projetos didÁticos no ciclo de alfabetizaÇÃodidáticos no ciclo de alfabetização e conta com a...
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ISSN 1982 - 0283
PROJETOS DIDÁTICOS
NO CICLO DE ALFABETIZAÇÃO
Ano XXIII - Boletim 6 - MAIO 2013
PROJETOS DIDÁTICOS NO CICLO DE ALFABETIZAÇÃO
SUMÁRIO
Apresentação .......................................................................................................................... 3
Rosa Helena Mendonça
Introdução .............................................................................................................................. 4
Francisca Izabel Pereira Maciel
Texto 1 - Sequências e atividades pedagógicas para alfabetização ......................................... 8
Sara Mourão Monteiro
Texto 2 - Sequência didática para desenvolver a leitura e produção de gêneros textuais ..... 19
Valeria Barbosa de Rezende
Texto 3 - As histórias em quadrinhos (HQs) nas sequências didáticas (SD): o prazer no fazer,
ensinar e aprender ................................................................................................................28
Francisca Izabel Pereira Maciel
3
ApresentAção
projetos didáticos no ciclo de AlfAbetizAção
1 Supervisora Pedagógica do programa Salto para o Futuro (TV Escola/MEC).
A publicação Salto para o Futuro comple-
menta as edições televisivas do programa
de mesmo nome da TV Escola (MEC). Este
aspecto não significa, no entanto, uma sim-
ples dependência entre as duas versões. Ao
contrário, os leitores e os telespectadores
– professores e gestores da Educação Bási-
ca, em sua maioria, além de estudantes de
cursos de formação de professores, de Fa-
culdades de Pedagogia e de diferentes licen-
ciaturas – poderão perceber que existe uma
interlocução entre textos e programas, pre-
servadas as especificidades dessas formas
distintas de apresentar e debater temáticas
variadas no campo da educação. Na página
eletrônica do programa, encontrarão ainda
outras funcionalidades que compõem uma
rede de conhecimentos e significados que se
efetiva nos diversos usos desses recursos nas
escolas e nas instituições de formação. Os
textos que integram cada edição temática,
além de constituírem material de pesquisa e
estudo para professores, servem também de
base para a produção dos programas.
A edição 6 de 2013 traz como tema Projetos
didáticos no ciclo de alfabetização e conta
com a consultoria de Francisca Izabel Pe-
reira Maciel, professora associada da Facul-
dade de Educação da Universidade Federal
de Minas Gerais e pesquisadora do Centro
de Alfabetização, Leitura e Escrita – CEALE/
UFMG.
Os textos que integram esta publicação são:
1. Sequências e atividades pedagógicas para
alfabetização; 2. Sequência didática para
desenvolver a leitura e produção de gêne-
ros textuais; 3. As histórias em quadrinhos
(HQs) nas sequências didáticas (SD): o pra-
zer no fazer, ensinar e aprender.
Boa leitura!
Rosa Helena Mendonça1
4
INTRODUÇÃO
Atualmente, as discussões que envolvem
o ciclo de alfabetização e o Ensino Funda-
mental de nove anos passam por reflexões
e questionamentos que estão diretamente
relacionados às atividades que precisam ser
desenvolvidas no espaço escolar. Ao defen-
dermos a entrada da criança de seis anos
no primeiro ano do ciclo de alfbetização,
estamos defendendo que não se trata ape-
nas de incluir os meninos e as meninas na
escola, mas encontrar novas linguagens,
novas categorias, novas estratégias para
enfrentar formas inéditas de exclusão que,
hoje, se produzem e se reproduzem. E uma
das maiores exclusões do sistema educacio-
nal brasileiro é de crianças e jovens que não
têm domínio e fluência das habilidades da
leitura e da escrita.
Partindo do princípio de que orientações
curriculares são “conhecimentos” e não
podem designar “conteúdos”, cujo termo é
restrito, nossa opção teórico-metodológica
é por “capacidades”, termo amplo o sufi-
ciente para abranger todos os níveis de pro-
gressão, desde os primeiros atos motores
até a leitura e a produção textual. Uma pro-
posta curricular de alfabetização ancorada
nas capacidades diz respeito àquilo que uma
pessoa precisa saber para ser alfabetizada.
Defendemos que uma proposta curricular
que atenda ao ciclo de alfabetização passa
necessariamente pela distribuição gradual
das capacidades ao longo dos três anos, sem
que se tenha uma sobrecarga em determina-
do ano e, sim, uma organização coerente e
adequada aos conhecimentos e à idade dos
alunos.
As reflexões sobre planejamento e organiza-
ção de uma proposta de alfabetização que
contemple esse aprendizado devem possibi-
litar ao professor uma visualização mais cla-
ra dos objetivos de seu trabalho em sala de
aula e das metas que deve procurar atingir,
nos três anos do ciclo de alfabetização.
1 Professora Associada da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita – CEALE/UFMG. Consultora da edição temática.
projetos didáticos no ciclo de AlfAbetizAção
Francisca Izabel Pereira Maciel1
5
Uma proposta envolve um processo perma-
nente de experimentação e reflexão na ação
pedagógica, para a melhoria da qualidade da
educação brasileira. Entendemos que as prá-
ticas de ensino e as experiências dos profes-
sores são imprescindíveis e podem favorecer
a ampliação dos referenciais teóricos e cul-
turais dos docentes e de sua autonomia no
trabalho no ciclo de alfabetização.
Uma proposta para o ciclo de alfabetização
precisa levar em consideração alguns princí-
pios, entre eles, destacamos:
O aprendizado e a progressão da criança de-
pendem:
• do processo por ela desenvolvido;
• do patamar em que ela se encontra;
• das possibilidades que o ambiente escolar
lhe propicia.
A proposta pedagógica deve valorizar:
• a interpretação das capacidades da crian-
ça pelo professor, através de critérios ca-
pazes de sinalizar progressivos avanços no
processo de alfabetização.
Também é necessário ter a clareza dos con-
ceitos de alfabetizar e letrar:
• Alfabetizar não se reduziria ao domínio
das “primeiras letras” (alfabetizar);
• Saber utilizar a língua escrita nas situ-
ações em que esta é necessária, lendo e
produzindo textos (letrar);
• Ter clareza sobre capacidades e conheci-
mentos que precisam ser desenvolvidos
para que uma criança seja considerada
alfabetizada;
• Saber como distribuí-los ao longo dos três
anos iniciais da Educação Fundamental;
• Saber o que cada criança deve ser capaz
de realizar a cada período do Ciclo de Al-
fabetização.
Como planejar projetos didáticos e sequên-
cias didáticas ao longo de três anos de forma
integrada entre os anos e as diferentes áreas
de conhecimeto?
Os materiais didáticos e de apoio pedagógi-
co levam em conta o ciclo de alfabetização?
Nesta edição temática, pretende-se focali-
zar a discussão e a análise de propostas de
planejamento e organização de rotinas, que
possam colaborar com o trabalho de ges-
tores e professores alfabetizadores. Além
disso, pretende-se apresentar relatos de
professoras que planejam e organizam suas
rotinas de forma integrada, com diferentes
áreas de conhecimento. Pretende-se, ainda,
mostrar a importância de organizar diferen-
tes agrupamentos nos três anos, adequando
os modos de organização do ciclo aos objeti-
vos pretendidos.
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TEXTOS DA EDIÇÃO TEMÁTICA PROJETOS DIDÁTICOS NO CICLO DE
ALFABETIZAÇÃO2
Projetos didáticos e sequências didáticas na alfabetização: diálogos entre a área da Linguagem e
seus componentes curriculares de Língua Portuguesa e Arte, as áreas de Matemática, Ciências da
Natureza, Ciências Humanas e seus componentes curriculares História e Geografia; o papel da ora-
lidade, da leitura e da escrita na apropriação de conhecimentos de diferentes áreas do saber escolar.
TEXTO 1: SEQUÊNCIAS E ATIVIDADES PEDAGÓGICAS PARA
ALFABETIZAÇÃO
O primeiro texto da edição temática apresenta as sequências didáticas/atividades pedagógicas,
que são todas as estratégias didáticas usadas em sala de aula para mobilizar os processos de
aprendizagem dos aprendizes. Segundo a autora do texto: “Elas operacionalizam os proce-
dimentos de ensino para que as metas de aprendizagem estabelecidas no planejamento do
professor sejam alcançadas. Dessa forma, o conjunto de atividades que compõem a rotina
escolar das crianças nos anos iniciais do Ensino Fundamental se caracteriza pela diversidade
das atividades propostas em sala de aula.” A autora apresenta, como exemplos de atividades
pedagógicas: os jogos e brincadeiras pedagógicos, os exercícios individuais, a produção coleti-
va de textos escritos, a leitura autônoma e coletiva de textos, as rodas de leitura, a confecção
de livros infantis, a produção de jornal e informativos escolares etc.
TEXTO 2: SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA DESENVOLVER A LEITURA E
PRODUÇÃO DE GÊNEROS TEXTUAIS
O objetivo do segundo texto da edição temática é apresentar uma prática escolar de leitura
e produção escrita de uma professora do 3o ano ciclo de alfabetização do Ensino Fundamen-
tal. Procura-se evidenciar os procedimentos metodológicos utilizados pela professora, as inte-
rações estabelecidas com/entre os alunos, as oportunidades de aprendizagem geradas pelos
eventos de letramento. O evento de letramento analisado trata da elaboração de um texto
2 Os textos desta publicação eletrônica são referenciais para a edição temática Projetos didáticos no ciclo de alfabetização com veiculação no programa Salto para o Futuro/ TV Escola nos dias 13/05/2013 e 15/05/2013.
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descritivo, que teve como foco a produção do gênero perfil. São analisadas e comentadas as
etapas do trabalho com os alunos em sala de aula e mostrados os textos produzidos por alguns
deles ao final deste interessante evento de letramento.
TEXTO 3: AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS (HQS) NAS SEQUÊNCIAS
DIDÁTICAS (SD): O PRAZER NO FAZER, ENSINAR E APRENDER
Para a autora do terceiro texto da edição temática, “as HQs cumprem com diferentes funções
da leitura: lazer, humor, informação e, ainda, são uma forma prazerosa para quem ensina e para
quem aprende.” A autora destaca, também, que “a combinação atrativa da linguagem visual e
verbal e a rápida comunicação podem fazer parecer que as HQ são apenas um artefato de di-
versão, mas elas não são apenas isto e podem se tornar um grande aliado do professor em seu
trabalho com linguagem, história, geografia, matemática, etc.” Após analisar as HQs e incluir
vários e sugestivos exemplos deste gênero textual, a autora mostra como desenvolver a SD com
os alunos, ressaltando que, nesta etapa, é feita a apresentação da proposta e, em seguida, o tra-
balho com os módulos – também conhecidos como oficinas – com sugestões de atividades. Esses
módulos/oficinas deverão propor situações didáticas desafiadoras e desconhecidas dos alunos.
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Vamos discutir aqui as atividades pedagó-
gicas da leitura e da escrita desenvolvidas
em turnas do primeiro ano do Ensino Fun-
damental. Sequências didáticas/atividades
pedagógicas são todas as estratégias didáti-
cas usadas em sala de aula para mobilizar os
processos de aprendizagem dos aprendizes.
Elas operacionalizam os procedimentos de
ensino para que as metas de aprendizagem
estabelecidas no planejamento de ensino do
professor sejam alcançadas.
No que se refere à aprendizagem inicial da
língua escrita, é possível dizer que há uma
demanda por atividades pedagógicas espe-
cíficas e adequadas aos seus três níveis de
ensino da alfabetização e do letramento:
• - sistema de escrita,
• - leitura e produção de textos escritos,
• - usos sociais da língua escrita.
Dessa forma, o conjunto de atividades que
compõem a rotina escolar das crianças nos
anos iniciais do Ensino Fundamental se ca-
racteriza pela diversidade das atividades
propostas em sala de aula. A organização
que se dará às atividades de alfabetização
e de letramento deve obedecer a dois cri-
térios didáticos: a sequência das atividades
e a integração entre elas. São exemplos de
atividades pedagógicas: os jogos e brincadei-
ras pedagógicos, os exercícios individuais, a
produção coletiva de textos escritos, a leitu-
ra autônoma e coletiva de textos, as rodas
de leitura, a confecção de livros infantis, a
produção de jornal e informativos escolares
etc.
Esse texto está organizado em duas partes.
Na primeira será discutida a relação entre as
atividades pedagógicas e os procedimentos
de ensino. Na segunda parte serão discuti-
dos, a partir de exemplos de planejamentos
de ensino para uma turma do primeiro ano,
os dois critérios de organização das ativida-
des pedagógicas.
texto 1SEQUÊNCIAS E ATIVIDADES PEDAGÓGICAS PARA ALFABETIZAÇÃO
Sara Mourão Monteiro1
2 Professora Adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita – CEALE/UFMG.
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PROCEDIMENTOS DE ENSINO
E ATIVIDADES PEDAGÓGICAS:
A OPERACIONALIZAÇÃO DO
PLANEJAMENTO DE ENSINO
As metas gerais de aprendizagem em alfa-
betização e letramento, nos anos iniciais
do Ensino Fundamental, abrangem a com-
preensão do princípio da base alfabética do
sistema de escrita; a apreensão das regras
ortográficas das palavras; a aquisição da flu-
ência no processo de leitura; o desenvolvi-
mento das habilidades de leitura, resultan-
tes da compreensão do funcionamento da
modalidade escrita; o desenvolvimento das
habilidades de produção de textos escritos
e a identificação e apropriação dos usos so-
ciais da língua escrita.
Para cada uma dessas metas gerais de apren-
dizagem devem ser estabelecidos os objeti-
vos específicos de ensino para cada ano e
turma dos anos iniciais, levando-se em con-
ta a trajetória e o nível de aprendizagem dos
alunos. A partir daí, torna-se necessário de-
finir os procedimentos de ensino e as ativi-
dades pedagógicas que irão operacionalizar
o plano de ensino.
A figura abaixo representa o modelo desse
sistema didático.
Figura - Sistema didático do planejamento de ensino
Os procedimentos de ensino-aprendizagem
– formas de proceder que alunos e professo-
res adotam para aprender e ensinar no con-
texto escolar (Monteiro, 2010) – podem ser
compreendidos como ações cognitivas que
permitem ao aprendiz refletir sobre os con-
teúdos escolares, através dos encaminha-
mentos de ensino planejados pelos profes-
sores.
Na alfabetização e no letramento, os proce-
dimentos de ensino estão relacionados ao
desenvolvimento da consciência metalin-
guística, que se refere à capacidade de ma-
nipular e refletir sobre a estrutura da língua
(Maluf, 2006; Roazzi & Carvalho, 1991). A
consciência metalinguística abrange dife-
rentes estruturas linguísticas: o fonema e
a sílaba (consciência fonológica); a palavra
(consciência de palavra); a frase (consciên-
cia sintática) e o texto (consciência discur-
siva).
No eixo da escrita e da leitura relacionadas
ao processamento da palavra, os procedi-
mentos de ensino estão relacionados ao de-
10
senvolvimento da consciência fonológica e
da consciência de palavra, à compreensão
da relação entre a linguagem oral e escrita,
à automatização do reconhecimento da pa-
lavra escrita, ao desenvolvimento da escrita
ortográfica. Podemos citar como exemplos
de procedimentos nesse eixo de trabalho
a leitura do próprio nome e de nomes dos
colegas em listas de nomes; a leitura de pa-
lavras e frases pelas
crianças com o obje-
tivo de desenvolver a
fluência; a leitura de
pequenos textos com
autonomia, a escrita
compartilhada e au-
tônoma de palavras e
frases.
No eixo da produção e
leitura de textos escri-
tos, os procedimentos
devem possibilitar o
desenvolvimento das
estratégias de compreensão e produção de
textos, a ampliação do vocabulário pelo alu-
no e a compreensão de textos curtos lidos
pela professora e com autonomia, a pro-
dução compartilhada de textos adequados
ao gênero, aos objetivos, ao leitor visado
(planejamento, produção e revisão). As per-
guntas de compreensão de textos diversos
(identificação do assunto, localização de in-
formações explícitas, interpretação, avalia-
ção) que podem ser propostas em conversas
coletivas sobre textos, livros e revistas lidos
e as atividades de leitura de pequenos tex-
tos e de livros com
poucos textos, a pro-
dução compartilha-
da de textos (toda
a turma, pequenos
grupos e duplas de
alunos) são proce-
dimentos comuns
na rotina escolar
das crianças que es-
tão em processo de
aprendizagem inicial
da língua escrita.
O exemplo de plane-
jamento apresentado a seguir mostra como
o sistema didático funciona, tendo-se como
referência o eixo de ensino sistema de escri-
ta.
A consciência
metalinguística abrange
diferentes estruturas
linguísticas: o fonema
e a sílaba (consciência
fonológica); a palavra
(consciência de palavra); a
frase (consciência sintática)
e o texto (consciência
discursiva).
Exemplo 1
Sistema didático do planejamento de ensino para uma turma do 1º ano - crianças em processo de
compreensão do princípio alfabético do sistema de escrita
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Nível de ensino Meta geral Objetivosespecíficos
Procedimentosde ensino
Sistema de escrita Compreender o prin-
cípio alfabético do
sistema de escrita
As crianças devem ser
capazes de analisar
palavras orais e es-
critas, com base em
suas unidades silábi-
cas.
• Identificação de
número de sílabas
de palavras.
• Comparação de
palavras quanto
ao tamanho, com
base no número de
sílabas.
• Identificação de
palavras que come-
çam com a mesma
sílaba.
Atividades didáticas
1. Brincadeira de contar sílabas de palavras: as crianças em trio passam um toquinho de
madeira a cada sílaba das palavras sorteadas pela professora – nomes de frutas: bana-
na, maçã, abacaxi, laranja, uva. A professora registra em um cartaz, em frente de cada
palavra escrita, a quantidade de sílabas de cada palavra. Nessa atividade as crianças
poderão contar e comparar a quantidade de sílabas das palavras selecionadas.
2. As crianças são orientadas a comparar novamente o número de sílabas de duas pala-
vras (boneca e bola) e contar o número de letras das palavras, que estarão escritas no
quadro da sala. As crianças serão orientadas a identificarem a sílaba “bo” nas duas
palavras. Depois da atividade oral, as fichas das duas palavras serão exploradas em
pequenos grupos com as seguintes orientações: 1. fazer um desenho para cada uma
delas em uma folha de papel ofício; 2. colorir de vermelho as sílabas iguais no início
das palavras; 3. dizer outras palavras que comecem com a sílaba “bo”, como a sílaba
colorida nas duas palavras.
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A rotina de trabalho escolar e as atividades
propostas em sala de aula são fundamen-
tais para a aprendizagem dos alunos. Mas,
tendo-se como referência o sistema didá-
tico de planejamento de ensino, elas pre-
cisam estar associadas às metas de apren-
dizagem e aos procedimentos de ensino
definidos do planejamento geral para cada
turma. Atividades propostas aleatoriamen-
te, sem que se tenha clareza do seu papel
pedagógico, não resultam em aprendiza-
gem para as crianças.
As atividades descritas no exemplo 1 nos
mostram como se pode planejar e desenvol-
ver atividades equivocadas, que pouco irão
acrescentar aos conhecimentos dos alunos.
A professora, ainda que tenha pautado seu
planejamento nas metas, não apresentou
um bom planejamento. Ao trazer este “mo-
delo”, a intenção foi contrapor este exem-
plo aos outros exemplos que se seguem, por
acreditar que planejamentos como estes es-
tão muito presentes nas salas de aula das
turmas de alfabetização.
OS CRITÉRIOS DE ORGANIZAÇÃO
DAS ATIVIDADES PEDAGÓGICAS
Conforme foi dito anteriormente, as ativida-
des didáticas devem ser planejadas de acor-
do com os níveis de ensino da língua escri-
ta: sistema de escrita, leitura e produção de
textos escritos e uso social da língua escrita.
A diversidade de atividades pedagógicas pro-
postas em sala de aula precisa se apresen-
tar para as crianças de modo organizado e
coeso. Isso pode ser garantido se forem ob-
servados dois critérios didáticos: a sequên-
cia das atividades e a integração entre elas.
A sequência das atividades garante que as
ações de aprendizagem sejam contínuas, ou
seja, que partam consecutivamente umas
das outras, permitindo o aprofundamento e
a ampliação do conhecimento dos alunos.
A integração diz respeito ao relacionamen-
to entre as ações pedagógicas, visando dar
unidade às temáticas abordadas em sala de
aula e à exploração de determinados recur-
sos pedagógicos e materiais escritos.
Vamos nos valer novamente da análise de
exemplos de planejamento de ensino nos quais
esses critérios foram adotados pela professora.
Exemplo 2
Planejamento de ensino para uma turma do 1º ano - crianças em processo de compreensão do prin-
cípio alfabético do sistema de escrita
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Nível de ensino Meta geral Objetivos específicos Procedimentos
de ensino
Leitura Apreciar uma
narrativa literária
As crianças devem
expressar opinião sobre
a obra A princesa que
escolhia, demonstrando
compreensão do texto
lido pela professora.
Título: A princesa que
escolhia
Autora: Ana Maria Ma-
chado
Ilustradora: Graça Lima
Editora: Nova Fronteira
Ano de publicação: 2011
(2ª edição)
• Participação em even-
tos de leitura em sala de
aula, nos quais é preciso
ouvir com atenção lei-
tura oral da professora
e participar de conver-
sas e atividades sobre a
história lida em sala de
aula.
Atividades pedagógicas
1. Roda de leitura do livro A princesa que escolhia. A leitura será realizada em dois dias se-
guidos. No primeiro dia, após a leitura de parte do livro, as crianças serão estimuladas
a expressar suas opiniões sobre o livro (observando ilustrações, formato, cores etc.) e
sobre a história (respondendo a perguntas de compreensão). No segundo dia, para se
retomar a leitura, os alunos serão estimulados a fazer o reconto da parte lida no dia
anterior, tendo-se o livro como recurso para a memória da narrativa e a elaborarem
hipóteses para o desfecho da história.
2. No terceiro dia, a professora irá propor a produção de um álbum de princesas: as crian-
ças terão oportunidade de participar da produção coletiva de pequenos textos descre-
vendo as características das princesas dos contos de fada e de histórias que atualizam
esses contos a partir de seus personagens.
3. Tendo como referência a produção coletiva do álbum, a professora selecionará 2 ou 3
palavras que comecem com uma mesma sílaba para propor atividades de análise de
palavras, conforme procedimentos de ensino definidos no nível do sistema de escrita
do plano de ensino. As atividades podem ser realizadas no terceiro ou no quarto dia da
semana.
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A presença da roda de leitura do livro na
rotina escolar dos alunos é um estímulo à
prática de leitura como entretenimento e
exercício à liberdade de pensamento. É pos-
sível observar que o planejamento da leitura
do livro prevê ações nas quais não apenas o
texto escrito é objeto de reflexão, mas tam-
bém o livro passa a ser foco da atenção das
crianças – as crianças serão estimuladas a ex-
pressar suas opiniões sobre o livro (observando
ilustrações, formato, cores etc.) e sobre a his-
tória (respondendo a perguntas de compreen-
são). As práticas efetivas de leitura em sala
de aula que aproximam as crianças dos ma-
teriais de escrita são extremamente impor-
tantes para a formação de novos leitores.
A interrupção e a retomada da leitura junto
aos alunos, usando-se a estratégia do recon-
to e da antecipação da história mediada pe-
las ilustrações do livro, favorecem o desen-
volvimento de capacidades de interpretação
do texto escrito. A proposta de elaboração
coletiva de pequenos textos descritivos para
a produção de um “álbum de princesas”
contribui para o desenvolvimento de capa-
cidades de produção de textos escritos. As
propostas que tomam o texto como unidade
do trabalho pedagógico são fundamentais
para que as crianças aprendam não apenas
a construir significados para os textos escri-
tos que leem e organizar o discurso escrito
na produção textual, mas também para que
elas observem semelhanças e diferenças en-
tre o texto escrito e o oral.
Por fim, atividades de análise de palavras –
com base nos procedimentos de ensino de-
finidos no nível do sistema de escrita – ga-
nham significado quando são selecionadas
dentre aquelas usadas na produção textu-
al coletiva. A análise de palavras, visando
à compreensão do sistema de escrita e à
aprendizagem das correspondências entre
letras e sons, precisa ser proposta de forma
sistemática, observando-se os avanços das
crianças ao longo do processo de alfabeti-
zação. A contextualização e a exploração
lúdica das palavras são princípios da abor-
dagem didática nesse nível de ensino, que
deve considerar ainda os aspectos linguísti-
cos definidos como objeto de aprendizagem
para as crianças.
A sequência das três atividades pedagógi-
cas propostas nesse planejamento permite
o engajamento das crianças em ações rela-
cionadas entre si que favorecem o desenvol-
vimento de aprendizagens em diferentes ei-
xos de ensino. Dessa forma, observa-se que
a organização das ações correspondentes ao
procedimento definido no planejamento ba-
seia-se na integração das ações das crianças
como critério de organização das atividades
pedagógicas.
Exemplo 3
Planejamento de ensino para uma turma do 1º ano - crianças em processo de compreensão do prin-
cípio alfabético do sistema de escrita
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Nível de ensino Meta geral Objetivos específicos Procedimentos
de ensino
Sistema de escrita Compreender o prin-
cípio alfabético do
sistema de escrita
As crianças devem ser
capazes de identificar
sílabas de palavras,
oralmente e por es-
crito, compostas por
sílabas cv e ccv
• Identificação das
sílabas de palavras
compostas por sí-
labas cv e ccv, oral-
mente.
• associar as sílabas
identificadas oral-
mente aos seus
correspondentes
na escrita.
• Identificação de
palavras compos-
tas das mesmas sí-
labas das palavras
analisadas.
Atividades pedagógicas
1. Jogo das sílabas: A professora seleciona 10 palavras compostas por sílabas cv e ccv.
Exemplos: pedra – cobra. As crianças, de posse de cartões com imagens corresponden-
tes às palavras selecionadas, devem encontrar o cartão com a imagem que representa
a palavra composta por uma sílaba sorteada pela professora.
2- Ao final do jogo, as crianças devem escolher duas palavras. A professora confecciona
fichas de palavras para que as crianças possam observar a escrita das palavras escolhi-
das por elas, fazendo o reconhecimento, com ajuda da professora, das sílabas escritas
correspondentes às sílabas orais sorteadas.
3- Jogo de encontrar palavras: as crianças recebem uma cartela com várias palavras es-
critas. Elas devem encontrar palavras escritas com as mesmas sílabas das palavras
escolhidas na atividade anterior.
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Podemos observar nessa sequência de ati-
vidades que dirigem a atenção das crianças
para um tipo de sílaba a continuidade de
ações voltadas para a análise da estrutura
silábica ccv. Na primeira atividade, identi-
ficam-se oralmente sílabas desse tipo em
várias palavras. Na segunda, estabelece-se a
relação entre sílaba oral e sua forma escrita
em duas palavras. Por último, identificam-
se as sílabas escritas nas duas palavras es-
colhidas pelas crianças em outras palavras
escritas listadas pela professora. Essa orga-
nização tende a oferecer oportunidade para
que as crianças ampliem a possibilidade de
reconhecimento da estrutura silábica em
estudo em outras palavras e aprofundem
seus conhecimentos sobre as correspondên-
cias letra-som.
As sequências das atividades apresentadas
neste texto tiveram como objetivos mostrar
que se pode fazer um bom ou mau trabalho
didático na aquisição do sistema de escrita
alfabética com sequências específicas para
esta aquisição. Um bom trabalho com se-
quências didáticas voltadas para a aquisição
do sistema alfabético precisa ser planejado
em uma interação dialógica com as crian-
ças, em que elas sejam desafiadas a resolver
seus conflitos cognitivos sobre a língua. De
pouco adianta ter metas e objetivos espe-
cíficos se as propostas de sequências didá-
ticas não passam de meras atividades avul-
sas e desconexas do mundo e do saber das
crianças.
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19
texto 2 sequênciA didáticA pArA desenvolver A leiturA e produção de gêneros textuAis
Valeria Barbosa de Rezende1
O objetivo deste texto é apresentar uma prá-
tica escolar de leitura e produção escrita de
uma professora do 3o ano do ciclo de alfabe-
tização do Ensino Fundamental. Procura-se
evidenciar os procedimentos metodológicos
utilizados pela professora, as interações es-
tabelecidas com/entre os alunos, as opor-
tunidades de aprendizagem geradas pelos
eventos de letramento.
Um primeiro ponto a ser apresentado diz res-
peito às concepções de leitura, escrita e en-
sino adotadas pela professora. A professora
tinha a plena convicção de que não bastava a
circulação intensiva de textos na sala de aula;
eles precisavam ser explorados em sua di-
mensão textual-discursiva. Essas atividades,
por sua vez, não se reduziam a classificar gê-
neros e tipos textuais. A professora também
procurava selecionar textos cujas temáticas
eram do interesse dos alunos, procurando
organizá-los a partir das várias tipologias tex-
tuais, com diferentes finalidades e que circu-
lavam em diversos portadores de texto.
Além disso, a professora promovia um espa-
ço de convivência onde havia respeito, pro-
ximidade, escuta e, para isso, optava pela
organização da sala em pequenos grupos de
alunos ou a organização da turma em cír-
culo. Havia, também, por parte da profes-
sora, uma disponibilidade para acolher as
ideias dos alunos, transformando a sala em
um ambiente descontraído e de construção
coletiva. Considerando as referências elen-
cadas acima podemos afirmar que a pro-
fessora afinava-se com uma perspectiva so-
ciointeracionista da linguagem centrada na
interlocução.
Dentro da perspectiva sociointeracionista da
linguagem, destaca-se o conceito de gêne-
ros textuais, definido por Fairclough (2001,
p.161) como um conjunto de convenções
relativamente estável, socialmente aprova-
do, como a conversa informal, momento da
compra de produtos em uma loja, uma en-
trevista de emprego, um documentário de
televisão, um poema ou um artigo científi-
1 Professora Adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita – CEALE/UFMG.
20
co. Um gênero implica não somente um tipo
particular de texto, mas também processos
particulares de produção, distribuição e
consumo. Como qualquer ação no mundo,
os eventos de letramento no contexto esco-
lar ocorrem a partir do discurso, veiculando
significações e ideologias que constroem a
realidade.
Para Schneuwly e Dolz (2004), na escola “o
gênero não é mais um instrumento de co-
municação somente, mas é, ao mesmo tem-
po, objeto de ensino e aprendizagem” (p.76).
Quando os gêneros são transportados para
outro lugar social, por exemplo, da mídia
para a escola, eles sofrem uma transforma-
ção. Visando minorar as dificuldades prove-
nientes dessa situação, os autores propõem
a elaboração de “modelos didáticos de gêne-
ros” (p. 81).
Para os autores, uma sequência didática ade-
quada para a produção de gêneros escolares
deverá responder às seguintes questões:
• Qual é o gênero que será abordado?
Trata-se, por exemplo, da apresen-
tação de uma receita de cozinha a
ser realizada para a rádio escolar, de
uma coletânea de contos a redigir, de
uma exposição a ser proposta para a
turma, da elaboração de instruções
de montagem etc. Para esclarecer
as representações dos alunos, po-
demos, inicialmente, pedir-lhes que
leiam ou escutem um exemplo do
gênero visado.
• A quem se dirige a produção? Os des-
tinatários possíveis são múltiplos: os
pais, outras turmas da escola; tur-
mas de outras escolas, os alunos da
turma; um grupo de alunos da tur-
ma; pessoas do bairro...
• Que forma assumirá a produção?
Gravação em áudio ou vídeo, folhe-
to, carta a ser enviada, representa-
ção em palco ou em sala de aula.
• Quem participará da produção?
Todos os alunos; alguns alunos da
turma; todos juntos; uns após os ou-
tros; individualmente ou em grupos
etc. (p. 99-100)
Para o/a professor/a trabalhar com a produ-
ção escrita de modo eficiente é preciso que
ele/a compreenda as diferenças entre gêne-
ros textuais e tipos textuais, não para que
seus alunos realizem classificações em sala
de aula, mas para auxiliar o/a professor/a a
operar com os textos no ambiente escolar e
favorecer a competência comunicativa dos
seus alunos.
Não existe uma única forma de classificar
os textos, mas podemos agrupá-los a partir
de identificações de traços comuns, como,
por exemplo, um bilhete, uma carta e uma
mensagem de e-mail apresentam estruturas
21
tipológicas bem próximas e, geralmente, sua
finalidade é a interação com interlocutores
ausentes. Para Marcuschi (2002), os tipos
textuais podem ser considerados como “se-
quências linguísticas”, e se apresentam em
um número bem mais reduzido do que os
gêneros textuais. O referido autor destaca
cinco tipos textuais, a saber: a narração, a
argumentação, a exposição, a injunção e a
descrição, como sequências linguísticas que
compõem os gêneros textuais, não se cons-
tituindo em texto em-
pírico propriamente
dito. A característica
principal da narração
é apresentar fatos
ou ações em uma se-
quência temporal e
causal. Já o texto ar-
gumentativo propõe
comentar, apresentar
ou confrontar ideias,
conhecimentos, opi-
niões, crenças ou valores. Na exposição,
há o predomínio de sequências analíticas e
explicativas. Nas sequências injuntivas, pre-
domina o verbo no modo imperativo, como
nas receitas e regras de jogos. E, finalmente,
a descrição apresenta as especificações e ca-
racterizações de objetos, pessoas ou proces-
sos através de uma seleção de seus traços
distintivos.
Então, é muito raro encontrarmos sequên-
cias tipológicas puras, podemos encontrar
um ou mais tipos estruturando os gêneros
textuais, isso porque os gêneros têm sua
estrutura definida principalmente pela sua
temática (o que deve ser dito) e por sua fun-
ção (plano comunicacional), sendo que as
estruturas linguísticas vão se acomodando
a estes dois aspectos (SCHNEUWLY, DOLZ,
2004, p.26).
Uma sequência didática auxilia o aluno a
dominar melhor um gênero textual, permi-
tindo que ele fale ou
escreva de uma ma-
neira mais adequada
num dado contexto
social. Em seguida,
pretende-se analisar
a prática de uma pro-
fessora do 3o ano do
Ensino Fundamental,
no que se refere ao
ensino do gênero per-
fil.
SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA A
PRODUÇÃO DO GÊNERO PERFIL
O evento de letramento que será analisado,
exposto no quadro 1, trata da elaboração de
um texto descritivo, ou seja, da produção do
gênero perfil. Trata-se de um texto familiar
para as crianças, uma vez que são comuns
as descrições incluídas nos relatos ou nas
narrações, considerando as práticas de leitu-
Uma sequência didática
auxilia o aluno a dominar
melhor um gênero textual,
permitindo que ele fale ou
escreva de uma maneira
mais adequada num dado
contexto social.
22
ra de histórias, que geralmente acontecem
na sala de aula ou no contexto familiar.
A professora iniciou a aula com a leitura de
um livro que apresentava e descrevia três
personagens com destaque para as suas ca-
racterísticas físicas, psicológicas, culturais e
sociais, além de destacar os sonhos de cada
uma delas. Após a leitura, a professora soli-
citou que os alunos criassem um persona-
gem, dessem-lhe um nome, apresentassem
suas características (físicas, gostos, sonhos)
e ilustrassem. A professora orientou dizendo
que o personagem poderia basear-se no pró-
prio aluno, em um membro da sua família
ou num colega. A professora informou que
seria confeccionado um livro com todos os
textos. Algumas crianças pediram para con-
sultar e reler o livro, solicitação que foi pron-
tamente acolhida pela professora, permitin-
do a circulação do livro pela sala de aula.
A intervenção quanto à estrutura grama-
tical, ortografia e pontuação foi feita pela
professora, de forma individual. Cabem aqui
algumas considerações sobre a revisão orto-
gráfica e gramatical, que pode ser feita tanto
individualmente, em duplas, em pequenos
grupos ou coletivamente, neste último caso,
o/a professor/a pode disponibilizar uma có-
pia do texto a ser revisado para todos os alu-
nos, ou reproduzi-lo no quadro ou no data
show, dependo dos recursos disponíveis na
escola. Em seguida solicita-se aos alunos
que indiquem as alterações que devem ser
feitas no texto, intercalando com interven-
ções de modo a evitar discriminações com
relação ao autor do texto ou erros de ordem
linguística.
Apresentaremos a seguir dois textos pro-
duzidos pelos alunos, esclarecemos que as
produções grafadas em letra cursiva consis-
tiam nas primeiras versões feitas pelos alu-
nos sem a revisão da professora. Em outra
aula, a professora devolvia as produções re-
visadas e os alunos elaboravam uma nova
versão, observando as marcações feitas pela
professora; ao final da aula, os alunos liam
as produções para a turma, em sua versão
final. Por fim, as produções eram digitaliza-
das, encadernadas e disponibilizadas na bi-
blioteca da turma.
23
Contexto Ações realizadas em sala de aula Subeventos
Oportunidades
de
aprendizagem
Data: 10/04
Duração do evento:
40 minutos
Disposição: alunos sentados em cír-culo. A professora estava de pé em frente aos alunos.
• Professora:
Apresentando o livro para a tur-ma.
Explorando a capa.
Lendo o livro para a turma.
Destacando as rimas contidas no texto.
Explorando as ilustrações do livro.
Mostrando a ilustração das três personagens.
Explicando a atividade (criar um personagem, dar um nome, pode ser menina ou menino, escrever frases sobre o personagem, o texto pode basear-se em você ou em um membro da família, será confeccionado um livro com to-dos os textos).
Entregando o material (folha, régua e lápis).
Explicando novamente a ativida-de (desenhar a personagem, dar um nome e escrever um pequeno texto, dizendo como ela é, o que ela gosta, o que ela sonha).
• Alunos:
Consultando e relendo o livro
Produzindo o texto individualmen-te
Ilustrando o texto.
Entregando o texto para a profes-sora.
- Oferecendo um modelo do tipo de texto a ser pro-duzido (ações da professora)
-Orientando sobre a atividade (ações da professora)
- produzindo e ilustrando o texto (ações dos alunos)
- Encerrando a aula.
- A professora possibilitou aos alunos conhe-cer a estrutura composicional da descrição.
- Na leitura, a professora cha-mou a atenção para as ilustra-ções contidas no livro, mostrando sua importância na constituição do discurso, como também lança mão de um elemento que favorece a descontração e a ludicidade.
- Os alunos se sentiram envolvi-dos na criação de um personagem e motivados a ilus-trar seus textos.
- A escrita possibi-lita aliar realidade e ficção.
- De um modo bem sutil, a pro-fessora promoveu a reflexão sobre a diversidade social e cultural.
24
Contexto Ações realizadas em sala de aula Subeventos
Oportunidades
de
aprendizagemData: 24/04 Professora: devolutiva dos textos
produzidos na aula do dia 10/04 com as anotações e intervenções indivi-duais.
Alunos: revisar o texto e elaborar a versão final.
Alunos: Leitura do texto para a tur-ma.
Entregando a versão final do texto para a professora.
- Devolvendo e co-mentando os textos (ações da professo-ra)
- Revisando os tex-tos (ação dos alu-nos)
- Lendo o texto para a turma (ação dos alunos).
- Encerrando a aula
- Toda produção escrita precisa ser revisada;
- Aprendizagem da ortografia, gramá-tica e pontuação, por meio de con-fronto.
- Adequação do formato do texto ao gênero textual proposto.
- A leitura da ver-são final para os colegas da sala per-mitiu mostrar que a escrita serve para ser lida para uma audiência, tem uma função social.
As alterações realizadas pela professora con-
sistiam em pontuar o texto, corrigir a orto-
grafia das palavras, passar da 1ª pessoa para
a 3ª pessoa, substituir, acrescentar e elimi-
nar palavras, eliminar repetições e modifi-
car a estrutura gramatical das frases.
Na produção 1 o aluno elege um persona-
gem – um mendigo – destacando suas carac-
terísticas físicas (cabelos, roupas e corpo).
Nota-se o uso de dois tipos de estruturas no
texto: a do narrador-personagem e a do nar-
rador-observador. Na primeira frase, o aluno
usa o verbo na 1ª pessoa, assumindo o pa-
pel de locutor e também de personagem (eu
sou o Digo um grande mendigo. Gosto muito
de pintar o meu cabelo). Na segunda frase
o aluno altera o tempo verbal para a 3a pes-
soa do singular (Ele adora roupas coloridas e
tem varias cicatrizes pelo corpo). As correções
realizadas pela professora foram no sentido
de garantir a coerência e coesão do texto,
adequando a proposta ao gênero perfil, sen-
do assim, a professora optou por unificar
o texto na 3a pessoa do singular. Além dis-
so, foi feita a revisão ortográfica da palavra
mendigo, que fora escrita pela criança como
“medingo” e foi inserido o acento agudo na
palavra “várias”.
25
Produção 1 Produção 2
Na produção 3, a criança coloca o foco de
seu texto no sonho de uma criança de nome
Rodrigo. Este aspecto, para ele, é tão impor-
tante que o título do texto é “sonho de crian-
ça”. Apesar de não se tratar de uma histó-
ria, a criança inicia o texto com a expressão
“Era uma vez”, que na revisão da professora
é suprimida, visando à adequação ao gênero
perfil. O texto apresenta apenas dois erros:
ausência da acentuação na palavra “pássa-
ro” e ausência do h na escrita da palavra
“há”, no sentido de existir.
Produção 3
26
Produção 4
Para finalizar, destacamos alguns aspectos
evidenciados na sequência didática da pro-
fessora para leitura e produção de gêneros
textuais. Um primeiro aspecto diz respeito
à definição das condições de produção: é
preciso compreender que o processo de pro-
dução textual envolve uma série de aspec-
tos que, necessariamente, devem ser consi-
derados e planejados. Isso porque a opção
pela escrita como forma de interlocução não
ocorre por acaso, mas acontece em função
de determinadas condições.
Dentre os fatores condicionantes para a pro-
dução escrita, destacamos a questão da au-
toria do texto, a criança tem que se envolver
com a temática e se assumir como autor/a,
dominar a temática e ter o que dizer sobre
o assunto e conhecer o interlocutor de seu
texto para fazer escolhas discursivas ade-
quadas, garantindo a compreensão de seu
texto. Quando escrevemos um texto, o tema
ou o assunto não pode, por si só, ser consi-
derado como suficiente para a produção tex-
tual. Também devemos conhecer o suporte
em que o texto será veiculado.
Outro aspecto relevante diz respeito ao tem-
po destinado para a realização da tarefa de
produção escrita: não é possível desenvol-
ver uma boa escrita sem tempo para que as
crianças possam refletir sobre o que escre-
27
ver. É importante pesquisar sobre o assunto,
destinar um tempo para a criação, ilustra-
ção e revisão.
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28
texto 3As históriAs em quAdrinhos (hqs) nAs sequên-ciAs didáticAs (sd): o prAzer no fAzer, ensinAr e Aprender
Francisca Izabel Pereira Maciel1
Entre os vários gêneros apresentados e tra-
balhados pelos autores de livros didáticos e
também presentes nas propostas de muitos
professores, iremos neste texto tratar das
histórias em quadrinhos (HQs). Esse gênero
foi, durante muito tempo, considerado um
“texto de menor qualidade”, ou até mesmo
“texto sem qualidade” para uso dentro do
espaço escolar. E não era raro encontrarmos
professores que repreendiam seus alunos
pelas leituras furtivas de HQ. Mas, ainda as-
sim, os meninos queriam compartilhar com
os colegas as histórias do Superman, do Ho-
mem Aranha, entre outros, assim como me-
ninas e meninos gostavam das HQs do Tio
Patinhas, da Turma da Mônica... Como mui-
tas vezes os gibis eram reprimidos na sala de
aula, as conversas sobre esses personagens
e as trocas de revistinhas só ocorriam nos
horários de recreio e de saída da escola.
Ainda bem que os tempos e as pessoas mu-
dam. A começar pelos Parâmetros Curricula-
res Nacionais (PCN), documento que orien-
ta as políticas públicas e prática docentes.
Os PCN destacam o trabalho com diferentes
gêneros textuais, entre eles os quadrinhos.
Atualmente, a HQ não só tem espaço garan-
tido nos livros didáticos, como as revistas
de HQ estão nas salas de aula, na bibliote-
ca... Além disso, o gênero HQ teve seu espa-
ço reconhecido na literatura brasileira. São
vários os títulos de romances clássicos da
literatura nacional e internacional que se
apresentam no formato de HQ. A importân-
cia e o reconhecimento desse gênero no es-
paço escolar podem ser comprovados com
a inclusão do gênero HQ no Plano Nacional
de Biblioteca Escolar (PNBE2).
Dessa forma, as HQ estão cada vez mais pre-
sentes no espaço escolar (PNBE e o acervo
das Obras Complementares). A combinação
atrativa da linguagem visual e verbal e a rá-
pida comunicação podem fazer parecer que
as HQ são apenas um artefato de diversão,
1 Professora Associada da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita – CEALE/UFMG. Consultora da edição temática.
2 Este programa do Ministério da Educação tem como principal objetivo adquirir – após rigorosa avaliação de especialistas - livros de literatura para ser distribuídos nas escolas públicas brasileiras.
29
mas elas não são apenas isto e podem se
tornar um grande aliado do professor em
seu trabalho com linguagem, história, geo-
grafia, matemática, etc.
As leituras em histórias em quadrinhos são
mais leves e atrativas, mesmo quando abor-
dam temáticas complexas e adultas. Tome-
mos como exemplos os livros aprovados no
PNBE:
Pererê: 365 dias na Mata do Fundão, de Ziral-
do (editora Globo); Turma da Mônica: Romeu
e Julieta; O pai da Turma da Monica, de Mau-
rício de Sousa, são alguns dos títulos de HQ
do acervo do PNBE.
Poderíamos elencar outras razões para apre-
sentar, como reflexão e sugestão, uma pro-
posta de trabalho e sequência didática (SD)
com histórias em quadrinhos.
As crianças, em geral, têm muita facilidade
em assimilar e entender a proposta de his-
tórias em quadrinhos, algo que não é tão
fácil em turmas de alfabetização de jovens
e adultos3. A importância de trabalhar esse
gênero, independentemente de o público
ser criança, jovem ou adulto, é que este gê-
nero está sendo cada vez mais utilizado não
só como textos narrativos, como para textos
informativos, textos de propagandas, etc.
Como o gênero HQ está muito relacionado
à leitura de fruição, lazer e humor, e não
desfazendo dessas características, é impor-
tante criar uma situação didática em que
o gênero tenha um objetivo que se estenda
para além da leitura e escrita, isto é, propor
uma produção textual temática integrada
com outras áreas de conhecimentos (histó-
ria, educação física, artes). As capas a seguir
da revista da Turma da Mônica dão pistas de
temáticas e da integração de conteúdos das
diversas áreas de conhecimento.
A escola, hoje, não pode se eximir de tra-
balhar a educação inclusiva, mas nossos
alunos estão preparados para conviver sem
preconceitos com alunos com necessidades
especiais? Este exemplar da Turma da Moni-
ca com distribuição gratuita abordou a te-
mática.
3 Nossas experiências com turmas de alfabetização de jovens e adultos na UFMG revelaram um alto grau de dificuldade dos alunos na leitura dos balões, disposição da sequência dos fatos e dos textos, entre outros aspectos.
30
O trabalho com HQs apresenta uma multi-
plicidade de ações e intencionalidades que
podem e devem ser exploradas pelos profes-
sores. O Brasil terá os anos de 2014 e 2016
marcados pela Copa do Mundo e pelas Olim-
píadas, e vejam o exemplar da Turma da Mô-
nica que traz a primeira parte da história das
copas mundiais de futebol. Esse tema pode
ser desenvolvido envolvendo outros profes-
sores (ou outras áreas de conhecimento,
quando trabalhado pelo mesmo professor)
como a educação física e as modalidades
de esportes, a história das copas do mundo,
a localização geográfica dos países partici-
pantes, a matemática, com a quantificação
das medalhas... Essas são algumas possibili-
dades de integração de conteúdos. As HQs
cumprem, assim, com diferentes funções da
leitura: lazer, humor, informação e, ainda,
são uma forma prazerosa para quem ensina
e para quem aprende.
AS SEQUÊNCIAS DIDÁTICAS (SD)
NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS
(HQS)
Ao propor uma proposta de SD com o gê-
nero textual HQs, vamos nos ancorar nos
princípios organizativos da sequência didá-
tica defendidos por Schneuwly e Dolz (2004)
Segundo os autores, os módulos baseiam-
se numa perspectiva construtivista, intera-
cionista e social na realização de ativida-
des intencionais, estruturadas e intensivas,
e não se pode esquecer da adequação das
atividades às necessidades particulares dos
aprendizes.
Os módulos são planejados e constituí-
dos por várias atividades, com o objetivo
de possibilitar aos alunos os instrumentos
necessários para desenvolver, ampliar seus
estudos e conhecimentos sobre os gêneros
trabalhados, de forma sistematizada e apro-
fundada.
No primeiro momento, cabe ao professor
que vai trabalhar com este gênero ter co-
nhecimentos antes de planejar uma sequên-
cia didática, pois, como os demais gêneros,
ele apresenta características específicas e se
elas não são do conhecimento do professor,
isto pode comprometer a proposta e apre-
sentar, como resultado, algo que estamos
constatando com frequência: presença ex-
cessiva de gêneros textuais trabalhados na
superficialidade e desprovidos de conheci-
31
mentos por parte do docente, e consequen-
temente, para os alunos. É comum ouvir-
mos o professor dizer que trabalha com a
diversidade textual e elenca diferentes gê-
neros, que são apresentados aos alunos em
curto espaço de tempo.
Antes de trabalhar qualquer gênero, o pro-
fessor precisa conhecer e saber o que quer
ensinar e, a partir daí, planejar a sequência
didática. Apresentamos, a seguir, algumas
informações sobre os elementos constitu-
tivos das HQs que podem ser considerados
como o primeiro
momento do plane-
jamento de uma se-
quência didática.
PASSOS PARA
PLANEJAR A
SEQUÊNCIA
DIDÁTICA DE
HQ
Nas HQs não podem faltar os quadrinhos,
as legendas, os balões, as metáforas visuais,
as onomatopeias. Os quadrinhos são dividi-
dos nas páginas de acordo com as ações. Em
cada quadro representa-se uma ação ou par-
te de uma ação, que será completada com o
quadro posterior, dando-nos a ideia de mo-
vimento, ação, continuidade.
As legendas não estão presentes em todos os
quadros/quadrinhos, estas, quando necessá-
rias, vêm emolduradas acima da imagem
ou balão. As legendas assumem a função do
narrador e, em alguns casos, são apresenta-
das na parte inferior e têm a função de nota
de rodapé, ou nota explicativa; essas, em ge-
ral, vêm seguidas de um asterisco (*).
Os balões têm várias funções: apresentam
as falas dos personagens, com um indicati-
vo de quem é o falante, e podem também
representar/expressar os pensamentos dos
personagens escre-
vendo o que cada
um pensa. Os “pen-
samentos escritos”
de cada um podem
ser identificados
pelos vários círcu-
los entre o balão e
o personagem. O
formato dos ba-
lões também pode
expressar os senti-
mentos dos personagens, isto é, podemos
identificar que o personagem está assusta-
do, antes mesmo de ler o que está escrito
dentro do balão, ou com sono, com raiva,
neste caso as metáforas visuais são um re-
curso muito utilizado nas HQs4.
Nas HQs não podem faltar
os quadrinhos, as legendas,
os balões, as metáforas
visuais, as onomatopeias.
Os quadrinhos são divididos
nas páginas de acordo com
as ações.
4 Todas as imagens deste texto encontram-se disponíveis na internet.
32
Aproximar o leitor ao máximo dos movi-
mentos dos personagens e também dos
sons produzidos na narrativa é um recurso
largamente utilizado nas HQs. Destacamos
as onomatopeias nas HQs. É comum en-
contrarmos escritas com reproduções de
sons, tais como mastigar, assustar, tremer
de frio ou de medo, chorar silenciosamente
ou não, bater na porta (toc, toc, toc...); os
roncos (ronc, ronc, ronc) e outros. Ao repro-
duzirem os sons, os quadrinistas procuram
aproximar os sons do objeto, do local ou do
sujeito que produz o som.
Nas HQs predomina a narrativa como ti-
pologia textual, ainda que existam carac-
terísticas de narrativas cinematográficas.
Predominam textos curtos nos balões e as
páginas, em geral, não ultrapassam oito
quadros.
1) Além desses conhecimentos prévios,
elencados anteriormente, para elabo-
rar o planejamento da SD de HQ, o(a)
professor(a) precisa conhecer e ler vá-
rios tipos de histórias em quadrinhos.
2) Selecionar uma quantidade e varieda-
de de HQs incluindo os livros HQ do
acervo do PNBE para levar para a sala
de aula.
3) Identificar as temáticas das HQ.
O próximo passo será o desenvolvimento
da SD com os alunos. Nesta etapa, inicia-se
com a apresentação da proposta, em segui-
da os módulos – também conhecidos como
oficinas – com sugestões de atividades. Os
módulos/oficinas deverão propor situações
didáticas desafiadoras e desconhecidas dos
alunos.
MÓDULOS E/OU OFICINAS
1. Módulo: Apresentação da situação
O professor, ao iniciar o trabalho, deverá
apresentar, de forma detalhada, o projeto
que irá desenvolver com seus alunos, assim
como os objetivos, o tempo destinado ao
projeto e expor rapidamente as atividades
que serão desenvolvidas.
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A partir dessa exposição, o professor deverá
incentivar os alunos a exporem os conheci-
mentos que têm sobre o gênero – aqui no
caso – as HQs. O professor, neste momen-
to, irá ativar os conhecimentos prévios que
seus alunos têm e, ao mesmo tempo, fazer
um diagnóstico sobre o que os seus alunos
já conhecem e o que ainda precisam conhe-
cer. Neste momento, o professor irá propor
perguntas para saber quais revistas seus
alunos conhecem, se alguém da família tem
o hábito de ler, se conhecem alguns perso-
nagens, quais as características desses per-
sonagens.
Distribuir as revistas para os alunos e obser-
var como eles interagem com os suportes
textuais e verificar quais os comentários e
atitudes que demonstram diante do mate-
rial. O momento a seguir é fazer uma roda e
deixar que todos os alunos expressem seus
comentários, que podem ser sobre as carac-
terísticas do suporte textual: quadrinhos,
balões, os personagens, tamanho do supor-
te e das histórias, dentre outros elementos
composicionais das HQs.
Este módulo, que constitui o primeiro mo-
mento, é preparatório da primeira produção
textual que servirá de diagnóstico da turma
e ajudará na definição das atividades dos
módulos subsequentes. As perguntas e os
questionamentos feitos pelo professor po-
derão ajudar no levantamento dos conhe-
cimentos prévios dos alunos acerca da HQ:
Conhecem algumas HQs? Já tiveram opor-
tunidade de ler alguma revistinha? Qual(is)?
Conhecem alguns personagens? Quais as
características deles? Têm predileção por
alguma revista ou personagem? As revistas
são escritas e lidas somente pelo público in-
fantil? Quem são os autores dessas revistas?
Como é feita a leitura?
Cabe ao professor mediar essas informações
e, para muitos alunos, é necessário explicar
que as HQs são lidas da esquerda para a
direita e de cima para baixo, sempre retor-
nando ao quadro da esquerda. Em cada qua-
drinho existe também uma ordem para a
leitura: primeiro, lê-se o balão que está mais
alto e, depois, o mais baixo.
A professora deverá ler uma ou mais histó-
rias para os alunos se eles não tiverem fami-
liaridade com este gênero, caso contrário,
os alunos poderão ser os leitores.
Este diagnóstico inclui, para muitos profes-
sores, uma produção inicial, que pode ser
oral ou escrita. Aqui no caso, o ideal é que
seja escrita. A partir desta produção, o(a)
professor(a) irá identificar os conhecimen-
tos de cada aluno e planejar os módulos e
as atividades de acordo com os resultados
encontrados no diagnóstico.
O professor, junto com os alunos, pode le-
vantar as características desse tipo de tex-
to, que deverão ser anexadas no quadro e
sempre retomadas ou acrescidas com novos
elementos constitutivos deste tipo de gêne-
ro textual. Todas as atividades desenvolvidas
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deverão ser expostas e compartilhadas por
todos, assim os alunos podem acompanhar
o seu desenvolvimento e os conhecimentos
produzidos durante a execução das sequên-
cias didáticas.
Como o gênero HQ tem características mui-
to específicas, sugere-se que os elementos
constitutivos das HQs sejam tratados se-
paradamente nos módulos. E seguindo as
orientações de Schneuwly e Dolz (2004), a
produção simplificada é uma atividade que
permite que o aluno concentre-se mais num
aspecto preciso para elaboração de um tex-
to. Iniciaremos nosso próximo módulo com
a tipologia dos balões:
2. Módulo sobre a disposição dos quadros e
os tipos de balões
Ainda que não se tenha um padrão único,
em geral, as HQs têm o mesmo padrão: são
compostas de quadrados distribuídos na pá-
gina; em alguns casos, está presente o re-
tângulo – unindo dois quadrados – em fun-
ção da necessidade da ação.
O professor apresenta uma atividade com
diferentes modelos de balões, pois estes não
apenas representam as narrativas, estão tam-
bém diretamente relacionados às imagens.
1) Fazer a análise dos diferentes balões
e as imagens que os acompanham é
uma atividade interessante e necessá-
ria para o entendimento e compreen-
são da narrativa.
2) Solicitar aos alunos que expliquem para
que serve cada um deles (acrescentar
outros modelos de balões),
TIPO DE BALÃO FUNÇÃO DO BALÃO
(o balão expressa...)
3) Solicitar que preencham cada um dos
balões de acordo com sua função (criando
uma situação – frase ou expressão).
4) Socializar e avaliar coletivamente as res-
postas dadas e os textos produzidos nos ba-
lões.
5) Colar as produções na sala.
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3. Módulo: trabalhando com as onomato-
peias
Neste módulo, o professor poderá explorar
com seus alunos os recursos da mímica.
1) Criar situações em que os colegas pos-
sam identificar, através de gestos exa-
gerados, o que o colega está represen-
tando e que pode também ser expresso
através do desenho e/ou escrita.
2) Pedir que os alunos recriem em balões
as situações que representaram atra-
vés da mímica.
3) Solicitar aos alunos que escrevam e
usem também o recurso do desenho
para expressar situações/sentimentos
(raiva/amor/fome/choro/nervoso) que
possam ser entendidas por todos.
4) Analisar coletivamente as produções.
4. Módulo: trabalhando com os títulos
Em geral, os títulos das HQ são muito suges-
tivos e estilizados e, nesta oficina, os alunos
terão a oportunidade de analisar diferentes
títulos. A partir da distribuição de diversas
revistas, os alunos irão:
1) Folhear, identificar os títulos,
2) Escolher alguns que consideram mais
interessantes para fazer apresentação
para os colegas.
3) Uma outra atividade é dispor em
uma página o(s) título(s) sempre
acompanhado(s) das ilustrações e
pedir aos alunos que criem hipóteses
sobre a história narrada a partir do tí-
tulo.
4) Identificar se as hipóteses foram ou
não confirmadas, confrontando com
a leitura da história “real” da revista.
5. Módulo: produção escrita a partir das
imagens
Este módulo consistirá na produção de uma
narrativa de HQ a partir dos balões vazios.
Os alunos terão acesso ao título e aos qua-
drinhos com as imagens na sequência.
1) Caberá a eles fazer uma interpretação
do título, das imagens e dos balões e
escrever a narrativa obedecendo às
funções dos balões.
2) As produções serão discutidas pelos
componentes do grupo e pela turma,
procurando identificar as semelhan-
ças e diferenças entre as versões dos
colegas.
3) A atividade complementar a esta é o pa-
ralelo entre a versão original e a criada
pelo grupo
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4) Identificar a produção que mais se apro-
ximou do texto original e solicitar aos com-
ponentes como foi o processo de produção
da narrativa.
6. Módulo final: a produção de uma HQ pe-
los alunos
Algumas decisões precisam ser tomadas,
tais como:
1. A produção será individual ou coletiva?
Tema único ou diversificado?
2. Escolhido o tema, segue-se a escolha do
título, que deverá ser estilizado como
são os títulos das HQs.
3. Elaborar a história.
4. Revisão textual.
5. Reescrita.
6. Feitura da capa/Montagem do livro/re-
vista.
7. Exposição dos livros na sala de aula.
BREVES CONSIDERAÇÕES:
As reflexões aqui apresentadas, assim como
a proposta da sequência didática (SD) com
as histórias em quadrinhos (HQs), devem
ser tomadas a título de exemplo, outras “n”
possibilidades podem e devem ser elabora-
das pelos professores. É preciso levar em
conta que tal proposta de sequência didáti-
ca precisa considerar o nível dos alunos, se
eles são da educação infantil ou do ciclo de
alfabetização (CA); aqui no caso especifico,
foram pensadas para turmas do CA.
As atividades podem ser realizadas indivi-
dualmente ou em grupos, isto vai depender
dos objetivos e da forma como o professor
vai avaliar/acompanhar e monitorar os alu-
nos. Podem ser intercaladas atividades indi-
viduais e outras coletivas, pois sabemos o
quanto nossos alunos aprendem interagin-
do com seus colegas. E é por esta razão que
propomos sempre, ao final de cada módulo/
oficina, que os alunos possam expor suas ati-
vidades, defender suas ideias, discutir com
os colegas, apresentar seus argumentos, hi-
póteses, conhecimentos e dúvidas. Esta úl-
tima é que mais nos interessa, pois não é
com os acertos dos alunos que aprendemos
mais sobre eles, e sim quando eles “erram”e
nos mostram o percurso de seu erro. Neste
momento, podemos aprender como é o pro-
cesso de aprendizagem e onde se localizam
suas dúvidas. Aí sim podemos intervir mais
adequadamente.
O trabalho com a sequência didática possibi-
lita maior segurança e domínio do professor,
sem que ele seja autoritário, assim como os
alunos também se sentem como coautores
dessa proposta, pois ela parte de um diag-
nóstico discutido e apresentado para eles.
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Não temos dúvidas de que uma propos-
ta como esta poderá ser enriquecida se for
articulada com outros professores e outras
áreas do conhecimento. Como também é in-
concebível o desconhecimento e/ou conhe-
cimento muito superficial de um professor
que se proponha a trabalhar um gênero sem
que tenha conhecimentos consistentes so-
bre ele.
Os tempos destinados aos estudos de gêne-
ros devem ser meticulosamente pensados e
organizados, pois o que temos constatado
com frequência é a pressa como os alunos
são introduzidos e cobrados sobre a diver-
sidade textual. Essa pressa tem gerado uma
pulverização dos conhecimentos e usos ina-
dequados e escolarizados de vários gêneros
textuais, que perdem a sua função social
diante das tarefas escolares.
REFERÊNCIAS
BRANDÃO, Ana Carolina Perrusi; SELVA, Ana
Coêlho Vieira; COUTINHO, Marília de Luce-
na. O trabalho com projetos didáticos: inte-
grando a leitura e a produção de textos. In:
SOUZA, Ivane Pedrosa de; BARBOSA, Maria
Lúcia Ferreira de Figueiredo (orgs.) Práticas
de Leitura no ensino fundamental. Belo Hori-
zonte: Autêntica, 2006.
DOLZ, Joaquim, SCHNEUWLY, Bernard. Gê-
neros orais e escritos na escola. São Paulo:
Mercado de Letras, 2004.
NERY, Alfredina. Modalidades organizativas
do trabalho pedagógico: uma possibilidade.
In: Ensino Fundamental de nove anos: orienta-
ções para a inclusão da criança de seis anos de
idade. Brasília: MEC, 2007.
LEAL, Telma Ferraz. Organização do trabalho
escolar e letramento. In: SANTOS, Carmi,
MENDONÇA, Márcia (orgs.). Alfabetização e
letramento: conceitos e relações. Belo Hori-
zonte: Autêntica, 2005.
LEAL, Telma Ferraz. O Planejamento como
estratégia de formação de professores: orga-
nização e reflexão sobre o cotidiano da sala
de aula. In: LEAL, Telma Ferraz; ALBUQUER-
QUE, Eliana Borges Correia (orgs.). Desafios
da educação de jovens e adultos. Construindo
práticas de alfabetização. Belo Horizonte: Au-
têntica, 2005.
ZABALA, Antoni. A prática educativa: como
ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.
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Presidência da República
Ministério da Educação
Secretaria de Educação Básica
TV ESCOLA/ SALTO PARA O FUTUROSupervisão Pedagógica
Rosa Helena Mendonça
Acompanhamento pedagógico
Luis Paulo Borges
Coordenação de Utilização e Avaliação
Mônica MufarrejFernanda Braga
Copidesque e Revisão
Magda Frediani Martins
Diagramação e Editoração
Equipe do Núcleo de Produção Gráfica de Mídia Impressa – TV Brasil Gerência de Criação e Produção de Arte
Consultora especialmente convidada
Francisca Izabel Pereira Maciel
E-mail: [email protected] page: www.tvbrasil.org.br/saltoRua da Relação, 18, 4o andar – Centro.CEP: 20231-110 – Rio de Janeiro (RJ)Maio 2013