualmente uma falta de interesse por parte das mulheres mais

novas para aprender o conhecimento que elas têm, ou, também, que as mais velhas já

não se preocupam em ensinar as mais novas. Embora apontando a lados opostos da

cadeia de transmissão de conhecimento, esses comentários fazem referência à percepção

de que atualmente existem empecilhos que interferem nela e a enfraquecem.

Antes de encerrar esse item, é necessário especificar algumas características do

parto apurinã. As mulheres apurinã dão à luz nas suas casas, atendidas por alguma outra

mulher, preferivelmente mais velha e do seu próprio círculo familiar (a mãe, a avó, uma

tia, uma irmã...), que normalmente está acompanhada, pelo menos, de outra mulher

mais nova que a ajuda. As crianças e adolescentes são enviados embora, e não se lhes

permite presenciar o parto. Este é realizado embaixo do mosquiteiro, que entre os

Apurinã é muito amplo e praticamente opaco. Pelas informações que obtivemos, as

mulheres Apurinã não realizam o parto de cócoras, mas deitadas e parcialmente

incorporadas por outra pessoa que as segura abraçando-a pelas costas. É comum que o

marido da parturiente ajude segurando sua mulher, especialmente quando a “parteira”

não tem uma acompanhante. Durante o tempo que dura o trabalho de parto, há várias

práticas que são efetuadas para aliviar a dor ou acelerar e facilitar a saída da criança,

como massagens ou chás de plantas. Também se oferece à parturiente algum alimento

fortalecedor para enfrentar o parto. Isso, por exemplo, supõe uma diferença com

respeito ao parto no hospital, onde a parturiente é mantida sem alimentos para não

acontecer expulsão de fezes durante o parto:

Eu dou caldo da caridade, quando a mulher vai ganhar, é o primeiro, a mulher começou a sofrer, eu boto esse pouquinho de óleo, eu bato e faço o caldo, e dou para a mulher tomar que é para ficar mais forte. Eu faço esfreguição, folha da pimenta doce com aceite doce, folha de algodão também é bom. Nos quartos, que tem mulher que sente dor. Isso aí que eu uso (Dona Lunga, 5ª Reunião, Camicuã).

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Igualmente, existem algumas técnicas usadas para promover a saída da placenta:

Minha mãe era parteira, onde ela me levava, onde chamavam ela, ela me levava. Quando a mulher estava para ganhar nenê eu segurava por trás e ela pegava, esquentava água para dar para ela beber para sair o resto que nós chama “companheiro”. Aí fui aprendendo (Dona Maria, 4ª Reunião, Aldeia Nova Vista).

Antigamente o cordão era cortado com taboca, mas atualmente são usadas

tesouras, especialmente depois que as “parteiras” receberam o material para a realização

dos partos da FUNASA. Da mesma forma que nos grupos que vamos comentar a

continuação, a placenta é enterrada para evitar que possa prejudicar a criança.

5.2.2. Jaminawa

As informações sobre os Jaminawa, povo contatado apenas na década de 1960,

oferecem um contraste interessante com o caso Apurinã. Entre os Jaminawa existe

igualmente um processo de cristalização da figura da parteira a partir das políticas

públicas, que têm levado às comunidades a escolher uma determinada pessoa para que

cumpra essa função. Porém, sabemos que tradicionalmente, essa figura não existia.

Vitória, atual AIS da aldeia Kaiapucá explicou claramente a situação:

Antes não existia parteira, éramos nós todinhas, quem que não pega menino? [...] esse trabalho das parteiras que ela está participando de cursos da parteira, faz conhecer a lei do dawa34, como o dawa tira as crianças, como é que a parteira trabalha do dawa, e você está perguntando se alguém já tem conhecimento antes do curso da parteira, o nosso também naquele tempo, aquela parteira que existia do dawa, não existia entre a mulherada, índia toda, aqui nós todinho, nessa comunidade, família da minha mãe, todo, as minhas irmãs, conhecimento, todas elas pegam...(Vitória, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).

Como explica Vitória, as mulheres se cuidavam entre si. Quem ajudava uma

mulher durante o parto era qualquer outra pessoa da sua família que estivesse

disponível: a irmã, a mãe, a avó. As mulheres aprendiam como fazer acompanhando o

34 Dawa é a versão jaminawa da palavra pano nawa. Nas línguas pano, esse termo designa a categoria social mais externa, com a conotação, muitas vezes, de “inimigo”. Porem, seu significado sofreu um deslocamento com a transformação do contexto sociopolítico a partir da inserção dos grupos indígenas pano-falantes na sociedade não indígena e, atualmente, o termo se refere, de forma quase exclusiva, aos não-indígenas. O dawa é o “branco”.

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processo quando acontecia. O trabalho da parteira não era o ofício de uma mulher, mas

de todas elas, ou muitas. Essa característica e as implicações da criação da figura da

parteira se refletem no comentário de Mariquinha, uma das participantes jaminawa que

se incorporou à reunião de Kaiapucá apesar dela não ser oficialmente parteira. No início

de sua fala, que foi em língua jaminawa, disse: “Primeiro, parteira no dikapaudiba35”.

Isto é, “primeiro - no sentido de antigamente – não conhecíamos sobre as parteiras”. E

depois continua explicando que ela já “pegou” várias crianças, e até assistiu partos

perigosos, mas atualmente não é reconhecida como parteira apesar do conhecimento

que possui, já que apenas é reconhecida quem faz o curso.

Vitória continua explicando o que acontece quando nasce uma criança na aldeia

Agora, naquela época, não existia esse trabalho de parteira não, você poderia saber como é que antigamente acontecia. Tempo que eu era pequeno, 10 anos, 11 anos, tempo de começo de dawa, era comunista. O comunista que chegou na aldeia nossa, aquelas épocas era Betel não tinha ninguém, eu lembro até agora, a minha mãe ganhava as minhas irmãs, aquela minha irmã que morreu de tosse brava, a mamãe ganhava, não existia luvas, nem bacia, nem kit, não existia por nada, quando minha mãe ganhava criança, a minha avó pegava jarina atrás de canarana e cortava umbigo. As pessoas não podiam reparar aquela criança novinha não, passavam mais de quatro, cinco dias, aí já tinha caído umbigo, todo mundo tem que separar, se vai ao grupo que canta, se vai levar nenezinha pequena chipóia36, pegar urucum, passa todo canto, leva outro canto, não acontece nada. Esse negócio de tradicional que primeiro acontecia, esses tempos que os índios não existiam com os brancos, tem cuidado a parteira, cuidado criança, não, entre elas porque a ciência, a cultura dos índios indígenas, mas eu digo que é verdade, eu conhece, eu peguei quatro filhos das minhas irmãs (Vitória, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).

Embora apresente informações apenas parciais, esse depoimento de Vitória nos

permite vislumbrar algumas características do parto jaminawa tal é como ela lembra que

acontecia até 25 ou 30 anos atrás, quando o contato com a sociedade envolvente estava

em seu início:

• A mãe de Vitória fazia os partos das filhas.

35 Dikai = escutar; paudi = a sufixo que indica passado remoto e ba = negação. Aqui dikai significa literalmente “escutar, entender”, mas tem também o sentido de conhecer. 36 Pedaço de pano com o qual as mulheres indígenas carregam suas crianças.

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• Não existiam os materiais

que hoje existem, mas

usavam folhas cortantes de

jarina (Phytelephas

macrocarpa) ou canarana

(Hymenachne amplexicaulis)

para cortar o umbigo.

• Depois que nascia, a criança

devia manter-se oculta dos

olhos das outras pessoas

durante cinco dias, isto é, até que cai o cordão umbilical. Então ocorria um ritual

que parece de caráter festivo, no qual as pessoas, separadas em dois grupos – cabe

aventurar que a separação acontece entre parentes afins e parentes consangüíneos –

levavam o nenê, cantando, para ser pintado de urucum37.

Embora devêssemos ter mais dados sobre esse tipo de acontecimento para poder

interpretá-lo devidamente, parece remeter a duas questões: de um lado, o fato de passar

urucum no corpo da criança tem como objetivo, provavelmente, protegê-lo (pintando a

criança de urucum, ela fica protegida quando é levada de um lugar para outro); e de

outro, o ritual parece implicar uma recepção social do novo parente que passa a integrar

o grupo. Isto parece remeter ao caráter social do evento do parto que já comentamos no

item 5.1.

37 O urucum é o fruto de uma árvore (Bixa Orellana) com cujas sementes se elabora uma tintura de forte cor vermelha muito usada por vários grupos indígenas na ornamentação tanto corporal quanto de objetos. Entre os pano, a ornamentação corporal costuma ser feita com urucum misturado com uma resina cheirosa que ajuda à tintura se fixar na pele, ou com tintura de jenipapo, de azul muito escuro. O urucum se pode utilizar como tintura para realizar desenhos sobre a pele, mas pode também usar-se passando-a, como se fosse um creme, por diversas partes do corpo. Além do seu aspecto estético, se atribui ao urucum capacidade de proteção. Os Yawanawa, por exemplo, quando iniciam uma caminhada sabendo que vão ter que atravessar em diversas ocasiões o rio a pé – na época do verão, quando o caudal é mínimo – passam urucum na cara para se proteger do sol e das picadas das raias que se ocultam no leito do rio. Os desenhos corporais têm também um caráter protetor, porque como explicava um homem yawanawa, quando uma criança não está ornamentada com desenhos corporais, pode ser levada por um espírito que interpreta que a criança está triste. Estes ligeiros apontamentos etnográficos pretendem apenas mostrar que, por trás do fato de pintar a criança com urucum, há um complexo conjunto de idéias e implicações simbólicas que remetem aos cuidados, à saúde, à construção corporal da criança.

Ilustração 19: Vitoria e Alice Jaminawa, 6ª reunião.

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Outro dado interessante fornecido por Vitória é que quem ajuda a parturiente

não é necessariamente uma mulher, mas freqüentemente era o marido:

Esse tempo eu nunca ganhei no hospital, quem pegava era meu marido, seis meninos que meu marido que pegava e me cuidava. Eu já peguei cinco meninos das minhas irmãs, eu não cortava com tesoura, mas com jarina. Tirava algodão, faz algodão novinho, amarra para cá, para cá, não faz muito sangue, em três dias está sarado (Vitória, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).

Esse dado reforça a idéia de que não existia uma figura especializada na

assistência dos partos, e de que essa função fazia parte dos cuidados que os parentes

próximos se dispensavam entre si. O conhecimento sobre como deve ser feito o parto

devia estar estendido entre a população, não apenas feminina, mas também masculina.

Os Jaminawa de Kaiapucá mencionaram um homem chamado Ricardo conhecido por

ser “bom parteiro”.

Esse Ricardo é parteiro bom, já morreu uma menina bem macetona, aqui na minha barriga, eu já escapei de morrer de parto com ele. Até papai também (Vitória, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).

Alice, irmã mais nova de Vitória e atual “parteira” da aldeia Kaiapucá, explica

como foi o primeiro parto que ela fez. Sua explicação fornece mais alguns dados sobre

como acontece o parto: a postura da parturiente; o incentivo para que uma mulher nova

assuma a assistência ao parto de uma parente; os cuidados pós-parto com a criança e a

parturiente:

Depois que peguei a minha menina, passou tempo, depois eu peguei a minha sobrinha. Passou dois dias de sofrimento, eu não sabia o que fazer. Eu cuidei dela. A minha mãe disse “Filha, tu tens que cuidar dessa tua nora”, ela não queria ir ao hospital, no hospital faz vergonha, disse, eu cuidei, cuidei, cuidei até que ela sentiu que a criança ia nascer, mas não crescia, não espocava. Eu não estava agüentando mais, eu queria levar para o hospital, mas ela não queria. Eu não tinha feito curso. Minha mãe disse “não tem medo não, cuida de tua nora, eu já estou velha e não tenho mais força”. Eu peguei uma sacolinha e amarrei aqui (encima da barriga), mas não queria porque não tinha espocado ainda. Aí eu fui lá, eu senti duro e eu espoquei. “Agora eu vou ajudar e tu vai botar força”. Nós não ganha deitado, nós ganha desse jeito (ajoelhado, com as pernas separadas). Tu tem que ficar assim e abrir perna bem. Eu segurei ela, e ela botou força, ela teve a nenezinha, eu cortei com tesoura. Na hora que nós pega nenê, nós não dá banho logo não, os outros dizem que dá banho, eu pego, eu embrulho e eu deixo. No outro dia de manhãzinha, eu dou banho. Ai eu

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cuidei da minha nora. “Tu não pode comer nada reimoso, tu tem que passar dieta” (Alice, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá)

A respeito do sistema de parto jaminawa podemos dizer, portanto, que:

• As mulheres dentro do círculo familiar se ajudam geralmente umas a outras

quando chega momento do parto.

• Preferencialmente, as mulheres mais velhas e experientes cumprem essa

tarefa, mas isso não acontece necessariamente e depende das circunstâncias.

Elas incentivam as mais novas para que assumam o papel e aprendam como

deve ser feito.

• A função, entretanto, não é fechada, até o ponto de que há homens que são

reconhecidos por cumpri-la muito satisfatoriamente38.

5.2.3. Kaxinawa

Diferentemente do que

aconteceu durante as reuniões da

primeira etapa de execução do

projeto, nas quais a presença

Kaxinawa foi maciça, nesta a

participação de membros dessa

etnia foi escassa, de forma que

contamos com poucas

informações novas. Já que o

sistema kaxinawa foi

extensamente tratado no

primeiro relatório etnográfico, nos limitaremos aqui apenas a acrescentar alguns dados.

Como foi explicado no primeiro relatório, entre os Kaxinawa as mulheres

costumam ganhar nenê dentro de suas casas, normalmente acompanhadas de alguma

parente próxima. A assistência ao parto é, preferencialmente, realizada por uma mulher

38 A idéia de que o homem pode assistir um parto, pode contrastar um pouco com certo machismo que se percebe hoje em dia entre os Jaminawa. Porém, é interessante notar aqui que o processo de contato afetou também as relações de gênero dentro do grupo. Esse fato não é apenas uma interpretação feita por alguém externo à sociedade jaminawa, mas é também uma percepção das próprias mulheres jaminawa.

Ilustração 20: Osmarina e Rosa, participantes kaxinawa, 6ªreunião.

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mais velha e experiente. Entre as mulheres que participaram nas reuniões da primeira

etapa, várias aprenderam acompanhando partos junto a mães ou avós. Existe certa

heterogeneidade entre elas. Algumas têm experiência por ter assistido alguns partos de

parentes próximas; outras, têm assistido um número muito maior de partos, e além das

técnicas necessárias para esse evento, são profundas conhecedoras de plantas medicinas

e técnicas xamânicas que usam quando ocorrem dificuldades.

Rosa, a parteira kaxinawa que participou na 6ª reunião, explicou que ela tinha

aprendido junto a sua mãe a quem acompanhava durante os partos. O primeiro parto que

fez foi de uma cunhada, e ela tinha 13 anos de idade. Note-se aqui que a idade na que as

meninas são ensinadas e incentivadas a participar dos partos é muito diferente do caso

Apurinã. Na aldeia de Rosa existem outras mulheres que sabem também assistir partos,

entre elas sua irmã e sua mãe (ver anexo 6). Encontramos-nos de novo, portanto, com a

situação de que não é apenas uma mulher a que faz os partos dentro de uma aldeia.

Uma questão notável de algumas comunidades kaxinawa do Purus é a solução

que encontraram ante a situação de ter que escolher uma mulher que ficaria como

parteira da comunidade. Osmarina, uma jovem que é atualmente representante de

mulheres de sua comunidade, o explica assim:

Na minha aldeia trabalham duas parteiras em cada aldeia, uma parteira faz o curso, a outra parteira fica na aldeia. Cada comunidade escolheu duas parteiras. As parteiras trabalham junto com as parteiras antigas, as novas queremos aprender também, aí nós estava trabalhando assim junto com AIS, professor, algumas que não sabem escrever, não sabem ler, não entendem bem o português. Aí por isso que nós escolhemos, sabe escrever, sabe ler. (Osmarina Kaxinawa, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).

Defrontados ante a necessidade de escolher uma parteira, os Kaxinawa do Purus

perceberam quais são alguns dos problemas que isso implica: a mulher escolhida deve

saber ler e escrever para poder cumprir com determinadas obrigações que o cargo

implica, tais como assistir os cursos ou registrar no papel o nascimento das crianças.

Aquelas mulheres mais velhas e experimentadas, detentoras dos conhecimentos, não

sabem – nem vão aprender – a ler e escrever, o qual implica que podem ser deixadas de

lado no processo de definição oficial da figura da parteira. Em decorrência disso, o

conhecimento tradicional se veria substituído pelo conhecimento biomédico aprendido

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pelas jovens nos cursos de capacitação. A solução que encontraram visa evitar a quebra

da cadeia de transmissão de conhecimentos tradicionais entre as gerações: existindo

uma parteira mais velha e outra mais nova, conseguem estabelecer uma articulação

entre o conhecimento tradicional, representado pela parteira mais velha, e o

conhecimento dos “brancos”, que a parteira mais nova, familiarizada com o sistema de

escritura por ter sido alfabetizada, está capacitada para receber.

As participantes Kaxinawa que participaram comentaram a preocupação já

existente em suas comunidades de preservar o conhecimento tradicional.

A minha parteira, Rosa, ela já participou de muito curso, ela sabe mais do que eu. A Rosa sabe monte de coisa, trabalha conjunto com AIS. Ela estuda medicinas tradicionais, para curar recém-nascido, faz remédio, quando mulher grávida ela sabe fazer tudo isso (Osmarina Kaxinawa, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).

Assim, como menciona Osmarina, a parteira de sua comunidade, Rosa, não

apenas aprende através dos cursos, mas também continua aplicando e adquirindo

conhecimento sobre o uso de plantas e medicinas tradicionais, que usa para assistir as

mulheres e tratar os recém-nascidos.

5.2.4. Kulina

Da mesma forma que na reunião na qual participaram representantes kulina na

região do Juruá, aqui nos encontramos com a dificuldade da língua, já que nenhuma das

duas mulheres Kulina que acudiram à reunião sabiam falar português e não contávamos

com a ajuda de nenhum monitor que conhecesse essa língua. A isso se acrescentou a

timidez das mulheres kulina, pouco acostumadas a participar de reuniões nas quais

tenham que falar em público. As traduções eram feitas ao jaminawa por uma mulher

dessa etnia que tinha morado na região do Purus39 e era filha de uma jaminawa e um

39 Os Jaminawa que moram atualmente na aldeia Kaiapucá, saíram da região de cabeceira do Rio Acre faz em torno de 35 anos e se instalaram no Alto Purus, onde conviviam com os Kulina e os Kaxinawa. Durante esse período, aconteceram alguns casamentos inter-étnicos entre Kulina e Jaminawa. Por conta de conflitos com os próprios Kulina, os Jaminawa decidiram deixar a região e se instalar no curso meio do Purus. Ainda hoje, alguns Jaminawa e Kulina reconhecem laços de parentesco entre si, decorrentes dos casamentos acontecidos naquela época. De fato, uma das mulheres kulina que foram a Kaiapucá para participar da reunião, era considerada parente por algumas pessoas da aldeia por ser filha de um desses casamentos.

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kulina. Essa tradução era, por sua vez, traduzida ao português por um dos monitores.

Em função dessas dificuldades, contamos com poucos dados sobre o sistema de parto

kulina. Porém, algumas características parecem claras e o assemelham ao sistema

jaminawa. Em primeiro lugar, não existe uma figura especializada o parto. Como em

outros casos, são várias as mulheres que sabem assistir, e normalmente são as mulheres

mais idosas as detentoras de um conhecimento mais amplo, em virtude da experiência

adquirida ao longo da vida. Em segundo lugar, o saber fazer relacionado com o

processo de gravidez, parto e pós-parto se transmite de geração em geração, dentro das

famílias: de mãe para filha, de avó para neta, de irmã para irmã. É na prática, e não

formalmente, que as pessoas aprendem, como nos casos descritos anteriormente.

Minha irmã mais velha me ensinou. Fui aprendendo, minha irmã pegava, ganhava menino, depois dos outros, minha irmã me ensinou, das minhas meninas eu estou pegando, Eu estou ensinando a minha filha mais velha. Ela já pegou cinco (Teresinha Kulina, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).

A outra participante, Maria Kulina, explica que ela aprendeu com sua mãe da

mesma forma que sua mãe tinha aprendido de sua avó.

Embora na outra etapa do projeto obtivéssemos a informação de que as mulheres

kulina iam sozinhas dar à luz na floresta, essa informação não se viu confirmada. O que

Teresinha explicou é que as mulheres ganham nenê dentro das casas, muitas vezes na

casa da pessoa que vai assisti-las.

Tanto na aldeia de Maria quanto na de Teresinha, existem outras mulheres,

parentes delas, que assistem partos, embora tenham sido elas as escolhidas como

parteiras oficiais das comunidades.

5.2.5. Jamamadi

Com os Jamamadi os problemas foram similares aos dos Kulina. Os Jamamadi

de Santo Antônio praticamente não falam português, de forma que a comunicação

durante a reunião se viu dificultada, apesar deles não mostrarem a timidez das mulheres

kulina.

Da mesma forma que no caso dos Kulina e os Jaminawa, entre os Jamamadi a

figura da parteira apenas apareceu recentemente com políticas públicas que incentivam

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as comunidades a escolher uma “parteira”. Segundo explicavam os participantes

Jamamadi, antes todas as mulheres pegavam crianças. Agora, com a implementação da

parteira, apenas Margarida, a escolhida, e sua acompanhante Raimunda, estão

“autorizadas” para realizar partos nas aldeias.

É significativo que quem sabe mais sobre a questão dos partos seja Raimunda,

de quem a própria Margarida aprendeu. Suspeito, entretanto, que a escolha de

Margarida como “parteira” oficial tem a ver, principalmente, com sua maior

desenvoltura no mundo não-indígena. A pesar de não falar português, se expressou em

público durante a reunião e arriscou ainda algumas palavras nessa língua.

Diferentemente, Raimunda não falou nada e se mostrava muito mais retraída.

Raimunda, por sua parte, aprendeu da sua mãe e já assistiu mais partos (sete) do que

Margarida (quatro).

O exemplo jamamadi é eloqüente no referente aos efeitos que a implementação

da figura da parteira pode ter dentro das comunidades. Sobre esse ponto voltaremos na

frente.

5.2.6. Kaxarari

O caso dos Kaxarari é mais próximo ao dos Apurinã do que ao dos Jaminawa,

Kulina e Jamamadi. De fato, Apurinã e Kaxarari, apesar de pertencerem a duas famílias

lingüísticas diferentes, partilharam uma fase de suas respectivas histórias40.

Entre os Kaxarari parecem existir algumas mulheres às quais se atribui a função

de assistir os partos dentro das aldeias de uma forma mais definida do que nos

Jaminawa ou Jamamadi antes da interferência das políticas públicas. De qualquer

forma, é possível pensar que sua posição como parteiras dentro das comunidades tenha

sido consolidada pelos cursos feitos, já que as participantes na reunião fizeram mais

cursos do que participantes de outras etnias. Enquanto a maioria fez um o dois, todas as

mulheres Kaxarari fizeram três cursos, um deles organizado pela FUNASA dentro de

sua própria Terra Indígena.

40 Os dados não são muito abundantes, mas Schiel menciona que alguns Apurinã dizem entender a língua Kaxarari por terem ambos os grupos saído juntos da terra sagrada numa viagem mítica (Schiel 2004: 57). Por outro lado, durante muito tempo os Kaxarari foram considerados um subgrupo dos Apurinã (Gonçalves ed. 1991: 143).

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Na reunião participaram quatro mulheres kaxarari. As três parteiras, já de idade,

falavam português, mas tinham algumas dificuldade em se expressar nessa língua,

preferindo falar na sua língua materna. Uma mulher mais nova, representante de

mulheres de uma das comunidades, falava perfeitamente tanto o português quanto a

língua indígena.

Duas das parteiras kaxarari que participaram aprenderam com suas respectivas

sogras, depois de casadas. Apenas uma delas aprendeu com a mãe, antes de casar, mas

sua iniciação precoce se deveu à necessidade de ajudar sua mãe, que estava prestes a

parir e não tinha ninguém para ajudá-la:

Primeiro era minha sogra que me ensinava. “Um dia tu vai pegar menino”, eu não sabia de nada, aí eu fui aprendendo. “Um dia tu vai pegar menino, aí você já sabe como vai pegar. Ela me ensinava cortar umbigo, ela me ensinava, tudinho eu aprendi com ela. Primeiro que eu peguei foi da minha filha, como a minha sogra me ensinou. Três dias eu cuido da mulher depois que ela ganhou nenê. Se ela tiver ruim eu cuido quatro dias, se não estiver ruim eu cuido três dias (Dona Rita, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).

Eu aprendi com a minha mãe. Eu estava pegando da minha mãe. Não tinha gente, não tinha filhos nem nada. Eu estava filho, “minha filha, pega criança, eu sozinha, ninguém me ajuda, pega minha barriga assim, e pega assim”. Eu não sabia, mas eu peguei. Aí o pessoal chamava minha mãe, e minha mãe levava eu pegar criança (Dona Maria, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).

Como mostra o depoimento, o aprendizado é incentivado com o intuito de, no

futuro, proporcionar a alguém da seguinte geração a capacidade para cuidar das

mulheres novas da própria família: noras, filhas e netas, principalmente. Atualmente,

continua existindo uma preocupação por repassar os conhecimentos para as mulheres

mais novas. No seguinte depoimento de Dona Maria se reflete como ela está

incentivando sua filha para que a ajude. A ajuda de sua filha não se limita aos partos,

mas ela também serve de apoio à mãe em relação ao mundo dos “brancos”, já que sabe

ler e escrever.

Coloquei Ausilene para me ajudar, como nawa deita na cama, outro segura assim, outro pega aqui. Um examina, um que segura e outro que estava ajeitando criança, por isso que eu colocava Ausilene, ela sabe escrever, minha ajudante Eu continuando pegando, quando eu estava doente, eu dizia “eu só parteira, vocês não sabem”. Eu tenho quatro filhas, mas só uma sabe. Quando eu fui em RBR minha filha pegou (Dona Maria, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).

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Dona Maria explica a necessidade de haver pelo menos duas mulheres para

assistir o parto, uma segurando a parturiente, e outra na frente para pegar a criança. De

fato, as mulheres kaxarari, embora morem em comunidades diferentes, se chamam entre

si para auxiliar-se durante os partos, já que uma só mulher não é suficiente:

Alcira (da aldeia Paxiúba) me chama também para eu ajudar. Nós trabalha junto com Alcira (Dona Maria, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).

Outra razão pela qual é importante que haja pelo menos duas mulheres que

saibam assistir partos nas comunidades é que isso permite que, quando uma delas esteja

viajando ou doente, a outra possa realizar os partos.

Quando uma mulher entra em trabalho de parto, a parteira é chamada e passa

junto à parturiente o tempo que seja necessário. Às vezes o trabalho de parto pode

demorar dois ou três dias, mas as parteiras ficam atendendo a mulher.

Ano passado, mulher começa a sentir hoje, ganha manhã de madrugada, a gente passa noite acordada nós com ela, bem cedinho ganha, de tarde começa outro, dois noites que ela não dorme (Dona Rita, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).

Em ocasiões, quando o parto é demorado, é cansativo para as parteiras se manter

acordadas durante todo esse tempo. As parteiras kaxarari costumam usar rapé de tabaco,

que colocam dentro da boca e mascam durante o parto. Além das qualidades

terapêuticas atribuídas ao tabaco, as ajuda a se manter acordadas:

A gente usa também remédio tradicional para a gente ter a criança mais depressa, que a pessoa está passando mal, dá aquele remédio. Esse tabaco também serve. Nunca esquecem de usar rapé quando cuidam de mulher grávida. Elas fazem rapé e a vasilhinha de rapé tem que estar perto. Elas colocam no beiço e está cuidando. De vez em quando passa na barriga (Marisina, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).

Além de ter conhecimento sobre as técnicas do parto, as parteiras kaxarari

conhecem vários remédios que as ajudam durante o parto, tanto plantas medicinais,

quanto cantos e rezas. Dona Maria explica que ela aprendeu com seu pai determinados

cantos que facilitam o parto quando apresenta complicações:

Quando as crianças nascem, temos remédio caseiro. Demora muito, aí nos dava aí rápido ele nasce. Mashëmani, shapumani, nabunatikima, aquele palha... a gente tira a palha para fazer chá, ela despacha tudo. Quando a criança nasceu, a gente usa também para não perder muito sangue, fazer aquele rustahi

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[...] Meu pai sabe também que ele é pajé, ele é curador, ele curava o pessoal quando doente, naquele tempo que não tinha remédio, meu pai me curava. Quando a mulher estava sofrendo, ele ajudava a rezar para ganhar normal. Aí também, minha mãe sabe também, eu aprendi, quando a mulher está sofrendo muito, eu canto (Dona Maria, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).

Depois que o parto aconteceu, as parteiras ainda ficam cuidando da mulher e o recém-nascido alguns dias:

Quando a gente não tem outro que cuidar, nós mesmo parteiras cuidamos da mulher, lava criança, roupa dele, fazer comida, mesmo que no hospital (Dona Maria, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).

5.3. Práticas e cuidados durante a gravidez e o pós-parto

Como foi descrito no primeiro relatório a respeito dos povos localizados na

região do Juruá, existem várias práticas realizadas durante os períodos de gravidez e de

pós-parto. Também durante as reuniões realizadas no Purus, foi proposta essa questão

como tema de comentário e discussão. Porém, diferentemente do que aconteceu nas

reuniões do Juruá, nas quais os participantes se espraiaram sobre essa questão, nas

reuniões do Purus, especialmente entre os Apurinã, não suscitou grandes comentários

nem entusiasmos. Apenas apontamos algumas informações que permitam caracterizar

minimamente os sistemas.

Devemos lembrar a este respeito o que já foi explicado no primeiro relatório

etnográfico de que os cuidados durante a gravidez e o pós-parto devem ser entendidos

não como algo específico desse momento, mas como conseqüência de uma determinada

noção de corpo, a traços largos compartilhada por vários grupos indígenas. Permitam-

nos relembrar algumas questões.

5.3.1. Princípios básicos sobre a noção e corporalidade entre as sociedades ameríndias.

Em primeiro lugar, partimos de uma definição de corpo entendido não como

sinônimo de fisiologia distintiva ou de morfologia fixa”, mas como “um conjunto de

afecções ou modos de ser que constituem um habitus”. Assim, o corpo “é o lugar de

emergência da identidade e da diferença” (Viveiros de Castro 1996: 128).

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Alguns dos princípios sobre o conceito do corpo entre as sociedades das Terras

Baixas de América do Sul são os seguintes:

A construção gradual do corpo constitui um processo que acontece ao longo da vida do

indivíduo, iniciando-se no momento da concepção, e se enquadra no processo de

produção social de pessoas: através da modelagem do corpo (por meio de dietas

alimentares, de rituais, de imposição de ornamentos, etc.) os jovens vão adquirindo as

qualidades éticas socialmente valorizadas e as capacidades que lhes permitirão cumprir

adequadamente as atividades produtivas necessárias nas que se baseia a reprodução

social41.

Em relação ao tema que nos ocupa, lembremos nesse ponto o que foi

mencionado anteriormente sobre o processo de “modelagem” do corpo, através do

trabalho cotidiano e de determinados rituais, entre as mulheres Yine. Essa preparação

lhes permite ter um corpo forte com o qual enfrentar o parto. Nesse mesmo sentido, por

exemplo, devem entender-se muitos rituais de reclusão, ou apenas de dieta, que são

realizados no momento da menarca das meninas em muitos grupos indígenas. Reclusões

e dietas têm, como um dos seus objetivos, preparar adequadamente os corpos das jovens

em vários sentidos, mas, em geral, em aspectos relacionados com sua vida reprodutiva.

Uma mulher manchineri que nos acompanhou na organização da 6ª reunião explicava

que, quando ela teve sua primeira menstruação, sua avó a fez ficar dentro de um quarto

sozinha. Durante o período que durou a reclusão, apenas se relacionava com a avó e

teve que cumprir uma dieta muito rígida que, entre outras coisas, proibia beber água,

porque provoca dor na parte inferior da barriga. Além de água, não podia comer outras

coisas como, por exemplo, tapioca de goma – porque faz que nos futuros partos a

placenta fique “grudada” no útero -, nem banana - porque durante a gravidez saem veias

embaixo do nariz, similares às rachaduras dessa fruta. Uma vez terminado o período de

reclusão, a avó trouxe umas ervas que esfregou no corpo da neta, e cuja virtude era

evitar a dor nos futuros partos e períodos menstruais.

Nossa colega comentou que seus partos sempre foram rápidos e pouco

doloridos, como efeito daquele tratamento dado pela avó. Igualmente, mencionou que

41 Existe uma ampla literatura a este respeito. Podemos citar aqui os trabalhos de Lagrou (1998), Erikson (1996) e Pérez (2006; 2003) em relação aos grupos pano.

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agora já não são feitos mais esses rituais. Antes, continua ela comentando, os indígenas

cuidavam melhor dos seus corpos – comendo alimentações adequadas e realizando

tratamentos desse tipo – e por isso não adoeciam tanto como agora. Uma das principais

causas desse enfraquecimento e da tendência a adoecer, segundo ela, é o fato de comer

os alimentos do “branco”. Essa idéia não é estranha a outros grupos. Os Yaminawa do

Peru atribuem o enfraquecimento geral do seu povo, a tendência a adoecer e a perda do

poder xamânico, ao consumo de alimentos do “branco” (Pérez Gil 2003).

Entre os Yaminawa do Peru, quando as meninas têm sua primeira menstruação

não são recluídas, mas sim devem evitar determinados alimentos, e tomar banho com

plantas específicas com o intuito de, no futuro, não ter menstruações doloridas nem de

hemorragia abundante. Através desses tratamentos, as pessoas vão dotando seus corpos

de determinadas características. A menstruação é apenas uma situação, mas existem

muitas outras, como o estado derivado de ter matado um inimigo, o parto, o processo de

iniciação xamânica ou a imposição de ornamentos. De forma geral, qualquer situação

que implique entrar em contato com uma substância poderosa – e o sangue o é de forma

clara entre as sociedades ameríndias42 - desencadeia um processo de transformação que

deve ser controlado e dirigido através de dietas e tratamentos com plantas .

Continuando com os princípios da noção de corporalidade, o processo de construção do

corpo está intimamente ligado à construção das relações de parentesco. O feto se forma

na barriga da mãe a partir dos fluídos corporais dos genitores, principalmente do

sêmen43. Entre as conseqüências dessa teoria da concepção, nos interessa ressaltar duas:

Gera-se uma “relação de substância” – que já mencionamos anteriormente -

entre a criança e os progenitores, que tem importantes implicações em relação à

42 Entre os pano, por exemplo, o sangue carrega yuxin, que podemos definir como o princípio vital que permeia todos os seres que povoam o universo, 43 Esta maneira de entender a formação do feto está muito difundida na Amazônia, embora existam algumas diferenças entre os distintos grupos quanto ao papel outorgado aos fluídos maternos e paternos. Alguns grupos consideram que apenas o sêmen forma o corpo do feto. Trata-se, em geral de sociedades patrilineares, isto é, a criança pertence à família do pai. Em outros casos, tanto o sangue materno quanto o sêmen paterno contribuem na formação do feto; nesses casos, estamos em geral ante sociedades cognáticas, que reconhecem o parentesco do lado materno e do paterno. Neste último caso se enquadram grupos arawak, como os Piro (Gow 1991), e grupos pano, como os Kaxinawa (McCallum 1989: 95), os Yaminawa e os Yawanawa. No caso dos Kulina, o feto é formado pelo acúmulo de sêmen no útero numa primeira fase, e é “concluído” através do leite materno e de outros alimentos da roça cultivados pela mãe (Pollock 1994: 148).

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saúde, já que muitas das doenças que afligem as crianças pequenas são

conseqüência de alimentos ingeridos pelos pais inadequadamente. Também

reflexo dessa teoria da “relação de substância” com os parentes próximos é a

necessidade, comum entre os grupos pano, de que as pessoas cumpram

determinados resguardos alimentares quando um parente próximo (pai ou filho)

adoece e deve se submeter a um tratamento que implique dieta, como, por

exemplo, quando ocorre uma mordida de cobra. Em última instância, o que

acontece é que o que uma pessoa consume afeta o corpo de sua família mais

imediata, precisamente porque compartilham a mesma substância corporal.

Todo homem que tenha relações com uma mulher grávida, será considerado pai

da criança porque contribuiu com seu sêmen à formação do corpo do feto. A

idéia da paternidade compartilhada é também muito difundida na Amazônia. No

caso de muitos grupos pano, isto implica, em função da “relação de substância”,

que todos aqueles considerados genitores devem cumprir os resguardos pós-

parto.

Por último, outro princípio importante é que os alimentos consumidos, que são os que

vão formando o corpo, estão intimamente ligados à construção da identidade. É por

isso, que o consumo continuado e intensivo de alimentos dos “brancos”, por exemplo,

desencadeia uma transformação corporal que implica uma mudança de identidade, um

tornar-se “branco” (Pérez Gil 2006). Esta é uma questão que preocupa a vários grupos

indígenas.

5.3.2. Dietas durante a gravidez e resguardos pós-parto.

Retomados os princípios básicos sobre corporalidade que subjazem a diversas

práticas indígenas associadas aos sistemas de parto, voltemos a elas. O que nos interessa

especialmente são os cuidados durante a gravidez e o pós-parto.

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Antes de começar, é

necessário especificar que, a este

respeito, se pode perceber uma

diferença clara entre grupos que têm

uma interação maior com a

sociedade não-indígena ribeirinha, e

aqueles que não a têm44.

Entre os grupos indígenas,

de forma geral, se dá uma grande

importância aos alimentos que uma

mulher grávida deve evitar.

Podemos dividir o conjunto de

alimentos evitados em dois tipos

segundo os efeitos que têm. Alguns

alimentos são evitados porque se

considera que os espíritos – ou o

princípio vital carregado na carne, se

se prefere - dos animais ingeridos

inadequadamente por parte da mãe podem, no futuro, provocar doenças no recém-

nascido. Outros são evitados porque podem produzir efeitos indesejados no corpo da

mãe – que ela fique com o rosto manchado, muito gorda ou muito magra, dependendo

do caso -, ou provocar problemas durante o parto45.

Após o parto, tanto o pais (ou pais) quanto a mãe devem evitar vários alimentos

e comportamentos que podem colocar em risco a saúde do recém-nascido, já que ele

pode ser objeto do ataque ou “vingança” dos espíritos dos animais ingeridos

44 A esse respeito, no primeiro relatório já fizemos uma reflexão referente ao conceito de “reimoso”, e sua utilização diferencial entre as populações indígenas conforme o grau de interação com a sociedade envolvente. 45 Embora existam diferenças entre os distintos grupos, estes são princípios que, de forma geral, podem aplicar-se a vários grupos pano como os Kaxinawa (Lagrou 1998), os Yawanawa (Pérez Gil 1999), os Katukina (Lima 2000) e os Yaminawa (Pérez Gil 2006), a grupos arawak, como os Matsiguenga (Baer 1994: 167-168). No primeiro relatório mencionamos vários exemplos que foram comentados durante as reuniões.

Ilustração 21: Natalia jaminawa dando banho no caçulodurante a reunião, 6ª Reunião

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inadequadamente pelos pais, ou de árvores perigosos. Existem em muitos grupos

categorias específicas de doenças que atingem exclusivamente as crianças recém-

nascidas e que têm como causa a quebra dessas regras. Como exemplo, podemos

mencionar os Kulina, entre os quais existe uma categoria nosológica chamada epetukái:

que se refere às doenças internas em bebês, causadas pelo consumo de carne de animais

machos pelos pais. Os sintomas são diversos, principalmente diarréia, inchaço

abdominal ou constipação. A doença é causada pela substância epetukái presente na

carne dos animais machos. De qualquer forma, não se trata de doenças especialmente

perigosas, e a criança atingida por essa doença pode ser facilmente curada pelo pajé

(Pollock 1994).

Nestes casos, o resguardo tem o objetivo, principalmente, de evitar ter contato

com determinados “espíritos” (de animais, seja através da alimentação ou da caça; de

árvores, passando perto deles46) que podem atacar a criança, mas não existe a idéia de

que a mulher deva ficar parada após o parto. De fato, um dos comentários dos Jaminawa

é que depois de dar à luz, a mulher não pode ficar parada, mas começar a trabalhar para

ela não se tornar preguiçosa. Esse costume se baseia na idéia de que o parto forma parte

de um processo de transformação corporal, e se os comportamentos não são controlados

nesse período, podem tornar-se permanentes47 .

Outro aspecto importante, mencionado por representantes de vários grupos, é

evitar tomar banho com água fria depois do parto. Para os Kaxarari isso pode provocar

hemorragia na mulher; para os Kaxinawa, faz com que seus peitos sequem. O banho,

tanto da criança – que normalmente só acontece no dia seguinte – quando da

parturiente, devem ser com água morna. Dona Helena, mulher não-indígena casada com

um Jaminawa de São Paulino, faz o seguinte comentário:

46 Entre os Jaminawa, por exemplo, os homens com crianças recém-nascidas não podem matar certos animais, como a cobra, a onça ou o macaco cairara, nem passar por perto de determinadas árvores, como a samaúma, considerada por vários grupos indígenas o lugar de moradia de um espírito poderoso e maligno, porque os espíritos desses seres poderiam atacar a criança. 47 Encontramos esse mesmo princípio, por exemplo, no resguardo que deve cumprir uma pessoa quando mata um inimigo: se durante o tempo que dura o resguardo o matador dorme muito, se tornará dorminhoco; se come muito, se tornará comilão, e assim por diante. A questão é que ser dorminhoco, preguiçoso ou comilão atentam contra o modelo de pessoa que impera nessas sociedades, onde ser trabalhador é uma das principais virtudes que os indivíduos procuram desenvolver por vários meios (Pérez Gil 2006). Reencontramos aqui à idéia da construção social das pessoas que mencionamos anteriormente.

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A mulher quando está grávida, não pode passar fome, a criança pode nascer desnutrido. Tem uma dieta, não come comida reimosa. Antigamente tomava banho na água morna, agora em água fria. Quando criança nasce ele está quentinho, não pode banhar em água fria (D. Helena, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).

Em relação à alimentação após o parto, os Kaxarari consideram fundamental que

a mãe consuma os alimentos adequados para manter a sua saúde e a da criança, já que

da alimentação dependem a recuperação da mãe e a produção do leite materno.

Quando paciente ganha, amorna água para dar banho na mãe e na criança. Para aumentar o leite do peito nós faz mingau de milho, de massa, nós soca no pilão. As comidas, quando criança nasce, cuidamos da mulher porque depois do parto fica fraca. O marido não mata galinha, ele mata nambu. Nem jacamim, nem mutum, nem carne pesado, só aqueles três, peixe tb. Quando não dá remédio do mato, fica tonto e com dor de cabeça se fica no sol, por isso que nós dá remédio do mato, dois, três dias, corta logo sangramento (Dona Maria Kaxarari, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).

Mulher que enjoa de comida, o marido vai atrás de fruta, de peixe... Depois de ela ganhar, a criança tem que mamar, não sai logo leite, mas tem que ficar mamando até que sai. Faz mingau de milho, não deixa passar fome porque não enche o peito. Marido tem que ir logo atrás de caça, mas não caça pesada (Dona Rita Kaxarari, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá).

No caso dos grupos, como os Apurinã, que têm mais interação com os não-

indígenas, os cuidados com a grávida não se referem tanto à dieta alimentar nem à

saúde da criança. Os cuidados da grávida se referem, principalmente, a comportamentos

que a grávida deve seguir para evitar que o parto seja complicado. D. Lunga, mulher

não-indígena casada com um apurinã da região de Boca do Acre, explica assim:

Quando a mulher está gestante, eu não deixo comer todo tipo de comida. Eu falo, minhas filhas, vocês andam, mas desocupadamente, sem peso, sem nada. Você não vive deitada, porque sofre demais, se fica muito tempo sentada, ataca cabeça da criança, então dá problema para nascer, a mulher que anda muito, a criança a cabecinha dele fica compridinha, já fica no normal de nascer, já fica no canto correto. Eu boto elas para andarem. Carregar água, lenha, eu não deixo, trabalhar assim de enxada, eu também não consinto. No nosso tempo nós sofremos muito com essa arrumação, dava muito problema. Eu ganhei tudo em casa, mas deu probleminha. O primeiro foi um aborto (D. Lunga, 5ª Reunião, Aldeia Camicuã).

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A única menção à questão alimentar durante a gravidez se referiu aos enjôos,

considerados por D. Elsa como uma doença grave porquanto podem provocar que a

grávida não se alimente adequadamente.

Após o parto, as mulheres Apurinã devem cumprir cinco dias de resguardo,

tempo durante o qual a parteira fica na casa dela cuidando-a e fazendo as tarefas

necessárias. Apenas depois desse período a mulher pode levantar. Considera-se que a

parturiente deve ficar deitada esse tempo “para o útero não cair”, já que fica grande e

inflamado depois do parto. Em relação aos alimentos, a dieta pós-parto deve observar

dois objetivos: evitar alimentos “reimosos”, que afetam negativamente o corpo da

parturiente; e privilegiar alimentos, como o caldo na galinha, que contribuam a

aumentar o leite no peito.

Embora esses dados não desenhem um panorama completo sobre o conjunto de

cuidados que as mulheres indígenas têm durante o processo de gravidez, parto e pós-

parto, ajudam, pelo menos, a esboçá-lo, a definir alguns dos seus princípios e a perceber

a diversidade entre as diferentes etnias.

5.4. Discussão sobre o conceito de parteira e seu desenvolvimento.

Os dados obtidos sobre a situação dos vários povos indígenas acima referidos

oferecem um panorama interessante que nos permite aprofundar um pouco mais no

processo de desenvolvimento do conceito de parteira. Já no relatório anterior tínhamos

diferenciado entre as seguintes situações:

• Em certos casos, encontramos uma figura mais especializada, que é chamada para

fazer os partos de pessoas da comunidade ou que moram no entorno, de forma que

essa atividade extravasa o âmbito familiar. No Juruá, essa parecia ser a situação dos

Nawa, Nukini, e possivelmente dos Arara. No Purus, parece que essa situação se

corresponde mais com algumas mulheres não-indígenas que moram entre os

Apurinã, e de algumas mulheres apurinã que, por sua longa atuação na assistência

de partos, são reconhecidas além das fronteiras familiares e inclusive étnicas.

Estamos pensando em casos como o de D. Elsa ou o de D. Santa, uma mulher

apurinã, sobre a qual se falou na reunião de Camicuã, que atua como parteira no

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Piquiá48 e que foi descrita como uma das melhores parteiras da região. Em qualquer

caso, trata-se de povos que tiveram um contato muito mais estreito com a população

não índia, misturando-se com ela. Esta adoção da figura da “parteira” é paralela a

uma incorporação de práticas e conceitos relacionados com o a gravidez e o pós-

parto, embora seja difícil discernir o que é “indígena” e o que não o é. Cabe

destacar, de qualquer forma, que aqui a cristalização da figura de parteira é anterior

à influência mais palpável das políticas públicas recentes, e é tomada, precisamente,

dessa população não-indígena com a qual a interação é sistemática.

• No Juruá, encontramos casos de grupos, principalmente os Ashaninka e os Kulina,

nos quais as mulheres dão à luz sozinhas, geralmente na floresta. O papel das

mulheres mais experientes e dos pajés é, principalmente, o de acompanhar as

mulheres durante a gravidez e o pós-parto, fornecendo remédios de caráter

essencialmente preventivo, orientar e ajudar às jovens em seus primeiros partos, e

atender à parturiente em caso de complicações. No Purus não encontramos casos

similares a estes49.

• Entre estes dois pólos – um contexto, próximo do mundo não indígena, no qual o

evento do parto é assumido necessariamente por uma parteira especializada, e outro,

no qual não é possível distinguir claramente a figura da parteira – existe um espaço

intermédio, no qual a figura da parteira ora se distingue com mais claridade, ora se

dilui. Nesse conjunto intermédio, podemos também diferenciar, com fins analíticos,

duas situações, em função das informações obtidas no Purus:

No caso dos Jaminawa, os Jamamadi, os Kulina e inclusive os Kaxinawa, as

mulheres são assistidas no parto por alguma outra mulher, que costuma ser

uma parente próxima. A tarefa é cumprida preferencialmente por mulheres

mais idosas, que ganharam experiência e sabedoria ao longo da vida, mas

48 Cidade próxima a Boca de Acre, fundada recentemente e aonde se transladaram quase todas as sedes institucionais presentes em Boca do Acre, com o objetivo de ser afetadas pelas as inundações periódicas do rio Purus. O pólo-base de Boca de Acre se encontra, de fato, em Piquiá. 49 Algumas pessoas fizeram comentários de que as mulheres Kulina davam à luz dessa forma, mas essa informação não se viu confirmada pelas próprias kulina nem pela bibliografia especializada, como registramos no item 5.2.4. Também uma mulher apurinã, relativamente nova, explicou que na sua comunidade as mulheres ganhavam sozinhas em casa, e que apenas recentemente ela começou a assistir partos de outras mulheres, mas essa situação não é generalizada entre os Apurinã.

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não necessariamente. Aprender a assistir partos é um tipo de conhecimento

que, de alguma forma, toda mulher deve adquirir para poder ajudar às outras

mulheres que formam parte do seu círculo familiar.

Já entre os Apurinã, os Kaxarari e provavelmente algumas mulheres

Kaxinawa, algumas mulheres mais velhas e experientes têm assumido a

tarefa de assistir partos. Em geral, cumprem esta função com as mulheres

novas de suas próprias famílias extensas (filhas, netas, noras) no seio das

comunidades. Sua maior aptidão para assumir esta função costuma estar

associada a um maior conhecimento do que outras pessoas de outros

recursos terapêuticos, como plantas medicinais ou rezas. Em geral, poder-se-

ia pensar que a concretização da figura da parteira nesses casos está

relacionada com sua interação mais intensa (pela contigüidade dos

assentamentos e os casamentos inter-étnicos, principalmente), com a

população não-indígena ribeirinha que sim possui uma tradição de parteiras

especializadas.

Não se trata, em qualquer caso, de uma tipologia rígida, mas de linhas gerais que

podem ser observadas no pouco tempo que passamos com essas pessoas. Uma questão

cabe salientar. Como sustentamos no primeiro relatório etnográfico, uma das

conseqüências das políticas públicas voltadas para as parteiras tem sido a criação dessa

figura em populações onde antes não existia. Ante o incentivo da instituição

correspondente de enviar uma “parteira” para participar de um curso, por exemplo, a

comunidade escolhe uma pessoa. Existe, ainda, a esperança de que em algum momento

a parteira seja institucionalizada como um cargo e receba um salário, tema que constitui

uma das principais reivindicações das parteiras (ver item 6.1.7).

Contudo, é possível perceber que o impacto desse incentivo não foi igual em

todos os grupos. Naqueles, como no caso dos Apurinã ou dos Kaxarari, nos que o

contato com a população ribeirinha já tinha contribuído a criar a figura da parteira – se

não como uma profissional que faz atendimentos fora do seu círculo familiar, sim como

uma mulher que tem um conhecimento diferencial frente às outras da sua própria

comunidade –, o impacto foi menor, já que existia uma estrutura prévia, isto é, já havia

mulheres que vinham atuando nesse campo. O que aconteceu é que aquelas mulheres

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que já cumpriam essa função foram indicadas pelas comunidades. É verdade que em

comunidades grandes, como Camicuã, algumas mulheres que atuam assistindo partos,

foram deixadas de fora porque se indica às comunidades escolherem apenas uma

pessoa, mas essa não parece ser a regra geral.

Diferentemente, em grupos como os

Jamamadi, os Jaminawa ou os Kulina, nos

quais toda mulher era potencialmente uma

parteira, o impacto foi muito mais violento.

De alguma forma, a conseqüência dos

incentivos institucionais impõem uma forma

das coisas acontecerem muito diferente do

previamente existente. Nestes casos, sim,

mulheres que costumavam fazer os partos das

suas familiares são excluídas dessa função. O

chefe jamamadi da aldeia Santo Antônio

comentava que a comunidade tinha decidido

que, a partir da agora, apenas Margarida e

Raimunda, a mulher escolhida para ser parteira e sua acompanhante, estariam

autorizadas para assistir os partos na aldeia, já que apenas elas contam com a

capacitação e o material fornecido pela FUNASA. É difícil valorar até que ponto as

grávidas vão consentir se adaptar a esse novo estado de coisas, mas é possível prever

que pode gerar determinados conflitos ou problemas: a parteira escolhida pode não

contar com a confiança de todas as mulheres da aldeia e isto pode provocar que algumas

decidam ir à cidade; outras mulheres que faziam partos se neguem a continuar a cumprir

com a função se não recebem a mesma deferência (em termos de prestígio e material)

que a parteira oficial. Já comentamos, no caso jaminawa, a reclamação de Mariquinha

que, apesar de ter mais experiência do que Alice na questão dos partos, não foi

escolhida como parteira. A esse respeito, é necessário lembrar que, da mesma forma que

acontece com os AIS ou os professores, os cargos se tornam objeto de disputa política, e

Ilustração 22: Margarida Jamamadi, 5ªreunião.

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normalmente são monopolizados pelas famílias mais influentes na comunidade. A

própria Alice reclama que desde que foi escolhida como parteira, poucas mulheres têm

recorrido a ela:

Eu conto para as grávidas, “tem que fazer isso”, eu aprendi, se a mulher está com saúde ou está grave, se a mulher está desejando, tem que dar o que está desejando, se a mulher está doente, tem que ver como é que está, para ver que jeito é que está, eu aprendi no curso. Mas por agora, quando fiz curso, o pessoal aqui fica bochuda, mas não está tendo na aldeia, elas estão procurando só na cidade. Eu não posso obrigar com a minha família “deixa eu cuidar, deixa eu ver”, a família vai brigar “só para dizer que é parteira, quer se cuidar”, mas não é, a gente está estudando para a família, eu acompanho “quem está grávida, me avisa para acompanhar vocês no pré-natal, para levar vocês na rua, vamos ver, e nossos equipes estão vindo, e se vocês me explicam eu vou estar contando”, eu não aprendi muito, mas eu já aprendi isso (Alice Jaminawa, 6ª Reunião, Aldeia Kaiapucá)

O comentário de Alice revela que a

fixação da função de “parteira” numa pessoa

por meio, fundamentalmente, dos cursos de

capacitação, pode ser uma faca de dois

gumes para quem os recebe: de um lado,

representa um ganho em termos políticos e

de prestígio – e, potencialmente, em termos

econômicos - para a pessoa que assume o

cargo; mas, de outro, desvaloriza as práticas

tradicionais frente ao conhecimento

biomédico. Essa desvalorização é percebida

ou interpretada pelas outras pessoas da

comunidade, que passam a preferir recorrer

ao sistema público de saúde.

Nesse sentido, as conseqüências dos cursos de capacitação são ambíguas. Em

geral, as participantes nas reuniões consideram tanto os cursos de capacitação quanto os

materiais que recebem (o kit da parteira) como elementos importantes, já que implicam

o acesso a um conjunto de conhecimentos considerados de valor (afinal, atribui-se ao

Ilustração 23: MAriquinha Jaminawa, 6ª reunião

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“branco” grande eficácia técnica). De fato, uma das reivindicações das parteiras em

todas as reuniões foi a de receber mais cursos de capacitação e kits com o material para

o parto. Esses elementos fornecem às mulheres, especialmente a mulheres de idade, a

possibilidade de acessar a um âmbito de relação privilegiada com as instituições

governamentais, que implica prestígio e visibilidade, e que geralmente está reservado

aos homens jovens. Entretanto, o fato de se atribuir tanta importância e valor a esse

saber do “branco”, faz com o próprio saber-fazer das mulheres indígenas seja diminuído

frente aos outros. No item 6.4.2. retomaremos essa questão.

6. A interação das populações indígenas com o sistema oficial de saúde no processo de gestação, parto e pós-parto.

Neste item abordaremos a relação das etnias indígenas da região do Alto Purus

com o sistema público de saúde. Antes de entrar a considerar como ela se dá no

processo de gravidez, parto e pós-parto, forneceremos informações que permitam

caracterizar essa relação em suas linhas gerais. Um dos aspectos que cabe destacar

desde já é o fato de que essa relação não é igual com todos os povos: cada um deles

possui características e éthos diferenciados, e apresenta problemas e desafios diversos

para as EMSI e para o DSEI.

6.1. A utilização do sistema público de atenção à saúde por parte dos povos atendidos pelo DSEI/Alto Purus.

Através desse item, pretendemos proporcionar o leitor algumas informações

sobre o uso que cada um dos povos faz do sistema público de atenção à saúde. Esse

aspecto é importante na medida em que o comportamento e a atitude em relação ao

sistema público de saúde não se limitam apenas aos doentes, mas se estendem também

às grávidas. Por outro lado, é fundamental para nossos objetivos entender que existem

diferenças marcadas a esse respeito entre uns grupos e outros.

As informações que proporcionamos se correspondem tanto com comentários e

dados fornecidos pelos profissionais que trabalham nos pólos-base onde esses povos são

atendidos, quanto com reflexões, muitas vezes autocríticas, realizadas pelos próprios

participantes das reuniões. Em ocasiões, as informações de ambas as fontes se

contradizem; em outras coincidem. Contudo, essas contradições são reveladoras de

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alguns aspectos que apontaremos, e que nos interessam especialmente porque dizem

respeito à percepção sobre o uso da medicina tradicional.

Da mesma forma que acontece no DSEI/Alto Juruá, na região abrangida pelo

DSEI/Alto Purus, existem alguns grupos que se caracterizam por mostrar certa rejeição

frente aos serviços públicos de saúde, e outros que, muito pelo contrário, recorrem em

excesso a eles, conforme a percepção dos profissionais que trabalham nos pólos. De

forma geral, existe a idéia de que há uma relação inversamente proporcional entre o uso

da medicina ocidental e o uso da medicina tradicional, isto é, quanto mais se usa a

medicina ocidental, menos se usa a tradicional. De esse princípio se deriva que aqueles

grupos que recorrem menos à medicina ocidental, mantêm de uma forma mais sólida

suas práticas tradicionais de cura, e que aqueles que usam muito os serviços públicos de

saúde, já perderam sua medicina tradicional. Sob certa perspectiva, isso pode ser assim,

mas a articulação que os grupos indígenas fazem entre seus próprios sistemas médicos e

o sistema oficial é mais complexa, e implica processos de adaptação, reinterpretação e

diálogo que não podem resumir-se em termos de “preservação” ou “perda” da cultura.

A esse respeito, se acunhou o conceito de intermedicalidade para fazer referência a esse

espaço de diálogo e articulação entre sistemas (Follér 2004; Greene 1998).

6.1.1. Apurinã

Os Apurinã são tidos pelos profissionais de saúde como um povo conflituoso por

ser reivindicativo dos seus direitos. É possível perceber, tanto no pólo-base de Pauini

quanto no de Boca do Acre, uma tensão entre os dirigentes apurinã e os profissionais

que atendem o pólo. De fato, ações de protesta (como cartas enviadas ao DSEI e à

CORE ou ameaças de fechamento do pólo-base) com o intuito de trocar os profissionais

por outros definidos pelos próprios indígenas, foram ações possíveis, comentadas como

iminentes, durante a nossa estadia na região. As críticas aos pólos se centram em dois

pontos principais: 1º) os profissionais não atendem adequadamente à população, no

sentido de que alguns deles são rudes ou depreciativos; 2º) existe a suspeita de que os

recursos que os municípios recebem para a saúde indígena não são gastos na população

indígena. A respeito desse último ponto, os dirigentes indígenas consideram que a soma

dedicada à saúde indígena é grande, mas há muitas deficiências no serviço a eles

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fornecido. A conclusão que eles tiram é que o recurso ou está sendo usado para outros

fins, ou não está sendo gasto adequadamente.

É necessário especificar, a esse respeito, que uma das grandes reclamações e

elementos de conflito é o acesso a combustível. Para as comunidades indígenas, o

combustível é um bem prezado e escasso, já que eles não possuem muitos recursos para

adquirir as grandes quantidades de combustível necessário para realizar as viagens entre

a cidade e as aldeias. Exigem, portanto, do pólo-base que forneça combustível. Por sua

parte, os pólos têm a diretriz de fornecer combustível apenas aos AIS quando vão à

cidade encaminhando um paciente. Também a alimentação e a hospedagem durante a

estadia de pacientes indígenas na cidade são objeto de reclamações.

Os profissionais de saúde consideram que, em grande medida, essa atitude de

exigência decorre do fato dos líderes indígenas não terem aceitado a perda do controle

sobre os recursos do pólo-base. Lembremos que entre o ano 1999 e o 2004 a UNI

gerenciava a saúde indígena em virtude do convênio assinado com a FUNASA. Assim,

eram líderes apurinã os que administravam os recursos nos pólos-base de Pauini e Boca

do Acre. Devemos entender, portanto, que o conflito existente entre os líderes e os

profissionais não se refere exclusivamente ao atendimento de saúde, mas possui um

conteúdo marcadamente político. Esse fato não deve ser entendido como um argumento

para deslegitimar as reivindicações indígenas, mas como um dado importante para

contextualizar o conflito.

As enfermeiras argumentam, por outro lado, que as reivindicações comentadas

não provêem de toda a população, mas principalmente dos líderes, e que o trabalho que

estão desenvolvendo é reconhecido por pessoas que não têm voz na areia política da

comunidade. A esse respeito, devemos mencionar que, efetivamente, algumas mulheres,

de forma privada, nos comentaram que não têm reclamações a fazer em relação às

enfermeiras, e que não compartilham as críticas que são feitas por parte de outras

pessoas. Isto mostra demonstra que a situação é complexa, e que a população indígena

não necessariamente tem uma opinião unânime a respeito dessa questão.

Outro ponto conflituoso são os medicamentos: os indígenas reclamam que não

lhes são fornecidos suficientes medicamentos, e que as EMSI deixam com os AIS

apenas medicamentos para tratar mal-estares de pouca importância; os profissionais se

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lamentam de que os Apurinã são afeiçoados demais aos medicamentos e que já não

usam mais seus próprios remédios “naturais”. As enfermeiras do pólo-base de Pauini

interpretam que esse fato é conseqüência do atendimento deficiente que o pólo forneceu

durante muito tempo à população indígena da região. Explicam que antes delas

chegarem, tinham passado durante um curto período de tempo muitos profissionais (oito

enfermeiros num ano) que não quiseram ficar no pólo e que não tinham desenvolvido

um trabalho sólido e sério50.

A gente se topou com muita coisa, muita auto-medicação, muita mesmo. Por parte de todos, não só os agentes, mas todos, até os pajés. Todo dia chega um paciente aqui, levando uma receita do pajé passando ampicilina, o pajé mandou tomar [...] E como lidar com isso sem a gente dizer não e a gente, e a pessoa escutar esse “não” e aceitar numa boa? A gente fala “não pode, pajé tem que ser com remédio da natureza” “então eu vou comprar com meu dinheiro, já que você não me quer dar”. Aí não dá, a gente tem que ser muito delicado para falar, eles não gostam de ouvir “não”, por mais delicado que seja. A auto-medicação é tão forte... a gente sabe de onde vem essa auto-medicação, por causa mesmo dessa existência... os profissionais fugiam, uma falta de profissionais tão grande, que eles se sentiam desamparados, e lógico, ou vai morrer, ou vai tomar um remédio, então eles tomavam remédio. Eles vinham na cidade, pegavam caixas na secretaria, com quem tivesse, levavam na aldeia, usavam vencido, não vencido, qualquer remédio para qualquer coisa, sem a menor orientação (enfermeira do pólo-base de Pauini, Pauini, setembro de 2006)

Esse depoimento reflete várias questões que consideramos importantes. Em

primeiro lugar, é polêmico: os indígenas protestaram indignados quando souberam que

a enfermeira tinha afirmado que os pajés davam receitas com medicamentos. A

enfermeira interpreta esse fato como uma evidência da “aculturação” dos Apurinã, da

perda de cultura, e também como um problema, já que implica um uso inadequado dos

medicamentos, que pode ter conseqüências muito negativas para a saúde da população.

Os indígenas, fazendo a mesma leitura desse suposto fato, o negam, e se indignam com

a enfermeira.

50 Lembremos que Pauini é uma cidade muito pequena e isolada, já que não existem estradas que a liguem com outras cidades. Em geral, não é fácil encontrar profissionais que tenham a vocação de se dedicar à saúde indígena, pelas condições e o tipo de trabalho que implica (viagens continuas e compridas às aldeias, vistas como lugares inóspitos; condições precárias de trabalho). Essas dificuldades aumentam quando se trata de preencher as vagas em cidades isoladas e pequenas como Pauini.

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Do ponto de vista antropológico, podemos fazer uma leitura completamente

diferente. O fato dos pajés receitarem medicamentos da farmácia é uma mostra do que

já conhecemos sobre o xamanismo: que se trata um sistema de conhecimento e ação

aberto, que tende a incorporar elementos externos, seja de outros sistemas xamânicos

ou, como é o caso, da medicina ocidental (Greene 1998). A incorporação desses

elementos externos implica sua reinterpretação por parte do sistema que o fagocita: o

sentido e a função que adquirem no sistema que os incorpora são diferentes dos que

tinham no sistema de origem. De alguma forma, o fato dos pajés apurinã receitarem

medicamentos ocidentais é mais uma mostra da vitalidade do xamanismo, do que uma

evidência de sua decadência, como pode ser interpretado a primeira vista.

O depoimento também é uma mostra da tensão e os mau-entendidos que existem

entre os profissionais e a população indígena: enquanto os profissionais evitam dar

medicamentos que não são adequados para o tratamento necessário, os indígenas

interpretam isso como uma mostra de que estão “sovinando”51 os remédios.

Pos último, o depoimento suscita uma última reflexão: uma aproximação a

certos conceitos e interpretações da antropologia permitiria aos profissionais de saúde

perceber melhor onde estão os conflitos e problemas, de onde surgem e, assim, pensar

em atitudes que lhes permitam contorná-los de uma forma mais eficaz. Igualmente, sua

relação com as populações indígenas se veria beneficiada.

Tanto na região de Boca do Acre quanto em Pauini, os Apurinã são sempre

colocados em contraste com os Jamamadi: os primeiros são tidos por mais conflituosos

e reivindicativos, e também mais desenvoltos e familiarizados com o funcionamento do

sistema público de saúde, de forma que muitas vezes se dirigem diretamente aos

estabelecimentos do SUS sem passar pelo pólo-base; os segundos, entretanto, são

menos problemáticos em termos políticos, mas precisam muito mais da ajuda dos

profissionais de saúde quando são encaminhados para os estabelecimentos do SUS,

tendo que estar sempre acompanhados por algum membro das EMSI.

Em relação ao uso do sistema oficial de saúde por parte das mulheres grávidas,

as impressões fornecidas pelos participantes e profissionais de saúde são heterogêneas.

51 Ser “sovina” é um dos comportamentos mais repudiados pelas sociedades indígenas em geral: é considerado uma negação da relação social entre as duas pessoas envolvidas, um insulto.

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107

Em vários casos, as parteiras de Pauini negaram que em suas respectivas comunidades

as mulheres fossem preferencialmente à cidade para realizar os partos. Segundo elas,

apenas quando percebem que há risco de complicação, aconselham à parturiente ir para

a cidade. Essas declarações concordam com a percepção das enfermeiras:

Pergunta: As mulheres em geral, elas vêm muito fazer parto na cidade, ou elas preferem fazer na aldeia, como que é isso?

R – A minoria que vem para cá. Elas se identificam com a própria parteira. A parteira é muito discreta, ela articula, você nem sabe que ela está envolvida, mas ela tem grande poder, ela é muito discreta. Ela fala para a mulher “vá, já falei com seu marido, vai lá para a cidade porque o negócio não está bem, eu não vou dar conta não”. Ela manda para a cidade. Ela faz, ela examina tudinho e ela vê. Ela não ultrapassa aquele limite dentro da cultura, de mulher, de querer tomar a decisão, mas ela empurra, como a liderança, ela não vem conversar diretamente, o AIS já vai com sua pompa, tem todo aquele ritual. Ela não, ela é discreta, ela empurra. Se for para dizer que alguém pratica medicina tradicional aqui, para mim são as parteiras (enfermeira do pólo-base de Pauini, Pauini, setembro de 2006).

Já na região de Boca do Acre, a impressão dos profissionais é outra. Apesar de

que, até recentemente, as mulheres preferiam dar à luz nas aldeias, nos últimos anos o

número de mulheres apurinã que decidem realizar o parto na cidade aumentou. Ainda

segundo os profissionais, isso é devido a que consideram mais seguro o parto no

hospital e sabem que lá, elas vão receber medicação, da qual são cada vez mais

dependentes, conforme a percepção dos profissionais do pólo.

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77,7% 22,2%

33,3% 44,4%

0% 50% 100%

T.I.Camicuã

T.I.s Km.45 e Km.

124

Parto na aldeia Parto na cidade

Apurinã Jamamadi

T.I. Camicuã T.Is da estrada (Km. 45 e Km.

124)

T.I. Inauini/Teuni

T.I.s da estrada (Iquirema e

Goiaba)

Aldeia Cidade Aldeia Cidade Aldeia Cidade Aldeia Cidade

7 2 3 4 2 0 0 2 2005 9 7 2 2 20

0 2 0 2 3 1 2006 2 2 4 8

Tabela 6: Número de partos das etnias Apurinã e Jamamadi na região de Boca do Acre em 2005 e 2006. Dados facilitados pela administração do pólo-base de Boca do Acre.

Os gráficos acima se referem ao número de partos da etnia Apurinã na região de

Boca do Acre nos anos 2005 e 2006 (até o momento da pesquisa). Embora fossem

precisos dados de anos anteriores para ter uma maior profundidade temporal na análise,

os disponíveis no momento indicam que durante o ano 2006 parece ter se incrementado

a tendência das mulheres apurinã a dar à luz nos estabelecimentos públicos da cidade.

Por outro lado, indicam também que a preferência pelos hospitais nessas circunstâncias

é maior entre os Apurinã das aldeias situadas ao longo da estrada, do que entre os

Gráfico 2: Local dos partos, etnia Apurinã, pólo-base Boca do Acre, 2006

0 100%

0 100%

0% 50% 100%

T.I.Camicuã

T.I.s Km.45 e Km.

124

Parto na aldeia Parto na cidade

Gráfico 3: Local dos partos, etnia Apurinã, pólo-base Boca do Acre, 2005

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Apurinã da T.I. Camicuã. Infelizmente, não possuímos dados sobre a porcentagem de

partos feitos na aldeia e na cidade para a região de Pauini, já que as enfermeiras não

registram aonde os partos tiveram lugar por não considerá-lo significativo.

6.1.2. Jamamadi

Como mencionamos anteriormente, os Jamamadi são sempre colocados em

contraste com os Apurinã, e descritos como um povo doce, inocente, desvalido,

“meigo” e necessitado de atenção. Os Jamamadi, apesar de ter uma história de contanto

tão longa quanto os Apurinã e de ter algumas aldeias próximas da cidade, têm em geral

grandes dificuldades para falar o português. Na região de Pauini, as enfermeiras

explicam que o pequeno grupo que mora na aldeia Torcimão, no rio Inauini – únicos

Jamamadi ligados ao pólo-base de Pauini -, não costumam ir para a cidade à procura de

tratamento médico:

Pergunta: Eles também vêm freqüentemente na cidade para procurar tratamento?

R – Só na época certa deles, em agosto, final de setembro, agora que estão vindo, eles vieram agora porque tinha um com malária, e tem que vir, ne? Malária. Aí veio a família toda, são poucos, uma canoinha. Eles são muito queridos, reconhecem nosso trabalho, preservam a ingenuidade. A gente trata eles como se fossem crianças, a gente vê a ingenuidade. Eles até confessam as coisas deles. São muito bons.

Em relação às mulheres grávidas, as enfermeiras afirmam nunca ter visto uma

mulher jamamadi se deslocar à cidade para dar à luz.

O médico do pólo-base de Boca do Acre deu uma visão um pouco diferente

sobre os Jamamadi que moram na aldeia Santo Antônio. O aceso à cidade dos

Jamamadi dessa aldeia depende da época do ano: no verão eles ficam isolados porque

não há suficiente água no rio para viajar; o inverno é a época em que eles retomam suas

relações com os não-indígenas viajando para a cidade. Segundo o médico, o verão,

quando eles permanecem na aldeia, é uma época de fartura e população fica mais

saudável; contrariamente, o inverno, quando o contato com a cidade é retomado, é

caracterizado como uma época de fome e aumento das doenças. Segundo o médico, um

dos principais problemas da saúde das crianças é a desnutrição. Ele explica isto em

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função de dois fatores: quando a comida é preparada e servida, os últimos a comer são

as crianças, de forma que acabam não recebendo a suficiente quantidade de alimento;

com a obtenção de recursos econômicos da coleta da castanha e das aposentadorias, os

Jamamadi se preocupam de comprar mercadorias na cidade e dão pouca atenção aos

roçados52.

Segundo o médico, os Jamamadi, como os outros grupos indígenas da região,

estão também abandonando suas medicinas tradicionais, tanto as plantas quanto a

pajelança, e se tornando muito dependentes (“viciados”) dos remédios da farmácia.

De qualquer forma, os profissionais do pólo-base de Boca do Acre parecem

também considerar que os Jamamadi são os que mais precisam de sua ajuda, porque

Santo Antônio, a pesar de ser a aldeia mais distante da cidade de toda da região, é a que

recebeu mais visitas da equipe durante esse ano53. Devemos considerar que o fato de

eles manterem em maior grau a imagem indianidade inclina às instituições voltadas para

a atenção à saúde indígena a da-lhes mais atenção. Um exemplo disto é que o CIMI

(Conselho Indigenista Missionário) não atende aos Apurinã de Boca do Acre, mas sim

aos Jamamadi.

Quanto à tendência das mulheres jamamadi a dar à luz nas aldeias ou na cidade,

os dados que possuímos mostram uma diferença entre as mulheres de Santo Antônio,

que preferem permanecer nas aldeias, e as jamamadi que moram nas aldeias da estrada

(Iquirema e Goiaba), que recorrem principalmente aos serviços públicos de saúde (ver

tabela 6).

52 Houve certa contradição no seu depoimento, porque ao mesmo tempo descreveu as aldeias jamamadi como fartas em alimentação, tanto caça, como pesca e produtos agrícolas. Ele enfatizou o primeiro fator mencionado para explicar a desnutrição infantil. 53 Santo Antônio recebeu cinco visitas, enquanto as outras aldeias receberam três visitas.

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100%

0% 50% 100%

T.I.Inauini/Teuni

T.I. Iquiremae Goiaba

Parto na aldeia Parto na cidade

100%100

6.1.3. Jaminawa

Na região do Purus os Jaminawa são atendidos pelos pólos-base de Sena

Madureira e de Assis Brasil. Os administradores de ambos os pólos-base coincidem na

sua descrição dos Jaminawa: trata-se de um povo que tem uma grande tendência a se

deslocar para a cidade e ficar lá sem recursos e em condições muito precárias. A fome, o

alcoolismo e a mendicidade marcam as estadias dos Jaminawa na cidade. Da mesma

forma que os Jamamadi constituem o pólo de contraste com os Apurinã, os Manchineri

o são dos Jaminawa na região de Assis Brasil, mas num sentido diferente:

Jaminawa é complicado, ele fica aqui dez, quinze dias, eles não têm força moral para os filhos, estão virando o lixo na cidade, ficam contribuindo doença para as aldeias, quando for na aldeia, vão passar essas doenças que conseguem aqui na cidade para os parentes que estão na aldeia...é um caso sério. [...] O manchineri é bem diferente, eu considero os Manchineri praticamente igual a eu. Tem muitos que são crentes, é muito mais fácil trabalhar com eles, eu acho maravilhoso trabalhar com eles, eles não são agressivos, quando a gente chega na aldeia, eles parece que têm o maior carinho pela gente. [...] Jaminawa é diferente. [...] Eles usam muito a bebida, é demais, é um problema sério. [...] É muito raro você pegar um manchineri aqui na cidade bebendo (José Forte, administrador do pólo-base de Assis Brasil, Assis Brasil, setembro 2006).

Gráfico 4: Local dos partos, etnia Jamamadi,pólo-base Boca do Acre, 2006

Gráfico 5: Local dos partos, etnia Jamamadi,pólo-base Boca do Acre, 2005

25%

0% 50% 100%

T.I.Inauini/Teuni

Parto na aldeia Parto na cidade

75%75%

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Ilustração 24: Alice Jaminawa com seu sobrinho durante a 6ª reunião.

Igualmente ao que acontece no caso de outros grupos indígenas anteriormente

comentados, os profissionais de saúde têm a percepção de que tanto Manchineri quanto

Jaminawa estão abandonando a medicina tradicional e dependem cada vez mais dos

medicamentos da farmácia.

Outro aspecto no qual se diferenciam Jaminawa e Manchineri é o na conclusão

dos tratamentos prescritos pelos profissionais, sempre sendo os Jaminawa mais

problemáticos:

Tem um pouco de diferença das etnias. Os Manchineri, se você dá um tratamento específico, é mais fácil ele fazer o tratamento até o final. Nos Jaminawa, não, ele toma 1 dia, no máximo dois, se ele se sentir um pouquinho melhor ele já não quer medicação, não toma, aí no outra dia ele fica ruim de novo e ele vem consultar novamente , quer que você passe outros medicamentos. Então tem que ser uma medicação de dose única para evitar isso aí (enfermeira do pólo-base de Assis Brasil, setembro de 2006).

Em relação à utilização do sistema oficial de saúde por parte das grávidas para

dar à luz, os profissionais de saúde explicam que, de forma geral, a maior parte das

mulheres prefere ter o parto na aldeia. No pólo-base de Assis Brasil, a enfermeira

comenta que as mulheres, de forma geral, apenas escolhem dar à luz na cidade em

algumas circunstâncias: quando é o primeiro parto; quando no parto anterior houve

alguma complicação ou foi por cesárea; ou quando por meio dos exames se detecta

algum risco, como que o feto esteja atravessado. A diferença que existe entre as

mulheres jaminawa e as manchineri é que as segundas, logo que ficam gestantes,

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procuram uma parteira que vai fazer o seguimento durante toda a gravidez, enquanto as

primeiras apenas procuram a parteira quando já estão prestes a parir.

Da mesma forma, no pólo-base de Sena Madureira, a impressão dos

profissionais é a de que as mulheres tendem a dar à luz preferencialmente nas aldeias,

embora esta tendência esteja mudando nos últimos anos:

Ultimamente, eu tenho notado que as nossas indígenas preferem vir ganhar nenê na cidade. Não sei que está acontecendo, mas elas preferem vir ganhar nenê na cidade. Várias esse ano, das que nós temos apenas uma ganhou nenê na aldeia, a professora Mª Jose. [...] logo no começo, elas ganhavam nenê ás vezes até ali no barranco, lá no barco porque ela não queria ir para o hospital, mas eu não sei se porque elas estão achando mais segurança, ou não sei o que está acontecendo, eu sei que as últimas vieram ganhar nenê na cidade.

Os dados referentes aos Jaminawa do Caeté e do Kaiapucá levantados no pólo de

Sena Madureira e apresentados nos gráficos abaixo mostram que efetivamente, desde o

ano 2001 a tendência tem sido de aumentar a porcentagem de mulheres que ganham

nenê na cidade (ver anexo 7). Infelizmente, no pólo-base de Assis Brasil não havia

dados relativos a essa questão.

Gráfico 6: Local dos partos, Jaminawa do Kaiapucá

100 0

80 20

100 0

66,6 33,3

60 40

50 50

0 50 100%

2001

2002

2003

2004

2005

2006

Parto da aldeia Parto na cidade

Gráfico 7: Local dos partos, Jaminawa doCaeté

100 0

85,7 14,28

33,3 66,6

71,42 28,57

100 0

50 50

0 50 100%

2001

2002

2003

2004

2005

2006

Parto da aldeia Parto na cidade

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114

6.1.4. Kaxarari

Sobre os Kaxarari não temos muitas informações relativas à utilização do

sistema de saúde. Dado que o deslocamento até Sena Madureira, sede do pólo-base ao

qual estão adscritos, é demorado e pouco prático, quando precisam de tratamento na

cidade acodem a Extrema ou a Rio Branco, onde são atendidos na Casa do Índio.

Em relação à situação de saúde do povo Kaxarari, um relatório recente apresenta

significativas informações e se refere aos graves problemas vivenciados pelo povo

Kaxarari no final da década de 1980 e no início da década de 1990. Estes problemas

foram causados pela construção de uma barragem próxima a área kaxarari por parte de

uma empresa mineradora dedicada à exploração de brita. A barragem não apenas cortou

o suprimento de água das aldeias, mas, além disso, a represa se converteu num grande

foco de insetos. Como conseqüência disto, a malária se tornou endêmica na região,

gerando grande alarme entre a população indígena que, sem a assistência e a atenção

adequadas começaram a usar os medicamentos de forma descontrolada e abusiva (Silva

2000). A situação crítica da saúde kaxarari se refletiu no número de internações na

CASAI de Rio Branco, que alcançou o mesmo número de casos que os povos Apurinã e

Kaxinawa, apesar de estes terem sete e cinco vezes mais população, respectivamente,

como mostra a tabela:

Etnia População aprox. Internações

Kaxarari 160 206

Kaxinawa 2.000 293

Apurinã 3.000 313 Tabela 7: Número de atendimentos a pessoas kaxarari em 1988

Em relação às grávidas, encontramos que entre os Kaxarari existe uma

porcentagem maior de mulheres que escolher dar à luz na cidade do que entre os

Jaminawa, como mostra o gráfico. Também é possível perceber um incremento, embora

pequeno, de parto na cidade nos últimos dados. A percepção de que algumas mulheres

recorrem aos serviços hospitalares foi comentada também pelas parteiras kaxarari, que

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reclamam por não estarem sendo suficientemente valorizadas pelas mulheres de suas

comunidades, que preferem ir para o hospital.

62,5 37,5

58,3 41,6

86,6 13,3

50 50

53,3 46,6

57,1 42,8

0 50 100%

2001

2002

2003

2004

2005

2006

Parto da aldeia Parto na cidade

6.1.5. Kaxinawa

Em relação aos Kaxinawa do Purus não possuímos praticamente dados relativos

ao uso que fazem do sistema público de saúde porque não tivemos oportunidade de

visitar o pólo-base de Santa Rosa do Purus nem de conversar com os profissionais que

os atendem. Apenas queremos colocar os comentários de uma enfermeira do pólo-base

de Boca do Acre que trabalhou anteriormente em Santa Rosa. Em relação ao uso do

sistema público no referente ao parto, ela estabelece um contraste entre as mulheres

apurinã, que em sua maior parte fazem o parto na cidade, e as kaxinawa do Purus, que

evitam dar à luz na cidade, e apenas o fazem quando existem riscos ou complicações:

quando a criança está numa posição perigosa; quando há problemas de pressão alta, etc.

Esses riscos são detectados no pré-natal, e as mulheres são, então, encaminhadas para

Tarauacá ou Rio Branco. Se o parto não apresenta problemas é realizado na aldeia,

mesmo que esta esteja próxima da cidade.

Gráfico 8: Local dos partos, Kaxarari

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116

6.1.6. Kulina

Como exemplo paradigmático de grupo que se mostra receoso de usar os

serviços públicos de saúde, podemos citar os Kulina. Infelizmente, não nos foi possível

visitar os pólos-base de Santa Rosa do Purus e Manuel Urbano, onde esse povo é

atendido, mas alguns comentários do chefe do DSEI/Alto Purus a respeito das

dificuldades que enfrentam evidenciam essa característica.

Os Kulina é uma etnia bem primitiva. Nós temos dificuldade para trabalhar com eles porque eles falam muito pouco português, aí fica difícil o entendimento. Aconteceu uma situação bem engraçada esse ano aqui. Nós trouxemos duas indígenas de Manel Urbano para fazer uma ultra-sonografia, aí nós marcamos direitinho, levamos ela lá, quando ela foi entrar na sala, ela voltou, voltou, e a outra que estava com ela voltou também. E eu “Pelo amor de deus, não faz isso, tem que fazer o exame”, “Não, não quer, não quer”. Ficou valente, quis pegar no braço, ela puxou, se tivesse segurado ela tinha mordido. Ela não gostou não, ela teve medo do aparelho, quando viu, ela se desesperou. Aí foi embora. Aí foi uma dificuldade. O cacique estava do lado, eu falei, “não faz isso, que tem que fazer”, o médico recomendou que fizesse outra ultra-sonografia, por se perdia o bebê, alguma coisa nesse sentido.

P – teve notícias depois?

R – Tive, ganhou na aldeia, sem problemas.

(Sr. Valmi, Administrador do Pólo de Sena-Madureira, setembro de 2006).

Essa anedota serve como

exemplo das dificuldades que os

profissionais dos pólos

enfrentam em termos de

comunicação e atendimento às

populações aqui consideradas.

Devemos lembrar, por outro

lado, que determinados tipos de

análises e tratamentos,

especialmente aqueles que têm

como objeto o aparelho Ilustração 25: Acampamento kulina à beira do Purus emSena Madureira

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117

reprodutor feminino, são considerados agressivos pelas indígenas. Porém, a

desconfiança que, às vezes, os indígenas demonstram não implicam necessariamente

rejeição à medicina ocidental.

Um dos etnógrafos que melhor conhece esse povo, explica, pelo contrário que os

Kulina procuram muito medicamentos ocidentais. Porém, estes são usados em função

da própria lógica kulina. Os medicamentos ocidentais são considerados muito eficientes

para certo tipo de doenças, e completamente ineficientes para outros. As doenças que

são classificadas nas categorias de dori (associadas à feitiçaria) e epetukái (como

mencionamos anteriormente, aquelas que afetam as crianças causadas pela quebra de

tabus alimentares), apenas são curáveis com os recursos terapêuticos kulina. Em relação

a essa última categoria, especialmente interessante para o tema que nos ocupa, o autor

faz a seguinte observação:

Há um aspecto complementar da medicina ocidental que reforça as noções tradicionais Kulina acerca da natureza das doenças. Meus informantes chamaram atenção para a alta mortalidade infantil nas comunidades não-indígenas da região. Segundo eles, isto ocorre porque indivíduos não-kulina não seguem as prescrições alimentares indicadas para os pais de bebês. Em outras palavras, os Kulina entendem que grande número de bebês não indígenas morre de epetukái, uma doença que os Kulina conhecem e sabem como curar.

Não possuo dados para confirmar a observação dos Kulina sobre a elevada mortalidade infantil nas comunidades não-indígenas da região. Vários não-indígenas que visitaram Maronaua enquanto eu lá estava forneceram voluntariamente uma visão semelhante àquela dos Kulina, sugerindo que os "índios" seriam melhor adaptados à vida na floresta e, por isso, obteriam maior sucesso na reprodução. Embora a população não-indígena regional ridicularizasse muitas crenças tradicionais Kulina, ocasionalmente traziam suas crianças doentes até a aldeia para serem tratadas (Pollock 1994).

As informações e observações de Pollock mostram são um exemplo de como os

grupos indígenas conceitualizam a medicina ocidental e a incorporam ao seu próprio

sistema. Não vêem, de modo algum, a medicina ocidental e a sua própria como sistemas

excludentes, mas como possibilidades que possuem diferentes funções e podem ser

articuladas.

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6.1.7. Reivindicações de melhoria do sistema público de saúde.

Durante as reuniões, um dos temas tratados foram as reivindicações que as

comunidades têm em relação ao sistema de atenção à saúde. A proposta do projeto era

promover um espaço de troca de experiências e de reflexão sobre a possibilidade de

articulação de sistemas, e inicialmente este último era o objetivo de convidar os

profissionais de saúde durante os dois últimos dias de reunião. Entretanto, os

participantes, e a própria Sitoaköre, consideraram esta uma boa oportunidade para

discutir e expressar suas reivindicações frente aos representantes do pólo-base. Como já

mencionamos, a área de saúde é objeto de disputa política para algumas lideranças

políticas, fato que ficou evidente nas reuniões. Contudo, as dificuldades que enfrentam

as populações indígenas em relação ao atendimento que recebem é uma realidade que

deve ser conhecida pelos gestores dedicados à saúde indígena.

Em geral, as reivindicações foram praticamente as mesmas em todas as reuniões.

Em cada caso foram a base para a construção de documentos que, segundo foi

acordado, a Sitoaköre encaminharia para as instâncias pertinentes em cada caso. A

seguir, detalhamos as reivindicações e solicitações de melhoria das comunidades.

Algumas delas são específicas sobre o trabalho das mulheres que assistem a grávidas e

parturientes dentro das aldeias, mas outras são de caráter geral.

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Ilustração 26: Mulher Jamamadi, sofrendo sangramento após o parto, hospedada num

barco em Boca do Acre.

Reivindicações que se referem a infra-estruturas necessárias para a melhoria da

saúde indígena em geral:

Compra de meios de transporte para que os AIS possam encaminhar os

pacientes para a cidade. As necessidades de cada comunidade a esse respeito

são diferentes. No item 3.1. apresentamos as características das vias de

comunicação para cada uma das T.I.s da região. No caso daquelas que ficam

distantes das sedes municipais onde se localizam os serviços de saúde, são

necessários meios de transporte rápido, como voadeiras. As comunidades

que estão ligadas à cidade por via terrestre solicitaram meios adequados,

como toyotas. Em certos casos, como as comunidades da região de Sena

Madureira, o próprio pólo-base teve a iniciativa de adquirir recentemente

motores para os AIS de cada comunidade. Em outros casos, entretanto,

dependem dos próprios recursos para adquirir os meios de transporte

necessários. Igualmente, os participantes solicitaram a disponibilização de

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combustível para, em caso de necessidade, poder levar os pacientes até a

aldeia54.

Disponibilização de um local de hospedagem adequado na sede municipal,

onde os pacientes possam ficar durante o tempo que devem permanecer na

cidade para tratamento. Apenas em casos extremos, os pacientes ficam

internados nos hospitais, de forma que a questão da hospedagem é um

problema para eles. Os pólos-base não têm infra-estrutura – nem estão

pensados para isso – para hospedar os pacientes indígenas, de forma que eles

dependem dos seus próprios recursos, sempre escassos, para se manter na

cidade. Em alguns casos, têm parentes na cidade que os podem hospedar,

mas em outros muitos, não é assim. Isto faz com que, quando eles

permanecem na cidade, o fazem em condições muito difíceis: à beira do rio,

em acampamentos precários; em barcos alugados sem nenhuma infra-

estrutura para hospedar pessoas, etc. Se estas condições são complicadas

para pessoas sadias, o são ainda muito mais para os doentes. Em alguns

casos, como em Assis Brasil, os pacientes podem se hospedar no pólo-base,

mas essa não é a situação geral. No caso de Sena Madureira, a administração

do pólo-base obteve recursos para a construção de uma estrutura anexa ao

pólo para a hospedagem de pacientes. Entretanto, por falta de recursos para

contratar uma pessoa que assuma a manutenção do local, este ainda não foi

colocado a disposição, o qual é objeto de críticas por parte dos usuários

indígenas55.

Disponibilização de alimentação para os pacientes que precisam ser

encaminhados aos estabelecimentos do SUS, durante sua permanência da

cidade. Essa reivindicação se encontra diretamente ligada à anterior, e coloca

54 Os pólos-base retornam o combustível usado por um AIS quando encaminha um paciente para a cidade. Entretanto, a questão do combustível é objeto de continua reclamação por parte dos AIS e das comunidades, em geral porque não se considera suficiente, e porque o AIS tem que usar primeiro seu próprio combustível para depois recebê-lo de volta. 55 Existe também o receio, por parte da administração do pólo-base, no sentido de que a disponibilização de um local de hospedagem tenha como efeito uma maior afluência dos indígenas à cidade. Lembremos que os Jaminawa possuem uma tendência marcada a ficar na cidade, o qual acarreta diversos problemas, como falta de alimentação, mendicidade, alcoolismo, etc.

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o mesmo problema: a maior parte dos indígenas não possui recursos para

manter-se na cidade quando sua situação de saúde requer seu

encaminhamento para atendimento no SUS.

Disponibilização de aparelhos de radiofonia para todas as comunidades por

meio de sua aquisição ou seu conserto quando já existem. Solicita-se

também aos pólos-base que coloquem uma pessoa que fique

permanentemente disponível para ser contatado no pólo-base, caso aconteça

alguma urgência56.

Construção de infra-estrutura de saneamento básico nas aldeias. Algumas

aldeias já contam com privadas e água encanada (que apenas chega a uns

banhos comunitários, mas em geral falta o tratamento da água), mas não é o

caso da maioria, que ainda recorre à água dos igarapés ou à construção de

cacimbas. Porém, as condições são precárias por várias circunstâncias: nos

mesmos lugares onde se pega água para beber é onde as pessoas tomam

banho e lavam a roupa; no inverno a obtenção de água limpa se dificulta,

estes lugares se encontram expostos à contaminação por parte de animais,

etc. Especialmente se deve levar em consideração que a proliferação de

fazendas em toda a região e o crescimento populacional das cidades – que

sempre ficam à beira dos rios - provocaram a contaminação da água dos rios

e igarapés, fontes de água tradicionais para estas populações. Não é por

acaso que verminoses e diarréias se encontram entre as morbidades que

afetam com mais freqüência à população indígena da região. A situação é

especialmente preocupante nas aldeias Jaminawa onde foram registrados

vários casos de hepatite B (região de Sena Madureira, especialmente aldeia

de Kaiapucá).

Construção nas aldeias onde não existe de um posto de saúde.

Reivindicações que se referem à relação com o DSEI e o pólo-base:

56 Atualmente, os contatos por radiofonia se fazem duas vezes ao dia, uma de manhã e outra de tarde, a horas predeterminadas. Dessa forma, se acontece algum problema que deve ser resolvido com urgência, o contato com o pólo é complicado. Cada vez há mais comunidades que dispõem de um orelhão, o que facilita a comunicação com o pólo.

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Maior participação das comunidades no planejamento das atividades das

EMS.

Conhecimento de como são gastos os recursos destinados à saúde indígena.

Em geral, predomina a idéia de que o recurso destinado à saúde indígena é

muito alto57, mas que o serviço é precário. Daí se desprende uma acusação,

em ocasiões velada e em outras explícita, de que os administradores do pólo-

base ou os prefeitos estão ficando com esse recurso. Esta confusão é

evidente inclusive entre os membros do conselho distrital, apesar de que eles

têm acesso às prestações de contas.

Maior capacitação para os AIS e disponibilização de remédios nas aldeias

para que eles possam administrá-los quando necessário. Em geral, os AIS

reclamam da falta de capacitações destinadas a eles (ver item 4.1.), e da

resistência das EMSI a fornecê-lhes medicamentos para tratar as pessoas das

aldeias quando necessário58.

Em alguns locais, os conflitos das comunidades com as EMSI são mais

marcados, e é exigida a troca dos profissionais de saúde que atendem o pólo-

base. Ver a esse respeito o ponto 6.1.1.

Há algumas reivindicações que se referem à forma de atenção das EMSI,

acusadas em ocasiões de mostrar pouco respeito com as pessoas; de não

querer ir até a aldeia quando esta não se encontra na beira do rio, mas terra

adentro, e fazer o atendimento no barco59; de juntar todas as pessoas da

comunidade num local apenas em vez de ir de casa em casa.

57 Nos pólos-base que visitamos, esse recurso é, em media, de R$ 86.000 reais mensais aproximadamente. Com esse recurso são pagos os salários de todos os profissionais que trabalham nos pólos-base e dos AIS, os medicamentos que não são repassados pelo DSEI, o combustível, os gastos implicados nas visitas às comunidades por parte das EMSI, e qualquer outro gasto do pólo-base. Em função disso, é fácil perceber que o recurso é escasso para todos os gastos que deve cobrir. 58 Porém, conscientes da falta de capacitação dos AIS, a EMSI apenas deixam com eles medicamentos de pouca complexidade, como analgésicos. Os AIS, em geral, não parecem entender isso como um princípio do sistema biomédico, mas como uma mostra de exclusão ou da falta confiança das EMSI neles. 59 Os profissionais de saúde explicam este comportamento em função de dois fatores: 1) a dificuldade para transportar o material que necessitam para fazer o atendimento quando a aldeia se encontra a algum tempo de caminhada; 2) ao medo que sentem de ficar em algumas aldeias onde percebem uma animosidade permanente de algumas lideranças indígenas. Este último ponto é revelador da relação tensa entre as EMSI e algumas pessoas de algumas comunidades, mas esse sentimento não deve ser extrapolado

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Reivindicações relativas ao trabalho das mulheres que atendem as grávidas e

parturientes nas aldeias.

Continuação dos cursos de capacitação de parteiras. As participantes

afirmaram que queriam conhecer melhor sobre como “o branco” faz o parto

e aprender algumas coisas, como determinar quando a mulher se encontra

em risco, o posicionamento da criança, o uso dos instrumentos, etc. Exigem,

ainda, que nos cursos seja permitida a participação das “acompanhantes”60, e

que lhes seja fornecido o certificado dos cursos realizados.

Que as EMSI convidem as parteiras para fazer o pré-natal das grávidas

durante o atendimento periódico nas comunidades. As parteira consideram

que podem ser úteis com mediadoras entre as equipes e as grávidas.

Que lhes seja fornecido meio de transporte adequado (canoa e motor de

rabeta para o caso de mulheres que moram em aldeias na beira do rio;

motocicletas ou charretes no caso de mulheres que moram nas aldeias da

estrada) para seu deslocamento dentro da área – para atendimento das

grávidas – ou da T.I. à cidade, para encaminhamento de grávidas e

parturientes.

Que lhes seja permitido acompanhar as grávidas para fazer o pré-natal na

cidade.

Que lhes seja permitido acompanhar as grávidas dentro dos hospitais para lá

atendê-las. Igualmente, é reivindicado que os pajés sejam permitidos de

assistir os pacientes internados nos hospitais, quando estes assim o

requeressem. Este aspecto implica o reconhecimento de pajés e parteiras por

parte das instituições biomédicas.

Construção de casas de parteiras nas aldeias. Segundo as participantes, os

partos são realizados normalmente na casa da parturiente ou da parteira.

Porém, como se trata de residências familiares, sempre há muito barulho de

crianças e movimentação de outras pessoas, o qual perturba e incomoda

a todos os casos. Houve muitas pessoas que afirmaram estar satisfeitas, em termos gerais, com o atendimento recebido das equipes. 60 Sobre a figura da acompanhante, ver o ponto 5.2.

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tanto à mulher prestes a dar à luz quanto à parteira61. Consideram que contar

com uma casa adequadamente equipada (com cama, rede, fogão para

preparar a comida ou os remédios, filtro de água, armário, combustível para

iluminação, etc.) seria de grande ajuda as parteiras e as mulheres da aldeia,

já que o parto poderia ser realizado numa situação de sossego, e a parteira

disporia de um lugar adequado onde guardar seus materiais e, inclusive, as

plantas medicinais de que faz uso. As comunidades participantes se

disponibilizaram a construir a casa se lhes forem fornecidos os recursos

necessários, como alguns materiais de construção e gasolina para serrar

madeira.

Remuneração das parteiras. Este é um assunto enfatizado por muitas

parteiras. Vários são os argumentos colocados: as parteiras colocam, muitas

vezes, suas próprias vidas em risco; assumem uma responsabilidade mito

grande, já que se acontece alguma desgraça, elas serão culpadas; em muitas

ocasiões, precisam gastar seus próprios recursos para atender uma grávida ou

parturiente; são as únicas que não recebem por realizar um trabalho.

Sabendo da dificuldade de serem oficialmente contratadas, em muitas

ocasiões a reivindicação vai mais no sentido de obter algum tipo de bolsa ou

auxílio. Alguns depoimentos expressam as reivindicações das parteiras:

Eu tenho botado a minha vida em precipício, porque a parturiente está nas mãos da parteira, se ela morrer, o que que vão dizer da parteira? Se for para ganhar um dinheiro, ganhar um motor, eu vou concordar, mas senão, ficar pedindo passagem e aquela mulher morrer e ficarem dizendo que sou eu, que me guarde, não quero não (Dona Onda, 5ª reunião, aldeia Camicuã).

Uma pessoa assim tem uma responsabilidade muito grande, ela é médica, é formada, pessoa assim que vê sangue, que vai lutar. Quanto tempo elas trabalharam de graça para nós? Eu tive cinco filhos, quantas vezes as parentes me salvaram e eu não dei nem uma agulha? Espero que algum dia venha alguma ajuda (Marisina, 6ª Reunião, aldeia Kaiapucá)

61 Lembremos que a intimidade é valorizada na hora do parto, até o ponto de que, em vários casos, quando uma mulher vai dar à luz, as crianças são enviadas para longe, fora da casa.

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6.2. A medicina tradicional

Um dos temas importantes tratados pelo projeto é a medicina tradicional.

Mesmo que alguns participantes entendessem as reuniões como um momento para falar

prioritariamente das reivindicações políticas e esse fosse o resultado mais palpável para

eles, o assunto da medicina tradicional permeou as discussões e a própria reunião de

forma geral. Gostaríamos de ressaltar duas questões a esse respeito. Em primeiro lugar,

como já mencionamos anteriormente e tratamos no relatório anterior, os povos

indígenas são cientes de que existe o perigo de que o “tradicional” se perca, de que

costumes antigos têm sido abandonados. Está presente um discurso sobre a importância

de preservar as tradições para manter viva a identidade indígena de cada povo. Essas

idéias estão, ao mesmo tempo, relacionadas, embora não possam ser reduzidas a ela,

com a percepção de que o “tradicional” é um valor na sua relação atual com a sociedade

envolvente. Os processos de resgate e preservação da cultura formam parte das atuais

políticas dos grupos indígenas. É interessante notar que os líderes ou pessoas com

cargos institucionalizados (AIS, professor, AAF), que mantêm uma interação mais

intensa com os representantes institucionais da sociedade envolvente, são os que mais

enfatizam esse discurso, e os que têm mais clareza sobre ele. Isso mesmo nem sempre é

perceptível em outras pessoas. Várias falas durante a reunião refletiram esse

pensamento em relação à medicina tradicional, freqüentemente com certo sentido de

autocrítica e fazendo algumas propostas. As falas a seguir são de uma mulher AIS e de

um dos conselheiros distritais62, que participou na 5ª reunião:

Tem recursos para resgatar, aquilo que era nosso, que deixamos para atrás. A questão da medicina tradicional, não vou fugir do assunto, muitas das coisas não usa como eu vi a minha mãe usando para resolver tais problemas. Eu acredito que existe, mas a gente está deixando de fora mais a partir que a gente aprendeu a tomar remédio da farmácia, porque já está pronto. Muitas das vezes, para ser sincera, para nós é preciso que tenha alguém incentivando, muitas

62 O modelo de saúde indígena atuante na atualidade inclui instâncias de controle social, como são os Conselhos locais e distritais. Cada um deles atua em âmbitos de dimensões diferentes. Em cada DSEI existe um Conselho distrital formado por um 50% de usuários e um 50% de representantes de organizações governamentais dedicadas à saúde indígena. Os conselhos locais estão formados por representantes das comunidades da área de abrangência de cada pólo-base. Através desses conselhos, as comunidades participam no planejamento das ações e acompanham seu desenvolvimento. Os conselhos servem também às comunidades para realizar críticas ao serviço recebido, ou para apresentar propostas

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pessoas já deixaram, esqueceram, e tanto que nem todo o mundo sabe mais como tais ervas servem para tal coisa, um tanto sim, outros não. Eu tinha relatado desde o convênio, como que a gente pode estar trabalhando a questão da medicina tradicional. Hoje eu vejo, tem projetos para resgatar coisas que a gente já deixou de lado (Socorro Apurinã, 4ª reunião, aldeia Nova Vista).

Seria bom, falando em medicina tradicional, que os AIS trabalhassem mais, evitassem mais o químico, seria bom para as parteiras, o AIS incentivar. O AIS precisa junto com as parteiras solicitar apoio para construir uma casa onde pudesse armazenar as medicinas tradicionais, seria bom para as parteiras. Quando ela tem uma paciente, pode ter uma hemorragia, qual o remédio que vai parar de sangrar. [...] Diminui mais o remédio químico e aumenta o nativo, esse conhecimento das parteiras, dos pajés, tem que cultivar a tradição, o nativo (Sucuna, 5ª reunião, aldeia Camicuã).

Como exemplos dos processos de revitalização que mencionamos, podemos

mencionar dois eventos que aconteceram durante a nossa estadia na região. O primeiro,

foi uma festa “tradicional” – xingané – que reuniu as comunidades apurinã da região de

Boca do Acre e Pauini, e foi celebrada na aldeia Camicuã. A festa, que durou vários

dias, consistiu fundamentalmente numa sucessão de cantos e danças. Uma das

características da festa é a fartura de alimentos e bebidas fermentadas. Foram

convidados à festa representantes de instituições que trabalham ou dão apoio às

populações indígenas, e houve um registro audiovisual da mesma63.

Durante a reunião que realizamos em Camicuã, quase todas as noites os mais

velhos faziam xingané, isto é, cantos e danças. Uma das informações que nos foi

comentada é que já poucas pessoas conhecem os cantos e danças do xingané, e que a

grande festa realizada tinha também como objetivo reunir as pessoas detentoras desses

saberes para que os repassassem às pessoas mais novas.

O segundo evento foi uma reunião organizada pela OCAEJ (Organização

Comunitária Agroextrativista Jaminawa) numa aldeia da região de cabeceira do rio

Acre, que juntou representantes de todas as comunidades jaminawa. Um dos focos

principais do evento foi a necessidade de revitalizar a cultura tradicional para não perder

a identidade indígena.

63 Ver anexo 9, onde apresentamos, como exemplo, uma das notícias que foram publicadas na internet sobre o evento.

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Outra das idéias que caracteriza o discurso sobre a cultura tradicional, e que está

associada às colocadas anteriormente, é a de que tudo aquilo que seja definido como

“tradicional” tem um grande valor, não apenas em termos identitários ou culturais, mas

em termos de potenciais recursos econômicos. Apoiando-se especialmente na

preocupação pela bio-pirataria, existe um discurso recorrente de que os “brancos”

roubam a cultura indígena para obter grandes benefícios. A rejeição de qualquer

pesquisa se fundamenta, em parte, nessa idéia. Ao longo das reuniões, esse foi um tema

presente, não tanto no que era dito, quanto no que não era dito, e no controle por parte

dos líderes do que não devia ser dito ou traduzido. Prevalece aqui a idéia de “segredo”,

que pode atingir qualquer tipo de informação.

A questão da medicina tradicional deve, portanto, ser enquadrada dentro de essa

preocupação geral pela preservação e o resgate. Em geral, quando se fala em “medicina

tradicional”, as pessoas se referem em primeira instância às plantas medicinais.

Também a prática do pajé é incluída dentro da categoria.

Em relação às plantas e remédios tradicionais, podemos dizer que esse foi um

dos elementos de interesse das reuniões para os participantes. Em vários momentos, a

reunião era tomada por um intercâmbio de receitas e informações referentes às plantas

medicinais. Em todas as reuniões, os visitantes saíram da aldeia levando, não apenas

novas informações, mas mudas de plantas que não conheciam ou não existiam em suas

comunidades. Embora houvesse certa intenção de nos ocultar esse tráfego às técnicas

brancas – precisamente por esse medo a desvelar segredos que devem permanecer

ocultos –, foi evidente o que estava acontecendo e, posteriormente, nos foi comentado

pelas integrantes da Sitoakore.

Outro aspecto que cabe ressaltar é que, embora os profissionais de saúde tenham

a impressão generalizada de que os grupos indígenas da região estão abandonando o uso

das medicinas tradicionais e usando de forma desmedida os remédios da farmácia, a

nossa impressão é que combinam as duas possibilidades terapêuticas conforme a sua

própria lógica. Em ocasiões, o remédio do mato é considerado uma alternativa aos

remédios da farmácia quando estes não estão disponíveis, e, em outras, os

medicamentos da farmácia são usados se o remédio tradicional não funcionou:

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Aqui é muita fartura de doença de estômago. Se não trata com remédio da farmácia, se não tem, eu vou procurar remédio do mato, porque eu conheço, que o pai ensinava desde que era pequena. O pessoal dessa comunidade tem conhecimento de remédio tradicional. Se é coisa de doença grave mesmo, eu não posso encaminhar com remédio mesmo, não, aí eu chamo o papai, o papai pergunta como está o paciente doente. Se não melhorar também, ninguém soluciona, só Deus que sabe (Vitória Jaminawa, AIS de Kaiapucá, 6ª reunião, aldeia Kaiapucá).

Na minha aldeia, quando indígena adoece, primeiro o pajé cura, a partir do pajé curar, receita remédio que pode curar essa doença: pipioca, gengibre, pau de porquinho, casca de uxi, casca de jatobá, casca de enjico, conforme a doença. Nossa aldeia nós usamos a medicina tradicional. Se não der jeito, a gente vai para a cidade, para o posto, para o médico e faz consulta. Nós indígena da região da T.I. Agua Preta/Inari usamos dessa maneira, estamos dando continuidade (participante da 4ª reunião, aldeia Nova Vista).

Mencionaram, inclusive, plantas que levam o nome de medicamentos, como

“anadol’. No seguinte depoimento, D. Onda especifica vários remédios que prepara à

base de plantas comuns para tratar diversos problemas que podem afetar a grávidas e

parturientes, como dores durante o parto, hemorragias o mesmo abortos naturais:

Eu faço como D. Lunga, faço caldo de caridade com óleo. Para a dor eu faço chá de alfavaca com chicória; para hemorragia eu faço chá do relógio, carocinho do relógio. Para segurar menino, três meninos eu segurei. Aquela mulher sempre perdia, ela ia no hospital fazer coletagem. Dei chá de couve para ela, daí de para lá, ela segurou tudinho. Quando a mulher está para ganhar, ela não quer comer, faço um caldo com ovos, com manteiga. Quando ela fica sentindo dor de mulher, faz chá de dor de mulher, chá de planta, anadol, chá de sivalena, para parar a dor. A gente pode dar um comprimido de anadol, agora, não tendo anadol mesmo, a gente faz anadol de planta. Também para quando está perdendo sangue (Dona Honda, 5ª reunião, aldeia Camicuã).

Como mostram esses depoimentos, o remédio da farmácia é integrado dentro de

um conjunto de opções terapêuticas como uma alternativa mais que pode ser usada em

combinação com outras “tradicionais”, em função dos resultados que cada uma tenha, e

dos recursos disponíveis. Os participantes insistem que a questão não é tanto a falta de

conhecimento sobre plantas medicinais, mas a preferência por um ou outro em função

de diversos fatores e considerações:

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O AIS já tem o remédio feitinho, e vão pedir para ele, mas as pessoas têm preguiça de preparar, todo o mundo sabe, mas tem preguiça de fazer. Eu sei vários remédios para tos, para diarréia. (Dada, 4ª reunião, aldeia Nova Vista)

Em relação à medicina tradicional ainda, podemos comentar o posicionamento

dos profissionais de saúde. Já registramos no item 6.1.1. que existe a percepção de que

os indígenas não usam mais a medicina tradicional são muito dependentes dos

medicamentos da farmácia. Essa é uma opinião generalizada entre os profissionais com

os quais conversamos. Existe também a idéia de que o incentivo à medicina

“tradicional” ajudaria a reduzir o abuso de medicamentos. Alguns deles explicam que

tiveram iniciativas para incentivar seu uso, receitando remédios naturais, mas os

indígenas não os aceitaram. O médico de Boca do Acre foi além: está coletando

informações e receitas de remédios naturais para ensinar os Jamamadi de Santo Antônio

a prepará-las.

É interessante ressaltar uma questão: existe um entendimento particular do que

seja “medicina tradicional”. Porém, ela não é simplesmente o preparado de remédios à

base de plantas. Muitos grupos indígenas usam plantas como técnica curativa, mas os

conceitos sobre doença e cura, sobre os efeitos esperados do remédio, que estão por trás

desses usos são muito diferentes dos que um profissional de saúde lhes atribui em

função da concepção biomédica sobre as propriedades curativas das plantas. Em outras

palavras – e sem que isto tenha por objetivo negar sua conveniência, já que pode,

efetivamente, ter como resultado a diminuição do consumo de medicamentos -, o que

fazem essas iniciativas é mais introduzir novas opções terapêuticas, do que incentivar a

medicina tradicional.

Por último, gostaríamos de registrar as propostas para incentivar a medicina

tradicional que surgiram nas reuniões.

• Acima já foi colocado o comentário de Sucuna (5ª reunião) para construir

uma casa das parteiras onde fossem guardados, entre outras coisas,

preparados de remédios tradicionais para ser usados no momento necessário.

• Na 4ª reunião foi proposta a criação de viveiros de plantas medicinais

conhecidas pelo grupo, para evitar sua perda e incentivar seu uso.

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• Também na 4ª reunião foi proposto um projeto para incentivar a formação de

pajés, que consistiria em obter recursos para que os jovens de aquelas aldeias

apurinã onde não existem mais pajés pudessem passar o tempo necessário

nas aldeias onde moram os pajés para aprender com eles. Restabelecer-se-ia

assim a cadeia de transmissão de conhecimentos.

6.3. Relação entre parteira, AIS e pajé.

Dado que um dos objetivos do projeto é refletir sobre a possibilidade de

articulação de sistemas entre o sistema público de saúde e os sistemas etno-médicos

indígenas, especialmente no que se refere ao processo de gravidez, parto e pós-parto, é

interessante tratar a relação entre os representantes desses sistemas etno-médicos e os

representantes nas aldeias do sistema oficial de saúde, o AIS. Passaremos, a seguir, a

comentar essas relações a partir dos depoimentos dos participantes nas reuniões.

6.3.1. Sistemas xamânicos

Não existe espaço nesse

relatório para fazer uma

descrição dos sistemas

xamânicos dos grupos

envolvidos no projeto. Faremos

apenas algumas considerações

de caráter geral que ajudem ao

leitor leigo a situar os

comentários posteriores.

Em primeiro lugar,

partimos de uma definição

ampla de xamanismo, não reduzindo-o a um conjunto de práticas específicas, mas

entendendo-o como um marco cosmológico e conceitual que extrapola essas práticas

(Langdon 1996). Essa definição abre a possibilidade para entender que é possível a

existência de xamanismo sem que, necessariamente, existam pajés (Brunelli 1996). Isto

é, em muitas das sociedades que, por diversas circunstâncias histórias entre as quais

Ilustração 27: Pajé jamamadi junto à coordenadora daSitoaköre

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destaca a repressão cultural e social da sociedade envolvente, já não contam com a

presença de xamãs entre seus membros, continua existindo uma forma de entender o

mundo (a doença, a cura, a cosmologia, a relação com o entorno natural, com os

antepassados, etc.) que podemos caracterizar claramente como xamânica.

Um segundo aspecto que gostaria de destacar é que, em muitas sociedades a

prática xamânica não era prerrogativa de um especialista específico, mas estava

generalizada entre os homens, já que em grande medida era necessária para cumprir as

tarefas sociais (cuidar dos parentes, por exemplo) e produtivas (caçar) próprias do

gênero masculino. Os Kulina e os Jaminawa são bons exemplos.

Embora o conceito de “xamanismo” nos permita realizar comparações

elucidativas, ele encobre uma grande diversidade de práticas e cosmologias, e a clareza

dessa diversidade deve estar sempre presente quando tratamos com um conjunto tão

amplo de grupos.

Apesar de que muitos profissionais de

saúde enfatizaram que a pajelança64 está em

decadência na região, em duas das reuniões

foi possível observar que isto não é

necessariamente assim. Especialmente na

aldeia de Nova Vista, onde moram três pajés,

a prática era muito visível e cotidiana.

Durante os dias que permanecemos na aldeia,

era possível escutar à noite as ações de cura

dos pajés, que consistem, fundamentalmente,

em extrair por meio da sucção o objeto

patogênico alojado no corpo do paciente. O

poder do pajé apurinã (meẽtu) (Schiel 2004)

se sustenta na aquisição de umas pedras,

chamadas arabani, que estão alojadas no seu próprio corpo. O pajé pode extrair e

64 Estamos usando pajelança, termo de origem tupi usado, entre outras, na região abrangida pelo projeto, como sinônimo de xamanismo.

Ilustração 28: Seu Euclides, um dos pajés deNova Vista, 4ª reunião

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introduzir essas pedras à vontade, e, da mesma forma que é capaz de extrair o objeto

patogênico do corpo do paciente, tem também a capacidade de enviar os arabani contra

alguém que o tenha ofendido e provocá-lhe uma doença ou a morte. Os arabani também

podem passar para outra pessoa por acidente, sem uma ação intencional do pajé, por

exemplo, através do suor. Por isso, os pajés se mostram reservados e cuidadosos nas

suas relações com os outros. Os arabani, segundo me contaram algumas pessoas em

Nova Vista, são adquiridos por duas vias paralelas que formam parte do processo de

formação do pajé: são dados por outro pajé; ou adquiridos por meio da ingestão de

várias substâncias, entre as quais destacam uma folha chamada katsowaru (Schiel 2004)

e um rapé feito de umas folhas distintas do tabaco. Na aldeia, era possível ver não

apenas os pajés, mas também outros jovens, consumindo rapé. Explicam que muitos

homens velhos têm arabani nos seus corpos, já que os passam uns aos outros, mas para

poder controlá-los é necessário cumprir um período de dieta e isolamento rigorosos.

Também os pajés kulina (dzupinahe) podem curar por meio da sucção. A

substância patogênica por excelência é chamada dori. Mas a cura não é a única

capacidade do xamã kulina. Além de detectar, diagnosticar e curar as doenças, eles

desenvolvem a capacidade de ver os movimentos dos animais durante os sonhos e

chamar aqueles que moram no subsolo, facilitando assim a caça, e dirigem os rituais de

nascimento e morte para proteger a comunidade de diversos perigos.

O processo de se tornar xamã, que todos os jovens devem assumir, consiste na

acumulação de dori no seu corpo por meio, fundamentalmente de dietas, isolamento e

consumo de rapé de tabaco (Pollock 1992). Os xamãs kulina são considerados muito

poderosos e temidos como feiticeiros pelos grupos vizinhos.

Embora os pajés jaminawa (kuxuitia) consumam também tabaco, mas se

poderia dizer que sua prática está fundamentalmente associada à ayahuasca, substância

que produz um estado alterado de consciência e esta muito difundid na região do oeste

da Amazônia, tanto entre as populações indígenas quanto entre as não-indígenas. O

processo de aquisição de poder consiste também num conjunto de dietas rigorosas,

ingestão continuada de substâncias xamânicas e provas como suportar as ferradas de

diversos insetos, mas o xamã jaminawa não cura por meio da sucção, senão por meio de

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cantos através dos quais consegue manipular a realidade (Pérez Gil 2006; Townsley

1993).

Ilustração 29: Pajés Jaminawa, 6ª reunião

Sobre a pajelança jamamadi não obtivemos muitas informações, mas sabemos

que esse povo é temido por seus vizinhos pelo poder dos seus pajés.

Na região de Pauini, existem ainda vários pajés apurinã, embora não em todas as

aldeias. Entretanto, na região de Boca do Acre, as pessoas insistem em que já não

existem mais. Contudo, a importância simbólica da pajelança enquanto elemento

essencial das culturas indígenas continua muito presente, e provavelmente tem

adquirido maior relevância a partir do desenvolvimento dos processos de revitalização

cultural.

6.3.2. A parteira e o pajé

Diferentemente do que aconteceu ns reuniões da primeira etapa do projeto onde

os pajés tiveram uma participação significativa, nessa etapa houve menor número de

pajés participando nas reuniões, e os que participaram, se mostraram reservados, o qual

é considerada uma característica dos pajés.

Na maior parte dos casos, sabemos que os pajés colaboram com as parteiras no

sentido de que constituem uma opção terapêutica quando o parto apresenta problemas

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sérios de hemorragia, por exemplo. Em relação aos Yaminawa, por exemplo, Townsley

registra um canto entoado pelo xamã para tratar uma mulher que depois do parto

continuava sofrendo uma forte hemorragia. Através de metáforas complexas e alusões

míticas o xamã, sob os efeitos da ayahuasca, manipula as qualidades dos elementos

obter controle sobre eles. No caso mencionado, a hemorragia é assimilada à cor

vermelha do sol: da mesma forma que o céu vermelho do por do sol vai se

desmanchando com a chegada da noite, assim mesmo sumirá a hemorragia (Townsley

1988).

Os Jaminawa do Kaiapucá explicam que a parteira recorre ao pajé quando a

parturiente apresenta problemas graves, e também para que faça um tratamento de

proteção para a grávida caso tenha de ser encaminhada para a cidade:

Nós é difícil ir para a cidade. Às vezes precisa, e vai na cidade. (traduzido): Geralmente elas têm acompanhado alguma gravidez das mulheres na cidade, mas muitas vezes ela fica só porque o AIS está ausente. Quando isso acontece, ela procura o pajé, e ele resolve na cidade. Muitas vezes a mulher é encaminhada para a cidade, mas antes é feito alguns processos. Primeiro o pajé faz bebida tradicional65 para que ela possa se manter mais forte para fazer a viagem a cidade, para que ela não tenha problemas na gravidez durante a cidade. O pajé faz tratamento primeiro antes de encaminhar. Quando o AIS está presente, fazem reunião entre eles para ver a solução. Quando eles vêem que não tem solução, eles procuram os médicos da cidade (Alice, traduzido por Aderaldo, 6ª reunião, aldeia Kaiapucá).

Que o pajé continua tendo uma importância grande para os Jaminawa foi

demonstrado por um acontecimento que ocorreu em Sena Madureira quando estávamos

organizando a reunião. Uma jovem jaminawa que mora na cidade estava grávida de oito

meses e teve uma pré-eclampsia66. Sua situação foi muito grave, chegando a estar à

beira da morte e sendo necessário fazer uma cesariana. Apesar da explicação dos

médicos, seu pai, um líder jaminawa, não parecia muito confiante no diagnóstico, assim

que mandou chamar um pajé da aldeia para que tratasse sua filha. Sua preocupação era

se iriam deixar entrar o pajé no hospital e fazer lá o tratamento. Não era esta a primeira

65 Pelo que sabemos sobre os Yaminawa, o mais provável e que se esteja referindo à caiçuma rezada, ou seja, a bebida fermentada de mandioca “rezada” pelo pajé e posteriormente ingerida pelo paciente. A reza do pajé é creditada proporcionar à bebida qualidades curativas e protetoras. 66 Problema que pode acontecer durante a gravidez e está diretamente relacionado com a hipertensão.

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vez que um jaminawa chamava um pajé para tratar de algum doente internado no

hospital. Uma enfermeira do pólo narrou um caso em que os pais de uma criança com

pneumonia grave chamaram também um curador, e o conflito que o fato de ter deixado

os pais levarem a criança ao curandeiro lhe ocasionou com os médicos. Como veremos,

a permissão aos pajés para fazerem seus tratamentos no hospital quando necessário é

uma das reivindicações dos Jaminawa.

Entre os Kulina, o xamã, além de intervir quando a parturiente apresenta algum

problema durante o trabalho de parto, desempenha um papel fundamental na hora do

nascimento de uma criança, já que com os cantos que entoa o protege dos efeitos

daninhos que a substância epetuka’i presente na carne dos animais pode produzi-lhe se

seus progenitores não cumprem os tabus alimentares adequados, e que constitui a

principal causa atribuída às doenças que afetam crianças de curta idade.

Quando nasce uma criança, o xamã/chefe da aldeia dirige as mulheres numa série de cantos entoados à noite, tanto durante o parto quanto imediatamente após o nascimento. Os cantos se referem aos diferentes tokorime (espíritos) que são convidados para demonstrar que não supõem nenhuma ameaça de feitiçaria para a criança, e para serem testemunhas de que a criança não possui dori que possa prejudicar os outros. O feto, e, portanto, também o recém-nascido, está completamente formado pelo sêmen do pai, que está associado ao dori [...] A falta de alma expõe a criança aos perigos de epetuka’i, a influência danosa dos pais que não observam os tabus alimentares adequados [...] Os cantos entoados pelos xamãs com ocasião do nascimento de uma criança o protegem de tais influências [...] (Pollock 1992: 36).

Uma parteira apurinã também pode recorrer ao pajé se a parturiente apresenta

problemas que ela não consegue solucionar. Porém, essa situação representa um risco

para o pajé porque o sangue do parto afeta negativamente seu poder, já que, como

acontece em muitos outros povos amazônicos, o sangue relacionado com o ciclo

reprodutivo feminino é considerado muito prejudicial para o poder xamânico (Belaúnde

2005).

Quando vou assistir com a mulher, quem ajuda mais é AIS, sempre trabalhando em parceria. Agora, os pajés não podem acompanhar a gente embaixo do mosquiteiro, sempre o parto é embaixo do mosquiteiro. No parto a mulher sangra muito, isso eles não podem estar junto. Se a mulher estiver menstruada, ele não para, porque ele fica fraco, mas ele ensina qualquer

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remédio, de lá fora onde ele está ele está vendo como está passando ali dentro (Lucila, parteira, 4ª reunião, aldeia Nova Vista).

Quando a mulher está sofrendo, não podemos chegar perto, depois de dezesseis, quinze dias, se a criança tiver algum problema, nós podemos fazer alguma coisa, curar, mas quando a mulher está sofrendo, nós não podemos chegar perto, então cai a nossa produção. Nosso conhecimento é assim (Sr. Manel, pajé, 4ª reunião, aldeia Nova Vista).

Esses depoimentos explicam o perigo que supõe para o pajé chegar perto de uma

parturiente, mas o Sr. Euclides detalha qual pode ser a contribuição do pajé nessas

circunstâncias. Embora ela fique de fora do mosquiteiro para não entrar em contato com

o sangue do parto, ele vai indicando quais remédios podem ser aplicados para

solucionar os problemas que se apresentam:

Quando meu avô era vivo, o direito de acompanhar a minha mulher quando ganha nenê, pajé tem que estar na hora, só não pode entrar dentro, acompanhar, acompanha mesmo, se tem algum problema, a parteira chama, e ele vai dizendo de fora, remédio que tem, a gente tem que ensinar, as ervas, como ela tem que fazer, com remédio de repente a mulher ganha nenê (Seu Euclides, pajé, 4ª reunião, aldeia Nova Vista).

Também entre os Kaxarari o pajé ajuda a parteira rezando quando a parturiente

está tendo um parto difícil. O interessante do caso kaxarari é que, mesmo nas aldeias

onde já não existem mais pajés, algumas pessoas, como Dona Maria, aprenderam

algumas técnicas:

AIS, parteira e pajé sempre trabalham junto. Os três trabalham na saúde. Os pajés são chamados no último ponto. Papai, quando a gente estava muito aperreado, a gente ia lá. Ele fazia todo tipo de reza e cantava para a mulher ganhar. Eu não aprendi essas músicas, mas a D. Maria sabe, e a gente vai aprender com ela. Isso nunca vai acabar para nós (Marisina Kaxarari, 6ª reunião, aldeia Kaiapucá).

Meu pai sabe também que ele é pajé, ele é curador, ele curava o pessoal quando doente, naquele tempo que não tinha remédio, meu pai me curava. Quando a mulher estava sofrendo, ele ajudava a rezar para ganhar normal. Aí também, minha mãe sabe também, eu aprendi, quando a mulher está sofrendo muito, eu canto (Dona Maria Kaxarari, 6ª reunião, aldeia Kaiapucá).

Por último, falta apenas comentar que além dos pajés propriamente ditos, entre

os Apurinã existem também as figuras dos rezadores, que têm mais a ver com a tradição

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dos não-indígenas. Estas figuras têm um papel importante na cura de doenças que

afetam a crianças pequenas, especialmente aquelas classificadas como “mal de criança”

ou “quebranto”, categorias que não parecem ter uma sintomatologia muito definida, mas

que provavelmente incluem entre outras doenças o tétano. Segundo as pessoas que

comentaram a questão, nem os pajés nem os médicos podem tratar essas doenças;

apenas o rezador é capaz de fazer o tratamento adequado.

6.3.3. A parteira e o AIS.

Os comentários referentes à

colaboração entre a parteira e o pajé foram

similares em todas as reuniões. Existiam

diferenças entre as diversas comunidades

representadas quanto ao fato dessa

colaboração já ter sido estabelecida ou não. O

que se discutiu foi, essencialmente, quais

eram os aspectos em que as parteiras e os AIS

podiam colaborar. As mulheres deixam muito

claro que o AIS homens não podem estar

presentes na hora do parto: a parturiente não

vai aceitar ser vista nesse estado por um

homem que não seja seu próprio marido.

Entretanto, nos casos onde o AIS é uma mulher, a colaboração com a parteira é estreita

mesmo na hora do parto. Cabe destacar que, em todos os casos que encontramos, a AIS

tinha uma relação de parentesco próxima com a parteira: em dois casos AIS e parteira

eram irmãs (aldeia Kaiapucá, aldeia Jagunço II), e em outro eram mãe e filha (aldeia

Guajarrahã). Nesses casos pode acontecer que a própria AIS atue eventualmente como

acompanhante da parteira.

Vários pontos foram levantados em relação à colaboração entre a parteira e o

AIS. Em alguns casos, se trata de ações que já estão sendo realizadas dentro de algumas

comunidades; em outros, são propostas surgidas e discutidas durante as reuniões, por

meio das quais se pretende melhorar a colaboração entre ambos, já que todo mundo

Ilustração 30: Neusa (parteira) e seu maridoLauro (AIS) durante a 6ª reunião.

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concorda em que é importante. Nesse sentido, foi interessante perceber que as

experiências de alguns participantes eram levadas em conta por outros, que

explicitavam sua intenção de realizá-las em suas comunidades.

Um dos aspectos em que o AIS e a parteira colaboram é na aproximação às

grávidas. Uma das funções do AIS é fazer o seguimento das grávidas dentro das aldeias

para fornecer os dados às EMSI e se assegurar de que estão fazendo o pré-natal, e

registrar qualquer problema que a grávida esteja sentindo para, em caso de necessidade,

encaminhá-la para a cidade. Porém, muitas vezes as mulheres sentem vergonha de falar

com o AIS sobre questões relacionadas com a gravidez. É interessante notar a esse

respeito que dentro das comunidades, quase todas as pessoas são parentes. A jocosidade

e o sentimento de vergonha caracterizam certos tipos de relações de parentesco67. Nesse

sentido, a parteira tem um papel importante como intermediária entre o AIS e as

grávidas. Os AIS que participaram na reunião de Nova Vista comentam as melhorias

que trouxe a nomeação de uma parteira oficial dentro da comunidade:

Acho que melhorou muito a situação da parteira e também da minha parte, porque quando era só eu como AIS que trabalhava na aldeia, tinha dificuldade de chegar, conversar da grávida, perguntar alguma coisa, eu tinha essa dificuldade com a mulher. Agora que ela, a Neuza, recebeu esse curso, me ajudou muito, além de mim, ela orienta a grávida. Agora estamos trabalhando em parceria, que um ajuda muito o outro. (AIS da aldeia Nova Esperança, 4ª reunião, aldeia Nova Vista).

Já tenho tempo trabalhando como AIS. Antes não tinha parteira, depois desse curso que começou a ter parteira nas aldeias. Ela que traz as informações para mim, a gente trabalha com cadastro, eu vou perguntando para ela quantas gestantes tem, se tem algum problema, eu anotando isso que é a produção do AIS, e a produção dela. A gente tem que prestar conta. A gente tem uma dificuldade de chegar a uma mulher e perguntar se está gestante. Às vezes o marido pode achar ruim, agora não, vou diretamente com a parteira, e ela me diz quantas, com quantos meses. Depois na hora do parto a gente vai lá e registra. E com o pajé, eu trabalho diariamente com ele, de acordo com o que ele diz, a gente encaminha ou não. Eu espero primeiro por eles. Se eles não resolvem, a

67 Na maior parte dos grupos que estamos considerando, o casamento e as relações de caráter sexual, por exemplo, se dão, preferencialmente, entre primos cruzados (filhos de irmãos de diferente sexo). Os primos cruzados de diferentes sexos mantêm entre si uma relação marcada pela jocosidade e a potencialidade da relação sexual, seja ou não consumada. Isso torna impensável para uma mulher falar com um primo cruzado sobre seu estado de gravidez, mesmo que ele seja AIS.

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gente encaminha para Pauini, se resolvem, já não tenho minha responsabilidade. (Juvenil, AIS da aldeia Nova Vista, 4ª reunião, aldeia Nova Vista).

Por sua parte, o AIS da aldeia Camicuã comenta que, até o momento, a

colaboração entre eles e as parteiras tem sido limitada, mas, escutando seus parentes, se

propõe a emendar essa situação. Explica, ainda, que a comunidade escolheu uma AIS

mulher precisamente para poder atuar como intermediária com as mulheres.

Ainda as parteiras não me procuraram, na hora que elas me procurar, para pesar, medir, eu vou ajudar, mas até agora não me procuraram (Sr. José, AIS de Camicuã, 5ª reunião, Aldeia Camicuã).

Para as parteiras, a colaboração do AIS é fundamental em três aspectos. Em

primeiro lugar, no registro das crianças quando nascem. A maior parte delas,

especialmente as que não são novas, não sabe ler e escrever. Uma de suas funções,

especialmente a partir do momento em que são oficialmente designadas e reconhecidas

pelo pólo, é registrar o nascimento das crianças, e fazer algumas medições, como pesar

ou medir a cabeça. Muitas delas não sabem realizar essas tarefas, de forma que precisam

a ajuda do AIS ou de alguma outra pessoa que saiba ler e escrever, normalmente seus

filhos:

Na minha aldeia não tem pajé, quando a gente estava na aldeia do meu sogro, tinha pajé, mas ele morreu. Agora tem AIS, quando ele não está em casa, eu fico, quando a mulher ganha nenê, eu peço meus filhos para anotar. Eu mando logo pesar, depois dá para o AIS. O AIS não ajuda quando não está, mas quando está ele ajuda. Se a mulher passa mal, ele acompanha (D. Corina, parteira apurinã, 4ª reunião, aldeia Nova Vista).

Outras parteiras comentam que o AIS precisa estar perto, mesmo que não

presente, quando está acontecendo um parto para poder realizar com presteza o

encaminhamento em caso de que haja uma complicação inesperada.

AIS é junto com nós, na hora que vai ganhar ele fica junto, se nascer a criança ele pesa; se não ganhar, passa dois, três dias sofrendo, ele manda para a cidade (D. Rita Kaxarari, 6ª reunião, aldeia Kaiapucá).

Por último, a comunicação e o repasse de informações entre o AIS e a parteira

deve ser fluída para organizar o encaminhamento das grávidas quando necessário.

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Quando as mulheres fazem avaliação e vêem que tem possibilidade de fazer o parto, o fazem na comunidade, caso contrário pedem apoio ao AIS para encaminhar a paciente para a cidade. Quando é feito parto na comunidade, o AIS está por perto, elas só solicitam a participação do pajé quando o paciente está muito ruim. Quando a mulher está passando mal, os dois conjunto solicitam a presença do pajé. Mas normalmente é só a parteira. Muitas vezes a mulher não é levada para a cidade porque o pajé se responsabiliza da situação (Angélica Jaminawa, traduzido por Aderaldo, 6ª reunião, aldeia Kaiapucá).

6.4. Parto na aldeia/parto no hospital

Entre os objetivos do projeto destacam 1) a valorização do trabalho dos

detentores de saberes da medicina tradicional indígena, como são as parteiras e os pajés

e 2) a obtenção de um conjunto de conhecimentos e informações que subsidiem

propostas de ações, visando a articulação do sistema médico nativo e o sistema

biomédico. Algumas das informações relevantes para avaliar o primeiro ponto e

alcançar o segundo são, em primeiro lugar, dados que indiquem a porcentagem de

mulheres indígenas que estão recorrendo às parteiras das aldeias para que as assistam no

parto, e a de mulheres que estão preferindo usar os serviços públicos de saúde; e, em

segundo lugar, as razões que as levam a fazer uma escolha ou outra.

Já apresentamos no item 6.1. dados referentes à utilização dos serviços públicos

de saúde em relação ao parto por parte das mulheres de algumas etnias. Esses dados

fornecem um panorama da porcentagem de partos realizados nas aldeias e partos

realizados nos estabelecimentos do SUS, atualmente, entre algumas das etnias

consideradas68. Na presente seção, apresentaremos e analisaremos os depoimentos dos

participantes das reuniões e dos profissionais de saúde em relação a essa questão. Trata-

se aqui de apontar certos aspectos do itinerário terapêutico das grávidas, mesmo que

para um aprofundamento do mesmo seria necessário realizar trabalho de campo dentro

das aldeias. O discernimento dos critérios que usam para escolher uma alternativa ou

outra nos dá subsídios para tratar duas questões importantes:

1) Como mencionamos anteriormente, os profissionais de vários pólos-base

comentam – e os dados mostram -, que entre alguns povos se percebe, nos últimos

tempos, uma maior afluência das grávidas para dar à luz no hospital. O

68 Já mencionamos que, infelizmente, nem todos os pólos-base estão atentos ao registro desses dados.

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encaminhamento se justifica quando se detecta que o parto pode apresentar

problemas. Entretanto, a ida das grávidas para a cidade em condições normais

implica alguns problemas, como o risco envolvido na própria viagem, ou a falta de

recursos para se manterem na cidade. Além disso, esse comportamento sistemático

pode estar envolvendo uma desvalorização dos recursos terapêuticos que existem

dentro da própria aldeia, e para os objetivos do projeto resulta vital entender por que

isso acontece. Cabe mencionar, ainda, um aspecto que já comentamos no primeiro

relatório etnográfico: existe um discurso claro e unânime entre as participantes

indígenas sobre as vantagens que o parto na aldeia representa frente ao parto no

hospital. Frente à humanidade do parto na aldeia, o parto no hospital é descrito como

desumanizado. Levando em conta que está aumentando o número de mulheres

indígenas que escolhem dar à luz no hospital, nos defrontamos ante uma contradição

entre o discurso e o comportamento.

2) Dado que um dos objetivos da FUNASA é fornecer um atendimento de saúde

diferenciado à população indígena, é necessário saber em quais pontos o

atendimento no hospital é problemático para elas, para poder propor mudanças que

permitam melhorá-lo, articulando assim o sistema biomédico e o sistema nativo

relativo ao parto.

6.4.1. Comparação entre o parto na aldeia e o parto no hospital

Iniciaremos esta reflexão descrevendo a comparação entre ambos os tipos de

parto, que foi similar nas três reuniões. Em geral, se considera que o parto na aldeia é

melhor porque no hospital as mulheres não são bem tratadas. Enquanto na aldeia

contam com os cuidados e o carinho dos seus familiares, no hospital, segundo os

depoimentos das participantes, são deixadas sozinhas no quarto, sofrendo, até que a

criança começa a sair. Uma das principais reclamações é que nos hospitais e

maternidades não deixam nenhum parente ou parteira ficar acompanhando e cuidando

da parturiente, mas, ao mesmo tempo, as enfermeiras não dão a atenção considerada

adequada pelas mulheres indígenas.

Na aldeia a gente tem mais carinho do que na cidade, tem o carinho das parentes. No hospital eles não querem que fiquem pessoas com a grávida, a deixam sozinha, e por isso muitas mulheres não querem. Na aldeia a gente faz o

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remédio, faz tudo para elas (Lucila, parteira apurinã, 4ª reunião, aldeia Nova Vista).

É importante a gente acompanhar a grávida no hospital, porque a gente sabe que as enfermeiras não vão cuidar bem dela, como a gente cuida. Elas ficam sozinhas dentro daqueles quartos. Muitas vezes elas ganham sozinhas, lá encima da cama, não as levam nem para a sala de parto. Elas ficam com medo de ir para o hospital. A gente não acompanha elas, elas não deixam a gente entrar, então elas ficam com medo de ir para o hospital que não querem ficar sozinhas, aí elas preferem ficar na aldeia (Caci, 5ª reunião, Aldeia Camicuã).

Às vezes, o atendimento fornecido no hospital não é apenas pouco atencioso,

mas absolutamente inadequado.

Para mim elas não concordavam não, mas desde que uma vez eu levei uma mulher para ganhar no hospital, quando eu cheguei não deixaram eu ficar com ela. Eu fui. Quando eu voltei de manhã, ela estava caída entre a cama e a parede de cabeça para baixo, toda babada, quando eu cheguei eu falei: “vocês vão me pagar, eu quis ficar com a mulher e vocês não me deixaram, eu vou denunciar vocês”, chega lá “Dona Onda não faça isso, a gente não sabia que ia acontecer isso”. Elas não concordam que ninguém fique não. (D. Onda. 5ª reunião, Aldeia Camicuã).

Outro aspecto comentado a esse respeito é que depois do parto, a mulher deve

sair logo do hospital, o qual é considerado pelos indígenas como prejudicial para a

saúde da mulher, que após ganhar nenê deve ficar fazendo resguardo:

Quando a gente vê que a criança está normal, aí tem em casa mesmo, mas quando está sofrendo um dia, dois dias, tem que vir no hospital. Fica melhor para a gente cuidar da paciente em casa. No hospital tem que sair logo, em casa não tem esse costume, quando ganha não pode sair para o tempo. Na aldeia, quem faz as coisas é eu mesmo. Na cidade é mais diferente. Ganhou, já está bom. Lá em casa não sai para o tempo, no hospital sai, aí dá problema, dá dor de cabeça, dá mais problema. (D. Raimunda, 5ª reunião, Aldeia Camicuã).

Igualmente, o tratamento dado à criança choca com as concepções indígenas

sobre como as coisas devem ser feitas.

Na cidade não presta, ninguém não liga não, parteira tem cuidado: “aonde é a dor?”, “aqui”, aí a gente esfrega, “aqui dói”, a gente esfrega. Na cidade ninguém liga, fica conversando. Por isso ninguém quer ganhar na cidade, só uma vez minha nora porque tinha que assinar os papéis dela que é professora e ganhou, mas ninguém quer. Só quer quando é preciso que tem perigo, mas se não, ninguém quer. Na aldeia tu toma um chazinho; na cidade bichinho nasce, pendura, fica pendurado cabeça para baixo, nós não, a gente tem paciência,

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limpamos com cuidadinho, se está ficando roxinho tem que chupar o nariz dele, mas branco na cidade não, ninguém não chupa o nariz. Na cidade pega de mau jeito. Na aldeia é melhor que tem cuidado. Meu povo ninguém não quer ganhar na cidade (Dona Corina, parteira, 4ª reunião, aldeia Nova Vista).

Outras razões alegadas pelas participantes nas reuniões se referem ao tratamento

que o corpo da mulher recebe no hospital. Em primeiro lugar, as mulheres se sentem

horrorizadas ante a prática da episiotomia69 própria do parto hospitalar. Segundo elas, as

parteiras não precisam fazer esse corte. Em segundo lugar, as mulheres jaminawa70

expressam seu incômodo ante o fato de serem obrigadas no hospital a dar à luz deitadas

em vez de ficar de cócoras71. Essa postura não apenas é considerada inadequada para o

parto, mas gera um sentimento de vergonha nas mulheres porque expõe, aos olhos dos

outros, partes íntimas dos seus corpos.

Elas têm vergonha das partes íntimas delas. Elas não gostam de ganhar nenê na frente de todo o mundo, e menos ganhar nenê deitado. Sempre elas querem ganhar em pé. Então essas são as desvantagens na cidade (Angélica, traduzido por Aderaldo, 6ª reunião, aldeia Kaiapucá).

Outras reclamações feitas se referem à inadequação de alimento fornecido à

parturiente no hospital – já vimos que o controle alimentar no pós-parto, conforme as

concepções indígenas, é importante para manter a saúde da criança e da mãe e para que

os peitos dela produzam leite -; e ao fato de impedir que a parturiente coma alguma

coisa antes do parto. Para as indígenas isso é necessário porque ela vai precisar de força

e resistência para enfrentá-lo.

De forma geral, quando as mulheres vão dar à luz no hospital devem se adaptar

às formas das enfermeiras e médicos, renunciando a suas próprias práticas. É por causa

disso que, algumas mulheres, como as Kulina, se resistem a recorrer aos serviços do

hospital, mesmo conscientes dos riscos implicados quando permanecem na aldeia :

69 Corte na mucosa vaginal e os músculos superficiais do períneo, a fim de aumentar o orifício da vulva e facilitar a expulsão do feto no momento do parto. 70 Lembremos que no caso de outras etnias, como os Apurinã, os parto não é de cócoras, mas deitado, de forma que a questão da postura do parto não é uma reclamação tão importante. 71 Belaúnde registra o mesmo tipo de reclamação entre as mulheres Yine do Peru: “uma das principais razões pelas quais as mulheres yine rejeitam ser atendidas pelos profissionais médicos, é porque não lhes é permitido ficar em pé. “A enfermeira me disse que ficara deitada na cama”, explicou-me uma mulher, “mas eu não podia ficar aí. Sentia um peso no peito e estava desesperada por ficar em pé. A enfermeira me disse “bota força, bota força”, mas como poderia eu fazer força estando deitada sobre as minhas costas?”. Original em espanhol, tradução nossa.

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Eles não vêm para a cidade para ganhar nenê. Acontecem algumas mortes quando tem um parto é perigoso porque não tem transporte para trazer a grávida na cidade, mas elas também preferem ser na aldeia porque o parto é totalmente na tradição (Teresina Kulina, traduzido por Letícia, 6ª reunião, aldeia Kaiapucá).

Maria também não gosta de vir para a cidade, porque já é costume tradição da mãe, da avó. Sempre tem parto tradicional. Quando vêem para a cidade, o doutor não gosta, fala, eles ficam com raiva, então preferem não vir, porque quando tem algum problema da placenta não estiver despachado todo, normalmente tem chamado o pajé, ele faz as coisas e expulsa a placenta. Por isso elas não vêem mesmo para a cidade ganhar nenê. Elas preferem ficar na aldeia que ninguém fala nada (Maria Kulina, traduzido por Letícia, 6ª reunião, aldeia Kaiapucá).

Enfim, o deslocamento à cidade sempre implica risco e o gasto de recursos em

combustível, alimentação e hospedagem.

Parto na aldeia é mais fácil, a gente não vai gastar, a gente não vai passar fome, a gente se sente mais melhor, mais feliz. Depois dela ganhar, a gente ajeita ela, vai dormir. Quando a gente leva ela para a rua, tem que levar quase a força porque ela não quer ir. (Dona Onda, parteira, 5ª reunião, aldeia Camicuã).

No caso de alguns grupos isto pode ser um motivo para não ir à cidade;

entretanto, para outros, especialmente os Jaminawa e os Kulina, não parece constituir

um obstáculo, como enfatizaram os profissionais de saúde que os atendem. Se eles

decidem ir à cidade, não reparam nas condições precárias às que vão estar submetidos, o

qual implica problemas em termos sociais e sanitários aos quais os pólos nem sempre

podem dar solução.

A comparação entre o parto na aldeia e o parto na cidade, conforme a

perspectiva indígena, aparece resumida na tabela abaixo:

Parto na aldeia Parto na cidade

Trato desconsiderado. Preconceito, maltrato e discriminação.

São colocados problemas para a parteira indígena acompanhar a mulher durante o parto. Falta de meios (alimentação e hospedagem) para subsistir na cidade.

As mulheres se sentem cuidadas e protegidas pelo entorno familiar. Recebem carinho, cuidados, e dispõem da manutenção adequada.

Dificuldade da parturiente se comunicar com as enfermeiras e médicos quando não fala bem português.

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As mulheres experimentadas sabem realizar o parto sem fazer o corte para aumentar o orifício da vulva.

Realiza-se um corte (episiotomia) para aumentar o orifício da vulva.

Possibilidade de manter costumes direcionados a preservar a saúde da mãe e da criança, e a recriar os laços sociais. • Enterramento da placenta. • Dietas, banhos, uso de ervas medicinais.

Impossibilidade de cumprir certos costumes: • Não disponibilização da placenta por parte do

estabelecimento de saúde. • Dificuldade para cumprir a dieta adequada no pós-

parto. O alimento do hospital não é adequado. • A mulher deve sair logo do hospital, o qual é

prejudicial para sua saúde segundo os parâmetros indígenas

Não há necessidade de realizar viagem. Necessidade de fazer uma viagem, muitas vezes longa e sofrida e sem recursos, até a cidade.

Se dá algum problema durante o parto, não há disponibilidade de transporte rápido para deslocar a mulher até a cidade, de forma que a vida da mulher e da criança é colocada em risco.

Se dá algum problema, se sentem mais seguras com os meios existentes no hospital.

Menos problema para fazer o auxílio maternidade. É mais problemático para fazer o auxílio maternidade porque a pessoa tem que demonstrar que não mora na cidade.

Jaminawa: Liberdade para escolher a postura (parto indígena de cócoras).

As mulheres devem dar à luz deitadas e sentem vergonha porque as partes íntimas do seu corpo ficam expostas.

Em função dessa comparação, fica evidente que os pontos positivos do parto na

aldeia são muito mais numerosos do que no parto na cidade.

6.4.2. A utilização dos serviços públicos de saúde por parte das mulheres indígenas para a realização do parto.

Diante da constatação de que para as participantes o parto na aldeia é muito

melhor do que o parto na cidade, cabe se perguntar, então, qual é a razão de que, em

vários dos casos, o número de mulheres que decidem fazer o parto no hospital esteja

aumentando. Vejamos a esse respeito os dados e as impressões que temos sobre essa

questão, às vezes contraditórios entre si:

Região de Pauini ● As participantes Apurinã e Jamamadi afirmam que as mulheres das suas

respectivas aldeias não vão quase nunca ter o parto no hospital. ● A respeito das comunidades de Pauini, as enfermeiras afirmam que as mulheres

indígenas da região quase nunca vão para a cidade ganhar nenê. ● O AIS de Nova Vista reclama de que as mulheres mais novas estão, cada vez

mais, querendo ir à cidade.

Região de Boca do Acre

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● As participantes Apurinã na reunião de Camicuã argumentam que as mulheres apenas vão ganhar nenê na cidade quando existe um risco evidente. Caso contrário, preferem ganhar nenê na aldeia.

● As enfermeiras e administradora do pólo-base de Boca do Acre afirmam que as mulheres apurinã estão, cada vez mais, usando os serviços públicos de saúde para realizar o parto. Não acontece a mesma coisa com os Jamamadi da aldeia Santo Antônio.

Região de Sena Madureira ● Sobre os Jaminawa, o administrador de Sena Madureira explicou que antes as

mulheres se resistiam a ganhar nenê no hospital, mas que, atualmente, está aumentando o número de mulheres que vão para a cidade.

● A enfermeira do pólo-base afirmou que um bom número de mulheres prefere recorrer aos serviços públicos porque tem medo de dar à luz na aldeia e algum problema acontecer.

● Algumas parteiras jaminawa e kaxarari reclamaram que depois que elas começaram a fazer os cursos, aumentou o número de mulheres que vão àcidade ganhar nenê na cidade.

Região de Santa Rosa do Purus ● As mulheres kulina e kaxinawa afirmam que apenas em caso de problemas,

recorrem aos serviços da cidade para o parto. ● Uma enfermeira que trabalhou no pólo-base de Santa Rosa afirma que as

mulheres indígenas da região apenas vão dar à luz na cidade quando é detectado algum problema durante o pré-natal, como, por exemplo, que a criança esteja numa posição difícil para o parto ou a grávida tenha pressão alta.

Região de Assis Brasil ● Segundo o administrador do pólo-base em Assis Brasil, as mulheres indígenas

da região apenas dão à luz no hospital quando se detecta algum risco, ou em casos de mães principiantes. Caso contrário, parem nas aldeias.

A partir dos dados apresentados no item 6.1., e em função das impressões dos

participantes e dos profissionais de saúde aqui apresentados, podemos desenhar o

seguinte panorama: de forma geral, as mulheres indígenas continuam tendo os partos

preferencialmente nas aldeias; entretanto, nos últimos anos se percebe um aumento do

número de mulheres que escolhem dar à luz no hospital, mesmo não havendo risco para

tanto. Esse aumento ocorre, principalmente, no caso de algumas etnias específicas: os

Apurinã, os Jaminawa e os Kaxarari. Em relação aos Jamamadi, os dados fornecidos

pelo pólo-base de Boca do Acre mostram que existe uma diferença entre os Jamamadi

da aldeia Santo Antonio, que apenas recorrem aos serviços públicos de saúde quando

são detectados problemas no parto, e os Jamamadi das aldeias que ficam perto da

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estrada. Os dados evidenciam que no último ano os dois partos de indígenas jamamadi

das aldeias Goiaba e Iquirema foram realizados no hospital. Quanto aos povos indígenas

da região de Santa Rosa do Purus (Kaxinawa e Kulina), os poucos dados que possuímos

parecem indicar que continuam dando à luz preferencialmente nas aldeias.

Mesmo que os dados sejam parciais e fosse necessário ter uma dimensão mais

diacrônica sobre a o comportamento das mulheres indígenas em relação a essa questão,

o que possuímos mostra claramente um aumento do número de mulheres que vão aos

hospitais para dar à luz. Cabe então se perguntar sobre as causas desse fenômeno.

A principal razão apontada durante as reuniões, a esse respeito, é o medo a que

aconteça alguma dificuldade durante o parto estando na aldeia, e que não seja possível

se deslocar a tempo até a cidade, colocando em risco a vida da parturiente e a da

criança.

Esse ponto merece uma reflexão. Ao perguntar às participantes se conheciam

muitos casos de mulheres que tivessem falecido nas aldeias por causa dos partos, a

resposta era, geralmente, negativa. As participantes aludiram a casos complicados, mas

que não chegaram, pelo menos em tempos recentes, a desencadear a morte da

parturiente. Os dados fornecidos pelo DSEI/Alto Purus relativos a 2004 e 2005 não

registram nenhuma morte por parto, nem os atuais profissionais dos pólos lembram de

nenhum caso do qual eles tenham conhecimento. Algumas das participantes das

reuniões mencionaram casos que ocorreram num passado relativamente distante. Não

queremos com isto dizer que o risco de morte por parto seja inexistente. Sabemos, de

fato, que recentemente faleceu uma mulher katukina da aldeia Sete Estrelas72 a causa de

um parto complicado e a impossibilidade, por falta de meios, de deslocar a mulher a

tempo para a cidade de Tarauacá. Assim, mesmo que ocasionais, esses desafortunados

casos, acontecem e devem ser levados em conta. Contudo, os participantes consideram

que, mesmo havendo um risco real, a idéia de que existe tem sido enfatizado,

reforçando o sentimento de medo. Nesse sentido, responsabilizam desse fato às EMSI,

72 A aldeia Sete Estrelas se encontra no rio Gregório, na região de Taraucá (Juruá). Embora se trate de um caso acontecido na região do Alto Juruá, o trazemos aqui como exemplo e constatação do perigo existente. A informação foi fornecida pela Sitoaköre.

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por se considerar que estão contribuindo a criar um estado de ansiedade nas mulheres ao

enfatizar a possibilidade de perigos que posteriormente não se concretizam:

Essas enfermeirinhas que apareceram no pólo agora, fazem o pré-natal das mulheres daqui, falam que estão em perigo, aí as pobrezinhas ficam com medo, aí vai, e às vezes não tem nem perigo (Mª Sinzino, parteira, 4ª Reunião, aldeia Nova Vista).

É por causa do incentivo e do risco que as enfermeiras colocam. Elas criam... a enfermeira diz (para ir na cidade), e não entanto chega lá e dá o parto normal. Diz que está sentado, que está atravessado (Socorro, AIS, 4ª Reunião, aldeia Nova Vista).

Lá em casa minha comunidade nunca veio para o médico, agora só que veio, agora a filha da comadre Marcela, ela alarmou logo antes. Nós não queria que ela ganhasse na cidade, nós queria que ela ganhasse na aldeia, aí ela alarmou logo, aí todo o mundo com medo, levaram ela para Pauini, mas eu disse, “ela não está em perigo, está bom, vai chegar o momento, e ela vai ter o bebê dela”. É nervoso.” Foi para Pauini, chegou e ganho. A culpa foi dela, que alarmou logo, uma menina primeira ela teve, ela disse que dor não era igual, mas não é igual toda dor (D. Corina, 4ª Reunião, aldeia Nova Vista).

Mas se a gente vai falar que é para ganhar na aldeia e ela diz que o médico falou que ela está em perigo, que que a gente vai fazer? É deixar (participante, 4ª Reunião, aldeia Nova Vista).

Esse medo parece ser mais freqüente entre as mulheres novas, e, especialmente,

entre aquelas que são mães por primeira vez:

As meninas hoje, primeira vez das suas gravidez, não querem ter bebê por causa de risco de vida. Essas que estão grávidas novas elas pretendem ganhar na cidade, não na comunidade (Angélica, traduzido por Aderaldo, 6ª reunião, aldeia Kaiapucá).

Eu estou satisfeita desses cursos, só o que eu estou achando ruim é que as mulheres de hoje já não querem ganhar na aldeia, com medo. Quando chega o mês de ganhar, “eu não vou ganhar aqui, eu vou ganhar na rua, eu quero que a senhora vá mais eu”. “Vou, que eu sou parteira”. Vou junto com elas. Da onde eu vou gastar com as bochudas?, do meu bolso, às vezes o marido quando tem dá uma ajuda. Nós trabalha sem ganhar nada, e ainda gasta o que é da gente, e a gente agüenta muita humilhação. A gente tem que fazer o que elas querem. (Dona Lunga, 5ª reunião, Aldeia Camicuã).

Diferentemente, em outros depoimentos se acusa às mulheres de não estarem

valorizando os recursos humanos próprios das aldeias e de utilizar o parto como uma

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escusa para ir à cidade, que constitui um lugar de atração inegável, por meio do

encaminhamento do AIS. A solução, nesse sentido, cabe à própria comunidade, que

deve incentivar o parto na aldeia, especialmente entre as mulheres mais novas:

Quando ganham na aldeia é porque o parto é normal. Melhor mesmo é ter na aldeia. Quando tem dificuldade, tem que ir no hospital. É melhor que o pessoal jovem... a gente tem que conscientizar o pessoal jovem que quando seja parto normal, seja na aldeia, se não é normal, na cidade. Eu já vi uma parenta minha ter parto no hospital. As enfermeiras não cuidam das pessoas no hospital como na aldeia. Aquela minha parenta, teve a criança sozinha, não tinha nem enfermeira. Nós em Pauini somos discriminados. Deixam as pessoas sozinhas lá, “deixa esses caboclos para lá”. Tem que conscientizar esses jovens, se o parto é normal, vamos ter na aldeia, se for complicado, vamos na cidade (Francisco, AIS, 4ª Reunião, aldeia Nova Vista).

Eu quero colocar assim também, eu não quero criticar, mas a parteira tem por obrigação estar orientando as mulheres nas aldeias para ganhar as crianças nas aldeias, eu não quero citar nenhum nome, mas tem várias mulheres que conhecem Pauini, aí quando sai grávida inventa qualquer coisinha e só quer ganhar na cidade, isso dificulta o trabalho tanto da parteira quanto do a AIS. Tem que ter uma consciência, da liderança, do AIS, da parteira estar falando para essas mulheres ou os maridos, se ela ganhar na aldeia é uma importância que está dando para nós, melhor do que estar ganhando em Pauini, Rio Branco, que às vezes não tem necessidade, então que a parteira deve estar orientando às mulheres que estão saindo grávidas agora, que ganhe na aldeia, que valorize o trabalho da parteira, porque se a parteira só acompanha até esse período, e o parto? Como ela vai escrever, porque acho que toda parteira tem um talão de registro, com é que ela vai registrar essa criança, vai dizer que nasceu em Pauini? Isso dificulta o trabalho da parteira e diminui a produção dela. Aumenta a produção para o SUS e diminui para nós. (Juvenil, 4ª reunião, aldeia Nova Vista)

Um ponto que cabe comentar a esse respeito é a reclamação das parteiras

kaxarari e jaminawa. Segundo elas, antes de fazerem o curso de parteira, faziam partos

nas aldeias continuamente, mas depois que começaram a fazer os cursos, algumas

mulheres das comunidades não querem mais ter o parto nas aldeias e preferem ir para os

hospitais73. O comentário de um dos líderes jaminawa que participou na sexta reunião

73 Lembremos que nessas duas etnias se registra nos últimos anos um aumento do número de partos realizados nos hospitais (ver gráficos X), o qual é corroborado pelas observações dos profissionais de saúde.

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problematiza um dos efeitos que os cursos de capacitação de parteiras parecem estar

tendo:

Não sei de que forma esses cursos são trabalhados, porque para ampliar os conhecimentos delas, tem que colocar primeiro o conhecimento delas, como elas vêm trabalhando, porque elas já têm seus preparos, e nesses cursos as coisas mudaram por não ter conhecimento das qualidades delas. Porque hoje muitos parentes preferem levar a mulher, a filha, para a cidade. Antes as mulheres confiavam muito nessas velinhas. As parentas não estão valorizando mais as parteiras devido a essas qualidades, porque muitas vezes, algum equipamento que vem doado desses cursos, “as parteiras não estão bem preparadas, na cidade esses materiais são melhores”. Temos que ter cuidado nesses cursos porque muitas vezes estamos desvalorizando as nossas parteiras, em vez de nós dar condições para elas trabalharem, estamos desvalorizando elas (Aderaldo Corréia, coordenador da OCAEJ, 6ª reunião, aldeia Kaiapucá).

Essa reflexão levanta um problema que algumas das parteiras também

observaram no comportamento de suas vizinhas: os cursos estão trazendo a elas novos

conhecimentos, mas de alguma forma, ao colocar o conhecimento biomédico como

superior – já que são elas as que devem ser capacitadas - estão desvalorizando sua

prática frente às outras mulheres da comunidade. Isso traz como conseqüência que

algumas mulheres estejam preferindo dar à luz nos estabelecimentos do SUS. De

qualquer forma, a solução para essas pessoas passa, na visão dos participantes, por

ganhar mais conhecimentos e instrumentos próprios dos “brancos”, porque é isso que

vai proporcionar legitimidade e meios para tratar de seus próprios parentes:

Pra que que então está fazendo curso?. Fazendo curso, e ali mandava parente para a rua, para ganhar? O que que nós vamos fazer lá,? Só para fazer curso? E fazer o que? Eu pensa isso. A gente primeiro não estava fazendo curso e eu pegava criança direto. E agora que está fazendo curso de nawa, aí parente vai na rua74 ganhar criança. E para mim não dá. Nós mesmo que reparava. Mulher sadia, mulher está bem criança, ganhava na aldeia. Mulher que estava fraco, doente, não dá de ganhar, a gente manda na rua, para ela ganhar. Eu mesmo eu queria acompanhar, aquele paciente que vem para Rio Branco, eu queria acompanhar. Para que que eu estou fazendo parteira? Só para nome, parteira? Não, mesmo que cariú, mesmo que nawa, nós têm direito também. Faz muito tempo que eu estou fazendo parto, as minhas parentes na aldeia, em todo canto (...) Tem que ganhar na aldeia, eu vou precisar material, para isso que eu

74 Quando falam de “rua” se referem à cidade.

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estou fazendo curso. A gente fazendo curso, para mandar parente na rua, não dá (Dona Maria, Kaxarari, 6ª reunião, aldeia Kaiapucá).

Os dois últimos depoimentos apresentados mostram uma questão que já

mencionamos no item 5.4.: a ambigüidade, em termos de ganhos, dos cursos de

capacitação de parteiras. Se de um lado fornecem certa legitimidade, já que tudo aquilo

que implique uma relação privilegiada com instituições governamentais e o acesso a um

“cargo” oficial o faz; de outro desvaloriza as práticas tradicionais, e as parteiras como

detentoras dessas práticas e conhecimentos.

Por sua parte, os administradores dos pólos-base e os profissionais de saúde

possuem suas interpretações particulares a respeito das razões que explicam o

incremento da utilização dos serviços públicos por parte das mulheres indígenas em

relação ao parto. Um dos administradores de pólo-base por nós entrevistado explica

que, em vários casos, são as próprias parteiras as que levam as grávidas para a cidade, já

que consideram que não devem continuar fazendo esse trabalho sem remuneração. Por

outro lado, responsabiliza à Sitoaköre por incentivar essas reivindicações durante cursos

de capacitação anteriormente organizados, sendo ainda GMI. Já para outro dos

profissionais, a principal razão que explica o fato de muitas mulheres indígenas

preferirem dar à luz no hospital é a certeza de que lá vão receber remédios. Com esse

comentário, o profissional está apontado para o problema da excessiva dependência de

medicamentos por parte da população indígena em geral.

Em relação à primeira explicação, podemos comentar que, efetivamente, uma

das principais reivindicações das participantes durante as reuniões é uma remuneração

por seus serviços, e o principal argumento usado é o fato das parteiras arriscarem suas

vidas quando assistem uma grávida, além de assumir uma grande responsabilidade pela

qual podem ser posteriormente cobradas se algum problema acontecer. Os depoimentos

de algumas participantes mostram que existe, de fato, uma pressão sobre elas por parte

de filhos ou maridos para não continuar exercendo suas funções de parteiras, já que não

ganham nenhum recurso. Porém, todas afirmam que quando uma mulher precisa delas,

elas não negam sua ajuda.

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A partir do mencionado no presente item, podemos apontar as seguintes razões,

através das quais diferentes atores explicam o fato do aumento do número de mulheres

que acodem aos hospitais para parir:

• As mulheres sentem medo de que alguma complicação aconteça durante o

parto:

O sentimento de perigo é alimentado, em parte, pelas EMSI.

• Algumas mulheres gostam de ir à cidade, e aproveitam a ocasião do parto

para fazê-lo.

• O trabalho das parteiras tradicionais está sendo desvalorizado, em parte por

meio dos cursos de capacitação que recebem, e algumas mulheres

consideram que vão receber uma assistência mais profissional no hospital.

• No hospital, as mulheres têm certeza de receber medicamentos.

• Algumas parteiras não querem assumir a responsabilidade de realizar os

partos, e incentivam as grávidas a recorrer aos serviços públicos de saúde.

Estas considerações não devem tomar-se como explicações absolutas do

fenômeno, mas como interpretações de diferentes atores que se apóiam, provavelmente,

em casos concretos, e não numa análise aprofundada do mesmo. Contudo, nos servem

para caracterizar de forma geral a situação que estamos descrevendo.

Antes de encerrar esse item, gostaríamos de mencionar que, diferentemente do

que acontece na região do Juruá, no Alto Purus a tramitação do auxílio maternidade não

parece ser um incentivo para as mulheres parirem nos hospitais. De fato, dado que

apenas a população aldeada tem direito a receber esse benefício, dar à luz no hospital

pode supor um empecilho porque o beneficiário vai ter que demonstrar que não mora na

cidade, mas na aldeia. Quando o parto é realizado na aldeia isso não é necessário.

6.5. O pré-natal e exames preventivos.

A interação das mulheres indígenas com os serviços públicos de saúde não se

limita apenas no momento do parto. O pré-natal está, cada vez mais, adquirindo

relevância entre as ações desenvolvidas pelas EMSI. Estas estão recebendo, atualmente,

capacitações e materiais para poder realizar cada vez mais número dos exames

necessários nas aldeias. Entretanto, ainda não é possível realizar todos eles, de forma

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que as grávidas precisam se deslocar até os pólos-base para fazê-los. É necessário levar

em conta, ademais, que no caso de algumas cidades pequenas, ainda não existe a infra-

estrutura necessária para fazer todos os exames. Essa situação está começando a ser

resolvida apenas atualmente.

Outra das dificuldades que encontram os profissionais de saúde é que algumas

mulheres indígenas ainda se mostram reticentes a fazer os exames do pré-natal.

Contudo, está situação está mudando, em parte devido ao trabalho de conscientização

que as EMSI estão fazendo nas aldeias. O tema do pré-natal é, de fato, um dos mais

tratados nas palestras dadas pelos profissionais nas aldeias. Essas palestras constituem

uma das atividades que a equipe deve cumprir durante suas visitas nas comunidades.

O acompanhamento dos processos de gravidez das mulheres acontece em vários

níveis. Uma das funções do AIS dentro das aldeias é precisamente acompanhar a

evolução da gravidez as mulheres, repassar esses dados nos seus relatórios para as

EMSI, acompanhar as grávidas quando precisam ir para a cidade fazer os exames do

pré-natal e encaminhá-las quando é detectado algum problema. Em algumas

comunidades, as próprias parteiras já participam nessas atividades, atuando como

intermediárias entre o AIS e as mulheres75, ou mesmo assumindo o acompanhamento

das grávidas ao pólo-base para fazer o pré-natal. Entretanto, existem alguns

impedimentos para que elas possam cumprir esta função, já que não têm direito ao

combustível76 nem recursos para se manter na cidade.

As meninas que vieram dar o curso falaram que nós, como parteiras, não poderíamos acompanhar, que elas têm marido, marido tem que acompanhar, que marido tem dinheiro, sabe andar, sabe comprar as coisas. Não podendo vir, “vocês não vêm, só se o marido dá recurso” (Dona Raimunda, 5ª reunião, Aldeia Camicuã).

A segunda instância de acompanhamento das grávidas são as próprias EMSI,

que realizam algumas provas e exames de pré-natal nas aldeias, e outras na cidade. Para

a realização de alguns desses exames, como o ultra-som, as grávidas são encaminhadas

para os estabelecimentos do SUS.

75 A esse respeito, ver item 6.3.3. 76 Apenas o AIS tem o direito de receber o combustível empregado na s viagens que têm por objetivo encaminhar pacientes para a cidade.

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Quanto à integração das parteiras no acompanhamento do pré-natal das grávidas,

parece variar de uma região a outra, e depende da atitude tanto das EMSI, quanto das

parteiras. Uma das enfermeiras do pólo-base de Boca do Acre, que também trabalhou

no pólo-base de Santa Rosa do Purus, explica que em Santa Rosa as parteiras

acompanhavam as enfermeiras quando realizavam o pré-natal das grávidas nas aldeias,

mas que na região de Boca do Acre, as parteiras não mostram interesse em fazê-lo.

Entretanto, reconhece que a própria EMSI não tem incentivado nem convidados às

parteiras realizar esse acompanhamento.

Existe uma reclamação geral entre as parteiras de que as EMSI, quando visitam

as aldeias, não as chamam para fazer o pré-natal. Para elas, o acompanhamento do pré-

natal da grávida é importante por várias razões. Em primeiro lugar, implica o

reconhecimento de sua função dentro da comunidade, e do conhecimento que detém;

em segundo lugar, é considerado uma oportunidade para aprender mais; e, em terceiro

lugar, permite à parteira obter informações importantes sobre o estado da grávida que a

permitirão avaliar, posteriormente, a necessidade ou não de encaminhá-la para a cidade

no momento do parto:

Através do pré-natal nós podemos saber de que jeito está o menino, o doutor pode nós dizer, como ela está, é importante a gente saber para que não dê medo a ela e a parteira também. A gente vai saber se vai ser preciso encaminhar ela ou não. Se ela tem problemas vamos tratar e vamos enviar para o hospital. (Dona Onda, 5ª reunião, Aldeia Camicuã).

Para as parteiras, o pré-natal é uma fonte de informações que complementam às

que elas obtêm por meio de suas próprias técnicas. Uma melhor integração com as

EMSI a esse respeito é considerada desejável, já que permitiria uma melhor fluidez de

informações, tanto das EMSI para as parteiras, quanto destas para as EMSI.

6.6. Interação das “parteiras” com o sistema público de saúde: articulações entre sistemas.

Vários dos aspectos que caracterizam a interação das parteiras com o sistema

público de saúde já foram mencionados ao longo do texto precedente. Limitar-nos-emos

aqui a mencioná-los para sua melhor sistematização, e a sugerir aspectos dessa interação

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que apontam para uma possível articulação entre os sistemas de parto nativos e o

biomédico.

O primeiro ponto se refere aos cursos de capacitação para parteiras, que, como já

mencionamos, acarretam conseqüências ambivalentes, já que embora as parteiras

ganhem certa legitimidade, prestigio e espaço de relação privilegiada com os “brancos”,

ao mesmo tempo vêem desvalorizados seus conhecimentos tradicionais. Uma das

questões que surge a esse respeito, e que foi colocada pelas representantes da Sitoaköre

às participantes das reuniões, é até que ponto esses novos conhecimentos estão afetando

ou se sobrepondo a suas práticas tradicionais. As respostas de algumas participantes

mostram como elas são capazes de articular os novos conhecimentos adquiridos, aos

quais se atribui uma considerável eficácia, às práticas tradicionais. Os conhecimentos

repassados às mulheres indígenas durante os cursos não são absorvidos por elas de

forma tal qual, mas são reinterpretados à luz do marco conceitual indígena e integrados

dentro do seu conjunto de práticas. Algumas parteiras reclamam que elas já conhecem o

“parto indígena” e agora querem conhecer melhor o “parto do branco”. Longe de ver

ambos como excludentes, consideram que somam: os conhecimentos exógenos não

substituem os que já existem, mas são acrescidos a eles. Dona Maria (Kaxarari), por

exemplo, perguntou durante a reunião por que não tinha uma enfermeira lá para ensiná-

las, já que elas querem aprender a forma como o “branco” faz o parto, e mais tarde

esclarece:

A nossa mesmo (nossas práticas) a gente não deixa, nossa mesmo, do branco não, aquele remédio do mato que meu pai pajé ensinava nós, eu ensino minha filha, meu filho, meu neto, para continuar, para não perder. E canto, aquele a gente reza, a gente tudo o que eu sei, porque meu pai ensinava tudo. Aí eu ensinava criança (Dona Maria, Kaxarari, 6ª reunião, aldeia Kaiapucá).

Ficou claro que tanto para ela como para outras participantes, o que aprenderam

durante os cursos de capacitação não levou a que abandonaram outras práticas.

Contudo, como vimos anteriormente, esses cursos têm um impacto negativo nas

formas tradicionais de assistência ao parto dentro das aldeias, já que, embora não

impliquem necessariamente que as mulheres que já realizam, tempo há, partos nas

aldeias abandonem suas práticas, parecem estar promovendo a desvalorização das

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mesmas entre as outras pessoas da comunidade, especialmente entre as mulheres mais

novas.

Além dessa articulação de conhecimentos e práticas, há vários contextos em que

as atividades das mulheres indígenas que dão assistência às grávidas podem articular-se

às dos profissionais de saúde, como listamos a seguir:

• Durante as visitas das EMSI nas aldeias: repassam informações às EMSI

sobre o estado das grávidas da comunidade e sobre os partos acontecidos na

aldeia.

• Durante o acompanhamento das grávidas à cidade:

Para fazer o pré-natal: ajudam a que as mulheres, muitas vezes novas,

se sentam mais seguras na relação com os profissionais dos postos de

saúde e hospitais; obtêm informações sobre o estado das grávidas que

depois é importante para decidir se ela deve ser encaminhada para dar

à luz no hospital.

Para dar à luz: se disponibilizam a permanecer com as grávidas

durante o trabalho de parto no hospital, dispensando-as cuidados

conforme seus próprios parâmetros culturais.

A possibilidade de dispensar seus serviços depende muito da sua recepção entre

os profissionais de saúde com os quais tenham que se relacionar, e dos meios colocados

a sua disposição, especialmente transporte entre a aldeia e a cidade, e recursos para se

manter quando não estão em suas comunidades. Várias das reclamações colocadas pelas

participantes durante as reuniões estão diretamente relacionadas com a falta de

reconhecimento por parte dos profissionais de saúde, isto é, com os empecilhos para

poder articular suas ações com as dos serviços públicos.

7. Apresentação de dados epidemiológicos.

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157

Nesse item apresentaremos alguns dados que permitam caracterizar o perfil

epidemiológico das populações indígenas aqui consideradas. Os dados nos foram

fornecidos pelo DSEI/Alto Purus77.

7.1. Gerais

Em anexo (Anexo 8) apresentamos as tabelas com os dados do DSEI/Alto Purus

referentes às principais causas de morte e morbidade entre a população indígena. Como

mostram essas informações, as infecções do aparelho respiratório se encontram entre os

problemas de saúde mais sérios, sendo a pneumonia a principal causa de óbito.

Verminoses e diarréias são as outras principais ocorrências de morbidades, e estão

diretamente relacionadas com problemas de higiene, saneamento básico e tratamento da

água nas aldeias.

Quanto às causas de morte, a pneumonia é seguida da desidratação, que é uma

conseqüência dos surtos de rotavírus78 que acontecem quase anualmente em diferentes

regiões do Acre, e as mortes violentas por homicídio o afogamento. Todos os casos de

homicídio são registrados no município de Boca do Acre, onde constitui a principal

causa de morte entre adultos. É interessante mencionar que, como observou o médico

desse pólo, os casos de homicídios principalmente relacionados com o grave problema

de alcoolismo que afeta a população indígena da região. Conforme o depoimento do

médico, muitos indígenas, principalmente apurinã, se instalam nos bairros mais pobres

da cidade, onde a presença de álcool e drogas é intenso. Embora não apareça refletido

nos consolidados, o alcoolismo não é apenas um fator ligado aos homicídios, mas, em

si, um dos principais problemas de saúde tanto entre a população apurinã da região de

Boca do Acre, quanto entre os Jaminawa de Assis Brasil, conforme as observações dos

profissionais de saúde de ambas as regiões.

Há também uma incidência significativa, quiçá não tanto pelo número de

afetados, mas sim pelas implicações que acarreta, de hepatite B, especialmente nas

regiões de Pauini e Sena Madureira. Nesta última, os Jaminawa estão sendo afetados

77 Os dados relativos aos gráficos apresentados nesse item aparecem em anexo. 78 Durante nossa estadia na região do Juruá, os profissionais de saúde estavam recebendo capacitação para colocar a nova vacina de rotavírus.

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por esta doença de difícil e custoso tratamento. Como podemos observar na aldeia

Kaiapucá, a falta de tratamento da água destinada a consumo humano é um dos fatores

que incide na transmissão da doença entre a população. Embora a administração do

pólo-base afirme que a doença está sendo controlada por meio da vacinação, já existem

seis casos confirmados da doença, sendo um dos problemas o alto custo do tratamento.

7.2. Dados epidemiológicos relacionados com o tema do parto.

Quanto aos problemas de saúde relacionados com a gravidez, parto e pós-parto,

o que nos interessa especialmente é entender qual é a relação entre o perfil

epidemiológico e a atuação das parteiras indígenas. Em grande medida, os cursos de

capacitação para parteiras têm como justificativa a necessidade de reduzir a alta

mortalidade infanto-materna. Os altos índices de mortalidade neonatal e materna, a

incidência de casos de tétano neonatal e outras doenças nas crianças que podem ser

prevenidas por meio de um pré-natal adequado são os principais argumentos que

justificam a necessidade de capacitar as parteiras tradicionais, sejam ou não indígenas

(Ministério da Saúde 2002).

Interessa-nos chamar atenção aqui, entretanto, que os consolidados de dados do

DSEI/Alto Purus não nos permitem fazer considerações conclusivas a esse respeito, já

que os dados não estão qualificados. Com isto queremos dizer que, por exemplo, em

relação às causas da mortalidade neonatal, não há informações que nos indiquem onde

se realizaram os partos das crianças que faleceram (se foram no hospital ou na aldeia);

quem realizou o parto e em que condições; se os falecimentos estavam relacionados a

determinadas práticas inadequadas das parteiras; quais são as causas dos casos de

natimortalidade, etc. Essas informações são importantes porque permitem definir quais

são problemas específicos e propor soluções concretas a eles.

De qualquer forma há alguns comentários que podem ser feitos. Em primeiro

lugar, os consolidados do DSEI/Alto Purus não mencionam nenhum caso de óbito de

mulheres que tenha sido conseqüência de problemas no parto. Sabemos que existem

casos de mulheres falecidas por causas relacionadas com o parto. Já mencionamos que

no ano 2006, na região do Juruá, uma mulher katukina morreu durante o parto na aldeia.

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Recebemos também a informação de que uma mulher jamamadi faleceu recentemente

como conseqüência de um sangramento que não tinha cessado após o parto. Ela se

deslocou a Boca do Acre para receber tratamento médico, mas este não parece ter sido

adequado79. Fora esses casos, acontecidos após a nossa saída da região, os profissionais

de saúde com os quais conversamos não têm lembranças de outros que aconteceram

depois que eles assumiram seus cargos80.

Em relação à mortalidade infantil, os dados mostram que a maior porcentagem

dos óbitos acontece depois do primeiro mês de vida, de forma que não possuem relação

direta com problemas derivados do parto. Problemas respiratórios e de infecções

intestinais, causados por rotavírus81 e que desencadeiam quadros agudos de desidratação

por diarréia e vômitos, são as principais causas de morte entre crianças menores de um

ano, como mostram os gráficos 9 e 10 referentes aos anos 2004 e 2005. A desproporção

entre a mortalidade infantil tardia (de 28 dias a um ano) e a mortalidade neonatal

precoce e tardia (entre 0 a 6 dias, e 7 a 27 dias, respectivamente), se reflete também na

79 Não conhecemos os detalhes das causas do falecimento, do qual nos informou recentemente a Sitoaköre. Entretanto, independentemente da adequação dos encaminhamentos e tratamentos realizados pela equipe do pólo-base para tratar o caso, dos quais não temos notícia, cabe destacar que as condições em que a mulher se encontrava quando a conhecemos durante a nossa estadia em Boca do Acre eram absolutamente indecentes. A pesar de estar sofrendo um sangramento, tinha sido alojada pela administração do pólo-base, junto com seus parentes jamamadi, num barco na beira do rio, sem condição alguma de higiene. Esse era um exemplo claro sobre o problema que a falta de infra-estrutura na cidade representa para os pacientes indígenas. 80 Na aldeia Camicuã me relataram o caso de uma mulher que morreu de parto há alguns anos. O caso é interessante porquanto revela determinadas concepções nativas sobre o corpo e as condições que o afetam até o ponto de ocasionar a morte. Trata-se do caso de uma mulher nova que faleceu três dias após dar à luz. O parto foi realizado na aldeia Camicuã – que fica a vinte minutos de Boca do Acre – por uma parteira indígena. Segundo a pessoa que narrou o caso, um dos AIS da aldeia, aconteceram um cúmulo de circunstâncias que desencadearam sua morte. Após o parto, quando a mulher estava ainda de resguardo, recuperando-se de um parto difícil, sua cunhada fez alguma coisa que provocou sua raiva. A raiva fez com que o sangue “subisse à cabeça”. Quando estava dormindo, o barulho das crianças brincando a fez “tomar susto”, o qual piorou seu estado. Apesar de que este não era bom, sua família não se preocupou dela. Quando as pessoas perguntavam, falavam que se encontrava melhor. Não querendo levá-la para a cidade, ao qual ela se negava também, lhe deram dipirona. Porém, conforme as concepções nativas, não se devem dar remédios amargos, como a dipirona, às mulheres que se encontram de resguardo. Assim que, unido às outras ocorrências anteriores – a raiva e o susto -, seu quadro de saúde continuou piorando. Quando a situação foi crítica, decidiram levá-la para a cidade. Porém, a desceram pelo barranco até o rio de cabeça para baixo, o qual contribuiu para que mais sangue lhe subisse à cabeça. Conforme o nosso interlocutor, ela faleceu quando a estavam levando para Boca do Acre. Segundo ele, o diagnóstico dado pelo médico – hemorragia interna – coincidia com sua interpretação de que a causa da morte se deveu a que “tinha-lhe subido sangue à cabeça”. 81 Em 2004 houve um surto de rotavírus entre a população kulina da região de Manuel Urbano que causou a morte de quatro crianças (DSEI/Alto Purus 2004), e em 2005 houve outro, na região de Santa Rosa do Purus, que causou a morte oito (DSEI/Alto Purus 2005).

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tabela 5, onde se comparam os dados referentes ao Brasil, o Acre e a região abrangida

pelo DSEI/Alto Purus. Enquanto os coeficientes de mortalidade neonatal são um pouco

mais baixos no DSEI/Alto Purus, o coeficiente de mortalidade infantil tardia é muito

mais alto do que no Brasil e o Acre. Quanto à mortalidade perinatal, o fator que incide

principalmente é a natimortalidade, sem que saibamos quais são suas causas específicas.

Os gráficos e dados apresentados a seguir mostram esse quadro geral para os anos 2004

e 2005.

49%

10%

5%

5%

31%51%

Maiores de 1 anoNatimortalidade0 a 6 diasde 7 a 27 diasde 27 dias a 1 ano

Gráfico 9: Índices de mortalidade. DSEI/Alto Juruá, 2005.

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161

0

10

20

30

40

50

60

Natimortos 20

Desconhecida 5

Insuficiência respiratória 5

Bronco aspiração 5

Desnutrição 5

Meningite 5

Desidratação e interinfeção 20

Pneumonia 10 25

Natimortos < 7 dias (%) de 7 a 27 dias (%)

de 28 dias a 1 ano (%)

Gráfico 10: Causas de mortalidade infantil no ano 2005. DSEI/Alto Purus

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162

44%

13%

9%

4%

30%56%

Maiores de 1 anoNatimortalidade0 a 6 diasde 7 a 27 diasde 27 dias a 1 ano

Gráfico 11: Índices de mortalidade. DSEI/Alto Juruá, 2004.

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163

0

10

20

30

40

50

60

70

Natimortos 25

Prematuridade 8,3

EDA C/DHT 8,3

Rotavírus 33,3

Insuficiência cardiaca 8,3 8,3 8,3

Septicemia 8,3

Meningite 8,3

Natimortos < 7 dias (%) de 7 a 27 dias (%)

de 28 dias a 1 ano (%)

Gráfico 12: Causas de mortalidade infantil no ano 2004. DSEI/Alto Purus

População indígena Alto Purús82 Número de casos Coeficientes85

Acre83 Brasil84

Mortalidade infantil (menores de 1 ano) 16 76,19 32,15 24,11

82 Dados do DSEI/Alto Juruá referentes a 2005. 83 Dados do Ministério da Saúde referentes a 2003 (Ministério da Saúde 2006). 84 Dados do Ministério da Saúde referentes a 2003 (Ministério da Saúde 2006). 85 Cálculo: nº de óbitos / nascidos vivos x 1000.

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Mortalidade neonatal precoce (0 a 6 dias) 2 9,5 15,63 12,07

Mortalidade neonatal tardia (de 7 a 27 dias) 2 9,5 3,76 3,60

Mortalidade Infantil Tardia (de 28 dias a 1 ano) 12 57,14 12,76 8,43

Natimortalidade 4 18,69

Tabela 8: Coeficientes de mortalidade infantil de Brasil, Acre e DSEI/Alto Purus

Embora não apareçam nos consolidados, os profissionais de saúde de cada

região mencionaram os que são, segundo sua opinião, os principais problemas que

afetam a saúde das mulheres e recém-nascidos durante a gravidez e o parto. Em cada

região foram mencionados fatores diferentes.

Segundo as profissionais de Pauini, não há muitos casos de mortes de crianças

decorrentes do parto, mas sim existe um número significativo de abortos produzidos por

excesso de trabalho, especialmente por carregar peso, e por quedas acidentais. Quando o

aborto é completo, as mulheres resolvem a situação na aldeia, mas sendo o aborto

retido, a grávida é encaminhada para a cidade.

A enfermeira de Sena Madureira explica também que não houve na região, no

ano que ela leva trabalhando no pólo-base, nenhum caso de morte materna ou de criança

recém-nascida por causa do tétano. Segundo ela, o principal problema que afeta as

grávidas é a anemia. A alimentação inadequada, que a enfermeira atribui à preguiça dos

índios para trabalhar86 - especialmente no caso dos Kaxarari que se dedicam mais à

coleta da castanha ou a trabalhar nas fazendas como assalariados -, causa anemia nas

grávidas e desnutrição nas crianças.

Na região de Boca do Acre, tampouco são registrados muitos casos de óbitos de

crianças relacionados com problemas ocorridos durante o parto. Porém, a

administradora do pólo e o médico do mesmo relataram dois casos de crianças que

86 Gostaria de chamar atenção aqui para o fato de que a interpretação segundo a qual a falta de alimentos na aldeia é conseqüência da “preguiça” dos índios é muito simplificadora e, em muitos casos, não está acorde com a realidade. A insuficiência de produtos agrícolas dentro da aldeia pode dever-se a muitos outros fatores (desestruturação social; mudança das condições territoriais; aparecimento de pessoas assalariadas dentro da aldeia; sentimento de atração pela cidade; alcoolismo, etc.). De fato, estamos tratando de culturas para as quais os dois piores defeitos, em termos éticos e estéticos, que uma pessoa pode ter são a preguiça ou desleixo, e a mesquinharia. Entre vários grupos pano, são registradas diversas práticas de tratamento corporal (banhos, uso de plantas, aplicação do veneno do sapo kampó, etc.) que estão destinadas a eliminar a preguiça, em muitos casos concebida como uma doença que afeta o corpo (Pérez Gil 2003).

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nasceram mortas por sofrimento fetal87. Um dos casos foi devido a que a mãe tinha uma

forte infecção urinária e, embora fosse detectada a tempo, ela não quis tomar os

medicamentos do tratamento nem ir para o hospital. De fato, as infecções urinárias são,

segundo o médico do pólo-base, o principal problema de saúde que afeta as grávidas,

devido à umidade e à quentura próprias do clima da região.

Já para as mulheres indígenas, os principais riscos estão relacionados ao

momento do parto em si, e têm como causas mais freqüentes o mal-posicionamento das

crianças na barriga (se a criança está sentada, atravessada ou de pé); as hemorragias

pós-parto; o parto demorado (quando o trabalho de parto dura dois ou três dias e a

criança não nasce); o parto de gêmeos; e a “placenta pregada” (quando a placenta não se

desprende do útero, podendo ocorrer uma infecção interna). Todas essas situações são

comentadas como situações de risco. Algumas parteiras afirmam estar preparadas para

enfrentá-las e narram casos em que o fizeram com sucesso, devido a que não tinham

meios para levar a grávida até a cidade. Contudo, o mais comum é que ante estas

situações tratem de encaminhar a parturiente para o hospital.

8. Propostas para articulação de sistemas.

A partir das informações expostas ao longo do relatório, é plausível propor

algumas medidas que visem incentivar e possibilitar a articulação do sistema público de

saúde voltado para as populações indígenas e os sistemas de parto tradicionais

indígenas. As formas de articulação propostas visam, de um lado, contribuir na melhoria

do serviço fornecido à população indígena, e, de outro, sugerir ações dirigidas a

construir uma política de saúde diferenciada, que considere de forma efetiva e positiva

as particularidades culturais das populações indígenas.

As ações aqui propostas se referem a diferentes níveis de aplicação. O primeiro

deles é um nível geral, que não se aplica exclusivamente à assistência ao parto, mas de

87 “O sofrimento fetal agudo é o que ocorre durante o trabalho de parto é bioquimicamente caracterizado por hipoxia, acidose e hipercapnia. Um dos mais importantes fatores da transferência materno-fetal é o fluxo sanguíneo do espaço interviloso. Por isso, qualquer situação que conduza para a diminuição do fluxo sanguíneo neste espaço levará o feto a um estado transitório ou permanente de carência de oxigênio, e será causa de sofrimento fetal agudo.” (Alcântara de Almeida, Moreira de Sá & Marques Lopes 2005).

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166

forma mais geral, ao atendimento de saúde fornecido à população indígena. A esse

respeito, as propostas principais são:

Fornecer aos profissionais de saúde uma capacitação antropológica

focalizada em duas questões principais: antropologia da saúde e etnologia

indígena. Esses conhecimentos proporcionam recursos para entender e

interpretar a realidade das populações indígenas de forma mais adequada no

que se refere tanto à eficácia das ações a serem implementadas, quanto ao

respeito das particularidades culturais dos povos atendidos.

Elaborar planos de coleta de dados epidemiológicos, nos quais se definam

critérios que, acrescentados aos já existentes, permitam caracterizar

determinados comportamentos e problemas aos quais, atualmente, se está

prestando atenção de forma apenas tangencial. Entre os dados que são de

utilidade para refletir sobre a saúde materno-infantil da população indígena

do Acre e Sul do Amazonas, podemos citar 1) a porcentagem de partos

realizados na aldeia e na cidade; 2) as causas que levam as mulheres a fazer

uma ou outra escolha; 3) a melhor caracterização das causas da

natimortalidade e da mortalidade neonatal; 4) a definição detalhada da

relação que possa haver entre o tipo e condições do parto (na aldeia, na

cidade, com “parteira”, com médico) e a ocorrência de problemas de saúde

derivados do mesmo, tanto para o recém-nascido quando para a mãe. Estas e

outras informações deverão ajudar a definir com maior exatidão os

problemas que afetam a população feminina indígena durante o processo de

gravidez, parto e pós-parto, e a atuar com mais eficácia sobre os mesmos,

sem assumir de partida que as práticas tradicionais em seu conjunto estão

diretamente associadas com os problemas de saúde e altas taxas de

mortalidade materna e infantil. Nesse sentido, caso se decida que é

necessário realizar cursos de capacitação, por exemplo, estes devem estar

orientados a rever aspectos concretos das práticas indígenas que tais

informações tenham revelado como diretamente relacionadas a problemas

concretos. Dessa forma se evita repassar um sistema global de conhecimento

e prática sobre o processo de gravidez, parto e pós-parto, que possa se

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sobrepor ao sistema nativo. Em última instância se trata buscar formas de

repassar conhecimentos e técnicas biomédicas que possam ser úteis às

mulheres que assistem partos sem desvalorizar e menosprezar as delas, e que

estejam dirigidas a atuar sobre problemas concretos.

Fornecer às comunidades os meios de transporte necessários para

encaminhar os pacientes aos estabelecimentos do SUS quando for

necessário. A disponibilização dessa infra-estrutura contribuirá a reduzir a

ansiedade das mulheres indígenas em relação a ter o parto na aldeia, assim

como o perigo de acontecer problemas nos longos deslocamentos. A

melhoria das formas de comunicação e transporte entre a aldeia e o pólo-

base deve ser percebida como uma forma de articular os recursos

terapêuticos de ambos os locais.

O segundo nível é de caráter mais concreto. As seguintes medidas têm o objetivo

de articular as atividades e ações dos profissionais de saúde que atuam nas áreas, e as

atividades das pessoas indígenas que se dedicam ao cuidado da saúde, concretamente da

saúde das mulheres durante o processo de gravidez, parto e pós-parto, dentro das

comunidades.

Integrar as mulheres que realizam os partos nas aldeias nas atividades que

realizam as EMSI durante suas visitas às comunidades, especificamente no

que se refere ao cuidado das grávidas, parturientes e crianças recém-

nascidas. Estas mulheres possuem informações privilegiadas que podem ser

repassadas às EMSI, já que contam com a confiança das mulheres da aldeia.

Essa integração requer um maior conhecimento, por parte das EMSI, de

como o atendimento à gravidez e ao parto acontece nas diferentes etnias.

Permitir às mulheres que assistem os partos dentro das aldeias acompanhar

às grávidas ao pólo-base correspondente para fazer o pré-natal. Para que o

acompanhamento seja possível, devem-se fornecer os recursos necessários

(transporte, hospedagem, alimentação).

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168

Procurar as formas adequadas em cada caso para que as mulheres que

assistem partos dentro das aldeias possam acompanhar dentro dos

estabelecimentos do SUS as parturientes que decidam dar à luz nos hospitais

ou maternidades. Deve-se permitir à “parteira” acompanhante cuidar da

grávida dentro do hospital o tempo que dure o trabalho de parto (durante o

qual a parturiente é normalmente deixada sozinha), assim como estar

presente durante o parto, ou mesmo poder realizá-lo, se assim o solicitarem a

parturiente e a “parteira”. Igualmente, quando a parturiente requerer a

presença de um pajé ou qualquer outro especialista, o estabelecimento do

SUS deve procurar a forma de que este possa realizar seu tratamento nas

instalações do mesmo. As condições em que os especialistas indígenas

podem atuar dentro dos estabelecimentos do SUS quando esse serviço for

requerido por parte de membros das suas etnias e comunidades, devem ser

pactuadas e acordadas entre as comunidades, os especialistas e a

administração do estabelecimento.

Promover dentro dos estabelecimentos dos SUS freqüentados pelas mulheres

indígenas do Acre e Sul do Amazonas salas de parto com as condições

necessárias para que o parto possa ser realizado conforme os parâmetros

culturais da parturiente. Por exemplo, a sala deve estar preparada para que o

parto possa ser realizado na postura que a parturiente escolha. Outras

condições como a alimentação antes e depois do parto, a disposição da

placenta ou a possibilidade da parteira preparar remédios caseiros, devem ser

também consideradas. Contudo, as características e serviços dessa sala

especial devem ser acordados em cada caso com os povos que devem

usufruir do serviço.

A respeito destas últimas medidas, consideramos que a articulação não se deve

sustentar na designação de uma mulher como “parteira” única da comunidade. É

importante a esse respeito buscar as formas de permitir a participação de todas as

mulheres que sejam reconhecidas dentro da comunidade como pessoas que assistem

partos. Em ocasiões será apenas uma; em outras podem ser várias, em função das

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169

particularidades culturais de cada povo, e das relações de parentesco entre as famílias

que configuram as comunidades.

9. Resultados do projeto.

De forma geral, o desenvolvimento das atividades ao longo do ano de execução

alcançou os objetivos propostos no projeto. Em alguns casos, estas não foram realizadas

conforme tinha sido planejado; porém, se obteve um alto rendimento em termos dos

objetivos gerais propostos.

Foram realizadas seis reuniões regionais de parteiras, pajés e AIS, três delas na

região abrangida pelo DSEI/Alto Juruá e outras três na região do DSEI/Alto Purus.

Mesmo que inicialmente no projeto tinham sido planejadas sete reuniões, devido à

insuficiência dos recursos foi necessário diminuir em uma o número de reuniões.

Entretanto, isso não implicou deixar de fora nenhuma T.I., já que aquelas que iriam

participar da sétima reunião, no município de Assis Brasil, foram integradas na

reunião de Sena Madureira.

Durante as reuniões foi possível a obtenção de informações sobre os sistemas

de parto nativos. A coleta, sistematização e análise dessas informações é uma

contribuição importante para a construção de um corpus de conhecimentos

de base sobre esses sistemas, visando subsidiar a implementação de políticas

públicas voltadas para as populações indígenas.

Durante as reuniões aconteceu uma troca de experiências entre os

participantes em vários níveis: inter-étnico, inter-gerações e inter-gêneros.

Gostaríamos de destacar especialmente esses dois últimos, já que, de um

lado, foi possível perceber uma valorização por parte dos jovens que detêm

os cargos públicos de prestígio (AIS, liderança) dos saberes tradicionais dos

mais velhos, que muitas vezes são excluídos ou marginalizados nos

contextos de interação com o mundo dos brancos. Recentemente, soubemos

através da Sitoaköre que, efetivamente, os pajés tinham se sentido

valorizados ao ser convidados para participar nas reuniões. De outro lado, as

mulheres, muitas vezes também excluídas ou marginalizadas desses

contextos do fazer político e dos órgãos de decisão, contaram com um

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170

espaço de expressão de seus saberes e de reivindicações, simbolicamente

significativo, no qual estavam presentes agentes com poder político de suas

próprias comunidades.

Houve uma reflexão por parte dos participantes a respeito da importância de

valorizar as práticas terapêuticas e de cuidado tradicionais relacionadas com

o processo de gravidez, parto e pós-parto. Em vários depoimentos,

especialmente de pessoas mais novas, foi possível perceber como a reunião

tinha contribuído a fazer que valorizassem um conhecimento ao qual não

tinham dado grande importância. Ademais, em algumas reuniões já

começaram a ser elaboradas propostas e idéias que tinham como objetivo

incentivar a transmissão dos conhecimentos tradicionais, dos quais são

detentores os mais velhos. Na reunião da região de Pauini, por exemplo, as

comunidades se propuseram a realizar um projeto para promover o repasse

de conhecimentos por parte dos pajés a homens mais novos de outras aldeias

onde já não existem mais pajés.

A partir de um conhecimento mais aprofundado sobre os sistemas de parto

indígena, foi possível realizar uma avaliação preliminar sobre o impacto dos

cursos de capacitação de parteiras indígenas, e refletir assim sobre o papel

dos mesmos na institucionalização de uma função tradicionalmente

difundida entre as pessoas e exercida em conformidade com as relações de

parentesco.

Algumas reuniões tiveram resultados concretos referentes a propostas para a

articulação de sistemas. Durante a reunião realizada na aldeia Camicuã

(município de Boca do Acre), os participantes tinham proposto à

administradora do pólo, que participou um dia, que fosse fornecido

combustível às parteiras para que elas pudessem acompanhar as grávidas a

fazer o pré-natal ou o parto na cidade. A administradora se comprometeu a

fornecer esse combustível na medida das possibilidades do pólo-base, e

soubemos, recentemente, que cumpriu esse compromisso. Dessa forma, um

primeiro passo para a articulação de sistemas foi dado pelo pólo-base de

Boca do Acre.

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171

Foram realizadas visitas a sete pólos-base (três na região do Juruá e quatro na

região do Purus), onde foram efetuados levantamentos de dados epidemiológicos e

entrevistas aos profissionais de saúde que atuam nos mesmos. Esses dados

permitiram esboçar o perfil epidemiológico dos povos considerados, e obter

informações sobre o funcionamento dos serviços de atenção à saúde indígena. Essas

informações são fundamentais para subsidiar a elaboração de propostas de

articulação de sistemas.

Além do levantamento de dados, as técnicas mantivemos conversações com

alguns profissionais de saúde sobre a importância da capacitação

antropológica para profissionais que trabalham com população indígena.

Recentemente, a Gerência da Área de Medicina Tradicional

Indígena/VIGISUS II recebeu do DSEI/Alto Juruá uma solicitação de

assessoria para elaborar um plano para a capacitação dos profissionais de

saúde.

Além dos resultados obtidos com a realização das atividades previstas no

projeto, sua execução teve resultados colaterais importantes:

Fortalecimento da Sitoaköre: ao longo do processo, o projeto contribuiu de

forma considerável a fortalecer a Sitoaköre:

No início do processo, a Sitoaköre ainda não tinha sido criada como

organização indígena. O Instituto Olhar Etnográfico teve um papel

fundamental nesse processo, fornecendo assessoria para a própria

constituição da organização, e ajuda na implementação de outros

projetos.

A execução das atividades do presente projeto possibilitou a

promoção política da recém-criada Sitoaköre dentro das próprias

comunidades. Como as representantes da Sitoaköre frisam, é a única

organização indígena que vai até as aldeias, o qual foi possível graças

ao presente projeto. Durante as reuniões nas aldeias, a Sitoaköre

sempre reservou um espaço para informar sobre suas atividades.

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172

O sucesso na execução do projeto forneceu prestígio à Sitoaköre, o

qual se traduziu em novas propostas e possibilidades de projetos.

Finalmente, é importante destacar que a Sitoaköre concorreu com o

presente projeto ao Prêmio Culturas Indígenas, edição Ângelo Cretã,

2006, lançado pelo Ministério da Cultura. O prêmio tinha como

objetivo apoiar iniciativas que visassem o fortalecimento das

expressões culturais indígenas. Como resultado, a Sitoaköre ganhou o

mencionado prêmio.

___________________________ Laura Pérez Gil

Coordenação antropológica

Florianópolis, 26 de janeiro de 2007

___________________________ Marlinda Patrício

Consultora da Área de Medicina Tradicional Indígena/VIGISUS II

Brasília, 26, janeiro de 2007

___________________________

Ricardo Calaça Diretor do Instituto de Pesquisa e Documentação Etnográfica

Olhar Etnográfico

Brasília, 12 de agosto de 2006

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11. ANEXOS

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Anexo 1: Documentos oficiais dirigidos pela equipe executora ao DSEI/Alto Purus e à CASAI.

178

11.1. Anexo 1: Documentos oficiais dirigidos pela equipe executora ao DSEI/Alto Purus e à CASAI

Carta/01

Rio Branco 16 de setembro de 2006 Ao Chefe do DSEI Alto Purus Assunto: Solicitação Prezado senhor, Conforme contato feito com vossa senhoria em reunião realizada na sede desse

Distrito Sanitário Especial Indígena no dia 14 de setembro de 2006, solicitamos a gentileza de nos fornecer os “Relatórios de gestão do DSEI Alto Purus” dos anos de 2000 a 2004.

Solicitamos também autorização para realizar levantamento de dados sobre

nascimentos, mortalidade, mortalidade infantil, informações sobre partos realizados nas aldeias e nos hospitais ou maternidades dos municípios, problemas de saúde relacionados com o processo de gravidez, parto e pós-parto, atendimento de pré-natal, nos pólos-base de Boca do Acre, Pauini e Sena Madureira, assim como entrevistas com os profissionais de saúde lotados nos referidos pólos. Essas atividades serão realizadas conforme cronograma em anexo.

Os dados darão subsídios ao relatório etnográfico para o projeto “Valorização e

Adequação dos Sistemas de Parto Tradicionais das Etnias Indígenas do Acre e do Sul do Amazonas”, executado pelo Instituto Olhar Etnográfico e pela Organização de Mulheres Indígenas do Acre, Sul de Amazonas e Noroeste de Rondônia (SITOAKÖRE), e financiado pelo Projeto VIGISUS II (Área de Medicina Tradicional Indígena)/FUNASA . Na certeza de sermos atendidos,

Atenciosamente, ______________________________

Laura Pérez Gil Coordenadora Antropológica do Projeto

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Anexo 1: Documentos oficiais dirigidos pela equipe executora ao DSEI/Alto Purus e à CASAI.

179

Carta/02

Rio Branco 24 de setembro de 2006 Ao Chefe do DSEI Alto Purus Assunto: Solicitação Prezado senhor, Em primeiro lugar, queremos agradecer o apoio que nos foi dado por esse DSEI

e pelos pólos-base de Pauini e Boca do Acre no período de 17 a 22 de setembro. Na seqüência do desenvolvimento dos trabalhos, solicitamos autorização para as visitas aos pólos de Sena Madureira e Assis Brasil, onde estaremos realizando levantamentos de dados junto aos profissionais de saúde tal como ocorreu na viagem anterior.

Solicitamos também o apoio de vossa senhoria para as três reuniões de

Parteiras, Pajés e AIS que serão realizadas durantes os meses de outubro e novembro nas Terras Indígenas Peneri/Tacaquiri, Apurinã BR 317 Km 124 e Jaminawa do Caiapucá, respectivamente (cronograma com as modificações dos lugares onde serão realizadas as reuniões em anexo). O apoio solicitado se refere principalmente à disponibilização por parte do DSEI e dos pólos-base de cada região de veículos para o deslocamento dos participantes indígenas e da equipe executora até as aldeias onde serão realizadas as reuniões, assim como para o retorno. Informamos que o combustível para toyota e embarcações da instituição será custeado pelo projeto.

A seguir especificamos as necessidades referentes a cada uma das reuniões: Reunião de Pauini – Aldeia Nova Vista – 10 a 14 de outubro.

Disponibilização de embarcação para o deslocamento da equipe executora do projeto (4 pessoas) desde Boca do Acre até a aldeia Nova Vista com os produtos de alimentação para a reunião e com o combustível para os participantes. O deslocamento está previsto para o dia 9 de outubro, sendo o retorno no dia 15 de manhã.

Reunião de Boca do Acre – T.I. Apurinã BR 317 Km 124 – 20 a 24 de outubro

Disponibilização de veículo para deslocamento da equipe com as mercadorias, assim como dos participantes da reunião desde Boca do Acre até a aldeia onde será realizada a reunião, na TI Apurinã BR 317 Km 124. O deslocamento está previsto para o dia 19 de outubro, sendo a volta no dia 25

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Anexo 1: Documentos oficiais dirigidos pela equipe executora ao DSEI/Alto Purus e à CASAI.

180

de manhã. Dado que prevemos a participação entre 30 e 40 pessoas, consideramos que um ônibus seria o mais adequado.

Disponibilização de veículo para deslocamento dos participantes Kaxarari

desde Extrema até a aldeia onde será realizada a reunião na TI Apurinã BR 317 Km 124. O deslocamento está previsto para o dia 19 de outubro, sendo a volta no dia 25 de manhã. Está prevista a participação de três kaxarari.

Reunião de Sena Madureira – Aldeia Caiapucá – 1 a 5 de novembro.

Disponibilização de veículo para deslocamento de nove participantes Jaminawa e Manchineri das TIs Cabeceira do Rio Acre, Manchineri do Seringal Guanabara, e Mamoadate desde Assis Brasil até Sena Madureira. O deslocamento está previsto para o dia 29 de outubro, sendo a volta o dia 8 de novembro.

Disponibilização de embarcação para deslocamento dos participantes de Assis

Brasil e da equipe executora desde Sena Madureira até a aldeia Caiapucá. O deslocamento está previsto para o dia 30 de outubro, sendo a volta o dia 6 de novembro de manhã. Solicitamos também, a participação dos profissionais de saúde atuantes

em cada região durante os dois últimos dias de cada uma das reuniões, para estarem contribuindo na reflexão sobre as possíveis formas de articulação entre o sistema oficial de saúde e o sistema médico nativo no referente, especificamente, aos sistemas de parto.

Na certeza de sermos atendidos, Atenciosamente, ______________________________

Laura Pérez Gil Coordenadora Antropológica do Projeto

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Anexo 1: Documentos oficiais dirigidos pela equipe executora ao DSEI/Alto Purus e à CASAI.

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Carta 01 Ao Chefe do CASAI/Rio Branco Assunto: Solicitação Prezado senhor, Em primeiro lugar, agradecemos a sua senhoria o apoio ao deslocamento

feito no trecho Rio Branco – Sena Madureira no dia 26 do presente mês para a realização de trabalhos frente ao pólo-base deste município.

Na seqüência do desenvolvimento das nossas atividades previstas no projeto “Valorização e Adequação dos Sistemas de Parto Tradicionais das Etnias Indígenas do Acre e Sul de Amazonas”, solicitamos mais uma vez seu apoio para o deslocamento que precisamos realizar entre Rio Branco e Assis Brasil no dia 28. Na certeza de contar seu apoio,

Atenciosamente,

_____________________________ Letícia Luiza Yawanawa

Coordenadora da SITOAKORE

______________________________ Laura Pérez Gil

Coordenadora Antropológica do projeto

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Anexo 2: Convites.

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11.2. Anexo 2: Convites

CONVITE

Às Comunidades das Terras Indígenas da região de Pauini

Informamos sobre o início do Projeto “Valorização e Adequação dos Sistemas

de Parto Tradicionais das Etnias Indígenas do Acre e do Sul do Amazonas” cujos objetivos são valorizar o trabalho das parteiras e dos pajés que já atuam na assistência ao parto e refletir sobre como articular suas práticas com o sistema oficial de saúde.

Como um dos métodos de trabalho, realizaremos no período do dia 10 a 14 de outubro a 4ª Reunião Regional de Parteiras, Pajés e Agentes Indígenas de Saúde na Nova Vista (TI Peneri/Tacaquiri), onde prevemos a participação de representantes dos povos indígenas das seguintes terras indígenas da região de Pauini: Água Preta/Inari, Camadeni, Catipari/Mamoriá, Guajahã, Peneri/Tacaquiri, Seruini/Marienê, Tumiã, Teuini.

O objetivo da reunião é possibilitar a troca de experiências dos participantes e promover a reflexão sobre os problemas vivenciados pelas comunidades.

São convidados a participar da reunião de Pauini três representantes (01 parteira, 01 pajé e 01 Agente Indígena de Saúde de preferência mulher) das seguintes TIs:

3 representantes Apurinã da TI Água Preta/Inari; 3 representantes Apurinã da TI Camadeni; 3 representantes Apurinã da TI Catipari/Mamoriã; 3 representantes Camadeni da TI Catipari/Mamoriá 3 representantes Apurinã da TI Guajahã; 6 representantes Apurinã da TI Peneri/Tacaquiri; 3 representantes Apurinã da TI Seruini/Marienê; 3 representantes Apurinã da TI Tumiã 3 representantes Jamamadi da TI Teuini Informamos que nos 2 últimos dias desta reunião, estarão presentes os

profissionais de saúde que atuam junto às comunidades para manter um diálogo com os participantes indígenas.

Os participantes que tiverem produtos para vender (banana, arroz, feijão, amendoim, pupunha, carne, peixe) podem trazer para ajudar na alimentação durante a reunião. Se for possível, avisar pelo rádio o que as pessoas estão trazendo.

Comunicaremos antecipadamente qualquer alteração na programação.

Atenciosamente

SITOAKORE/ OLHAR ETNOGRÁFICO / VIGISUS II - FUNASA

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Anexo 2: Convites.

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CONVITE Às Comunidades das Terras Indígenas da região de Boca

do Acre Informamos sobre o prosseguimento do Projeto “Valorização e Adequação dos

Sistemas de Parto Tradicionais das Etnias Indígenas do Acre e do Sul do Amazonas” cujos objetivos são valorizar o trabalho das parteiras e dos pajés que já atuam na assistência ao parto e refletir sobre como articular suas práticas com o sistema oficial de saúde.

Como um dos métodos de trabalho, realizaremos no período do dia 20 a 24 de outubro a 5ª Reunião Regional de Parteiras, Pajés e Agentes Indígenas de Saúde na aldeia (TI ), onde prevemos a participação de representantes dos povos indígenas das seguintes terras indígenas da região de Boca do Acre: Kaxarari, Apurinã BR 317 Km 124, Boca do Acre (Apurinã Km 45), Camicuã, Igarapé Capana, Inauni, Lurdes/Cajueiro, Goiaba/Monte, Iquirema e Valparaíso.

O objetivo da reunião é possibilitar a troca de experiências dos participantes e promover a reflexão sobre os problemas vivenciados pelas comunidades.

São convidados a participar da reunião de Boca o Acre três representantes (01 parteira, 01 pajé e 01 Agente Indígena de Saúde de preferência mulher) das seguintes TIs:

3 representantes Apurinã da TI Apurinã BR 317 Km 124; 3 representantes Kaxarari da TI Kaxarari; 3 representantes Apurinã da TI Boca do Acre (Apurinã Km 45) 3 representantes Apurinã da TI Camicuã; 3 representantes Jamamadi da TI Igarapé Capana; 3 representantes Jamamadi da TI Inauni; 3 representantes Jamamadi da TI Lurdes/Cajueiro 3 representantes Apurinã da TI Lurdes/Cajueiro 3 representantes Jamamadi da TI Goiaba/Monte 3 representantes Apurinã da TI Goiaba/Monte 3 representantes Jamamadi da TI Iquirema 3 representantes Apurinã da TI Valparaíso Informamos que nos 2 últimos dias desta reunião, estarão presentes os

profissionais de saúde que atuam junto às comunidades para manter um diálogo com os participantes indígenas.

Os participantes que tiverem produtos para vender (banana, arroz, feijão, amendoim, pupunha, carne, peixe) podem trazer para ajudar na alimentação durante a reunião. Se for possível, avisar pelo rádio o que as pessoas estão trazendo.

Comunicaremos antecipadamente qualquer alteração na programação.

Atenciosamente

SITOAKORE/ OLHAR ETNOGRÁFICO / VIGISUS II - FUNASA

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Anexo 2: Convites.

184

CONVITE Às Comunidades das Terras Indígenas da região de Sena

Madureira Informamos sobre o início do Projeto “Valorização e Adequação dos Sistemas

de Parto Tradicionais das Etnias Indígenas do Acre e do Sul do Amazonas” cujos objetivos são: valorizar o trabalho das parteiras e dos pajés que já atuam na assistência ao parto e refletir sobre como articular suas práticas com o sistema oficial de saúde.

Como um dos métodos de trabalho, realizaremos no período do dia 1 a 5 de novembro a 6ª Reunião Regional de Parteiras, Pajés e Agentes Indígenas de Saúde na aldeia (TI ), onde prevemos a participação de representantes dos povos indígenas das seguintes terras indígenas da região de Sena Madureira, Assis Brasil, Sta. Rosa do Purus e Manoel Urbano: Cabeceira do Rio Acre, Manchineri do Seringal Guanabara, Mamoadate, Jaminawa do Guajará, Alto Rio Purus, Jaminawa do Rio Caeté, Yaminawa do Caiapucá, Jaminawa da Colocação São Paulino.

O objetivo da reunião é possibilitar a troca de experiências dos participantes e promover a reflexão sobre os problemas vivenciados pelas comunidades.

São convidados a participar da reunião de Sena Madureira três representantes (01 parteira, 01 pajé e 01 Agente Indígena de Saúde de preferência mulher) das seguintes TIs:

3 representantes Jaminawa da TI Cabeceira do Rio Acre; 3 representantes Manchineri da TI Manchineri do Seringal Guanabara; 3 representantes Manchineri da TI Mamoadate; 3 representantes Jaminawa da TI Mamoadate; 3 representantes Jaminawa da Jaminawa do Guajará; 3 representantes Kaxinawa da TI Alto Rio Purus; 3 representantes Jaminawa da TI Alto Rio Purus; 3 representantes Kulina da TI Alto Rio Purus; 3 representantes Jaminawa da TI Jaminawa do Rio Caeté; 3 representantes Jaminawa da TI Jaminawa do Caiapucá; 3 representantes Jaminawa da TI Jaminawa da Colocação São Paulino. Informamos que nos 2 últimos dias desta reunião, estarão presentes os

profissionais de saúde que atuam junto às comunidades para manter um diálogo com os participantes indígenas.

Os participantes que tiverem produtos para vender (banana, arroz, feijão, amendoim, pupunha, carne, peixe) podem trazer para ajudar na alimentação durante a reunião. Se for possível, avisar pelo rádio o que as pessoas estão trazendo.

Comunicaremos antecipadamente qualquer alteração na programação.

Atenciosamente

SITOAKORE/ OLHAR ETNOGRÁFICO / VIGISUS II - FUNASA

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Anexo 3: Listas de participantes.

185

11.3. Anexo 3: Listas de participantes

Lista de Participantes 4ª Reunião de Parteiras, Pajés e AIS Aldeia Nova Vista, 10 a 14 de Outubro

PARTEIRAS

• Leonilla Muniz de Souza – Aldeia Nova, T.I. Camadeni • Valdeniza Santos da Silva Apurinã – Aldeia Mipiri, T.I. Agua Preta/Inari • Creuza Gomes da Silva – Aldeia Guajahã, T.I. Guajahã • Neuza Francisca da Silva Apurinã – Aldeia Nova Esperança, T.I. Agua Preta/Inari • Maria da Conceição Sobrinho dos Santos, aldeia Kamarapú - T.I. Catipari/Mamoriá • Corina F. Batista Apurinã – Aldeia São Gerônimo, T.I. Catipari/Mamoriá • Darci Carla dos Santos - Aldeia Nova Vista, T.I. Peneri/Tacaquiri • Eucilene Julião dos Santos • Maria Socorro Batista Ramos – Aldeia São José de Catipari, T.I. Catipari/Mamoriá • Maria Conceição Ferreira da Silva - Aldeia Nova Floresta, T.I. Peneri/Tacaquiri • Elsa Lopes Apurinã – Aldeia Cachoeira, T.I. Peneri/Tacaquiri • Lucineide Barbosa Brasil Apurinã – aldeia Kassiria, T.I. Seruini/Marienê • Francisca B da Silva Apurinã – Aldeia Boa União, T.I. Peneri/Tacaquiri • Antonia Lima dos Santos – Aldeia Marienê, T.I. Seruini/Marienê • Maria da Silva Damisseis – aldeia Veracuz, T.I. Peneri/Tacaquiri • Isabel B. Vicente – Aldeia São Francisco, T.I. Agua Preta/Inari • Dalvina Paula dos Santos Apurinã – Aldeia Nova Floresta, T.I. Peneri/Tacaquiri • Lucila Justino Araujo Apurinã – Aldeia Jagunço II, T.I. Peneri/Tacaquiri • Maria Aduda Muniz Apurinã – Aldeia Karuá, T.I. Catipari/Mamoriá • Maria das Graças Nascimento dos Santos – Aldeia Nova Vista, T.I. Peneri/Tacaquiri • Antonia Sinzino dos Santos – Aldeia Nova Vista, T.I. Peneri/Tacaquiri • Maria Vicente de Oliveira Apurinã – aldeia Castanheira, T.I. Agua Preta/Inari

PAJÉS

• Euclides Carlos dos Santos Apurinã – Aldeia Nova Vista, T.I. Peneri/Tacaquiri • Manuel Carlos dos Santos Apurinã – Aldeia Nova Vista, T.I. Peneri/Tacaquiri • Valdemar Mulato Apurinã

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Anexo 3: Listas de participantes.

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AIS

• Mª do Socorro Justino de Araujó Apurina – Aldeia Jagunço, T.I. Peneri/Tacaquiri • Francisco Paulo dos Santos - Aldeia Nova Floresta, T.I. Peneri/Tacaquiri • Cleomar Franco da Silva Apurinã - Aldeia Guajahã, T.I. Guajahã • Francelino Francisco da Silva Apurinã • Eleonor Muniz Batista • Juvenil Araujo de Souza – Aldeia Nova Vista, T.I. Peneri/Tacaquiri • José Raimundo Fortino Muniz – Aldeia Nova, T.I. Camadeni • Raimundo Cardoso dos Santos

LIDERANÇAS

• Francisco Francelino Rafael • Francisco Diassiz Francileno Batista • Francisco Cardoso dos Santos • Israel Francisco Soares– Aldeia Nova Vista, T.I. Peneri/Tacaquiri • Francisco Sobren dos Santos • José Avelino Vicente Apurinã

Outros

• Francisco Cardoso dos Santos • Sandoval Carlos da Silva • Francisco dos Santos Soares – professor– Aldeia Nova Vista, T.I. Peneri/Tacaquiri

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Anexo 3: Listas de participantes.

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Lista de Participantes 5ª Reunião de Parteiras, Pajés e AIS. Aldeia Camicuã, 20 a 24 de Outubro. PARTEIRAS

• Cleucivania Pereira de Oliveira Apurinã (parteira suplente) – aldeia Centrinho, T.I. Camicuã.

• Edineuza Lima Acácio Apurinã – aldeia Centrinho, T.I. Camicuã. • Rosa Maria da Silva Pantoja Apurina (parteira suplente) – Aldeia Camapa, T.I.

Apurinã BR 314, Km. 124. • Nazira Gonçalves da Silva, Aldeia Camicuã, T.I. Camicuã. • Maria José Fernandes da Silva, Aldeia Camicuã, T.I. Camicuã. • Maria Antonia Carlos Apurinã, Aldeia Camicuã, T.I. Camicuã. • Maria das Dores Monteiro da Silva – aldeia Catispero, T.I. Camicuã. • Sebastiana Gonçalves da Silva – aldeia Catispero, T.I. Camicuã. • Rosalina Bernaldo da Silva Apurinã – aldeia Camicuã, T.I. Camicuã. • Noeme Bernaldo da Silva – Aldeia Camicuã, T.I. Camicuã. • Maria Bernaldo da Silva – Aldeia Camicuã, T.I. Camicuã. • Nice Gonçalves Apurinã – Aldeia Camicuã, T.I. Camicuã. • Margarida Pereira – aldeia Santo Antônio, T.I. Inauini/Teuini. • Raimunda Pereira Gonçalves – Aldeia Santo Antônio, T.I. Inauini/Teuini. • Ondina Pessoa do Nascimento - Aldeia Camapã, T.I. Apurinã BR 314, Km. 124. • Raimunda de Andrade Apurinã – T.I. Apurinã BR 314, Km. 124. • Caci da Silva Apurinã - T.I. Apurinã BR 314, Km. 124. • Lunga S. de Lima – aldeia Manhê - T.I. Apurinã BR 314, Km. 124. • Elizabete – aldeia Lurdes, T.I. Lurdes/Cajueiro. • Rocilda Morena Nascimento – Aldeia Camicuã, T.I. Camicuã.

PAJÉS

• Manoel Oliveira Silva – Aldeia Santo Antonio, T.I. Inauini/Teuini. AIS

• Roberto Pequeno de Oliveira Apurinã – Aldeia Centrim, T.I. Camicuã. • Leticia Pequeno da Silva Apurinã – Aldeia Camicuã, T.I. Camicuã. • Valdemir P. Gonçalves – Aldeia Santo Antonio, T.I Inauini/Teuini. • José Gonçalves da Silva – aldeia Camicuã, T.I. Camicuã. • José Edison do Nascimento – aldeia Camapa, T.I. Apurinã BR 314, Km.124 • Jeffersson Teixeira da Silva Apurinã, aldeia Catispero, T.I. Camicuã. • AIS da aldeia Lurdes, T.I. Lurdes/Cajueiro.

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Anexo 3: Listas de participantes.

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LIDERANÇAS

• Raimundo F. Benedito da Silva – aldeia Camapã, T.I. Apurinã BR 314, Km. 124 • Manoel Gonçalves da Silva - aldeia Catispero, T.I. Camicuã. • Valdemar Pereira Silva – aldeia Santo Antonio • Marechal, Aldeia Camicuã, T.I. Camicuã.

Outros:

• Evandro G. Apurinã – Conselheiro Distrital, aldeia Camicuã. • Gercinho Vieira Apurinã – Agente Agroflorestal, aldeia Camicuã. • Rosemiro Rodrigues dos Santos - Agente Agroflorestal, aldeia Camicuã. • Santos Pinheiro Golçalves, Aldeia Camicuã, T.I. Camicuã. • José Claudio do Nascimento, Aldeia Camicuã, T.I. Camicuã.

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Anexo 3: Listas de participantes.

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Lista de Participantes 6ª Reunião de Parteiras, Pajés e AIS. Aldeia Kaiapucá, 4 a 8 de Novembro. PARTEIRAS

• Alice Jaminawa, aldeia Kaiapucá, T.I. Kaiapucá. • Angélica Jaminawa, aldeia Buenos Aires, T.I. Jaminawa do Rio Caeté. • Lucia Machico Jaminawa, aldeia Boca do Canamari, T.I. Jaminawa do Rio Caeté. • Neuza M. Jaminawa, aldeia Extrema, T.I. Jaminawa do Rio Caeté. • Maria Alves Kaxarari, aldeia Paxiuba, T.I. Kaxarari. • Francisca Martins Kaxarari, aldeia Marmelindo, T.I. Kaxarari. • Rita A. Costa Kaxarari, aldeia Marmelindo, T.I. Kaxarari. • Helena Barroso, aldeia São Paulino, T.I. Jaminawa da Colocação São Paulino. • Rosa Oliveira Kaxinawa, aldeia Puerto Rico, T. I. Alto Purus. • Maria Yndera Waidor Kulina, aldeia Santa Julia, T. I. Alto Purus. • Terezinha Rume Kulina aldeia Buaçú, T. I. Alto Purus.

PAJÉS

• Carlitos, aldeia Kaiapucá, T.I. Kaiapucá. • Raimundo, aldeia Kaiapucá, T.I. Kaiapucá.

AIS

• Urias Nunes Jaminawa, aldeia São Paulino, T.I. Jaminawa da Colocação São Paulino.

• Francisco Manuel da Silva Jaminawa, aldeia Boca do Canamari, T.I. Jaminawa do Rio Caeté.

• Paulo Machico Jaminawa, aldeia Buenos Aires, T.I. Jaminawa do Rio Caeté. • Vitoria de Lourdes Jaminawa, aldeia Kaiapucá, T.I. Kaiapucá. • Lauro N.S. Jaminawa, aldeia Extrema, T.I. Jaminawa do Rio Caeté.

LIDERANÇAS

• Jadiel, aldeia Kaiapucá, T.I. Kaiapucá. • Aderaldo Correia da Silva – Coordenador da OCAERJ

REPRESENTANTES de MULHERES:

• Marizina Kaxarari, aldeia Paxiuba, T.I. Kaxarari. • Osmarina Nonato l. Kaxinawa, aldeia Puerto Rico, T. I. Alto Purus.

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Anexo 3: Listas de participantes.

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Outros • Mariquinha Jaminawa, aldeia Kaiapucá, T.I. Kaiapucá. • Sueli Mendes Jaminawa, aldeia Kaiapucá, T.I. Kaiapucá. • Natalia Lopes Jaminawa, aldeia Kaiapucá, T.I. Kaiapucá. • Joana da Silva Jaminawa, aldeia Kaiapucá, T.I. Kaiapucá. • José Quinho Jaminawa, aldeia Kaiapucá, T.I. Kaiapucá.

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Anexo 4: Roteiros das reuniões

191

11.4. Anexo 4: Roteiros das reuniões

4ª Reunião das Parteiras, Pajés e AIS. Projeto “Valorização e adequação dos sistemas de parto

tradicionais das etnias indígenas do Acre e do Sul do Amazonas” Local: Aldeia Nova Vista. T.I. Peneri/Tacaquiri, município de Pauini, AM Data: 10 a 14 de outubro de 2006

ROTEIRO PARA CONVERSA 10 de outubro de 2006 Manhã:

Abertura da reunião: Apresentação cultural. Apresentação do projeto pelas representantes da Sitoakore e as

técnicas do projeto. Apresentação dos participantes.

Tarde: Avaliação dos cursos de Aperfeiçoamento das Parteiras Tradicionais

Indígenas. O que é medicina tradicional?

11 de outubro de 2006 Manhã:

Apresentação cultural. Perfil da parteira. Trabalho das parteiras, pajés e AIS. Tarde:

Partos na aldeia e partos na cidade: vantagens e desvantagens. Conversa sobre o pré-natal, a saúde da grávida e os encaminhamentos

para a cidade.

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Anexo 4: Roteiros das reuniões

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12 de outubro de 2006 Manhã:

Apresentação cultural. Cuidados com a grávida (resguardos, dietas) e amamentação.

Tarde: Preparação da conversa com os profissionais de saúde. Propostas de políticas públicas para valorização da medicina tradicional

13 de outubro de 2006 Manhã:

Apresentação cultural. Chegada dos profissionais de saúde não indígenas Quais são os problemas que os profissionais de saúde e as

comunidades indígenas enfrentam em relação à saúde indígena. Tarde:

Como melhorar a saúde indígena. 14 de outubro de 2006 Manhã:

Levantamento dos pontos importantes e construção de um documento final.

Avaliação da reunião. Tarde:

Acertos com os participantes relativos a auxílio transporte e alimentação, cozinheiras, lenheiro e monitoras. Encerramento

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Anexo 4: Roteiros das reuniões

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5ª Reunião das Parteiras, AIS e Pajés.

Projeto “Valorização e adequação dos sistemas de parto tradicionais das etnias indígenas do Acre e do Sul do Amazonas”

Local: Aldeia Camicuã. T.I. Camicuã, município de Boca do Acre, AM Data: 20 a 24 de outubro de 2006

ROTEIRO PARA CONVERSA 20 de outubro de 2006 Manhã:

Abertura da reunião: Apresentação cultural. Apresentação do projeto pelas representantes da Sitoakore e as

técnicas do projeto. Apresentação dos participantes.

Tarde: Avaliação dos cursos de Aperfeiçoamento das Parteiras Tradicionais

Indígenas. O que é medicina tradicional?

21 de outubro de 2006 Manhã:

Apresentação cultural. Perfil da parteira. Trabalho das parteiras, pajés e AIS. Tarde:

Partos na aldeia e partos na cidade: vantagens e desvantagens. Conversa sobre o pré-natal, a saúde da grávida e os encaminhamentos

para a cidade.

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Anexo 4: Roteiros das reuniões

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22 de outubro de 2006 Manhã:

Apresentação cultural. Cuidados com a grávida (resguardos, dietas) e amamentação.

Tarde: Preparação da conversa com os profissionais de saúde. Propostas de políticas públicas para valorização de medicina tradicional

23 de outubro de 2006 Manhã:

Apresentação cultural. Chegada dos profissionais de saúde não indígenas Quais são os problemas que os profissionais de saúde e as

comunidades indígenas enfrentam em relação à saúde indígena. Tarde:

Como melhorar a saúde indígena. 24 de outubro de 2006 Manhã:

Levantamento dos pontos importantes e construção de um documento final.

Avaliação da reunião. Tarde:

Acertos com os participantes relativos a auxílio transporte e alimentação, cozinheiras, lenheiro e monitoras. Encerramento

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Anexo 4: Roteiros das reuniões

195

6ª Reunião das Parteiras, AIS e Pajés. Projeto “Valorização e adequação dos sistemas de parto

tradicionais das etnias indígenas do Acre e do Sul do Amazonas” Local: Aldeia Caiapucá. T.I. Jaminawa do Caiapucá, município de Boca

do Acre, AM Data: 4 a 8 de novembro de 2006

ROTEIRO PARA CONVERSA 4 de novembro de 2006 Manhã:

Abertura da reunião: Apresentação cultural. Apresentação do projeto pelas representantes da Sitoakore e as

técnicas do projeto. Apresentação dos participantes.

Tarde: Avaliação dos cursos de Aperfeiçoamento das Parteiras Tradicionais

Indígenas. Medicina tradicional.

5 de novembro de 2006 Manhã:

Apresentação cultural. Perfil da parteira. Trabalho das parteiras, pajés e AIS. Tarde:

Partos na aldeia e partos na cidade: vantagens e desvantagens. Conversa sobre o pré-natal, a saúde da grávida e os encaminhamentos

para a cidade.

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Anexo 4: Roteiros das reuniões

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6 de novembro de 2006 Manhã:

Apresentação cultural. Cuidados com a grávida (resguardos, dietas) e amamentação.

Tarde: Preparação da conversa com os profissionais de saúde. Propostas de políticas públicas para valorização de medicina tradicional

7 de novembro de 2006 Manhã:

Apresentação cultural. Chegada dos profissionais de saúde não indígenas Quais são os problemas que os profissionais de saúde e as

comunidades indígenas enfrentam em relação à saúde indígena. Tarde:

Como melhorar a saúde indígena. 8 de novembro de 2006 Manhã:

Levantamento dos pontos importantes e construção de um documento final.

Avaliação da reunião. Tarde:

Acertos com os participantes relativos a auxílio transporte e alimentação, cozinheiras, lenheiro e monitoras. Encerramento

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Anexo 5: Cadastros das parteiras

197

11.5. Anexo 5: Cadastros das parteiras

Nome Data de nascimento ou Idade

Aldeia

Com quem aprendeu Quando aprendeu Quantas crianças pegou Cursos

Maria da Silva Damisseis Apurinã

03/06/1941 Veracruz

Assistindo os partos de sua mãe e sua tia. Lhe indicaram como tinha que fazer. A avó dela a ensinou a ajeitar criança. Sua avó era apurinã, não sabia falar português.

Fez o primeiro parto (de sua mãe) com 12 anos. Aprendeu quando já era moça, mas não estava casada.

Pegou muita criança. Só pega crianças da aldeia, filhos dos seus parentes.

- GMI - FUNASA A própria comunidade a apontou para participar dos cursos. Comentário: O que a doutor ensinou, ela já sabia.

Creuza Gomes da Silva

07/12/37 Guajahã.

Depois de fazer o primeiro parto de sua cunhada por necessidade, começou a acompanhar sua mãe e outras parteiras que a chamavam. Quando as parteiras morreram, ela ficou.

Já era casada com filhos quando começou a pegar criança.

Pegou 21 crianças: das filhas, das noras. Nunca pegou dos brancos. Fez dois partos de gêmeos, sem problema. Duas crianças morreram com sete dias com “mal de criança”.

- GMI - FUNASA (A comunidade a indicou para fazer o curso).

Lucineide Barbosa Brasil

22/07/1966

Kassiriã

Aprendeu escutando as velhas como tinha que fazer. Ganhou seu primeiro filho sozinha. Sua mãe apenas explicou algumas coisas.

A primeira criança que pegou está com treze anos, o mais novo com 4.

6 crianças de suas cunhadas, além de três crianças dela mesma. Nunca teve nenhum problema.

Não fez curso

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Anexo 5: Cadastros das parteiras

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Leonilla Muniz de Souza 433141

04/01/1958

Aldeia Nova

O primeiro parto o fez por necessidade, para ajudar a sua prima que entrou em trabalho de parto e não tinha ninguém para assistir. Depois que ela mesma teve o primeiro filho, sua mãe começou a ensiná-la.

Tinha em torno de 12 anos quando pegou a primeira criança, mas sua mãe começou a ensiná-la depois que teve seu primeiro filho

Antes do curso, pegou 16 crianças, e depois do curso três.

- GMI - Funasa

Maria Vicente de Oliveira Apurinã

46 anos Castanheira.

Aprendeu com sua mãe. Numa ocasião, não tinha ninguém para pegar. As cunhadas a chamaram e ela fez. Também fez partos na cidade, as brancas a chamavam. Pegou filhos da irmã e da cunhada. Quando começou a pegar crianças, estava casada e tinha três filhos.

Antes do curso, tinha feito quatro partos; depois do curso, fez dois partos na aldeia e dois na cidade.

- GMI - FUNASA

D. Corina São Gerônimo

Aprendeu com a sogra. Começou a pegar crianças das filhas e noras. Apenas pega das suas vizinhas.

A primeira criança que pegou era da mulher do seu sobrinho. Ela já era casada e com filhos.

2006: 2 crianças 2002: 1 2001: 1 2000: 1 1999: 2 1998: 2 1997: 2 1996: 3 1995: 2 1994: 1 1993: 1 1992: 1 1991: 1 1988: 1 1986: 1 Só fez partos dentro de sua comunidade.

- GMI - FUNASA

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Anexo 5: Cadastros das parteiras

199

Rosilda Moreira de Nascimento (branca casada com um índio)

63 Maripuá

Aprendeu com a parteira que tinha na comunidade. Era uma parteira branca. Rocilda a acompanhava.

Tinha 31 anos quando começou a pegar crianças da comunidade e dos brancos.

Pega crianças de várias aldeias: Maripuá, Nova Vista. Pegou os filhos das filhas, das netas e das irmãs.

Não fez nenhum curso

Dona Duda Karuá

Aprendeu com a mãe. Viu a mãe assistindo partos de outras mulheres e aprendeu olhando.

A primeira criança que pegou, era da sua irmã. Pegou das cunhadas, filhas e noras. Já era idosa quando começou a pegar.

Pegou dez crianças, dois delas depois do curso. Uma criança foi natimorto. Fez o parto de uma criança que nasceu de braço.

- GMI - FUNASA

Lucilla Justina Araújo Apurinã

42 Jagunço II Viu sua mãe assistindo duas vezes. Depois que casou, morava com a sogra e aprendeu com ela. Com ela aprendeu a colocar as crianças dentro da barriga

Tinha 17 anos quando fez o primeiro parto. Antes tinha acompanhado: segurava a grávida antes do parto, andava com ela.

Pegou 23 crianças, todas de parentes: sobrinhas, primas filhas; 13 delas antes do curso e 10 depois do curso

- GMI - FUNASA

Maria Conceição Sobrino dos Santos

25 Kamarapú.

Aprendeu acompanhando sua sogra. Aprendeu quando tinha 20 anos. Quando começou a acompanhar a sogra e a mãe, já era mãe de sete filhos.

Pegou dois meninos no Mipiri: estando ela lá, não tinha nenhuma parteira.

FUNASA.

Mª Socorro Ramos Francilene Batista

08/06/1963

São José de Catipari.

Aprendeu acompanhando sua tia, que era parteira.

Começou a pegar criança já sendo idosa. Pegou os filhos de sua cunhada, da mulher do seu primo.

Pegou cinco crianças. Nunca teve nenhum problema.

Ainda não fez nenhum curso.

Dalvina Paulo dos Santos

36 Nova Floresta

Aprendeu acompanhando sua mãe. Quando era solteira, a chamava apenas para fazer chá. Depois de casada, a chamava para ver o parto. Agora ficou no lugar da mãe, que não tem mais condições de fazer os partos. A mãe a ensinou a ajeitar as crianças.

Pegou a primeira criança quando tinha 13 anos. Não tinha nenhum conhecimento

Pegou 11 crianças: nove foram partos normais, e; um foi um aborto de três meses, por causa de uma queda da rede. Outro nasceu sentado. Depois do curso, pegou uma criança.

- FUNASA

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Anexo 5: Cadastros das parteiras

200

Francisca Bernardo da Silva Apurinã

59 Boa União. Aprendeu acompanhando sua mãe. A chamava e a deixava entrar embaixo do mosquiteiro. Quando sua mãe foi embora, não tinha parteira, então começaram a chamar ela.

Já era “idosa” quando fez o primeiro parto.

Pegou 40 crianças da aldeia, além de mais dois dos brancos. As pessoas a chamam, também indígenas que não moram na aldeia.

- FUNASA.

Izabel Batista Vicente Apurinã

Não sabe (Entre 55 e 60)

São Francisco.

Aprendeu vendo a parteira branca muito boa. A viu trabalhando e começou a perguntar. Não aprendeu com sua mãe. A sogra pegava criança; quando a sogra foi embora, ela ficou.

A primeira criança que pegou foi de sua filha. Ela não sabia como era. Acha que foi Deus que ajudou.

Pegou muitas crianças, principalmente de suas filhas e netas, de suas sobrinhas próximas. Faz principalmente o parto de pessoas próximas. Tem medo por se acontece algum problema e alguém cobra dela.

- FUNASA

Elsa Mais de 80 anos

Cachoeira

Foi a mãe dela que ensinou. Durante o parto sua mãe foi explicando como tinha que fazer. Depois fez de duas irmãs. Depois uma tia a ensinou a fazer massagem com óleo de andiroba e a ajeitar a criança.

O primeiro parto que fez foi o da sua mãe, quando ela ainda não era casada.

Pegou muitas crianças. Só de suas netas pegou 48. Também as brancas de Pauini a chamam ela; já fez 10 partos das brancas.

- GMI - FUNASA

Antônia Lima dos Santos (Branca casada com índio)

Maripuá

16/10/1959 A primeira criança que pegou, não sabia nada, o fez sozinha. Depois começou a aprender com Rosilda, de quem é atualmente acompanhante.

Já era casada e com filhos quando fez o primeiro parto, que foi da filha do seu marido.

Participou em oito partos. Apenas fez um sozinha.

Não fez curso.

Antonia Sinzino dos Santos (Branca casada com um apurinã).

15/03/1962

Nova Vista.

Ninguém ensinou como tinha que fazer o corte do umbigo, ela mesma sabia. Quando era criança e sua mãe ia ganhar nenê, sua tia as levava longe, ninguém sabia nada. Soube como fazer por seu próprio pensamento.

Tinha 13 anos quando fez o primeiro parto. Depois que casou com um apurinã, começou a pegar na aldeia.

Entre 2000 e 2006 pegou dez crianças, que anotou no talão de registro do parto dado pelo GMI. Também fez partos de mulheres não-indígenas na região de Lábrea, antes de vir morar com os Apurinã.

- GMI - SITOAKORE

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Anexo 5: Cadastros das parteiras

201

Darci Em torno de 50

anos. Nova Vista Acompanhante de Antônia.

Acompanhou a mãe e a avó quando iam assistir partos.

Já era “idosa” quando começou a pegar.

Três crianças, duas delas por necessidade durante viagens. Uma morreu porque não deixava de sangrar pelo umbigo.

- GMI

Maria Conceição F. da Silva

34 Nova Floresta Aprendeu acompanhando Dalvina fazer parto.

Começou faz três anos. Acompanhou 3 partos Não fez curso

Neuza Em torno de 18 Nova Esperança

Acompanha sua mãe e fez o curso de parteiras.

Nunca fez nenhum parto. Fez um curso.

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Anexo 5: Cadastros das parteiras

202

Nome Aldeia Ano de nascimento

ou idade Como aprendeu Quando aprendeu Quantas crianças

pegou. Cursos

Rosa María da Silva Pantoja

Camapã 1972 Aprendeu acompanhando D. Onda.

Nenhum

Onda Pessoa de Nascimento (Não-indígena casada com Apurinã)

Camapã

1943 Tinha 17 anos quando começou a pegar sozinha. A primeira criança que pegou foi de sua irmã, depois começou a pegar outras crianças.

Não sabe quantas crianças pegou porque foram muitas. Contou até 51. Faz partos também das não-indígenas. Nunca morreu nenhuma criança.

- Curso dado no hospital para as brancas, faz 29 anos. - Curso da FUNASA - Dois cursos do GMI em 2000 e 1999

Edineuza Lima Acácio

Centrim 1977 Aprendeu com o curso Nenhuma Curso da FUNAI em maio de 2005

Cleucivania Pereira de Oliveira Apurinã

Centrim 1983 Ajudou a pegar uma criança

Não fez curso

Lunga da Silva Lima (Não indígena casada com Apurinã)

Manhê 1946 Aprendeu acompanhando sua sogra.

Começou acompanhar sua sogra depois que casou, com 15.

12 crianças - FUNASA - GMI

Mª das Dores da Silva

Catispero

1969 Foi aprendendo aos pouco, vendo seu pai e sua madrinha, quando moravam num seringal

Começou a acompanhar com 15 anos, primeiro sua madrinha e depois sua sogra. Agora sua sogra ficou como sua acompanhante, já que é idosa.

Acompanhou no parto de 6 crianças, como ajudante da sogra, e não pegou nenhum sozinha. Depois do curso pegou um menino.

- Funasa88. Depois do curso começou a “pegar criança”.

88 Curso da FUNASA acontecido em 2006.

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Anexo 5: Cadastros das parteiras

203

Sebastiana Gonçalves da Silva

Catispero 1946 Aprendeu acompanhando sua sogra. Atualmente é a acompanhante de sua nora porque está velinha.

Não fez curso

Margarida Pereira de Souza Jamamadi

Santo Antônio Em torno de 30 anos. Aprendeu com sua prima (MZD). Depois a enfermeira a ensinou e entregou o material.

Pegou quatro crianças, todos eles filhos de sua irmã. A primeira que pegou é filho da sua irmã, e agora está com 3 anos.

Não fez curso de parteira.

Raimunda Jamamadi Santo Antônio Aprendeu com sua mãe. Pegou 7 crianças Não fez curso de parteira.

Nice Gonçalves Apurinã

Camicuã.

1935 Aprendeu com a sogra de sua prima, Dona Santa, que era a parteira que assistia os partos na aldeia, era sua cunhada.

Quando pegou a primeira criança, era casada mas não tinha filhos.

Antes do curso pegou 16 crianças, e depois do último curso, assistiu dois partos.

- GMI - FUNASA

Caci da Silva Apurinã

Estrada 124 1977 Aprendeu acompanhando sua mãe: “Eu fiz muito curso com minha mãe”

Começou acompanhar sua mãe com 12 anos.

Não sabe quantos partos já assistiu acompanhando sua mãe.

Não fez curso.

Raimunda de Andrade Apurinã

Estrada 124 1937 Aprendeu com sua mãe. Depois de casada continuou aprendendo com sua sogra, que não era indígena.

Começou a acompanhar sua mãe quando ainda era solteira.

Fez três cursos, do GMI e da FUNASA.

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Anexo 5: Cadastros das parteiras

204

Nome Data de nascimento ou idade

Aldeia Como aprendeu Quando Quantas crianças pegou

Cursos

Rosa Oliveira Kaxinawa

1975 Aldeia Puerto Rico.

Aprendeu com a mãe. O primeiro parto que fez foi o da sua cunhada.

Tinha 13 anos quando fez o primeiro parto.

Pegou 28 crianças, nenhuma delas morreu.

A comunidade a escolheu para fazer o curso. Fez trêscursos, entre eles o da FUNASA.

Maria Alves de Souza Kaxarari

1940 Paxiuba.

Aprendeu com sua mãe. Começou a aprender ainda muito nova, antes de casar.

Pegou muitas crianças.

- Dois cursos da FUNASA (Paxiúba e Ananai). - Curso de GMI em Sena Madureira

Rita Alves Costa Kaxarari

1943 Marmelindo

Aprendeu acompanhando sua sogra. A sogra a incentivou. Trabalha junto com D. Francisca.

Quando começou a pegar, ela já era casada.

Pegou muitas crianças.

Cursos: - GMI - Sena Madureira-: - FUNASA Paxiúba e Ananai

Francisca Martins Kaxarari

1943 Marmelindo Aprendeu com sua mãe dela. Tinha quatro filhos quando começou a pegar.

Não lembra mais quantas crianças pegou.

Cursos: - GMI - Sena Madureira-: - FUNASA Paxiúba e Ananai

Helena Barroso de Brito Não-indígena casada com Jaminawa

1969

São Paulino Aprendeu com a avó dela. Era já velinha e a levava para pegar criança. Depois foi para a aldeia, ela já pegava e a escolheram para ser parteira.

Tinha 18 anos quando começou a assistir partos.

Já pegou muitas crianças, só dentro da comunidade.

1 curso: FUNASA

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Anexo 5: Cadastros das parteiras

205

Lucia Machico Jaminawa

1971 Boca do Canamari

Aprendeu com sua sogra. A chamavam para pegar criança.

Pega crianças desde os 13 anos.

Já pegou 6 crianças. 1 curso: FUNASA.

Angélica da Silva Jaminawa

1977 Buenos Aires

Aprendeu com sua avó. Agora sua avó não pode mais pegar mais crianças e só ela mesma que pega na aldeia.

Era adolescente, ainda não tinha filhos.

Pegou 7 crianças Fez dois cursos: uma da FUNASA e outro do GMI Foi escolhida antes de fazer o curso

Alice Jaminawa

1974 Kaiapucá

Aprendeu sozinha. Começou a pegar e só depois aprendeu com sua irmã Vitória (AIS de Kaiapucá).

Tinha 21 anos quando começou.

Pegou 5 crianças Dois cursos

Vitória Jaminawa (AIS da aldeia)

Em torno dos 40 anos

Kaiapucá Vitória é AIS de Kaiapucá. Aprendeu assistir partos com a avó e a mãe

Vitória tinha 14 anos quando começou

Pegou 4 crianças Não fez cursos.

Neuza Marino Jaminawa

1963 Extrema

Aprendeu com a irmã, Nazaré.

Começou a trabalhar há 7 anos

Quando trabalhava no Betel pegou 5 crianças. Agora, depois do curso, já morando no Caeté, pegou 1 criança.

Só fez um curso da FUNASA

Maria Yndera Waidor Kulina

1978 Santa Julia

Aprendeu com sua mãe. Pegou 10 meninos 3 cursos

Teresinha Kulina Rume 1956 Aldeia Buaçú

Aprendeu com a irmã. Já tinha 3 meninos quando começou a pegar. A irmã morreu e ela assumiu a tarefa.

Já pegou 10 crianças. Pegou de suas primas e netas. Nunca morreu nenhuma criança.

Não fez curso

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Anexo 6: Dados sobre número de grávidas

206

11.6. Anexo 6: Dados sobre o número de grávidas e o número as pessoas que assistem os partos em cada aldeia.

Região de Pauini

89 Não necessariamente as pessoas que aparecem na tabela são as únicas que sabem assistir partos nas suas aldeias. Pode haver uma ocultação, quando se pergunta se há outras mulheres que cumprem essa função, ou porque apenas se considera aquelas que são apontadas oficialmente pela comunidade, ou pela pessoa querer monopolizar essa função, em vistas a possíveis benefícios futuros.

Aldeia População da aldeia

Número de grávidas

Pessoas que realizam partos na aldeia89

Veracruz 80 5 • Maria da Silva Damisseis Apurinã • Acompanhante de Maria

Guajarrahã 31 2 • Creuza Gomes da Silva Filha de Creuza (AIS e acompanhante)

Kassiriã 53 0 • Lucineide Barbosa Brasil Aldeia Nova 84 4 • Leonilla Muniz de Souza Castanheira 45 2 • Maria Vicente de Oliveira Apurinã São Gerônimo 90 4 (todas noras

de D. Corina) • Dona Corina • Nora de Dona Corina

Maripuã 1 • Rosilda Moreira de Nascimento • Antônia Lima dos Santos (acompanhante de Dona Rosilda).

Jagunço II

74

? • Lucilla Justina Araújo Apurinã ?

Karuá 34 2 • Dona Duda Kamarapú 63 3 • Maria Conceição Sobrino dos

Santos (única que fez curso) • Cunhada de Conceição • Sogra de Conceição

São José de Catipari

35 0 • Mª Socorro Ramos Francilene Batista

Nova Floresta 25 2 • Dalvina Paulo dos Santos • Maria Conceição F. da Silva (Acompanhante de Dalvina)

Boa União 68 • Francisca Bernardo da Silva Apurinã

São Francisco 71 • Izabel Batista Vicente Apurinã (Uma filha e uma nora a acompanham, mas tem medo de assistir os partos).

Cachoeira 72 • Elsa • Uma neta de Elsa que é AIS a acompanha.

Nova Vista 165 • Antonia Sinzino dos Santos • Darci (acompanhante de Antonia)

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Anexo 6: Dados sobre número de grávidas

207

Região de Boca do Acre Aldeia População da

aldeia Número de grávidas

Pessoas que realizam partos90

Camapã 113 • Onda Pessoa de Nascimento • Irmã de Dona Onda • Rosa María da Silva Pantoja (Nora e acompanhante de D. Onda)

Katispero 68 • Mª das Dores da Silva • Sebastiana Gonçalves da Silva (Sogra e acompanhante de Mª das Dores).

Centrim 31 0 • Edineuza Lima Acácio • Cleucivania Pereira de Oliveira Apurinã (Acompanhante de Edineuza

Manhê 97 • Lunga da Silva Lima (Há outras mulheres que sabem pegar criança)

Santo Antônio 163 • Margarida Pereira de Souza Jamamadi • Raimunda Jamamadi (acompanhante)

Camicuã 299 3 • Nice Gonçalves Apurinã • Dona Noemi • Dona Maria (está aprendendo)

Estrada 124 28 • Raimunda de Andrade Apurinã • Caci da Silva Apurinã (acompanhante) • (Tem outras mulheres que sabem assistir partos)

90 Não necessariamente as pessoas que aparecem na tabela são as únicas que sabem assistir partos nas suas aldeias. Pode haver uma ocultação, quando se pergunta se há outras mulheres que cumprem essa função, ou porque apenas se considera aquelas que são apontadas oficialmente pela comunidade, ou pela pessoa querer monopolizar essa função, em vistas a possíveis benefícios futuros.

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Anexo 6: Dados sobre número de grávidas

208

Região de Sena Madureira Aldeia População da

aldeia Número de grávidas

Pessoas que realizam partos91

Porto Rico 136 3 • Rosa Oliveira Kaxinawa • Tem outras mulheres na aldeia que assistem partos, entre elas a mãe e a irmã de Rosa.

Paxiúba 61 • Maria Alves de Souza Kaxarari

• Ausilene (Filha e acompanhante de Maria)

Marmelindo 115 5 • Rita Alves Costa Kaxarari • Francisca Martins Kaxarari

São Paulino 74 • Helena Barroso de Brito Boca do Canamari92

0 • Lucia Machico Jaminawa • Irmã de Lucia

Extrema 83 1 • Neuza Marino Jaminawa • Sogra de Neuza

Buenos Aires 43 1 • Angélica da Silva Jaminawa

Kaiapucá 104 2 • Alice Jaminawa Há várias outras mulheres que sabem assistir parto, embora Alice seja a “parteira” oficialmente escolhida pela comunidade.

Santa Julia 110 6 • Maria Yndera Waidor Kulina • Irmã de Maria

Buaçu 55 2 • Teresinha Kulina Rume

91 Não necessariamente as pessoas que aparecem na tabela são as únicas que sabem assistir partos nas suas aldeias. Pode haver uma ocultação, quando se pergunta se há outras mulheres que cumprem essa função, ou porque apenas se considera aquelas que são apontadas oficialmente pela comunidade, ou pela pessoa querer monopolizar essa função, em vistas a possíveis benefícios futuros. 92 Aldeia recém-criada a partir de uma cisão das outras aldeias do Caeté. Não há dados ainda sobre a população.

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Anexo 7: Dados sobre os locais dos partos da população indígena

209

11.7. Anexo 7: Dados sobre os locais dos partos da população indígena.

Dados fornecidos pólo-base de Boca do Acre sobre o local dos partos da população indígenas nos anos 2005 e 2006. Data Lugar do parto Etnia Comunidade da

parturiente 15/02/05 Aldeia Apurinã Camicuã 28/03/05 Aldeia Jamamadi Sto. Antônio 13/04/05 Hospital Jamamadi Iquirema 01/04/05 Aldeia Jamamadi Sto. Antônio 21/01/05 Aldeia Apurinã Km. 45 15/05/05 Aldeia Apurinã Camicuã 04/01/05 Aldeia Apurinã Camicuã 11/03/05 Aldeia Apurinã Camicuã 14/05//05 Hospital Apurinã Km. 45 10/04/05 Hospital Apurinã Camicuã 05/05/05 Aldeia Apurinã Camicuã 26/07/05 Aldeia Apurinã Km. 124 23/08/05 Hospital Jamamadi Goiaba 14/09/05 Aldeia Apurinã Camapa 22/08/05 Hospital Apurinã Camicuã 07/09/05 Aldeia Apurinã Camicuã 14/09/05 Aldeia Apurinã Camicuã 23/10/05 Hospital Apurinã Manhi (estrada) 07/11/05 Hospital Apurinã Manhi 08/11/05 Hospital Apurinã Manhi 05/01/06 Hospital Jamamadi Sto. Antonio 14/01/06 Aldeia Jamamadi Sto. Antônio 11/04/06 Hospital Apurinã Km. 45 25/08/06 Hospital Apurinã Katispero 09/06/06 Hospital Apurinã Manhi 2006 Hospital Apurinã Camicuã 2006 Aldeia Jamamadi Sto. Antônio 2006 Aldeia Jamamadi Sto. Antônio

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Anexo 7: Dados sobre os locais dos partos da população indígena

210

Dados fornecidos pólo-base de Sena Madureira sobre o local dos partos da população indígenas entre os anos 2001 e 2006. Localização 2001 2002 2003 2004 2005 2006 T.I. Aldeia Aldeia Cidade Aldeia Cidade Aldeia Cidade Aldeia Cidade Aldeia Cidade Aldeia Cidade

Boca do Canamari

1 1

Extrema 2 4 1 J.C.F - 2 4 1 3 J.C.F - 3

Caeté

Buenos Aires 2 2 J.C.F - 1 J.C.F - 2 J.C.F. – 1 Caiapucá Caiapucá 2 4 J.C.F. - 1 1 2 J.C.F - 1 3 J.C.F - 2 2 J.C.F. -2 São Paulino

São Paulino 1 B.H – 1

Barrinha 2 B.H. - 1 2 C. M - 1 2 1 3 B.H. - 2 B.H. – 1 (cesárea)

Pedrera 2 B.H. - 1 3 2 1 1 2 2 B.H. - 4 Paxiúba 1 1 S.J. - 1 2 1 B.H. - 1

Kaxarari

Marmelindo 2 P.V. – 1 S.J. – 1

4 7 2 S.J. - 2 3 S.J. - 1 3 Extrema – 1

Estabelecimentos do SUS mencionados na tabela: Maternidade Bárbara Heloísa (RBR) – B.H. Maternidade Sta. Juliana (RBR) – S.J. Hospital João Câncio Fernándes (Sena Madureira) – J.C.F. Hospital de Porto Velho – P.V. Santa Casa Misericórdia C.M.

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Anexo 8: Dados epidemiológicos

211

11.8. Anexo 8: Dados epidemiológicos93

11.8.1. Dados do pólo-base de Assis Brasil

Nº de Óbitos Ocorridos por Idade, Etnia e Causa da morte. Polo Base de Assis Brasil, Jan-Dez/2005.

Qtde. Nome Sexo Idade Etnia Data Óbito Causa da Morte

01 Rn ( Marilza) M 7d Jaminawa 13/02/05 Pneumonia

02 Dênis Estevão M 3m Manchineri 02/03/05 Pneumonia

03 Marilene (mãe) F 1m 16d Jaminawa 12/03/05 Pneumonia

04 Artemisa Salomão F 10m Jaminawa 30/07/05 Pneumonia, Parada Cardíaca Respiratória

05 Vanessa Augusto F 2d Manchineri 08/10/05 Pneumonia, Anemia grave, Desnutrição,

Septicemia, Insuficiência cardíaca, Congênita

06 Gerônimo Cabral M 70 Manchineri 31/05/05 Acidente (?) Pct encontrado abaixo de um barranco.

07 (Rn Esmeralda Melendre) F 2d Jaminawa 25/06/05 Desconhecida

08 Taiza S. Brasil F 9m Manchineri 30/11/05 Bronco - Aspiração

Demonstrativo da Taxa de Letalidade, Etnia x Principal Causa do Óbito Pólo-Base de Assis Brasil, Jan-Dez/2005.

Causa PrincipalEtnia N° Causa dos Óbitos Etnia TLEtnia

Pneumonia Outras TLPneumonia TLOutros TotalEtnia

01 Pneumonia

02 Pneumonia, Parada Cardíaca Respiratória

03 Pneumonia

03 75%

04 Desconhecida

Jaminawa 50%

01 25%

100%

05

Pneumonia, Anemia grave, Desnutrição, Septicemia,

Insuficiência cardíaca, Congênita

06 Pneumonia

02 50%

07 Acidente (?) Pct encontrado abaixo de um barranco.

08 Bronco – Aspiração

Manchineri 50%

02 50%

100%

93 Dados tomados do Relatório de Gestão do DSEI/Alto Purus referente ao ano 2005 (DSEI/Alto Purus 2005)

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Anexo 8: Dados epidemiológicos

212

11.8.2. Dados do pólo-base de Boca do Acre

Nº de Óbitos Ocorridos por Idade, Etnia e Causa da morte.

Polo Base de Boca do Acre, Jan-Dez/2005.

Qtde. Nome Sexo Idade Etnia Data Óbito Causa da Morte

01 Maico M 19 Apurinã 21/08/05 Homicídio

02 Dilermano Vieira M 30 Apurinã 13/08/05 Homicídio

03 Caboquinho M 30 Apurinã 13/08/05 Homicídio

04 Maria de Fátima Pequeno da Silva F 34 Apurinã 04/07/05 Homicídio

05 José Manoel da Silva M 84 Apurinã 09/07/05 Parada Cárdio Respiratória

06 Esrael Oliveira M 5 Apurinã 20/08/05 Cardiopatia Congenita

07 José Ferreira da Silva M 56 Apurinã 21/03/05 Desconhecida

08 Luzia da Silva F 96 Jamamadi 04/10/05 Desconhecida

Demonstrativo da Taxa de Letalidade, Etnia x Principal Causa do Óbito

Pólo-Base de Boca do Acre, Jan-Dez/2005.

Causa PrincipalEtnia

N° Causa dos Óbitos Etnia TLEtnia

Homicídio Outras TLHomicídio TLOutroS TotalEtnia

01 Homicídio

02 Homicídio

03 Homicídio

04 Homicídio

04 57,1%

05 Parada Cárdio Respiratória

06 Cardiopatia Congenita

07 Desconhecida

Apurinã 87,5%

03 42,9%

100%

08 Desconhecida Jamamadi 12,5% 01 100% 100%

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Anexo 8: Dados epidemiológicos

213

11.8.3. Dados do pólo-base de Manuel Urbano

Nº de Óbitos Ocorridos por Idade, Etnia e Causa da morte.

Pólo-Base de Manoel Urbano, Jan-Dez/2005.

Qtd. Nome Sexo Idade Etnia Data Óbito Causa da Morte

01 Izabel Kulina F 3 meses Kulina 30/4/2005 Pneumonia

02 Tião Kulina M 01 ano Madija 9/8/2005 Pneumonia

Demonstrativo da Taxa de Letalidade, Etnia x Principal Causa do Óbito Pólo-Base de Manoel Urbano, Jan-Dez/2005.

Causa PrincipalEtnia

N° Causa dos Óbitos Etnia TLEtnia

Pneumonia Outras TLPneumonia

TLOutro

s TotalEtnia

01 Pneumonia

02 Pneumonia Kulina 100% 02 0 100% 0% 100%

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Anexo 8: Dados epidemiológicos

214

11.8.4. Dados do pólo-base de Pauini

Nº de Óbitos Ocorridos por Idade, Etnia e Causa da morte. Pólo-Base de Pauini, Jan-Dez/2005.

Qtde. Nome Sexo Idade Etnia Data Óbito Causa da Morte

01 Fco R. de Souza M 79 Anos Apurinã 15/03/2005 Câncer Olho Direito

02 Sandro B. Silva M 8 Meses Apurinã 08/04/2005 Insuficiência Respiratória

03 Fco. F. Lopes M 78 Anos Apurinã 01/05/2005 Afogamento

04 Daildo B. da Silva M 7 Meses Apurinã 26/05/2005 Miningite

05 Maria Palmira F 63 Anos Apurinã 30/11/2005 Câncer Hepatico

Demonstrativo da Taxa de Letalidade, Etnia x Principal Causa do Óbito Pólo-Base de Pauini, Jan-Dez/2005.

Causa PrincipalEtniaN° Causa dos Óbitos Etnia TLEtnia

Câncer OutrosTL Câncer TLOutros TotalEtnia

01 Câncer Hepatico Apurinã

02 Câncer Olho Direito Apurinã 2 40%

Afogamento Apurinã Minigite Apurinã Insuficiência Respiratória Apurinã

100%

3 60%

100%

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Anexo 8: Dados epidemiológicos

215

11.8.5. Dados do pólo-base de Santa Rosa do Purus

Nº de Óbitos Ocorridos por Idade, Etnia e Causa da morte. Pólo-Base de Santa Rosa do Purus, Jan-Dez/2005.

Qtd. Nome Sexo Idade Etnia Data Óbito Causa da Morte

01 Fernando M 4 anos Kaxinawá 27/02/2005 Afogamento

02 Jasede f 15 dias kaxinawa 07/03/2005 Pneumonia Grave

03 Doca M 70 anos kaxinawa 10/03/2005 Cirrose Hepática

04 Maria F 63 ano Kulina 28/04/2005 Afogamento/Traumatismo

05 Roziane F 10meses Kaxinawá 09/09/2005 Desidratação e interinfecção

06 Cassiane F 6 meses Kaxinawá 12/09/2005 Desidratação e interinfecção 07 Gênesis M 1 ano Kaxinawá 14/09/2005 Desidratação e interinfecção

08 Djallene F 1 ano Kaxinawá 15/09/2005 Desidratação e interinfecção

09 Nivaldo M 1ano Kaxinawá 19/09/2005 Desidratação

10 Elizaldo M 10 meses Kaxinawá 20/09/2005 Desidratação

11 Wellitom M 7 meses Kaxinawá 23/09/2005 Desidratação e Pneumonia

12 Airton M 1 ano Kaxinawá 27/09/2005 Desidratação e Pneumonia

13 Gésica F 1 ano Kaxinawá 18/12/2005 Insuficiencia renal

Demonstrativo da Taxa de Letalidade, Etnia x Principal Causa do Óbito Pólo-Base de Santa Rosa do Purus, Jan-Dez/2005.

Causa PrincipalEtniaN° Causa dos Óbitos Etnia TLEtnia

Rotavirus OutrosTL Rotavirus TLOutros TotalEtnia

01 Desidratação (rotavirus) Kaxinawá

02 Desidratação (rotavirus) Kaxinawá

03 Desidratação (rotavirus) Kaxinawá

04 Desidratação (rotavirus) Kaxinawá

05 Desidratação (rotavirus) Kaxinawá

06 Desidratação (rotavirus) Kaxinawá

07 Desidratação (rotavirus) Kaxinawá

08 Desidratação (rotavirus) Kaxinawá

08 66,6%

09 Afogamento Kaxinawá

10 Pneumonia Grave Kaxinawá

11 Cirrose Hepática Kaxinawá

92,3

04 33,4%

100%

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Anexo 8: Dados epidemiológicos

216

12 Insuficiencia renal Kaxinawá

13 Afogamento/Traumatismo Kulina 7,7% 01 100% 100%

11.8.6. Dados do pólo-base de Sena Madureira

Nº de Óbitos Ocorridos por Idade, Etnia e Causa da morte.

Pólo-Base de Sena Madureira, Jan-Dez/2005.

Qtde. Nome Sexo Idade Etnia Data Óbito Causa da Morte

01 Rafael Martins Silva M 3 anos Kaxarari 17/02/2005 Ignorada/sem laudo medico

02 Jarcilene Batista pedro F 9 meses Jaminawa 08/06/2005 Pneumonia

03 Ernandes arirama Vilpa M 16 anos Jaminawa 23/06/2005 Afogamento

Demonstrativo da Taxa de Letalidade, Etnia x Principal Causa do Óbito Pólo-Base de Sena Madureira, Jan-Dez/2005.

N° Causa dos Óbitos Etnia TLEtnia

01 Ignorada/sem laudo médico Jaminawá

02 Pneumonia Jaminawá 66,7

03 Afogamento Kaxararí 33,3

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Anexo 8: Dados epidemiológicos

217

11.8.7. Dados gerais do DSEI/Alto Purus

Número de Casos de Morbidades por Agravos e Polo Base. DSEI Alto Rio Purus - 2005

TOTAL Ano 2005 Assis Brasil

Boca do Acre

Manoel Urbano Pauini Santa Rosa Sena

Madureira Nº % Verminose 1.111 1.327 796 1.159 499 719 5.611 31,92

IRA 656 548 287 900 1.016 522 3.929 22,35

Diarréia 224 105 197 373 638 278 1.815 10,32

Dermatoses 748 531 306 506 475 384 2.950 16,78

Hepatites 1 1 0 2 1 0 5 0,03

Desnutrição 4 25 7 53 54 18 161 0,92

DST 21 59 35 227 75 25 442 2,51

Anemias 211 199 292 421 128 368 1.619 9,21

Febre Tifóide 0 0 0 0 0 0 0 0

Leishmaniose 2 1 3 0 15 0 21 0,12Doenças do Estômago

/Ap. Digestivo 252 133 0 232 151 255 1.023 5,82

Neoplasias: Tumores/Útero/Mamas 0 0 0 0 0 2 2 0,01

TOTAL 3.219 2.929 1.888 3.661 3.052 2.571 17.578 100Fonte: DSEI/Alto Purus/FUNASA Perfil de Mortalidade dos Principais Agravos. DSEI Alto Rio Purus - 2005

Nº Causas de Óbitos Quantidade % de Óbitos

01 Pneumonia 09 23,7 02 Desidratação 08 21,1

03 Homicídio 04 10,5

04 Afogamento 04 10,5 05 Câncer 02 5,3 06 Parada Cardíaca Respiratória 01 2,6 07 Insuficiência Renal 01 2,6

08 Insuficiência Respiratória 01 2,6

10 Cardiopatia Congênita 01 2,6

11 Bronco-aspiração 01 2,6

12 Desconhecida 06 15,8

Total 38 100

Fonte: DSEI/Alto Purus/FUNASA

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Anexo 8: Dados epidemiológicos

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Incidência do Coeficiente de Mortalidade Geral na População Indígena. DSEI Alto Rio Purus - 2004/2005

Óbitos < 1 Ano a 65 + Nº Sede/Pólos Base

Ano 2004 Total CMG

01 Assis Brasil 2 0,1 02 Boca do Acre 4 0,3 03 Manoel Urbano 6 1,3 04 Pauini 1 0,06 05 Santa Rosa 1 0,04 06 Sena Madureira 6 0,9

Total 20 0,3

Óbitos < 1 Ano a 65 + Nº Sede/Pólos Base

Ano 2005 Total

CMG

01 Assis Brasil 8 0,7 02 Boca do Acre 8 0,6 03 Manoel Urbano 2 0,3 04 Pauini 4 0,2 05 Santa Rosa 13 0,6 06 Sena Madureira 3 0,6

Total 38 0,5

Fonte: DSEI/Alto Purus/FUNASA Coeficiente de Mortalidade Infantil, Natimortalidade e Natalidade na População Indígena, DSEI

Alto Rio Purus - 2004/2005 Natimorto e Óbitos < 1 Ano Nº Pólos Base

Ano 2004 Natimortos Mortes Diversas

Nascimentos Vivos

CMI/ 100

CNM/ 100

CNT/ 100

01 Assis Brasil 0 2 16 12,5 0 0,8 02 Boca do Acre 0 1 8 12,5 0 0,6 03 Manoel Urbano 0 2 12 16,7 0 2,6 04 Pauini 0 0 74 0,0 0 4,8 05 Santa Rosa 1 1 19 5,2 5,0 0,8 06 Sena Madureira 2 3 41 7,3 4,6 6,3 Total 3 9 170 5,2 1,7 2,2

Natimorto e Óbitos < 1 Ano Nº Pólos Base Ano 2005 Natimortos Mortes Diversas

Nascimentos Vivos

CMI/ 100

CNM/ 100

CNT/ 100

01 Assis Brasil 0 7 35 20 0 3,0 02 Boca do Acre 0 0 20 0 0 1,5 03 Manoel Urbano 0 1 21 4,7 0 4,6 04 Pauini 1 2 38 5,2 2,5 2,5 05 Santa Rosa 3 5 72 6,9 4 3,3 06 Sena Madureira 0 1 24 4,1 0 3,6

Total 4 16 210 6,1 1,8 2,9

Fonte: DSEI/Alto Purus/FUNASA

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Anexo 8: Notícia sobre o Xingané

219

11.9. Anexo 9: Notícia sobre xingané.