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PROJETOS DE LEITURA
FOCO NO VESTIBULAR
SENHORA
Editora: Ática
Autor: José de Alencar
Aula 1: Biografia. Contexto Histórico
Objetivos
• Apresentar ao aluno o contexto histórico em que
a narrativa fora produzida e ambientada, o Brasil do
Segundo Reinado.
• Situar o romantismo na Europa liberal em que o
sistema capitalista já estava consolidado.
• Falar das influências e das inspirações do romance
francês, sobretudo, de Balzac, para um Brasil ainda
arcaico, dividido entre o escravismo e o capitalismo.
Estratégia
Para alcançar os objetivos pretendidos, é importante
introduzir, inicialmente, a biografia do autor em questão,
no caso, José de Alencar. Em seguida, as características
principais do romantismo podem ser ilustradas por
algumas passagens do próprio livro, como é o caso da
primeira parte do romance, em que o autor descreve a
personagem principal, Aurélia, com um arcabouço
romântico.
Para apontar o contraponto do que foi apresentado
acima, é interessante que o professor selecione um trecho
em que a descrição, no próprio romance, assuma um
cunho realista, o que pode ser facilmente exemplificado
com os títulos de cada capítulo: a descrição da burguesia
fluminense do Segundo Reinado, frequentadora dos
salões, contrastando com o tema romântico da obra. • Para sala: 5, 6 e 12
Aula 2: Principais características da escola literária
do autor. Análise da obra
Objetivos
• Identificar os principais elementos do romantismo como
escola literária.
• Compreender os elementos realistas que a obra Senhora
apresenta.
• Diferenciar as duas escolas literárias em questão.
• Entender que o livro é uma obra romântica, com
algumas passagens de análise social realista.
Estratégia
Nesta aula, o professor deve caracterizar, histórica e
literariamente, o Rio de Janeiro do Segundo Reinado
através das próprias descrições de Alencar e, em seguida,
contextualizar o Brasil dessa época, indicando a vida
urbana da burguesia carioca em ascensão e as relações de
favor e escravistas arraigadas no ambiente nacional
arcaico. Adiante, o professor pode traçar um paralelo
entre esse Brasil de relações ambíguas e a sociedade
capitalista europeia. • Para sala: 1, 7 e 10 • Tarefa mínima: 2 • Tarefa opcional: 3, 4 e 8
AULA 3: CARACTERÍSTICAS DAS PERSONAGENS
Objetivo
• Analisar a personalidade das personagens,
relacionando-as com as características do estilo literário
da obra.
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FOCO NO VESTIBULAR
Estratégia
O professor deve fazer a leitura da advertência intitulada
“Ao leitor”, que José de Alencar faz logo no início do livro.
É necessário que o professor explique algumas diferenças
que se estabelecem nos romances de Alencar a partir de
Senhora, em relação a seus outros dois livros
predecedentes, Lucíola e Diva, nos quais o autor usava o
pseudônimo G.M. e mantinha sempre uma relação direta
com os protagonistas da ação de modo a conferir
veracidade ao que narrava. Em Senhora, Alencar assume
sua autoria e confessa não saber a procedência do relato,
que foi contado a um terceiro, mas ele reitera sua
veracidade. O narrador utiliza esse recurso que é
emblemático do romantismo e tenta criar a impressão da
existência real da história que será contada, colocando-se
meramente na postura de editor. Em seguida, é
importante ler trechos da obra para identificar a
onisciência e narração em terceira pessoa. • Para sala: 14 e 15
Aula 4: A narrativa. Enredo
Objetivos
• Ajudar o aluno para a entender os jogos narrativos
em questão.
• Compreender a relação entre autor, narrador e
foco narrativo em terceira pessoa.
Esta última aula tem como intuito fazer com que o aluno
consiga apreender os aspectos fundamentais da obra,
assim como muni-lo de informações que o habilitem a
analisar a obra criticamente.
Estratégia
A partir do conflito central da obra entre amor e dinheiro,
o professor deve selecionar alguns trechos do livro em
que essa contradição esteja explicitada e lê-los com os
alunos, realizando uma análise crítica da obra literária.
Para tanto, será importante ressaltar de que forma é
tratado o amor (idealizado) e como o dinheiro aparece
mediando todas as relações ocorridas na história.
Interessante também estabelecer a relação ambígua
entre os títulos dos capítulos que dividem o livro e o tema
do amor como salvação que a história narra. • Para sala: 9,
11 e 13
BIOGRAFIA
José de Alencar é um dos maiores escritores do
romantismo brasileiro. O autor empenhou-se num
projeto literário nacional em que se constituiria a
literatura brasileira, não só em sua temática nacionalista,
mas também nas inovações no uso da língua portuguesa.
Nesse sentido, e para satisfazer critérios meramente
didáticos, seus romances foram esquematicamente
divididos em quatro temáticas principais:
• romances indianistas: apropriam-se da tradição
indígena na ficção, como é o caso de O guarani, Iracema
e Ubirajara.
• romances históricos: contam episódios marcantes
da história brasileira de forma literária, como foi o caso de
As minas de prata, A guerra dos mascates e Alfarrábios,
os quais se compõem de três narrativas menores: O
garatuja, O ermitão da glória e Alma de Lázaro.
• romances regionalistas: mostram as
peculiaridades culturais da sociedade rural brasileira, que
se comportava de modo diverso da Corte. Os exemplos
são: O gaúcho, que representa os pampas do Rio Grande
do Sul; O sertanejo, que fala sobre o Nordeste; Til, sobre
a zona rural do interior paulista; e O tronco do ipê, que se
desenvolve na zona da mata fluminense.
• romances urbanos: descrevem a sociedade
urbana da época, como é o caso de A viuvinha e Pata da
gazela, além daqueles que constituem os chamados
“perfis de mulher”, como Diva, Lucíola e Senhora. Há
ainda Encarnação, publicação póstuma, e Sonhos d’ouro.
José de Alencar era um grande estudioso de teoria
literária e possuía uma concepção do que deveria ser a
literatura brasileira. Nesse contexto, ficou muito
conhecida a polêmica das Cartas da Confederação de
Tamoios, em 1856, em que criticava com veemência o
poema épico de Domingos Gonçalves de Magalhães,
escritor considerado ícone da literatura nacional e o
preferido do imperador Dom Pedro II. O problema para
Alencar estava no gênero épico. Segundo o escritor
cearense, esse gênero não condizia com a expressão dos
sentimentos e a forma de uma literatura nascente. Assim,
sua opção é pela narrativa de ficção, o romance,
sobretudo, que é um gênero moderno e livre.
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Em 1856, estreia na ficção com o romance Cinco minutos,
seu primeiro livro conhecido, e um ano depois, publica O
guarani em folhetim, depois em livro, o que lhe conferiu
grande notoriedade. Iracema é elogiado calorosamente
num artigo de jornal, em 1866, por Machado de Assis, o
que leva o autor a escrever uma autobiografia crítica,
Como e por que sou romancista, confessando a alegria
com a crítica machadiana.
Nesse texto, Alencar relembra os anos de sua formação e
fala dos serões da infância, em que lia em voz alta para a
mãe e para as parentas, até ficar a sala toda em prantos.
Os livros eram Amanda e Oscar, Saint-Clair das ilhas,
Celestina e outros. Menciona também os gabinetes de
leitura, a biblioteca romântica de seus colegas nas
repúblicas estudantis em São Paulo – Balzac, Dumas,
Vigny, Chateaubriand, Hugo, Byron, Lamartine, Sue, mais
tarde Scott e Cooper – e a impressão que então lhe
causara o sucesso de A moreninha, o primeiro romance de
Joaquim Manuel de Macedo.
Dessa forma, é possível vislumbrar que Alencar tinha
inclinações modernas e o desejo de nutrir o país com uma
literatura também moderna e que contribuísse para a
formação da nação brasileira. Assim, a obra alencariana
representa um grande significado para as letras
brasileiras, não só pela abundância de descrições,
versatilidade e limpidez nos discursos idealizadores das
relações humanas, tanto no campo/selva como na cidade,
mas também por ter facilitado a tarefa de nacionalização
da literatura brasileira e por ter consolidado o gênero
romance no Brasil, sendo, na verdade, seu grande criador.
Adentrando ainda mais na sua vida pessoal, é importante
complementar que José Martiniano de Alencar nasceu em
Messejana, hoje bairro da cidade de Fortaleza, Ceará, em
1829, final do Primeiro Reinado, sendo filho de um
senador do período regencial que exerceu influência no
jogo político que levou D. Pedro II à maioridade. Ainda
menino, com apenas 10 anos, mudara-se para o Rio de
Janeiro, onde estreiou como escritor em 1854,
escrevendo crônicas no Correio Mercantil.
Essa sua produção será mais tarde agrupada no volume
chamado Ao correr da pena. Ao concluir os estudos
secundários na Corte, transferiu-se para São Paulo, em
1845, para cursar a Faculdade de Direito. Essa
permanência na cidade paulistana forneceu ao autor o
contato com a moda da poesia byroniana, liderada por
Álvares de Azevedo. Alencar dedicou-se muito à
advocacia e à vida política, tendo sido eleito diversas
vezes deputado. Durante a Guerra do Paraguai, foi
ministro da Justiça, apesar dos desentendimentos,
estéticos e políticos, com D. Pedro II. Porém, por não
conseguir se eleger senador, retirou-se da vida política.
No entanto, pôde contribuir de maneira fundamental
para a literatura brasileira.
José de Alencar morreu de tuberculose aos 48 anos, em
1877, ano em que escrevera seu último romance,
Encarnação, que só foi publicado postumamente.
CONTEXTO HISTÓRICO
Para compreender o contexto histórico do romantismo de
um modo geral, é essencial levarmos em conta dois
acontecimentos que determinam sua origem: o
surgimento do capitalismo como sistema, que modifica as
relações econômicas e cria na Europa uma nova
organização política e social, e a dos ideais liberais,
levados a cabo na Revolução Francesa, de liberdade (que
se traduzirá em liberdade para trabalhar), igualdade (que
equi-valerá apenas a uma igualdade formal) perante a lei
e a fraternidade (que promulga a Declaração dos Direitos
do Ho-mem como universais). No entanto, nesse
documento universal, estava defendida a propriedade
privada como direito sagrado e inviolável, o que acarreta
uma divisão de classes.
Os ideais de revolução, representados no quadro A Liberdade guiando o povo, de Eugene Delacroix, concorreram para o crescimento e a consolidação do romantismo na Europa, principalmente na França e na Inglaterra.
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Nesses termos, é importante lembrar que a Revolução
Francesa é uma revolução burguesa, em que a burguesia
ascende como classe dominante. O sistema capitalista,
por sua vez, prevê uma sociedade de classes, já que
pressupõe os exploradores, ou seja, aqueles que detêm os
meios de produção, e os explorados, aqueles que detêm
unicamente a sua força de trabalho.
Nessa sociedade de burgueses e proletariados, a
exploração do trabalho alienado e as relações mediadas
pelo dinheiro são as normas. Essas profundas
transformações na estrutura da sociedade como um todo
são o terreno fértil em que o romantismo europeu irá
florescer. No Brasil, no entanto, o romantismo cresce em
outro cenário. O país era agrário e recém-tornado
independente, dividido em latifúndios, cuja produção
dependia, por um lado, do trabalho escravo e, por outro,
do mercado externo, já que nossa economia sempre
esteve voltada para a exportação de matérias-primas.
Para ir ainda mais fundo nas contradições, vale lembrar
que os latifúndios escravistas haviam sido, em sua origem,
um empreendimento do capital comercial e, portanto, o
lucro fora sempre o seu pivô. Aliás, é importante destacar
que o lucro sempre fora a prioridade comum tanto nas
formas mais antiquadas do capital como nas mais
modernas.
A urbanização da cidade do Rio de Janeiro, por conta da
transferência da Corte, criava uma sociedade
consumidora representada pela aristocracia rural, pelos
profissionais liberais e por jovens estudantes, todos em
busca de “entretenimento”; o espírito nacionalista a exigir
uma “cor local” para os romances, e não a mera
importação ou tradução de obras estrangeiras; o
jornalismo vivendo seu primeiro grande impulso e a
divulgação em massa de folhetins; o avanço do teatro
nacional – esses são alguns dos fatos que explicam o
aparecimento e o desenvolvimento do romantismo no
Brasil.
Senhora, enquanto romance urbano, anterior ao advento
do realismo em nossa literatura, é fundamentalmente
uma crônica de costumes, um retrato da Corte ou da
sociedade fluminense na segunda metade do século XIX,
ou seja, o texto focaliza a época em que o próprio escritor
viveu.
Alencar critica a sociedade que lhe é contemporânea, não
a partir da perspectiva de uma transformação futura, mas
da nostalgia de um passado que só na ficção pode reviver
plenamente. De qualquer modo, é em Senhora e Lucíola
que atinge o ponto alto em termos de crítica social e
procura se aprofundar na psicologia das personagens
femininas, traçando o que se convencionou chamar de
seus “perfis de mulher”.
No entanto, Alencar não aprofunda sua crítica social e por
isso seu romance não poderia ser realista, pois a solução
que oferece às ambiguidades locais, e mesmo às de todo
o romance, é uma saída moralista, romântica e idealizada.
A idealização do amor como salvação para as relações
mercantis que a sociedade impõe, além da pompa e dos
ornamentos românticos para se descrever as personagens
e seus caracteres, remetem Senhora para aquilo que se
convencionou chamar de romance urbano de Alencar,
obviamente que dentro da escola literária do
romantismo, já que sua temática, apesar dos elementos
de crítica realista, é fundamentalmente romântica.
Por conseguinte, as implicações que a importação do
romantismo, que já existira na Europa antes de nascer no
Brasil, traz para essas terras são expressas na obra de
Alencar ao adotar o modelo balzaquiano de composição
romanesca e observação social, conservando um certo
ranço moralista inexistente na visão de mundo de Balzac. • Para sala: 2 • Tarefa mínima: 3 e 4 • Tarefa opcional: 5
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
DA ESCOLA LITERÁRIA DO AUTOR
O romantismo surge no fim do século XVIII. A publicação
na Alemanha de Werther, por Goethe, lança as bases
definitivas do sentimentalismo romântico e do escapismo
pelo suicídio. Em 1781, Schiller lança Os salteadores,
inaugurando a volta ao passado histórico; mais tarde,
escreve o drama Guilherme Tell, em que transforma o
personagem em herói da luta pela independência
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nacional. Na Inglaterra, o romantismo se manifesta nos
primeiros anos do século XIX com lorde Byron e sua poesia
ultrarromântica, além do romance histórico Ivanhoé, de
Walter Scott. De qualquer forma, coube à França o papel
de divulgar o romantismo, principalmente no Brasil (DE
NICOLA, 1998).
A escola romântica precisa ser entendida como um estilo
de época delimitado no tempo, um período que se inicia
nos últimos anos do século XVIII e se estende até meados
do século XIX. Nos seus primórdios, romântico era tudo
aquilo que se opunha ao clássico. Os modelos da
Antiguidade Clássica eram substituídos pelos últimos anos
da Idade Média, em que surgia a burguesia. Por isso, o
surgimento dessa escola está comple-tamente atrelado
ao nascimento da burguesia como classe social
dominante.
As raízes históricas desse movimento podem ser
encontradas já na metade do século XVIII, quando o
processo de industrialização havia modificado as antigas
relações econômicas, criando na Europa uma nova forma
de organização política e social que muito influenciaria os
tempos modernos, o sistema capitalista. Outro grande
marco dessas mudanças é a Revolução Francesa. Assim,
na Europa, em consequência do processo de industria-
lização e da ascensão da burguesia ao poder político, o
plano social delineia-se em duas classes distintas e
antagônicas, embora atuassem juntas durante a
Revolução: a classe domi-nante, representada pela
burguesia capitalista industrial, e a classe dominada,
representada pelo proletariado.
Nesse sentido, não se pode analisar características como
o nacionalismo, o sentimentalismo, o subjetivismo, o
irracionalismo, tão marcantes do romantismo inicial, sem
se mencionar seu caráter ideológico, ou seja, suas
relações com a burguesia e seu contexto histórico.
A Revolução Francesa e o movimento romântico marcam
o fim de uma época cultural em que o artista se dirigia a
uma sociedade, a um grupo mais ou menos homogêneo,
a um público cuja autoridade reconhecia absolutamente.
No romantismo, a arte deixa de ser uma atividade social
orientada por critérios objetivos e convencionais e
transforma-se numa forma de autoexpressão que cria os
seus próprios padrões; numa palavra: torna-se o meio
empregado pelo indivíduo singular para se comunicar
com indivíduos singulares.
Georg Lukács, em A teoria do romance, descreve
inicialmente como eram as chamadas culturas fechadas, a
cultura antiga, e analisa as formas da grande época. Numa
passagem, o filósofo fala que o significado de ser homem
no Novo Mundo é ser solitário, e complementa:
E quem poderá saber se a adequação do ato à
essência do sujeito, o único ponto de referência que
restou, atinge real-mente a substância, uma vez que
o sujeito se tornou uma aparência, um objeto para si
mesmo; uma vez que sua essencialidade mais própria
e intrínseca lhe é contraposta apenas como exigência
infinita num céu imaginário do dever-ser; uma vez
que ela tem de emergir de um abismo inescrutável
que reside no próprio sujeito, uma vez que a essência
é somente aquilo que se eleva desse fundo mais
profundo e ninguém jamais foi capaz de pisar-lhe ou
visualizar-se a base.
No Brasil, o momento histórico em que o romantismo
surge se relaciona com a chegada da Corte, no Rio de
Janeiro, em 1808. Nesse período, a cidade passa por um
processo intenso de urbanização e, com a vida urbana da
nova burguesia, a divulgação das influências europeias
encontrava um campo propício.
Após 1822, cresce no Brasil independente o sentimento
de nacionalismo, a busca pelo passado histórico, a
exaltação da natureza pátria; na realidade, eram
tendências já cultivadas na Europa que se encaixavam
perfeitamente à necessidade brasileira de ofuscar
profundas crises sociais, financeiras e econômicas e,
principalmente, fundar-se como nação.
Houve uma nítida evolução no comportamento dos
autores românticos: há semelhanças entre os autores de
uma mesma fase, mas a comparação entre os primeiros e
os últimos representantes do período revela profundas
diferenças. No caso brasileiro, por exemplo, há uma
distância considerável entre a poesia de Gonçalves Dias e
a de Castro Alves. Daí surge uma necessidade didática de
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se dividir a poesia do romantismo em fases ou gerações.
Primeira geração: nacionalista ou indianista
Marcada pela exaltação da natureza, volta-se ao passado
histórico, ao medievalismo e à criação do herói nacional,
figura do índio. Outras características são o
sentimentalismo e a religiosidade. Podemos destacar
como principais autores dessa fase: Gonçalves Dias e
Gonçalves de Magalhães.
Segunda geração: mal do século
Fortemente influenciada pela poesia de lorde Byron e de
Musset, é também chamada de geração byroniana.
Impregnada de egocentrismo, negativismo, pessimismo,
dúvida, desilusão adolescente e tédio constante –
características do ultrarromantismo – o verdadeiro mal do
século –, seu tema preferido é a fuga da realidade, que se
manifesta na idealização da infância, nas virgens
sonhadas e na exaltação da morte. Os principais poetas
dessa geração foram Álvares de Azevedo e Casimiro de
Abreu.
Terceira geração: condoreira
Caracterizada pela poesia social e libertária, reflete as
lutas internas da segunda metade do reinado de D. Pedro
II. Essa geração sofreu intensamente a influência de Victor
Hugo e de sua poesia político-social, daí ser também
conhecida como geração hugoana. O termo
condoreirismo é consequência do símbolo de liberdade
adotado pelos jovens românticos: o condor, ave que
habita o alto da cordilheira dos Andes. Seu principal
representante foi Castro Alves, seguido por Tobias
Barreto e Sousândrade.
Na prosa, José de Alencar não destoa do romantismo em
voga. A sua visão de mundo é baseada na emoção, e o
mundo urbano, com seus problemas políticos e
econômicos, o aborrece. Por isso foge para o passado;
escapa para os lugares selvagens. Suas obras procuram
retratar um Brasil com personagens mais ideais do que
reais, mais como ele gostaria que moralmente fossem
(românticos e moralistas) do que objetivamente eram
(realistas). Senhora é um romance de características
definidas de forma romântica, mas que já traduz uma
temática realista: a crítica ao casamento burguês.
Senhora, publicado em 1875, traz características inequivo-
camente românticas, como podemos ver pelo núcleo de
seu enredo: simples e atrelado aos esquematismos dos
dramas de amor do romantismo.
ANÁLISE DA OBRA
Para se ter a noção de uma obra literária – seu impacto,
sua contribuição e suas características fundamentais –, é
preciso situá-la em sua época, em seu contexto histórico.
Qualquer análise que não leve em conta o processo
histórico em questão resume-se a abstrações estéticas
sem vínculos com os fatos reais. Sendo assim, a análise a
que procederemos a seguir intenta estabelecer as
relações entre o autor, a linhagem estética a que se afilia,
o contexto histórico em que vive e a peculiaridade e
sagacidade da narrativa que compõe, de modo a lançar
um olhar sobre a totalidade da obra em questão.
Primeiro, convém lembrar que José de Alencar, grande
expressão de nosso romantismo, tinha tomado como
missão a fundação de uma literatura tipicamente
nacional. Obviamente que, inspirando-se em tudo que
havia de mais moderno na literatura mundial, seu projeto
passava pela própria fundação da nação brasileira. Nesse
sentido, escolheu a ficção como gênero moderno e livre
por excelência e, em seguida, foi-se apropriando da
tradição indígena para elaborar em suas histórias aquilo
que podemos apontar como mito de fundação.
Desdobrando-se no tempo (passado e presente) e no
espaço (cidade, campo, litoral e interior), Alencar procura
em sua obra, de certa forma, descobrir o Brasil.
Engrandece o passado e menospreza a vida em sociedade,
o progresso que corrompe as relações humanas dos
cidadãos da Corte, mediadas pelo dinheiro. No romance
urbano, coloca as “razões do coração” como base do
enredo, não deixando de mostrar detalhadamente todo o
brilho da alta sociedade. Relata de forma indireta a
situação da burguesia no Segundo Reinado, apontando
principalmente para o valor do dinheiro.
O projeto literário nacionalista de Alencar não pode ser
deixado de lado ao examinar qualquer uma de suas obras
e será de importância essencial para se pensar a
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importação do romance europeu e as contradições que
produzia nessas terras.
Sendo assim, a influência, sobretudo balzaquiana, nos
romances urbanos de Alencar, como é o caso da obra
Senhora, aqui em questão, é chave para entender um
pouco das contradições não apenas de sua produção
literária, mas principalmente do próprio Brasil.
Roberto Schwarz nos conta, em seu mais do que
conhecido artigo As ideias fora do lugar, como a ideologia
do liberalismo europeu, com seus princípios do trabalho
livre, da igualdade perante a lei e do universalismo, era
reproduzida de forma vazia por uma burguesia local em
ascensão, contrastando com o sistema escravocrata
arraigado em nossa sociedade. Ou seja, o princípio da
economia capitalista era que o trabalho fosse livre, mas
no Brasil ainda existia a escravidão.
A situação de D. Pedro II, por exemplo, representava a
própria contradição em questão; o imperador se via
pressionado pela burguesia e o mercado inglês, com que
tinha relações capitalistas já estabelecidas, e pela
pequena elite escravocrata brasileira que o levou ao
poder. Assim, escravismo e capitalismo conviviam juntos
na mesma terra.
O romance de Alencar expõe essa ambiguidade da vida na
sociedade brasileira, principalmente no que diz respeito a
nosso objeto de análise aqui, a obra Senhora, quando
critica o casamento por conveniência praticado na época
com os valores europeus importados pela burguesia local
ainda em formação, mas que já expressava, nas relações
de aparência e mediadas pelo dinheiro, as grandes
características de um capitalismo que outrora triunfara.
O romantismo alencariano é evidenciado, sobretudo, em
seus personagens idealizados, românticos e moralistas. O
escritor acreditava na vitória do homem na reforma de si
mesmo e da sociedade, por isso a crença nos valores
humanitários é tão explícita, como no caso de Senhora,
em que as relações ambíguas entre ódio e perdão,
necessidade financeira e apelos do coração, dinheiro e
amor marcam seus personagens, prevalecendo sempre os
segundos sentimentos.
Debrucemos, por ora, mais atentamente sobre a obra em
si.
Vejamos o enredo que pode ser resumido em poucas
linhas. Eis os fatos em perspectiva linear:
Senhora conta a história de Aurélia Camargo, uma moça
pobre, bela e ressentida que se apaixona por um rapaz
também pobre, mas aspirante à riqueza. Belíssima, porém
sem recursos, não consegue segurar o noivo Fernando
Seixas, que é dividido entre seu amor e a vida badalada da
alta sociedade carioca. Quando menos espera, Aurélia
recebe uma enorme herança de um avô desconhecido.
Sua primeira preocupação, após se estabelecer como
moça rica, foi casar-se com o antigo namorado, que a
trocara por um dote de 30 contos. Recorre, então, a uma
estratégia estranha. Ela compra o ex-namorado como
uma simples mercadoria. Mediante a quantia vultosa de
100 contos, a compra e o casamento se realizam com
sucesso. Consumada a parte mercantil da transação
matrimonial, resta consumar o casamento. Entretanto,
Aurélia escancara ao rapaz sua condição de marido-
mercadoria e se nega à consumação desse casamento,
vivendo separados debaixo do mesmo teto. O impasse só
será resolvido quando o rapaz repuser o dinheiro tomado,
recomprando sua dignidade e recuperando a
possibilidade de consumar, de fato, seu casamento.
Trata-se de uma situação em que as leis do amor são
confrontadas com as do mercado, mas em que no final o
amor prevalece. A moça vive a dolorosa experiência de
amar alguém que não possui a mesma visão de mundo
que a sua, aquela que entende o amor como sentimento
sagrado. Ao contrário, Fernando Seixas respira o ar dos
bailes da Corte, e o amor para ele não passa de galanteria,
verniz feito para revestir com fineza o que
verdadeiramente conta: o interesse econômico. O choque
das visões se expressa naquilo que Seixas enxerga como
“casamento de conveniência” e Aurélia interpreta, com
aguda crítica, como “mercado matrimonial”. A posse do
marido também simboliza para ela a possibilidade de
ensinar Seixas a ler o mundo de uma forma que ele até
então desconhece. Nesse sentido, o desenvolvimento da
narrativa reflete o processo de educação do marido,
objetivando desviá-lo do caminho frequentemente
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trilhado pelos caçadotes que povoavam a Corte. Assim,
Aurélia conjugará suas armas: a beleza, que nada lhe valia
enquanto pobre, e o dinheiro. Desse modo, a beleza é
entendida como aquela que brilha ao refletir a luz do ouro
quando a ele se alia. A alegoria de seu próprio nome,
Aurélia – aurus, pedra preciosa, ouro –, indica que a
personagem é o próprio fetiche do ouro, do dinheiro
como equivalente universal.
Vamos à descrição que Alencar faz de Aurélia:
Há anos raiou no céu fluminense uma nova estrela.
Desde o momento de sua ascensão ninguém lhe
disputou o cetro; foi proclamada a rainha dos salões.
Tornou-se deusa dos bailes; a musa dos poetas e o
ídolo dos noivos em disponibilidade.
Era rica e formosa.
Duas opulências, que se realçam como a flor em vaso
de alabastro; dois esplendores que se refletem, como
o raio de sol no prisma de diamante.
O arquétipo que anuncia o acontecimento excepcional, a
aparição da personagem, inicia o relato: o astro novo
brilha no céu, estamos avisados de algo muito
importante. É Aurélia, a quem o romancista, em poucas
linhas, atribui todos os emblemas da majestade divina. É
estrela e rainha; deusa, musa e ídolo; rica e formosa. A
linguagem metafórica aqui empregada parece desdenhar
e desconhecer os limites da descrição realista, insistindo
em criar um mundo de sonho, em que a beleza e a fortuna
triunfam sobre tudo, deslumbrando pelo fulgor (LAFETÁ,
2009, 9). Já aqui são anunciados os dois símbolos que
perpassam toda a história e que Aurélia concentra em si:
a beleza e a riqueza.
A personagem, por dentro uma fina flor, e envolvendo
toda a sua beleza está seu invólucro de “alabastro”, que
se realça e se reflete no seu ouro. A beleza e o dinheiro
concorrem para afirmar seu poder.
Para se completar todo o encantamento, ainda há o
mistério que envolve as origens da heroína de apenas 18
anos, mas já dona dela mesma – senhora de si. Pois
Aurélia nos aparece no primeiro capítulo já rica e na Corte
fluminense. Ninguém sabe sobre seu passado, e o autor,
prometendo contar a verdade “a seu tempo”, adianta-nos
que ela era órfã e vivia apenas na companhia de uma
velha parenta.
“Temos assim, no pórtico do romance, um conjunto de
imagens que imprime a direção da leitura. Podemos ler
Senhora como uma narrativa apegada à fidelidade
descritiva do real?” O melhor é ponderar e ir com cautela.
Analisemos o narrador dessa história.
O romance é narrado em terceira pessoa, ou seja, quem
conta a história não participa dos acontecimentos. Esse
narrador ou emissor é onisciente, sabe tudo sobre o que
narra. Conhece inteiramente o interno e o externo dos
personagens, cujas vidas nos apresenta como algo
pretérito em relação ao tempo no qual está narrando ou
escrevendo. O livro é precedido de uma nota intitulada
“Ao Leitor”, na qual José de Alencar explica que a história
fora contada a um terceiro pelos protagonistas do drama.
Segundo a nota, Alencar seria apenas o “editor” do
romance. Nesse trabalho de edição, corrigiu “a forma” e
deu “um lavor literário”:
Este livro, como os dois que o precederam, não são da
própria lavra do escritor, a quem geralmente os
atribuem.
A história é verdadeira; e a narração vem de pessoa
que recebeu diretamente, em circunstâncias que
ignoro, a confidência dos principais atores deste
drama curioso.
O suposto autor não passa rigorosamente de editor. É
certo que, tomando a si o encargo de corrigir a forma
e dar-lhe um lavor literário, de algum modo apropria-
se não a obra, mas o livro.
Em Senhora, a transformação da fábula em relato
denuncia a presença de um narrador como intérprete
privilegiado. Sua onisciência é revelada sempre que o
andamento dos fatos a exige. Deste modo, podemos
confirmá-la quando, no capítulo VI da primeira parte, por
exemplo, conta com detalhes a vida passada e presente
de Seixas e sua família, informando-nos das motivações
que poderiam justificar os procedimentos levianos do
rapaz. Da mesma forma também é narrada a vida de
Aurélia e sua família na parte que antecede o
conhecimento de Seixas e a chegada da herança do avô.
9
PROJETOS DE LEITURA
FOCO NO VESTIBULAR
Ou seja, voltando às evidências da nota, Alencar adverte
ao leitor que, mesmo ele não podendo assegurar a
procedência das circunstâncias em que o relato fora
contado e nem a quem fora, a obra é verdadeira, o drama
já estava pronto, ele apenas edita de maneira que fique
ainda mais literário, por isso seu trabalho é em relação ao
livro e, portanto, se coloca como mero editor. [ver A
narrativa: foco narrativo]
Ora, sabemos que o recurso de afirmar a veracidade da
história é muito usado pelo romantismo. No entanto, o
que nos chama atenção nesse fato é que, agora, diferente
dos seus outros dois romances que também fazem parte
do chamado “Perfis de mulher”, Diva e Lucíola (reparem
bem, Diva-deus, Lucíola-lúcifer, Aurélia-aurus/ouro), o
autor não usa mais o pseudônimo G. M., deixando claro
que havia recebido o relato diretamente dos envolvidos
nas histórias.
Em Senhora, a relação não é mais direta. Daí já se anuncia
a mediação entre o original e a cópia, ou entre a própria
história e a sua reprodução. Estamos em outros tempos.
As relações aqui são mediadas. O narrador será a
mediação entre o leitor e a história. O olhar e a opinião da
alta sociedade, da Corte que Aurélia e Seixas frequentam,
serão a mediação entre a relação dos dois; e o dinheiro, o
ouro de nosso tempo, o que equivale tudo a seu valor,
envolto em todo o seu fetiche, será a mediação de todas
as relações.
Começamos a entrever melhor a relação ambígua dos
títulos dos capítulos “Preço”, “Quitação”, “Posse” e
“Resgate” com o relato de amor contado. Essa forma de
apresentação da narrativa aponta para um narrador que
assume o controle sobre o narrado, mostrando ao leitor o
modo devidamente compartimentado e nomeado de
acordo com a sua leitura prévia dos acontecimentos,
apontando para onde o leitor deve seguir. Escusado
lembrar que as quatro fases em que se divide a história
indicam, antes de qualquer coisa, etapas sucessivas de um
circuito de natureza econômica.
Regina Pontieri, em seu essencial estudo sobre Senhora,
procede a um exame da obra apoiando-se na análise de
Marx sobre a mercadoria. Para tanto, utiliza-se de
conceitos marxistas como valor de uso, valor, trabalho
concreto, trabalho abstrato, alienação, entre outros. O
método escolhido por Pontieri parece ser o que melhor
esclarece a obra em questão, por isso suas ideias são
levadas em conta a seguir.
Os primeiros capítulos, “Preço” e “Quitação”, referem-se
à dupla face da mercadoria, seu “valor de uso” e seu
“valor”, indicando o percurso que ela realiza, enquanto
valor, na esfera do mercado. A mercadoria em questão no
romance é Fernando Seixas, na sua condição de homem e
marido em potencial. A sociedade carioca é um mercado
de noivos disponíveis, que, como valores de uso, colocam-
se no mercado (e, neste caso, os bailes da Corte podem
ser entendidos como as vitrines em que se expõem esses
possíveis maridos) para realizar seu valor de troca, ou
somente seu valor ao atrair o equivalente universal, uma
dada quantia em ouro.
É assim que Aurélia considera seus pretendentes no
primeiro capítulo, como meras mercadorias, não
ocultando o preço de sua cotação. Já é logo nessa primeira
parte do romance que Aurélia ofe-recerá uma quantia
irrecusável para que Seixas se case com ela.
A protagonista entra igualmente na relação de mercado,
porém não como possuidora de uma mercadoria
qualquer. Não é o seu potencial de esposa que está à
venda. Ela possui a mercadoria equivalente universal: o
ouro, metal que encarna a forma dinheiro da mercadoria.
No entanto, ao adentrar as relações mercantis, ela deverá
se comportar de acordo com as suas leis, pois será
avaliada por toda a sociedade não como pessoa, mas
como símbolo do metal cobiçado. Novamente, seu nome
reforça essa imagem, ouro/aurus - Aurélia.
Seixas é a mercadoria comum, e Aurélia é a mercadoria
especial. A coisificação, ou melhor, petrificação da
mercadoria-marido assume a forma de pedra vulgar:
seixo-Seixas. Já Aurélia, ao entrar no mercado como figura
do dinheiro, reveste a condição enigmática daquele. A
ambiguidade de homem e coisa que Seixas expressa é
fundamental para a compreensão de todo o romance. Ela
está vinculada à ideia de alienação, de cisão, ou mesmo a
todos os processos de reduplicação da narrativa. No nível
dos temas, poderíamos apontar a teatralidade como
10
PROJETOS DE LEITURA
FOCO NO VESTIBULAR
fingimento, a máscara como simulacro do rosto, a cópia
como a criação original refeita.
Na sociedade em que estão inseridos, reprodutora das
relações capitalistas, a singularidade do ser humano se
restringe a uma de suas facetas: no caso de Seixas, o papel
social de “noivo”. Só assim se equiparam pessoas diversas
pelo mesmo estalão de preços. Nesse sentido, os dois
primeiros capítulos, “Preço” e “Quitação”, apresentam o
homem-coisa circulando pelo mercado a fim de realizar
seu valor como valor de troca, mas para isso evidenciam
seu valor de uso enquanto noivo. É por isso que na Corte
Seixas ostenta elegância, fineza e educação,
acompanhadas de objetos pessoais de adorno de alto
preço e das melhores procedências. Mesmo que isso
implique sacrifícios para sua mãe e irmã, que viviam em
situação econômica humilde, não condizente com a
aparência que demonstrava em público. Sua justificativa
está em que primeiro deveria atrair um dote para depois
poder melhorar a situação financeira da família.
O consumo da mercadoria-noivo será efetuado após o
pagamento, representando assim a parte da “Quitação”.
Nesse momento, o noivo deixa a esfera pública do
mercado (abandona a vida de solteiro na Corte) para
adentrar a esfera privada onde – como valor de uso
“marido” – deverá ser consumido, o que representa o
momento da “Posse”.
O “Resgate”, em princípio, relaciona-se à recuperação de
seu valor de uso. Seixas recompra de Aurélia a
mercadoria-marido, abrindo nova possibilidade de
recomeçar o ciclo de troca já que, trabalhando durante 11
meses, conseguira juntar a quantia que necessitava para
devolver a Aurélia o dinheiro que a esposa havia pagado
por ele, solicitando, enfim, a separação.
Entretanto, a compra e venda do homem-coisa, ao serem
desnudadas, refletem-se em sua consciência,
transformando-o. Nesse sentido, quando Aurélia
escancara a Seixas – que fora transformado em seu
escravo, já que ela era a senhora que o havia comprado –
a mesquinhez das relações de interesses em que estava
envolvido, cujo amor é negado e só o dinheiro interessa,
a heroína contribui para que Seixas aprenda durante esse
tempo e se esforce para recuperar sua dignidade
enquanto homem, transformando-se agora em Senhor
dela. Assim, o amor de Aurélia por ele continuava intacto
e ela estava pronta para desfrutar do amor do marido,
que só aumentara. Dessa forma, a relação de amor entre
os dois, de fato, consuma-se. • Para sala: 1, 7 e 10 • Tarefa mínima: 2 • Tarefa opcional: 3, 4 e 8
CARACTERÍSTICAS DAS PERSONAGENS
Aurélia Camargo
Personagem principal da história. Uma moça cuja beleza
impressiona. Era uma pobre órfã de pai e mãe e foi
deixada por seu noivo, Fernando Seixas, por não possuir
dote. Porém, herda toda a fortuna de um avô e passa a
frequentar as festas da alta sociedade carioca, onde
impressiona a todos com sua beleza, sua riqueza e seu
passado obscuro.
A protagonista entra igualmente na relação de mercado,
porém não como possuidora de uma mercadoria
qualquer, não é o seu potencial de esposa que está à
venda. Ela possui a mercadoria equivalente universal: o
ouro, metal que encarna a forma dinheiro da mercadoria.
No entanto, ao adentrar as relações mercantis, ela deverá
se comportar de acordo com as suas leis, pois será
avaliada por toda a sociedade não como pessoa, mas
como símbolo do metal cobiçado. Dessa forma, seu nome
reforça essa imagem, ouro/aurus - Aurélia. Aurélia, ao
entrar no mercado como figura do dinheiro, reveste a
condição enigmática deste. Com o seu dinheiro pôde
comprar Seixas e se transformar em sua senhora. No
entanto, o objetivo de Aurélia é ensinar o marido a se
desvencilhar das relações de interesse, deixando que o
amor prevaleça na relação dos dois.
A densidade humana de Aurélia Camargo avoluma-se aos
olhos, e percebe-se uma mistura de anjo e demônio, de
bondade e de maldade, distanciando-a do maniqueísmo –
a rígida separação entre o bem e o mal – dos romances
puramente românticos. A característica principal que se
pode ressaltar é que tanto o marido comprado quanto a
mulher traída, os protagonistas de Senhora, movem-se
11
PROJETOS DE LEITURA
FOCO NO VESTIBULAR
vertiginosamente entre o sublime e o sórdido,
constituindo verdadeiros tipos humanos representativos
das ambiguidades do romantismo e das contradições do
mundo capitalista.
Fernando Seixas
Seixas é homem-mercadoria, na sua condição de homem
e marido em potencial. Ele é a mercadoria comum. A
coisificação, ou melhor, a petrificação da mercadoria-
marido assumindo a forma de pedra vulgar: seixo-Seixas.
A ambiguidade de homem e coisa que Seixas expressa é
fundamental para a compreensão de todo o romance. Ela
está vinculada à ideia de alienação, de cisão, ou mesmo a
todos os processos de reduplicação da narrativa.
Coadjuvantes Verificamos a existência de um descompasso entre a
“seriedade” dos assuntos tratados pelos protagonistas –
o amor, o dinheiro, o interesse – e a desenvoltura com
que se movimentam os personagens secundários que
transitam entre o vício e a virtude.
Senhor Lemos: tio de Aurélia e seu tutor. “Velho de
pequena estatura, não muito gordo, mas rolho e bojudo
como um vaso chinês. Apesar de seu corpo rechonchudo,
tinha certa vivacidade buliçosa e saltitante que lhe dava
petulância de rapaz, e casava perfeitamente com seus
olhinhos de azougue.” Foi escolhido por Aurélia como
tutor porque a moça podia dominá-lo facilmente.
Dona Firmina: velha parenta, mãe de encomenda de
Aurélia que lhe irá fazer companhia quando a moça fica
rica. É uma espécie de guardiã formal das virtudes da
heroína.
Dona Emília: viúva, mãe de Aurélia. Mulher honesta e
séria, que amargou imenso sofrimento por causa de seu
amor por Pedro Camargo. A história da mãe de Aurélia é
trágica e exemplarmente romântica: quando moça,
apaixonara-se por um estudante, Pedro de Souza
Camargo, filho ilegítimo de um rico fazendeiro, que por
não ter sido oficialmente reconhecido pelo pai é recusado
como pretendente de Emília. Ela, então, abandona a
família e secretamente casa-se com Pedro. Passa a ser
considerada morta por seus parentes, que ignoravam a
união.
Pedro Camargo: pai de Aurélia, filho natural de um rico
fazendeiro do interior de São Paulo, por quem nutria
grande medo. Pedro era fraco e não foi capaz de relatar
ao pai que se casara. Vivem, então, os esposos, separados
e marginalizados por doze anos, recebendo Emília
eventualmente visita de Pedro, a quem tudo perdoava
pelo amor e com quem teve dois filhos.
Emílio Camargo: irmão de Aurélia. Frágil e pouco
desenvolto para o trabalho, de espírito “curto e tardio” e
irresoluto como o pai, consegue a profissão de caixeiro de
um corretor de fundos. No entanto, é Aurélia, viva e
inteligente, quem trabalha por ele.
Lourenço Camargo: avô de Aurélia. Pai de Pedro. Homem
duro e rústico, mas que procura ser justo depois que
descobre a existência do casamento do filho.
Parece haver algo que destoa entre a construção dos
personagens principais e as secundárias. Os primeiros
parecem ter um cunho universalista, cosmopolita; já os
segundos, seguindo uma lógica local, revelam-se
diferentes, expressando sua degradação transformada
em “coisas da vida”.
O estudo a respeito de Senhora culmina com a reflexão
sobre uma cultura como a brasileira, que não só copia as
novas feições da arte europeia como também as copia
segundo a maneira europeia, o que produz as
dissonâncias que verificamos entre o “modelo europeu” e
a “cor local”. Tais dissonâncias vão construindo elementos
que nos permitem compreender a dialética do
cosmopolitismo e do localismo – de que Senhora, de José
de Alencar, constitui precioso documento histórico e
artístico. • Para sala: 14 e 15
A NARRATIVA
Foco narrativo O romance é narrado em terceira pessoa por um
narrador-onisciente, ou seja, que tudo sabe sobre as
personagens, penetrando em seus pensamentos e em sua
alma. Esse narrador é também intruso, já que interfere
12
PROJETOS DE LEITURA
FOCO NO VESTIBULAR
em vários momentos, apresentando-se ao leitor. A
técnica narrativa empregada por Alencar em Senhora é
sem dúvida bem moderna, se tomarmos como base suas
obras anteriores, já que o autor utiliza digressões.
Com esse recurso, podemos perceber a preocupação com
a psicologia dos personagens e também a mistura do
romanesco e da realidade, que fazem desta obra um
exemplo de literatura romântica na qual se procura
imprimir certos traços realistas.
Esses traços, assim como o estilo mais denso de alguns
romances urbanos de José de Alencar, especialmente
Lucíola e Senhora, revelam a influência de Balzac, o
mestre do realismo francês.
O narrador conhece inteiramente o interno e o externo
dos personagens, cujas vidas nos apresenta como algo
pretérito em relação ao tempo no qual está narrando ou
escrevendo. O livro é precedido de uma nota intitulada
“Ao Leitor”, na qual José de Alencar explica que a história
fora contada a um terceiro pelos protagonistas do drama.
Segundo a nota, Alencar seria apenas o “editor” do
romance. Nesse trabalho de edição, corrigiu “a forma” e
deu “um lavor literário”:
Este livro, como os dois que o precederam, não são da
própria lavra do escritor, a quem geralmente os
atribuem.
A história é verdadeira; e a narração vem de pessoa
que recebeu diretamente, em circunstâncias que
ignoro, a confidência dos principais atores deste
drama curioso.
O suposto autor não passa rigorosamente de editor. É
certo que tomando a si o encargo de corrigir a forma e
dar-lhe um lavor literário, de algum modo apropria-se
não a obra, mas o livro.
Em Senhora, a transformação da fábula em relato
denuncia a presença de um narrador como intérprete
privilegiado. Sua onisciência é revelada sempre que o
andamento dos fatos a exige. Deste modo, podemos
confirmá-la quando, no capítulo VI da primeira parte, por
exemplo, conta com detalhes a vida passada e presente
de Seixas e sua família, informando-nos das motivações
que poderiam justificar os procedimentos levianos do
rapaz. Da mesma forma também é narrada a vida de
Aurélia e sua família na parte que antecede o
conhecimento de Seixas e a chegada da herança do avô.
Ou seja, voltando às evidências da nota, Alencar adverte
ao leitor que, mesmo ele não podendo assegurar a
procedência das circunstâncias em que o relato fora
contado e nem a quem fora, a obra é verdadeira, o drama
já estava pronto, ele apenas edita de maneira que fique
ainda mais literário, por isso seu trabalho é em relação ao
livro e, portanto, coloca-se como mero editor. O narrador,
José de Alencar, será a mediação entre o leitor e a história.
Observe que Aurélia Camargo, a protagonista do
romance, é idealizada como uma rainha, como uma
heroína romântica, pelo narrador, “de régia fronte,
coroada do diadema de cabelos castanhos, de formosas
espáduas”. A personagem, no entanto, é ao mesmo
tempo fada encantada e ninfa das chamas, lasciva
salamandra. Ao estereótipo da “mulher-anjo” romântica,
o narrador acrescenta, assim, um elemento demoníaco
que, em vez de explicitar, deixa sugerido. A contradição
entre o anjo e o demônio constitui um elemento de
grande importância neste romance. Numa cena o
narrador descreve o comodismo, a indolência, a postura
aristocrática de Fernando Seixas. Também através de
detalhes, de elementos exteriores, vai se configurando o
perfil deste personagem, modesto na condição, mas fino
no trato, nos gostos e nos hábitos.
Ainda sobre o narrador, cabe acrescentar, à sua posição
de observador, o fato de recair sobre Aurélia Camargo – a
heroína do romance – o seu ponto de vista. A protagonista
centraliza, assim, a temática e a construção do romance,
no qual tanto os conflitos vividos pelos personagens
quanto a preocupação de desnudar-lhes o caráter
constituem, como dissemos, elementos realistas que
serão combinados com elementos românticos.
Tempo e espaço da narrativa
O tempo da narrativa é cronológico, tomando como base
o século XIX, durante o Segundo Império. Entretanto, não
há linearidade. Nesse sentido, podemos indicar a forma
como a narrativa é contada, já que o passado corresponde
à segunda parte, “Quitação”, e o presente é bem marcado
já logo no primeiro capítulo, “Preço”.
13
PROJETOS DE LEITURA
FOCO NO VESTIBULAR
O passado se associa com a “cor local”, na medida em que
nele predomina a pobreza de Aurélia, o aspecto
provincial, o acanhamento e a “brutalidade” singela.
Quanto ao presente, podemos relacioná-lo com o lado
cosmopolita, refinado e europeu do romance, cujo
cenário (espaço) é a Corte e as festas da burguesia
fluminense em formação, que o autor descreve
criticamente, por sua submissão aos costumes
estrangeiros e às relações de interesse que envolvem esse
ambiente.
ENREDO
Os títulos das quatro partes em que se divide o romance
– “O preço”, “Quitação”, “Posse” e “O Resgate” –
anunciam a problemática da contradição entre o dinheiro
e o amor desenvolvida no enredo, na medida em que
constituem palavras relacionadas às fases de uma
transação comercial.
Aurélia surge na história como um astro, rica e formosa.
Mora num palacete em Laranjeiras em companhia de uma
parenta afastada, D. Firmina Mascarenhas, e tem como
tutor o tio, Senhor Lemos. No entanto, é Aurélia quem
decide a sua vida: apesar de ter entre 18 anos, a moça é
senhora de si.
No desenrolar da história, ficamos sabendo que a riqueza
de Aurélia provém de uma herança milionária deixada por
seu avô fazendeiro. Movida por motivos revelados
somente em outro momento, a protagonista manda
propor a Fernando Seixas que ele se case com ela
mediante o dote de cem contos, quantia muito
significativa na época.
Ao descobrirmos o passado dos protagonistas,
compreendemos que Aurélia Camargo era uma moça
pobre e órfã de pai, que havia ficado noiva de Fernando
Seixas, rapaz de boa índole, mas desfibrado pelo desejo
de carreira fácil e brilhante. Fernando, em parte pelo fato
de ser pobre, em parte pela esperança de conseguir um
bom partido, abandona a noiva, que passa a crer que
todos os homens só se interessam por dinheiro.
A proposta de casamento mediante o dote de cem contos
é aceita por Seixas, que se encontrara envolvido em
dificuldades financeiras. Porém, na noite do casamento,
Aurélia, manifestando-lhe desprezo profundo, comunica-
lhe que deverão viver lado a lado, como estranhos,
embora unidos ante a opinião pública. Fernando
compreende o sentido da “compra” a que se sujeitara e
toma consciência de sua leviandade.
Numa espécie de longo duelo, marido e mulher se põem
à prova, até que Fernando consegue a soma necessária
para devolver o que recebera e propõe a separação.
Nesse meio tempo, seu caráter se forjara, enquanto a
dureza de Aurélia era abrandada. O desenlace é a
reconciliação de ambos, cujo amor havia crescido com a
experiência. • Para sala: 9, 11 e 13
ATIVIDADES
1. O livro Senhora, de José de Alencar, é uma
expressão do romantismo brasileiro, chamado também
de romance urbano. Aponte quais os elementos
fundamentais da obra que a fazem se enquadrar na escola
literária romântica.
2. Apesar de ser uma obra do romantismo, Senhora
já anunciava uma crítica típica do realismo. Descreva-a de
forma sucinta.
3. Sobre o romance Senhora, de José de Alencar,
aponte apenas as alternativas corretas:
I. Em Senhora, um homem vende-se a uma mulher,
com todas as formalidades comerciais – dinheiro,
documentação, assinatura e posse da mercadoria.
II. Representa a geração romântica indianista, tendo
como características principais a volta ao passado
histórico, o medievalismo, a criação do herói nacional e a
religiosidade.
III. Alguns ingredientes do romantismo que podem
ser apontados no romance Senhora são: personagens
idealizados e marcados por grande carga moral,
concepção do amor como a salvação da sociedade
corrompida pelo dinheiro e pelas relações de aparência.
IV. O livro Senhora origina-se das propostas
nacionalistas do movimento romântico, porque
apresenta uma tendência à representação da cultura
popular e propõe a volta às origens da nação brasileira.
14
PROJETOS DE LEITURA
FOCO NO VESTIBULAR
V. Nesse romance, os protagonistas mantêm um
conflito ao longo da narrativa, revelando uma oposição
entre o mundo do amor e o do dinheiro. Com isso, a obra
traz marcas da sociedade burguesa brasileira em
formação.
a) I e III.
b) II e IV.
c) III e V.
d) I, III e V.
e) I, II e V.
4. Sobre a obra de José de Alencar, é CORRETO afirmar:
a) É romântica em seu início, como obras indianistas
como O guarani e Iracema, e realistas no final, como
Senhora e Sonhos d’oro.
b) Constitui um projeto nacionalista para a literatura
brasileira, passando por várias fases, como as lendas e
mitos da terra selvagem, períodos históricos marcantes,
as regiões do país e seus nativos, até chegar aos romances
urbanos.
c) É puramente romântica, nacionalista, e sua força
está na apropriação da tradição indígena e em
transformá-la em ficção.
d) É inspirada no romance balzaquiano, porém
critica com mais veemência a burguesia carioca em
ascensão.
e) A obra alencariana, poesia e prosa, funda o
romantismo no Brasil.
5. Alencar fora acusado por alguns críticos de
justapor o romance europeu às circunstâncias locais,
causando assim contradições internas à sua obra. Qual
era o contexto histórico em que estava inserido o
romance europeu, cujo realismo de Balzac é o principal
expoente?
6. Qual era o contexto histórico do Brasil e como é
descrita por Alencar a sociedade carioca da época?
7.
Quando a riqueza veio surpreendê-la, a ela que não
tinha mais com quem a partilhar, seu primeiro
pensamento foi que era uma arma. Deus lha enviava
para dar combate a essa sociedade corrompida, e
vingar os sentimentos nobres escarnecidos pela turba
dos agiotas.
Preparou-se pois para a luta, à qual talvez a impelisse
principalmente a ideia do casamento que veio a
realizar mais tarde. Quem sabe, se não era o
aviltamento de Fernando Seixas que ela punia com o
escárnio e a humilhação de todos os seus adoradores?
A partir da leitura do romance e de acordo com o
fragmento transcrito, indique apenas a alternativa
INCORRETA:
a) Existe um contraste entre a visão que Aurélia tem
da sociedade carioca e os princípios morais que ela
defende.
b) Aurélia, desiludida com a crueldade do mundo,
decide afastar-se do convívio social.
c) O dinheiro, para Aurélia, funciona como
instrumento de combate à torpeza de um meio social sem
valores éticos.
d) O texto prenuncia a mudança de atitude da
personagem, que se submete ao poder da fortuna.
e) O narrador, falando de Aurélia, antecipa fatos que
se concretizarão no futuro.
8. José de Alencar inicia seu livro com uma advertência
“Ao leitor”:
Este livro, como os dois que o precederam, não são da
própria lavra do escritor, a quem geralmente os
atribuem.
A história é verdadeira; e a narração vem de pessoa
que recebeu diretamente, e em circunstâncias que
ignoro, a confidência dos primeiros atores deste
drama curioso.
O suposto autor não passa rigorosamente de editor. É
certo que tomando a si o encargo de corrigir a forma
e dar-lhe um lavor literário, de algum modo apropria-
se não a obra, mas o livro.
Com base no trecho, responda as seguintes questões:
a) Quem era o escritor (pseudônimo) e quais eram
os livros que precederam o romance Senhora?
b) O que quer dizer o autor ao afirmar que “O
suposto autor não passa rigorosamente de editor”?
15
PROJETOS DE LEITURA
FOCO NO VESTIBULAR
9. Sobre o autor e o foco narrativo do romance Senhora,
podemos afirmar que:
I. O autor é José de Alencar, que narra a história em
terceira pessoa.
II. Diz-se que a história foi contada por um terceiro,
que o autor desconhece, apenas afirmando sua
veracidade. O autor narra os acontecimentos de forma
onisciente. III. O narrador da história é desconhecido e
José de Alencar não passa de editor. Quais afirmativas
estão corretas?
a) I e II.
b) II e III.
c) Apenas I.
d) Apenas II.
e) Apenas III.
10. Qual é a relação entre a história de amor contada
por Alencar em Senhora e os títulos de cada capítulo de
seu livro: “Preço”, “Quitação”, “Posse” e “Resgate”.
11. Qual é o objetivo de Aurélia ao comprar Seixas
como marido?
12. Estabelecendo um paralelo com a sociedade de
hoje, em que valores como o dinheiro e a aparência são
tão importantes, quais analogias podemos fazer com o
romance de Alencar do século XIX?
13. Leia atentamente o trecho a seguir do livro
Senhora e responda qual alternativa está CORRETA: A
notícia do próximo casamento de Aurélia produziu na alta
sociedade fluminense grande assombro. Ninguém podia
capacitar-se de que essa moça, pretendida pela nata dos
noivos fluminenses, podendo escolher à vontade, entre os
seus inúmeros adoradores, maridos de toda a espécie,
tivesse o mau gosto de enxovalhar-se com um
escrivinhador de folhetins. O Alfredo Moreira, quando a
encontrou depois da novidade, não pôde esconder o
despeito:
– Então, casa-se?
– É verdade.
– Afinal achou; cotação muito alta sem dúvida?
replicou o elegante com ironia.
– Não, tornou-lhe a moça no mesmo tom. Ficou-me por
uma ninharia.
– Ah! Estimo muito. Que preço?
– Quer saber o preço?
– Estou curioso.– Foi o seu.
a) Aurélia costumava fazer a cotação de todos os
seus pretendentes sem que esses soubessem.
b) Aurélia pagou pelo escrevinhador 20 contos, o
mesmo que oferecera para Moreira.
c) Aurélia compra Seixas, que no passado a havia
desprezado por interesses pessoais.
d) Aurélia casa-se com Seixas para se vingar, mas
depois se arrepende e procura Moreira.
e) Aurélia amava Seixas, por isso não se importava
em ter que pagar por ele.
14. Que relação há entre o título do romance Senhora
e sua protagonista, Aurélia Camargo?
15. Que aspecto do romance Senhora é revelado pelo
personagem Lemos, cuja grande ciência da vida se
resumia em esperar a ocasião e aproveitá-la?
GABARITO
1. José de Alencar, autor de Senhora, é uma das maiores
expressões do romantismo brasileiro. O próprio estilo
da obra pode se enquadrar numa espécie de linguagem
romântica, representando um estilo vigoroso, elegante
e pomposo. Um ingrediente romântico evidenciado no
livro é, sem dúvida, o tema do amor, o amor idealizado,
capaz de renúncias, sacrifícios e heroísmo. O amor
como salvação. No romance de amor alencariano, o
amor é a salvação para as relações corrompidas pelo
dinheiro e mediadas pelas aparências. A idealização,
tipicamente romântica, ocorre também nas
personagens, sendo o maior exemplo disso a descrição
que o autor faz da protagonista Aurélia, em que sua
aparição se compara a um astro.
2. Os romances urbanos de Alencar, neste caso, Senhora,
têm como cenário a Corte, as grandes festas dos salões
fluminenses, ou seja, o Rio de Janeiro do Segundo
Reinado. O autor traça um perfil da burguesia carioca
em ascensão, seus costumes, suas vestimentas e,
principalmente, suas relações de interesse mediadas
pelo dinheiro e o mundo de aparência em que se
constrói. Essas características de seu romance
16
PROJETOS DE LEITURA
FOCO NO VESTIBULAR
aproximam-se muito da crítica que será feita, com
ainda mais veemência, no realismo. Contrário à
sociedade mercantilizada que se instaurava, Alencar
não se enquadra na escola realista porque resolve de
forma idealizada e moralista as contradições entre
amor e dinheiro que são tematizadas em seu livro,
como pode ser evidenciado no confronto entre a trama
romântica da história e a divisão de seus capítulos, com
títulos completamente racionais, expressões das
relações capitalistas.
3. d
A afirmação I é correta porque o que de fato acontece no
romance é o tema da venda de um homem, Fernando
Seixas, a uma mulher, Aurélia, com as formalidades de
compra de uma mercadoria. O preço pago, o documento
com a assinatura dele comprovando sua aceitação do
contrato e a posse de Seixas como marido de Aurélia. A
afirmação III também está correta, pois apresenta as
características principais do romantismo que a obra traz.
E a afirmação V resume o conflito fundamental da obra, a
contradição entre amor e dinheiro e o perfil que se traça
da burguesia em ascensão.
4. b
Todas as alternativas contêm meias verdades, porém, só
a alternativa b consegue abarcar as características e os
tipos de romances alencarianos de forma mais geral. A
questão toca tanto em seu projeto nacionalista literário
como também dá conta dos tipos de romance que o
autor escreveu: indígena, histórico, regionalista e urbano.
5. As contradições apontadas, sobretudo por Schwarz, de
se importar o romance para o Brasil estão na
incongruência que podem causar as inspirações
balzaquianas de uma sociedade liberal, em que o
capitalismo já estava consolidado, em uma sociedade
como a brasileira, escravista, latifundiária, porém
dependente do mercado externo. Nesse sentido, o
contexto histórico europeu em que se inseriam os
romances de Balzac é marcado pela consolidação do
capitalismo e de uma sociedade liberal.
6. O Brasil do Segundo Reinado é agrário e recentemente
independente, era dividido em latifúndios, cuja
produção dependia, por um lado, do trabalho escravo
e, por outro, do mercado externo. O mercado externo
era o mundo capitalista, em que o raciocínio vigente era
o da burguesia que perseguia o lucro. Esse era um
princípio que fazia parte de nossa identidade. No
entanto, os ideais liberais defendidos nos países
europeus em que a burguesia nacional em ascensão
buscava inspiração defrontavam-se com as práticas do
escravismo.
De um modo geral, Alencar faz uma descrição minuciosa
das práticas de uma sociedade mercantilizada que se
instaurava no país. É possível identificar, através de
personagens como Lemos e toda a alta sociedade que
frequentava, as festas da Corte fluminense, os interesses
que guiavam suas ações. Mesmo Fernando Seixas é
movido pelos interesses do mundo burguês, apesar de ser
de origem humilde. Em seu romance, Alencar denuncia o
casamento por conveniência, prática comum naquela
época.
7. b
A alternativa b está incorreta porque Aurélia, mesmo que
desiludida com as relações mercantilizadas da sociedade,
não se afasta do convívio social. Ao contrário, surge na
alta sociedade com toda sua beleza e fortuna, exercendo
facilmente seu poder num mundo de aparência e em que
o dinheiro é rei.
8. a) O pseudônimo utilizado por José de Alencar em seus
dois livros predecedentes era G.M. e os títulos de suas
obras são Lucíola e Diva, constituindo o seu chamado
“perfis de mulher”.
b) O recurso de apontar que o autor não passa de mero
editor serve para reforçar o compromisso do autor com a
veracidade dos fatos narrados por outrem, estratégia
tipicamente romântica.
9. a
A alternativa a está correta porque corresponde à
primeira afirmação, que esclarece quem é o autor da obra
e seu foco narrativo. A segunda afirmação complementa
a interpretação do trecho em que clarifica que o autor não
conhece quem contou a história e aponta que quem é o
narrador é o próprio autor, que narra a história de modo
onisciente, ou seja, sabe de tudo que acontece na vida de
todos os personagens.
17
PROJETOS DE LEITURA
FOCO NO VESTIBULAR
10. A relação que podemos estabelecer entre os títulos
dos capítulos do livro e a história de amor contada é a
de ambiguidade. Os títulos “Preço”, “Quitação”,
“Resgate” e “Posse” se referem a transações
mercantis de compra e venda de uma mercadoria.
Essa referência destoa completamente do amor
idealizado, de um romance de amor em que
esperaríamos, certamente, títulos relacionados aos
sentimentos e aconteci-mentos amorosos. Portanto,
essa seria a principal ambiguidade. No entanto, se
analisarmos o conjunto da obra, entenderemos essa
ambiguidade de forma ainda mais enraizada, já que
perpassa toda a história. Primeiro, sabemos que se
trata de uma história de amor. Porém, Aurélia compra
o marido com quem irá se casar. A venda de Fernando
a Aurélia contradiz o amor que sente por ela, e aqui
reside um confronto entre o amor e o dinheiro de que
precisa, seja para sobreviver, seja para manter as
aparências. É possível identificar a mesma relação
ambígua em Aurélia, que persegue seu ideal de amor
verdadeiro até o final, conseguindo reverter o caráter
de Fernando, porém utilizando-se do dinheiro para
exercer seu poder, vivendo ela mesma submetida a
ele, seja nas relações de aparência da alta sociedade,
seja para conseguir comprar seu marido.
11. Aurélia pretende demonstrar a Seixas as relações de
interesse e conveniência em que está envolvido,
tentando provar a ele, de maneira peculiar, que o
amor pode e deve ser mais forte que o dinheiro.
Existe, portanto, uma espécie de objetivo de
ensinamento/aprendizado, em que a personagem
parece se empenhar para conseguir reverter o caráter
do marido. O fato de Fernando ter-se vendido a
Aurélia escancara para ele mesmo o ridículo da
situação a que chegara por mera conve-niência.
Portanto, Aurélia, utilizando-se dos mecanismos da
própria sociedade que ela despreza, intenta criticar as
relações mercantis e salvar Fernando, com seu amor,
desse mundo vil.
12. Uma possível resposta seria da relação da sociedade
do espetáculo em que vivemos, em que a imagem e a
aparência de todas as coisas são tão importantes,
assim como todas as relações serem mediadas pelo
dinheiro. Nesse sentido, poderíamos dizer que a
crítica da sociedade mercantil que Alencar faz no
século XIX parece ter se exacerbado no século XXI. No
entanto, os ideais de amor cada vez mais são deixados
de lado, estabelecendo-se, assim, não mais um
casamento arranjado pelo tamanho do dote, mas um
cálculo bastante racional na hora de se viver junto a
alguém.
13. c
Todas as demais alternativas tentam confundir o aluno
com a referência a Alfredo Moreira, que aparece no
trecho transcrito. De qualquer forma, o aluno que leu o
livro sabe que Aurélia compra Fernando Seixas e que seu
interesse era apenas nele, por motivo particular do
passado dos dois e da esperança de que o amor dela
pudesse mudá-lo.
14. A relação é extremamente irônica. Embora fosse
pobre e desamparada até os 18 anos, Aurélia Camargo
repentinamente enriquece, herdando a fortuna de
seu avô. Torna-se, assim, uma senhora, cercada de
adoradores a quem despreza, como despreza o
dinheiro que possui. Em relação a Fernando Seixas, o
marido que compra com um dote de cem contos de
réis, Aurélia Camargo é senhora primeiro por exercer
o seu domínio sobre ele, por humilhá-lo, e, em um
sentido mais profundo, por conseguir transformar-lhe
o caráter, depurar-lhe a personalidade, até ele se
tornar digno de seu amor.
15. Lemos é um velho capitalista, interesseiro e obcecado
pelo dinheiro. Tutor e tio de Aurélia Camargo, ele
revela um aspecto fundamental do romance: a
contradição entre a “moralidade” de sua conduta,
extensiva à de outros personagens secundários, e a
“moralidade” da conduta das personagens principais.
Tal contradição pode ser interpretada como uma
consequência do “ajuste” entre a “a cor local”,
manifestada nos personagens secundários, e o
“modelo europeu”, percebido nos personagens
principais. Enquanto os primeiros vivem num universo
doméstico, sem julgamentos, nem condenações, os
segundos vivem a degradação humana causada pelo
18
PROJETOS DE LEITURA
FOCO NO VESTIBULAR
dinheiro, que transforma as pessoas e seus
sentimentos em mercadorias.
GUIA DO PROFESSOR
Sabemos que existem diversos métodos de ensino-apren-
dizagem disponíveis em literatura especializada e que
esses métodos só trazem resultado positivo quando
combinam com o estilo, com o contexto e com as
necessidades do professor. Ao observar a prática do
professor em sala de aula, no entanto, é fácil perceber
que um método bem antigo e tradicional resistiu ao
tempo e ainda hoje se mostra bastante eficiente: o
método da aula expositiva. Segundo Regina Célia Haydt,
em seu livro Curso de Didática Geral (Ática, 2010), a aula
expositiva pode ser usada nas seguintes situações:
• quando há necessidade de transmitir informações
e conhecimentos seguindo uma estrutura lógica e com
economia de tempo;
• para introduzir um novo conteúdo, apresentando
e esclarecendo os conceitos básicos da unidade e dando
uma visão global do assunto;
• para fazer uma síntese do conteúdo abordado
numa unidade, dando uma visão globalizada e sintética do
assunto. A aula expositiva é um procedimento de ensino-
aprendizagem que está presente indistintamente em
todos os níveis de ensino e é um dos mais empregados
pelo professor em seu dia a dia nas salas de aula. Pela sua
manifesta presença no ambiente escolar, decidimos
apresentar a você, professor, uma pequena lista de
sugestões que pode ser útil em sua prática docente em
geral, e em particular, no trabalho com o conteúdo
apresentado aqui. Toda a lista foi retirada do livro citado
acima, de Regina Haydt.
Para que a aula expositiva atinja os objetivos para os quais
foi planejada e se desenrole de forma eficiente, sugere-se
que o professor:
a) Apresente inicialmente aos alunos o assunto que
vai ser abordado no decorrer da exposição e mostre suas
ligações com os temas já estudados e conhecidos.
b) Introduza o novo conteúdo partindo dos
conhecimentos e experiências anteriores, isto é, do que o
aluno já conhece e experienciou.
c) Estabeleça um clima adequado entre os
participantes e mantenha a atenção dos alunos,
relacionando o conteúdo apresentado aos objetivos,
interesses e motivos dos estudantes.
d) Seja objetivo e preciso na exposição e dê ao tema
um tratamento ordenado e lógico. Há várias formas de se
organizar o conteúdo de uma exposição:
• apresentar primeiro as ideias amplas e
abrangentes que servem de ponto de apoio ou de ponto
de ancoragem para as ideias mais específicas; em
seguida, expor as informações particulares, mostrando
sua relação com as ideias mais genéricas e com os
princípios gerais; • usar uma abordagem indutiva,
expondo primeiramente os fatos particulares e as
situações concretas, para depois apresentar os conceitos
e os princípios mais gerais e abrangentes a eles
relacionados;
• propor questões ou problemas, para depois
apresentar fatos, informações e argumentos para as
possíveis soluções.
e) Destaque e fixe as ideias mais importantes,
registrando-as no quadro de giz.
f) Dê exemplos esclarecedores relacionados à
vivência dos alunos.
g) Estimule a participação dos alunos e mantenha-os
em atitude reflexiva:
• fazendo perguntas para que eles respondam;
• dialogando com eles;
• propondo questões para debate;
• deixando que eles exponham suas dúvidas;
• esclarecendo as dúvidas;
• solicitando exemplos;
• pedindo para que os alunos apresentem conjecturas
sobre a continuação da explicação;
• ou pedindo para que façam oralmente uma breve
síntese do que foi até então exposto.
h) Use uma linguagem simples e coloquial e vá direto
ao assunto, de forma clara e objetiva, sem rodeios e
floreios.
Quando empregar uma palavra que você presuma que
seja desconhecida dos alunos, ou um termo científico,
19
PROJETOS DE LEITURA
FOCO NO VESTIBULAR
explique o seu significado, para facilitar a compreensão do
assunto exposto.
i) Fale com desembaraço e entusiasmo,
pronunciando as palavras com clareza e variando o tom
de voz, os gestos e os movimentos. O professor Nérici, em
seu livro Didática Geral dinâmica, sugere, inclusive, que o
expositor dê “um certo colorido emocional à exposição,
mas sem exagero”.
j) Use humor quando achar oportuno, pois ajuda a
relaxar, prende a atenção e cria um clima descontraído.
k) Use, sempre que possível, para ilustrar a
explanação, recursos audiovisuais auxiliares, como o
quadro de giz, cartazes, gravuras, álbum seriado, quadros
murais, gráficos, mapas, retroprojetor, etc.
l) “Sinta” a classe, percebendo o grau de atenção
dos alunos através de suas reações, e verificando o seu
nível de compreensão por meio de perguntas sobre o
assunto exposto.
m) Intercale a exposição com exercícios de aplicação
do conteúdo apresentado, quando achar oportuno.
n) Ao concluir a explicação, enfatize as ideias básicas
e essenciais, sintetizando-as e sistematizando-as num
quadro sinótico, ou pedindo aos alunos para resumirem o
conteúdo transmitido.
Essas normas práticas poderão ajudar o professor a tornar
sua aula expositiva mais compreensível e interessante
para os alunos.
Dentre essas normas, duas em especial devem ser
destacadas:
1. uma é a necessidade de se relacionar as ideias
mais gerais e abrangentes do conteúdo, com as
informações particulares;
2. a outra é a necessidade de se estabelecer uma
ponte entre o que o estudante já sabe e aquilo que ele
precisa conhecer. Por isso, é importante mostrar as
semelhanças e as diferenças entre as novas ideias
contidas no conteúdo introduzido e os conceitos e
princípios previamente aprendidos e disponíveis na
estrutura cognitiva do aluno.