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REGINA MARIA FONSECA MUNIZ
PROTEÇÃO PROLONGADA DO AMENTAL
DOUTORADO EM DIREITO CIVIL COMPARADO
PUCSP
SÃO PAULO
2007
II
REGINA MARIA FONSECA MUNIZ
PROTEÇÃO PROLONGADA DO AMENTAL
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do
título de Doutor em Direito e área de concentração em
Direito Civil Comparado, sob a orientação da professora e
doutora Maria Helena Diniz.
III
Banca Examinadora
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IV
AGRADECIMENTOS
A Deus, que foi, é e tem sido a pedra angular de minha vida.
Aos meus queridos e amados pais, que formaram minha personalidade e
souberam valorizar a educação de seus filhos.
Ao meu marido, companheiro e grande amor, Antonio Carlos Muniz,
que, com sua compreensão, paciência e colaboração, tornou possível a
realização de um sonho.
À memória de Marina Lúcia, minha filha querida, inspiradora da
presente tese, que me ensinou a conviver e amar os menos capacitados e a
descobrir a beleza e a felicidade no seu convívio.
À minha filha querida Marcela e meus amados netos Dante e Diogo,
verdadeiros bálsamos nos momentos de cansaço.
À minha amiga, professora e orientadora Maria Helena Diniz, que me
acompanha desde o curso de graduação, pelas sugestões, estímulos e,
principalmente, porque passou-me com maestria a arte de ensinar; e, com
sabedoria, a arte da humildade.
Por fim, a todos aqueles que dedicaram e ainda dedicam sua vida e seu
trabalho ao desenvolvimento intelectual e físico de nossos irmãos indefesos.
V
SUMÁRIO
Resumo...................................................................................................... VIII
Abstract...................................................................................................... IX
Resumé....................................................................................................... X
Prefácio .................................................................................................... XI
CAPÍTULO I
INCAPACIDADE MENTAL
1. Considerações gerais ........................................................................... 1
2. Terminologia ....................................................................................... 3
CAPÍTULO II
PRINCÍPIOS RETORES DA PROTEÇÃO DO DEFICIENTE
INTELECTUAL ....................................................................................... 8
1. Princípio da dignidade humana como fundamento de
proteção do deficiente .......................................................................... 8
2. Princípio da isonomia e o deficiente intelectual .................................. 15
VI
CAPÍTULO III
PODER FAMILIAR, TUTELA E CURATELA: INSTITUTOS DE
GUARDA E PROTEÇÃO LEGAL DO DEFICIENTE INTELECTUAL NO
DIREITO PÁTRIO E COMPARADO ...................................................... 24
1. Natureza jurídica dos institutos e suas diferenças ................................ 24
1.1. Poder familiar ............................................................................... 27
1.1.1. Conceito, evolução e características ................................ 27
1.1.2. Importância do poder familiar para o maior amental ....... 35.
1.1.3. Suspensão e perda do poder familiar:
sanções legais .................................................................. 45
1.1.4. Titularidade e exercício do poder familiar ...................... 51
1.1.5. Prorrogação e reabilitação do poder familiar
no direito comparado ....................................................... 54
1.1.6. Extinção da “patria potestad” prorrogada ...................... 66
1.1.7. Efeitos da não prorrogação nodireito pátrio .................... 71
1.2. Tutela ............................................................................................ 76
1.2.1. Regime da tutela para o deficiente intelectual no
direito pátrio ..................................................................... 76
1.2.2. Abrangência da tutela no direito comparado ................... 80
1.3. Curatela ......................................................................................... 93
1.3.1. Finalidade ......................................................................... 93
1.3.2. Conceito e características ................................................. 96
1.3.3. Processo de interdição no direito pátrio
e lacuna axiológica .......................................................... 102
1.3.4. Curatela no direito comparado ......................................... 112
VII
1.3.5. Processo de incapacitação no direito comparado ............. 119
1.3.6. Negócios e atos jurídicos realizados pelo
amental e responsabilidade civil ....................................... 133
CAPÍTULO IV
IMPORTÂNCIA DA PROTEÇÃO PROLONGADA DO AMENTAL .... 144
CAPÍTULO V
SUGESTÃO DE LEGE FERENDA ............................................................150
1. Solução de lege ferenda .......................................................................... 150
2. Projeto de Lei........................................................................................... 153
CAPÍTULO VI
CONCLUSÃO.............................................................................................162
APÊNDICE – REFERÊNCIAS LEGAIS ............................................... 167
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................237
VIII
RESUMO
Como os princípios da dignidade e igualdade devem nortear o legislador
pátrio na elaboração de leis atinentes ao amental e, para que tais leis não
permaneçam no plano das idéias, a tese ora apresentada teve seu foco
principal na criação de um novo regime para o deficiente intelectual, maior de
idade e incapacitado, o poder familiar prorrogado, instituto já existente no
direito espanhol, e no direito belga, como “minorité prolongée”,caso tenha os
pais ou apenas um deles vivo, no exercício do poder familiar, em substituição
ao instituto da curatela, vigente no direito brasileiro, mas considerado
retrógrado pela doutrina estrangeira.
Como proposto nesta tese, para colocar o maior sob o novo regime, faz-
se necessária a declaração anterior de sua incapacidade, o que seria feito
através do processo de incapacitação, mais rápido, mais simples e com menos
publicidade que o vigente processo de interdição, ao término do qual seria
expedida carteira de identidade determinando os limites de seus atos.
Como no ordenamento pátrio a tutela é similar ao poder familiar,
abordou-se também a possibilidade de ser a tutela, e não a curatela, o instituto
mais adequado à proteção do maior amental profundo, solteiro, cujos pais
faleceram, foram suspensos ou decaíram do poder familiar.
Para os casos de deficiência intelectual leve, pensou-se no procedimento
de inabilitação e não de interdição. Os inabilitados estariam sob o regime da
curatela.
Acredita-se, com isto, estar dando um passo a mais na proteção do
deficiente intelectual profundo.
IX
ABSTRACT
As the principles of the dignity and equality must guide the native
legislator in the elaboration of new laws to the amental and so that it does not
remain only in a plan of the ideas, the presented thesis had its main focus in
the creation of a new regimen for the deficient intellectual, of legal age and
disabled, named “extending familiar power”, institute already in the Spanish’
right, and in belga’s right as “minorité prolongée”, in case that they have
parents or one of them alive one, in substitution to the institute of the curatela,
considered for the foreigner doctrine as retrograde.
For the rank in the new regimen, the declaration of incapacity will be
made through the interdiction process, faster, simpler with little advertising,
where the interdicted one will carry an identity card determining the limits of
its acts.
As the tutela is similar to the familiar power also approached the
possibility of being the tutela and not the curatela the better institute of
protection of deep amentals, if parents died or lost the familiar power.
For the cases of few intellectual deficiency, it was thought about the
procedure of disability and not of interdiction. They would be under the
regimen of the curatela. We believe that the deficient deep intellectual will be
more protected.
X
RESUMÉ
Pendant que les principes de la dignité et de l'égalité doivent guider le
législateur dans l'élaboration de nouvelles lois à l'amental et de sorte qu'il ne
reste pas seulement dans un plan des idées, la thèse présentée a eu son foyer
principal dans la création d'un nouveau régime pour l'intellectuel déficient, de
l'âge legal, appelée “l’autorité parentale prolongée”, institué déjà dans le'
droit espagnol, et aussi dans le droit belge, comme“ la minorité prolongée”, au
cas où cela ils auraient des parents ou l'un d'entre eux les vivants, dans la
substitution à l'institut de la curatelle, considéré pour la doctrine étrangère
comme rétrograde.
Pour le rang dans le nouveau régime, la déclaration de l'incapacité sera
faite par le procédé d'interdiction, plus rapide, plus simple, avec peu
annonçant, où l’ amental portera une carte d'identité déterminant les limites
de ses actes.
A partir du moment que la tutelle est semblable à la puissance familière,
a été considérée également la possibilité d'être la tutelle et pas la curatelle
l'institut plus adéquate de la protection des amentaux profonds, si les parents
mouraient ou perdaient la puissance familière.
Pour les cas de peu d'insuffisance intellectuelle, on l'a pensé au procédé
de l'incapacité et pas de l'interdiction. Ils seraient sous le régime de la
curatelle. Nous croyons que l'intellectuel profond déficient sera plus protégée.
XI
PREFÁCIO
O homem, na concepção do direito, só consegue ser livre e feliz sob leis
que o protejam de seus semelhantes. Entretanto, percebe-se que, embora exista
uma infinidade de leis garantidoras dos direitos, o titular destes é, a todo
instante, impedido de exercê-los, ou por ser direito social, programático e nem
sempre fático, ou por falta de vontade política e jurídica de criar leis
protetivas. Se isto ocorre com cidadãos sadios, que participam da cadeia
produtiva e, por conseguinte, úteis à sociedade, que se dirá daqueles que
vivem à margem dela, considerados por muitos um estorvo e um custo para o
governo, os deficientes mentais. Infelizmente, os que são acometidos de
qualquer deficiência mental, encontram-se em situação de desvantagem,
mesmo em face de pessoas que nunca tiveram oportunidade de desenvolver
seu potencial, mas que não são limitados na sua capacidade de agir por si sós
e, se sofrem limitações decorrentes da menoridade, estão em potência para a
realização.
Embora tenha crescido o movimento em prol dos desiguais, em que se
procura extinguir toda e qualquer diferença entre os seres humanos, ainda
estamos muito aquém do ideal. A Encíclica de João Paulo VI, “POPULORUM
PROGRESSIO”, expressa que “Cada um dos homens é membro da sociedade
e pertence à humanidade inteira. Não somente este ou aquele homem, mas
todos os homens sem distinção”1.
1. Carta encíclica “POPULORUM PROGRESSIO”, do Papa Paulo VI, sobre o “Desenvolvimento dos
Povos”:17- “Mas cada homem é membro da sociedade: pertence à humanidade inteira. Não é apenas tal ou talhomem; são todos os homens que são chamados a este pleno desenvolvimento. As civilizações nascem,
XII
A tese ora apresentada terá seu foco, de maneira especial, no direito dos
deficientes mentais severos e profundos,2 juridicamente elencados no artigo
3º, inciso II, do Código Civil. Procurar-se-á dar um novo enfoque ao poder
familiar, aos regimes assistenciais de proteção ao amental, à tutela e à
curatela, examinando as lacunas que envolvem este instituto, minimizando,
assim, as diferenças que, algumas vezes, por razões desconhecidas, a própria
natureza se incumbiu de criar.
Apresentar-se-ão alguns mecanismos, mais jurídicos que sociais,
vigentes no direito alienígena, como, por exemplo, a prorrogação e a
reabilitação do poder familiar e da tutela, um processo de interdição menos
traumatizante e custoso que o atual, a criação de institutos mais profícuos,
medidas estas que, cremos, protegeriam mais efetivamente o deficiente
intelectual profundo, em razão de se encontrar em uma situação de extrema
vulnerabilidade. Assim, crê-se estar contribuindo para minimizar a
problemática jurídica dos maiores incapacitados.
No direito vigente, o amental, quando chega à maioridade, de acordo
com o artigo 1.767, do Código Civil, é posto, obrigatoriamente, sob o regime
da curatela, quer tenha os pais vivos ou não. Não há dúvida de que os
crescem e morrem. Assim como as vagas na enchente da maré avançam sobre a praia, cada uma umpouco mais que a antecedente, assim a humanidade avança no caminho da história. Herdeiros dasgerações passadas e beneficiários do trabalho dos nossos contemporâneos, temos obrigações para comtodos, e não podemos desinteressar-nos dos que virão depois de nós aumentar o círculo da famíliahumana. A solidariedade universal é para nós não só um fato e um beneficio, mas também um dever”.
2. De acordo com o critério da OMS - Organização Mundial de Saúde - 1976, deficientes profundos sãoaqueles que têm total incapacidade de autonomia, os que têm um coeficiente intelectual inferior a 10,inclusive aqueles que vivem num estado vegetativo e não estão aptos a realizar suas necessidades maiselementares.
XIII
deficientes mentais, principalmente nos casos de deficiência profunda,
necessitam sobremaneira de proteção jurídica diferenciada, de modo que o
princípio da igualdade seja aplicado efetivamente. A eles deve-se garantir um
tratamento digno e respeitoso, além de se oferecer uma atenção pessoal e
jurídica adequadas. Dentre as finalidades do estado de direito estão: a uma,
fazer com que todos os cidadãos possam gozar de idêntica dignidade e
igualdade perante a lei; a duas, o respeito às diferenças de cada indivíduo, de
modo a assegurar a satisfação das necessidades de quem não pode fazê-lo por
seu próprio esforço. No direito pátrio, a curatela foi um dos meios encontrados
pelo legislador para cumprir tais finalidades. Entretanto, crê-se que esse
regime não é o mais adequado para aquele que possui deficiência congênita ou
adquirida na infância. É o que também procurar-se-á demonstrar nesta tese.
São Paulo, ------------------de ----------------de 2007
Assinatura.
1
CAPÍTULO I
INCAPACIDADE MENTAL
1. CONSIDERAÇÕES GERAIS
Antes mesmo de seu nascimento, e mesmo na concepção, o ser humano
é titular de direitos. Entretanto, de tal titularidade não decorre,
automaticamente, o direito de exercê-los pessoalmente, em seu nome ou por
sua própria conta. A lei prevê várias hipóteses de incapacidade de exercício,
ora em razão da idade, ora por decisão judiciária, como no caso de ausentes, e
de pessoas privadas de discernimento ou dotadas de discernimento
insuficiente para agir.
O grau de incapacidade varia em função da limitação que afeta a pessoa
a ser protegida, sendo assim conceituada no direito pátrio: incapacidade
absoluta, isto é, a de praticar qualquer ato jurídico válido, como os elencados
no art.3° I, II e III, do Código Civil; incapacidade relativa, impossibilidade de
praticar atos ou negócios jurídicos a não ser aqueles expressamente
autorizados por lei, art. 4º, I, II, III e IV do Código Civil; e incapacidade
especial, possibilidade de praticar todos os atos jurídicos, com exceção
daqueles que a lei veda, como o caso do artigo 1.782 do Código Civil. Essa
norma estabelece que o pródigo não poderá praticar atos de disposição sem a
presença do curador, o que não é corroborado por CARLOS ROGEL VIDE1,
1. Rogel Vide, Carlos, Derecho de la persona, J.M.Bosh Editor, Barcelona, 1998, p.59, que pondera:
“Muchos autores piensan que tal instituto no justifica incapacitación alguna, dado que, si una persona
2
para quem a prodigalidade implica desequilíbrio e desordem mental, mas não
necessariamente alteração das faculdades mentais. Os efeitos são apenas
econômicos pelo fato de o pródigo não conseguir gerir bem seu patrimônio,
gastando desordenadamente os bens que o integram, com grave perigo para
sua subsistência, não justificando, portanto, a interdição por incapacidade.
Quem mora com os pais, é solteiro, tem um patrimônio considerável e não é
dado a jogos de azar, pode fazer com ele o que quiser, desde que reserve, em
propriedade e usufruto, o necessário para viver. A prodigalidade é, segundo o
doutrinador, em algumas ocasiões, sinônimo de altruísmo, de desprendimento.
Mais importante que a causa da incapacidade é o efeito jurídico que esta
produz sobre as pessoas, pois além de impedidas de gerir seu patrimônio,
ficam desprovidas de vontade própria, não podendo sequer presentear um
amigo com um objeto de maior valor.
Quando esperam um filho, o sonho dos pais é criá-lo, educá-lo para
depois terem amparo na velhice. Todavia, quando se trata de um deficiente
profundo, isto não acontece, porque, ao chegar este à maioridade de direito,
mas não de fato, continuará em situação, que, na realidade, nem se pode dizer
que seja equiparado ao menor. Perde sua infância e não adquire a capacidade
plena, isto é, não é criança nem adulto. A maioridade de um deficiente
intelectual não corresponde à maioridade de um adulto normal. Muitos
refutarão a diferença com o argumento de que, embora não tenha capacidade
carece de parientes allegados, puede hacer con su patrimonio lo que quiera –siempre que, con el art.634 en las manos, se reserve, en plena propiedad o en usufructo, lo necesario para vivir en un estadocorrespondiente a sus circunstancias, en el bien entendido de que prodigalidad , si bien y en otras lo esde aficción desmedida a juegos de azar, como el bingo, o tiene otras razones de ser – si tienes parientes,éstos ven sus expectativas respecto del patrimonio del pródigo suficientemente protegidas con las reglasque protegen la legítima y establecen la redución de las donaciones por inoficiosidad, pudiendo recurrirsi la prodigalidad anuncia locura – a instar la incapacitación por esta última causa”.
3
de exercício, possui capacidade de gozo, através de representação. Todavia,
enquanto uma criança normal, considerada incapaz pela menoridade, está em
potência para a capacidade de fato, o deficiente intelectual severo, pelos
avanços na medicina atual, nunca estará. Não poderá se casar, exercer a
cidadania do voto, viajar para onde quiser sem autorização, ter um cartão de
crédito, fazer testamento etc. Para abrandar a brutal diferença, faz-se
necessário interpretar todas as disposições que regulam as instituições
assistenciais dos adultos incapazes, segundo o princípio constitucional da
dignidade, disposto no artigo 1º, III, e da igualdade, elencado no art. 5º, I, da
Constituição Federal, levando sempre em conta o interesse superior do
amental. O art. 18 do protocolo Adicional à Convenção Americana sobre
Direitos Humanos declara que “Toda pessoa afetada pela diminuição de suas
capacidades físicas e mentais tem direito a receber atenção especial, a fim de
alcançar o máximo desenvolvimento de sua personalidade”.
A atuação jurídica, portanto, deve estar sempre voltada para proteger
essas pessoas incapazes, a começar pela terminologia, que durante muitos
anos discriminou o deficiente, com o uso de termos pejorativos e humilhantes
que não cabe aqui repetir.
2. TERMINOLOGIA
Quando abordam questões atinentes ao deficiente intelectual, isto é, ao
portador de necessidades especiais, os legisladores sempre têm procurado
empregar termos que não melindrem aqueles que, de maneira geral, são
estigmatizados e discriminados por sua deficiência, principalmente no caso de
4
doença congênita, cujos portadores, desde a infância enfrentam seus primeiros
problemas com a rejeição dos pais, que nunca estão preparados para ter um
filho excepcional2.
Os termos “deficiente” e “excepcional”, de difícil exegese, são os
normalmente usados no ordenamento jurídico, quando se faz referência ao
incapacitado físico ou mental.
A Resolução 33/447, da Organização das Nações Unidas (ONU),
estabelece que “O termo pessoas deficientes refere-se a qualquer pessoa
incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de
uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência,
congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais”.
O Código Civil de 1916 usou a expressão “loucos de todo o gênero”,
referindo-se a qualquer deficiente intelectual, mas o Código atual transmudou
para a expressão “deficiência mental” e “excepcionais”, insertos no artigo 3º,
inciso II, e artigo 1.767, incisos I, III, IV e V, em razão do significado do
termo, ora em uso, não ter sempre a conotação de loucura. Esta é muito mais
ampla que deficiência mental.
Segundo CLÓVIS BEVILAQUA, a incapacidade é determinada pelos
casos de insanidade mental passageira ou duradoura.3 O termo deficiente é
usado para indicar limitação nas funções mentais e nas habilidades normais de
2. David Araújo, Luiz Alberto. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência, Brasília,
Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, CORDE. 1994, p.17.3. Beviláqua, Clóvis, apud Carvalho Santos, Código Civil brasileiro interpretado, Direito de família, Rio de
Janeiro, Livraria Freitas Bastos, v. VI, 4ª.ed., 1961, p.178.
5
um indivíduo, como o de conseguir comunicar-se, cuidar de si ou de alguém,
estado de redução das funções intelectuais a graus significativamente
inferiores aos da média.
Segundo ANTONIO RULLI NETO4, “não tem sido fácil a tarefa de
definir, juridicamente, o portador de deficiência. Do mesmo modo, também
não está pacificada sequer a adequação da terminologia empregada”.
A expressão “deficiente mental” tem sido substituída mundialmente por
outra, menos discriminatória, como “deficiência intelectual”, em razão do
evento realizado em Montreal, no Canadá, em 06 de outubro de 2004,
promovido pela Organização Pan-Americana de Saúde, com a participação,
inclusive, do Brasil. Nessa reunião foi aprovado um documento intitulado
DECLARAÇÃO DE MONTREAL SOBRE DEFICIÊNCIA
INTELECTUAL5 em que se recomenda às organizações internacionais incluir
o termo “deficiência intelectual” nas suas classificações, em substituição ao
antigo conceito “deficiência mental”. Portanto, na tese ora apresentada, será
empregado o termo acima mencionado, em consonância com a Declaração de
Montreal.
As expressões deficiente severo e profundo também foram rejeitadas
pela Declaração, mas acredita-se que seu uso, para fins terapêuticos, não
constitui discriminação.
4. Rulli Neto, Antonio. Direito do portador de necessidades especiais, Fiúza Editores, São Paulo, 2002,
1ªed., p. 28.5. Ver a declaração íntegra no Apêndice desta tese.
6
A organização intergovernamental Mundial de Saúde, OMS, agência da
ONU, com uma sólida reputação internacional, assim classifica a deficiência
intelectual:
Classificação da OMS (Organização Mundial da Saúde)
Coeficiente
intelectual
Denominação Nível
cognitivo
segundo
Piaget
Idade mental
correspondente
Menor de 20 Profundo Período
Sensório-
Motriz
0-2 anos
Entre 20 e 35 Agudo grave Período
Sensório-
Motriz
0-2 anos
Entre 36 e 51 Moderado Período Pré-
operativo
2-7 anos
Entre 52 e 67 Leve Período das
Operações
7-12 anos
Acredita-se que os adjetivos diferenciadores utilizados pela OMS não
têm caráter discriminatório, mas tão-somente visam uma classificação para
fins médico-terapêuticos.
Tem havido tentativas não só no Brasil, mas em todo o mundo, de usar
a terminologia correta quando o assunto se refere a deficientes. A Constituição
7
Federal de 1988, artigo 3º, incisos I e IV, e artigo 5°, caput, proibiu qualquer
tipo de discriminação contra as pessoas com base em raça, etnia, sexo, religião
ou quaisquer outros fatores que as tornem diferentes. Entretanto, o Código
Civil de 2002, nos artigos 1.767, I, III, IV, e 1.769, I6 ainda utiliza a expressão
deficiente mental. Usar-se-á, no discorrer da tese, as expressões “deficiente
intelectual”, “ amental” e “excepcionais”, que acreditamos estarem em
consonância com o princípio supra mencionado. Conquanto não é encontrado
o vocábulo “amental” nos Dicionários Jurídicos, de MARIA HELENA DINIZ
e PLÁCIDO E SILVA, o substantivo é utilizado pela jurisprudência, no
sentido de “deficientes intelectuais”, de que são exemplo os arestos do STJ
Resp 11893/MG, de 16/06/97, e RHC 4045, de 5/12/94, ambos da lavra do
Ministro Ademar Maciel. Contudo, usar-se-á a expressão deficiente
intelectual severo e profundo apenas quando for necessário reforçar os direitos
daqueles que dependem de outrem em seus mínimos atos. A nova
terminologia, mais adequada, coaduna ainda com os princípios da dignidade e
igualdade, valores singulares aos quais devemos respeito incondicionado e
absoluto. É o que se examinará no capítulo seguinte.
6. “Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela:
I- aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimentopara os atos da vida civil;II- (...)III- Os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos;IV- Os excepcionais sem completo desenvolvimento mental;V.(...)”.“Art. 1.769. O Ministério Público só promoverá a interdição:I- em caso de doença mental grave;II. (...)III.(...)”.
8
CAPÍTULO II
PRINCÍPIOS RETORES DE PROTEÇÃO AO DEFICIENTE
INTELECTUAL
1. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE COMO FUNDAMENTO DE PROTEÇÃO
AO DEFICIENTE INTELECTUAL
No mundo conturbado em que vivemos, relativista, utilitarista, cada dia
mais desumanamente exigente no desenvolvimento de nossas capacidades, o
ser humano se apressa em acompanhar a corrida desenfreada da ciência, da
tecnologia, sem se dar conta de que seu valor mais precioso, a dignidade, está
sendo violada e destruída. De fato, o homem precisa estar integrado a essa
maratona de exigências, mas não podemos esquecer que o ser humano é um
fim em si mesmo e não um meio para alcançar este fim, valioso legado moral
do pensamento cristão, “Faças aos outros aquilo que queres que te façam”, e
kantiano, “Atua de tal modo que a máxima de teus atos possa valer como
princípio de uma legislação universal”7. Esse imperativo categórico fornece a
chave que nos mostra o desejo de todos pelos valores universais.
Se pessoas não deficientes têm dificuldades em alcançar os objetivos
que a sociedade delas exige, o que dizer daqueles que, por enfermidade
7. Apud Lamana, E. Paolo. Historia de la filosofia III. De Descartes a Kant, Buenos Aires, Libreria
Hachette S.A., 1964, p.379.
9
mental, congênita ou adquirida, não podem seguir esse ritmo de vida que a
sociedade impôs em seu desenvolvimento? De que maneira os ordenamentos
jurídicos têm se preocupado em preservar, nessa corrida irracional, a
dignidade dos deficientes intelectuais? Não nos esqueçamos de que a pessoa é
a figura central de todo o direito. Doutrinadores e legisladores não podem
abandonar o homem à sua sorte no complexo mundo em que vivemos.
Podemos afirmar que muitas vezes há o abandono, não talvez de modo
consciente, mas propugnando soluções que visam primordialmente a criação
de riquezas, o progresso social, de modo que o homem e, principalmente o
homem incapacitado, fica imerso em uma máquina social avassaladora que o
destrói.
Por isso, o jurista e o legislador devem sempre ter em mente a
importância básica e fundamental da pessoa, principalmente daqueles que, no
seu silêncio, não podem reivindicar, não podem exigir leis mais amenas, mas
que sofrem os efeitos da indiferença. Assim, entendeu o Tribunal Supremo de
Madrid, no Recurso de nº 2898/1999, que “El derecho a la personalidad
jurídica del ser humano, consagrado en el art. 6 de la Declaración Universal
de los Derechos Humanos de 10 de diciembre de 1948. lleva implícito el
reconocimiento del derecho a la capacidad jurídica de la persona, por lo que
toda restricción o limitación de su capacidad de obrar afecta a la dignidad de
la persona y a los derechos inviolable que les son inherentes, así como al
libre desarrollo de la personalidad”8.
A Constituição brasileira de 88 inseriu o princípio da dignidade humana
no rol dos direitos fundamentais, elencado no art. 1º, III, por considerá-la um
10
dos fundamentos da República Federativa do Brasil, e o reafirmou nos artigos
3º, III; 170, 226, parágrafo 7º, 227 e 230, por ser um bem supremo da ordem
jurídica, valor do ser humano que está acima de quaisquer outros valores.
A positivação desse princípio é recente. Foi somente a partir da
Segunda Guerra Mundial que esse valor passou a ser reconhecido
constitucionalmente no Brasil, art. 1º, inciso III, um dos fundamentos do nosso
Estado democrático, de modo especial após ter sido consagrado pela
Declaração Universal da ONU de 1948 9.
Há quem sustente que não se consegue dar uma definição jurídica do
que seja dignidade, porque ela é integrante da pessoa humana. Todos os seres
humanos, mesmo o maior dos criminosos, são iguais em dignidade10. Sendo
assim, todos os órgãos públicos e toda a atividade estatal se encontram
vinculados a esse princípio, tendo o dever, “não só de não fazer ingerências
na esfera individual que sejam contrárias à dignidade pessoal”, mas também
de proteger a pessoa contra agressões de terceiros, criando normas para que
esse direito seja efetivado.
Esse valor, superior e primordial, embasado no direito natural e dotado
de eficácia plena, jamais poderá ser relativizado, subjetivizado ou depender de
quaisquer circunstâncias que impeçam sua aplicação, porque é nele que se
baseiam todos os demais princípios. Na ética atual, infelizmente se tem
propagado a subjetivação dos valores e do bem.
8. Nº de la Resolución: 646/2004. Ponente: Jesus Corbal Fernandez. Madrid.9. Sarlet, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, Livraria do Advogado Editora, Porto
Alegre, 1998, p. 101.10. Sarlet, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, cit. p. 104.
11
No acordo de um grupo ou de um povo, em que se determina o que é
legalmente correto, ou seja, eles criam valores que podem mudar de um
governo para outro, porque segundo o positivismo jurídico de Kelsen, o
direito é resultado da vontade das autoridades e do Estado, que determinam o
que é legalmente legítimo. Isto conduziu a um relativismo em decorrência do
qual um grupo determinou que os judeus não eram seres humanos, que não
possuíam dignidade e que, portanto, deveriam morrer. De acordo com esta
teoria, não existe nenhum fundamento que se baseie na natureza das coisas e,
qualquer ponto de vista pode variar de uma a outra época. Não existe nenhuma
barreira segura de valores frente à arbitrariedade do Estado e ao exercício da
violência.
Esse valor singular, que é a dignidade humana, se nos apresenta como
uma exortação ao respeito a todos os seres humanos; mesmo que toda a
sociedade decidisse deixar de respeitá-la aquela seguiria presente em cada
cidadão, ainda quando alguns fossem relegados a um tratamento indigno ou
fossem perseguidos.
Não é difícil encontrarmos notícias em jornais sobre pais que tratam
indignamente os filhos deficientes, quando não os abandonam por vergonha,
sem contar o terror recente da morte de crianças nos campos de concentração,
iniciando-se com os deficientes intelectuais e epilépticos.11
Não se pode esquecer de que todo homem possui, no coração, desejos
de amor, felicidade, bem-estar e busca incessantemente supri-los nas pessoas e
12
nos objetos. Estes desejos inatos no seu íntimo fazem parte do seu ser, sempre
o acompanham, mesmo quando se encontram escondidos no fundo do seu
inconsciente, em razão de enfermidades psíquicas ou de inconsciência, e esta
força, própria da espécie humana, certamente ressurgirá ao receber uma
terapia oportuna e se tornar capaz. Em razão disto não devem ser tratados
como objetos.
Inúmeros filósofos discorreram sobre os valores que norteiam a pessoa
humana. Enquanto os princípios estão sob o plano das idéias, fácil não
discordar. A dificuldade aparece no momento de sua aplicação nos casos
concretos. Como são vagos e indeterminados, cabe ao poder judiciário aplicá-
los adequadamente, de modo que garantam a plena integração do enfermo na
sociedade e a perfeita defesa de seus direitos. O princípio da dignidade deve
ser sempre o primeiro critério de valoração que deve nortear o magistrado nas
decisões atinentes ao deficiente intelectual.
Tudo o que servir para valorar a vida do deficiente, ajudando-o a
conseguir a harmonia e a independência com que a natureza não o presenteou,
deve ser dado a ele.
A vida, o dom mais precioso do ser humano, advém de Deus.
Aristóteles, por meio de sua observação empírica, constatou que o mundo é
compreensível porque foi criado inteligentemente e, nele, as coisas tangíveis
estão impregnadas de inteligência. No universo, as substâncias estão
ordenadamente concatenadas. O homem, fazendo parte do conjunto de seres
criados, é o único que pode conscientemente compreender o que os outros são
11. Jonathan Sacks. Holocausto e ani-semitismo, www.chabad.org.br/biblioteca.
13
e, ao mesmo tempo, criar e modificar esse mundo, pois sabe como as coisas
são e trata de averiguar como são12.
A personalidade humana possui determinados direitos sem os quais o
homem perderia sua razão de ser. São os denominados direitos “essenciais”,
considerados como a medula da personalidade. São os que integram a própria
noção de pessoa, e, o direito à vida, acredita-se ser o primeiro direito natural
do homem, direito essencialíssimo e que por sua própria natureza não sofre
variações, pois nenhum outro bem pode conceber-se separado dele.
Considerado anterior a qualquer instituto positivo, os ordenamentos jurídicos
não fazem outra coisa senão reconhecê-lo. Entretanto, o direito à vida deve ser
entendido no seu sentido integral. Não sob o prisma estático, porque a vida do
corpo, por si só, não constitui um bem supremo, mas sob o prisma dinâmico e
social, isto é, uma vida digna em condições de sanidade física, psíquica e
moral, adequadas à dignidade da pessoa, pois a vida vale pelo que nela se faça
e como nela se vive13.
Não basta estabelecer direitos relativos à inviolabilidade corporal do
deficiente intelectual, mas a toda sua realidade existencial, a todo o seu valor
transcendente: a tutela jurídica amplia-se e justifica-se na condição humana. A
vida é um bem transitório e ordenado a outros fins; não é um fim em si
mesmo, mas um dom condicionado. Segundo FERNÁNDEZ DE BUJÁN, “a
vida é um agora integral que compreende o passado e também o futuro. É um
agora inacabado. Um eterno presente. Aspira a ser imortal14.
12. Fernández Buján, Frederico. La vida principio rector del derecho, Madrid, Editorial Dykinson, 1999,
p.50.13. Corts Grau, Jose. Curso de derecho natural, Barcelona, ed. Nacional, 1953, p.245.14. Fernández Bujan, Frederico La vida princípio rector del derecho, cit. p. 52.
14
O direito, sensível à realidade individual e social, deverá dar cobertura
legal à proteção das pessoas menos capacitadas, para que suas vidas sejam
plenas desde o início até o seu fim, independentemente de seu grau de
desenvolvimento. A proteção da vida humana é a manifestação mais genuína
do reconhecimento a sua dignidade como pessoa.
Como doutrina RECASÉNS SICHES15, a dignidade humana não é um
direito, mas sim a causa e o fundamento de todo o direito.
O reconhecimento ao princípio da dignidade é premissa para o
reconhecimento dos demais direitos. Logo, pela sua relevância, o primeiro
passo para se respeitar o direito à vida, à liberdade e à igualdade do amental,
além de outros, constitucionalizados ou não, é saber que eles correspondem
diretamente às exigências mais elementares da dignidade humana.
15. Recasens Siches, L, Filosofia del derecho. Ed. Porrua. México, 1961, p. 549.
15
2. PRINCÍPIO DA ISONOMIA E O DEFICIENTE INTELECTUAL
O art. 5° da Constituição Federal estatui que “todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza”. Quase todas as legislações vigentes
têm como fundamento o princípio da igualdade. No nosso ordenamento
jurídico, esse princípio também é norma supra constitucional porque se
encontra no preâmbulo da Constituição, assegurando “a liberdade, a
segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como
valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”.
De fato, tem havido um crescimento mundial de movimentos em que se
procura abolir toda e qualquer diferença entre os seres humanos, não só de
raça, cor, religião, sexo e condição social, mas também as desigualdades
intelectuais e físicas.
A Declaração dos Direitos Humanos, de 1948, a Declaração dos
Direitos da Criança, de 1959, assim como a Carta das Nações Unidas e da
Organização dos Estados Americanos, proclamam que todos os seres
humanos, sem discriminação de raça, religião e condição social, têm direito ao
bem-estar material e ao seu desenvolvimento espiritual. A Convenção sobre os
Direitos da Criança de 1989 estabeleceu no artigo 23, 16 princípios e metas a
serem atingidos em favor do deficiente, a saber:
“1. Os Estados-partes reconhecem que a criança portadora de
deficiências físicas ou mentais deverá desfrutar de uma vida
plena e decente em condições que garantam a sua dignidade,
16
favoreçam sua autonomia e facilitem sua participação ativa na
comunidade. 2. Os Estados-partes reconhecem os direitos da
criança deficiente de receber os cuidados especiais, de acordo
com os recursos disponíveis e sempre que a criança ou seus
responsáveis reúnam as condições requeridas, estimularão e
assegurarão a prestação de assistência solicitada, que seja
adequada ao estado da criança e às circunstâncias de seus pais
ou das pessoas encarregadas de seus cuidados. 3. Atendendo as
necessidades da criança deficiente a assistência prestada,
conforme disposto no parágrafo 2º, do presente artigo, será
gratuita sempre que possível, levando-se em consideração a
situação econômica dos pais ou das pessoas que cuidem da
criança, e visará a assegurar à criança deficiente o acesso à
educação, à capacitação, aos serviços de saúde, aos serviços de
reabilitação, à preparação para o emprego e às oportunidades de
lazer, de maneira que a criança atinja a mais completa
integração social possível e o maior desenvolvimento cultural e
espiritual. 4. Os Estados-partes promoverão, com espírito de
cooperação, internacional, um intercâmbio adequado de
informações nos campos da assistência médica preventiva e do
tratamento médico, psicológico e funcional das crianças
deficientes, inclusive a divulgação de informação a respeito dos
métodos de reabilitação e dos serviços de ensino e formação
profissional, bem como o acesso a essa informação, a fim de que
os Estados-partes possam aprimorar sua capacidade e seus
conhecimentos e ampliar sua experiência nesses campos. Nesse
16. Albuquerque Mello, Celso de, Tratados e Convenções. Ed. Renovar, Rio de Janeiro, 5.ed., 1997, p.627.
17
sentido serão levadas especialmente em conta as necessidades
dos países em desenvolvimento”.
A nova visão do direito, fundada no princípio da dignidade, da
igualdade, do amor e da justiça, procura integrar e proteger o deficiente
intelectual na comunidade, de modo que ele possa viver de acordo com os
dons que a natureza lhe ofereceu. As Declarações e as normas jurídicas,
sempre que houver necessidade, devem oferecer as bases legais para suprimir
as violações dos direitos dos amentais à vida, à dignidade, à liberdade e à
igualdade, valores naturais que o legislador e o magistrado não podem olvidar.
O verdadeiro princípio da isonomia, elencado na Constituição Federal,
art. 5º, consiste em tratar os iguais igualmente e os desiguais desigualmente,
de maneira que sua exegese determina que deve haver uma compensação
jurídica para todos aqueles que, em razão de uma deficiência profunda, ficam
impedidos de agir por si mesmos, encontrando-se afastados das oportunidades
que a vida oferece às pessoas sem deficiência.
Não há dúvida de que o ordenamento jurídico possui inúmeras normas
protetivas ao deficiente intelectual, mas a maioria delas, principalmente as de
direitos sociais, é considerada programática, de eficácia limitada, necessitando
de atuação do legislador infraconstitucional para que se torne plenamente
eficaz. Aquelas normas estabelecem programas que deverão ser
implementados pelo Estado, têm eficácia restringível, isto é, “de aplicação
diferida e não de aplicação ou execução imediata”, por não regular
diretamente interesses nelas contidos, “limitando-se a traçar princípios a
serem cumpridos pelos poderes públicos (Legislativo, Executivo e Judiciário)
18
como programa das atividades, pretendendo unicamente a conservação dos
fins sociais do Estado17”.
WOLFGANG SARLET 18doutrina que:
“O princípio da igualdade encontra-se diretamente ancorado na
dignidade da pessoa humana, não sendo por outro motivo que a
Declaração Universal da ONU consagrou que todos os seres
humanos são iguais em dignidade e direitos. Assim, constitui
pressuposto essencial para o respeito da dignidade da pessoa
humana a garantia da isonomia de todos os seres humanos, que,
portanto, não podem ser submetidos a tratamento
discriminatório e arbitrário, razão pela qual não podem ser
toleradas a escravidão, a discriminação racial, perseguições por
motivo de religião, sexo, enfim, toda e qualquer ofensa ao
princípio isonômico na sua dupla dimensão formal e material”.
A política, em matéria de tratamento e atenção ao deficiente intelectual,
tem evoluído, mundialmente, sobretudo no sentido de prestar cuidados
essenciais no âmbito das instituições, desde a educação de crianças que
nascem com deficiências profundas até a reabilitação dos que podem atingi-la.
Os reabilitados, juntamente com suas famílias, tornaram-se a força
propulsora na promoção de políticas efetivas na proteção dos deficientes.
17. Diniz, Maria Helena, Norma constitucional e seus efeitos, São Paulo, Saraiva, 4ª.ed., 1998, p.116.18. Sarlet, Ingo Wolfgang, Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais, Porto Alegre, Livraria do
Advogado, 2001, p. 89.
19
Constituíram organizações e comunidades, para que seus direitos se
fortalecessem perante uma sociedade por demais discriminadora.
Sustentados pelas Declarações dos Direitos Humanos e por outras tantas que
primaram pela defesa dos direitos do deficiente, deram impulso ao progresso
nessa área, fazendo exigências e lutando para que pudessem desfrutar das
mesmas oportunidades dadas aos cidadãos sadios.
A Carta Internacional dos Direitos Humanos, que compreende a
Declaração Universal dos Direitos do Homem, o Pacto Internacional sobre os
Direitos Econômicos e Sociais e Culturais, o Pacto Internacional sobre os
Direitos Civis e Políticos e a Convenção sobre os Direitos da Criança, serviu
de sustentação para uma reviravolta copernicana sobre os direitos dos
deficientes, na criação de leis específicas sobre o assunto.
Em todas as sociedades mundiais, encontramos obstáculos que
impedem as pessoas com limitações intelectuais e físicas de exercer seus
direitos e liberdades, dificultando sua participação plena da cadeia produtiva.
Somente leis não bastam. É preciso que o Estado trabalhe no sentido de
eliminar tais obstáculos, a fim de que o deficiente intelectual tenha, de fato,
direito a uma vida satisfatória, tão normal e plena quanto seja possível.
O direito à igualdade de fato, e não apenas de direito, implica o acesso
ao tratamento médico mais célere, reabilitação, assessoramento, tudo o que for
necessário para que desenvolva ao máximo suas capacidades e acelere o
processo de integração na sociedade.
20
No campo legislativo, é necessário criar leis diferenciadas que sejam
eficazes na concretização desses direitos.
Nenhum deles pode receber tratamento discriminatório, a não ser em
algumas hipóteses em que a desequiparação não fere o princípio do art. 5º,
caput, da Constituição Federal. CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELO19
exemplifica:
“Suponha-se hipotético concurso público para seleção de
candidatos a exercícios físicos, controlados por órgão de
pesquisa, que sirvam de base ao estudo e mediação da
especialidade esportiva mais adaptada às pessoas de raça negra.
É óbvio que os indivíduos de raça branca não poderão concorrer
a este certame. E nenhum agravo existirá ao princípio da
isonomia na exclusão de pessoas de outras raças que não a
negra”.
A função do Estado, segundo o princípio da igualdade, é a de adotar
medidas e recursos adequados a fim de garantir que a todos os deficientes
sejam concedidas as mesmas oportunidades de participação. Devem receber o
apoio necessário para sua reabilitação e integração na comunidade onde
vivem, principalmente quando se tratar de deficientes intelectuais profundos,
cujos recursos deverão atingir as suas famílias. Procurar informar aos
deficientes, de forma clara e accessível, tudo o que se encontra à sua
disposição em relação a serviços e programas disponíveis. Incentivar
19. Bandeira de Mello, Celso Antonio. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, Malheiros Editores, São
Paulo, 3.ed., 1993, p. 16.
21
campanhas, através dos meios de comunicação social, com o objetivo de
difundir mensagens positivas sobre deficientes, para que a população se
conscientize das medidas tomadas na eliminação de obstáculos.
ANTONIO RULLI NETO20, em sua obra referente a direitos do
portador de necessidades especiais, desenvolveu um extenso trabalho bastante
significativo, para orientar o deficiente físico e intelectual na sua difícil
caminhada em um mundo cada vez mais hedonista e discriminador.
Apresentou aquele autor de modo exaustivo uma gama de leis
protetoras, existentes no direito pátrio e comparado, no sentido de fazer com
que os programas oferecidos, referentes a políticas sociais, tenham como
fundamento os princípios da plena participação e propiciem felicidade ao
deficiente.
Ao lado das políticas sociais, as legislações devem estar voltadas para o
cumprimento do mandamento constitucional da dignidade e da igualdade, com
a finalidade de proteger mais plenamente o amental.
No direito privado, o Código Civil pátrio, em obediência ao comando
isonômico constitucional, estabeleceu, no art. 3º, inciso II, que o menor
deficiente intelectual, assim como o menor de 16 anos, que se encontra no
inciso I do mesmo artigo, porém sem deficiência, são considerados
absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil; e, o
artigo 1.767 os incluiu no rol dos interditos, sob o instituto da curatela.
20. Rulli Neto, Antonio. Direitos do portador de necessidades especiais. Fiúza Editores, São Paulo, 1.ed.,
2002.
22
Todavia, acredita-se, não haver equiparação dos deficientes intelectuais
profundos, elencados no art. 3°, II, com os incapazes do inciso I; e nem com
os deficientes que possuem momentos de lucidez ou com pródigos
consignados no artigo 1.767, pois o desenvolvimento mental dos incapazes do
artigo 3º, inciso I, está em potência. Para se tornar ato, se não houver nenhum
fato posterior que os impeça, é apenas uma questão de tempo, isto é, até a
chegada da maioridade. Um bom sistema educacional e uma efetiva proteção à
família é o quanto basta para que se alcancem o pleno desenvolvimento
intelectual e moral.
O mesmo não acontece com o deficiente severo: por toda a maioridade
será equiparado a um menor de 16 anos. Posto sob o instituto da curatela,
artigos 1.767 a 1.783 do Código Civil, necessitará da proteção familiar e
estatal, com maior intensidade, para o resto de sua vida, ficando à mercê dos
avanços tecnológicos na área médica. Quanto à sua inclusão no artigo 1.767,
acredita-se também não haver equiparação, porque ali se encontram diversos
graus de deficiência, sendo que o considerado irreversível, dependente “ad
aeternum”, necessita ser tratado de forma diversa daquele que possui lapsos de
lucidez.
Na aplicação dos princípios constitucionais da dignidade e da igualdade,
sempre levando em conta o interesse superior do amental, o Estado deve
atentar para esta diferença brutal e dar uma tutela fática, específica e
diferenciada para os menos capacitados.
23
MIGUEL REALE21, em sua obra “Posição de Rui Barbosa no mundo
da filosofia”, apresenta a verdadeira lição de RUI BARBOSA sobre a
igualdade:
“A única igualdade possível, a única igualdade legítima, não é a
igualdade absoluta, o nivelamento, que será sempre a mais
opressiva das desigualdades morais, mas a igualdade relativa,
isto é, a desigualdade social das condições correspondendo, em
uma proporcionalidade exata, à desigualdade natural de
aptidões”.
O deficiente intelectual deve se beneficiar de uma proteção especial e
dispor de possibilidades e de facilidades, por efeito da lei e por outros meios,
prolongando-se sua proteção com assistência diferenciada, para a realização
de seu bem-estar material, espiritual e social. É o que iremos propor nesta tese.
No capítulo seguinte far-se-á uma análise dos institutos, criados pelo
legislador pátrio, de proteção ao amental, em especial a curatela, em
comparação com o direito alienígena, sempre buscando verificar se os
princípios da dignidade e igualdade estão sendo respeitados.
21. Miguel Reale. Posição de Rui Barbosa no mundo da filosofia, Casa de Rui Barbosa, 1949.
24
CAPÍTULO III
PODER FAMILIAR, TUTELA E CURATELA: INSTITUTOS DE
GUARDA E PROTEÇÃO LEGAL DO DEFICIENTE INTELECTUAL
NO DIREITO PÁTRIO E COMPARADO
1. NATUREZA JURÍDICA DOS INSTITUTOS E SUAS DIFERENÇAS
Poder familiar, tutela e curatela são institutos do Direito privado, cujo
complexo normativo cuida, respectivamente, da proteção e assistência dos
filhos menores, órfãos, ausentes e maiores incapacitados. Embora as
disposições a eles atinentes estejam presentes no direito de família, de
natureza privada, são normas de ordem pública, imperativas (ius cogens),
inderrogáveis pela vontade dos particulares, não sendo passíveis de alteração,
como, por exemplo, o conteúdo dos regimes.
Os institutos elencados são considerados direitos e deveres sociais
(poder-dever), colocados sob o interesse do Estado. Hodiernamente, é cada
vez maior a intervenção do poder público na proteção de tais institutos, por
visar a fiscalização do cumprimento dos deveres paternais, de tutores e
curadores. Segundo J.M. de CARVALHO SANTOS22, no que diz respeito ao
poder familiar, o Estado tutela o menor por intermédio dos pais, a quem
atribui este dever, por serem as pessoas mais aptas a este desempenho, em
25
razão dos laços afetivos que os prendem. Todavia, não os deixa à mercê dos
mesmos, mas intervém sempre quando há um conflito de interesses ou abuso
de poder paternal, punindo-os de acordo com a lei. Assim como o poder
familiar, a tutela e a curatela são encargos públicos, mas possuem diferenças
expressivas.
A essência do poder familiar é o cuidado natural, somado ao amor, que
leva os pais a criar os filhos, educá-los e tê-los em sua companhia,
amparando-os e protegendo-os, enquanto que a tutela e a curatela são regimes
assistenciais. A tutela tem por escopo substituir o poder familiar; e a curatela,
defender a pessoa maior e administrar seus bens.
É em razão dessa essencialidade que o poder público fiscaliza a tutela e
a curatela com muito mais intensidade que o poder familiar, sob a presunção
natural de que os pais cuidam de seus filhos de maneira responsável, havendo
intervenção somente nos casos legais, como se dá com o abuso de poder,
artigo 1.63723 do Código Civil, hipótese em que há sua suspensão ou perda.
MARIA HELENA DINIZ 24 esclarece que:
“A função tutelar é similar ao poder familiar, mas não idêntica a
ele, uma vez que seu exercício se efetua sob inspeção judicial,
tanto em relação à administração dos haveres do pupilo como
22. J. M. de Carvalho Santos, Código Civil brasileiro interpretado, Direito de família, cit., p. 178/179.23. “Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou
arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar amedida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poderfamiliar, quando convenha”.
24. Diniz, Maria Helena. Direito de família. Curso de direito civil brasileiro, v. 5, 20ª ed., 2005, p. 595.
26
em relação às medidas corretivas necessárias; além disso é
temporária, sendo o tutor obrigado a servir por 2 anos”.
Ao diferenciar a tutela da curatela, J. M. CARVALHO SANTOS25
doutrina que, enquanto o encargo do tutor é imposto por lei ou pela vontade
do homem, para reger os bens e a pessoa apenas do menor, que não está sob o
poder familiar, o curador é nomeado pelo juiz, através da ação de interdição,
para reger a pessoa e bens de emancipados ou maiores de 18 anos, mesmo sob
o poder familiar, ou de nascituros, que, por si mesmos, não os podem fazer,
impossibilitados por uma causa determinada. A finalidade da tutela é proteger
a pessoa que, devido à sua pouca idade, não pode governar-se nem defender-
se, cabendo ao tutor o dever de guarda, ao passo que a curatela, salvo os casos
das especiais, só se dá aos que, por insanidade mental e prodigalidade, não
podem governar a si mesmos e a seus bens, não sendo da essência delas o
dever de guarda, pelo fato de que, se os pais estão vivos e a titularidade cabe a
um deles, aquela lhe é inerente26.
O usufruto especial dos pais em relação aos bens dos menores, o dever
de prestar alimentos aos filhos, mesmo após a maioridade, a administração dos
bens sem o controle ou vigilância judicial e a não prestação de contas da
administração são características somente atribuídas ao poder familiar.
Buscar-se-á aprofundar, a seguir, o exame dos institutos mencionados
supra e demonstrar qual o regime que mais se adequa ao deficiente intelectual
profundo quando este atinge a maioridade.
25. J. M. de Carvalho Santos. Código Civil brasileiro interpretado, cit., p. 362.
27
1.1. PODER FAMILIAR
1.1.1. CONCEITO, EVOLUÇÃO E CARACTERÍSTICAS
Poder familiar é, segundo nosso direito, o regime de proteção dos
menores não emancipados, cuja relação paterno-filial não deriva do contrato
de matrimônio, mas de um direito fundado na natureza e confirmado pela lei,
embora, no direito pátrio atual, o exercício desse poder não tenha como
pressuposto o nascimento, a filiação, mas o que dispõe a lei, como, a título de
exemplo, a adoção, através de um contrato, regido por disposições legais
especiais. Portanto, são submetidos ao poder familiar, não só os filhos
matrimoniais como os não matrimoniais reconhecidos, e os adotivos 27.
Para MARIA HELENA DINIZ28, o instituto é um conjunto de direitos e
obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido,
em igualdade de condições, por ambos os pais, para que possam desempenhar
os encargos que a norma jurídica lhes impõe. De sorte que o poder familiar
compreende a guarda, representação e administração dos bens dos filhos
menores de 18 anos, de acordo com o art. 5º do Código Civil.
ORLANDO GOMES29 leciona que o instituto resulta de uma
necessidade natural. A criança precisa de quem a eduque, ampare, a defenda e
cuide de seus bens. Para tanto, ninguém melhor do que os pais para fazê-lo.
26. Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, parte especial, Tomo IX, 4ª.ed. Edit. Revista dos
Tribunais, São Paulo, p. 315/316.27. Art. 1596 do Código Civil; art. 20 da Lei 8069/90; arts 5º e 6º da Lei 8560/29/dez/92 e 227, parágrafo 6º,
da CF.28. Diniz, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, Direito de família. cit., p.517.29. Orlando Gomes. Direito de família, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1978, 3ª ed., p.410.
28
O poder familiar é uma instituição surgida do direito romano, embora,
hodiernamente com este não guarde muita semelhança. Segundo alguns
doutrinadores30, o poder exercido pelo “pater familias” era um verdadeiro
direito subjetivo, um direito integral do pai sobre a pessoa do filho, direito
sobre sua vida e até sobre sua morte, inclusive por possibilitar a entrega do
filho a outrem como indenização noxae deditio 31.
JHERING32, ao analisar o verdadeiro espírito do direito romano, que o
manteve em evidência por muitos séculos e a razão de sua universalidade,
refutou a idéia despótica do pai romano e, pelo contrário, sustentou que o
chefe de família não exercia a autoridade somente por interesse próprio, mas,
também, no de seus subordinados e do Estado. Sua tutela perante a família
constituía um dever, uma função confiada pelo Estado, e este exigia sua
responsabilidade, porque era contra ele que recaiam todas as ações, quando as
pessoas que estavam sob seu poder causavam danos a terceiros. O poder
familiar era baseado não no medo, mas no amor, vivendo a mulher romana
numa atmosfera de respeito e afeição, e os filhos num ambiente de proteção e
estima.
30. Caio Mário S. Pereira. Instituições de direito civil, v. V, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 11ª. ed., 2000,
p.238.-Moreira Alves, José Carlos. Direito romano, v.II, 6. Ed., Forense, Rio de Janeiro, 1997, p.66.-Petit, Eugène. Tratado elemental de derecho romano, Editorial Universidad, Buenos Aires, 1994, p.117.-Iglesias, Juan. Derecho romano. Historia e instituciones, Undécima edición, Editorial Ariel, S.A.,Barcelona, 1994, p.468.-Kases, Max. Direito privado romano, Edição da Fundação Calouste Gulbekian, Lisboa, 1999, p. 339.
31. Caio Mário S. Pereira. Instituições de direito civil ,cit., p.238.32. Jhering, Rudolf von. O espírito do direito romano, tradução de Rafael Benaion, Alba Editora, 1943, II
volume, p.139.
29
Todas as declarações sobre a aspereza dos romanos e ausência de amor
atestam a ignorância completa que se tem do caráter daquele povo e de sua
vida. Na antiga vida romana, embora a disciplina com os filhos fosse
indubitavelmente bastante severa, o Estado, contudo, não conferia aos titulares
do poder paterno o direito de tiranizar os filhos.
No entender de JHERING, é preciso ir a fundo no espírito de um povo
para concluir sobre as razões dos seus atos. Para o doutrinador, “estudar o
aspecto real, em que se apresentava o pai de família, na vida romana, é o
melhor meio de se saber o seu sentido perfeito e a sua verdadeira finalidade.
Não se pode conceber erro mais grosseiro, que o de falar, como já dissemos,
da indiferença dos romanos pela família, de sua aspereza nas relações
domésticas. Se o homem fosse o déspota que se nos pinta, a condição da
mulher seria, não a de uma esposa, mas, como no Oriente, a de uma escrava,
ou, como na Grécia, a de uma criada ou concubina. Ora, em verdade, a
mulher romana era companheira de seu marido, na mais ampla acepção da
palavra. Nenhum povo do mundo antigo, sem excetuar o grego, deu à mulher
lugar tão honroso na sociedade como os romanos. Duvidamos mesmo que,
entre os mais civilizados povos modernos, a mulher goze de estima e respeito
tão elevados, como na antiga Roma, em que esta estava sob a “manus” do
marido e da tutela de seus parentes”.
Um fato que merece destaque é a vitaliciedade do poder familiar no
direito romano, que só se extinguia com a morte ou capitis diminutio do pater.
A maioridade não era causa de extinção33.
30
Nem o filho privado da razão, furiosi, era excluído do poder familiar,
sendo que a curatela dos romanos só era deferida aos doentes mentais que não
estavam sob a “patria potestas”34. JUAN IGLESIAS35 doutrina que “las
Tablas encomiendam la curatela del furioso siempre que carezca de
paterfamilias y de tutor”. Entre nós, no direito anterior a 1.835, nas
Ordenações Filipinas, o poder familiar durava toda a existência36.
Título 81.3. “Não pode fazer testamento o filho famílias que é aquele
que está debaixo do poder de seu pai, de qualquer idade que seja”.
Embora a educação do pater família, em relação aos filhos, fosse por
demais severa, estes respeitavam os pais, não por medo, mas pelo amor à
família e às leis do Estado.
Nos dias atuais, a autoridade do pai, que representava o poder familiar
romano, foi transformada em servidão para tutelar o filho, com uma
fiscalização severa do poder público em razão da importância social do
encargo.
O poder familiar vem sofrendo profundas modificações no tempo. Por
força do patriarcalismo português, herdado dos romanos, a titularidade era
sempre deferida ao pai, considerado a cabeça do casal. No Código Civil de
1.916, embora o exercício fosse de ambos os cônjuges, a chefia da sociedade
33. Caio Mário S. Pereira. Instituições do direito civil, cit., p.238.34. Caio Mário.S. Pereira. Instituições do direito civil, cit. p.265.35. Iglesias, Juan. Derecho romano. Historias e instituciones, cit. p. 518.36. As Ordenações Filipinas foram revogadas aos poucos, mas continuou entre nós mesmo após a
proclamação da República, no Livro IV, Título 81, 3, sob o título DAS PESSOAS A QUE NÃO ÉPERMITIDO FAZER TESTAMENTO. Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, Tomo IX, Ed.RT, 1983, 4ª ed, p.108.
31
conjugal ainda pertencia ao marido. É o que estabelecia o artigo 233, caput:
“O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a
colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos”.
Nem mesmo o Estatuto da mulher casada, Lei 4.121, de 27 de agosto de
1.962, e a Lei do divórcio mudaram a prevalência masculina.
MARIA HELENA DINIZ 37 sustenta que não vislumbrou isonomia entre
marido e mulher, com relação aos direitos e deveres de ambos, na
Constituição Federal de 1.988, artigo 226, parágrafo 5º. Apenas igualou o
exercício desses direitos e deveres na sociedade conjugal. O marido
continuaria na chefia da sociedade conjugal.
Somente com a promulgação do Código Civil de 2.002, por força do
mandamento constitucional do artigo 5º, I, que determina que homens e
mulheres são iguais em direitos e obrigações, é que a titularidade e o exercício
do poder familiar passaram a ser deferidos a ambos os progenitores. É o que
estatui o artigo 1.631 do Código Civil38.
Quanto ao conteúdo do poder familiar, entretanto, sempre tem sido o de
que ambos os progenitores devem educar os filhos e zelar por eles, sofrendo
punições em caso de descumprimento.
Esse poder-dever é atribuído aos pais, até que o filho atinja a
maioridade de fato e será exercido no interesse deste. Como o poder não é
37. Diniz, Maria Helena. Código civil anotado, Saraiva, São Paulo, 1995, p. 222.
32
ilimitado, o Estado, através do Ministério Público, impõe suprema vigilância,
reprimindo os excessos e impedindo abusos. Portanto, as relações jurídicas
entre pais e filhos consistem em direitos e obrigações, não ficando, assim,
isentos de responsabilidades civis.
Segundo RUGGIERO39, o Estado regula o direito de família muito mais
que qualquer outro ramo do direito privado, pois, enquanto os demais ramos
daquele direito visam o interesse particular e buscam um fim individual em
função do direito subjetivo atribuído a ele, permitindo ao indivíduo interpor
ações quando este direito é violado; nas relações familiares, ao contrário, o
interesse individual é substituído pelo interesse superior, que é o da família,
pois são as necessidades desta e não as do indivíduo que são tuteladas.
O poder familiar é um regime obrigatório, aplicado no direito pátrio
exclusivamente aos menores não emancipados, só perdendo os pais a
titularidade e o exercício, pelos meios que a lei determinar, isto é, pela
suspensão e destituição do encargo, penas civis aplicadas aos genitores que
não cumprem as obrigações a eles impostas; e pela extinção natural, a morte,
ou extinção civil, no caso de emancipação, maioridade do filho ou adoção. É
ainda indisponível, porque seu exercício não pode ser transferido pelos pais a
outrem, modificado, regulado e nem extinto pela vontade privada, salvo nos
casos em que a lei permite, para prevenir a ocorrência de situação irregular do
menor, como a colocação em família substituta, pois o Estatuto da Criança e
do Adolescente não mais admite a delegação do poder familiar.
38. “Art.1.631. Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou
impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade”.39. Ruggiero, Roberto de. Instituciones de derecho civil- Tomo 2, traducción de la 4ª edición italiana por
Ranon Serrano Suñer y Jose Santa-Cruz Teijeiro. v.2, Editorial Réus, Madrid, p.9.
33
Entretanto, ANTONIO CHAVES40 destaca que a colocação na família
substituta implica oposição ao poder familiar, devendo a medida ser adotada
nos casos apenas em que não for possível o filho permanecer na companhia
dos pais. É irrenunciável em todas as questões relativas ao estado civil e
direito de família, não operando o princípio da autonomia da vontade nas
questões de interesse público, apesar de ser de direito privado. Imprescritível,
pois os pais não decaem do poder familiar mesmo na ausência de exercício,
extinguindo e perdendo o encargo somente nos casos elencados nos artigos
1.638, I a IV, e 1.635, I a V; e, por fim, incompatível com a tutela, pois os
filhos menores só são colocados sob tutela se os pais falecerem, forem
suspensos ou destituídos do poder familiar.
O instituto do poder familiar, desde o seu nascedouro e até os dias
atuais, se revestiu de importância ímpar. Seu conteúdo, quanto à pessoa dos
filhos, ficou inalterado desde a implantação do Código Civil de 1.916. O
artigo 384 determinava que aos pais dos filhos menores competia a criação,
guarda e educação, bem como tê-los em sua companhia, nomear-lhes tutor,
reclamá-los de quem ilegalmente os detivesse, representá-los até os 16 anos e
nomear-lhes tutor, além de conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para
casarem. O artigo 1.634 do Código Civil de 2002 continuou na mesma
trajetória.
Na maioria dos ordenamentos jurídicos, esta importância continua
latente, isso porque é numa estrutura familiar sólida que o Estado se forma.
40. Chaves, Antonio, Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, 2ª edição, Ed. São Paulo, 1997,
p.143.
34
No direito espanhol, por exemplo, o pai que se opõe ao reconhecimento
do filho, perde, por decisão judicial, a patria potestad e demais funções a ela
atinentes. É o que determina artigo 111, 2º, do Código Civil espanhol:
“Quedará excluído de la patria potestad y demás funciones
tuitivas y no ostentará derechos por ministério de la Ley respecto
del hijo o de sus descendientes, o en sus herencias, el progenitor:
2º. Cuando la filiación haya sido judicialmente determinada
contra su oposición”.
A jurisprudência espanhola agasalha essa imperatividade e tem
considerado, na aplicação desse preceito, que procede excluir o pai das
funções da “patria potestad” quando houver obstaculização da prova de
filiação41.
O artigo 1.616 do Código Civil brasileiro42, embora similar ao direito
espanhol, nessa particularidade o legislador estabeleceu uma faculdade, não
uma cogência, um poder dicricionário de o juiz determinar ou não a perda do
poder familiar quando alguém contesta a qualidade de pai.
O legislador pátrio, antes de elaborar leis sobre matérias que envolvem
a família, deverá ter em conta os princípios que a regem, porque, mesmo não
41. “Los Tribunales han considerado que procede excluir al padre de las funciones de la patria potestad
cuando se opuso a la demanda de reconocimiento de filiación y obstaculizó la práctica rueba biológica(SAP Barcelona 3 de julio de 1998)”. www.noticias.juridicas.com/articulos.
42. “Art. 1.616. A sentença que julgar procedente a ação de investigação produzirá os mesmos efeitos doreconhecimento; mas poderá ordenar que o filho se crie e eduque fora da companhia dos pais oudaquele que lhe contestou essa qualidade”.
35
tendo intenção de diminuí-la, pode feri-la com suas determinações.
Sucumbindo a família, fatalmente sucumbirá o Estado.
Examinadas as características especiais do poder familiar para o menor
em formação, passa-se a analisar sua importância para o maior deficiente
intelectual congênito ou para aquele que adquiriu a deficiência na primeira
infância.
1.1.2. IMPORTÂNCIA DO PODER FAMILIAR PARA O AMENTAL
Tal é a necessidade do instituto para os filhos e a responsabilidade para
os pais que o legislador constitucional determinou, no artigo 229, parágrafo
único: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores...”.
No mesmo sentido, o Código Civil, no art. 1.631, caput: “Durante o
casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou
impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade”; e o Estatuto
da Criança e do Adolescente, no artigo 21: “O pátrio poder será exercido, em
igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a
legislação civil, assegurando a qualquer deles o direito de, em caso de
discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da
divergência”.
O legislador determinou, na Lei Maior e em leis especiais, que a
titularidade do Poder Familiar cabe aos pais, embora possa ser exercido por
um só, nos casos de separações e divórcios, ficando seu exercício com aquele
36
que tiver a guarda43. Os genitores, investidos nesse poder, detêm o direito de
ter consigo os menores, deficientes ou não, a fim de educá-los e formá-los em
toda sua plenitude, facultando àqueles, inclusive, o direito de exigir das
entidades públicas a assistência necessária ao desenvolvimento pleno de seus
pupilos.
O rompimento das relações conjugais, hoje, com muito mais freqüência
tem afetado, sobremaneira, o desenvolvimento saudável dos filhos. Pais,
magoados com a separação, descontam seu rancor na prole, que, em se
tratando de menores, na maioria das vezes, nem sabem mesmo o que está
acontecendo.
Observa-se que, nos últimos anos, tem havido, no direito alienígena e
pátrio, modificações significativas no direito de família, com o intuito de
proteger mais efetivamente os filhos, em momentos de crises conjugais ou
quando há separação judicial ou divórcio direto, principalmente no que tange à
guarda daqueles. O legislador determinou, no Código Civil, art. 1.58944, e em
leis especiais, Lei 6.515, art. 15, que, em casos de separação litigiosa ou
consensual, divórcio ou anulação do casamento, mesmo que a guarda dos
filhos esteja em poder de um só progenitor, a titularidade do poder familiar
continua com ambos porque àquele que não possui a guarda é assegurado o
direito de visita e estabelecida a obrigação de sustento, podendo opinar em
todo o processo educacional da prole.
43. Diniz, Maria Helena. Direito civil brasileiro, v.5, cit., p. 531.44. “Art. 1589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua
companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar suamanutenção e educação”.Lei 6.515: “Art. 15. Os pais, em cuja guarda não estejam os filhos, poderão visitá-los e tê-los em suacompanhia, segundo fixar o juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.
37
A questão da guarda, por ser um dever da natureza45 do poder familiar,
é um dos assuntos mais polêmicos no direito brasileiro, principalmente
quando a separação não é consensual. Tem-se procurado encontrar soluções
jurídicas que protejam de maneira mais abrangente os filhos menores e os
maiores deficientes, principalmente quando há conflitos nas separações,
porque o poder familiar, embora os genitores possam ter consigo os menores,
fica profundamente abalado pelos sentimentos de fracasso, rancor e culpa que
envolvem os cônjuges, causando reflexos e provocando angústias, incertezas
que afetam e ameaçam a estabilidade familiar.
Busca-se minimizar os efeitos de uma separação traumatizante para os
filhos descobrindo alternativas, no tocante à guarda, que condizem com o
princípio do interesse superior do menor, estabelecido na Convenção
Internacional dos Direitos da Criança e ratificado em nosso país pelo Decreto
99.710/90, art. 3°46, aprovado por unanimidade, em 20 de novembro de 1.989.
Na legislação vigente, a teor estatuem em os artigos 1.583 e 1.584 do Código
Civil, a guarda é deferida, nos casos de dissolução da sociedade ou do vínculo
conjugal, pela separação judicial consensual ou pelo divórcio direto
consensual, àquele que os cônjuges acordarem, e, quando não houver acordo
quanto à guarda, a exercerá quem tiver melhores condições para fazê-lo.
45. Diniz, Maria Helena, Direito Civil brasileiro, v.5, cit. p.535: “Direito de guarda é da natureza e não da
essência do poder familiar, podendo até ser confiado a outrem”.46. Decreto 99.710/90: “Art. 3°. Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições
públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades, administrativas ou órgãos legislativos,
38
Segundo alguns doutrinadores, as formas alternativas de guarda que se
tem encontrado “quebram os vínculos de intimidade, de continuidade na
relação pai/filho, em razão do afastamento emocional entre os filhos e o outro
cônjuge que não tem a guarda”47.
No direito brasileiro, segundo exegese dos artigos 1.583 a 1.590, a
guarda é sempre monoparental, ou seja, um dos cônjuges obtém a guarda e o
outro fica com o direito de visitas. Entretanto, como não pode haver ninguém
mais interessado na prole do que os genitores, deve ser acatada, caso
convencionem, a guarda compartilhada, forma alternativa não institucional,
que vem sendo acolhida pelos tribunais por valorizar o convívio do menor e
dos maiores deficientes com cada um dos pais, privilegiando os laços afetivos
entre pais e filhos, em consonância com o princípio da preservação dos
interesses dos menores48. Entretanto, para que seja acatada, é necessário que
os pais tenham uma relação harmoniosa; caso contrário, não deve ser deferida.
É inadmisível que a chamada “guarda compartilhada consista em
transformar o filho em objeto que fica à disposição de cada genitor por certo
tempo, devendo ser, isto sim, uma forma harmônica que permita ao filho
desfrutar tanto da companhia paterna como da materna, num regime de
visitação bastante amplo e flexível, mas sem perder seus referenciais de
moradia. Para que seja possível e proveitosa para os filhos , é imprescindível
que exista entre os pais uma relação marcada pela harmonia e pelo respeito,
devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança”.
47. Barreto Casabona, Marcial, Guarda compartilhada, Ed. Quartier Latin, São Paulo, 2006, p.220.48. Barros Monteiro, Washington, Curso de direito civil; direito de família, 37ª. ed. São Paulo,Saraiva, 2004,
v. 2, p. 283.
39
na qual não existam disputas nem conflitos”. Foi o entendimento da Quarta
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na Apelação
Cível Nº 1.0024.03.887697-5/001, da Comarca de Belo Horizonte. No mesmo
sentido, a Apelação Cível nº 2005.001.29240 da Quarta Câmara Cível do
Tribunal de Justiça de Estado do Rio de Janeiro:
“Apelação Cível. Modificação de cláusula. Manutenção da
guarda com a genitora e alteração das regras sobre visitação, a
fim de estreitar os encontros entre pai e filho. Aplicação do
princípio da prevalência do interesse do menor. Direito
constitucional ao convívio com os pais. Inviabilidade de fixação,
ante a falta de harmonia entre o casal. Sentença que não merece
reforma. Recurso improvido”.
Cabe aqui fazer uma pequena consideração sobre as graves
conseqüências da separação, quando há, na família, deficientes intelectuais.
Embora a guarda monoparental não coadune com o princípio constitucional da
igualdade entre homens e mulheres, com direito à convivência familiar,
acredita-se, do mesmo modo, não ser conveniente para o deficiente intelectual
profundo a sua locomoção de uma residência para outra, caso fique
estabelecida a guarda alternada. A mudança constante do amental pode causar
insegurança e transtorno para o mesmo.
Quanto à guarda compartilhada ou conjunta, no qual não há alternância
de residência, porque neste tipo de guarda o pupilo deficiente mora
efetivamente com um dos genitores, mas está mais amiúde com o outro, seja
por meio de visitas ou de pernoite, também deverá ser analisada com
40
acuidade. O critério orientador do juiz será sempre o do interesse ou
conveniência do menor. Em razão disso, caso um dos progenitores contraia
segundas núpcias, é necessário rever a questão: pode ou não o filho estar por
dias na casa do outro, principalmente se o pai trabalha fora, em tempo integral.
Os cuidados especiais exigidos por crianças deficientes não podem ser
atribuídos a pessoas despreparadas. Acostumada à presença do guardião, pode
ser um perigo para o interesse mental ou psíquico do filho, podendo agravar
seu estado.
A desembargadora Maria Berenice Dias, como relatora da decisão de
apelação cível Nº 70015727084, no Estado do Rio Grande do Sul, citou a
doutrinadora Denise Duarte Bruno, que aponta uma contra-indicação da
guarda compartilhada na Revista Brasileira de Direito de Família – IBDFAM,
Ed. Síntese, Ano III, Nº 12, 2002, p.31, Assim dispôs: “Outra contra-
indicação da guarda compartilhada, refere-se ao fato de que a separação
conjugal sempre traz em si mágoas e ressentimentos, dificultando que os
membros do ex-casal mantenham um relacionamento livre de conflitos. Esta
contra-indicação assume relevância nos casos nos quais a guarda
compartilhada é decidida ou homologada judicialmente, ou seja, quando ela
não acontece na forma de um arranjo espontâneo entre os separados”.
Quando a separação é consensual, tudo se torna mais fácil para o pupilo.
Entretanto, quase sempre é litigiosa, refletindo negativamente na vida dos
menores e, “a fortiori”, nos amentais.
Tem-se procurado, tanto no direito pátrio quanto no estrangeiro,
encontrar soluções jurídicas mais profícuas com o objetivo de pacificar os
41
conflitos resultantes da separação não consensual e do divórcio direto, através
da arbitragem, conciliação e mais recentemente, da mediação familiar, meios
utilizados para impedir a desintegração da família. A mediação pode ser
definida como o método de resolução de conflitos, em que as partes, através
de um profissional imparcial e neutro, denominado mediador, voluntariamente
negociam os desacordos e tomam suas decisões conforme suas necessidades.
Como doutrina MARIA HELENA DINIZ49:
“A mediação procura transformar a crise familiar e a falência do
casamento em uma relação estável parental, abrindo caminhos
para uma reconstrução satisfatória da vida. (...) Procura criar
oportunidade de solução do conflito, possibilitando que, com
maturidade, os protagonistas repensem sua posição de homem,
mulher, pai e mãe, verificando seus papéis na conjugalidade e na
parentalidade, e impedindo violência das disputas pela guarda
de filhos menores e pelas visitas. Com isso, protege-se a prole de
comprometimentos psicológicos e psicossomáticos, tão
freqüentes no período pós-separação ou pós divórcio dos seus
pais”.
Difere da arbitragem porque o árbitro tem poderes para resolver a
disputa, podendo, inclusive, apresentar provas, o que não ocorre com o
mediador, que não toma nenhuma decisão. Distingue-se também da
conciliação porque o conciliador também tem poder entre as partes ainda que
não o exerça. O mediador procura, a priori, evitar o rompimento do vínculo
matrimonial.
49. Diniz, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v.5, 2006, cit., p. 343.
42
GUTIÉRREZ, 50 nos apresenta as vantagens da mediação familiar:
“La mediación familiar en cuanto permite un abordaje mas
profundo de las cuestiones interpersonales que subyacen en el
conflicto familiar en comparación al proceso judicial, presenta
indudables ventajas que podemos resumir en las siguientes:
a) Minimiza en los hijos los problemas derivados de la
separación o divorcio, evitándoles culpabilidades, protagonismos
y manipulaciones. Los hijos se sienten protegidos por ambos
padres aumentando su autoestima y seguridad.
b) Disminuye el coste afectivo, emocional y económico de los
procesos de familia.
c) Con la mediación las partes asumen responsabilidades y
compromisos por si mismos frente a la imposición que supone la
resolución judicial de un proceso non consensual.
d) Desaparecen sentimientos de ganador/perdedor, se evitan
dinámicas de negativización del otro, se favorece la flexibilidad y
la colaboración ante posibles cambios e incidencias.
e) A los abogados les permite centrar su trabajo en la
configuración legal de los acuerdos que se presentan ante el
juez, evitándoles continuas actuaciones judiciales tan frecuentes
en los procesos contenciosos y a larga y en muchos casos la
insatisfacción de sus clientes.
50. Gutiérrez, José Luis Utrera . Actualización del derecho de familia y sucesiones, Dyksinson 2005, Madrid,
p. 150.
43
f) Para los órganos judiciales, se disminuyen los
incumplimientos de sentencias y resoluciones, descongestionando
se los Juzgados y mejorando en definitiva la respuesta judicial en
el campo de los procesos de familia”.
MARIA HELENA DINIZ 51 também corrobora, doutrinando que:
“todos, (juiz, advogados, promotor de justiça, auxiliares do juízo como
psicólogos e assistentes sociais) deverão buscar a conciliação, a diminuição
do sofrimento dos filhos, a transformação da crise familiar numa relação
parental (pai, mãe e filhos) reorganizada e voltada para os interesses da
criança e do adolescente, abrindo novos horizontes para uma reconstrução da
vida”.
A mediação, no Brasil, ainda não está regulamentada. Há um projeto de
lei de autoria da Deputada ZULAIÊ COBRA, que institucionaliza e disciplina
a mediação, como método de prevenção e solução consensual de conflitos em
matéria civil ou penal, desde que se admita a conciliação, transação, podendo
ser mediadores, tanto pessoas físicas quanto jurídicas que se dediquem a esse
exercício.
Com a mediação tem-se procurado fazer com que, não só se restabeleça
o diálogo entre os cônjuges, mas também a possibilidade de reconciliação dos
mesmos porque numa família bem estruturada os filhos se tornam melhores ou
piores, na medida em que ela cumpre bem ou mal seu papel. Em razão disso é
que o Estado dá tanta importância ao poder familiar. O grau de atenção dado a
ele pelo legislador enche de orgulho e responsabilidade os pais,
44
principalmente os que anseiam a paternidade ou a maternidade. Muitas vezes
os casamentos se rompem quando nascem crianças com deficiências.
Uma criança, em geral, é sempre bem-vinda e sempre se espera que
venha com saúde. Os pais a educam pensando que um dia serão amparados na
velhice. Quando surge na família uma criança com deficiência, passado o
impacto, vem o sentimento de proteção intensa dos pais. É comum, inclusive,
quando o deficiente nasce numa família numerosa, os pais dedicarem maior
atenção àquela criança do que aos outros filhos, em função da diferença,
porque o poder familiar é sempre exercido em benefício do filho,
principalmente quando este necessita de cuidados especiais, tendo os pais o
dever de estar com eles, cuidar deles, protegê-los, alimentá-los, educá-los, dar-
lhes uma formação integral, representá-los legalmente e administrar seus bens.
Ao atingirem os filhos a maioridade civil, os pais ficam isentos de
responsabilidades e os deixam alçar vôos. Com o deficiente intelectual severo
e profundo, isto nunca acontece. Seus pais serão responsáveis até o
acontecimento de uma condição natural de morte, ou dos pais ou do filho, ou
legal, de perda ou suspensão do poder familiar.
O direito civil pátrio, quando a criança deficiente intelectual chega à
maioridade de direito, determina a colocação sob um novo regime, o da
curatela. Há, portanto, a partir deste momento, a transmutação do instituto
com toda a carga de procedimentos desgastantes e desnecessários, tanto para o
maior deficiente quanto para os pais.
51. Diniz, Maria Helena. Direito civil brasileiro. Direito de família., cit. 345.
45
Ora, se o deficiente intelectual, após a declaração judicial de
incapacidade, é comparado ao menor, segundo a inteligência do artigo 1.774
do Código Civil, e se torna absolutamente incapaz, como estabelece o art. 3º
do mesmo código, não vemos o porquê da mudança de instituto. Se
equiparados aos menores, assim devem ser considerados e tratados, senão o
legislador não teria aplicado às disposições da curatela as normas da tutela,
regime substituto do poder familiar.
Entende-se que, no caso de doença mental congênita e irreversível, ou
mesmo adquirida na maioridade, o poder familiar deverá ser prorrogado. Do
mesmo modo, se é maior solteiro e mora com os pais, o poder familiar deverá
ser reabilitado, conforme o caso, assim como já foi disciplinado em alguns
ordenamentos jurídicos, como no direito espanhol e belga, o que será
desenvolvido posteriormente. Além do que, nada se perde; pelo contrário,
muito se tem a ganhar ao se permitir que os pais continuem a se ocupar do
filho e de seus bens como titulares do poder familiar e não como curadores.
Nada muda, nem para os pais nem para o filho deficiente quando este chega à
maioridade de direito. Na realidade, esta maioridade é fictícia, porque ele
continuará sendo menor para todos os seus atos.
1.1.3.SUSPENSÃO E PERDA DO PODER FAMILIAR: SANÇÕES
LEGAIS
O poder familiar, instituto que se acredita e se sustenta ser o mais
adequado para o maior, deficiente intelectual congênito, mais abrangente que
a tutela e curatela, é de tal maneira protegido pelo Estado, que este pune de
46
modo implacável os que faltarem com seus deveres e falharem na condição
paterna e materna, dada a sua importância para os indefesos.
Os deveres impostos aos pais, por lei, são tão vastos que não se esgotam
apenas no suprimento das necessidades materiais dos filhos, mas, também, e
com muito mais intensidade, no suprimento de bens espirituais, como a
formação ética, a educação, o cuidado para evitar os perigos e riscos de
natureza material e psíquica.
Em razão disso, este instituto tornou-se um dos mais visados pelo poder
público, cujas sanções acarretam graves conseqüências civis e penais para os
pais faltosos. Uma vez que o poder familiar constitui um encargo público, o
Estado, no seu controle, menciona os casos legais em que o titular deve ser
privado do seu exercício, temporariamente ou definitivamente.52
O Código Civil brasileiro estabelece as sanções nos artigos 1.637,
caput, parágrafo único, e 1.63853, ao determinar que, se o pai abusar da sua
autoridade ou faltar aos deveres a ele impostos, como deixar o filho na
vadiagem ou no abandono, maus tratos, falta de cuidados, privação de
alimentos, o juiz pode determinar, através de uma sentença, a suspensão ou a
52. Orlando Gomes. Direito de família, cit., p.421.53. “Art. 1637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou
arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar amedida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poderfamiliar, quando convenha”.Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados porsentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão”.“Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:I- castigar imoderadamente o filho;II-deixar o filho em abandono;III-praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;IV- Incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente”.
47
perda do poder familiar, cujo procedimento está disciplinado na Lei 8.069/90,
nos artigos 155 a 163, 148, parágrafo único, “b”, e 201 do Código Civil54.
PONTES DE MIRANDA55 leciona que, na apreciação das
circunstâncias, é importante a idade e o grau de desenvolvimento intelectual
da criança. Pode-se deduzir, portanto, que o juiz, mesmo nos casos em que a
lei determina a suspensão, se for uma criança excepcional profunda e severa,
cujo pai descure da educação e da criação, não lhe dando a medicação devida,
poderá sofrer uma sanção mais grave, como a perda e não a suspensão do
poder familiar. Pai que não tem em companhia o filho, que não o guarda,
mesmo que não o abandone, mas o deixe entregue a si mesmo, sem
fiscalização, sem vigilância, poderá, dependendo do seu desenvolvimento
mental, perder o exercício e não ser apenas suspenso56.
O Estado mantém um poder controlador tão forte sobre o exercício do
poder familiar, que as sanções civis, de perda e suspensão, estão em
consonância com o direito penal. O legislador penal estabeleceu, no título VII
do Capítulo III, os crimes contra a assistência familiar, e nos artigos 248 e
249, os atinentes ao poder familiar, tutela e curatela.
Não é raro ver-se em noticiários o abandono do filho pelo pai, mãe ou
por ambos. Quando se trata, então, de deficientes mentais profundos nos deixa
de tal modo estarrecidos que, não raramente, é de se questionar se esses pais
são verdadeiros humanos. É comum, ainda, ouvirem-se notícias de maus
tratos sofridos pelos amentais por parte de seus genitores inescrupulosos, que
54. Arnold Wald. O Novo direito de família, 12ª.ed., Revista dos Tribunais,São Paulo, 1999 p.198.55. Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, cit., p.159.
48
lhes têm a guarda, ou pelas instituições onde se encontram internados, pondo
em perigo a saúde e a vida dessas pessoas indefesas.
Embora o Estado não fiscalize o poder familiar, como o faz com a tutela
e a curatela, pois há presunção de que os pais, em razão do laço afetivo natural
que os une aos filhos, são incapazes de cometer tais barbaridades, a qualquer
denúncia feita por parentes, amigos ou vizinhos, sobre fatos desta natureza, o
Ministério Público adotará medidas que lhe pareçam mais convenientes à
segurança do menor e seus haveres, para suspender ou destituir, conforme a
gravidade do caso, o poder familiar57.
Ao lado das obrigações dos pais, em relação à pessoa do filho, está a de
gerir bem o patrimônio do menor. O Estado incumbe aos pais, em igualdade
de condições, de acordo com o artigo 1.689, II, do Código Civil, o dever de
administrar os bens dos filhos sob sua autoridade e representá-los até os 16
anos nos atos da vida civil (art. 1.634 V).
Enquanto que o poder de representar é mais amplo, porque implica a
celebração pelos pais, em nome e por conta do filho, de todos os negócios que
lhe interessem, como o dever de em seu lugar comparecer em juízo, na
condição de demandado, o poder de administrar é mais restrito, ao se limitar à
administração ordinária dos bens, sem, contudo, facultar a livre prática de
atos extraordinários, como a hipoteca de bens, penhor e mútuos. A realização
de tais atos exige a anuência do juiz, que não autoriza dispor dos bens se não
for exclusivamente por necessidade ou utilidade evidente do filho.
56. Pontes de Miranda. Tratado de direito privado,cit., p. 159.57. Diniz, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito de Família, v.5, cit. p.523.
49
Nessa função, os pais devem ter, como qualquer administrador de bens
alheios, a devida diligência, prestar contas e assumir responsabilidades58.
Numa relação paterno-filial pode haver conflito de interesses, pois o
filho, embora menor, mesmo sem a capacidade de direito, possui vontade.
Numa relação em que ao filho falte o elemento volitivo, no caso dos
deficientes mentais, o conflito pode surgir apenas entre os pais, e estes agem
ou no interesse do filho ou no seu próprio. Essas hipóteses, em que há também
o controle do Estado, motivam a perda ou suspensão do poder familiar. O
controle deste é tão intenso que o legislador permitiu, no art. 1.733, parágrafo
segundo, do Código Civil, a quem instituir herdeiro menor, o poder de nomear
um curador especial para administrar os bens transmitidos. Assim se dá para
atender ao interesse do menor a quem o terceiro deixaria seus bens, mas que
não fossem administrados por um pai inapto e negligente59. Percebe-se que a
lei possibilitou, inclusive, a fiscalização de atos praticados pelos pais, por
terceiros, e também o poder de impor sanção ao pai inescrupuloso ao nomear
curador especial para os bens deixados.
Ao lado dos fatores excludentes do poder familiar, em razão de decisão
judicial, como sanção, o mesmo também se extingue por fatores naturais,
como a morte dos pais ou do filho menor, art. 1.635, incisos I,II, ou legais,
como a maioridade, emancipação e adoção, art. 1.635, incisos II, III e IV. O
filho emancipado, no direito pátrio, torna-se equiparado ao maior, isto é, ao
plenamente capaz para todos os atos da vida civil, no que difere dos direitos
58. Ruggiero. Instituciones de derecho civil, cit., p.235.59. Ruggiero. Instituciones de derecho civil,cit. p.236.
50
espanhol e belga, em que a emancipação do menor é limitada. No primeiro, o
artigo 32360 determina que o emancipado não poderá, até completar a
maioridade, tomar dinheiro emprestado, gravar ou alienar bens imóveis e
estabelecimentos mercantis ou industriais ou objetos de grande valor, sem o
consentimento de seus pais, e, na falta de ambos, de seu curador.
No direito belga a limitação se encontra nos artigos 481 e 48261:
“Article 481. Le mineur émancipé passera les baux dont la durée
n'excédera point neuf ans; il recevra ses revenus, en donnera
décharge, et fera tous les actes qui ne sont que de pure
administration, sans être restituable contre ces actes dans tous
les cas où le majeur ne le serait pas lui-même.
Article 482. Il ne pourra intenter une action immobilière, ni y
défendre, même recevoir et donner décharge d'un capital
mobilier, sans l'assistance de son curateur, qui, au dernier cas,
surveillera l'emploi du capital reçu”.
Percebe-se, pelos motivos que os artigos referentes à perda e suspensão
do poder familiar enumeram e pela fiscalização efetiva que o Estado a ele
imprime, que é o instituto que dá melhor proteção ao menor e maior deficiente
60. “Art. 323. La emancipación habilita al menor para regir su persona y biens como si fuera mayor, pero
hasta que llegue a la mayor edad no podrá el emancipado tomar dinero a préstamo, gravar o enajenarbienes inmuebles y establecimientos mercantiles o industriales u objetos de extraordinário valor sinconsentimiento de sus padres y, a falta de ambos, sin el de su curador”.
61. “Artigo 481. O menor emancipado poderá alugar, onde a duração não exceda de nove anos; elereceberá seus rendimentos, poderá liberar encargos e fazer todos os atos de pura administração. Nãoserá restituído contra esses atos em todos os casos onde o maior também não seria” ( tradução livre).Art. 482. Ele não poderá ajuizar uma ação imobiliária nem defender-se dela nem receber e dispensarencargo de capital mobiliário sem assistência de seu curador, que nesse caso, supervisionará o empregode capital recebido. (tradução livre).
51
intelectual, só podendo ser substituído pela tutela na falta dos pais ou sendo
estes destituídos do múnus.
Como se vê, o Estado, através dos pesados encargos e punições
atribuídos aos pais que descuram de suas funções, já protege suficientemente
os que nunca atingirão a maioridade de direito e de fato. Acredita-se, portanto,
não haver necessidade de criação de um novo instituto para os amentais.
Assinalada a importância do poder familiar, passemos a distinguir a
quem pertence a titularidade e o exercício do mesmo.
1.1.4. TITULARIDADE E EXERCÍCIO DO PODER FAMILIAR
Faz-se necessária uma distinção entre os termos titularidade e exercício
para que possamos analisá-los, não só dentro do instituto do poder familiar,
mas também da curatela. Segundo PLÁCIDO E SILVA62, titular, palavra
originária do latim, tem dupla significação. Ora se apresenta no sentido amplo,
isto é, todo aquele que possui um título sobre alguma coisa, como, por
exemplo, o título de médico ou advogado, ora em sentido especial e
tecnicamente jurídico, como sujeito ativo de um direito ou credor de uma
obrigação, deferida por lei, sendo que alguém pode ter a titularidade sem o
exercício.
No instituto do poder familiar, a lei estabelece que os pais têm,
conjuntamente, a titularidade e o exercício do encargo público. É o que dispõe
52
o artigo 1.631, parágrafo único, do Código Civil: “Durante o casamento e a
união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de
um deles, o outro o exercerá com exclusividade”. No artigo em questão,
conforme mandamento constitucional do art. 226, parágrafo 5º, já não se fala
mais em competências diferenciadas em razão do sexo, porque o poder
familiar, em obediência ao art.1º, inciso III, da Constituição Federal,
fundamentado na dignidade da pessoa humana, sempre será exercido em
benefício dos filhos, de acordo com a personalidade e deficiências. Portanto,
qualquer dos titulares indicados no artigo 1.631 do Código Civil poderá
recorrer ao poder judiciário quando houver uma tomada de decisão sem o
consentimento tácito do outro cônjuge.
MARIA HELENA DINIZ 63 doutrina, assim como já mencionado supra,
que o Estado, no controle do poder familiar, poderá autorizar a suspensão
temporária do seu exercício, caso entenda que o comportamento de seus
titulares esteja prejudicando o desenvolvimento do filho. Entretanto,
desaparecendo a causa que der origem à sanção, os pais, ou qualquer um
deles, podem voltar a exercer a função porque o que se perdeu, no caso, foi o
exercício e não a titularidade. Esta persiste e só se extingue nos casos
arrolados por lei. Quando a guarda do filho couber somente a um deles, caso
de impedimento, os cônjuges continuam seus titulares, mas como o filho está
na companhia do pai ou da mãe, o exercício do poder familiar permanece com
aquele que possui a guarda64. O genitor visitante continua na titularidade do
poder familiar, mas não no exercício.
62. De Plácido e Silva. Vocabulário jurídico, ed.12, Forense. São Paulo, v. IV, p. 377 e v.II, p. 245.63. Diniz, Maria Helena. Curso de direito civil, v. 5, cit. p. 523.
53
Segundo o artigo 1.589 do Código Civil, o pai ou a mãe que não tem a
guarda dos filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que
acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua
manutenção e educação. Somente na guarda compartilhada, já mencionada
nesta tese, é que o exercício será conjunto. A perda da titularidade do poder
familiar somente se dará nos casos arrolados no art. 1.635 do Código Civil,
sendo, em regra, permanente. Contudo, sem perder de vista que “a idéia
predominante em matéria de assistência, proteção, salvaguarda, defesa dos
menores é do interesse destes”, todas as decisões judiciais para suspensão e
perda do poder familiar podem ser revogadas65. O magistrado, ao entender que
o genitor faltoso regenerou, que desapareceu a causa que deu origem à
destituição e que seu retorno não será prejudicial ao menor, pode, mediante
processo judicial de caráter contencioso, retornar à sua função.
Ao analisar-se a questão da titularidade dentro do instituto da curatela,
observa-se que o pai ou a mãe, caso estejam vivos e não tenham decaído do
poder familiar, de acordo com o artigo 1.775, parágrafo primeiro, do Código
Civil 66, serão os preferidos para exercer a curatela sobre o filho deficiente
intelectual congênito e profundo, porque não há que se falar, nesse caso, em
cônjuge ou companheiro.
De acordo com o parágrafo primeiro do artigo em questão, somente um
dos pais terá a titularidade da curatela, embora o exercício possa ser de ambos.
Percebe-se, de pronto, uma quebra desnecessária do encargo. No poder
64. Orlando Gomes. Direito de família, cit. p.415.65. Caio Mário Silva Pereira. Instituições de direito civil, cit., p.249.66. “Art. 1.775, parágrafo primeiro. Na falta do cônjuge ou companheiro, é curador legítimo o pai ou a
mãe; na falta destes, o descendente que se mostrar mais apto”.
54
familiar, a titularidade e o exercício pertenciam a ambos, o que entendemos
não mais ocorrer com a transmutação para outro regime. Mesmo sabendo que
o exercício é de ambos, por força do artigo 226, §5º, da Constituição Federal,
a titularidade pertence somente àquele que o juiz nomeou no processo de
interdição. O outro cônjuge, além de perder a titularidade do poder familiar,
pois o artigo 1.635 determina sua extinção com a maioridade do filho, ainda
não terá o múnus da curadoria, podendo vir a criar controvérsias familiares.
Afinal, o deficiente intelectual irá conviver com os pais até a sua morte ou a
de um deles.
Caso o instituto do poder familiar fosse prorrogado, como no direito
alienígena, que passaremos a analisar mais adiante, evitar-se-ia o rompimento
do liame desnecessariamente. Para tanto, apresentar-se-ão soluções
encontradas no direito comparado, no campo do direito de família, mais
especificamente nos institutos que visam proteger o deficiente intelectual de
maneira mais eficaz.
1.1.5.PRORROGAÇÃO E REABILITAÇÃO DO PODER FAMILIAR NO
DIREITO COMPARADO
O poder familiar, no direito alienígena, como no direito pátrio, também
é um instituto de proteção, assistência, cuidado e educação do menor, com o
intuito de suprir sua incapacidade.
Em quase todos os ordenamentos jurídicos vigentes, o poder familiar
tem experimentado uma modificação significativa. No que tange à natureza
jurídica, deixou de ser um direito absoluto do pai para configurar-se,
55
hodiernamente, um conjunto de poderes dirigidos aos genitores no
cumprimento de deveres e obrigações que a lei lhes impõe.
O tratamento que diversas legislações dispensam ao poder familiar
demonstra que, cada vez mais, há uma preocupação crescente em incorporar
os princípios retores do direito natural, dos direitos humanos, e da Convenção
dos Direitos da Criança na elaboração de leis referentes a esse instituto,
sempre com o escopo de aumentar a responsabilidade e os laços afetivos que
unem pais e filhos.
Muitos ordenamentos jurídicos, inclusive o nosso, têm entendido que,
com a chegada da maioridade, não há rompimento total da relação entre pais e
filhos porque, os que são adultos por lei continuam, muitas vezes, passando
dificuldades pessoais e não conseguem adquirir autonomia social. Previram,
pois, mecanismos de acompanhamento para além da maioridade, mesmo para
filhos que já têm a plena capacidade civil, haja vista a obrigação de alimentos
prevista no art. 1.69467, do nosso Código Civil.
Em sintonia com o direito positivo, o Tribunal de Justiça de Alagoas
entendeu que “o dever do genitor em prestar alimentos à sua prole cessa
quando os filhos atingem a maioridade, salvo quando estes forem portadores
de deficiência física ou mental ou, ainda, freqüentarem curso universitário.
Não há que negar em caráter excepcional o manter-se a pensão alimentícia,
como também ao filho que atinge a maioridade e, comprovadamente necessita
67. “Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que
necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social para atender as necessidades desua educação”.
56
de pensão para custear seu curso universitário, constituindo uma exceção da
prorrogação alimentar dos pais, após a extinção do pátrio poder”68.
O direito alienígena, em relação ao poder familiar, fez e tem feito
contínuas revoluções legislativas, criando um novo marco jurídico nas
relações paterno-filiais. As modificações legais surgidas no âmbito do direito
espanhol mostram não haver dúvidas de que, quando se trata de relações entre
pais e filhos, há sempre um interesse superior do menor e do maior
incapacitado, visto serem estes equiparados àqueles, de conformidade com o
artigo 171 do CC espanhol69.
A lei espanhola de 13 de maio de 1.981 promoveu uma das inovações
mais expressivas, porque modificou o Código Civil no âmbito do direito de
família, ao introduzir, no artigo 171, a prorrogação e reabilitação do poder
familiar, figuras desconhecidas no direito histórico e pátrio, tendo apenas
como antecedentes o caráter permanente do “pater familia” do direito romano
e a “Minorité prolongée” do direito belga, que será desenvolvida mais
adiante.
Em razão desse interesse superior do menor e do maior deficiente
intelectual, e da importância dada à família, é que a legislação espanhola
prorrogou a “patria potestad” para além da maioridade, em se tratando de
deficientes intelectuais ou físicos. Caso uma pessoa venha a sofrer de
68. RT 752/275. No mesmo sentido: RT 774/333 e RT 725/227.69. Art. 171. “La patria potestad sobre los hijos que hubieran sido incapacitados quedará prorrogada, por
ministerio de la Ley al llegar aquéllos a la mayor de edad. Si el hijo mayor de edad soltero que viviere encompañía de sus padres o de cualquiera de ellos fuere incapacitado, se rehabilitará la patria potestad,que será ejercida por quien correspondiere si el hijo fuera menor de edad. La patria potestadprorrogada en cualquiera de estas dos formas se ejercerá con sujeción a lo especialmente dispuesto enla resolución de incapacitación y, subsidiariamente, en las reglas del presente título”.
57
enfermidade de caráter físico ou psíquico, como as assinaladas no art. 20070 do
Código Civil espanhol - ficando impedida de governar-se e havendo previsão
de que essa anomalia persistirá após atingir a maioridade, como estatui o art.
201, a prorrogação do poder familiar se dará de pleno direito, segundo o artigo
171, desde que os pais não estejam privados da “patria potestad”. É
necessário, entretanto, que, antes de atingir a maioridade, se obtenha a
sentença de declaração de incapacidade, de acordo com os artigos 200 e 201
do Código Civil espanhol.
JERÓNIMO LÓPEZ PÉREZ doutrina que71:
“Si en la patria potestad ordinaria no es necesaria ninguna
particular declaración judicial para su constitución, pues la
misma se produce por la circunstancia del hecho de la
paternidad en relación con el hijo menor, ello de acuerdo con su
fundamentación natural sin perjuicio de su reconocimiento por el
Derecho, sin embargo por lo que se refiere a la prórroga de la
patria potestad, como sucede en la tutela, básicamente es el
Estado quien las crea. Para tenerse que aceptar asimismo que la
patria potestad es la institución principal derivada del Derecho
natural, mientras que la tutela o guarda, y diríamos incluso que
la prórroga de la patria potestad, ante la presunción de validez
en principio del mayor de edad, para desenvolverse por si mismo,
son instituciones secundarias o subsidiarias”.
70. Art. 200 do Código Civil espanhol: “Son causas de incapacitación las enfermedades o deficiencias
persistentes de carácter físico o psíquico que impidan a la persona gobernarse por si misma”.71. López Pérez, Jerónimo. Prórroga y rehabilitación de la patria potestad, Jose Maria Bosch EDITOR,
S.A, Barcelona, 1ª ed.,1992, p. 33.
58
Assim, ao chegar à idade de 18 anos, o poder familiar ficará
automaticamente prorrogado, embora não em caráter obrigatório, cabendo ao
magistrado determinar a extensão e o alcance da resolução que declarou a
incapacidade. É o que estatui o artigo 210 do Código Civil72.
O direito espanhol previu, ainda, no artigo 171 do CC, a “patria
potestad” reabilitada para os que adquiriram a deficiência física ou mental
após atingir a maioridade. Para estes casos, os requisitos são mais amplos: é
necessário que o incapacitado seja solteiro pressupondo que nunca tenha
contraído matrimônio, nem canônico nem civil, onde, se tiver separado ou
divorciado, não haverá a reabilitação. Se o casamento for nulo poderá
requerer73.
MARTA CHIMENO, entretanto, entende que não se procederá a
“patria potestad prorrogada” se o filho se tornou emancipado pelo
matrimônio, mesmo que esse seja posteriormente declarado nulo e tenha tido
filhos. Caso seja maior, é necessário que viva em companhia dos pais ou de
qualquer um deles74. Embora o art. 171 exija esta convivência, a doutrina
espanhola está dividida entre os que entendem que a convivência precisa ser
de fato, e os que defendem que o conceito tem que ser interpretado de uma
forma ampla e flexível, considerando que a convivência não se rompe se o
72. “ Art. 210. La sentencia que declare la incapacitación determinará la extensión y los límites de ésta, así
como el régimen de tutela o guarda a que haya de quedar sometido el incapacitado”.73. López Pérez, Jerônimo. Prórroga y rehabilitación de la patria potestad, cit. p. 70.74. “Si el demandado es menor de edad sometido a patria potestad, su incapacitación implicará
obligatoriamente la prórroga de la patria potestad. Esta institución no procederá cuando el hijo hayasido emancipado por haber contraído matrimonio, al ser ésta una causa de extinción de la patriapotestad, aunque el matrimonio se declare posteriormente nulo, o sea disuelto, artículo 169.2 CódigoCivil”, Chimeno Cano, Marta, Incapacitación, tutela e internamiento del enfermo mental, EditorialAranzadi, ed.2., Navarra, p. 91.
59
filho está internado em uma instituição, já que o mais importante não é tanto o
lugar onde se encontra o incapaz, mas a atenção, o cuidado e vigilância dos
pais para com o filho, sendo a “ratio legis” da instituição, preferir a “patria
potestad”, cuja norma está inspirada num princípio de confiança, enquanto a
tutela com controle baseado na desconfiança, pois, na realidade, os pais é que,
pela lei natural, cuidam dos filhos75.
Apesar de as duas instituições operarem “ope legis”, e, segundo a
doutrina76, não ser necessário estabelecê-las na sentença, a lei não as impõe
aos titulares da “patria potestad” e tutela porque, de acordo com o artigo 205
do Código Civil, os pais e tutores necessitam, para tanto, solicitar,
anteriormente, a declaração de incapacidade do menor.
No mesmo sentido, a reabilitação. O cônjuge ou descendente são os que
estão legalmente autorizados a promover a declaração de incapacidade. Se o
pedido for a reabilitação, só são legitimados os que a promoveram, conforme
inteligência do artigo 202 e 204 do CC espanhol77.
Caso os pais do deficiente intelectual tenham falecido, e este esteja sob
tutela, de acordo com o dispositivo 278 do CC78, a tutela é que será
prorrogada.
75. López Pérez, J. Prorroga y rehabilitación de la patria potestad, cit. p.70 a 72 y O’Callaghan Muñoz, X,
La incapacitación, en Actualidad Civil número 1 de 1985, p. 15 y 16.76. Heredia Ponte, Mercedes y Fábrega Ruiz, Cristóbal, Protección legal de incapaces, Ed. Colex, 1998,
Madrid, p.29/31.77. Sancho Rebullida, Francisco de Assis – Comentários do Código Civil, Tomo XXXVI, V. 1º. Edersa. Ley
67.78. “Art.278. Continuará el tutor en el ejercicio de su cargo si el menor sujeto a tutela hubiese sido
incapacitado antes de la mayoría de edad, conforme a lo dispuesto en la sentencia de incapacitación”.
60
O legislador ainda atribuiu, no art. 172.279, à autoridade judicial – dada
a idade, caso de senilidade, a situação pessoal e social dos pais e o grau de
deficiência do filho – o poder de não prorrogar a “patria potestad” e tampouco
reabilitá-la, mas determinar sua substituição pela tutela ou pela curatela.
As figuras da “patria potestad” prorrogada ou reabilitada têm sido
muito bem recebidas pela doutrina espanhola, como já dito, por basear-se a
tutela na desconfiança, enquanto que a “patria potestad” na confiança80.
Assim como no direito espanhol, o Código de Família de El Salvador,
no artigo 24581, e do Panamá, art. 34882, também previram o poder familiar
prorrogado para os filhos incapacitados por anomalias graves e alterações
mentais profundas. Nestas prorrogações se subentende que os deveres de
79. “Art. 172.2. Cuando los padres o tutores, por circunstancias graves, no puedan cuidar al menor, podrán
solicitar de la entidad pública competente em este asunto su guarda durante el tiempo necesario”.80. Heredia Ponte, Mercedes y Fábrega Ruiz, Cristóbal, Protección legal de incapaces, cit., p. 16:
“Si bien tras la promulgación de la Ley Orgánica 1/1996 de 15 de enero de Protección Jurídica delMenor esta afirmación no sea tan exacta. Late en la misma una clara desconfianza hacia los padres,como si lo normal fuera el ejercicio incorrecto de su deber y no el correcto, sometiéndolos al control delos poderes públicos, que al parecer merecen mayor confianza, lo que para Gullón es mas propio de un‘estado totalitario’. Si bien no creemos que la ley nos lleve a dichos extremos, si es cierto que no es lamejor solución el acrecentar la intervención pública, ya que muchos de los elementos a valorar en estostemas difícilmente se pueden ponderar en una actuaciones incorrectas, pero no encorsetar la labortuitiva de padres y tutores”.
81. Decreto N. 677/94: “Art. 245. No obstante lo dispuesto en la causa 4º del artículo 239 de este Código, laautoridad parental quedará prorrogada por ministerio de ley, si el hijo por motivo de enfermedadhubiere declarado incapaz antes de llegar a su mayoría edad.La autoridad parental se restablecerá sobre el hijo mayor de edad incapaz, que non hubiere fundado unafamilia.La autoridad parental prorrogada o restablecida, será ejercida por los padres e quienes corresponderíasi el hijo fuere menor de edad, y se extinguirá, perderá o suspenderá por lãs causas establecidas en estecapítulo, en lo aplicable”.
82. Ley 17 de mayo de 94. “Artículo 348. La patria potestad con relación a los hijos o hijas que hayan sidoincapacitados por deficiencias o anomalía físicas o psíquicas profundas, quedará prorrogada porministerio de la ley al llegar a la mayoría de edad.Si el hijo mayor de edad, que está en compañía de sus padres o de cualquiera de elle, fuere incapacitadopor alguna de las causas indicadas, no se constituirá la tutela, sino que se rehabilitará la patriapotestad, que será ejercida por aquel a quien le correspondiese, si el hijo o hija fuese menor de edad.La patria potestad prorrogada en cualquiera de estas dos formas, se ejercerá con sujeción a loespecialmente dispuesto en la resolución de incapacitación y conforme a las reglas del presenteCódigo”.
61
educar, fornecer alimentos, de convivência e de formação integral subsistem,
depois da maioridade, em benefício do filho que não se acha em condições de
exercer seus direitos com plena capacidade.
O direito belga, como o direito espanhol, também prorrogou o poder
familiar, criando, entretanto, um instituto específico para esses casos: o
Instituto da Menoridade Prolongada.
Foi introduzido no direito belga pela Lei de 29 de junho de 197383:
“Article 487bis. Le mineur dont il est établi qu'en raison de son
arriération mentale grave, il est et paraît devoir rester incapable
de gouverner sa personne et d'administrer ses biens, peut être
placé sous statut de minorité prolongée.
Par arriération mentale grave, il faut entendre un état de
déficience mentale congénitale ou ayant débuté au cours de la
petite enfance, caractérisé par un manque de développement de
l'ensemble des facultés intellectuelles, affectives et volitives.
La même mesure peut être prise à l'égard d'un majeur dont il est
établi qu'il se trouvait durant sa minorité dans les conditions
prévues aux alinéas précédents”.
83. Código Civil belga - Artigo 487bis:
O menor ao qual foi estabelecido que, em razão de deficiência mental grave parece ficar incapaz degovernar sua pessoa e administrar seus bens, poderá ser colocado sob o estatuto da menoridadeprolongada.Por deficiência mental grave se entende um estado de deficiência congênita, ou que surgiu no curso daprimeira infância, caracterizada por falta de desenvolvimento das faculdades intelectuais, afetivas evolitivas.A mesma medida pode ser aplicada ao maior que se encontrava, durante sua menoridade, nas condiçõesprevistas nas alíneas precedentes.
62
É um regime que tem o mesmo fundamento da “patria potestad”
prorrogada do direito espanhol porque permite aos pais que possuam filhos
com retraso mental congênito ou adquirido na primeira infância, exercerem
função análoga à do poder familiar, quando seus filhos atingirem a
maioridade, com o propósito de evitar a interdição judiciária, um instituto
considerado extremamente penoso e custoso para os pais.
Nos termos do artigo supra citado, poder-se-á colocar sob o estatuto da
menoridade prolongada o menor que, em razão de sua deficiência mental
grave, seja incapaz de governar sua pessoa e administrar seus bens, e o maior
que durante sua menoridade se encontrava nessas mesmas condições, ou em
face de alguém que já se encontrava interditado. Nesse caso, há a substituição
da interdição pelo novo instituto. No direito belga, não há o instituto da
reabilitação, como no direito espanhol.
O conceito de retraso mental se encontra no segundo parágrafo do artigo
487 bis do Código Civil belga. Entende-se como um estado de deficiência
congênita, ou iniciado na primeira infância, caracterizado por uma falta de
desenvolvimento do conjunto das faculdades intelectuais, afetivas e de
vontade. O regime se aplica às pessoas atingidas por deficiência mental grave,
precoce, irreversível e permanente. São excluídos desse regime os
incapacitados mentais leves, as pessoas atingidas por problemas com
características psicóticas, aquelas deficiências mentais as quais não são
manifestadas senão após a pequena infância, qualquer que seja sua origem e
gravidade. O art. 487 bis, entretanto, não determina, precisamente, até que
63
idade vai a primeira infância. Acredita-se ser a idade em que a criança começa
a correr e fica mais propensa a quedas e seqüelas mais profundas84.
Quanto à capacidade do que se encontra sob o regime de “minorité
prolongée”, o parágrafo quarto do artigo 487 bis, determina que é semelhante
à de um menor de 15 anos85:
“Article 487bis
Celui qui se trouve sous statut de minorité prolongée est, quant à
sa personne et à ses biens, assimilé à un mineur de moins de
quinze ans”.
A este respeito afirma RIGAUX86 que a pessoa que se encontra sob esse
regime não pode ser emancipada, ser tutor nem adotar. Quanto aos pais que
possuem filhos sob este estatuto, conservam a administração dos bens dos
filhos e também o usufruto legal.
Há que se destacar, entretanto, algumas diferenças entre a menoridade
prolongada do direito belga e a prorrogação do poder familiar no direito
espanhol.
a) O regime belga se aplica apenas aos deficientes mentais graves e
congênitos ou àqueles nos quais a deficiência tenha surgido na
84. Regimes de Protection des Incapables Majeurs en Droit Belge, Sandra Courcernet-Centre de Droit Privé
Fondamental. France. http:// www-cdpf u-strasbg.fr.85. Art. 487 bis, parágrafo quarto: Aquele que se encontra sob o estatuto da menoridade prolongada é,
quanto à sua pessoa e a seus bens equiparado a um menor de quinze anos. ( tradução livre).86. Rigaux, F., Les persones,T.I, Les relations familiales, puesta al dia en julio de 1978, con la colaboración
de M.T., Meulder-Klein, 1982, apud J.López Pérez, cit.p.18.
64
primeira infância, com a característica de falta de desenvolvimento
do conjunto das faculdades intelectuais, afetivas e volitivas,
enquanto que no direito espanhol sua aplicação é mais ampla, ao
incluir como causa de incapacidade, e estar sob este regime, as
enfermidades físicas. O fundamento é a impossibilidade de o
deficiente exercer, por si só, os atos jurídicos.
b) No direito belga só pode ser requerida a inclusão no regime, se a
deficiência se der durante a menoridade, ou na maioridade, mas com
início na menoridade, segundo o que dispõe o artigo 487 bis
primeiro, segundo e terceiro parágrafos , como já mencionado retro.
O direito espanhol previu a incapacidade também na maioridade,
criando para esses casos o regime da reabilitação da “patria
potestad”.
c) No direito espanhol não há a mesma determinação do parágrafo
quarto do artigo 487 bis do Código Civil belga, onde, aquele que se
encontra sob o regime do estatuto especial se assemelha a um menor
de 15 anos, porque aquele que está sob a “patria potestad”
prorrogada é semelhante àquele que está sob a “patria potestad”
ordinária, isto é, abaixo de 18 anos.
Os que não se encontram sob o Estatuto da Menoridade Prolongada são
colocados sob tutela através do procedimento da interdição judiciária, um
regime normal e obrigatório de proteção aos maiores incapazes. O artigo 489
do Código Civil belga estabelece que, os que se encontram num estado de
65
imbecilidade ou de demência, são protegidos pelos efeitos de seus atos em
face de terceiros pouco escrupulosos. Nestes casos, devem ser colocados sob
tutela e passar pelo processo de interdição87:
“Article 489. Le majeur qui est dans un état habituel d'imbécillité
ou de démence, doit être interdit même lorsque cet état présente
des intervalles lucides”.
Tal como no direito belga o Código Civil suíço estabelece no artigo
385, parágrafo terceiro, que os filhos maiores incapazes ficarão submetidos à
“autorité parentale”, em lugar da tutela, mandamento que entrou em vigor a
1º de janeiro de 1978, segundo a Lei de 25 de junho de 197688.
No direito civil alemão, não como prorrogação do poder familiar, os
pais continuam os negócios do filho relativos à sua pessoa ou a seus bens,
mesmo após o término da função, até que eles possam fazê-lo com segurança.
Do mesmo modo, após o falecimento do filho, os pais continuam a gestão até
que o herdeiro possa tomar frente do cargo89.
Como se vê, o direito belga e o espanhol, bem como outros
ordenamentos jurídicos, preocupados com o deficiente intelectual profundo,
procuraram minimizar o sofrimento dessas pessoas extremamente vulneráveis,
contribuindo com uma nova visão para a problemática jurídica dos maiores
amentais.
87. Vieujean, E., La minorité prolongé, apud López Pérez, cit., p. 20.88. Art. 385.3. “Les enfant majeurs interdits son, dans la règle, placés sous autorité parentale au lieu mis
sous tutelle”, apud López Pérez.J, cit. 22.89. Parágrafo 1698 a) e 1698 b) do BGB, López Perez, J, Prórroga e rehabilitación de la patria potestad,cit.,
66
Passará a ser analisado, a seguir, o término da “patria potestad”
prorrogada do direito espanhol, que, por sua peculiaridade, não tem os
mesmos requisitos da extinção da “patria potestad” ordinária.
1.1.6. EXTINÇÃO DA “PATRIA POTESTAD” PRORROGADA
O Código Civil espanhol estabelece, no artigo 171, parágrafo 2. que:
“La patria potestad prorrogada terminará:
1º. Por la muerte o declaración de fallecimiento de ambos padres
o del hijo.
2º. Por la adopción del hijo.
3º. Por haberse declarado la cesación de la incapacidad.
4º. Por haber contraído matrimonio el incapacitado.
Si al cesar la patria potestad prorrogada subsistiere el estado de
incapacitación, se constituirá la tutela o curatela, según
proceda”.
Embora os institutos da “patria potestad” ordinária e prorrogada sejam
semelhantes90, com os mesmos direitos e obrigações para quem os exerce, não
procede admitir, em alguns pontos, as mesmas causas de extinção, nem
mesmo serem regidos pelos mesmos critérios. A emancipação, por exemplo,
p. 21.
90. “Art. 169. La patria potestad se acaba:1º. Por la muerte o la declaración de fallecimiento de los padres o del hijo2º. Por la emancipación
67
que se adquire pela maioridade, segundo o dispositivo do art. 314.1, causa da
extinção da “patria potestad” ordinária, não poderá ser a mesma causa da
extinção da “patria potestad” prorrogada pelo fato de a maioridade ser o
principal requisito para a colocação nesse regime91.
A morte, ou declaração de falecimento, de ambas as partes ou do filho,
é apontada como causa primeira do artigo 171. Esta regra não apresenta
nenhuma problemática e corresponde à primeira causa da extinção da “patria
potestad” ordinária. Se o falecimento é somente de um dos pais, o
sobrevivente a exercerá com exclusividade, independentemente se o marido
ou mulher venha a contrair novas núpcias, porque, de acordo com o artigo 66
do Código Civil espanhol92, o marido e a mulher são iguais em direitos e
deveres. Caso o declarado falecido reapareça, se normalizará o exercício da
“patria potestad”, com recuperação da mesma. Entretanto, quando se trata de
recuperação nos casos de declaração de falecimento, é preciso uma análise
mais profunda, por se tratar de destituição, suspensão e extinção da “patria
potestad”93.
Na cessação da “patria potestad” ordinária, o artigo 170 dispõe que:
“Art. 170. El padre o la madre podrán ser privados total o
parcialmente de su potestad por sentencia fundada en el
incumplimiento de los deberes inherentes a la misma o dictada
en causa criminal o matrimonial”.
3º. Por la adopción del hijo”.
91. López Pérez. Jerónimo. Prórroga y rehabilitación de la patria potestad, cit. p. 128.92. “Art. 66. Los cónyuges son iguales en derechos e deberes”.93. López Pérez, Jerónimo. Prórroga y rehabilitación de patria potestad. Cit. 129.
68
Nas situações previstas no artigo 170, embora não estejam inseridas no
art. 171, acredita-se que o pai ou a mãe poderão ser privados ou suspensos do
poder familiar pelo não cumprimento dos deveres inerentes ao mesmo ou por
causa criminal ou matrimonial94, já que o final do primeiro parágrafo do artigo
171 consigna que “La patria potestad prorrogada en cualquiera de estas dos
formas”, isto é, prorrogada e reabilitada, “se ejercerá com sujeción a lo
especialmente dispuesto en la resolución de incapacitación y,
subsidiariamente, en las reglas del presente Título”. O artigo 170 está
incluído no título referido.
No direito pátrio, há penas mais graves para os pais que castigam
imoderadamente o filho, abandonam-no material e moralmente, praticam atos
promíscuos e inadequados aos bons costumes. Para esses casos, há a
destituição do poder familiar, extrema penalidade. Os amentais, quando são
tratados por pais ou tutores com dureza excessiva, violência física, psicológica
e excesso de autoridade, sofrem sem poder se manifestar. É necessário que
haja denúncia de vizinhos ou parentes, porque, impedidos de denunciar seus
pais, em razão da fragilidade e impotência, passam anos a fio sem que
nenhuma autoridade tome conhecimento dos abusos. Em razão disso, quando
a vítima for um amental é que algumas causas de suspensão devem ser
transformadas em causas de destituição do poder familiar.
94. “Art. 111. 1. Quedará excluido de la patria potestad y demás funciones tuitivas y no ostentará derechospor ministerio de la Ley respecto del hijo o de sus descendientes, o en sus herencias, el progenitor:1º. Cuando haya sido condenado a causa de las relaciones a que obedezca la generación, segúnsentencia penal firme”.
69
Quanto à recuperação da “patria potestad”, o parágrafo segundo do
artigo 170 do Código Civil, determina que:
“Los Tribunales podrán, en beneficio e interés del hijo, acordar
la recuperación de la patria potestad, cuando hubiere cesado la
causa que motivo la privación”.
Se houve privação da “patria potestad” determinada por sentença em
ação criminal, mas o ofendido perdoou, tácita ou expressamente, pondo fim à
ação penal, então cabe a recuperação. Para qualquer caso de suspensão no
direito espanhol, existe a possibilidade de recuperação.
WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO95 sustenta que “não é
possível confundir a perda com a simples suspensão. Esta é muito menos
grave do que aquela. A primeira é permanente; a segunda temporária.
Desaparecendo a causa determinante da suspensão, pode o pai, ou a mãe,
retornar ao exercício do poder familiar”.
Acredita-se que, no direito brasileiro, o poder familiar extinto pelas
causas elencadas no artigo 1.638, assim como no direito espanhol, também
poderá ser recuperado, desde que o filho não corra mais perigo com a presença
do genitor. Entretanto, pensa-se que o magistrado deve analisar com muito
mais acuidade o retorno ao poder familiar, do pai ou da mãe faltosos,
principalmente se a causa da destituição foi a violência contra o filho
deficiente.
70
A segunda situação prevista no artigo 171, 2º, é a extinção da “patria
potestad” prorrogada pela adoção do filho.
Na lição de JERÓNIMO LÓPEZ PÉREZ96, “Al terminarse la patria
potestad prorrogada del hijo incapacitado por la adopción del mismo, como
dice el número 2º, del artículo 171 del Código Civil, se produce una nueva
relación de filiación con modificación de la paternidad, pero subsistiendo en
los adoptantes la titularidad de la prórroga de la patria potestad, que en
principio no sufrirá modificaciones frente a la que llevaran los padres por
naturaleza”.
Esta forma de extinção está em consonância com a patria potestad
ordinária, quando o filho for menor de idade. Se maior, o artigo 177.1 exige
que o adotando preste consentimento, requisito que se torna difícil para aquele
que está sob a “patria potestad” prorrogada97. Contudo, o juiz deve sempre
decidir calcado no princípio do interesse superior do menor, que no direito
espanhol está consubstanciado no artigo 176.1:
“La adopción se constituye por resolución judicial, que tendrá en
cuenta siempre el interés del adoptando y la idoneidad del
adoptante o adoptantes para el ejercicio de la patria potestad”.
No direito pátrio, a adoção também é causa de extinção do poder
familiar ordinário. Entretanto, para haver adoção, é preciso o consentimento
95. Barros Monteiro, Washington de. Curso de direito civil; direito de família cit., p. 359.96. López Pérez, Jerónimo, Prórroga y Rehabilitación de la patria potestad, cit., p.133.97. “Art. 177 1: Habrán de consentir la adopción, en presencia del Juez el adoptante o adoptantes y
adoptando mayor de doce años”.
71
do adotado, de seus pais ou do representante legal, não cabendo suprimento
judicial.
Segundo MARIA HELENA DINIZ, se o adotado for menor de 12 anos,
ou se for maior incapaz, consente por ele seu representante legal, mas se
contar com mais de 12 anos, deverá ser ouvido para manifestar sua
concordância98.
Acredita-se que, se maior de 12 anos e deficiente mental, o tutor deverá
suprir o requisito, não sendo necessário o consentimento daquele.
Pelo exposto, vê-se que o legislador espanhol, ao criar normas
substantivas para reger o instituto da “patria potestad” prorrogada, realizou
um significativo avanço na proteção do incapacitado intelectual, fazendo com
que os pais continuem cuidando dos filhos ao alcançarem estes a maioridade.
Previu a incapacitação do menor deficiente intelectual para ser colocado num
regime diferenciado e sua extinção, de modo que a proteção seja integral.
Crê-se, contudo, que o procedimento para a colocação nesse regime
ainda carece de simplificação, como na “minorité prolongée” do direito belga,
que será analisado mais adiante.
1.1.7. EFEITOS DA NÃO PRORROGAÇÃO DO PODER FAMILIAR NO
DIREITO PÁTRIO
72
Como nosso ordenamento jurídico não incorporou a prorrogação do
poder familiar do direito espanhol e nem criou o instituto especial da
menoridade prolongada para o deficiente intelectual, maior, congênito ou
adquirido na primeira infância, como no direito belga, passa-se a analisar
quais os efeitos jurídicos decorrentes da não prorrogação no direito pátrio.
A curatela, instituto em vigor, originário do direito romano, com a
finalidade de proteger o maior deficiente, não tem sofrido, desde sua criação,
modificações importantes. Continua com características mais patrimoniais que
pessoais, isto é, mais voltado para os bens do amental do que para sua pessoa.
O legislador de 2002, pouco preocupado com aquele que não faz parte da
cadeia produtiva, não acrescentou nada que pudesse minimizar o sofrimento
do amental congênito, profundo, e de sua família, ao chegar aquele à
maioridade. Simplesmente, o colocou no rol dos que estão sujeitos ao instituto
da curatela, sem distinguir os que têm ou não momentos de lucidez, dos que
podem ser recuperados ou permanecerão “ad aeternum” nesse estado.
Nem a lei nem a doutrina esclarecem algumas dúvidas que podem surgir
na transmutação do instituto do poder familiar para a curatela, como, por
exemplo, a perda do usufruto dos pais com a maioridade do filho.
Sabe-se que o usufruto, a que se refere o artigo 1.68999 do Código Civil,
é inerente ao poder familiar, estando, portanto, intimamente ligado a ele. Ao
findar o instituto, extingue-se o usufruto.
98. Diniz. Maria Helena. Direito civil brasileiro,v.5, 2006, cit. p. 503.99. “Art. 1689. O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar:
I-são usufrutuários dos bens dos filhos;II- têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade”.
73
CARVALHO SANTOS assevera: “É como se a lei dissesse: não há
exercício do pátrio poder sem o direito do usufruto dos bens dos filhos”100.
RUGGIERO101 ressalta que o usufruto paterno é uma compensação
pelos encargos que se originam do poder familiar. O pai deve alimentos e
educação aos filhos, em qualquer hipótese, tenham eles bens ou não, mas nem
por isso deixa de ser o usufruto uma compensação desses encargos. E
acrescenta:
“A administração dos bens dos filhos, se é um direito, exige
cuidados e esforços, que também devem ser compensados pelos
gastos e cuidados que pesam sobre os pais, doutrina que parece
entrar em conflito com a concepção do poder familiar, que é
essencialmente moral e, antes, até, natural”.
Pelo artigo 1.689, do Código Civil, o usufruto e a administração dos
bens dos filhos perduram enquanto os pais estiverem no exercício do poder
familiar, o que não se deve considerar como sendo uma medida justa para os
considerados menores, mesmo após atingirem a idade de 18 anos. Há de se
lembrar que as despesas com deficientes são pesadas para as famílias de classe
média e pobres. Visitas constantes a médicos e hospitais, num país onde a
saúde é relegada a segundo plano, fisioterapias, remédios, aparelhos especiais
etc. A lei é lacunosa nessa questão e a doutrina é silente, ficando à mercê do
poder judiciário continuar ou não o usufruto dos pais sobre bens de maiores
100.Carvalho Santos. Código Civil brasileiro interpretado, cit, p. 105.101.Ruggiero, Instituciones de derecho civil, cit. , p. 239.
74
sob curatela. Com a prorrogação do poder familiar, o instituto do usufruto
continuaria em pleno vigor.
Os Tribunais também divergem quanto à interdição de menores
relativamente incapazes. Nos autos de Apelação Cível nº 232.658-1/3, a 1ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo por votação unânime negou
provimento ao recurso cuja ementa estabeleceu que “A curatela não pode ser
requerida visando a interdição de menor”, o que não é corroborado pelo v.
acórdão Nº 000.217.533-9/00 da 4ª Câmara Civel do Tribunal de Minas
Gerais, sob a relatoria do desembargador Bady Curi ” em cujo voto sustentou
que: “a incapacidade, apesar de ser de menor relativamente, decorre de doença
incapacitante e que a curatela é cargo conferido a alguém para reger sua
pessoa e os bens, ou somente os bens de maiores ou menores”.
Isso sem falar nas controvérsias quanto aos efeitos ex nunc e ex tunc da
sentença, sua natureza constitutiva ou declaratória, se é fundamental a
necessidade de laudo pericial para comprovação da enfermidade102.
OVÍDIO A. BATISTA DA SILVA doutrina que a ação de interdição foi
erroneamente incluída no Código Civil como jurisdição voluntária e que deve
pertencer à jurisdição contenciosa em razão da sentença produzir coisa julgada
material. É o seu entendimento:
“Tem-se dito que a sentença que decreta a interdição não
provoca coisa julgada material, porque ela comportará revisão
futura, sempre que as condições do interdito se modifiquem e
75
legitimem a modificação ou até mesmo o completo levantamento
da interdição. A confusão é semelhante à que se faz, por
idênticas razões, com as ações de alimentos, igualmente capazes
de permitir futuras modificações e, até mesmo, extinção da
obrigação alimentar, em virtude de fatos e circunstâncias
supervenientes”.
A modificação subsequente, segundo o autor, não invalida a coisa
julgada que se forma na sentença anterior, porque o que foi declarado na
sentença de interdição, de que o interdito era incapaz para os atos da vida
civil, torna-se indiscutível em qualquer processo superveniente. O que se pede
numa nova ação, em casos, por exemplo, de levantamento da interdição, tem
sempre como fundamento circunstâncias posteriores à sentença, que tornam
legítima uma nova ação constitutiva de sinal contrário103.
Uma questão, e talvez a mais grave, está na dura imposição legal de
submeter pessoas fragilizadas pela natureza a um processo de interdição
humilhante, desnecessário, custoso, de publicidade exacerbada, com a
finalidade de proteger o patrimônio, sem levar em conta a pessoa do incapaz,
com decisões muitas vezes desproporcionais às necessidades do deficiente.
Muitas famílias interditam os filhos e os internam em manicômios
desnecessariamente.
Outro efeito pessoal, não menos importante, é o sofrimento da família
do amental. Ela é a primeira a temer a medida obrigatória, sem mencionar o
102. RT 744/335; RT 718/212; RT737/230.103. Batista da Silva, Ovídio A. Curso de Processo Civil, v. 1, 5ª ed., Ed. RT, São Paulo, 2000, p.188/189.
76
dever de apresentar balanço anual, prestação de contas da gestão e
oferecimento de caução.
Em razão das discordâncias doutrinárias quanto à natureza jurídica do
processo de intedição e do sofrimento, do desconforto por que passa o
deficiente intelectual e sua família durante o processo é que buscar-se-á, nesta
tese, orientar o legislador a criar regimes jurídicos especiais mais brandos e
menos complexos para os amentais profundos, de modo que tenham garantido
o exercício mínimo de direitos, que lhes resguardam a cidadania e a dignidade.
1.2. TUTELA
1.2.1.REGIME DA TUTELA PARA O DEFICIENTE INTELECTUAL NO
DIREITO PÁTRIO
Ao discorrer sobre o instituto da tutela, procurar-se-á enfocar a
importância do regime para o deficiente intelectual, que se tornou órfão na
maioridade, em razão de o mesmo, como doutrinou MARIA HELENA
DINIZ, ter o escopo de substituir o poder familiar, isto é, ser um sucedâneo
deste104.
O regime assistencial da tutela, no direito pátrio, de modo diverso do
direito alienígena, não se presta à proteção de deficientes mentais maiores,
mas apenas a menores, quer sejam amentais ou não, em razão de o instituto ter
104.Diniz, Maria Helena, Curso de direito civil,v.5, cit., p.602
Arnold Wald, O novo direito da família, cit., p. 199.
77
como finalidade apenas menoridade, com características de poder familiar, só
funcionando com a morte ou declaração de ausência dos pais, ou quando estes
forem destituídos do direito-função.
Embora o vínculo que liga tutor e tutelado seja menos intenso que o
poder familiar, também como este, a tutela é um munus público; e a lei, no
sentido de proteger o menor, fixa com rigor os seus limites, estabelecendo, por
exemplo, como deve ser o exercício da tutela105, as causas de incapacidade106,
a competência para ser tutor, a prestação de contas, a caução e sua extinção107.
A finalidade do instituto é a proteção do ser humano órfão na infância e
adolescência, tendo o tutor o dever de criar, educar, amparar, defender,
guardar e cuidar de seus interesses, regendo sua pessoa e seus bens108, porque
o tutor substitui os pais, fazendo-lhes as vezes.
Como o poder familiar, a função da tutela também é obrigatória, só
podendo haver recusa quando ocorrerem as causas taxativamente legais,
elencadas no artigo 1.736 do Código Civil109.
105.“Art. 1740. Incumbe ao tutor, quanto à pessoa do menor:
I-dirigir-lhe a educação, defendê-lo e prestar-lhe alimentos, conforme seus haveres e condição;II-reclamar do juiz que providencie, como houver por bem, quando o menor haja mister correção;III- adimplir os demais deveres que normalmente cabem aos pais, ouvida a opinião do menor, se este jácontar doze anos de idade”.
106.”Art. 1737. Quem não for parente do menor não poderá ser obrigado a aceitar a tutela, se houver nolugar parente idôneo, consangüíneo ou afim, em condições de exercê-la”.
107.“Art. 1763. Cessa a condição de tutelado:I-com a maioridade ou emancipação do menor;II- ao cair o menor sob o poder familiar, no caso de reconhecimento ou adoção”.
108.Diniz, Maria Helena. Curso de direito civil,brasileiro v.5, 2006, cit .p.603.109.“Art. 1736. Podem escusar-se da tutela:
I-mulheres casadas;II-maiores de sessenta anos;III-aqueles que tiverem sob sua autoridade mais detrês filhos;IV-os impossibilitados por enfermidade;V-aqueles que habitarem longe do lugar onde se haja de exercer;
78
Entre as características do regime tutelar está a gratuidade, estabelecida
como regra geral, podendo, contudo, receber uma remuneração de acordo os
artigos 1.752 e 1.760 do Código Civil e a indivisibilidade de poder, sendo
atribuído apenas a uma pessoa o encargo. A figura do protutor, estatuído nos
artigos 1.742 e 1.752, parágrafo 1º, do Código Civil, é um órgão distinto,
complementar, nomeado pelo magistrado apenas para fiscalizar os atos do
tutor.
O caráter indivisível foi levado de tal modo ao extremo pelo legislador
que o artigo 1.733, parágrafo 1º, do Código Civil, determinou que, na hipótese
de ser nomeado mais de um tutor, sem indicação de precedência, entender-se-
á que a tutela foi atribuída ao primeiro e os outros serão seus sucessores caso
haja morte, incapacidade ou qualquer outro impedimento.
Os pais, e somente eles, em conjunto ou isoladamente, se o outro não
estiver no exercício do munus, pelos motivos já anteriormente elencados ,
podem nomear, por testamento, tutores para seus filhos, que em geral são
escolhidos pela amizade e carinho que essas pessoas dedicaram às crianças no
convívio familiar. Essa é uma das razões pela qual defende-se a tese de que,
também a tutela deverá ser prorrogada, caso o menor já possua deficiência
congênita ou adquirida na primeira infância.
O mesmo tutor deve, caso não tenha sido negligente ou prevaricador,
fatos que poderão destituí-lo, conforme determina o artigo 1.766, permanecer
VI-aqueles que já exercerem tutela ou curatela;VII-militares em serviço”.
79
até o final da vida de um deles, em razão da confiança depositada no ato de
última vontade.
A lei é rígida para escolha de tutores, ao enumerar no artigo 1.735, I a
IV, do Código Civil, os impedimentos para o seu exercício: os condenados por
crime de furto, roubo, estelionato, inimigos do menor, os que exercem função
pública, as pessoas de mau procedimento, os que não têm a livre
administração de seus bens; e, inclusive, com o escopo de assegurar a boa
administração, exige que o titular da tutela preste caução real ou fidejussória
se os bens do tutelado estiverem sujeitos à gestão daquele e a devolver a renda
desses bens no término do ofício tutelar110, só dispensado desse dever aquele
que for de reconhecida idoneidade moral e econômica.
A garantia é tão abrangente, que mesmo o magistrado pode responder
subsidiariamente pelos danos causados ao tutelado, se não tiver exigido,
quando necessária, a garantia legal do tutor 111.
Outra questão não menos importante a analisar é a nomeação de tutores
para deficientes mentais menores, para a qual a lei não exige condições
especiais. O artigo 1.728 apenas determina que os filhos menores sejam postos
em tutela, não distinguindo se deficientes mentais ou não. Dos tutores,
nomeados para exercer o múnus, quando o tutelado for amental profundo,
deveriam ser exigidos requisitos segundo critério mais rigoroso, para cujo
110.Art. 1.745, parágrafo único do Código Civil: “Se o patrimônio do menor for de valor considerável,
poderá o juiz condicionar o exercício da tutela à prestação de caução bastante, podendo dispensá-la se otutor for de reconhecida idoneidade”. A Lei 8069/90, art. 36, contém, em outras palavras o mesmomandamento do referido artigo do Código Civil.
111.Diniz, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v.5, cit., p. 611.
80
preenchimento aquelas pessoas fossem obrigadas a comprovar que possuem
condições de exercer aquela complexa função especial.
No ordenamento jurídico pátrio, a tutela é similar ao poder familiar.
Portanto, acredita-se, como no direito alienígena, ser o regime mais profícuo
para o deficiente intelectual que chega à maioridade sem a mínima condição
de se tornar capaz e cujos pais já faleceram. O tutor, como atua em
substituição àqueles, poderia, como no direito espanhol112, solicitar a
declaração de incapacidade dos menores, se possuírem deficiências ou
enfermidades persistentes que os impeçam de se governar por si mesmos, para
que, ao chegarem à maioridade de direito, continue no exercício de seu cargo,
sendo desnecessária a transmutação do instituto para curatela. É o que será
analisado a seguir.
1.2.2. ABRANGÊNCIA DA TUTELA NO DIREITO COMPARADO
No direito pátrio, a tutela, como vimos, é um instituto conferido pela
lei, em substituição ao poder familiar, com o escopo de administrar os bens
apenas dos menores e suas pessoas. Seu fundamento está na necessidade de
proteger os incapazes, por motivo de menoridade, sendo que o deficiente
intelectual está aí incluído até atingir a maioridade. Após esta condição, estará
sujeito à curatela113. No mesmo sentido, os ordenamentos jurídicos francês114,
argentino115 e português116.
112. Art. 205, Código Civil español: “La incapacitación de los menores prevista en el articulo 201, sólo
podrá ser solicitada por quienes ejerzan la patria potestad o la tutela”.113.Carvalho Santos, Código Civil brasileiro interpretado, cit. p..205.114.Código Civil francês – Art. 390: “La tutelle s’ouvre lorsque le père et la mère sont tous deuxs décédés ou
se trouvent dans l’um des cas prévus à l’article 373”. (Se abre a tutela se os pais falecem ou seencontram num dos casos previstos no artigo 373), (tradução livre).
115.Código Civil Argentino -- art. 377: “La tutela es el derecho que la ley confiere para gobernar la persona
81
No direito espanhol, a tutela está prevista nos artigos 222 a 285 do
Código Civil, e, mais ampla que no direito pátrio, se constitui judicialmente
nos casos de menores não emancipados, que não se encontram sob a “patria
potestad” em razão de falecimento ou abandono dos pais ou pelo fato desses
terem decaído do poder familiar, estando incluído neste rol o deficiente
intelectual, mesmo após ter atingido a maioridade, se assim determinou a
sentença que declarou a incapacidade. É o que podemos extrair da exegese dos
incisos 2° e 3º, do artigo 222:
“Estarán sujetos a tutela:
2º-Los incapacitados , cuando la sentencia lo haya establecido
3º - Los sujetos a la patria potestad prorrogada, al césar ésta,
salvo que proceda la curatela”.
Nesses casos, a tutela terá caráter pleno e compreenderá todos os
direitos e obrigações a respeito da pessoa e bens do menor. Percebe-se que,
para este ordenamento jurídico, diferentemente do direito pátrio, onde a tutela
é deferida apenas ao menor, é bem mais abrangente, por incluir aquela, não só
o menor, mas também o maior, deficiente intelectual e físico.
y bienes del menor de edad, que no está sujeto a la patria potestad, y para representarlo em todos losactos de la vida civil”.
116.Código Civil Português, sob o título: “Meios de suprir o poder paternal”.“1. O menor está obrigatoriamente sujeito a tutela:a) Se os pais houverem falecido.b)) Se estiverem inibidos do poder paternal quanto à regência da pessoa do filho.c) Se estiverem há mais de seis meses impedidos de facto de exercer o poder paternal.d) Se forem incógnitos”.
82
Encontramos no direito espanhol alguns tipos de tutela: a
testamentária117, legítima118, dativa119, prorrogada120, automática e de pessoas
jurídicas. A tutela testamentária vincula o juiz, salvo se, em benefício do
menor ou incapacitado, determinar outra coisa, mediante decisão motivada. Se
as designações feitas pelo pai e pela mãe não forem compatíveis, o juiz
adotará a medida que achar mais benéfica para o incapaz e o incapacitado.
Entretanto, as designações feitas sobre a tutela serão ineficazes se no momento
de adotá-las o disponente estiver privado da “patria potestad”, disposição do
artigo 226, que é similar ao artigo 1.730 do direito pátrio121.
Como a Constituição espanhola, no artigo 39.2, impõe aos poderes
públicos o dever de garantir a proteção integral dos filhos, o Código Civil, art.
172, e a Lei Orgânica122 determinaram que os menores que se encontrem em
situação de desamparo, tenham a tutela automática, isto é, as entidades
públicas do território onde se encontre o menor, poderão intervir nas funções
117.“Art. 223 - Los padres podrán en testamento o documento público notarial nombrar tutor, establecer
órganos de fiscalización de la tutela, así como designar las personas que hayan de integrarlos u ordenarcualquier otro disposición sobre la persona o bienes de sus hijos menores o incapacitados”.
118.“Art. 234 – Para el nombramiento de tutor se preferirá1º Al cónyuge que conviva con el tutelado.2º A los padres3º A la persona o personas designadas por éstos en sus disposiciones de última voluntas4º Al descendiente, ascendiente o hermano que designe el Juez”.
119.Ruggiero, Instituciones de derecho civil, cit. p. 265 - O antigo Código Civil espanhol no artigo 330,parágrafo segundo, estabelecia que faltando a tutela do cônjuge, do pai e da mãe, o tutor seria nomeadopelo conselho de família ou de tutela. Apesar de revogado pela reforma do Código Civil de 1983, todanomeação de cargo tutelar tem um caráter dativo, embora as nomeações sejam judiciais e o juiz possa,de acordo com o artigo 234 in fine, alterar a ordem legal se entender que é mais benéfico para o menor.
Art. 234. 2- Excepcionalmente, el juez, en resolución motivada , podrá alterar el orden del párrafoanterior o prescindir de todas las personas en él mencionadas, si el beneficio del menor o delincapacitado así lo exigiere”.
120.“Art. 278 - Continuará el tutor en el ejercicio de su cargo si el menor sujeto a tutela hubiese sidoincapacitado antes de la mayoría de edad, conforme a lo dispuesto en la sentencia de incapacitación”.“Art.226 - Serán ineficaces las disposiciones hechas en testamento o documento publico notarial sobrela tutela si, en el momento de adoptar-as, el disponente hubiese sido privado de la patria potestad”.
121.“Artigo 1730 - É nula a nomeação de tutor pelo pai ou pela mãe que, ao tempo de sua morte, não tinha opoder familiar”.
122.Ley Orgánica 1/1996, de 15 de enero, TítuloII, artículo 12 y seguientes.
83
de guarda e tomar medidas de proteção necessárias, notificando, de forma
legal, os pais, tutores ou os que possuam a guarda, no prazo de 48 horas. A
tutela automática, atribuída à autoridade pública, redunda na suspensão do
poder familiar ou da tutela ordinária e não na perda do encargo, pelo que os
pais e tutores continuam responsáveis pelos seus filhos ou tutelados. É o que
estabelece o artigo 172 do Código Civil espanhol123.
Além das pessoas nomeadas no art. 234, 1° a 4º, para exercerem a
função pública, no direito espanhol, de acordo com a reforma de 1983, há
ainda a possibilidade de que as pessoas jurídicas possam também ser titulares
do organismo tutelar.
O artigo 242 do Código Civil autoriza as empresas desde que não
tenham funções lucrativas ou cuja essência seja proteger os menores e
incapacitados, isto é, tenha fins assistenciais. É a própria pessoa jurídica que
ostenta o cargo tutelar e representa o tutelado, e não membros ou empregados
contratados da empresa. Mas, sem dúvida, as funções tutelares devem ser
exercidas por pessoas físicas, membros ou empregados contratados pela
mesma. Será fundamental uma estrutura formada, para se evitar a
massificação, do contrário, será uma relação não personalizada.
123.Blasco Gascó, Francisco. Código Civil espanhol, Ed. Tirant lo blanche, Valencia, 10 ed., 2006, Art. 172-
“La entidad publica a la que, en el respectivo territorio, esté encomendada la protección de los menores,cuando constate que un menor se encuentra en situación de desamparo, tiene por ministerio de la Ley latutela del mismo y deberá adoptar las medidas de protección necesarias para su guarda, poniéndolo enconocimiento del Ministerio Fiscal, y notificando en legal forma a los padres, tutores o guardadores, enun plazo de cuarenta y ocho horas. Siempre que sea posible, en el momento de la notificación se lesinformará de forma presencial y de modo claro y comprensible de las causas que, dieron lugar a laintervención de la Administración y de los posibles efectos de la decisión adoptada.Se considera como situación de desamparo la que se produce de hecho a causa del incumplimiento, o delimposible o inadecuado ejercicio de los deberes de protección establecidos por las leyes para la guardade los menores, cuando éstos queden privados de la necesaria asistencia moral o material.La asunción de la tutela atribuida a la entidad pública lleva consigo la suspensión de la patria potestado de la tutela ordinaria. No obstante, serán válidos los actos de contenido patrimonial que realicen los
84
Deve-se buscar, sempre, uma fórmula idônea para que o incapaz
alcance o pleno desenvolvimento de sua personalidade e encontre proteção e
assistência material.
Qualquer voluntário que possua vocação e uma adequada formação,
sobretudo na área de enfermidades mentais, pode exercer o múnus. Entretanto,
uma pessoa específica será selecionada para exercer diretamente a tutela com
preparação adequada e capacidade para criar uma relação afetiva com o
incapaz124.
Muitos doutrinadores questionam o exercício da tutela por pessoas
jurídicas, por entenderem que, se for pessoa jurídica pública, poderá causar
nos familiares uma falsa sensação de segurança, o que faz com que o restante
da sociedade não se sinta responsável125.
No Brasil, não há a figura da curatela exercida por pessoas jurídicas. O
que se encontra, segundo os artigos 131 a 140 da Lei 8009/90, é um órgão
permanente e autônomo, não jurisdicional, mas municipal, denominado
Conselho Tutelar, cuja função é fiscalizar se os direitos previstos no Estatuto
da Criança e do Adolescente estão sendo respeitados, mas não para os maiores
incapazes. Nele trabalham cinco conselheiros com mandato de três anos.
padres o tutores en representación del menor y que sean beneficiosos para él”.
124.Mercedes y Cristóbal, Protección legal de incapaces, cit., p.69.125.Lara Palma en “Deficiencia, enfermidad mental,…”, pág.162: “... nada más nefasto para el correcto
ejercicio de una función tutelar que el ejercicio burocrático de la misma, sobre todo si va unido a ladesresponsabilización del cuerpo social por la creencia de que existen soluciones que funcionanautomáticamente sin necesidad de nuestro esfuerzo”, apud Mercedes y Cristóbal, Protección legal deincapaces, cit., p. 60.
85
A Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) e a
Sociedade Pestalozzi do Brasil são sociedades civis, filantrópicas, de caráter
educacional, assistencial aos deficientes físicos e mentais, mas nenhuma delas
com a função tutelar.
Outra novidade, que merece destaque no âmbito da tutela espanhola, é o
surgimento da Lei nº 41/2003126, que modificou o artigo 234 do Código Civil
e introduziu a autotutela, isto é, a possibilidade de qualquer pessoa, maior, que
esteja em perfeitas condições mentais, nomear um tutor por testamento, caso
venha, futuramente, a sofrer de algum mal que necessite do regime127. O
referido artigo está, assim, redigido:
“Art. 223, párrafo segundo - Asimismo, cualquier persona con la
capacidad de obrar suficiente, en previsión de ser incapacitada
judicialmente en el futuro, podrá en documento público notarial
adoptar cualquier disposición relativa a su propia persona o
bienes, incluida la designación de tutor.
Art. 234. Para el nombramiento de tutor se preferirá:
1.º Al designado por el propio tutelado, conforme al párrafo
segundo del artículo 223.
2.º Al cónyuge que conviva con el tutelado.
3.º A los padres.
4.º A la persona o personas designadas por éstos en sus
disposiciones de última voluntad.
5.º Al descendiente, ascendiente o hermano que designe el juez”.
126.Ver Apêndice.127.Sánchez-Eznarriaga, Luis Zarraluqui e outros, Actualización del derecho de familia y sucesiones,
86
Os doutrinadores espanhóis têm apresentado algumas soluções
jurídicas para os profundos problemas que constantemente surgem no âmbito
da tutela de pessoas físicas, com o objetivo de corrigi-los e tornar mais
efetivos os mecanismos de proteção, já que a experiência demonstra que os
tutores, muitas vezes, tomam decisões que confundem seus interesses com os
interesses do tutelado. Para tanto, é necessário haver um controle maior sem,
entretanto, obstaculizar ou dificultar a lógica do mecanismo protetor, tendo em
conta que a maior parte dos tutores individuais é familiar que age de boa-fé e
tem poucos conhecimentos jurídicos128.
O principal problema, na nomeação de tutor, é o de encontrar algum
familiar que esteja disposto a assumir o encargo. Se existem, muitas vezes
não são idôneos para o mesmo. A modificação do sistema de valores com a
diminuição da solidariedade familiar e o condicionamento da sociedade de
consumo faz com que ninguém queira assumir o múnus, porque isso implica
diminuição de patrimônio e bem-estar da família, que acolhe o deficiente129.
É bem verdade que nos dias atuais a família, nomeadamente a brasileira,
de acordo com a Constituição Federal, art. 226, parágrafo 4º, longe da
numerosa família romana, ficou reduzida apenas a pais e filhos ou até mesmo
a um dos pais e filhos. Se o tutelado tem bens, sobram candidatos. Nomear
como tutor pessoa mais idônea para o cargo, pode resultar, às vezes, num
autêntico jogo de azar.
Dykinson, 2005, Madrid, p.190.
128.Heredia Puente, Mercedes y Fábrega Ruiz, Cristóbal, Protección legal de incapaces, cit., 37/ 39.
87
Uma vez nomeado o tutor, surgem outras dificuldades: a de fazê-lo
cumprir as exigências legais que, muitas vezes desconhecem, a de assumir
responsabilidade civil por atos dos tutelados e a burocracia para a venda dos
bens dos incapazes.
Segundo doutrinadores espanhóis, a solução não está apenas nas
modificações pontuais necessárias para minimizar toda esta problemática, mas
nos mecanismos sociais e de apoio, para que a assistência aos tutores e
tutelados seja mais efetiva e torne mais fácil a função. As soluções
apresentadas pelo direito espanhol enfocam o alto interesse público do
encargo, devendo, portanto, ser objeto de especial atenção por entidades
públicas, com políticas de apoio e estímulo, a criação de organismos públicos
e informação aos tutores, a designação de tutores múltiplos de modo que o
peso não recaia sobre um só membro da família, com arbitragem judicial para
o caso de conflito. Seria uma tutela única, mas com pluralidade sucessiva.
Sabe-se que o tutelado, dependendo de sua idade ou grau de enfermidade
intelectual, pode exigir muito esforço e tempo do tutor, fazendo com que este
deixe de atender seus próprios interesses.
No direito espanhol, dada a amplitude que o artigo 223130 estabelece
para a mesma, a tutela pode dar-se inclusive através de testamento131.
Nomeado o tutor, após a sentença de incapacidade, nasce para aquele a
obrigação de dar ao tutelado educação integral e alimentá-lo, exercendo a
129.Heredia Puente, Mercedes y Fábrega Ruiz, Cristóbal, Protección legal de incapaces, cit. p. 40.130.“Art. 223 - Los padres podrán en testamento o documento público notarial nombrar tutor, establecer
órganos de fiscalización de la tutela, así como designar las personas que hayan de integrarlos u ordenarcualquier otra disposición sobre la persona o bienes de sus hijos menores o incapacitados”.
88
administração com diligência de um bom pai de família, representando-o em
todos os atos da vida civil.
Como os pais no exercício do poder familiar, os artigos 201 e 205 do
Código Civil espanhol contemplam a possibilidade de também os tutores
solicitarem a declaração de incapacidade dos menores, quando estes sofrerem
de enfermidades ou deficiências de caráter físico ou psíquico que os impeçam
de se governar por si mesmos e que se preveja que a deficiência persistirá após
a maioridade, isto é, aos 18 anos132.
A declaração judicial de incapacidade tem como finalidade impedir uma
fissura na proteção dos amentais, quando estes atingirem a maioridade de
direito, de modo que se permita a sua entrada automática na “patria potestad
prorrogada” ou na tutela prorrogada133, dois institutos criados pelo direito
espanhol, que não encontram similar no direito pátrio.
Percebe-se que a proteção do amental no direito espanhol é muito mais
abrangente. Além da possibilidade da prorrogação e reabilitação do poder
familiar, também previu a prorrogação e reabilitação da tutela134 para além da
maioridade. O amental, no direito espanhol, é de direito e de fato comparado
ao menor.
131.Heredia Puente, Mercedes y Fábrega Ruiz, Cristóbal, Protección legal de incapaces, cit., p. 42/50.132.Art.315 – “La mayor edad empieza a los dieciocho años cumplidos”.133.Carlos Rogel Vide, Derecho de la persona, cit, p.57.134.“Art. 278 - Continuará el tutor en el ejercicio de su cargo si el menor sujeto a tutela hubiese sido
incapacitado antes de mayoría de edad, conforme a lo dispuesto en la sentencia de incapacitación”.No mesmo sentido: “Art. 276 - La tutela se extingue:1º Cuando el menor de edad cumple los dieciocho años, a menos que con anterioridad hubiera sidojudicialmente incapacitado”.
89
Com o mesmo fundamento, o direito belga criou medidas especiais com
o objetivo de proteger mais eficazmente o deficiente intelectual profundo,
possibilitando, inclusive, o convívio do poder familiar com o instituto da
tutela. No direito belga, se os pais vierem a falecer e houver filhos menores,
serão colocados sob o regime da tutela. Entretanto, no caso de estarem vivos e
o filho deficiente intelectual estiver sob o instituto da menoridade prolongada,
o legislador previu a possibilidade de abertura de uma tutela especial se os
pais considerarem o fardo muito pesado para eles135.
De fato, muitos pais sofrem com o encargo de criar e educar um
excepcional profundo. Este mesmo regime especial pode ser requerido pelo
Procurador do Rei se ele vem a entender que os pais estão doentes ou são
negligentes na administração dos bens e da pessoa do menor ou do maior que
está sob o instituto da menoridade prolongada.
“Article 487 quarter.
Du vivant des père et mère, la personne mise sous statut de
minorité prolongée reste soumise à l'autorité parentalede ceux-
ci. Toutefois, dans l'intérêt de la personne mise sous statut de
minorité prolongée, le tribunal de première instance peut
ordonner, sur requête des père et mère ou de l'un d'eux ou sur les
135.Article 487 quarter. Vivos o pai e a mãe, a pessoa sob o estatuto da menoridade prolongada fica
submetida à autoridade parental deles. Todavia, no interesse da pessoa sob o estatuto da menoridadeprolongada, o tribunal de primeira instância pode ordenar, sob pedidos do pai, da mãe ou de um dosdois, ou mediante requerimento do procurador do Rei, que a autoridade parental seja substituída pelatutela (tradução livre).O artigo 234, 2ª parte, do Código Civil espanhol estatui que o menor pode ter tutor mesmo com os paisvivos. “Excepcionalmente el Juez, en resolución motivada, podrá alterar el orden del párrafo anterior oprescindir de todas las personas en él mencionadas, si el beneficio del menor o del incapacitado así loexigiere”.
90
réquisitions du procureur du Roi, que l'autorité parentalesera
remplacée par la tutelle”.
Além deste instituto de proteção ao deficiente intelectual profundo, a lei
estabeleceu também o regime da interdição judiciária, no qual o menor, ou o
maior com demência habitual é colocado sob tutela, mesmo com pais vivos,
um regime idêntico àquele aplicado aos menores, como ensinam os artigos
489 e 509136:
“Article 489.
Le majeur qui est dans un état habituel d'imbécillité ou de
démence, doit être interdit même lorsque cet état présente des
intervalles lucides”.
“Article 509: L'interdit est assimilé au mineur, pour sa personne
et pour ses biens; les lois sur la tutelle des mineurs
s'appliqueront à la tutelle des interdits.
A la diligence du ministère public, le jugement est notifié dans les
dix jours du prononcé au juge de paix territorialement
compétent”.
A finalidade do instituto é, de igual modo, assegurar a proteção a toda
pessoa que, portadora de doença mental, não tiver na possibilidade de se
136.Artigo 489. Um maior em estado habitual de imbecilidade ou de demência deve ser interditado, mesmo
que apresente intervalos de lucidez (tradução livre).Artigo 509: O interdito é similar ao menor, por sua pessoa e por seus bens; as leis referentes à tutelaserão aplicadas à tutela dos interditos (tradução livre).A pedido do Ministério Público, o julgamento será notificado, dentro de dez dias do pronunciamento, aojuiz de paz do território competente (tradução livre).
91
governar e administrar seus bens, compreendendo todas as espécies de
enfermidades mentais, mesmo aquelas em que ocorram momentos de lucidez,
com a finalidade de preservar o interesse do amental e protegê-los dos contra
os efeitos de seus atos e de terceiros inescrupulosos. A interdição judiciária,
para fins de tutela, resulta de um julgamento. O tribunal competente é o de 1ª
instância do lugar onde a pessoa, cuja interdição é requerida, tem seu
domicílio, no momento do início da demanda. A primeira fase se desenvolve
na Câmara do Conselho e se inicia por uma petição contendo os fatos que
motivaram o pedido. O requerente é convocado a comparecer perante uma
Câmara do Tribunal composta de três juízes. Se a ação é aceita, o Tribunal
ordena que o Conselho de Família dê sua opinião sobre o estado da pessoa
cuja interdição é demandada. Depois de receber o parecer, o Tribunal nomeia
um ou mais neuropsiquiatras encarregados de fazer um relatório sobre o
estado do doente mental, sendo essa formalidade substancial do procedimento.
Após a apresentação do relatório, segue-se o contraditório, em que se
faz um interrogatório sobre o demandado, e caso não haja convencimento por
parte do tribunal, poderá este nomear um administrador para reger os atos
urgentes e necessários à conservação do patrimônio do defendido.
O julgamento é feito em audiência pública. O tribunal pode: pronunciar
a interdição, rejeitar a demanda ou designar um Conselho Judiciário - casos de
pródigos - se entender que a interdição é uma medida muito radical. Se
colocado sob tutela, o regime será o mesmo aplicado na tutela dos menores, de
acordo com os artigos 389 e 509 do Código Civil belga137.
137.Capítulo II. Da Tutela.
Seção I. Da abertura da tutela.
92
“Chapitre II : De la tutelle
Section I : De l'ouverture de la tutelle.
Article 389:
La tutelle des enfants mineurs s'ouvre si les père et mère sont
décédés, légalement inconnus ou dans l'impossibilité durable
d'exercer l'autorité parentale.
A moins qu'elle ne résulte de l'interdiction judiciaire, de la
minorité prolongée, de l'absence déclarée ou présumée, cette
impossibilité est constatée par le tribunal de première instance
conformément à la procédure définie à l'article 1236 bis du Code
judiciaire”.
Ao se comparar o instituto da interdição judiciária com o da menoridade
prolongada, percebe-se que o segundo é mais apropriado para o deficiente e
sua família, razão por que muitos pais promovem a declaração de
incapacidade do menor amental, antes de chegar à maioridade, para fugir do
processo de interdição, considerado custoso, longo e traumatizante138.
Poucos países incorporaram em seu direito uma legislação com
procedimentos diferenciados que efetivamente tutelem os amentais. No direito
pátrio, ainda não há num regime que respeite mais o deficiente intelectual,
Artigo 389: A tutela dos menores se abre se o pai ou a mãe faleceram, não são legalmente conhecidos ouestão impossibilitados de exercer a autoridade parental.A menos que ela não resulte de uma interdição judiciária, da menoridade prolongada, de ausênciadeclarada ou presumida, esta impossibilidade é declarada pelo tribunal de primeira instância deconformidade com o procedimento definido no artigo 1.236 bis do Código Judiciário.
138.Sandra Courcernet. Le protection des incapables majeurs en droit belge, France, 2005.( www-cdpf.u-strasbg.fr/Incamajbelg.htm).
93
vigorando o instituto da curatela, regime secular, retrógrado que, na verdade,
só visa um interesse: o patrimônio do deficiente.
LUIZ ALBERTO DAVID ARAUJO139 doutrina que, “apesar da
garantia constitucional, o tema” sobre pessoas portadoras de deficiência, “é
tratado de forma insuficiente pelo legislador infra-constitucional e pelas
autoridades em geral”.
É preciso que o Estado reconheça, efetivamente, que o amental deverá
desfrutar uma vida plena, em condições que lhe assegurem a sua dignidade,
amparando e cooperando com os pais na dura tarefa que a natureza lhes
impôs.
No capítulo seguinte será analisada a curatela no direito pátrio e
comparado, no sentido de demonstrar quão inóquo é tal regime para o
deficiente intelectual.
1.3. CURATELA
1.3.1. FINALIDADE
O instituto da curatela foi criado, por lei, com o objetivo de conferir a
alguém o encargo de dirigir a pessoa e os bens de maiores que não podem
fazê-lo por si mesmos. De acordo com a definição de PLÁCIDO E SILVA140,
139.Araujo, Luiz Alberto David. A Proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência, cit.,. p.15.140.De Plácido e Silva, Vocabulário jurídico I, ed.12, Ed. Forense, p.593.
94
o vocábulo é derivado do latim, “curator”, e possui o sentido etimológico de
indicar a pessoa que cuida, que cura ou que trata de pessoas estranhas e de
seus negócios.
O Código Civil pátrio trata da curatela no Capítulo II, Seção I, sob o
título OS INTERDITOS, isto é, todos os que necessariamente devem passar
por um processo de interdição. É a curatela que agora será enfocada. Procurar-
se-á, em seguida, descobrir onde se encontra o deficiente intelectual
congênito, profundo, no rol elencado pelo legislador.
Os excepcionais, de uma maneira geral, estão incluídos em quase todos
os incisos do artigo 1.767 do Código Civil. O legislador substituiu por
deficiente mental o termo “loucos de todo o gênero”, expressão depreciativa
utilizada no antigo Código Civil de 1916, art. 446. E, para não deixar dúvidas
de que o amental, de qualquer grau, estaria sob o instituto da curatela, colocou
o termo “deficiente mental” explicitamente nos incisos I, III e IV, do art.
1.767, e implicitamente no inciso II do mesmo dispositivo, não ficando claro,
contudo, em qual inciso o deficiente intelectual severo, profundo, estaria
incluído.
Acredita-se que o legislador quisesse se referir, no inciso I, do artigo
1.767, aos amentais que não têm o necessário discernimento para os atos da
vida civil, mas que para outros atos comuns o teriam, como, por exemplo, o
ato de se vestir e se alimentar, donde se conclui que o deficiente intelectual
profundo aí não estaria pela evidência de que, mesmo nos atos mais
corriqueiros, necessitaria de amparo.
95
O inciso IV estabelece que estão sujeitos à curatela os excepcionais sem
completo desenvolvimento mental. Defende-se que o deficiente severo
também aí não está incluído. O inciso, quando utiliza o termo “sem completo”,
deixa uma pequena margem de desenvolvimento, isto é, se refere àqueles que,
embora tenham pequena deficiência, ainda podem exercer alguns atos por si
sós. Também crê-se não se encontrar no inciso II, ao ser evidenciada pelo
legislador a expressão “àqueles que por outra causa duradoura”, isto é, não às
causas referentes ao inciso I, “não puderem exprimir a sua vontade”. Pensa-
se, por fim, estar incluído no inciso III, em razão de o legislador ter reduzido o
alcance da norma, referindo-se, simplesmente aos deficientes mentais de uma
maneira geral.
Segundo MARIA HELENA DINIZ141, o pressuposto fático da curatela
é a incapacidade; portanto, todos os maiores que não se encontram em
condições de reger sua pessoa e seus bens, por enfermidade por retardo mental
profundo, devem ser postos sob o encargo público.
Percebe-se que, sobre incapacidade nosso Código Civil possui normas
muito amplas e suscetíveis de diversas interpretações. Os incapazes, por
exemplo, dos quais tratam o art. 3º, incisos II e III, e art. 4º, incisos II, III e
IV, 142 são postos sob o regime da curatela, após o processo de interdição. Aí
141.Diniz, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro,v. 5, cit. p.606, 2005.142.“Artigos 3º. São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
I - (...)II - os que por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessárioo discernimento para aprática desses atos;III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade”.“Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:I - (...)II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficieência mental, tenham odiscernimento reduzido;III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;
96
está incluída uma multiplicidade de enfermos com características muito
diferentes, que necessitam, por isso, de campos de proteção distintos. A
curatela, regime que abarca todos os deficientes que não podem agir por si
sós, é o único instituto criado pelo legislador brasileiro com a finalidade de
proteger o interdito.
A realidade é que o instituto da curatela tem pouca aplicação prática,
em razão de as pessoas que devem promover a interdição não só não
conseguirem compreender o verdadeiro sentido do instituto, como também
evitarem que venha a público, oficialmente, a existência de um deficiente na
família e, ainda, porque, os pais, que sempre cumpriram com os deveres
paternos, não sentem necessidade de passar por tanta burocracia para atingir
um resultado igual ao do instituto em que já se encontram, o poder familiar.
Sem ainda mencionar aqueles que, por falta de conhecimento jurídico, sequer
sabem que seus filhos deficientes intelectuais devem passar pelo procedimento
da interdição. Segundo pesquisa feita com algumas entidades da APAE, a
maioria dos adultos deficientes que lá se encontram não foi interditada.
Crê-se, portanto, que a curatela como meio de proteção à pessoa do
deficiente intelectual não atinge a finalidade proposta. A jurisprudência tem
demonstrado claramente que a maioria das interdições, por incapacidade, se
declara quando um patrimônio de valor expressivo está em jogo.
1.3.2.CONCEITO E CARACTERÍSTICAS
IV - (…)”.
97
O conceito de curatela é muito complexo porque abrange situações
diversas, por variar de acordo com os casos específicos. A dificuldade está no
fato de que a curatela não se apresenta com o caráter de uma instituição única,
mas com o caráter de um conjunto de instituições diversas que se aplica a
situações profundamente diferentes e a fins variados143. No nosso
ordenamento, pode-se falar de curatelas dos adultos incapazes, a saber, os
excepcionais sem completo desenvolvimento mental, psicopatas e alienados
mentais sem o necessário discernimento para os atos da vida civil, Código
Civil art. 1.767, I, III, 1ª parte e IV, curadorias especiais por sua finalidade
específica, que é a administração dos bens e não da pessoa, como a que se dá
na herança jacente, Código Civil, art.1.819, a dos bens deixados ao menor, por
sucessão ou legado, se houve nomeação especial pelo testador, Código Civil,
art. 1.733, parágrafo 2º e, ainda, como assinala PONTES de MIRANDA144, as
curadorias derivadas das leis processuais, como as curadorias gerais de órfãos,
de nascituros, de ausentes, de massas falidas, de resíduos, que se encontram
entre as funções do Ministério Público, incumbido de agir em nome dos
interessados órfãos, menores, interditos, massas falidas e ausentes.
Admitem-se, ainda, espécies intermediárias entre a tutela e a curatela.
São as denominadas curatelas prorrogadas ou extensivas, mencionadas nos
artigos 1.778 e 1.779 do Código Civil, e a curatela “ in litem”, que é a do
menor que litiga com seus pais e que está sob o poder familiar. As curatelas
prorrogadas são, na realidade, simples tutela145. É de se ater aqui à curatela dos
interditos, especificamente os elencados no art. 1767, do Código Civil, III, que
143.Ruggiero. Instituciones de derecho civil, cit., p. 290.144.Pontes de Miranda. Tratado do direito privado, cit. p.. 311.145.Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, cit. 316.
98
são os deficientes mentais que não possuem nenhum discernimento e sofrem o
processo de interdição.
Apesar da dificuldade de estabelecer um conceito, MARIA HELENA
DINIZ146 doutrina que a curatela é o encargo público legal conferido a
alguém, para reger a pessoa e os bens de maiores que, por si sós, não estão em
condições de fazê-lo, em razão de perturbações mentais. Como a tutela, a
curatela é considerada, no direito pátrio, o instituto de proteção e amparo ao
incapaz, em que a lei estabelece o critério para sua nomeação pelo juiz, sendo
que a tutela protege o incapaz em função da idade e a curatela em função de
uma sentença de incapacitação. Em razão desta incapacidade, estão sujeitos ao
múnus todos os deficientes mentais, quer tenham momentos de lucidez ou
não.
É de se notar, contudo, que embora o Código Civil, no artigo 1.781,
estabeleça que as regras a respeito do exercício da tutela sejam aplicáveis à
curatela, o fundamento desta está muito mais na proteção dos bens do
curatelado do que realmente na sua pessoa. O instituto da tutela é aplicado
quando os pais falecem ou são destituídos do poder familiar, enquanto que,
para a curatela, não há essas hipóteses, mesmo porque o instituto foi criado
para todos os deficientes mentais que não podem agir por si sós,
independentemente de possuírem pais vivos ou não.
A curatela é um instituto que tem sua origem no direito romano, como
já assentado no início desta tese. Todavia, nesse regime não foram definidos
146.Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro, v.5, cit. 605; Caio Mario da Silva Pereira.
Instituições de Direito Civil, cit.p.265.
99
os princípios que nortearam sua criação, “admitindo-se fosse deferida a
maiores não sujeitos ao pátrio poder, a menores púberes, protegendo-os na
sua experiência e até mesmo ao maior de 25 anos, a pedido do próprio
interessado”147. Como sua finalidade é a proteção do deficiente intelectual,
faz-se necessário verificar se a curatela é, de fato, o mais adequado instituto
para o deficiente intelectual profundo. Ao chegar o amental à maioridade de
direito, o Código Civil no artigo 1.768, obriga os pais ou o cônjuge, se aqueles
forem casados, a promoverem a interdição. A expressão “deve”, do artigo
citado, e a intervenção do Ministério Público, quando os legitimados não o
fazem , demonstra a obrigatoriedade do instituto.
Importa destacar que no artigo 1781 do Código Civil o legislador, ao
determinar que as normas da tutela, quanto ao exercício, sejam aplicadas à
curatela, não afastam as regras do poder familiar. Ora, a tutela é um instituto
criado para substituir os pais que falecerem ou que forem destituídos do cargo
e, portanto, tem o mesmo fundamento do poder familiar. Logo, não há razão
para mudança do regime se os pais, ou um deles, estiverem vivos e ainda
exercerem a função.
Questão relevante é a de saber se o poder familiar se extingue com a
instituição da curatela. A tutela, conforme reza nosso ordenamento, é instituto
criado para substituir os pais, não podendo, portanto, conviver com o poder
familiar148. Com a curatela assim não se dá. Na curatela, os pais podem estar
vivos, não terem decaído do poder familiar e haver convivência dos dois
147.Clóvis Beviláqua. Direito de Família, apud Carvalho Santos, cit. 380.148.Diniz, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro,v. 5, cit. 584.
100
institutos. Entende-se149 que da lei não se pode extrair que a interdição por
enfermidade mental implique a perda do poder familiar quando houver
transmutação do instituto para curatela. Simplesmente, estabelece o art. 1.635
do Código Civil que “extingue-se o poder familiar com a maioridade”. Ora, se
se considerar que o amental , ao atingir a idade de 18 anos, adquire a
maioridade, então o poder familiar se extingue. Se não a adquiriu, qual a razão
jurídica para a mudança? Os pais, se não houver nenhuma causa suspensiva,
certamente serão capazes de administrar a pessoa e os bens daquele que, para
eles, ainda é considerado menor.
Para CLÓVIS BEVILAQUA, “o pai, ou a mãe, no exercício do pátrio
poder, requererá ao juiz a interdição, para que sua autoridade se amolde à
nova situação do filho; mas a curatela do progenitor será sempre a
continuação do pátrio poder, exercendo ele, sobre o filho maior, os mesmos
direitos e tendo os mesmos deveres que a lei lhe atribui em relação ao
menor”150.
Caso haja extinção do poder familiar, somente para aquele que foi
nomeado curador, não haverá um corte de atribuições no lar do deficiente?
Estas questões o legislador não abordou. RUGGIERO151 comenta que a
lei não diz em nenhum momento que a interdição por enfermidade mental
implique perda do poder familiar, em razão de esta ser uma pena ao pai
negligente, e que, nesse caso, não há culpa do pai, mas apenas uma lamentável
situação.
149.Ruggiero, Instituciones de derecho civil, cit., p.243.150.Clovis Bevilaqua in Carvalho Santos. Código civil brasileiro interpretado, cit. p.381.
101
Pelo explanado, entende-se que a curatela não é o meio adequado de
proteção eficaz para o amental, se a deficiência for adquirida no nascimento
ou na primeira infância, e, mesmo após a maioridade, se solteiro e possuir pais
vivos na continuidade do exercício do encargo, mesmo porque a interdição, no
ordenamento jurídico pátrio, embora seja um procedimento de jurisdição
voluntária, não contenciosa, é considerada, por outros, desnecessária e
desgastante para o excepcional e seus familiares, como demonstrar-se-á “a
posteriori”.
A curatela dos adultos incapazes, instituto criado há dois séculos para
proteção do maior incapaz, com sua interdição aflitiva, violadora de princípios
constitucionais152, infelizmente não foi extirpada do Código Civil de 2.002.
Embora o legislador, ao tentar acrescentar mais responsabilidades ao curador,
tenha ampliado seu alcance, ao aplicar as mesmas regras da tutela a esse
instituto, vê-se aí uma incoerência. Se as regras são, em grande parte, as
mesmas, como se afirmou anteriormente,, não há razão para a mudança do
instituto quando o menor deficiente intelectual, que estiver sob o encargo
tutelar, alcançar a maioridade.
Como se vê, o instituto da curatela não é o mais adequado para o
deficiente intelectual profundo, mas tão-somente para os que possuem
momentos de lucidez, isto é, as “curatelas destacadas da disciplina legal do
instituto em razão de suas particularidades e as especiais”153, em cujo
151.Ruggiero,. Instituciones de derecho civil, cit., p.244.152.O preâmbulo da Constituição Federal destaca que o Estado Democrático deve assegurar o direito ao bem-
estar, à justiça e à igualdade e ter como fundamento a dignidade da pessoa humana.(CF, art. 3° II).153.Diniz, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 5, cit. p. 631/632.
102
interregno possam vir a praticar atos e negócios jurídicos, que lesem o próprio
patrimônio e o de terceiros.
É certo que cabe à medicina fazer o diagnóstico da alienação. O laudo
médico, embora o magistrado não fique adstrito a ele, é importante que na
declaração da incapacidade fique evidente o princípio isonômico.
Um instituto especial, menos invasivo, com um processo de declaração
de incapacidade mais tranqüilo para o deficiente intelectual severo, deverá ser
introduzido em nosso ordenamento jurídico, assim como ocorreu no direito
alienígena, em especial no belga e no espanhol. O processo de interdição, que
será abordado a seguir, como hoje é utilizado para incapacitar o amental
profundo, não está em consonância com o princípio da dignidade e tampouco
com o princípio da igualdade.
1.3.3.PROCESSO DE INTERDIÇÃO NO DIREITO PÁTRIO E LACUNA
AXIOLÓGICA
É importante destacar, inicialmente, a diferença entre interdição judicial
e interdição legal. Esta é uma pena privativa de liberdade que decorre da
condenação por crime, que impede alguém de exercer o seu direito. Resulta de
uma sentença que pronuncia a condenação, enquanto que a interdição
judiciária se dirige ao maior para restringir sua capacidade, ao privá-lo da livre
administração de seus bens. É desta segunda interdição que se tratará a
seguir154.
103
CLÓVIS BEVILAQUA conceitua a interdição como sendo o ato que
retira ao alienado, ao surdo-mudo e ao pródigo a livre administração de seus
bens, submetendo, em vários casos, a própria pessoa à autoridade de um
curador155.
O processo de interdição aqui será visto sob o prisma processual,
procurando-se evidenciar o lado negativo para o deficiente intelectual
profundo.
A interdição judiciária resulta de um julgamento; portanto, poderá haver
contraditório, recurso de apelação, sentença, e o deficiente é denominado
demandado.
Como a finalidade do processo é declarar a incapacidade e, ao mesmo
tempo, constituir um novo regime, o procedimento tem início, como
estabelece o artigo 1.177 do Código de Processo Civil, com o pedido, que
pode ser formulado pelo pai, mãe, tutor, cônjuge ou companheiro156, parentes
próximos e pelo Ministério Público.
“Art. 1.177. A interdição pode ser promovida:
I- pelo pai, mãe ou tutor;
II- pelo cônjuge ou algum parente próximo;
III- pelo órgão do Ministério Público”.
154.Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, cit., p. 494.155.Carvalho Santos, Código.Civil. brasileiro interpretado, vol.XIV, cit, p.136.156.Art. 226, parágrafo 3º, da Constituição Federal: “Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a
união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em
104
O artigo prescreve um poder. O termo empregado pode dar idéia de que
não há obrigatoriedade, ser uma faculdade; caso contrário, o legislador
utilizaria a expressão “deve”, mas, como o artigo 1.178 legitima o Ministério
Público a requerer a interdição por qualquer causa, antes mesmo da
manifestação dos legitimados, o legislador, ao tornar o MP legitimado para
todos os pedidos157, a considerou obrigatória para os amentais.
“Art. 1.178. O órgão do Ministério Público só requererá a
interdição:
I- no caso de anomalia psíquica;
II- se não existir ou não promover a interdição alguma das
pessoas designadas no artigo antecedente, ns. I e II.
III- se, existindo, forem menores ou incapazes”.
A declaração do artigo 1.177, em matéria de legitimação ativa para
promover a interdição, por ser muito ampla, acredita-se não respeitar a
intimidade da relação entre pais e filhos porque há intromissão de terceiros,
que, em princípio, não é desejável. Se se tratar de menor não emancipado e
este estiver sob o poder familiar, só se justificaria a promoção se feita pelos
pais, ou qualquer um deles, com a intervenção do Ministério Público, sem
nunca precedê-los. Como o menor já tem o seu guardador legal nas pessoas de
seus pais ou tutor, deve, portanto, haver respeito por quem exerce este poder
de guarda. Se em nosso direito os pais são os curadores do filho interditado,
não há porque legitimar parentes para a mesma função. Já é por demais ampla
casamento”.
157.Nelson Nery e Rosa Maria Nery, Código de processo civil comentado, Ed. Revista dos Tribunais, SãoPaulo, 8ª ed., 2004, p. 1343.
105
a competência atribuída aos pais no artigo 1.634 do Código Civil, em relação
às suas responsabilidades quanto ao poder familar.
Outro ponto importante: o processo de interdição é longo e desgastante.
O início do procedimento se dá com o requerimento dos interessados. Estes,
através de advogado, segundo o artigo 1.180 do Código de Processo Civil,
necessitam provar sua legitimidade e especificar os fatos que revelam a
anomalia. Na citação, de acordo com o artigo 1.181 do Código de Processo
Civil, o interditando comparece perante o juiz, que o examina e faz os
interrogatórios para seu convencimento, permitindo, contudo, que o
interditando, dentro de 5 dias contados da audiência, impugne o pedido.
O art. 1.183 do Código de Processo Civil não menciona a possibilidade
de se dispensar a perícia médica, muito pelo contrário a exige com laudo
completo sob pena de nulidade. Acredita-se que, diante da evidência da
anomalia, o magistrado poderá dispensar a perícia158, que é bastante
constrangedora para o deficiente. Entretanto, a questão é controvertida, pelo
fato de farta orientação jurisprudencial declarar nulo o processo de interdição
se não houver exame pericial159. Ao decretá-la, o juiz nomeia curador ao
interdito. Importante observar que, pela ordem estabelecida no artigo 1.775 do
Código Civil, o pai ou a mãe, caso estejam vivos e exercendo o poder familiar,
fatalmente serão os curadores do filho.
Um procedimento mais rápido e menos burocrático seria o melhor
caminho para que os direitos à dignidade e privacidade do amental fossem
158.Nelson Nery, Código de processo civil comentado,cit.,p.837.159.RT 786:270; RT718:212; RT 715:133; RT785:226.
106
respeitados, mesmo porque o fator tempo nesse processo é de suma
importância. Ao longo de sua tramitação, pode haver mudança dos fatos que
deram origem à lide e pode ser que, inclusive, tenham desaparecido as razões
para se declarar a incapacidade.
Merece destaque o excesso de publicidade envolvido no processo de
interdição. A sentença é publicada pela imprensa local e pelo órgão oficial por
três vezes160, com intervalo de 10 dias, constando do edital os nomes do
interdito e do curador, a causa e os limites da curatela. Situação extremamente
constrangedora ao expor toda a problemática do deficiente e de sua família
nos jornais. Na realidade, a sentença de interdição é uma verdadeira pena para
o interditando161 e seus familiares, ao se aproximar bastante da jurisdição
legal, anteriormente mencionada, pelo custo do processo, excesso de
repercussão, dificuldade do interessado em se defender, impedimento de fazer
quase tudo. Equipara-se, mutatis mutandis, a uma pena privativa de liberdade.
Entende-se ser a disciplina inconveniente e arcaica com graves efeitos. Se o
fundamento da publicidade é comunicar a terceiros que aquela pessoa não está
apta para gerir seus bens e sua pessoa, não seria melhor, além de fazer constar
a incapacidade no Registro Civil, adicionar na carteira de identidade o seu
estado, os limites de seus atos, através de uma sentença judicial de
incapacidade?
160.O Tribunal de Justiça de Alagoas deu provimento a recurso de apelação impetrado pelo Ministério
Público, que alegou que o juiz a quo feriu o princípio constitucional da publicidade dos atos judiciais, aodeterminar apenas a fixação da sentença no átrio do fórum daquela comarca. Segundo o parquet, o artigo1.184 do CPC estabelece a obrigatoriedade da publicação da sentença de interdição na imprensa local epelo órgão oficial por três vezes, uma a cada dez dias.O Tribunal assim entendeu porque os atos e negócios jurídicos praticados por incapazes, sem a devidarepresentação ou assistência, necessitam ter a maior publicidade possível para proteger terceiros. RT754/p.340.
161.Barros Monteiro, Washington de. Curso de direito civil, direito de família, cit., p.321. Whashingtonsustenta que a curatela constitui medida de proteção e amparo e não é considerada uma pena.
107
É de se notar que não temos encontrado na doutrina nenhuma alusão a
respeito das funções específicas de curadores deferidas aos pais do
interditando com deficiência mental grave, mesmo porque a lei simplesmente
repete as funções da tutela para a curatela, como se os critérios regidos por
aquela fossem os mesmos desta. É notório que devem ser diferentes. Mesmo
que seja introduzido em nosso país o poder familiar prorrogado, este não
poderá ser semelhante ao poder familiar ordinário, porque não há como
comparar o exercício do cuidado com um filho menor de idade e aquele
dispensado a um filho maior deficiente. É preciso que se reforce a proteção de
um filho cujo desenvolvimento é completamente diferente do apresentado por
um filho normal. Não se pode olvidar, ainda, a carga que pesa sobre os pais
cujo filho, permanentemente, há de precisar de cuidados especiais por sua
deficiência.
Os pais, segundo o artigo 1.768 do Código Civil, foram simplesmente
colocados no rol dos que podem promover a interdição e dos legitimados a
exercer o encargo, sem a preocupação em descrever o que muda na função de
curadores, isto é, se continuam a exercer normalmente o poder familiar e quais
os princípios que norteiam a transmutação do instituto do poder familiar para
curatela, o que difere do direito espanhol, que definiu claramente, no artigo
236.2º, a função dos pais tutores:
“Cuando a tutela corresponda al padre y la madre, será ejercida
por ambos conjuntamente de modo análogo a la patria
potestad”.
108
Se a intenção foi criar uma medida de proteção ao incapaz, para evitar
dano à sua pessoa ou ao seu patrimônio, não parece lógico que o deficiente
intelectual severo, profundo, que até a maioridade esteve protegido sob o
poder familiar, o pai ou a mãe possam como num passe de mágica, pelo fato
de terem se tornado curadores, transmutarem o comportamento depois de 18
anos de convivência.
O descaso com o deficiente intelectual tem sido de tal monta que o
legislador, sem perspicácia nem percepção, incluiu o deficiente intelectual
congênito, severo e profundo, no rol dos interditos, juntamente com os
pródigos, ébrios e portadores de deficiências leves.
Entende-se, com essa inclusão, ter havido uma violação ao princípio da
igualdade. Segundo lição de ROBERT ALEXY162, o ato estatal pode causar
uma desigualdade de fato. Para comprovar, dá um exemplo singelo,
metafórico, dentro de um critério de igualdade de felicidade, mas que se
mostra de modo bastante claro que, para que haja igualdade de fato, é
necessário que haja a igualdade de direitos. Se um pai presenteia seus dois
filhos com bolas iguais, satisfaz plenamente a igualdade jurídica. É o que o
autor chama de “ato”, contudo, um dos filhos pode se sentir infeliz, não tendo
sido criado, portanto, sob o critério da igualdade de felicidade, nenhuma
igualdade no que se refere às conseqüências do ato. Para se tratar o igual
igualmente e o desigual desigualmente, é necessário que a primeira
formulação deva ser tratada com uma norma de tratamento igual e a segunda
com uma norma de tratamento desigual.
109
O deficiente intelectual congênito, irreversível, ou que adquiriu a
deficiência na infância e sempre conviveu com os pais, que, no tempo da
interdição ainda estavam vivos e não tenham sofrido as sanções dos artigos
1.637 e 1.638 do Código Civil, não pode ter o mesmo tratamento que os
deficientes que possuem momentos de razão, de lucidez, e que nesses
interregnos possam causar prejuízo a terceiros de boa fé.
Diante do exposto, sustenta-se que a curatela não é o instituto protetor
adequado para o deficiente intelectual profundo mas, sim, o poder familiar
prorrogado, como no direito espanhol e belga, com uma declaração de
incapacidade mais branda e compatível com a fragilidade do amental
congênito.
Como há uma inadequação do texto do artigo 1.767, III, do Código
Civil, em relação a um valor objetivo, que se refere ao amental profundo, crê-
se estar diante de uma lacuna axiológica. O magistrado, ao aplicar o artigo
1.767 do Código Civil, deverá fazê-lo de forma que, sem destruir a validade
da lei, o faça evitando que a mesma seja utilizada injustamente. Nada obsta
que o juiz colmate a lacuna supra mencionada com os princípios gerais do
direito, art. 4° da Lei de Introdução ao Código Civil, em razão do princípio
que informa a curatela, o do interesse superior do deficiente intelectual,
prorrogando, desta forma, o poder familiar nesses casos atípicos, porque, caso
aplique as normas da curatela ao deficiente intelectual severo, poderá gerar
uma situação de não correspondência da norma com os valores vigentes,
acarretando injustiça. VICENTE RÁO leciona:
162.Alexy, Robert. Teoria dos derechos fundamentales, Madrid, 1997, p.405.
110
“O legislador, na realidade, só impôs uma condição no tocante
às relações entre os princípios gerais e as regras particulares e
legais de direito, a condição, isto é, de que entre estas e aquelas
não haja desacordo, ou antinomia”163.
As regras específicas que regem o poder familiar prorrogado estão mais
filiadas ao princípio do interesse superior do amental, que, consequentemente,
se filiam ao princípio maior da dignidade, elencado na Constituição Federal,
não havendo, portanto, impedimento legal para sua aplicação no direito pátrio.
Ao contrário, o juiz está plenamente autorizado a fazê-lo, ante os princípios
positivados acima demonstrados. Além do que, como leciona MARIA
HELENA DINIZ, na sua tese sobre a problemática das lacunas, o direito é
lacunoso, em razão de o desenvolvimento social crescer em progressão
geométrica, enquanto que a elaboração das normas jurídicas se dá em
progressão aritmética, de sorte que se torna impossível a regulamentação de
cada fato surgido no mundo social. Entretanto, este fato não justifica o “non
liquet”, porque o dinamismo do direito mobiliza, seja pelo Poder Legislativo
ou Judiciário, soluções que serviriam de base para qualquer decisão.
“Portanto, sempre haverá um direito para qualquer relação jurídica, por mais
intricadas, heterogêneas ou excêntricas que sejam”164. O poder judiciário não
poderá se furtar de julgar sob o prisma dinâmico, sempre em constante
mutação, contendo dimensões normativas, fáticas e axiológicas. Assim
doutrina a referida autora:
163.Ráo, Vicente. O direito e a vida dos direitos., Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, ed.4, p.271.164.Diniz, Maria Helena. As lacunas do direito, Saraiva, São Paulo, 1989, 2ª ed. p.117.
111
“Caso haja uma inadequação entre os sistemas, em razão de sua
própria evolução interna, pode dar origem a uma situação
indesejável em que a norma e o fato correspondente entrem em
conflito com o valor que os informa, ou que o fato, devido a uma
modificação social, não mais atenda aos ditames axiológicos,
conflitando assim com a norma”165.
A mesma doutrinadora ainda sustenta que:
“A integração de uma lacuna não se situa no plano legislativo
nem tampouco é uma delegação legislativa ao juiz; ele não cria
novas normas jurídicas gerais, mas individuais, ou, na expressão
de Betti, máximas de decisão, que só poderão ascender à
categoria de normas jurídicas gerais, tão-somente em virtude de
um subseqüente processo de recepção e absorção dessas normas
por uma lei ou jurisprudência, uma vez que as Súmulas do
Tribunal são tidas por alguns autores, como normas gerais”166.
Do exposto, pode-se concluir que, no caso em questão, o magistrado
não poderá se furtar a dar sentença em razão da regra geral do artigo 4º da Lei
de Introdução ao Código Civil brasileiro, devendo julgar pelos princípios
gerais do direito, que, na sua particularidadede, para o caso da tese em tela,
estão jungidos ao princípio maior da dignidade humana concedendo a
prorrogação do poder familiar para o pai ou a mãe do amental congênito e
profundo. Sua decisão não será “contra legem”, mas estará em perfeita
165.Diniz, Maria Helena. As lacunas no direito,cit., p.110.166.Diniz, Maria Helena. As lacunas do direito cit. p. 107.
112
consonância com os mandamentos constitucionais, art. 1º, III, art. 5º; art. 170,
que estão fundados no direito natural, isto é, o da dignidade da pessoa
humana, sanando, assim, a lacuna, mesmo porque os princípios gerais do
direito, como doutrina MARIA HELENA DINIZ:
“São elementos componentes do direito, normas de valor
genérico que orientam a compreensão do sistema jurídico, em
sua aplicação e integração”167.
Na aplicação das normas, o magistrado deve partir da premissa básica
de que a lei é um instrumento, um meio a serviço do homem, de sua liberdade,
sua dignidade e sua felicidade168.
Segundo a lição de EDUARDO C.B. BITTAR, “os direitos civis, para
representarem uma ordem justa, legítima, fundada na igualdade e no respeito
ao ‘status naturae’, devem encarnar os chamados direitos naturais”169, e os
princípios gerais do direito têm seu fundamento, sua origem, no direito
natural.
Procurar-se-á, em seguida, discorrer sobre o instituto da curatela no
direito comparado, com regimes diferenciados para os deficientes intelectuais
profundos.
1.3.4. CURATELA NO DIREITO COMPARADO
167.Diniz, Maria Helena. As lacunas do direito, cit. p. 231.168. Heredia Puente, Mercedes y Fábrega Ruiz, Cristóbal. Protección legal de incapaces, cit. p.10.
113
Em muitos ordenamentos jurídicos, a curatela não é o instituto
adequado para proteger o maior deficiente intelectual.
Com a Lei de 9 de janeiro de 2004, nº 6, o Código Civil italiano
introduziu a figura jurídica denominada “L’amministrazione di sostegno”
(Administração de apoio), instituto de proteção civilística para deficientes
mentais maiores sem muito comprometimento, como os anciãos, alcoólatras,
toxicômanos, no que modificou o título XII, Capo II, do livro primeiro
Código Civil, que passou a ser substituído pelos termos: “Della interdizione,
della inabilitazione e della incapacita naturale”. É no artigo 404, infra, que se
encontra a nova disciplina em vigor:
“Art. 404. La persona che, per effetto di uma infermitá ovvero di
uma menomazione física o psichica, si trova nella impossibilita,
anche parziale o temporanea, di provvedere ai propri interessi,
puó essere assistita da un amministratore di sostegno, nominato
dal giudice tutelare del luogo in cui questa ha la residenza o il
domicilio”170.
O legislador italiano, preocupado com o processo de interdição,
considerado superado, em vigor para todos os que se encontravam em
condições de habitual enfermidade mental e incapacitados de agir por si sós,
abrogou o artigo 414, acrescentando os termos “sono interdetti quando cio’ é
169.Bittar, Eduardo C. B. Teorias sobre a Justiça, ed.1, 2000, Editora Juarez de Oliveira, São Paulo, p. 166.170 Da interdição, da inabilitação e da capacidade natural.
Art. 404. A pessoa que, em razão de uma enfermidade, ou seja, uma diminuição física ou psíquica seencontrar na impossibilidade, ainda que parcial ou temporária, de agir em seu próprio interesse, podeestar assistida por um administrador de apoio, nomeado pelo juiz tutelar, do lugar onde aquele possuiresidência ou domicílio (Tradução livre).
114
necessário” e limitando, assim, a interdição apenas para os deficientes severos
e profundos.
Art. 414. “( Persone che possono essere interdette ). Il maggiore di eta’
e il minore emmancipato, i quali si trovano in condizioni di abituale infermitá
di mente che li rende incapaci di provvedere ai propri interessi, sono intedetti
quando cio´ è necessário la loro adeguata protezione”171.
Na administração de apoio não há o processo da interdição, mas um
apoio do juízo tutelar. Este, quando advertido por parentes ou vizinhos, de que
o deficiente passa por dificuldades que sozinho não consegue resolver, como,
por exemplo, vender ou alugar um imóvel, arrendar uma fazenda etc,
imediatamente aciona um assistente social, conversa com o deficiente, realiza,
se necessário, uma perícia, consulta quem mora ao redor e, por fim, através de
um decreto, nomeia alguém, que pode ser da família ou não, para lhe dar
suporte naquele ato específico, constando do decreto o início e o fim do
encargo172. Como se vê, o beneficiário, nesse instituto, conserva intacta sua
soberania, seu direito e sua capacidade de agir.
O direito alemão, a partir de 1° de janeiro de 1992, aboliu, por
completo, o instituto da curatela em razão da “Lei do Direito de Orientação”,
que determina qual o regime jurídico a que alguém ficará submetido, sempre
171.Art. 414. Pessoas que podem ser interditadas.
O maior de idade e o menor emancipado os quais se encontram em condições de habitual enfermidadede mente e que se encontram incapazes de agir em seu próprio interesse são interditados quando fornecessária a adequada proteção deles (tradução livre).
172.Paolo Cendon. Articolo: “Uma civile alternativa all interdizione”, da “Il Sole 24Ore” de 20/02/2000. e“Um altro diritto per i soggetti deboli. Abrogare l’interdizione e l’inabilitacione”.www.personaedanno.it/files/personaedanno_news_it_2690 resource.
115
no sentido mais pessoal que patrimonial, por valorizar o desejo e a vontade da
pessoa, limitando-a somente aos atos estritamente necessários173.
A curatela no direito suíço, disposta no artigo 367.2 do CC, foi
instituída no sentido de proteger o patrimônio do incapaz e não a sua pessoa,
cujo instituto apropriado é o da tutela174.
“Art. 367.2. Le curateur est institué em vue d’affaires
d’eterminées ou pour une gestion de biens”.
O Código Civil belga não menciona o instituto da curatela, mas prevê
vários regimes de proteção ao amental de acordo com a natureza e a gravidade
do caso, tais como:
a) a interdição judiciária para colocar o maior ou menor sob tutela, art.
489 do Código Civil;
b) a menoridade prolongada, art. 487, bis do Código Civil que será
analisada posteriormente, no exame do processo de incapacitação no direito
comparado;
c) o conselho judiciário, regime criado para aqueles que, embora não
estejam totalmente desprovidos de discernimento, são fracos mentalmente em
razão da idade avançada, acometidos de doença que lhes diminuam o
entendimento, além daqueles que apresentam falta de desenvolvimento
173.Schulter, Wilfried. Tradução da 9ª. edição por de Elisete Antoniuk, CC alemão-Direito de família,
Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 2002, p. 36.
116
intelectual e os pródigos, os quais fazem uso anormal de seu patrimônio,
dilapidando-o. É o que podemos extrair dos arts. 513 e 514 do Código
Civil 175,que assim dispõem:
“Chapitre III : Du conseil judiciaire
Article 513:
Il peut être défendu aux prodigues de plaider, de transiger,
d'emprunter, de recevoir un capital mobilier et d'en donner
décharge, d'aliéner, ni de grever leurs biens d'hypothèques, sans
l'assistance d'un conseil qui leur est nommé par le tribunal”.
“ Article 514
La défense de procéder sans l'assistance d'un conseil peut être
provoquée par ceux qui ont le droit de demander l'interdiction;
leur demande est introduite et jugée de la même manière, à
l'exception toutefois de ce qui est prescrit par les articles 1.244 et
1.245 du Code Judiciaire concernant l'expertise par un ou des
médecins neuro-psychiatres et l'assistance de l'intéressé par un
médecin; l'interrogatoire de l'intéressé peut en ce cas avoir lieu
en chambre du conseil; il en est dressé procès-verbal signé par le
174.Art. 367. 2. O curador é instituído para casos determinados ou por uma gestão de bens (Tradução livre).175.Capítulo III: Do Conselho Judiciário. Art. 513. Ele pode proibir aos pródigos de advogar, transigir,
emprestar receber um capital imóvel, doar com encargo, alienar e gravar seus bens com hipoteca sem aassistência de um conselheiro que lhes é nomeado pelo tribunal.Artigo 514. A proibição de proceder sem assistência de um Conselho pode ser provocada por aquelesque têm o direito de pedir a interdição; seu pedido é introduzido e julgado da mesma maneira, áexceção, todavia, daquele que é prescrito pelos artigos 1244 e 1245 do Código Judiciário, concernente àperícia por um ou mais médicos neuro-psiquiatras e assistência do interessado por um médico; ointerrogatório do interessado pode, neste caso, ter lugar em Câmaro do Conselho. O processo é verbal eassinado pelo juiz e pelo escrivão; o procurador do Rei assiste o interrogatório e o requerente podeestar presente.
117
juge et le greffier; le procureur du Roi assiste à l'interrogatoire
et le requérant peut y être présent”.
d) a administração provisória dos bens do maior, art. 488, bis, “a”. do
Código Civil176:
“Le majeur qui, en raison de son état de santé, est totalement ou
partiellement hors d'état de gérer ses biens, fût-ce
temporairement, peut, en vue de la protection de ceux-ci, être
pourvu d'un administrateur provisoire, lorsqu'il n'est pas déjà
pourvu d'un représentant légal”.
No que diz respeito ao regime da curatela no direito espanhol, é de se
constatar que não é tão abrangente como no direito pátrio. Embora em ambos
seja um cargo de assistência aos maiores incapazes, sua função é a de
complementar a capacidade de quem não é plenamente capaz. O curador não
supre integralmente o protegido dele, não o representa nem cuida, isto é, não
tem a guarda do submetido a ela, mas, apenas, supre sua capacidade naqueles
atos que não pode realizar por si mesmo. O artigo 286 do Código Civil
espanhol estabelece os que estão sujeitos à curatela:
“1º. Los emancipados cuyos padres fallecieren o quedaran
impedidos para el ejercicio de la asistencia prevenida por la Ley.
2º. Los que obtuvieren el beneficio de la mayor edad
3º. Los declarados pródigos”.
118
Os deficientes intelectuais não aparecem no rol definido pelo Código,
em razão de que, neste ordenamento, os desprovidos de capacidade, desde que
a sentença que declara a incapacidade não tenha determinado o contrário177,
estão sob o instituto da “patria potestad” prorrogada ou reabilitada, da tutela
ou da tutela prorrogada ou reabilitada. Pode, ainda, o magistrado, em razão
das circunstâncias do caso, decidir que o deficiente intelectual fique sob o
regime da curatela, se entender que o mesmo tem momentos de lucidez. Em
julgado de 2.004, o Tribunal Supremo, com sede em Madrid, ao apreciar
recurso sobre incapacitação, entendeu que aquele que não tem um retardo
mental considerável não deve ser posto sob tutela, mas sob curatela,
considerado nesse país um regime menos abrangente, e determinou a extensão
da mesma178. Este instituto, para os casos elencados no artigo 286 do Código
Civil, terá como objeto simplesmente a assistência do curador para os atos que
estabeleceu expressamente a sentença declaratória de incapacidade179,
podendo, a curatela, inclusive, ter um conteúdo também pessoal. O legislador,
no artigo 289 do Código Civil, deu margem a que o magistrado possa
determinar em quais atos pessoais e/ou patrimoniais o curador poderá intervir.
Os atos que requerem a intervenção do curador na curatela dos emancipados e
daqueles que obtiveram o benefício da maioridade estão pré-estabelecidos
176. Art. 488 bis, a. O maior que, em razão de seu estado de saúde, está total ou parcialmente impedido de
gerir seus bens, mesmo que temporariamente, pode, em vez desta proteção, ser provido de umadministrador provisório, desde que não esteja provido de um representante legal.
177.“Art. 290- La curatela de los incapacitados tendrá por objeto la asistencia del curador para aquellosactos que expresamente imponga la sentencia que la haya establecido”.
178.“Órgano: Tribunal Supremo. Sala de lo Civil. Sede: Madrid. Sección: 1. Nº de Recurso:2898/1999. Nº deResolución: 646/2004. Fecha de Resolución: 30/06/2004. Procedimiento: Civil. Ponente: JESUSCORBAL FERNANDEZ. Tipo de Resolución: Sentencia”.Resumen: INCAPACITACION: declaración judicial: reglas para acordarla. Grado de discernimiento.Retraso mental discreto: Incapacidad atenuada. Curatela: extensión y limites. Especificación: non afecta aesfera personal. Restricciones en campo patrimonial.
179.Carlos Rogel Vide, Derecho de la persona, cit. 57.
119
legalmente. Quanto aos incapazes, o juiz detém poder discricionário para
decidir se ficarão sob tutela ou curatela.
Portanto, os deficientes mentais somente serão postos sob curatela se
concorrerem as causas que os impeçam de estarem sob os institutos protetores
elencados supra ou se o magistrado entender ser essa melhor opção em razão
do grau de discernimento do incapaz180. Como o curador apenas complementa
a capacidade do submetido a ela, nos atos jurídicos que não pode realizar por
si só, mediante intervenção, assistência ou autorização, o ato realizado pelo
curatelado, sem a intervenção do curador, é considerado anulável, segundo
disposto no artigo 293 do Código Civil181, salvo se for confirmado pelo
curador.
Abordar-se-á no capítulo seguinte, o procedimento de incapacitação no
direito espanhol, analisando-o frente ao direito belga e pátrio.
1.3.5. PROCESSO DE INCAPACITAÇÃO NO DIREITO COMPARADO
Embora o direito espanhol tenha evoluído ao criar novos institutos para
o deficiente intelectual, como a prorrogação e a reabilitação da “patria
potestad”, o processo de incapacitação ainda continua moroso como no direito
pátrio, diverso do direito belga, um pouco mais célere na colocação do
180.“Art. 287- Igualmente procede la curatela para las personas a quienes la sentencia de incapacitación o,
en su caso, la resolución judicial que la modifique coloquen bajo esta forma de protección a su grado dediscernimiento”.Art. 277 – También se extingue la tutela:2°- Al dictarse la resolución judicial que ponga fin a la incapacitación, o que modifique la sentencia deincapacitación en virtud de la cual se sustituye la tutela por la curatela.
181.“Art. 293- Los actos jurídicos realizados sin intervención del curador, cuanto ésta sea preceptiva, seránanulables a instancia del propio curador o de la persona sujeta a curatela, de acuerdo con los artículos1301 y siguientes de este Código”.
120
instituto da “minorité prolongée”. Doutrinadores espanhóis e italianos182
sustentam que o fator tempo é imprescindível, nesse tipo de processo, em
razão da possibilidade de haver mudança nas circunstâncias que motivaram a
declarar a incapacitação. Outros ainda contestam, inclusive, a necessidade de
um processo para a declaração de incapacidade.
Na elaboração de projetos para a modificação do procedimento de tal
regime, parlamentares espanhóis sustentaram, na exposição de motivos, que
“ la razón de ser de prórroga de la pátria potestad, es precisamente evitar um
procedimiento judicial. Por ello al exigir el artículo 171 la previa declaración
de incapacidad, contraviene la própria esencia de la mencionada figura
jurídica” 183.
MERCEDES Y CRISTÓBAL184 asseveram que:
“Esta institución opera ‘ope legis’ según la mayor parte de la
doctrina y por ello no es necesario establecerlo en la sentencia,
aunque puede ser conveniente”.
BERCOVITZ185 já não corrobora com a não declaração de
incapacidade, argumentando:
182.Cano Chimeno. Marta. Incapacitación, tutela e internamiento do deficiente mental, Ed. Thomson
Aranzadi, ed.2, Navarra, p.87. e Chiovenda, Ensayos de Derecho Procesual Civile, v.II, apud CanoChimeno, Marta: “El tiempo necesario para la definición de la litis no debe redundaren daño sel derechodel actor; la sentencia que acoge la demanda debe reconocer el derecho como si ello ocurriese en elmomento mismo de la demanda judicial” de modo que “el actor consiga no sólo la cosa a la que tienederecho sino también todo cuanto él habria obtenido de la cosa si ésta le hubiere sido entregada altiempo de la demanda”.
183.Grupo Parlamentario Socialista del Congreso, Trabajos Parlamentarios, III, Cortes Generales, 1985,pgs.78 y ss.
184.Heredia Puente, Mercedes y Fábrega Ruiz, Cristóbal, Proteciónl legal de incapaces, cit., p. 29.185.Bercovitz, R., Derecho de la persona, Madrid, 1976, p.78 y ss. apud Jerónimo López Peres, Prórroga de
121
“Tan importante es no incapacitar a alguien en quien non
concurran los requisitos necesarios (proteccción de la liberdad),
como incapacitar a aquél en quien concurra protección de la
persona o del patrimonio, frente a su estado de indefensión
natural”.
No direito pátrio, por exemplo, para se colocar uma pessoa sob o
instituto da curatela, é necessário passar pelo processo de interdição, com o
procedimento estatuído no Capítulo VIII do Código de Processo Civil, sob o
título “Da curatela dos interditos”, e, no Código Civil, Capítulo II, sob o título
“Da interdição”, de que iremos tratar no capítulo seguinte.
É importante destacar que o direito espanhol contempla,
expressamente, nos artigos 201 e 205186, a incapacitação do menor de idade
para efeito de prorrogação da “pátria potestad”. A redação de nosso Código
Civil, em nenhum momento menciona expressamente a possibilidade de se
interditar um menor, mesmo porque o menor deficiente intelectual fica sob o
instituto do poder familiar, assim como o menor incapaz em decorrência da
menoridade. Entretanto, acredita-se que o menor pode ser interditado antes de
completar a maioridade para não se estabelecer um vazio entre o início da
maioridade e a não interdição.
la patria potestad, cit. , p. 35.
186.“Art. 201. Los menores de edad podrán ser incapacitados cuando concurra en ellos causa deincapacitación y se prevea razonablemente que la misma persistirá después de la mayoría de edad”.“Art. 205. La incapacitación de los menores prevista en el artículo 201, solo podáe ser solicitada por
122
Segundo exegese do artigo 1.768, inciso I, do Código Civil, e 1.177,
inciso I, do Código de Processo Civil187, se o tutor pode promover a
interdição, então o menor de idade poderá ser interditado, possibilidade não
difícil de se admitir, ante o fato da responsabilidade civil neste interregno. Não
se pode esquecer que a capacidade se presume.
Embora prevaleça na doutrina o entendimento de que não se concede
curatela se a incapacidade resulta da idade188, PONTES DE MIRANDA189
ensina que a curatela é “cargo conferido por lei a alguém, para reger a pessoa
e os bens, ou somente os bens de pessoas menores ou maiores, que por si não
podem fazer, devido a perturbações mentais”. No mesmo sentido a
jurisprudência, como aduz a Apelação 14.581-4/2, 4ª C. j.de 14.11.1996, cujo
relator, Des. Barbosa Pereira, ressaltou que “é perfeitamente possível o pedido
de interdição de menor, pois a curatela de incapazes é admitida em qualquer
idade, devendo nortear o seu cabimento um critério de utilidade”. Do mesmo
modo a Apelação cível nº 167632-0, da região metropolitana de Curitiba, em
que foi solicitada a interdição de menor, absolutamente incapaz, com o fim
exclusivo de obtenção de benefício junto ao INSS. O relator Ruy Cunha
Sobrinho entendeu que o benefício deveria ser concedido, embora discrepasse
da doutrina nacional de que a interdição de menor é pedido juridicamente
quienes ejerzan la patria potestad o la tutela”.
187.“Art. 1177. A interdição pode ser promovida:I. pelo pai, mãe ou tutor.II. (...)III. (...)Art. 1768. A interdição deve ser promovida:I. pelos pais ou tutores;II. (...)III. (...)”.
188.Orlando Gomes. Direito de família, 12ª ed.. ed. Forense, Rio de Janeiro, 2000, v.5, p.417; Washington deBarros Monteiro, Curso de direito civil, v.2, Saraiva, São Paulo, 25ª ed., 1986, p. 321., sustentam que sócabe a interdição de pessoas maiores de idade.
189.Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, cit., p. 311.
123
impossível. Eis uma parte de seu voto: “Com a devida vênia dos que entendem
em sentido contrário, não há como atropelar um princípio de direito para
ceder às exigências burocráticas de um órgão federal”.
NELSON NERY190 também corrobora com a possibilidade doutrinando
que “se o interditando é filho em idade ainda de se sujeitar ao poder familiar,
os pais só podem postular a medida se, e enquanto estiverem em seu exercício
e que se o pedido for feito por tutor nomeado na forma do ECA, é competente
para o pedido da infância e da juventude. (ECA, 148 IV)”.
Diante da possibilidade de se interditar um menor, entendemos, em
razão da tese, que os casos em tela não seriam de interdição para a mudança
do regime, mas de declaração de incapacidade e a continuação do menor sob o
regime do poder familiar, até que atinja a maioridade, com a prorrogação ex
lege do mesmo regime.
Se os julgados trazidos à baila, admitem a interdição, com muito mais
razão deveriam admitir o poder familiar prorrogado, mesmo porque já existe o
instituto do poder familiar, bastando dar continuidade. Seria, por certo, bem
menos traumático, oneroso, gravoso e muito mais eficaz.
HUMBERTO THEODORO JÚNIOR191 leciona, pelo antigo código de
1916, que a legitimação passiva no processo de interdição se refere ao maior
de 21 anos ou ao menor entre 16 e 21, o relativamente incapaz, porque este
pode praticar atos jurídicos. Todavia, pelo Código Civil de 2002, os pais e
190.Nelson Nery. Comentários ao Código de Processo Civil, cit. p. 1342.191.Theodoro Júnior, Humberto, Curso de direito processual civil, v.III, 16ª ed., Forense, Rio de Janeiro,
124
tutores só podem requerê-la se o menor tiver entre 16 e 18 anos, relativamente
incapaz, ou maior de 18 anos.
No direito espanhol, a Ley 11/1981, de 13 de maio, deu nova redação ao
artigo 171 do Código Civil, introduzindo a “patria potestad” prorrogada
sobre os filhos declarados incapacitados quando menores, de forma que, ao
atingirem a maioridade, seguiriam no mesmo regime. Com isso ficou
estabelecida a possibilidade da declaração de incapacitação do menor, sem
determinação de idade. No direto belga, também há a possibilidade de
declarar a incapacitação do menor, sem limite de idade, para a colocação no
instituto da menoridade prolongada, como estabelece o artigo, já citado 487
bis do Código Civil.
Quanto à natureza jurídica do procedimento que declara a
incapacitação, no direito pátrio, é considerada de jurisdição voluntária, embora
continue sendo essa conceituação uma questão controvertida.
AVELLO FUERTES192, doutrinador espanhol, sustenta ser uma mescla
de componentes, de natureza contenciosa, em razão da imperatividade das
diligências, como audiência de parentes, exame do incapaz etc.
Quanto ao procedimento em si não há muita diferença entre o nacional e
o direito espanhol. Em nenhum deles, a sentença faz coisa julgada material e
1997, p.445.
192.Avello Fuertes, Documentación jurídica, Procedimientos de incapacitación introducidos por la reformadel Código civil en materia de tutela, T.XI, enero-marzo, 1984 in López Pérez Jerónimo, Prórroga yrehabilitación de la patria potestad, cit. 40.
125
não é breve; há citação do interditando, interrogatório, perícia médica e
recurso de apelação.
Como já foi destacado, a possibilidade de declarar incapacitação de
menores, no direito espanhol, está expressamente contemplada nos artigos 201
e 205 do Código Civil, já citados, sendo que aquilo que a diferencia da
incapacitação do maior, para efeito da “pátria potestad rehabilitada” é a
restrição para se fazer a solicitação. Para se incapacitar um menor, somente os
que exercem a “patria potestad” ou a tutela podem fazê-lo, como determina o
artigo 205193, enquanto que para maiores o cônjuge ou descendentes podem
promover a incapacitação; e, na falta desses, os ascendentes ou irmãos do
presumido incapaz, conforme dispõe o artigo 202:
“Corresponde promover la declaración al cónyuge o
descendientes y, en defecto de éstos, a los ascendientes o
hermanos del presunto incapaz”.
O artigo 757.4194do Código de Processo Civil espanhol é taxativo em
determinar que somente os pais e tutores poderão interpor a demanda de
incapacitação do menor195. A norma respeita a intimidade da relação entre pais
e filhos, sem intromissão de terceiros. Isto não significa que o Ministerio
Fiscal não possa intervir, porque o artigo 204 estatui que qualquer pessoa tem
193.“Artículo 205. La incapacitación de los menores prevista en el artículo 201, solo podrá ser solicitada
por quienes ejerzan la patria potestad o la tutela”.194.“Art. 754. 4. No obstante lo dispuesto en los apartados anteriores, la incapacitación de menores de
edad, en los casos en que proceda conforme a la Ley, sólo podrá ser promovida por quienes ejerzan lapatria potestad o la tutela”.
195.“Artículo 757. Legitimación en los procesos de incapacitación y de declaración de prodigalidad.4. No obstante lo dispuesto en los apartados anteriores, la incapacitación de menores de edad, en loscasos en que proceda conforme a la Ley, sólo podrá ser promovida por quienes ejerzan la patriapotestad o la tutela”.
126
a faculdade de dar a conhecer ao Ministério Público os fatos que podem ser
determinantes para a processo de incapacitação196.
Quanto às causas da incapacitação, o direito espanhol estabeleceu, no
artigo 200, de modo sucinto: “Son causas de incapacitación las enfermidades
o deficiências persistentes de carácter físico o psíquico que inpidam a las
personas gobernarse por si mesma”.
De acordo com esse artigo, as pessoas afetadas serão aquelas que não
podem agir por si sós com plena autonomia, em razão de enfermidades ou
deficiência psíquica, cláusula única, genérica e aberta a fim de se evitar
futuros problemas no momento da aplicação. O direito pátrio classificou as
causas no artigo 1.767, I a V, do Código Civil, como veremos mais adiante, o
que poderá dificultar a interpretação dos termos e colocar sob o instituto da
curatela pessoas com deficiências díspares ou mesmo sem necessidade. A
causa aberta do artigo 200, já referido, abarca tanto as enfermidades físicas
quanto as deficiências psíquicas.
MARTA CHIMENO CANO197distingue diferença entre deficiência e
enfermidade. Segundo a doutrinadora, a deficiência supõe características
estáveis que podem ter origem genética ou em uma doença, como a meningite
e oligofrenia. A enfermidade supõe um processo no tempo. São transtornos
que afetam a pessoa e que surgem por causas biológicas como infecção ou
traumatismo, psicológicas ou sociais. E conclui que, embora o artigo 200 se
refira à enfermidades ou deficiências de origem física, somente estão incluídas
196.“Artículo 204. Cualquier persona está facultada para poner en conocimiento del Ministerio Fiscal los
hechos que podan ser determinantes de la incapacitación”.197.Chimeno Cano, Marta. Incapacitación, tutela e internamiento del enfermo mental. cit., p. 47/49.
127
na norma aquelas com repercussão psíquica, com efeitos no entendimento e
vontade da pessoa até o ponto de limitar seu autogoverno.
A autora classifica os transtornos mentais não para vincular o juiz, mas
para que considere a classificação no momento em que realizar o exame
pessoal do presumido incapaz198. Far-se-á um breve resumo de sua
classificação:
“1-Deficiências de la inteligência.
Oligofrenia: estado congênito de deficiência en la personalidad y
en la inteligência que conlleva a otros transtornos asociados (
neurológicos, sensoriais, somáticos, de lenguaje, psicosis o
neurosis.)
El retrasado mental leve: coeficiente de inteligência entre el 50 y
70%; moderado, entre 30 e 50%; grave, entre 20 y 40% e
profendo, inferior a 20%
2-Trastornos mentales de origen orgânico.
Perdida de faculdades psíquicas com deterioro de memória.
Pueden tener su origen en uma enfermedad, lesión cerebral u
outra afección causante de disfunción cerebral. Demências
degenerativas, siendo lãs mas comunes el Alzheimer,
arterioesclerótica; demências vasculares, tóxicas ( consumo de
drogas), deméncias reversibles: hidrocefalia, tumoración;
demência de origen tóxico-metabólico, como la uremia que
198.(...) “Asimismo ha de matizarse que no cabe establecer un baremo diagnóstico que proponga incapacitar
a determinados enfermos mentales, pues los conceptos médicos no vinculan al juzgador”.
128
remite com diálises, o la deshidratación y los desequilíbrios
hidrominerales.
3-Trastornos em los afectos
Depresión: paciente em estado de ánimo anómalo con pérdida de
interés e ilusión generalizada.
4-Trastornos Psicóticos.
El enfermo psicótico carece de capacidad para establecer um
juicio correcto acerca de la realidad. O más representativo es la
equizofrenia. El esquizofrénico sufre uma ruptura de su identidad
o biografia psíquica.
5- Trastorno de Ansiedad.
Conflitos interiores pueden generar neurosis. Por lo general no
afecta a la capacidad de autogobierno del individuo, por lo que
solo en casos muy agudos se podría justificar uma incapacitación
parcial.
6- Trastorno de la conduta alimentaria.
Anorexia nerviosa y la bulimia. En principio estas enfermedades
non son acreedoras de la incapacitación, pero si pueden
justificar internamientos forzosos involuntários en estados
graves, cuando los enfermos non tengan conciencia de su
problemática y estado, y pueden llegar a poner en peligro su
vida.
129
7- Trastornos de la personalidad.
Estos trastornos generan uma conducta desadaptada y
conflictiva com rasgos anómalos, persistentes en quienes los
padecen. Entre stos: Trastorno esquizóide (soledad)
Trastorno esquizotípico (aislamiento social y afectivo)
Trastorno antisocial (agresividade)
Trastorno limite (impulsividad)
Trastorno histriónico (excesiva emotividad)
Trastorno narcisista (grandiosidad, necessidad de admiración)
Trastorno por evitación ( sentimiento de inferioridad)
Trastorno por dependéncia ( falta de confianza)
Trastorno obsesivo-compulsivo (perfeccionismo, indecisión)
Non son causa de incapacitación al no afectar al autogobierno
de la persona”.
MARTA CHIMENO ensina que esta enumeração não pretende esgotar
o tema porque a enfermidade mental, como estudo científico, está sempre em
contínua evolução.
Analisado o processo de incapacitação do direito espanhol, para efeito
de “patria potestad” prorrogada ou reabilitada, abordar-se-á, em seguida, o
procedimento para se colocar o amental no regime da Menoridade Prolongada
no direito belga, menos complexo que o da “patria potestad” prorrogada, do
130
direito espanhol. Está previsto nos artigos 487 ter e 487 quater, do Código
Civil belga199:
“Article 487 ter. La demande de mise sous statut de minorité
prolongée d'un majeur est introduite devant le tribunal de
première instance de son domicile ou de sa résidence, par
requête signée par tout parent, par le tuteur du majeur interdit ou
par leur avocat ou par le procureur du Roi.
A la requête est joint un certificat médical ne datant pas de plus
de quinze jours et décrivant la déficience mentale”.
“Article 487 quarter. Du vivant des père et mère, la personne
mise sous statut de minorité prolongée reste soumise à l'autorité
parentalede ceux-ci. Toutefois, dans l'intérêt de la personne mise
sous statut de minorité prolongée, le tribunal de première
instance peut ordonner, sur requête des père et mère ou de l'un
d'eux ou sur les réquisitions du procureur du Roi, que l'autorité
parentalesera remplacée par la tutelle”.
A demanda de colocação sob o Estatuto se inicia no Tribunal de
primeira instância do domicílio do deficiente, por petição assinada pelos pais
199.Artigo 487terceiro
A demanda para colocar sob o estatuto da menoridade prolongada um menor é proposta diante de umtribunal de primeira instância de seu domicílio ou de sua residência, por pedido assinado pelos pais oupor um deles, pelo tutor ou pelo seu advogado, ou, na falta de iniciativa daqueles, pelo Procurador doRei (tradução livre).Article 487quarto.Vivos, os pais, a pessoa sob o estatuto da menoridade prolongada ficará submetida à autoridadeparental deles. Todavia, no interesse da pessoa colocada sob o estatuto da menoridade prolongada, otribunal de primeira instância pode ordenar, a pedido dos pais, ou de um dos dois ou por requisição doprocurador do Rei, que a autoridade parental seja substituída pela tutela (tradução livre).
131
ou por um deles, pelo tutor, seu advogado ou pelo Procurador do Rei. Se a
demanda for para colocação de um maior sob o estatuto em questão, a petição
poderá ser também assinada por qualquer parente interessado. Deve-se juntar
um certificado médico datado de até 15 dias, com descrição completa da
deficiência mental.
Neste regime não há contraditório como na interdição judiciária, que é
considerado mais custoso. Entretanto, o pedido pode ser feito não só pelos
pais ou tutores, mas também pelos parentes sucessíveis até o 4º grau, ou pelo
Procurador do Rei. Em Câmara fechada o tribunal, sob conclusão do
Procurador do Rei, pode ordenar todas as medidas cabíveis, como um exame
médico, por exemplo. Os debates são reservados, mas o julgamento é feito em
audiência pública. Esses procedimentos estão previstos nos artigos 487 ter e
quinquies do Código Civil Belga200.
200.Artigo 487 quinto. Após convocação, sob comunicação judiciária pelo escrivão, o tribunal ouve, na
Câmara do Conselho, em presença do procurador do Rei, o pai, a mãe ou tutor, conforme o caso ,ououtro parente que demandar, eventualmente assistido por um advogado, bem como a pessoa a que opedido se refere. Essa pessoa é sempre assistida de um advogado designado pelo presidente da ordemdos advogados ou pelo departamento de consulta e de defesa. Se a pessoa não puder se deslocar, seráouvida em sua residência, após uma comunicação feita, sob carta judiciária, pelo escrivão.Será ouvida através de um processo verbal assinado pelo juiz e pelo escrivão.Sobre as conclusões do procurador do Rei, o tribunal ordena toda medida investigatória que ele julgarútil ( tradução livre).O tribunal decide em audiência pública. A decisão tem efeito após o pronunciamento do julgamento. Aapelação está aberta a todas as pessoas citadas na alínea 1 terceira e não tem efeito suspensivo.
132
“Article 487 quinquies. Après convocation, sous pli judiciaire
par le greffier, le tribunal entend, en chambre du conseil, en
présence du procureur du Roi, le père, la mère ou le tuteur, le
cas échéant tout autre parent demandeur, éventuellement assistés
d'avocat, ainsi que la personne que la requête concerne.
Celle-ci est toujours assistée d'un avocat désigné, s'il échet, par
le bâtonnier ou par le bureau de consultation et de défense. Si
elle ne peut se déplacer, elle sera entendue en sa demeure, après
un avertissement donné, sous pli judiciaire, par le greffier.
Il est dressé de leur audition, un procès-verbal signé par le juge
et le greffier.
Sur les conclusions du procureur du Roi, le tribunal ordonne
toute mesure d'enquête qu'il juge utile.
Le tribunal statue en audience publique.
La décision a effet depuis le prononcé du jugement; l'appel est
ouvert à toutes les personnes citées à l'alinéa 1ter; il n'est pas
suspensif”.
Apesar de o direito espanhol ter se preocupado em criar institutos
diferenciados para o deficiente intelectual maior profundo, como o da “patria
potestad prorrogada e rehabilitada”, e mais amplos e flexíveis que o
instituto da “menorité prolongée” do direito belga, ainda peca pelo
procedimento moroso da incapacitação. No direito pátrio, o processo de
interdição, para se colocar uma pessoa no instituto da curatela, também não
condiz com o princípio do interesse superior do amental.
133
Pode-se perceber que o direito alienígena tem procurado minimizar os
institutos que protegem o deficiente, norteando sua aplicação nos princípios da
isonomia, do interesse superior do amental, e o da dignidade da pessoa
humana.
A seguir serão analisadas as conseqüências jurídicas dos atos e negócios
jurídicos realizados pelo amental, sempre no sentido de provocar o poder
legislativo a adotar medidas destinadas a eliminar situações adversas,
passíveis de afetar a vida do deficiente intelectual.
1.3.6.NEGÓCIOS E ATOS JURÍDICOS REALIZADOS PELO AMENTAL
E RESPONSABILIDADE CIVIL
Os negócios jurídicos realizados pelos deficientes mentais profundos, os
quais nem conseguem exprimir seus sentimentos em razão de uma doença
congênita ou em razão de acidente, que não podem enganar terceiros quanto
ao seu estado mental, segundo CARVALHO SANTOS201, não deveriam
incorrer em nulidade absoluta, mas em atos inexistentes. Assim doutrina o
mestre:
“Há inexistência quando nem mesmo materialmente o ato possa
ser atribuído ao louco; quando suas palavras ou seus gestos
desconexos nada exprimirem de concreto e real e nada tenha
assinado, e, apesar de tudo, alguém lhe queira falsamente
201.J. M.Carvalho Santos, Código civil brasileiro interpretado. Tomo XXV, cit., p.299/311.
134
atribuir uma declaração de vontade que nem mesmo
aparentemente por ele haja sido prestada”.
“Com muita facilidade esse ato coincide com o texto do art. 145,
nº I, do Código Civil: é nulo o ato quando praticado (grifo nosso)
pelo absolutamente incapaz (ainda que material ou
mecanicamente); inexistente quando não lhe possa ser atribuída
nem mesmo materialmente a sua autoria”.
O doutrinador se referia ao artigo 166 do Código Civil de 1.916, cujo
teor foi alterado pelo novo Código Civil, pelos termos “celebrado por pessoa
absolutamente incapaz”, o que nada muda, em razão de o ato ser considerado
nulo somente quando o amental for capaz de celebrar, ainda que de modo
mecânico, uma declaração de vontade, aceita pelo outro contratante com
seriedade.
O mesmo autor ainda assevera:
“Se, porém, à impossibilidade física e moral de consentir da
parte do infante, do dormente, do embriagado e do louco, se
acrescentar a impossibilidade corpórea, exclui-se a possibilidade
lógica da parte capaz com eles pretender concluir verdadeira e
seriamente o contrato. Poderá ser uma burla, uma falácia, um
ato de espírito, não um propósito sério, uma intenção positiva e
sensata de contratar. Um contrato em tal hipótese, não pode
existir em relação a nenhuma das partes contratantes; uma
porque não consentiu, não o podendo nem moral nem
135
fisicamente; e a outra, porque, embora houvesse podido moral e
fisicamente prestar o seu concurso, todavia não o prestou nem
podia logicamente prestá-lo de modo sério e eficaz”.
De acordo com o doutrinador202, o legislador de 1916, no art. 145, I, não
fez distinção entre os menores de diversas idades e nem entre os de deficiência
mental grave. O novo Código Civil no art. 166, I, também não o fez,
considerando os atos realizados pelos absolutamente incapazes como sendo
nulos e não inexistentes. Entretanto, como observa o CARVALHO SANTOS:
“o legislador, ao determinar os requisitos de validade do ato jurídico, refere-
se apenas à “capacidade” para dar consentimento, mas não à ausência total
de manifestação desse consentimento A incapacidade é causa de nulidade mas
não a falta total de manifestação da vontade”203. No mesmo sentido,
PLANIOL204, quando doutrina que são inexistentes os atos que não podem
estar acompanhados das condições e das solenidades indispensáveis à sua
existência.
LIMONGI FRANÇA conceitua o ato inexistente como “aquele que não
chegou a configurar-se como ato jurídico, em virtude da falta de um dos seus
elementos constitutivos”205. Ora, constata-se que, de acordo com o artigo 104
do Código Civil, os elementos constitutivos e essenciais de um ato jurídico
são: agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e
forma prescrita ou não defesa em lei.
202.Carvalho Santos. Código civil brasileiro interpretado, v. XXV, cit. p. 308.203.Carvalho Santos. Código civil brasileiro interpretado, v..XXV , cit. p. 300.204.Planiol et Ripert. Traité pratique de droit civil français, Obligation Tome VI, Paris, Librairie Génerale de
droit e jurisprudence, F. Pichon et Durand-Auzias, Paris, 1931, p. 390.
136
Sabemos que, se no direito pátrio fosse introduzido o poder familiar
prorrogado e reabilitado, do direito espanhol, ou o instituto da menoridade
prolongada, do direito belga, os que estivessem sob o regime aprovado
portariam uma carteira de identidade, após a sentença de decretação de
incapacidade, determinando os limites da mesma, para que terceiros não
fossem enganados. E, dessa maneira, evitar-se-ia a alegação por quaisquer
interessados, não havendo, portanto, mais se falar em atos nulos, mas em atos
inexistentes.
Assim, seria da maior importância saber se os atos praticados pelo
deficiente intelectual severo seriam inexistentes ou nulos. Caso fossem
inexistentes, não poderiam produzir quaisquer efeitos jurídicos e as nulidades
não precisariam ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério
Público, quando lhe coubesse intervir; e, diversamente, se fossem nulos, sua
nulidade teria que ser alegada e os direitos de terceiros de boa fé seriam
respeitados, havendo necessidade de pronunciar a nulidade. Se se tratasse de
ato anulável, geraria efeito, segundo o artigo 177 do Código Civil, até o
trânsito em julgado da sentença declarativa de nulidade206.
Com a extinção do poder familiar pela maioridade, isto é, ao atingir o
filho a idade de 18 anos completos, a lei o considera apto para todos os atos
da vida civil. Se a maioridade chega antes, pela emancipação, seja por
concessão dos pais ou tutor, seja pelo fato de ter colado grau ou exercer
emprego público, o certo é que também este se torna capaz de agir por si só e,
205.França, Limongi. Instituições de Direito Civil, Ed. Saraiva,São Paulo 1999, p. 157.206.“Art. 177. A anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença, nem se pronuncia de ofício; só
os interessados a podem alegar, e aproveita exclusivamente aos que a alegarem, salvo o caso desolidariedade ou indivisibilidade”.
137
para ele, o legislador entendeu que a capacidade chegou de pleno direito. Com
o deficiente intelectual profundo e severo, tal não acontece: chega à
maioridade de direito, mas não à de fato. A partir desta idade, todos os atos
praticados pelo amental, se ainda não se encontrar sob o instituto da curatela,
mesmo porque esta não se opera de pleno direito, são considerados válidos e
somente passíveis de nulidade ou anulabilidade por sentença judicial, até que
se prove que, no momento do ato, ele não tinha plena capacidade.
A proteção do amental, quando atingisse a maioridade de direito, e a
proteção de terceiros que com ele se relacionassem através de negócio
jurídico, seria muito mais efetiva se, antes de completar a maioridade, os pais
pudessem, como no direito espanhol e belga, solicitar a prorrogação do poder
familiar através de um processo menos traumático e doloroso, que o da
interdição no direito pátrio. Assim se evitaria, também, a polêmica sobre os
atos nulos e anuláveis do amental praticados nesse interregno, entre a data da
maioridade e a interdição207.
Nossos Tribunais têm entendido que os atos praticados por pessoa
incapaz são nulos, e a nulidade pode ser decretada, esteja ou não declarada a
interdição, desde que já existente a causa da incapacidade civil208. Portanto, se
207.DJ 21.06.2004 p. 214. Ementa: “Nulidade de ato praticado por incapaz antes da sentença de interdição.
Reconhecimento da incapacidade e da ausência de notoriedade. Proteção do adquirente de boa-fé.1-A decretação de nulidade do ato jurídico praticado pelo incapaz não depende de sentença deinterdição. Reconhecida pelas instâncias ordinárias a existência de incapacidade, impõe-se a decretaçãoda nulidade, protegendo-se o adquirente de boa-fé com a retenção do imóvel até a devolução do preçopago, devidamente corrigido, e a indenização das benfeitorias, na forma de precedente da Corte.2- recurso especial conhecido e provido”.
208.RT 489/75. Ementa: “Embora sujeita à apelação, a sentença que decreta a interdição produz efeitosdesde logo, mas também retroage. A diferença entre a época anterior e a atual da interdição ocorreapenas quanto a prova da nulidade do ato praticado pelo insano”.RT 503/93. Ementa: “Provada a incapacidade mental, antes da interdição, nulo é o compromisso devenda do imóvel feito pelo interdito, mormente tratando-se de imóvel vinculado”.
138
provada a deficiência mental na época da prática do ato, este será nulo de
pleno direito. O processo poderia ser menos longo para se chegar a um mesmo
resultado, de modo a evitar o desgaste físico e emocional do deficiente e seus
familiares. Sem esquecer que nosso poder judiciário está abarrotado de
processos, onde nem mesmo as causas mais simples são resolvidas de pronto.
Quanto à responsabilidade civil por atos ilícitos praticados por
incapazes, se forem menores, os pais, no exercício do poder familiar ou os
tutores, no exercício da tutela, respondem pelos atos de seus filhos e tutelados,
caso estejam em sua companhia e sob o seu poder, em razão da obrigação de
vigilância, devendo, portanto, se foram negligentes, reparar o dano causado
por seus pupilos. Quanto aos deficientes mentais maiores, que estão sob o
regime da curatela, cabe ao curador responder civilmente pelos atos do
curatelado, por força do artigo 932, I e II, do Código Civil. Nosso código,
entretanto, não faz menção à responsabilidade civil dos que foram chamados a
promover a curatela, artigo 1.768, I, II e III, sobre os atos ilícitos cometidos
pelos maiores deficientes mentais graves e não o fizeram, seja por negligência
ou desconhecimento da obrigação.
Quem responde pelo deficiente intelectual cuja incapacidade ainda não
foi declarada? O Ministério Público tem obrigação especial de promover a
interdição, já que possui legitimidade para promovê-la em qualquer caso de
deficiência mental, independentemente dos legalmente chamados. Pensa-se,
portanto, ser o Estado o responsável civil pelos danos causados a terceiros
pelo deficiente que não for interditado no momento oportuno. O direito
espanhol vislumbrou a possibilidade da omissão e previu a responsabilidade
solidária de todos aqueles que, por lei, estão obrigados a promover a
139
interdição e não o fazem, como podemos aferir na redação do artigo 229 do
Código Civil espanhol:
“Estarán obligados a promover la constitución de la tutela, desde
el momento en que conocieran el hecho que la motivare, los
parientes llamados a ella e la persona bajo cuya guarda se
encuentre el menor o incapacitado, y si no lo hicieren, serán
responsables solidarios de la indemnización de los daños y
perjuicios causados”.
Portanto, os termos não imperativos do artigo 757 da Ley de
Enjuiciamiento civil, o qual estabelece que “la declaración de incapacidad
puede promoverse…” (grifo nosso), não significam falta de obrigação legal,
porque o artigo 229, já citado, impõe responsabilidade civil solidária a quem
não tenha promovido a tutela, pelos danos causados por um deficiente cuja
incapacidade não tenha sido declarada.
Quanto ao tempo para se promover o procedimento, a jurisprudência
espanhola não deixa margem de dúvidas. A STS, de 1 de mayo 1.894,
decidiu:
“El espacio de tiempo que medie entre el momento que las
indicadas personas tengan noticia del hecho que determine la
tutela y el que cumplan el precepto de la ley, ha de ser tan
próximo e inmediato como aconseja la prudencia del hombre
más escrupulosamente exacto en el cumplimiento de sus
obligaciones”.
140
No mesmo sentido:
“STS de 18 junio 1923 considera que la prontitud hay que
armonizarla con la posible realidad de las cosas y por tanto está
sujeta, según las circunstancias de cada caso, a aquellas
diligencias previas que haya necesariamente que practicar para
saber las disposiciones del testador, si las hubiera, respecto de la
tutela, y a aquellas otras diligencias relativas a conocer los
parientes llamados también por ley a constituir el Consejo de
familia y cuantos otros antecedentes sean indispensables para
que dicho organismo tutelar quede formado, y todo ello dentro de
un breve término y realizado con la mas estricta diligencia”209.
O Código Civil de 2002 introduziu a indenização eqüitativa no artigo
928210, respondendo o incapaz também com seus bens pelos prejuízos que
causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou
não dispuserem de meios suficientes. Entretanto, não deve o montante a ser
indenizado diminuir de tal maneira o patrimônio do incapaz, que o prive do
recurso necessário à sua subsistência. Este artigo, injusto para o deficiente
intelectual profundo, deveria estar em consonância com o artigo 116 do
Estatuto da Criança e do Adolescente, inserido no Capítulo IV, sob o título
“Das Medidas Educativas”, no qual permite apenas que o menor, ao cometer
ato infracional com reflexos patrimoniais, responda por seus atos, restituindo a
209.Cano, Marta Chimeno, Incapacitación, tutela e internamiento del enfermo mental, cit., p. 143.210.“Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não
tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes”.
141
coisa ou promovendo o ressarcimento do dano ou compensando o prejuízo da
vítima.
A finalidade precípua deste artigo não é a reparação do dano em si, mas
despertar no menor as conseqüências do ilícito praticado, de modo a reeducá-
lo211. Nestes casos, muito justo responsabilizar o incapaz pelos prejuízos que
causar. A permissividade, reinante nos dias atuais, faz com que os jovens,
muito cedo, se enveredem pelos caminhos das drogas e do crime.
A mentalidade utilitarista faz com que o adolescente busque satisfações
imediatas, conquistas sem limites, mesmo causando dano a outrem. No caso
do deficiente intelectual severo, trata-se de uma pena a mais que lhe é
atribuída responder por alguém que tinha obrigação de vigiá-lo e não o fez.
Embora o legislador tenha adotado o critério da equidade, para que a
vítima sem recursos não fique sem ressarcimento, o fato é que, com a
responsabilidade objetiva, consignada no art. 928 do Código Civil, a
vigilância dos curadores com os amentais pode ficar comprometida,
afrouxada, principalmente se estes tiverem um patrimônio maior que o
daqueles.
O magistrado deverá aplicar o artigo 928 com muita acuidade, quando
se tratar de deficiente intelectual severo e profundo, abrandando a
interpretação da lei para sua aplicação.
211.Art. 116, Lei 8069/90: “Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade
poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano,
142
Em lições sobre equidade, DE PLÁCIDO E SILVA sustenta que o
magistrado, no processo de interpretação, deve se ater mais à razão, vista pela
boa fé, do que à própria regra de direito. E, certamente, quando a lei se
mostrar injusta, a eqüidade virá corrigir seu rigor, aplicando o princípio que
nos vem do Direito Natural. Assim, diz-se que aequitas sequitur legem (a
eqüidade acompanha a lei) e jamais poderá ser contra ela212.
VICTOR CATHREIN213 também se refere ao princípio em questão de
maneira magistral:
“A lei natural está acima da lei positiva e serve, às vezes, para
corrigir as lacunas desta. Como a lei positiva tem um conteúdo
geral e não abrange os casos excepcionais, pode ocorrer que, se
for aplicada rigidamente, segundo um texto geral, em certos
casos conduzirá a injustiças que não se acham na intenção do
legislador. Em tais casos, é necessário interpretar ou emendar
racionalmente a lei positiva conforme a intenção do legislador e
as exigências da justiça natural, e esta correção do direito
positivo pelo natural constitui a eqüidade ou direito eqüitativo”.
Diante do exposto, crê-se que há que se distinguir, portanto, dois
momentos na condição do incapaz: antes ou depois da declaração de
incapacidade. Como antes da declaração a capacidade se presume214, embora
os atos sejam suscetíveis de impugnação, por falta de consentimento ou
ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima”.
212.Plácido e Silva. Dicionário jurídico, v. II, 12ª ed. Forense, p.180.213.Victor Cathrein. Filosofia do direito – O Direito natural e o positivo, Instituto Editorial Reus, p. 166.214.Barros Monteiro, Washington de. Curso de direito civil; direito de família. 37ª ed., v.2., p.400.
143
discernimento, após ser provado, devem ser considerados nulos, mas após a
declaração judicial devem ser considerados inexistentes, caso tenha havido a
prorrogação do poder familiar, com a introdução na carteira de identidade do
amental do limite de sua capacidade para a realização de atos e negócios
jurídicos.
Na responsabilidade civil, o maior incapaz profundo, ou está sob os
cuidados de seus genitores ou de quem tem a guarda de fato. A dependência
daquele é total, não se comparando com o incapaz menor, que muitas vezes
usa de sua menoridade para causar danos a terceiros. Acredita-se, portanto,
que se a incapacidade for resultante de deficiência profunda e decretada
judicialmente, o seu responsável deverá arcar com todas as responsabilidades
civis perante terceiros, ao passo que se a incapacidade for resultante de
menoridade, o artigo 928 do Código Civil deverá ser aplicado.
Será abordada, no capítulo seguinte, a importância do poder familiar
prorrogado e reabilitado para o deficiente profundo, ressaltando as
características positivas dos mesmos, com o escopo de demonstrar que o novo
instituto pode ser adotado no direito pátrio, pondo fim à curatela, de restrita
utilidade, cujo uso deverá ter caráter apenas complementar e supletivo.
Por fim, serão apresentadas soluções de lege ferenda e o esboço de um
projeto que, acredita-se, deverá ser merecedor da atenção do poder legislativo,
por permitir que os pais continuem cuidando de seus filhos deficientes
intelectuais profundos que alcançarem a maioridade, mediante a prorrogação
do poder familiar e da tutela.
144
145
CAPÍTULO V
IMPORTÂNCIA DA PROTEÇÃO PROLONGADA DO AMENTAL
Ao disciplinar a proteção dos incapazes, o Código Civil de 2002
repetiu o erro de incluir no conceito de “deficientes”, para efeito de curatela,
deficientes mentais com características muito díspares, o que, de pronto, já
fere o princípio da igualdade. De fato, o termo “deficiente”, como já analisado,
compreende comprometimentos físicos e mentais bem diversos, que exigem
mecanismos de proteção diferenciados.
Não há dúvida de que os meios legais de suprimento da capacidade
das pessoas que não podem governar-se por si mesmas necessitam ser
adequados a situações diversas, sem excesso nem falta.
Como a incapacidade supõe uma limitação da independência das
pessoas, devendo, portanto, ser exceção, é preciso buscar soluções alternativas
de modo a graduar a limitação da capacidade e não colocar, como no direito
pátrio, todos os deficientes mentais num único instituto, o da curatela.
A guarda do deficiente mental precisa ser mais eficaz para cada caso
concreto, cabendo a lei dar um destino específico para cada um deles. A
proteção que resulta da medida que determina a incapacidade deve buscar toda
a eficácia de modo a salvaguardar ao máximo a liberdade da pessoa protegida,
devendo ser aplicado o princípio da proporcionalidade e subsidiariedade.
146
“Proteção proporcional é aquela que, sendo tão eficaz quanto necessária,
permite conseguir o fim necessário; e desproporcional, quando se apresenta
extremamente radical, com os fatores da proporcionalidade em
desequilíbrio” 215.
O princípio da subsidiariedade exige que haja no ordenamento
jurídico medidas mais leves, que atinjam o mesmo fim. Urge aplicá-las.
Quando se fala, por exemplo, em internação do deficiente, deve se ter em
conta tratar-se de medida radical, só aplicável em último caso. Não podemos
nos esquecer de que muitas famílias internam os deficientes mentais para se
verem livres de responsabilidades.
O conceito essencial para o direito civil é a pessoa. Todo ser humano
goza de capacidade jurídica, de aptidão para ser titular de direitos e
obrigações, e de capacidade de trabalhar. Portanto, com direito à liberdade e à
segurança. Ninguém pode ser privado de sua liberdade senão nas formas e
casos previstos legalmente. Ao lado do princípio da liberdade, a lei também
contempla outros direitos, como a dignidade, a igualdade, a vida, a saúde etc.
A dignidade e a igualdade de toda pessoa exigem que os poderes
públicos implantem políticas efetivas para que se tornem realidade tais
direitos. Portanto, é necessário que o poder legislativo crie novos institutos
para os deficientes intelectuais profundos, a fim de minimizar as diferenças.
215. Muniz Espada. Descripción de las causas que originan la formación de la tutela, en Actualidad Civil
número 11 de 1994, p.214.
147
É preciso encontrar medidas passíveis de aplicação. Nesta tese,
procurou-se estabelecer linhas gerais sobre essas medidas, de modo a impedir
a colocação do deficiente mental profundo, maior, sob os cuidados de
curadores, se o mesmo for solteiro e viver com seus pais ainda no exercício do
poder familiar.
Assim como o exercício do poder familiar é fundamental para o
desenvolvimento físico e psíquico do menor, também deveria estar vinculado
ao titular do poder familiar o maior, cuja capacidade se encontre limitada em
razão de uma deficiência adquirida congênita, e por isso que não tenha
capacidade para praticar nenhum ato ou negócio jurídico por si só.
O poder familiar significa a representação legal dos filhos,
compreendendo a assunção de decisões sobre as questões relacionadas com as
circunstâncias pessoais, como o colégio onde os filhos devem estudar, o lugar
em que devem residir, além da opção para internamento ou não, se for o caso,
bem como garantir a segurança e supervisão dos mesmos, tendo em conta sua
idade, desenvolvimento e outras circunstâncias.
Por estas razões, como está sendo proposto nesta tese, não se vê o
porquê da necessidade de extinguir o poder familiar, se o menor continua no
mesmo estado de incapacidade, que apresentava antes de atingir a maioridade.
Os pais continuam a decidir sobre as questões pessoais e financeiras do filho,
garantindo seu cuidado e segurança. Nada muda e nada mudará se a
deficiência for profunda e não houver a mínima possibilidade médica de
reversão.
148
Com o exercício do poder familiar de forma conjunta pelo pai e pela
mãe, conforme o estabelecido na Constituição de 1988, independentemente de
estarem ou não casados, ou de forma exclusiva de um deles, pensa-se que o
instituto da curatela ficou obsoleto, desnecessário, inaplicável para o maior
deficiente intelectual, posto que este, em todos os quadrantes, é equiparado ao
menor, de fato e de direito, porque nada muda após a sentença que declarou a
incapacidade.
Do estudo que foi realizado, tendo por base o direito comparado,
destacaram-se-se algumas considerações e conclusões sobre a importância da
criação de medidas diferenciadas para os amentais, como o poder familiar
prorrogado para os maiores de idade com deficiência mental profunda e
irreversível, iniciada na menoridade, desde que seus pais conservem o poder
familiar e reabilitado, para os que se tornaram deficientes após a maioridade,
desde que sejam solteiros; e curatela, somente para capacidade limitada ou
restrita, como nos casos em que a pessoa possua normalidade psicológica, mas
com algum déficit físico que limite sua possibilidade de expressão e
comunicação normal, assim como pessoas com enfermidades mentais de
caráter cíclico, que precisem de proteção para os momentos de crise.
Não se pode olvidar que o deficiente profundo está, por natureza,
completamente privado da vida, em seu sentido pleno. A vida, o dom mais
precioso do ser humano, advém de Deus. Aristóteles, por meio da observação
empírica, constatou que o mundo é compreensível porque foi criado
inteligentemente e, nele, as coisas tangíveis estão impregnadas de inteligência.
No universo, as substâncias estão ordenadamente concatenadas. O homem,
como parte do conjunto de seres criados, é o único que pode conscientemente
149
compreender o que os outros são e, ao mesmo tempo, criar e modificar esse
mundo, pois sabe como as coisas são e trata de averiguar como são216.
Segundo FERNÁNDEZ BUJÁN, o direito à vida era compreendido
como um direito à simples sobrevivência ou conservação física da pessoa.
Hoje, entretanto, não se trata somente de um direito à vida do corpo humano,
mas da pessoa humana em toda a sua realidade existencial, em todo o seu
valor transcendente: a tutela jurídica amplia-se e justifica-se na condição
humana217.
Também para SANTO TOMÁS DE AQUINO, vida é muito mais do
que apenas função biológica. É a fusão do corpo e da alma formando uma
unidade composta. A alma é a forma substancial do corpo. A vida, portanto,
deve ser entendida no seu sentido integral. Para SÓCRATES, o que vale não é
o viver, mas o viver bem218.
O deficiente intelectual profundo, assim compreendido como
conseqüência de fatores naturais ou não, se encontra impedido de exercer seu
direito à vida de uma forma plena. É sempre dependente de terceiros, quer
sejam os pais ou guardadores de fato, se menor219. É através daqueles, em
primeiro lugar, que recebe o amor incondicional, o cuidado corporal e
espiritual, a educação adequada. São eles que, pela lei natural, seriam capazes
de dar sua vida para salvar o filho, exercendo o poder familiar, de um modo
216.Fernández Buján, Frederico, La vida, principio rector del derecho, cit., p.50.217.Fernández Buján, Frederico, La vida principio rector del derecho, cit., p. 52.218.Sócrates, Coleção Os Pensadores, trad. De Enrico Corvisieri, Mirtes Coscodai, Ed. Nova Cultural, 1999,
p.12.219.Diniz, Maria Helena. Direito Civil brasileiro, 2.006, cit. p. 599: “Pela Lei 8069/90, art. 28 constitui a
guarda um meio de colocar o menor em família substituta ou em associações, independentemente de suasituação jurídica ( art. 165 a 170), até que se resolva, definitivamente, o destino do menor”.
150
geral, com responsabilidade. Tais razões são o baluarte e a sustentação para
que os pais não sejam despojados desse instituto que, acredita-se, devam
exercer com orgulho, pois eles estão investidos, melhor que ninguém, da
condição natural de distribuir o seu amor e, de maneira especial, o amor ao
deficiente intelectual profundo, tão renegado pela sociedade.
Entretanto, acredita-se que os deficientes só terão uma vida melhor
quando a sociedade e os profissionais que militam nesta área tiverem real
consciência ética do problema que envolve as pessoas especiais.
151
CAPÍTULO V
SUGESTÃO DE LEGE FERENDA
1. Soluções de lege ferenda
O grande problema brasileiro não é a ausência de leis, mas a vontade
política de as pôr em prática. Há um sem número de legislações220 que
protegem o deficiente intelectual e físico; todavia, pensamos que, para o
deficiente intelectual profundo, não basta que se criem leis, é preciso que se
tomem medidas efetivas para que de fato ele possa gozar plenamente o direito
de igualdade e liberdade.
Procuraremos indicar aqui algumas sugestões de lege ferenda,
indispensáveis à concretização dos princípios acima elencados.
1- Criação do instituto da menoridade prolongada, aplicada aos
menores com deficiência mental profunda na primeira infância ou
congênita, sem possibilidade de reversão, nas hipóteses de pais vivos
e no exercício do poder familiar.
2- Prorrogação do poder familiar e da tutela para as mesmas causas do
item número 1.
220.Renzo Tozi (Dicionário de sentenças latinas e gregas, São Paulo, Ed. Martins Fontes, 2ª. ed., 2000,
p.511) ensina: “Corruptissima republica plurimae leges” (Estado corrupto, múltiplas leis). “Essaexpressão, bem conhecida e sem dúvida ainda atual, significa que o número exorbitante de leis contrariaos princípios básicos de um Estado civil que funcione bem, ou seja, a certeza do direito. Deriva de Tácito( Anais, 3, 27, 3). O fato de as leis inúteis enfraquecerem as leis necessárias é , finalmente , uma tese deMontesquieu no O Espírito das Leis”.
152
3- Reabilitação do poder familiar e da tutela, quando a deficiência se
der na maioridade, em favor dos pais no exercício do poder familiar,
ou do tutor, se este estiver vivo e a pessoa atingida for solteira.
4- Simplificação do procedimento para se decretar a incapacidade,
eliminando-se formalismos desnecessários e excesso de publicidade,
para torná-lo adequado, mais ágil e menos traumático.
5- Ao ter decretada a incapacidade, o deficiente intelectual deverá
portar uma carteira de identidade determinando os limites de seus
atos, para que terceiros com ele não realizem nenhuma espécie de
negócio jurídico.
6- Os atos praticados pelos que se encontram nestes regimes deverão
ser considerados inexistentes e não nulos em razão de o documento
de identidade demonstrar a incapacidade de direito e de fato do
amental. No caso em tela, o terceiro, em razão da evidência, deverá
suportar os prejuízos, por ter contratado com quem de direito não
podia.
7- Os atos anteriores à decretação de incapacidade serão considerados
nulos ou anuláveis, desde que se prove que no momento da
efetivação do ato jurídico a incapacidade estava latente.
153
8- Somente os deficientes mentais com intervalos de lucidez deveriam
ficar sob o regime da curatela e sofrer o processo de inabilitação e
não o deficiente intelectual profundo que estaria sob qualquer um
dos regimes elencados no item 2.
10- Consolidação do emaranhado de regulamentações sobre o deficiente
intelectual numa peça única, como, por exemplo, um Código do
Deficiente. O sistema de códigos proporciona uma busca adequada
para a informação desejada. Facilidade e rapidez nas decisões.
11- Por ser a tutela e a curatela funções de alto interesse público, é
necessário um controle mais apurado dos regimes por parte das
autoridades. A inspeção e vigilância estabelecidas por lei não
funcionam sempre com rigor e freqüência. Haja vista um grande
número de deficientes maiores, de baixa renda, que não se
encontram declarados incapacitados judicialmente221. Isso prova que
a interdição só é promovida quando há interesse patrimonial em
jogo.
12- Possibilidade de que a pessoa, ao prever sua provável incapacidade,
no caso de senilidade aguda, nomeie, por escritura pública ou por
testamento, o curador ou tutor, isto é, promova a autotutela. Deverá
ser criado um registro de tutelas, com arquivo específico, que ficaria
nos cartórios de registro civil.
154
13- Maior apoio da administração pública e conscientização social, no
sentido de ajudar os deficientes profundos e irreversíveis, porque
nenhuma dessas medidas será de fato eficiente se não houver
organismos dispostos a dedicar-lhes os meios suficientes para se
atingir o fim estabelecido no artigo 1º, III, da Constituição Federal.
14- Possibilidade de promover a declaração de incapacidade do menor
de idade, de forma que, ao chegar à maioridade, possa continuar sob
o regime do poder familiar, automaticamente.
15- Retribuição que valorize um pouco mais os esforços do tutor, para
que todo o patrimônio do incapaz não caia nas mãos de herdeiros
que nada fizeram em benefício do deficiente.
Será apresentado, a seguir, um Projeto de Lei modificando o Código
Civil no que se refere ao Poder Familiar, Tutela e Curatela, baseados no
direito espanhol e belga, de modo que se possa cumprir o determinado nos
princípios constitucionais da dignidade e igualdade.
2. Projeto de Lei
Projeto de Lei que visa incluir e modificar artigos do Código Civil, no
Livro IV, Direito de Família, Capítulo I, Subtítulo II: Das relações de
parentesco; Capítulo V, Do poder familiar, e Título IV, Da tutela e da
221.Pesquisa realizada em APAEs de São Paulo e Minas Gerais.
155
curatela, para contemplar, especificamente, a situação jurídica do deficiente
intelectual profundo, dando-lhe maior proteção:
Projeto de Lei de nº......... de ........de......... 2007.
Preâmbulo:
Considerando o disposto no preâmbulo da
Constituição, que elege entre os valores supremos
de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, a liberdade, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça;
Considerando que esses princípios vêm constituir as
garantias que regem o interesse superior do amental;
Considerando que o ordenamento jurídico pátrio é
omisso quanto à contemplação especial da situação
jurídica do amental profundo, para o qual a proteção
respectiva se faça necessária;
Considerando que no direito pátrio as normas
relativas à curatela estão defasadas e aquém do
direito comparado.
O Congresso Nacional aprova e o Presidente da
República sanciona a seguinte lei:
156
Artigo. 1º Altera o art. 1.630, que passa a ter a
seguinte redação: Os filhos não emancipados
estarão sujeitos ao poder familiar de seus pais.
Artigo. 2º. Inclui dois artigos na Seção III, do
Capítulo V, Da Suspensão e Extinção do Poder
Familiar,que terão a seguinte redação:
Primeiro artigo: O poder familiar sobre os filhos
declarados incapazes ficará prorrogado de acordo
com a lei, quando aqueles atingirem a maioridade.
Parágrafo primeiro. Se o filho for maior de idade,
solteiro, viver em companhia dos pais e se tornar
incapaz, o poder familiar se reabilitará e será
exercido por quem o exercia quando menor de
idade.
Parágrafo segundo. O poder familiar prorrogado
será exercido de acordo com o decidido pelo juiz na
ação de declaração de incapacidade.
Segundo artigo: Extingue-se o poder familiar
prorrogado:
I. pela morte ou declaração de falecimento dos pais
ou do filho;
II. pela adoção do filho;
III. pela declaração de término da incapacidade.
157
Parágrafo único. Se, ao cessar o poder familiar
prorrogado, continuar o estado de incapacidade, se
constituirá a tutela.
Artigo 3º. Introduz o capítulo denominado: DA
INCAPACITAÇÃO E DA INABILITAÇÃO, que
fica redigido da seguinte forma:
DA INCAPACITAÇÃO
Art. 1º. Ninguém pode ser declarado incapaz senão
por sentença judicial em virtude de causas
estabelecidas em lei.
Art. 2º. São causas de incapacitação as
enfermidades físicas ou mentais de caráter
persistente que impeçam a pessoa de agir por si
mesma.
Art. 3º. Os menores de idade poderão ser
declarados incapazes quando neles concorram as
causas do artigo 2ª e se preveja que as mesmas
persistirão após a maioridade.
Art. 4º. A incapacitação prevista no art. 3º só
poderá ser requerida por quem exerça o poder
familiar ou a tutela.
158
Parágrafo único: O Ministério Público só
promoverá a incapacitação se não existir ou não
promover a incapacitação alguma das pessoas
designadas no ‘caput’.
Art. 5º O pedido de declaração de incapacidade
deve ser instruído com certificado médico recente,
descrevendo a doença intelectual irreversível.
Art. 6º O juiz ouvirá, em audiência, o argüido de
incapacidade antes de declarar a incapacidade.
Art. 7º. Se o menor estiver sob o poder familiar ou
sob a tutela, pronunciada a incapacitação, aqueles
poderão ser prorrogados de pleno direito.
Parágrafo primeiro. A sentença que declare a
incapacitação determinará a extensão, os limites e o
regime a que o incapacitado ficará submetido.
Art. 8º O declarado incapaz é assemelhado a uma
pessoa menor no que concerne à sua pessoa e a
seus bens. Ele não pode praticar nenhum ato ou
negócio jurídico.
Art. 9°. O novo instituto terá seu registro no
cartório de títulos e documentos e o interditado
159
portará uma carteira de identidade determinando os
limites de seus atos de acordo com a sentença que
declarou a incapacidade.
Art. 10. O juiz poderá, a qualquer momento,
ordenar, a pedido do pai, mãe ou de ambos, com a
concordância do Ministério Público, que o poder
familiar prorrogado seja substituído pela tutela.
DA INABILITAÇÃO
Art. 1º. Podem ser inabilitados:
I. O maior de idade, com deficiência intelectual
leve;
II. Os declarados pródigos;
III. O surdo-mudo e cego de nascimento ou cuja
deficiência tenha sido adquirida na primeira
infância, se não recebeu uma educação suficiente,
salvo se for incapaz de agir por si mesmo;
IV. Os ébrios e toxicômanos não habituais.
Art. 2°. A inabilitação pode ser promovida:
I. Pelos pais ou tutores;
II. Pelo cônjuge, companheiro, companheira, ou por
parente até o quarto grau;
III. Pelo Ministério Público.
160
Art. 3º. O Ministério Público só promoverá a
inabilitação se não existirem ou não promoverem a
inabilitação as pessoas designadas nos incisos I e II
do artigo antecedente, ou, se existindo, forem
incapazes nos termos da lei.
Artigo 4º. O artigo 1.728 passa a vigorar com a
seguinte redação:
Estão sujeitos à tutela:
I.Os filhos menores não emancipados que não
estejam sob o poder familiar;
II.Os incapacitados intelectuais quando a sentença
assim o determinar;
III. Os menores que se encontram em situação de
desamparo.
Artigo 5°. No capítulo do direito de família, nas
seções que se referirem ao poder familiar e à tutela,
incluir “incapacitados” ao lado do termo
“menores”.
Artigo 6º. Nova redação ao artigo 1.763: Extingue-
se a tutela:
I. Com a maioridade ou a emancipação do
menor;
161
II. Pela colocação do menor ou incapacitado sob
o regime do poder familiar, no caso de
reconhecimento ou adoção;
III. Pelo falecimento da pessoa submetida à
tutela;
IV. Pela decisão judicial que puser fim à
incapacidade;
V. Pela substituição da tutela por curatela;
VI. Quando houver recuperação do poder
familiar”.
Artigo 7º. Inclui um artigo após o artigo 1.764, que
terá a seguinte redação: “Continuará o tutor no
exercício de seu cargo se o menor sujeito à tutela
tiver sido incapacitado antes de atingir a
maioridade”.
Artigo 8º. Inclui um artigo após o artigo 1.765 que
terá a seguinte redação: “O tutor terá direito a uma
retribuição, a ser arbitrada pelo juiz, se o
patrimônio do tutelado o permitir”.
Art. 9º. O artigo 1.767 passa a vigorar com a
seguinte redação: “Aqueles que forem inabilitados
estarão sujeitos à curatela”.
162
Art. 10º. Esta Lei entra em vigor na data de sua
publicação.
Este pequeno projeto é o ponto inicial de uma profunda mudança que,
certamente, terá reflexo em outros estatutos, como o Estatuto da Criança e do
Adolescente e no Código de Processo Civil.
163
CAPÍTULO VI
2. CONCLUSÃO
A preocupação com os deficientes mentais tem sido uma constante nas
legislações mundiais. A Declaração dos Direitos do Retardado Mental,
aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1971, significou um
grande avanço na conscientização internacional para o reconhecimento de
certos direitos do deficiente, como, por exemplo, o de gozar em condições de
igualdade de todos os direitos de que são titulares os demais, até o grau
máximo de suas possibilidades. A Declaração reconhece que nem todos os
países podem dedicar atenção de maneira igualitária aos amentais, mas solicita
que se adotem medidas nos planos nacionais e internacionais, em que ela
possa servir de base e referência para proteção efetiva dos direitos que nela
estão consagrados222.
Procurou-se, nesta tese, dedicar atenção especial ao deficiente
intelectual severo e profundo, ao nortear o legislador pátrio a criar
mecanismos jurídicos mais profícuos e mais humanos, com uma interdição
mais branda, com menos publicidade ou com a criação de novos institutos
como os já existentes no direito alienígena: o poder familiar e a tutela
prorrogada e reabilitada, de maneira que o sofrimento do deficiente intelectual
e seus familiares possa ser mitigado.
Devemos nos sensibilizar com uma situação de fato: o mundo adulto
dos deficientes mentais profundos não é uma alegria para os pais como o de
qualquer criança normal seria, como de quaisquer pais que se enchem de
164
orgulho quando o filho atinge a idade de 18 anos, alcançando a maioridade
para atingir vôos, mas um mundo jurídico onde eles se vêem diante de um juiz
togado que questiona e dá o veredicto de incapacidade. CAIO MÁRIO DA
SILVA PEREIRA223 ensina que “o instituto da incapacidade foi imaginado e
construído sobre uma razão moralmente elevada, que é a proteção dos que
são portadores de uma deficiência juridicamente apreciável. Esta é a idéia
fundamental que o inspira. (...) A lei não institui o regime das incapacidades
com o propósito de prejudicar aquelas pessoas que delas padecem, mas, ao
revés, com o intuito de lhes oferecer proteção, atendendo a que uma falta de
discernimento, de que sejam pacientes, aconselha tratamento especial, por
cujo intermédio o ordenamento jurídico procura restabelecer um equilíbrio
psíquico, rompido em conseqüência das condições peculiares dos
mentalmente deficitários”.
Nosso ordenamento jurídico, originário do direito romano, tomou para
si suas leis, contudo, não absorveu seu espírito.
SAVIGNY doutrina que um dos fundamentos da grandeza do direito
romano não estava na força intelectual, na sagacidade dos jurisconsultos
romanos, no seu espírito penetrante e analítico, nas suas leis perfeitas, mas na
força moral: a vontade de obedecer as leis, porque só a vontade possui um
poder realizador e criador. Assim continua: “Por eminentes que sejam as
qualidades intelectuais de um povo, se lhe faltar força moral, energia e
perseverança, o seu direito nunca poderá progredir. Suas leis não serão outra
222.Rafael Sajón. Derecho de menores, Buenos Aires, Abeledo Perrot, 1995,p. 166.223.Caio Mario da Silva Pereira. Instituições do direito civil, v.VI. 6ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1996,
p.168.
165
coisa que as boas intenções de um homem sem caráter. A inteligência deduz
conseqüência mas só a vontade realiza-as”224.
É necessário que se defenda com obstinação os princípios que foram
traçados no nosso ordenamento jurídico e que foram reconhecidos como
verdadeiramente justos, concedendo ao deficiente intelectual os direitos que
de fato garantam a sua dignidade.
A seguir destacaremos os principais pontos que foram abordados:
1- O termo deficiente mental é discriminatório, sendo proposto,
de acordo com a DECLARAÇÃO DE MONTREAL SOBRE
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL, em 6 de outubro de 2004, a
substituição por deficiente intelectual.
2- O reconhecimento de que os princípios constitucionais da
dignidade e da igualdade devem nortear o legislador pátrio ao
elaborar leis atinentes ao deficiente intelectual.
3- Criação de novos regimes mais afinados com o deficiente
intelectual severo e profundo, irreversível, denominados poder
familiar prorrogado e reabilitado, se a deficiência for adquirida na
infância ou após a maioridade com a condição de o deficiente
morar com os pais e ser solteiro.
224.Savigny. O espírito do direito romano, tradução de Rafael Benaion, editora Alba, Rio de Janeiro, 1943,
p.32/33.
166
4- Para a colocação neste regime especial, é necessária a
declaração de incapacidade da pessoa maior, através do processo
de incapacitação, que deverá ser mais brando e mais célere, com
menos publicidade; e o incapacitado portará uma carteira de
identidade que determine os limites de seus atos. Desta maneira,
os atos praticados por eles serão inexistentes.
5- Os menores de idade poderão ser declarados incapazes quando
neles concorrerem as causas da incapacitação e se preveja que a
mesma persistirá depois do advento da maioridade, só podendo
ser solicitada por quem exerça o poder familiar ou a tutela. Desta
maneira, quando atingirem a maioridade, os deficientes
intelectuais severos estarão automaticamente sob o novo regime.
6- No ordenamento jurídico pátrio, a tutela é similar ao poder
familiar. Portanto, acredita-se, tal como no direito alienígena, ser
o regime mais profícuo para o deficiente intelectual que chega à
maioridade sem a mínima condição de se tornar capaz e cujos
pais já tenham falecido. O tutor, como atua em substituição
àqueles, acredita-se ser o instituto mais adequado de proteção ao
deficiente intelectual profundo, podendo inclusive haver
prorrogação da tutela, se o instituto vigorou antes de o amental
atingir a maioridade.
7- O deficiente intelectual que possui lapsos de lucidez será
inabilitado e colocado sob curatela. Os atos praticados pelo
curatelado serão considerados nulos ou anuláveis. Não
167
comungamos com a legislação pátria que estabelece os mesmos
procedimentos para deficiências desiguais.
8- Tendo em vista a simplicidade do procedimento para a
colocação do deficiente intelectual no instituto da menoridade
prolongada no direito belga, e como o processo de proteção,
através da interdição, no direito pátrio, continua complexo,
traumatizante, foi proposta uma interdição mais branda, de rito
sumário e com menos publicidade.
A abordagem dessas considerações é compatível com a idéia de se
elaborar um projeto de lei que ponha em relevo a importância da prorrogação
do poder familiar para o deficiente intelectual profundo.
A legislação, por si só, não soluciona os graves problemas que os
deficientes intelectuais encontram para sobreviver nesse mundo relativista.
Para que o amental possa se desenvolver até o limite de suas potencialidades é
necessário que haja, na família, ambiente positivo onde os pais, responsáveis
naturalmente pelo desenvolvimento do filho, aceitem, incondicionalmente, o
seu estado, dando-lhe amparo e afeto, e o poder público desenvolva políticas
eficazes, seu direito à dignidade e igualdade.
168
APÊNDICE
REFERÊNCIAS LEGAIS
DECLARAÇÃO DE MONTREAL SOBRE A DEFICIÊNCIA
INTELECTUAL
Montreal – Canadá OPS/OMS - 06 DE OUTUBRO DE 2004
TRADUÇÃO: Dr. Jorge Márcio Pereira de Andrade, Novembro de 2004
Afirmando que as pessoas com deficiências intelectuais, assim como os
demais seres humanos, têm direitos básicos e liberdades fundamentais que
estão consagradas por diversas convenções, declarações e normas
internacionais;
Exortando todos os Estados Membros da Organização dos Estados
Americanos (OEA) que tornem efetivas as disposições determinadas na
Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Pessoas com Deficiências;
Aspirando reconhecer as desvantagens e barreiras históricas que as pessoas
com deficiências intelectuais têm enfrentado e, conscientes da necessidade de
diminuir o impacto negativo da pobreza nas condições de vida das pessoas
com deficiências intelectuais;
Conscientes de que as pessoas com deficiências intelectuais são
freqüentemente excluídas das tomadas de decisão sobre seus Direitos
Humanos, Saúde e Bem-Estar, e que as leis e legislações que determinam
tutores e representações legais substitutas foram, historicamente, utilizadas
para negar a estes cidadãos os seus direitos de tomar suas próprias decisões;
169
Preocupados por que a liberdade das pessoas com deficiências intelectuais
para tomada de suas próprias decisões é freqüentemente ignorada, negada e
sujeita a abusos;
Apoiando o mandato que tem o Comitê Ad Hoc das Nações Unidas (ONU)
em relação à formulação de uma Convenção Internacional Compreensiva e
Integral para Promover e Proteger os Direitos e a Dignidade das Pessoas com
Deficiências;
Reafirmando a importância necessária de um enfoque de Direitos Humanos
nas áreas de Saúde, Bem-Estar e Deficiências;
Reconhecendo as necessidades e as aspirações das pessoas com deficiências
intelectuais de serem totalmente incluídas e valorizadas como cidadãos e
cidadãs, tal como estabelecido pela Declaração de Manágua (1993);
Valorizando a significativa importância da cooperação internacional na
função de gerar melhores condições para o exercício e o pleno gozo dos
direitos humanos e das liberdades fundamentais das pessoas com deficiências
intelectuais;
Nós
Pessoas com deficiências intelectuais e outras deficiências, familiares,
representantes de pessoas com deficiências intelectuais, especialistas do
campo das deficiências intelectuais, trabalhadores da saúde e outros
especialistas da área das deficiências, representantes dos Estados, provedores
e gerentes de serviços, ativistas de direitos, legisladores e advogados, reunidos
na Conferência Internacional sobre Deficiência Intelectual, da OPS/OMS
(Organização Pan-americana de Saúde e Organização Mundial de Saúde),
entre os dias 05 e 06 de outubro de 2004, em Montreal, Canadá, JUNTOS
DECLARAMOS QUE:
170
1. As Pessoas com Deficiência Intelectual, assim como outros seres humanos,
nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
2. A deficiência intelectual, assim como outras características humanas,
constitui parte integral da experiência e da diversidade humana. A deficiência
intelectual é entendida de maneira diferenciada pelas diversas culturas, o que
faz com que a comunidade internacional deva reconhecer seus valores
universais de dignidade, autodeterminação, igualdade e justiça para todos.
3. Os Estados têm a obrigação de proteger, respeitar e garantir que todos os
direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais e as liberdades das
pessoas com deficiência intelectual sejam exercidos de acordo com as leis
nacionais, convenções, declarações e normas internacionais de Direitos
Humanos. Os Estados têm a obrigação de proteger as pessoas com
deficiências intelectuais contra experimentações científicas ou médicas, sem
um consentimento informado, ou qualquer outra forma de violência, abuso,
discriminação, segregação, estigmatização, exploração, maus tratos ou castigo
cruel, desumano ou degradante. (como as torturas).
4. Os Direitos Humanos são indivisíveis, universais, interdependentes e inter-
relacionados. Conseqüentemente, o direito ao nível máximo possível de saúde
e bem-estar está interconectado com outros direitos fundamentais, como os
direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais ou outras liberdades
fundamentais. Para as pessoas com deficiências intelectuais, assim como para
as outras pessoas, o exercício do direito à saúde requer a inclusão social, uma
vida com qualidade, acesso à educação inclusiva, acesso a um trabalho
remunerado e equiparado, e acesso aos serviços integrados da comunidade.
5. A. Todas as pessoas com deficiências intelectuais são cidadãos plenos,
iguais perante a lei e como tais devem exercer seus direitos com base no
respeito nas diferenças e nas suas escolhas e decisões individuais. B. O direito
171
à igualdade para as pessoas com deficiência intelectual não se limita à
equiparação de oportunidades, mas requerem também, se as próprias pessoas
com deficiência intelectual o exigirem, medidas apropriadas, ações
afirmativas, adaptações ou apoios. Os Estados devem garantir a presença, a
disponibilidade, o acesso e utilização de serviços adequados que sejam
baseados nas necessidades, assim como no consentimento informado e livre
destes cidadãos e cidadãs.
6. A. As pessoas com deficiências intelectuais têm os mesmos direitos que as
outras pessoas de tomar decisões sobre suas próprias vidas. Mesmo que
algumas pessoas possam ter dificuldades de fazer escolhas, formular decisões
e comunicar suas preferências, elas podem tomar decisões acertadas para
melhorar seu desenvolvimento pessoal, seus relacionamentos e sua
participação nas suas comunidades. Em acordo consistente com o dever de
adequar o que está estabelecido no parágrafo 5 B, as pessoas com deficiências
intelectuais devem ser apoiadas para que tomem suas decisões, as
comuniquem e estas sejam respeitadas. Conseqüentemente, quando os
indivíduos têm dificuldades para tomar decisões independentes, as políticas
públicas e as leis devem promover e reconhecer as decisões tomadas pelas
pessoas com deficiências intelectuais. Os Estados devem providenciar os
serviços e os apoios necessários para facilitar que as pessoas com deficiências
intelectuais tomem decisões significativas sobre as suas próprias vidas. B. Sob
nenhuma condição ou circunstância as pessoas com deficiências intelectuais
devem ser consideradas totalmente incompetentes para tomar decisões
baseadas apenas em sua deficiência. Somente em circunstâncias mais
extraordinárias, o direito legal das pessoas com deficiência intelectual para
tomada de suas próprias decisões poderá ser legalmente interditado. Qualquer
interdição deverá ser por um período de tempo limitado, sujeita a revisões
172
periódicas e, com respeito apenas a estas decisões, pelas quais será
determinada uma autoridade independente, para determinar a capacidade
legal.
C. A autoridade independente, acima mencionada, deve encontrar evidências
claras e consistentes de que, apesar dos apoios necessários, todas as
alternativas restritivas de indicar e nomear um representante pessoal substituto
foram, previamente, esgotadas. Esta autoridade independente deverá respeitar
o direito a um processo jurídico, incluindo o direito individual de ser
notificado, ser ouvido, apresentar provas ou testemunhos a seu favor, ser
representado por uma ou mais pessoas de sua confiança e escolha, para
sustentar qualquer evidência em uma audiência, assim como apelar de
qualquer decisão perante um tribunal superior. Qualquer representante pessoal
substituto da pessoa com deficiência ou seu tutor deverá levar em conta as
preferências da pessoa com deficiência intelectual e fazer todo o possível para
tornar efetiva a decisão que essa pessoa teria tomado caso não o possa fazê-lo.
Com este propósito, os participantes da Conferência OPS/OMS de Montreal
sobre Deficiências Intelectuais, em solidariedade com os esforços realizados
em nível nacional, internacional, individual e conjuntamente,
ACORDAM :
7. Apoiar e defender os direitos das pessoas com deficiências intelectuais;
difundir as convenções internacionais, declarações e normas internacionais
que protegem os Direitos Humanos e as liberdades fundamentais das pessoas
com deficiências intelectuais; e promover, ou estabelecer, quando não
existam, a integração destes direitos nas políticas públicas nacionais,
legislações e programas nacionais pertinentes.
173
8. Apoiar, promover e implementar ações, nas Américas, que favoreçam a
inclusão social, com a participação de pessoas com deficiências intelectuais,
por meio de um enfoque intersetorial que envolva as próprias pessoas com
deficiência, suas famílias, suas redes sociais e suas comunidades.
Por conseguinte, os participantes da Conferência OPS/OMS de Montreal sobre
a Deficiência Intelectual,
RECOMENDAM:
9. Aos Estados:
A. Reconhecer que as pessoas com deficiências intelectuais são cidadãos e
cidadãs plenos da Sociedade;
B. Cumprir as obrigações estabelecidas por leis nacionais e internacionais
criadas para reconhecer e proteger os direitos das pessoas com deficiências
intelectuais. Assegurar sua participação na elaboração e avaliação de políticas
públicas, leis e planos que lhes digam respeito. Garantir os recursos
econômicos e administrativos necessários para o cumprimento efetivo destas
leis e ações;
C. Desenvolver, estabelecer e tomar as medidas legislativas, jurídicas,
administrativas e educativas necessárias para realizar a inclusão física e social
destas pessoas com deficiências intelectuais;
D. Prover as comunidades e as pessoas com deficiências intelectuais e suas
famílias do apoio necessário para o exercício pleno destes direitos,
promovendo e fortalecendo suas organizações;
E. Desenvolver e implementar cursos de formação sobre Direitos Humanos,
com treinamento e programas de informação dirigidos a pessoas com
deficiências intelectuais.
Aos diversos agentes sociais e civis:
174
F. Participar de maneira ativa no respeito, na promoção e na proteção dos
Direitos Humanos e das liberdades fundamentais das pessoas com deficiências
intelectuais.
G. Preservar cuidadosamente sua dignidade e integridade física, moral e
psicológica por meio da criação e da conservação de condições sociais de
liberação e não estigmatização.
Às Pessoas com Deficiência Intelectual e suas famílias:
H. Tomar a consciência de que eles têm os mesmos direitos e liberdades que
os outros seres humanos; de que eles têm o direito a um processo legal, e que
têm o direito a um recurso jurídico ou outro recurso eficaz, perante um
tribunal ou serviço jurídico público, para a proteção contra quaisquer atos que
violem seus direitos fundamentais reconhecidos por leis nacionais e
internacionais;
I. Tornarem-se seguros de que participam do desenvolvimento e da avaliação
contínua da legislação vigente (e em elaboração), das políticas públicas e dos
planos nacionais que lhes dizem respeito;
J. Cooperar e colaborar com as organizações internacionais, governamentais
ou não-governamentais, do campo das deficiências com a finalidade de
consolidação e fortalecimento mútuo, em nível nacional e internacional, para a
promoção ativa e a defesa dos Direitos Humanos e das liberdades
fundamentais das pessoas com deficiências.
Às Organizações Internacionais:
K. Incluir a "DEFICIÊNCIA INTELECTUAL" nas suas classificações,
programas, áreas de trabalho e iniciativas com relação a "pessoas com
deficiências intelectuais" e suas famílias, a fim de garantir o pleno exercício
de seus direitos e determinar os protocolos e as ações desta área.
175
L. Colaborar com os Estados, pessoas com deficiências intelectuais,
familiares e organizações não-governamentais (Ongs) que os representem,
para destinar recursos e assistência técnica para a promoção das metas da
Declaração de Montreal, incluindo o apoio necessário para a participação
social plena das pessoas com deficiências intelectuais e modelos integrativos
de serviços comunitários.
Montreal, 06 de outubro de 2004.
1. LEY 11/1996, de 29 de julio, de modificación de la ley de 30 de
deciembre, de la tutela e instituciones tutelares.
EL PRESIDENTE DE LA GENERALIDAD DE CATALUNA
Sea notorio a todos los ciudadanos que el Parlamento de Cataluña ha aprobado
y yo, en nombre del Rey y de acuerdo con lo que establece el artículo 33.2 del
Estatuto de Autonomía de Cataluña, promulgo la siguiente Ley 11/1996, de 29
de julio, de modificación de la Ley 39/1991, de 30 de diciembre, de la Tutela e
Instituciones Tutelares.
PREAMBULO
Las modificaciones introducidas por la presente Ley, inspirada en el respeto a
la autonomía de la voluntad y en la protección y respeto de la persona en todas
aquellas circunstancias que impiden que ésta se gobierne por sí misma,
facultan a las personas con capacidad de obrar para designar tutores,
protutores y curadores para sí mismas, en previsión del caso de ser declaradas
incapaces, estableciendo mecanismos a fin de prevenir actuaciones que
podrían perjudicar gravemente los derechos de las personas. La presente
iniciativa legislativa responde al aumento de la esperanza de vida de la
población, lo cual da lugar a un sobre envejecimiento de las personas,
176
conducente a un incremento de patologías crónicas que pueden impedir el
propio gobierno. Responde, asimismo, al plan integral de la gente mayor,
aprobado por el Gobierno de la Generalidad, en cuyo contenido y
conclusiones viene a proponer vías de actuación para las problemáticas
derivadas del envejecimiento. Dado que la Ley 39/1991, de 30 de diciembre,
de la Tutela e Instituciones Tutelares, aplica las reglas sobre nombramiento de
tutor a los nombramientos de protutor y curador, de acuerdo con los artículos
69 y 79, dichas modificaciones rigen igualmente para las designaciones de
protutor y curador realizadas por uno mismo.
No obstante, dichos nombramientos no son vinculantes para el Juez si se han
producido nuevas circunstancias que cuestionen la idoneidad de la decisión
personal tomada anteriormente.
Artículo primero. 1. Se modifica el artículo 4 de la Ley 39/1991, de 30 de
diciembre, de la Tutela e Instituciones Tutelares, que queda redactado de la
siguiente forma:
Artículo segundo.
Se añade una nueva disposición adicional segunda a la Ley 39/1991, con el
siguiente texto: Disposición adicional segunda. Las referencias efectuadas a
los padres en los artículos 7, 8 y 11 y al testador en el artículo 9 deben
entenderse, asimismo, realizadas a las personas que hagan uso de la facultad
especificada por el artículo 5.1, en previsión del caso de devenir incapacitadas.
Artículo tercero. Se añade una disposición adicional tercera a la Ley
39/1991, con el siguiente texto: Disposición adicional tercera.
1. Se establece el Registro de Tutelas y Autotutelas, en el que se inscriben las
delaciones de las que han sido otorgadas en uso de la facultad prevista en el
artículo 5.
177
2. A fin de poder inscribir las delaciones y a los efectos de designación de
tutor, los notarios que autoricen escrituras en las que se procede a la
designación o revocación de tutor, protutor o curador, establecida en el
artículo 5, habrán de dirigir un oficio al Registro de Tutelas y Autotutelas,
indicando el nombre, apellidos, domicilio y documento de identidad del
otorgante y el lugar y fecha de la autorización y que en la misma se ha
procedido a la citada designación o revocación, pero sin indicar la identidad
de los designados. El Juez competente ha de solicitar una certificación de las
inscripciones que puedan constar en el Registro de Tutelas y Autotutelas con
carácter previo a la constitución del correspondiente oficio protector y ha de
dar cuenta de la misma al Ministerio Fiscal y a las otras partes que hayan
comparecido.
3. Reglamentariamente se establecerán las normas relativas a la organización,
funcionamiento y publicidad del Registro de Tutelas y Autotutelas.
Artículo 4.
La tutela se difiere por: a) Testamento o codicilo.b) Escritura pública.
c) Resolución judicial.
2. Se modifica el título de la sección primera del capítulo II de la Ley 39/1991,
que quedar e dactado del a siguiente forma:«Sección Delación voluntaria.
primera.
3. Se modifica el artículo 5 de la Ley 39/1991, que queda redactado del a
siguiente forma:
Artículo 5.
1. Cualquier persona, en previsión del caso de ser declarada incapaz, puede
nombrar en escritura pública uno o más de un tutor, protutores y curadores y
designar a sustitutos de todos ellos u ordenar que una persona o más de una
sean excluidas de dichos cargos, así como nombrar cualquier otro organismo
178
tutelar establecido por la presente Ley. El nombramiento puede ser impugnado
por las personas llamadas por Ley a ejercer la tutela o por el Ministerio Fiscal,
si al constituirse la tutela se ha producido una modificación sobrevenida de las
circunstancias explícitas o que presuntamente hayan sido tenidas en cuenta al
efectuarse la designación que pueda perjudicar el interés del tutelado. En caso
de pluralidad sucesiva de designaciones, prevalece la posterior.
2. El padre y la madre que no hayan sido privados de la potestad antes de la
apertura de la sucesión pueden nombrar en testamento o codicilo o en escritura
pública a un tutor o más de uno para cada uno de sus hijos menores de edad y
designar sustitutos de los nombrados; dicho nombramiento podrá ser conjunto,
así como sucesivo. Tales nombramientos podrán efectuarse con respecto a los
mayores de edad incapacitados sobre los cuales tengan la potestad prorrogada
o rehabilitada. Puede, asimismo, ordenarse la exclusión de una persona o más
de una del cargo de tutor de sus hijos menores o incapacitados. En caso de
contradicción, prevalece la voluntad del padre o la madre que ha ejercido
últimamente la potestad.
Disposición final única. La presente Ley entrará en vigor a los tres meses de
su publicación en el Diario Oficial de la Generalidad de Cataluña. Por tanto,
ordeno que todos los ciudadanos a los que sea de aplicación esta Ley cooperen
en su cumplimiento y que los tribunales y autoridades a los que corresponda la
hagan cumplir.
Palacio de la Generalidad, 29 de julio de 1996.
NURIA DE GISPERT I CATALA, / JORDI PUJOL.
179
Ley 41/2003, de 18 de noviembre, de protección patrimonial de las
personas con discapacidad y de modificación del Código Civil, de la Ley
de Enjuiciamiento Civil y de la Normativa Tributari a con esta finalidad
(BOE núm. 277, de 19-11-2003, pp. 40852-40863)
[El Tribunal Constitucional, mediante providencia de 13 de abril de 2004, ha
admitido a trámite el recurso de inconstitucionalidad núm. 1004/2004,
promovido por el Parlamento de Catalunya, contra el apartado 2 del art. 1 de
esta Ley (BOE núm. 102, de 27-04-2004, p. 16606).]
JUAN CARLOS I
REY DE ESPAÑA
A todos los que la presente vieren y entendieren.
Sabed: Que las Cortes Generales han aprobado y Yo vengo en sancionar la
siguiente Ley.
EXPOSICIÓN DE MOTIVOS
I
Son múltiples los mecanismos que, en cumplimientodel mandato que a los
poderes públicos da el artículo 49 de la Constitución, tratan de responder a la
especial situación de las personas con discapacidad, ordenando los medios
necesarios para que la minusvalía que padecen no les impida el disfrute de los
derechos que a todos los ciudadanos reconocen la Constitución y las leyes,
logrando así que la igualdad entre tales personas y el resto de los ciudadanos
sea real y efectiva, tal y como exige el artículo 9.2 de la Constitución. Hoy
constituye una realidad la supervivencia de muchos discapacitados a sus
progenitores, debido a la mejora de asistencia sanitaria y a otros factores, y
nuevas formas de discapacidad como las lesiones cerebrales y medulares por
accidentes de tráfico, enfermedad de Alzheimer y otras, que hacen aconsejable
que la asistencia económica al discapacitado no se haga sólo con cargo al
180
Estado o a la familia, sino con cargo al propio patrimonio que permita
garantizar el futuro del minusválido en previsión de otras fuentes para costear
los gastos que deben afrontarse.
Esta ley tiene por objeto regular nuevos mecanismos de protección de la
personas con discapacidad, centrados en un aspecto esencial de esta
protección, cual es el patrimonial.
Efectivamente, uno de los elementos que más repercuten en el bienestar de las
personas con discapacidad es la existencia de medios económicos a su
disposición, suficientes para atender las específicas necesidades vitales de los
mismos.
En gran parte, tales medios son proporcionados por los poderes públicos, sea
directamente, a través de servicios públicos dirigidos a estas personas, sea
indirectamente, a través de distintos instrumentos como beneficios fiscales o
subvenciones específicas.
Sin embargo, otra parte importante de estos medios procede de la propia
persona con discapacidad o de su familia, y es a esta parte a la que trata de
atender esta ley.
II
De esta forma, el objeto inmediato de esta ley es la regulación de una masa
patrimonial, el patrimonio especialmente protegido de las personas con
discapacidad, la cual queda inmediata y directamente vinculada a la
satisfacción de las necesidades vitales de una persona con discapacidad,
favoreciendo la constitución de este patrimonio y la aportación a título
gratuito de bienes y derechos a la misma.
Los bienes y derechos que forman este patrimonio, que no tiene personalidad
jurídica propia, se aíslan del resto del patrimonio personal de su titular-
181
beneficiario, sometiéndolos a un régimen de administración y supervisión
específico.
Se trata de un patrimonio de destino, en cuanto que las distintas aportaciones
tienen como finalidad la satisfacción de las necesidades vitales de sus titulares.
Beneficiarios de este patrimonio pueden ser, exclusivamente, las personas con
discapacidad afectadas por unos determinados grados de minusvalía, y ello
con independencia de que concurran o no en ellas las causas de incapacitación
judicial contempladas en el artículo 200 del Código Civil y de que,
concurriendo, tales personas hayan sido o no judicialmente incapacitadas.
La regulación contenida en esta ley se entiende sin perjuicio de las
disposiciones que pudieran haberse aprobado en las comunidades autónomas
con derecho civil propio, las cuales tienen aplicación preferente de acuerdo
con el artículo 149.1.8.a de la Constitución española y los diferentes estatutos
de autonomía, siéndoles de aplicación esta ley con carácter supletorio,
conforme a la regla general contenida en el artículo 13.2 del Código Civil.
III
Esta constitución del patrimonio corresponde a la propia persona con
discapacidad que vaya a ser beneficiaria del mismo o, en caso de que ésta no
tenga capacidad de obrar suficiente, a sus padres, tutores o curadores de
acuerdo con los mecanismos generales de sustitución de la capacidad de obrar
regulados por nuestro ordenamiento jurídico, o bien a su guardador de hecho,
en el caso de personas con discapacidad psíquica.
La constitución requiere, inexcusablemente, de una aportación originaria de
bienes y derechos, si bien una vez constituido el patrimonio cualquier persona
con interés legítimo puede realizar aportaciones a dicho patrimonio,
previéndose incluso la posibilidad de que tanto las aportaciones simultáneas a
la constitución del patrimonio protegido como las posteriores puedan hacerse
182
a pesar de la oposición de los padres, tutores o curadores, cuando así lo estime
el juez por convenir al beneficiario del patrimonio. En todo caso, las
aportaciones de terceros deberán realizarse siempre a título gratuito.
Sin embargo, cuando la persona con discapacidad tenga capacidad de obrar
suficiente, y de acuerdo con el principio general de autonomía personal y libre
desarrollo de la personalidad que informa nuestro ordenamiento jurídico
(artículo 10.1 de la Constitución), no se podrá constituir un patrimonio
protegido en su beneficio hacer aportaciones al mismo en contra de su
voluntad.
Asimismo, cuando la aportación es realizada por un tercero, y por tercero se
entiende cualquier persona distinta del beneficiario del patrimonio, incluidos
los padres, tutores o curadores, constituyentes del mismo, el aportante podrá
establecer el destino que a los bienes o derechos aportados deba darse una vez
extinguido el patrimonio protegido, determinando que tales bienes o derechos
reviertan en el aportante o sus herederos o dándoles cualquier otro destino
lícito que estime oportuno.
Sin embargo, esta facultad del aportante tiene un límite, ya que la salida del
bien o derecho aportado del patrimonio protegido tan sólo podrá producirse
por extinción de éste, lo que elimina la posibilidad de afecciones de bienes y
derechos a término.
Por otro lado, la existencia de este patrimonio, y el especial régimen de
administración al que se somete el mismo, en nada modifican las reglas
generales del Código Civil o, en su caso, de los derechos civiles autonómicos,
relativas a los distintos actos y negocios jurídicos, lo cual implica que, por
ejemplo, cuando un tercero haga una aportación a un patrimonio protegido
mediante donación, dicha donación podrá rescindirse por haber sido realizada
en fraude de acreedores, revocarse por superveniencia o supervivencia de
183
hijos del donante o podrá reducirse por inoficiosa, si concurren los requisitos
que para ello exige la legislación vigente.
IV
En cuanto a la administración del patrimonio, y el término administración se
emplea aquí en el sentido más amplio, comprensivo también de los actos de
disposición, se parte de la regla general de que todos los bienes y derechos,
cualquiera que sea su procedencia, se sujetan al régimen de administración
establecido por el constituyente del patrimonio, el cual tiene plenas facultades
para establecer las reglas de administración que considere oportunas,
favoreciéndose de esta forma que la administración pueda corresponder a
entidades sin ánimo de lucro especializadas en la atención a las personas con
discapacidad, si bien ello con una distinción, ya que:
Cuando el constituyente del patrimonio protegido sea el beneficiario del
mismo, y a la vez tenga capacidad de obrar suficiente, se aplica sin más la
regla general expresada.
En todos los demás casos, las reglas de administración deberán prever que se
requiera autorización judicial en los mismos supuestos que el tutor la requiere
respecto de los bienes del tutelado, si bien se permite que el juez pueda
flexibilizar este régimen de la forma que se estime oportuna cuando las
circunstancias concurrentes en el caso concreto así lo hicieran conveniente y
en todo caso sin que sea preciso acudir al procedimiento de subasta pública
contemplado en la Ley de Enjuiciamiento Civil.
Dado el especial régimen de administración al que se sujeta el patrimonio
protegido, es perfectamente posible que, a pesar de que su beneficiario tenga
capacidad de obrar suficiente, la administración del patrimonio no le
corresponda a él, sino a una persona distinta, sea porque así lo ha querido la
propia persona con discapacidad, cuando ella misma haya constituido el
184
patrimonio, sea porque lo haya dispuesto así el constituyente del patrimonio y
lo haya aceptado el beneficiario, cuando el constituyente sea un tercero.
En cambio, cuando el beneficiario del patrimonio protegido no tenga
capacidad de obrar suficiente, el o los administradores del patrimonio
protegido pueden no ser los padres, tutores o curadores a los que legalmente
corresponde la administración del resto del patrimonio de la persona con
discapacidad, lo cual hace conveniente que la ley prevea expresamente que la
representación legal de la persona con discapacidad para todos los actos
relativos al patrimonio protegido corresponda, no a los padres, tutores o
curadores, sino a los administradores del mismo, si bien la representación
legal está referida exclusivamente a los actos de administración. Asimismo, la
ley regula la extinción del patrimonio protegido, la cual, dejando al margen el
caso especial de que el juez pueda acordar la extinción del mismo cuando así
convenga al interés de la persona con discapacidad, sólo se produce por
muerte o declaración de fallecimiento de su beneficiario o al dejar éste de
padecer una minusvalía en los grados establecidos por la ley.
En estos casos, se presta especial atención a los bienes y derechos aportados
por terceros, los cuales se aplicarán a la finalidad prevista por el aportante al
realizar la aportación, si bien cuando fuera material o jurídicamente imposible
cumplir esta finalidad se les dará otra, lo más análoga y conforme posible a la
voluntad del aportante, en técnica similar a la conmutación modal regulada
por el artículo 798 del Código Civil y atendiendo, si procede a la naturaleza de
los bienes y derechos que integran el patrimonio protegido en el momento de
su extinción y en proporción a las diferentes aportaciones.
V
Aspecto fundamental del contenido de la ley es el de la supervisión de la
administración del patrimonio protegido de las personas con discapacidad.
185
El primer aspecto que destaca de esta supervisión es que el constituyente
puede establecer las reglas de
supervisión y fiscalización de la administración del patrimonio que considere
oportunas.
En segundo lugar, la supervisión institucional del patrimonio protegido
corresponde al Ministerio Fiscal, respecto del cual se prevén dos tipos de
actuaciones, a saber:
a) Una supervisión permanente y general de la administración del patrimonio
protegido, a través de la información que, periódicamente, el administrador
debe remitirle.
b) Una supervisión esporádica y concreta, ya que cuando las circunstancias
concurrentes en un momento determinado lo hicieran preciso, el Ministerio
Fiscal puede solicitar del juez la adopción de cualquier medida que se estime
pertinente en beneficio de la persona con discapacidad. A estos efectos, el
Ministerio Fiscal puede actuar tanto de oficio como a solicitud de cualquier
persona, y será oído en todas las actuaciones judiciales que afecten al
patrimonio protegido, aunque no sean instadas por él.
Por otro lado, la ley crea la Comisión de Protección Patrimonial de las
Personas con Discapacidad, cuya función básica es ser un órgano externo de
apoyo, auxilio y asesoramiento del Ministerio Fiscal en el ejercicio de sus
funciones, sin perjuicio de las demás que reglamentariamente pudieran
atribuírsele.
Dada la importancia de esta Comisión, y la especialización que sus funciones
pueden requerir, se prevé que en ella participen, en todo caso, representantes
de la asociación de utilidad pública, más representativa en el ámbito estatal, de
los diferentes tipos de discapacidad.
186
Por último, se adoptan dos medidas de publicidad registral importantes, ya
que:
De un lado, cuando la administración del patrimonio protegido no corresponde
ni al propio beneficiario ni a sus padres, tutores o curadores, la representación
legal que el administrador ostenta sobre el beneficiario del patrimonio para
todos los actos relativos a éste debe de hacerse constar en el Registro Civil.
De otro, se prevé que en el Registro de la Propiedad conste la condición de un
bien o derecho real inscrito como integrante de un patrimonio protegido.
VI
Sin embargo, el contenido de la ley no acaba en la regulación del patrimonio
protegido de las personas con discapacidad, sino que además se incorporan
distintas modificaciones de la legislación vigente que tratan de mejorar la
protección patrimonial de estas personas, aumentando las posibilidades
jurídicas de afectar medios económicos a la satisfacción de las necesidades de
estas personas o que, en general, mejoran el tratamiento jurídico de las
personas con discapacidad. Estas modificaciones se realizan siguiendo las
pautas aconsejadas por la Comisión General de Codificación.
De ellas, destaca en primer lugar la regulación de la autotutela, es decir, la
posibilidad que tiene una persona capaz de obrar de adoptar las disposiciones
que estime convenientes en previsión de su propia futura incapacitación, lo
cual puede ser especialmente importante en el caso de enfermedades
degenerativas.
Efectivamente, si ya los padres pueden adoptar las medidas que consideren
oportunas respecto de la persona y bienes de sus hijos menores o
incapacitados, no se ven obstáculos para que esta misma posibilidad
corresponda a una persona con capacidad de obrar suficiente respecto de sí
mismo, para el caso de ser incapacitado.
187
Esta autotutela se regula introduciendo unos cambios mínimos en el Código
Civil, consistentes en habilitar a las personas capaces para adoptar las
disposiciones que considere oportunas en previsión de su propia
incapacitación, y ello en el mismo precepto que regula las facultades
parentales respecto de la tutela, y en alterar el orden de delación de la tutela,
prefiriendo como tutor en primer lugar al designado por el propio tutelado, si
bien sin modificar la facultad genérica que corresponde al juez de alterar el
orden de delación cuando así convenga al interés del incapacitado pero
siempre que hayan sobrevenido circunstancias que no fueron tenidas en cuenta
al efectuar la designación.
Además, se garantiza, mediante los mecanismos oportunos que el juez que
estuviera conociendo de la constitución de la tutela pueda conocer la eventual
existencia de disposiciones relativas a la misma, sean de los padres, sean del
propio incapaz.
Complemento de esta regulación de la autotutela es la reforma del artículo
1732 del Código Civil, con objeto de establecer que la incapacitación judicial
del mandante, sobrevenida al otorgamiento del mandato, no sea causa de
extinción de éste cuando el mandante haya dispuesto su continuación a pesar
de la incapacitación, y ello sin perjuicio de que dicha extinción pueda ser
acordada por el juez en el momento de constitución de la tutela sobre el
mandante o, en un momento posterior, a instancia del tutor.
Por último, se legitima al presunto incapaz a promover su propia incapacidad,
modificándose, por tanto, el artículo 757.1 de la Ley 1/2000, de 7 de enero, de
Enjuiciamiento Civil.
VII
En segundo lugar, se introducen distintas modificaciones del derecho de
sucesiones. De esta forma:
188
a) Se configura como causa de indignidad generadora de incapacidad para
suceder abintestato el no haber prestado al causante las atenciones debidas
durante su vida, entendiendo por tales los alimentos regulados por el título VI
del libro I del Código Civil, y ello aunque el causahabiente no fuera una de las
personas obligadas a prestarlos.
b) Se permite que el testador pueda gravar con una sustitución fideicomisaria
la legítima estricta, pero sólo cuando ello beneficiare a un hijo o descendiente
judicialmente incapacitado. En este caso, a diferencia de otros regulados en la
ley, como se aclara a través de una nueva disposición adicional del Código
Civil, se exige que concurra la incapacitación judicial del beneficiado, y no la
minusvalía de éste en el grado establecido en el artículo 2.2 de la ley.
c) Se reforma el artículo 822 del Código Civil, dando una protección
patrimonial directa a las personas con discapacidad mediante un trato
favorable a las donaciones o legados de un derecho de habitación realizados a
favor de las personas con discapacidad que sean legitimarias y convivan con el
donante o testador en la vivienda habitual objeto del derecho de habitación, si
bien con la cautela de que el derecho de habitación legado o donado será
intransmisible.
Además, este mismo precepto concede al legitimario con discapacidad que lo
necesite un legado legal del derecho de habitación sobre la vivienda habitual
en la que conviviera con el causante, si bien a salvo de cualquier disposición
testamentaria de éste sobre el derecho de habitación.
d) Se reforma el artículo 831 del Código Civil, con objeto de introducir una
nueva figura de protección patrimonial indirecta de las personas con
discapacidad. De esta forma, se concede al testador amplias facultades para
que en su testamento pueda conferir al cónyuge supérstite amplias facultades
para mejorar y distribuir la herencia del premuerto entre los hijos o
189
descendientes comunes, lo que permitirá no precipitar la partición de la
herencia cuando uno de los descendientes tenga una discapacidad, y aplazar
dicha distribución a un momento posterior en el que podrán tenerse en cuenta
la variación de las circunstancias y la situación actual y necesidades de la
persona con discapacidad. Además, estas facultades pueden concedérselas los
progenitores con descendencia común, aunque no estén casados entre sí.
e) Se introduce un nuevo párrafo al artículo 1041 del Código Civil a fin de
evitar traer a colación los gastos realizados por los padres y ascendientes,
entendiendo por éstos cualquier disposición patrimonial, para cubrir las
necesidades especiales de sus hijos o descendientes con discapacidad.
VIII
En tercer término, se introduce dentro del título XII del libro IV del Código
Civil, dedicado a los contratos aleatorios, una regulación sucinta pero
suficiente de los alimentos convencionales, es decir, de la obligación
alimenticia surgida del pacto y no de la ley, a diferencia de los alimentos entre
parientes regulados por los artículos 142 y siguientes de dicho cuerpo legal.
La regulación de este contrato, frecuentemente celebrado en la práctica y
examinado en ocasiones por la jurisprudencia del Tribunal Supremo, amplía
las posibilidades que actualmente ofrece el contrato de renta vitalicia para
atender a las necesidades económicas de las personas con discapacidad y, en
general, de las personas con dependencia, como los ancianos, y permite a las
partes que celebren el contrato cuantificar la obligación del alimentante en
función de las necesidades vitales del alimentista.
Su utilidad resulta especialmente patente en el caso de que sean los padres de
una persona con discapacidad quienes transmitan al alimentante el capital en
bienes muebles o inmuebles en beneficio de su hijo con discapacidad, a través
de una estipulación a favor de tercero del artículo 1257 del Código Civil.
190
IX
El capítulo III de la Ley está dedicado a las modificaciones de la normativa
tributaria, mediante las que se adoptan una serie de medidas para favorecer las
aportaciones a título gratuito a los patrimonios protegidos, reforzando de esta
manera los importantes beneficios fiscales que, a favor de las personas con
discapacidad, ha introducido la Ley 46/2002, de 18 de diciembre, de reforma
parcial del Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas y por la que se
modifican las Leyes del Impuesto sobre Sociedades y sobre la Renta de no
Residentes.
De este modo, la ley procede a modificar la Ley 40/1998, de 9 de diciembre,
del Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas y otras Normas
Tributarias, la Ley 43/1995, de 27 de diciembre, del Impuesto sobre
Sociedades, y el Real Decreto Legislativo 1/1993, de 24 de septiembre, por el
que se aprueba el texto refundido de la Ley del Impuesto sobre Transmisiones
Patrimoniales y Actos Jurídicos Documentados, al objeto de regular el
régimen tributario aplicable al discapacitado titular del patrimonio protegido
por las aportaciones que se integren en éste y a los aportantes a dicho
patrimonio por las aportaciones que realicen.
En cuanto al régimen tributario aplicable al discapacitado titular del
patrimonio protegido por las aportaciones que se reciban en dicho patrimonio,
la ley establece que tales aportaciones tendrán la consideración de rendimiento
de trabajo hasta el importe de 8.000 euros anuales por cada aportante y 24.250
euros anuales en con del Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas o que
haya sido gasto deducible en el Impuesto sobre Sociedades de los aportantes
con el límite de 8.000 euros anuales, cuando el aportante sea sujeto pasivo de
ese Impuesto. No obstante, sólo se integrarán en la base imponible del titular
del patrimonio protegido por el importe en que la suma de tales rendimientos
191
de trabajo y las prestaciones recibidas en forma de renta a que se refiere el
apartado 3 del artículo 17 de la ley 40/1998, exceda del doble del salario
mínimo interprofesional.
Lógicamente, cuando la aportación se realice por sujetos pasivos del Impuesto
sobre Sociedades a favor de los patrimonios protegidos de los parientes,
cónyuges o personas a cargo de los trabajadores del aportante, únicamente
tendrán la consideración de rendimiento del trabajo para el titular del
patrimonio protegido.
En cualquier caso, estos rendimientos de trabajo no quedan sujetos a retención
o ingreso a cuenta.
Tratándose de aportaciones no dinerarias, el discapacitado titular del
patrimonio protegido quedará subrogado en la posición del aportante respecto
de la fechas y el valor de adquisición del bien o derecho aportado,
exceptuándose la posibilidad de aplicar la disposición transitoria novena de la
Ley 40/1998 cuando el bien o derecho se transmita con posterioridad a la
aportación al patrimonio protegido.
El régimen tributario aplicable al titular del patrimonio protegido se completa
con una norma de no sujeción al Impuesto sobre Sucesiones y Donaciones por
la parte de las aportaciones que tengan para el perceptor la consideración de
rendimientos del trabajo.
En lo que se refiere al régimen aplicable al aportante al patrimonio protegido
de la persona discapacitada, se distinguen dos supuestos según que el
aportante sea contribuyente por el Impuesto sobre la Renta de las Personas
Físicas o sujeto pasivo del Impuesto sobre Sociedades.
De este modo, en el primer supuesto, se prevé que las aportaciones realizadas
por los parientes en línea directa o colateral hasta el tercer grado, el cónyuge
y los tutores o acogedores, den derecho a practicar una reducción de la base
192
imponible del aportante que podrá alcanzar, para estas aportaciones, un
importe máximo de 8.000 euros anuales.
Las reducciones practicadas en la base imponible de los aportantes tendrán,
asimismo, un límite conjunto, de manera que el total de las reducciones
practicadas por todas las personas que efectúen aportaciones a favor de un
mismo patrimonio protegido no podrá exceder de 24.250 euros anuales. A
estos efectos, se introduce una cláusula de disminución proporcional de la
reducción aplicable en caso de que la concurrencia de varios aportantes supere
el límite conjunto establecido.
En cualquier caso, se establece que las aportaciones que excedan de los límites
anteriores puedan dar derecho a reducir la base imponible del aportante en los
cuatro períodos impositivos siguientes, regla ésta que resulta de aplicación
tanto a las aportaciones dinerarias como a las no dinerarias.
En el segundo de los supuestos, esto es, cuando las aportaciones han sido
realizadas por sujetos pasivos del Impuesto sobre Sociedades a los
patrimonios protegidos de sus trabajadores o de los parientes o cónyuges de
los trabajadores, o de las personas acogidas por los trabajadores en régimen de
tutela o acogimiento, se prevé que tales aportaciones dan derecho a la
deducción del 10 por ciento de la cuota íntegra prevista en el artículo 36
quáter de la Ley 43/1995, de 27 de diciembre, del Impuesto sobre Sociedades.
La aportación anual deberá respetar, además de los requisitos generales
establecidos en el citado artículo 36 quáter, el límite de 8.000 euros anuales
por cada trabajador o persona discapacitada, estando previsto que si excede de
este límite, la deducción que corresponda podrá aplicarse en los cuatro
períodos impositivos siguientes.
En cuanto a la valoración de las aportaciones no dinerarias al patrimonio
protegido, la norma remite a las reglas previstas en el artículo 18 de la Ley
193
49/2002, de 23 de diciembre, de régimen fiscal de las entidades sin fines
lucrativos y de los incentivos fiscales al mecenazgo, que se ocupa de regular la
base de las deducciones por donativos, donaciones y aportaciones realizadas a
las entidades beneficiarias del mecenazgo.
En los casos de aportaciones no dinerarias, y en concordancia con la finalidad
perseguida en la constitución de los patrimonios protegidos, la ley declara
exentas del Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas y del Impuesto
sobre Sociedades, respectivamente, las ganancias patrimoniales y las rentas
positivas generadas con ocasión de la realización de dichas aportaciones.
Por otro lado, la ley se ocupa de las consecuencias fiscales derivadas de la
realización de actos de disposición de los bienes o derechos integrantes del
patrimonio protegido cuando tales actos de disposición se realicen en el plazo
comprendido entre el período impositivo de la aportación y los cuatro
siguientes, distinguiendo en función de la naturaleza jurídica del aportante.
De este modo, si quien realizó las aportaciones al patrimonio protegido del
discapacitado fue un contribuyente del Impuesto sobre la Renta de las
Personas Físicas, dicho contribuyente vendrá obligado a integrar en la base
imponible del período impositivo en que se produzca el acto de disposición,
las cantidades reducidas en la base imponible correspondientes a las
disposiciones realizadas más los intereses de demora que procedan.
Si las aportaciones al patrimonio protegido fueron realizadas por un sujeto
pasivo del Impuesto sobre Sociedades, éste habrá de ingresar en el período
impositivo en que se produce la disposición, la cantidad deducida en la cuota
en el período impositivo en que se realizó la aportación.
En ambos casos, el titular del patrimonio habrá de integrar en su base
imponible correspondiente al período impositivo en que se produce la
disposición, la cantidad que hubiera dejado de integrar en el período
194
impositivo en que recibió la aportación. Esta obligación se traslada al
trabajador cuando la aportación la hubiera realizado un sujeto pasivo del
Impuesto sobre Sociedades al patrimonio protegido de un pariente de aquél.
Finalmente, al objeto de asegurar un adecuado control de los patrimonios
protegidos de las personas discapacitadas, se establece la obligación para el
contribuyente titular de un patrimonio protegido de presentar una declaración
en la que se indique la composición del patrimonio, las aportaciones recibidas
y las disposiciones realizadas durante el período impositivo, remitiéndose en
este punto a un posterior desarrollo reglamentario.
El conjunto de modificaciones en la normativa tributaria se completa con un
nuevo supuesto de exención en el Impuesto sobre Transmisiones
Patrimoniales y Actos Jurídicos Documentados que será aplicable a las
aportaciones a los patrimonios protegidos de las personas con discapacidad.
CAPÍTULO I
Patrimonio protegido de las personas con discapacidad
Artículo 1. Objeto y régimen jurídico.
1. El objeto de esta ley es favorecer la aportación a título gratuito de bienes y
derechos al patrimonio de las personas con discapacidad y establecer
mecanismos adecuados para garantizar la afección de tales bienes y derechos,
así como de los frutos, productos y rendimientos de éstos, a la satisfacción de
las necesidades vitales de sus titulares.
Tales bienes y derechos constituirán el patrimonio especialmente protegido de
las personas con discapacidad.
2. El patrimonio protegido de las personas con discapacidad se regirá por lo
establecido en esta ley y en sus disposiciones de desarrollo, cuya aplicación
tendrá carácter preferente sobre lo dispuesto para regular los efectos de la
incapacitación en los títulos IX y X del libro I del Código Civil.
195
[El Tribunal Constitucional, mediante providencia de 13 de abril de 2004, ha
admitido a trámite el recurso de inconstitucionalidad núm. 1004/2004,
promovido por el Parlamento de Catalunya, contra el apartado 2 de este
artículo (BOE núm. 102, de 27-04-2004, p. 16606).]
Artículo 2. Beneficiarios.
1. El patrimonio protegido de las personas con discapacidad tendrá como
beneficiario, exclusivamente, a la persona en cuyo interés se constituya, que
será su titular.
2. A los efectos de esta ley únicamente tendrán la consideración de personas
con discapacidad:
a) Las afectadas por una minusvalía psíquica igual o superior al 33 por ciento.
b) Las afectadas por una minusvalía física o sensorial igual o superior al 65
por ciento.
3. El grado de minusvalía se acreditará mediante certificado expedido
conforme a lo establecido reglamentariamente o por resolución judicial firme.
Artículo 3. Constitución.
1. Podrán constituir un patrimonio protegido:
a) La propia persona con discapacidad beneficiaria del mismo, siempre que
tenga capacidad de obrar suficiente.
b) Sus padres, tutores o curadores cuando la persona con discapacidad no
tenga capacidad de obrar suficiente.
c) El guardador de hecho de una persona con discapacidad psíquica podrá
constituir en beneficio de éste un patrimonio protegido con los bienes que sus
padres o tutores le hubieran dejado por título hereditario o hubiera de recibir
en virtud de pensiones constituidas por aquéllos y en los que hubiera sido
designado beneficiario; todo ello sin perjuicio de lo dispuesto en los artículos
303, 304 y 306 del Código Civil.
196
2. Cualquier persona con interés legítimo podrá solicitar de la persona con
discapacidad o, en caso de que no tenga capacidad de obrar suficiente, de sus
padres, tutores o curadores, la constitución de un patrimonio protegido,
ofreciendo al mismo tiempo una aportación de bienes y derechos adecuados,
suficiente para ese fin.
En caso de negativa injustificada de los padres o tutores, el solicitante podrá
acudir al fiscal, quien instará del juez lo que proceda atendiendo al interés de
la persona con discapacidad. Si el juez autorizara la constitución del
patrimonio protegido, la resolución judicial determinará el contenido a que se
refiere el apartado siguiente de esta ley. El cargo de administrador no podrá
recaer, salvo justa causa, en el padre, tutor o curador que se hubiera negado
injustificadamente a la constitución del patrimonio protegido.
3. El patrimonio protegido se constituirá en documento público, o por
resolución judicial en el supuesto contemplado en el apartado anterior.
Dicho documento público o resolución judicial tendrá, como mínimo, el
siguiente contenido:
a) El inventario de los bienes y derechos que inicialmente constituyan el
patrimonio protegido.
b) La determinación de las reglas de administración y, en su caso, de
fiscalización, incluyendo los procedimientos de designación de las personas
que hayan de integrar los órganos de administración o, en su caso, de
fiscalización. Dicha determinación se realizará conforme a lo establecido en el
artículo 5 de esta ley.
c) Cualquier otra disposición que se considere oportuna respecto a la
administración o conservación del mismo.
Artículo 4. Aportaciones al patrimonio protegido.
197
1. Las aportaciones de bienes y derechos posteriores a la constitución del
patrimonio protegido estarán sujetas a las mismas formalidades establecidas
en el artículo anterior para su constitución.
2. Cualquier persona con interés legítimo, con el consentimiento de la persona
con discapacidad, o de sus padres o tutores o curadores si no tuviera capacidad
de obrar suficiente, podrá aportar bienes o derechos al patrimonio protegido.
Estas aportaciones deberán realizarse siempre a título gratuito y no podrán
someterse a término.
En caso de que los padres, tutores o curadores negasen injustificadamente su
consentimiento, la persona que hubiera ofrecido la aportación podrá acudir al
fiscal, quien instará del juez lo que proceda atendiendo al interés de la persona
con discapacidad.
3. Al hacer la aportación de un bien o derecho al patrimonio protegido, los
aportantes podrán establecer el destino que deba darse a tales bienes o
derechos o, en su caso, a su equivalente, una vez extinguido el patrimonio
protegido conforme al artículo 6, siempre que hubieran quedado bienes y
derechos suficientes y sin más limitaciones que las establecidas en el Código
Civil o en las normas de derecho civil, foral o especial, que, en su caso, fueran
aplicables.
Artículo 5. Administración.
1. Cuando el constituyente del patrimonio protegido sea el propio beneficiario
del mismo, su administración, cualquiera que sea la procedencia de los bienes
y derechos que lo integren, se sujetará a las reglas establecidas en el
documento público de constitución.
2. En los demás casos, las reglas de administración, establecidas en el
documento público de constitución, deberán prever la obligatoriedad de
autorización judicial en los mismos supuestos que el tutor la requiere respecto
198
de los bienes del tutelado, conforme a los artículos 271 y 272 del Código Civil
o, en su caso, conforme a lo dispuesto en las normas de derecho civil, foral o
especial, que fueran aplicables.
No obstante lo dispuesto en el párrafo anterior la autorización no es necesaria
cuando el beneficiario tenga capacidad de obrar suficiente.
En ningún caso será necesaria la subasta pública para la enajenación de los
bienes o derechos que integran el patrimonio protegido no siendo de
aplicación lo establecido al efecto en el título XI del libro III de la Ley de
Enjuiciamiento Civil de 3 de febrero de 1881.
3. No obstante lo dispuesto en el apartado anterior, los constituyentes o el
administrador, podrán instar al Ministerio Fiscal que solicite del juez
competente la excepción de la autorización judicial en determinados
supuestos, en atención a la composición del patrimonio, las circunstancias
personales de su beneficiario, las necesidades derivadas de su minusvalía, la
solvencia del administrador o cualquier otra circunstancia de análoga
naturaleza.
4. Todos los bienes y derechos que integren el patrimonio protegido, así como
sus frutos, rendimientos o productos, deberán destinarse a la satisfacción de
las necesidades vitales de su beneficiario, o al mantenimiento de la
productividad del patrimonio protegido.
5. En ningún caso podrán ser administradores las personas o entidades que no
puedan ser tutores, conforme a lo establecido en el Código Civil o en las
normas de derecho civil, foral o especial, que, en su caso, fueran aplicables.
6. Cuando no se pudiera designar administrador conforme a las reglas
establecidas en el documento público o resolución judicial de constitución, el
juez competente proveerá lo que corresponda, a solicitud del Ministerio Fiscal.
199
7. El administrador del patrimonio protegido, cuando no sea el propio
beneficiario del mismo, tendrá la condición de representante legal de éste para
todos los actos de administración de los bienes y derechos integrantes del
patrimonio protegido, y no requerirá el concurso de los padres o tutor para su
validez y eficacia.
Artículo 6. Extinción.
1. El patrimonio protegido se extingue por la muerte o declaración de
fallecimiento de su beneficiario o por dejar éste de tener la condición de
persona con discapacidad de acuerdo con el artículo 2.2 de esta ley.
2. Si el patrimonio protegido se hubiera extinguido por muerte o declaración
de fallecimiento de su beneficiario, se entenderá comprendido en su herencia.
Si el patrimonio protegido se hubiera extinguido por dejar su beneficiario de
cumplir las condiciones establecidas en el artículo 2.2 de esta ley éste seguirá
siendo titular de los bienes y derechos que lo integran, sujetándose a las
normas generales del Código Civil o de derecho civil, foral o especial, que, en
su caso, fueran aplicables.
3. Lo dispuesto en el apartado anterior se entiende sin perjuicio de la finalidad
que, en su caso, debiera de darse a determinados bienes y derechos, conforme
a lo establecido en el artículo 4.3 de esta ley.
En el caso de que no pudiera darse a tales bienes y derechos la finalidad
prevista por sus aportantes, se les dará otra, lo más análoga y conforme a la
prevista por éstos, atendiendo, cuando proceda, a la naturaleza y valor de los
bienes y derechos que integren el patrimonio protegido y en proporción, en su
caso, al valor de las diferentes aportaciones.
Artículo 7. Supervisión.
1. La supervisión de la administración del patrimonion protegido corresponde
al Ministerio Fiscal, quien instará del juez lo que proceda en beneficio de la
200
persona con discapacidad, incluso la sustitución del administrador, el cambio
de las reglas de administración, el establecimiento de medidas especiales de
fiscalización, la adopción de cautelas, la extinción del patrimonio protegido o
cualquier otra medida de análoga naturaleza.
El Ministerio Fiscal actuará de oficio o a solicitud de cualquier persona, y será
oído en todas las actuaciones judiciales relativas al patrimonio protegido.
2. Cuando no sea la propia persona con discapacidad beneficiaria del
patrimonio o sus padres, el administrador del patrimonio protegido deberá
rendir cuentas de su gestión al Ministerio Fiscal cuando lo determine éste y, en
todo caso, anualmente, mediante la remisión de una relación de su gestión y
un inventario de los bienes y derechos que lo formen, todo ello justificado
documentalmente.
El Ministerio Fiscal podrá requerir documentación adicional y solicitar
cuantas aclaraciones estime pertinentes.
3. Como órgano externo de apoyo, auxilio y asesoramiento del Ministerio
Fiscal en el ejercicio de las funciones previstas en este artículo, se crea la
Comisión de Protección Patrimonial de las Personas con Discapacidad,
adscrita al Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales, y en la que participarán,
en todo caso, representantes de la asociación de utilidad pública, más
representativa en el ámbito estatal, de los diferentes tipos de discapacidad.
La composición, funcionamiento y funciones de esta Comisión se
determinarán reglamentariamente.
Artículo 8. Constancia registral.
1. La representación legal a la que se refiere el artículo 5.7 de esta ley se hará
constar en el Registro Civil.
2. Cuando el dominio de un bien inmueble o derecho real sobre el mismo se
integre en un patrimonio protegido, se hará constar esta cualidad en la
201
inscripción que se practique a favor de la persona con discapacidad en el
Registro de la Propiedad correspondiente.
La misma mención se hará en los restantes bienes que tengan el carácter de
registrables. Si se trata de participaciones en fondos de inversión o
instituciones de inversión colectiva, acciones o participaciones en sociedades
mercantiles que se integren en un patrimonio protegido, se notificará por el
notario autorizante o por el juez, a la gestora de los mismos o a la sociedad, su
nueva cualidad.
3. Cuando un bien o derecho deje de formar parte de un patrimonio protegido
se podrá exigir por quien resulte ser su titular o tenga un interés legítimo la
cancelación de las menciones a que se refiere el apartado anterior.
CAPÍTULO II
Modificaciones del Código Civil y de la Ley de Enjuiciamiento Civil
Artículo 9. Modificaciones del Código Civil en materia de autotutela.
Uno. El artículo 223 del Código Civil quedará redactado en los siguientes
términos:
Artículo 223.
Los padres podrán en testamento o documento público notarial nombrar tutor,
establecer órganos de fiscalización de la tutela, así como designar las personas
que hayan de integrarlos u ordenar cualquier disposición sobre la persona o
bienes de sus hijos menores o incapacitados.
Asimismo, cualquier persona con la capacidad de obrar suficiente, en
previsión de ser incapacitada judicialmente en el futuro, podrá en documento
público notarial adoptar cualquier disposición relativa a su propia persona o
bienes, incluida la designación de tutor.
202
Los documentos públicos a los que se refiere el presente artículo se
comunicarán de oficio por el notario autorizante al Registro Civil, para su
indicación en la inscripción de nacimiento del interesado.
En los procedimientos de incapacitación, el juez recabará certificación del
Registro Civil y, en su caso, del registro de actos de última voluntad, a efectos
de comprobar la existencia de las disposiciones a las que se refiere este
artículo.
Dos. El párrafo primero del artículo 234 del Código Civil pasa a tener la
siguiente redacción:
Para el nombramiento de tutor se preferirá:
1. Al designado por el propio tutelado, conforme al párrafo segundo del
artículo 223.
2. Al cónyuge que conviva con el tutelado.
3. A los padres.
4. A la persona o personas designadas por éstos en sus disposiciones de última
voluntad.
5. Al descendiente, ascendiente o hermano que designe el juez.
Tres. Se añade un nuevo párrafo al artículo 239 con el contenido siguiente:
La entidad pública a la que, en el respectivo territorio, esté encomendada la
tutela de los incapaces cuando ninguna de las personas recogidas en el artículo
234 sea nombrado tutor, asumirá por ministerio de la ley la tutela del incapaz
o cuando éste se encuentre en situación de desamparo.
Se considera como situación de desamparo la que se produce de hecho a causa
del incumplimiento o del imposible o inadecuado ejercicio de los deberes que
le incumben de conformidad a las leyes, cuando éstos queden privados de la
necesaria asistencia moral o material.
Artículo 10. Modificación del Código Civil en materia de régimen sucesorio.
203
Uno. Se añade un apartado 7.º al artículo 756 del Código Civil con la siguiente
redacción:
7.º Tratándose de la sucesión de una persona con discapacidad, las personas
con derecho a la herencia que no le hubieren prestado las atenciones debidas,
entendiendo por tales las reguladas en los artículos 142 y 146 del Código
Civil.
Dos. Se modifica el artículo 782 del Código Civil que queda redactado en los
siguientes términos:
Artículo 782.
Las sustituciones fideicomisarias nunca podrán gravar la legítima, salvo que
graven la legítima estricta en beneficio de un hijo o descendiente
judicialmente incapacitado en los términos establecidos en el artículo 808. Si
recayeren sobre el tercio destinado a la mejora, sólo podrán hacerse en favor
de los descendientes.
Tres. Se añade un tercer párrafo al artículo 808 del Código Civil con la
siguiente redacción, pasando a ser cuarto el actual párrafo tercero:
Cuando alguno de los hijos o descendientes haya sido judicialmente
incapacitado, el testador podrá establecer una sustitución fideicomisaria sobre
el tercio de legítima estricta, siendo fiduciarios los hijos o descendientes
judicialmente incapacitados y fideicomisarios los coherederos forzosos.
Cuatro. Se modifica el artículo 813 del Código Civil, quedando redactado su
segundo párrafo del siguiente modo:
Tampoco podrá imponer sobre ella gravamen, ni condición, ni sustitución de
ninguna especie, salvo lo dispuesto en cuanto al usufructo de viudo y lo
establecido en el artículo 808 respecto de los hijos o descendientes
judicialmente incapacitados.
204
Cinco. Los artículos 821 y 822 del Código Civil quedarán redactados en los
siguientes términos:
Artículo 821.
Cuando el legado sujeto a reducción consista en una finca que no admita
cómoda división, quedará ésta para el legatario si la reducción no absorbe la
mitad de su valor, y en caso contrario para los herederos forzosos; pero aquél
y éstos deberán abonarse su respectivo haber en dinero.
El legatario que tenga derecho a legítima podrá retener toda la finca, con tal
que su valor no supere, el importe de la porción disponible y de la cuota que le
corresponda por legítima.
Si los herederos o legatarios no quieren usar del derecho que se les concede en
este artículo se venderá la finca en pública subasta, a instancia de cualquiera
de los interesados.
Artículo 822.
La donación o legado de un derecho de habitación sobre la vivienda habitual
que su titular haga a favor de un legitimario persona con discapacidad, no se
computará para el cálculo de las legítimas si en el momento del fallecimiento
ambos estuvieren conviviendo en ella.
Este derecho de habitación se atribuirá por ministerio de la ley en las mismas
condiciones al legitimario discapacitado que lo necesite y que estuviera
conviviendo con el fallecido, a menos que el testador hubiera dispuesto otra
cosa o lo hubiera excluido expresamente, pero su titular no podrá impedir que
continúen conviviendo los demás legitimarios mientras lo necesiten.
El derecho a que se refieren los dos párrafos anteriores será intransmisible.
Lo dispuesto en los dos primeros párrafos no impedirá la atribución al
cónyuge de los derechos regulados en los artículos 1406 y 1407 de este
Código, que coexistirán con el de habitación.
205
Seis. El artículo 831 del Código Civil quedará redactado en los siguientes
términos:
Artículo 831.
1. No obstante lo dispuesto en el artículo anterior, podrán conferirse facultades
al cónyuge en testamento para que, fallecido el testador, pueda realizar a favor
de los hijos o descendientes comunes mejoras incluso con cargo al tercio de
libre disposición y, en general, adjudicaciones o atribuciones de bienes
concretos por cualquier título o concepto sucesorio o particiones, incluidas las
que tengan por objeto bienes de la sociedad conyugal disuelta que esté sin
liquidar.
Estas mejoras, adjudicaciones o atribuciones podrán realizarse por el cónyuge
en uno o varios actos, simultáneos o sucesivos. Si no se le hubiere conferido la
facultad de hacerlo en su propio testamento o no se le hubiere señalado plazo,
tendrá el de dos años contados desde la apertura de la sucesión o, en su caso,
desde la emancipación del último de los hijos comunes.
Las disposiciones del cónyuge que tengan por objeto bienes específicos y
determinados, además de conferir la propiedad al hijo o descendiente
favorecido, le conferirán también la posesión por el hecho de su aceptación,
salvo que en ellas se establezca otra cosa.
2. Corresponderá al cónyuge sobreviviente la administración de los bienes
sobre los que pendan las facultades a que se refiere el párrafo anterior.
3. El cónyuge, al ejercitar las facultades encomendadas, deberá respetar las
legítimas estrictas de los descendientes comunes y las mejoras y demás
disposiciones del causante en favor de ésos.
De no respetarse la legítima estricta de algún descendiente común o la cuota
de participación en los bienes relictos que en su favor hubiere ordenado el
206
causante, el perjudicado podrá pedir que se rescindan los actos del cónyuge en
cuanto sea necesario para dar satisfacción al interés lesionado.
Se entenderán respetadas las disposiciones del causante a favor de los hijos o
descendientes comunes y las legítimas cuando unas u otras resulten
suficientemente satisfechas aunque en todo o en parte lo hayan sido con bienes
pertenecientes sólo al cónyuge que ejercite las facultades.
4. La concesión al cónyuge de las facultades expresadas no alterará el régimen
de las legítimas ni el de las disposiciones del causante, cuando el favorecido
por unas u otras no sea descendiente común. En tal caso, el cónyuge que no
sea pariente en línea recta del favorecido tendrá poderes, en cuanto a los
bienes afectos a esas facultades, para actuar por cuenta de los descendientes
comunes en los actos de ejecución o de adjudicación relativos a tales legítimas
o disposiciones.
Cuando algún descendiente que no lo sea del cónyuge supérstite hubiera
sufrido preterición no intencional en la herencia del premuerto, el ejercicio de
las facultades encomendadas al cónyuge no podrá menoscabar la parte del
preterido.
5. Las facultades conferidas al cónyuge cesarán desde que hubiere pasado a
ulterior matrimonio o a relación de hecho análoga o tenido algún hijo no
común, salvo que el testador hubiera dispuesto otra cosa.
6. Las disposiciones de los párrafos anteriores también serán de aplicación
cuando las personas con descendencia común no estén casadas entre sí.
Siete. Se añade un segundo párrafo al artículo 1041 del Código Civil con la
siguiente redacción:
Tampoco estarán sujetos a colación los gastos realizados por los padres y
ascendientes para cubrir las necesidades especiales de sus hijos o
descendientes con discapacidad.
207
Artículo 11. Modificación del Código Civil en materia del mandato.
El artículo 1732 del Código Civil quedará redactado en los siguientes
términos:
Artículo 1732.
El mandato se acaba:
1.º Por su revocación.
2.º Por renuncia o incapacitación del mandatario.
3.º Por muerte, declaración de prodigalidad o por concurso o insolvencia del
mandante o del mandatario.
El mandato se extinguirá, también, por la incapacitación sobrevenida del
mandante a no ser que en el mismo se hubiera dispuesto su continuación o el
mandato se hubiera dado para el caso de incapacidad del mandante apreciada
conforme a lo dispuesto por éste. En estos casos, el mandato podrá terminar
por resolución judicial dictada al constituirse el organismo tutelar o
posteriormente a instancia del tutor.
Artículo 12. Modificación del Código Civil en materia del contrato de
alimentos.
Uno. Se crea un nuevo capítulo II dentro del título XII del libro IV del Código
Civil, bajo la rúbrica «Del contrato de alimentos», que engloba los artículos
1791 a 1797.
Dos. Los artículos 1791 a 1797 del Código Civil quedarán redactados en los
siguientes términos:
Artículo 1791.
Por el contrato de alimentos una de las partes se obliga a proporcionar
vivienda, manutención y asistencia de todo tipo a una persona durante su vida,
a cambio de la transmisión de un capital en cualquier clase de bienes y
derechos.
208
Artículo 1792.
De producirse la muerte del obligado a prestar los alimentos o de concurrir
cualquier circunstancia grave que impida la pacífica convivencia de las partes,
cualquiera de ellas podrá pedir que la prestación de alimentos convenida se
pague mediante la pensión actualizable a satisfacer por plazos anticipados que
para esos eventos hubiere sido prevista en el contrato o, de no haber sido
prevista, mediante la que se fije judicialmente.
Artículo 1793.
La extensión y calidad de la prestación de alimentos serán las que resulten del
contrato y, a falta de pacto en contrario, no dependerá de las vicisitudes del
caudal y necesidades del obligado ni de las del caudal de quien los recibe.
Artículo 1794.
La obligación de dar alimentos no cesará por las causas a que se refiere el
artículo 152, salvo la prevista en su apartado primero.
Artículo 1795.
El incumplimiento de la obligación de alimentos dará derecho al alimentista
sin perjuicio de lo dispuesto en el artículo 1792, para optar entre exigir el
cumplimiento, incluyendo el abono de los devengados con anterioridad a la
demanda, o la resolución del contrato, con aplicación, en ambos casos, de las
reglas generales de las obligaciones recíprocas.
En caso de que el alimentista opte por la resolución, el deudor de los
alimentos deberá restituir inmediatamente los bienes que recibió por el
contrato, y, en cambio, el juez podrá, en atención a las circunstancias, acordar
que la restitución que, con respeto de lo que dispone el artículo siguiente,
corresponda al alimentista quede total o parcialmente aplazada, en su
beneficio, por el tiempo y con las garantías que se determinen.
Artículo 1796.
209
De las consecuencias de la resolución del contrato, habrá de resultar para el
alimentista, cuando menos, un superávit suficiente para constituir, de nuevo,
una pensión análoga por el tiempo que le quede de vida.
Artículo 1797.
Cuando los bienes o derechos que se transmitan a cambio de los alimentos
sean registrables, podrá garantizarse frente a terceros el derecho del
alimentista con el pacto inscrito en el que se dé a la falta de pago el carácter de
condición resolutoria explícita, además de mediante el derecho de hipoteca
regulado en el artículo 157 de la Ley Hipotecaria.
Artículo 13. Incorporación de una disposición adicional en el Código Civil.
Se añade una disposición adicional cuarta en el Código Civil.
Disposición adicional cuarta.
La referencia que a personas con discapacidad se realiza en los artículos 756,
822 y 1041, se entenderá hecha al concepto definido en la Ley de protección
patrimonial de las personas con discapacidad y de Modificación del Código
Civil, de la Ley de Enjuiciamiento Civil y de la Normativa Tributaria con esta
finalidad.
Artículo 14. Modificación de la Ley 1/2000, de 7 de enero, de Enjuiciamiento
Civil, en materia de procesos sobre la capacidad de las personas.
El apartado 1 del artículo 757 de la Ley 1/2000, de 7 de enero, de
Enjuiciamiento Civil, tendrá la siguiente redacción:
Artículo 757.
1. La declaración de incapacidad puede promoverla el presunto incapaz, el
cónyuge o quien se encuentre en una situación de hecho asimilable, los
descendientes, los ascendientes, o los hermanos del presunto incapaz.
CAPÍTULO III
Modificación de la normativa tributaria
210
Artículo 15. Modificación de la Ley 40/1998, de 9 de diciembre, del Impuesto
sobre la Renta de las Personas Físicas y otras Normas Tributarias.
Con efectos para los periodos impositivos que se inicien a partir del 1 de enero
de 2004, se introducen las siguientes modificaciones en la Ley 40/1998, de 9
de diciembre, del Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas y otras
Normas Tributarias:
Uno. Se modifica el apartado 4 del artículo 15, que quedará redactado en los
siguientes términos:
4. La base liquidable será el resultado de practicar en la base imponible, en los
términos previstos en esta ley, las reducciones por rendimientos del trabajo,
prolongación de la actividad laboral, movilidad geográfica, cuidado de hijos,
edad, asistencia, discapacidad, aportaciones a patrimonios protegidos de las
personas discapacitadas, aportaciones y contribuciones a los sistemas de
previsión social y pensiones compensatorias, lo cual dará lugar a las bases
liquidables general y especial.
Dos. Se añade un apartado 4 al artículo 16, que quedará redactado en los
siguientes términos:
4. Las aportaciones realizadas al patrimonio protegido de las personas con
discapacidad, regulado en la Ley de Protección Patrimonial de las Personas
con Discapacidad y de Modificación del Código Civil, de la Ley de
Enjuiciamiento Civil y de la Normativa Tributaria con esta finalidad, tendrán
el siguiente tratamiento fiscal para el contribuyente discapacitado:
a) Cuando los aportantes sean contribuyentes del Impuesto sobre la Renta de
las Personas Físicas, tendrán la consideración de rendimientos del trabajo
hasta el importe de 8.000 euros anuales por cada aportante y 24.250 euros
anuales en conjunto.
211
Asimismo, y con independencia de los límites indicados en el párrafo anterior,
cuando los aportantes sean sujetos pasivos del Impuesto sobre Sociedades,
tendrán la consideración de rendimientos del trabajo siempre que hayan sido
gasto deducible en el Impuesto sobre Sociedades con el límite de 8.000 euros
anuales.
Estos rendimientos se integrarán en la base imponible del contribuyente
discapacitado titular del patrimonio protegido por el importe en que la suma
de tales rendimientos y las prestaciones recibidas en forma de renta a que se
refiere el apartado 3 del artículo 17 de esta ley exceda de dos veces al salario
mínimo interprofesional.
Cuando las aportaciones se realicen por sujetos pasivos del Impuesto sobre
Sociedades a favor de los patrimonios protegidos de los parientes, cónyuges o
personas a cargo de los empleados del aportante, únicamente tendrán la
consideración de rendimiento del trabajo para el titular del patrimonio
protegido.
Los rendimientos a que se refiere este párrafo a) no estarán sujetos a retención
o ingreso a cuenta.
b) En el caso de aportaciones no dinerarias, el contribuyente discapacitado
titular del patrimonio protegido se subrogará en la posición del aportante
respecto de la fecha y el valor de adquisición de los bienes y derechos
aportados, pero sin que, a efectos de ulteriores transmisiones, le resulte de
aplicación lo previsto en la disposición transitoria novena de esta ley.
A la parte de la aportación no dineraria sujeta al Impuesto sobre Sucesiones y
Donaciones se aplicará, a efectos de calcular el valor y la fecha de
adquisición, lo establecido en el artículo 34 de esta ley.
212
c) No estará sujeta al Impuesto sobre Sucesiones y Donaciones la parte de las
aportaciones que tenga para el perceptor la consideración de rendimientos del
trabajo.
Tres. Se modifica el apartado 1 del artículo 46, que quedará redactado en los
siguientes términos:
1. La base liquidable general estará constituida por el resultado de practicar en
la parte general de la base imponible, exclusivamente y por este orden, las
reducciones a que se refieren los artículos 46 bis, 46 ter, 46 quáter, 47, 47 bis,
47 ter, 47 quinquies, 47 sexies, 48, 48 bis y 48 ter de esta ley, sin que pueda
resultar negativa como consecuencia de dichas disminuciones.
La base liquidable especial será el resultado de disminuir la parte especial de
la base imponible en el remanente, si lo hubiere, de las reducciones previstas
en el párrafo anterior sin que pueda resultar negativa como consecuencia de tal
disminución.
Cuatro. Se añade un artículo 47 sexies que quedará
redactado en los siguientes términos:
Artículo 47 sexies. Reducciones por aportaciones a patrimonios protegidos de
las personas discapacitadas.
1. Las aportaciones al patrimonio protegido del contribuyente discapacitado
efectuadas por las personas que tengan con el discapacitado una relación de
parentesco en línea directa o colateral hasta el tercer grado inclusive, así como
por el cónyuge del discapacitado o por aquellos que lo tuviesen a su cargo en
régimen de tutela o acogimiento, darán derecho a reducir la base imponible
del aportante, con el límite máximo de 8.000 euros anuales.
El conjunto de las reducciones practicadas por todas las personas que efectúen
aportaciones a favor de un mismo patrimonio protegido no podrá exceder de
24.250 euros anuales.
213
A estos efectos, cuando concurran varias aportaciones a favor de un mismo
patrimonio protegido, las reducciones correspondientes a dichas aportaciones
habrán de ser minoradas de forma proporcional sin que, en ningún caso, el
conjunto de las reducciones practicadas por todas las personas físicas que
realicen aportaciones a favor de un mismo patrimonio protegido pueda
exceder de 24.250 euros anuales.
2. Las aportaciones que excedan de los límites previstos en el apartado
anterior darán derecho a reducir la base imponible de los cuatro períodos
impositivos siguientes, hasta agotar, en su caso, en cada uno de ellos los
importes máximos de reducción.
Lo dispuesto en el párrafo anterior también resultará aplicable en los
supuestos en que no proceda la reducción por insuficiencia de base imponible.
Cuando concurran en un mismo período impositivo reducciones de la base
imponible por aportaciones efectuadas en el ejercicio con reducciones de
ejercicios anteriores pendientes de aplicar, se practicarán en primer lugar las
reducciones procedentes de los ejercicios anteriores, hasta agotar los importes
máximos de reducción.
3. Tratándose de aportaciones no dinerarias se tomará como importe de la
aportación el que resulte de lo previsto en el artículo 18 de la
Ley 49/2002, de 23 de diciembre, de régimen fiscal de las entidades sin fines
lucrativos y de los incentivos fiscales al mecenazgo.
Estarán exentas del Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas las
ganancias patrimoniales que se pongan de manifiesto en el aportante con
ocasión de las aportaciones a los patrimonios protegidos.
4. No generarán el derecho a reducción las aportaciones de elementos afectos
a la actividad sobre la Renta de las Personas Físicas que realicen actividades
económicas.
214
En ningún caso darán derecho a reducción las aportaciones efectuadas por el
propio contribuyente discapacitado titular del patrimonio protegido.
5. La disposición en el período impositivo en que se realiza la aportación o en
los cuatro siguientes de cualquier bien o derecho aportado al patrimonio
protegido de la persona con discapacidad determinará las siguientes
obligaciones fiscales:
a) Si el aportante fue un contribuyente del Impuesto sobre la Renta de las
Personas Físicas, dicho aportante deberá integrar en la base imponible del
período impositivo en que se produzca el acto de disposición, las cantidades
reducidas de la base imponible correspondientes a las disposiciones realizadas
más los intereses de demora que procedan.
b) Cualquiera que haya sido el aportante el titular del patrimonio protegido
que recibió la aportación deberá integrar en la base imponible del período
impositivo en que se produzca el acto de disposición, la cantidad que hubiera
dejado de integrar en el período impositivo en que recibió la aportación como
consecuencia de la aplicación de lo dispuesto en el apartado 4 del artículo 16
de esta ley, más los intereses de demora que procedan.
En los casos en que la aportación se hubiera realizado al patrimonio protegido
de los parientes, cónyuges o personas a cargo de los trabajadores en régimen
de tutela o acogimiento, a que se refiere el apartado 1 de este artículo, por un
sujeto pasivo del Impuesto de Sociedades, la obligación descrita en el párrafo
anterior deberá ser cumplida por dicho trabajador.
c) A los efectos de lo dispuesto en el apartado 5 del artículo 36 quáter de la
Ley 43/1995, de 27 de diciembre, del Impuesto sobre Sociedades, el
trabajador titular del patrimonio protegido deberá comunicar al empleador que
efectuó las aportaciones, las disposiciones que se hayan realizado en el
período impositivo.
215
En los casos en que la disposición se hubiera efectuado en el patrimonio
protegido de los parientes, cónyuges o personas a cargo de los trabajadores en
régimen de tutela o acogimiento, la comunicación a que se refiere el párrafo
anterior también deberá efectuarla dicho trabajador.
La falta de comunicación constituirá infracción tributaria simple, sancionable
con multa de 100 a 800 euros.
A los efectos previstos en este apartado, tratándose de bienes o derechos
homogéneos se entenderá que fueron dispuestos los aportados en primer lugar.
No se aplicará lo dispuesto en este apartado en caso de fallecimiento del titular
del patrimonio protegido, del aportante o de los trabajadores a los que se
refiere el apartado 2 del artículo 36 quáter de la Ley 43/1995, de 27 de
diciembre, del Impuesto sobre Sociedades.
Cinco. Se añade un apartado 5 al artículo 86 que quedará redactado en los
siguientes términos:
5. Los contribuyentes de este impuesto que sean titulares del patrimonio
protegido regulado en la Ley de Protección Patrimonial de las Personas con
Discapacidad y de Modificación del Código Civil, de la Ley de
Enjuiciamiento Civil y de la Normativa Tributaria con esta finalidad, deberán
presentar una declaración en la que se indique la composición del patrimonio,
las aportaciones recibidas y las disposiciones realizadas durante el periodo
impositivo, en los términos que reglamentariamente se establezcan.
Seis. Se añade un nuevo apartado 5 a la disposición adicional decimocuarta,
que quedará redactado en los siguientes términos:
5. Las personas que, de acuerdo con lo dispuesto en los artículos 3 y 4 de la
Ley de Protección Patrimonial de las Personas con Discapacidad y de
Modificación del Código Civil, de la Ley de Enjuiciamiento Civil y de la
Normativa Tributaria con esta finalidad, intervengan en la formalización de
216
las aportaciones a los patrimonios protegidos, deberán presentar una
declaración sobre las citadas aportaciones en los términos que
reglamentariamente se establezcan. La declaración se efectuará en el lugar,
forma y plazo que establezca el Ministro de Hacienda.
Artículo 16. Modificación de la Ley 43/1995, de 27 de diciembre, del
Impuesto sobre Sociedades.
Con efectos para los periodos impositivos que se inicien a partir del 1 de enero
de 2004, se modifican el título y el contenido del artículo 36 quáter de la Ley
43/1995, de 27 de diciembre, del Impuesto sobre
Sociedades, que quedará redactado en los siguientes términos:
Artículo 36 quáter. Deducción por contribuciones empresariales a planes de
pensiones de empleo, a mutualidades de previsión social que actúen como
instrumento de previsión social empresarial o por aportaciones a patrimonios
protegidos de las personas con discapacidad.
1. El sujeto pasivo podrá practicar una deducción en la cuota íntegra del 10
por ciento de las contribuciones empresariales imputadas a favor de los
trabajadores con retribuciones brutas anuales inferiores a 27.000 euros,
siempre que tales contribuciones se realicen a planes de pensiones de empleo
o a mutualidades de previsión social que actúen como instrumento de
previsión social de los que sea promotor el sujeto pasivo.
2. Asimismo, el sujeto pasivo podrá practicar una deducción en la cuota
íntegra del 10 por ciento de las aportaciones realizadas a favor de patrimonios
protegidos de los trabajadores con retribuciones brutas anuales inferiores a
27.000 euros, o de sus parientes en línea directa o colateral hasta el tercer
grado inclusive, de sus cónyuges o de las personas a cargo de dichos
trabajadores en régimen de tutela o acogimiento regulados en la Ley de
Protección Patrimonial de las Personas con Discapacidad y de Modificación
217
del Código Civil, de la Ley de Enjuiciamiento Civil y de la Normativa
Tributaria con esta finalidad, de acuerdo con las siguientes reglas:
a) Las aportaciones que generen el derecho a practicar la deducción prevista
en este apartado no podrán exceder de 8.000 euros anuales por cada trabajador
o persona discapacitada.
b) Las aportaciones que excedan del límite previsto en la letra anterior darán
derecho a practicar la deducción en los cuatro períodos impositivos siguientes,
hasta agotar, en su caso, en cada uno de ellos el importe máximo que genera el
derecho a deducción.
Cuando concurran en un mismo período impositivo deducciones en la cuota
por aportaciones efectuadas en el ejercicio, con deducciones pendientes de
practicar de ejercicios anteriores se practicarán, en primer lugar, las
deducciones procedentes de las aportaciones de los ejercicios anteriores, hasta
agotar el importe máximo que genera el derecho a deducción.
c) Tratándose de aportaciones no dinerarias se tomará como importe de la
aportación el que resulte de lo previsto en el artículo 18 de la Ley 49/2002, de
23 de diciembre, de régimen fiscal de las entidades sin fines lucrativos y de
los incentivos fiscales al mecenazgo.
Estarán exentas del Impuesto sobre Sociedades las rentas positivas que se
pongan de manifiesto con ocasión de las contribuciones empresariales a
patrimonios protegidos.
3. Cuando se trate de trabajadores con retribuciones brutas anuales iguales o
superiores a 27.000 euros, la deducción prevista en los apartados 1 y 2
anteriores se aplicará sobre la parte proporcional de las contribuciones
empresariales
y aportaciones que correspondan al importe de la retribución bruta anual
reseñado en dichos apartados.
218
4. Esta deducción no se podrá aplicar respecto de las contribuciones realizadas
al amparo del régimen transitorio establecido en las disposiciones transitorias
decimocuarta, decimoquinta y decimosexta de la Ley 30/1995, de 8 de
noviembre, de Ordenación y Supervisión de los Seguros Privados
Asimismo, no será aplicable en el caso de compromisos específicos asumidos
con los trabajadores como consecuencia de un expediente de regulación de
empleo.
5. Cuando se efectúen disposiciones de bienes o derechos aportados al
patrimonio protegido de los trabajadores, de sus parientes, cónyuges o
personas a cargo de los trabajadores en régimen de tutela o acogimiento, en
los términos previstos en los párrafos b) y c) del apartado 5 del artículo 47
sexies de la Ley 40/1998, de 9 de diciembre, del Impuesto sobre la Renta de
las Personas Físicas, el sujeto pasivo que efectuó la aportación, en el período
en que se hayan incumplido los requisitos, conjuntamente con la cuota
correspondiente a su período impositivo, ingresará la cantidad deducida
conforme a lo previsto en este artículo, además de los intereses de demora.
Artículo 17. Modificación del Real Decreto Legislativo1/1993, de 24 de
septiembre, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley del Impuesto
sobre Transmisiones Patrimoniales y Actos Jurídicos Documentados.
Con efectos a partir del 1 de enero de 2004, se añade un nuevo apartado 20 a
la letra B) del artículo 45.I texto refundido de la Ley del Impuesto sobre
Transmisiones Patrimoniales y Actos Jurídicos Documentados, aprobado por
el Real Decreto Legislativo 1/1993, de 24 de septiembre, que quedará
redactado en los siguientes términos:
20. Las aportaciones a los patrimonios protegidos de las personas con
discapacidad regulados en la Ley de protección patrimonial de las personas
219
con discapacidad, de Modificación del Código Civil, de la Ley de
Enjuiciamiento Civil y de la Normativa Tributaria con esta finalidad.
Disposición adicional primera. Actos de jurisdicción voluntaria.
Las actuaciones judiciales previstas en el capítulo I de esta ley se tramitarán
como actos de jurisdicción voluntaria sin que la oposición que pudiera hacerse
a la solicitud promovida transforme en contencioso el expediente.
Disposición adicional segunda. Exención en el Impuesto sobre el Patrimonio.
Las comunidades autónomas podrán declarar la exención en el Impuesto sobre
el Patrimonio, de los bienes y derechos referidos en la Ley de protección
patrimonial de las personas con discapacidad, de modificación del Código
Civil, de la Ley de Enjuiciamiento Civil y de la normativa tributaria con esta
finalidad.
Disposición final primera. Título competencial.
Esta ley se dicta al amparo de lo dispuesto en el artículo 149.1.6.ª, 8.ª y 14.ª de
la Constitución.
Disposición final segunda. Desarrollo reglamentario.
El Gobierno aprobará las disposiciones reglamentarias necesarias para el
desarrollo de esta ley en el plazo de seis meses desde su entrada en vigor.
Disposición final tercera. Entrada en vigor.
La presente ley entrará en vigor al día siguiente de su publicación en el
Boletín Oficial del Estado.
Por tanto,
Mando a todos los españoles, particulares y autoridades, que guarden y hagan
guardar esta ley.
Madrid, 18 de noviembre de 2003.
220
JUAN CARLOS R.
El Presidente del Gobierno, JOSÉ MARÍA AZNAR LÓPEZ
2. LEGGE: 9 gennaio 2004, n.6
Introduzione nel libro primo, titolo XII, del codic e civile del capo I,
relativo all'istituzione dell'amministrazione di sostegno e modifica degli
articoli 388, 414, 417, 418, 424, 426, 427 e 429 del codice civile in materia
di interdizioni e di inabilitazione, nonche' relative norme di attuazione, di
coordinamento e finali.
(G.U. n. 14 del 19-1-2004)
La Camera dei deputati ed il Senato della Repubblica hanno approvato:
IL PRESIDENTE DELLA REPUBBLICA
Promulga La seguente legge:
Art. 1
1. La presente legge ha la finalita' di tutelare, con la minore limitazione
possibile della capacita' di agire, le persone prive in tutto o in parte di
autonomia nell'espletamento delle funzioni della vita quotidiana, mediante
interventi di sostegno temporaneo o permanente.
Capo II
MODIFICHE AL CODICE CIVILE
Art. 2.
1. La rubrica del titolo XII del libro primo del codice civile e' sostituita dalla
seguente: "Delle misure di protezione delle persone prive in tutto od in parte
di autonomia".
Art. 3.
221
1. Nel titolo XII del libro primo del codice civile, e' premesso il seguente
capo:
“Capo I. - Dell'amministrazione di sostegno.
Art. 404. - (Amministrazione di sostegno). - La persona che, per effetto di una
infermita' ovvero di una menomazione fisica o psichica, si trova nella
impossibilita', anche parziale o temporanea, di provvedere ai propri interessi,
puo' essere assistita da un amministratore di sostegno, nominato dal giudice
tutelare del luogo in cui questa ha la residenza o il domicilio.
Art. 405. - (Decreto di nomina dell'amministratore di sostegno. Durata
dell'incarico e relativa pubblicita). - Il giudice tutelare provvede entro sessanta
giorni dalla data di presentazione della richiesta alla nomina
dell'amministratore di sostegno con decreto motivato immediatamente
esecutivo, su ricorso di uno dei soggetti indicati nell'articolo 406.
Il decreto che riguarda un minore non emancipato puo' essere emesso solo
nell'ultimo anno della sua minore eta' e diventa esecutivo a decorrere dal
momento in cui la maggiore eta' e' raggiunta.
Se l'interessato e' un interdetto o un inabilitato, il decreto e' esecutivo dalla
pubblicazione della sentenza di revoca dell'interdizione o dell'inabilitazione.
Qualora ne sussista la necessita', il giudice tutelare adotta anche d'ufficio i
provvedimenti urgenti per la cura della persona interessata e per la
conservazione e l'amministrazione del suo patrimonio. Puo' procedere alla
nomina di un amministratore di sostegno provvisorio indicando gli atti che e'
autorizzato a compiere.
Il decreto di nomina dell'amministratore di sostegno deve contenere
l'indicazione:
1) delle generalita' della persona beneficiaria e dell'amministratore di
sostegno;
222
2) della durata dell'incarico, che puo' essere anche a tempo indeterminato;
3) dell'oggetto dell'incarico e degli atti che l'amministratore di sostegno ha il
potere di compiere in nome e per conto del beneficiario;
4) degli atti che il beneficiario puo' compiere solo con l'assistenza
dell'amministratore di sostegno;
5) dei limiti, anche periodici, delle spese che l'amministratore di sostegno puo'
sostenere con utilizzo delle somme di cui il beneficiario ha o puo' avere la
disponibilita';
6) della periodicita' con cui l'amministratore di sostegno deve riferire al
giudice circa l'attivita' svolta e le condizioni di vita personale e sociale del
beneficiario.
Se la durata dell'incarico e' a tempo determinato, il giudice tutelare puo'
prorogarlo con decreto motivato pronunciato anche d'ufficio prima della
scadenza del termine.
Il decreto di apertura dell'amministrazione di sostegno, il decreto di chiusura
ed ogni altro provvedimento assunto dal giudice tutelare nel corso
dell'amministrazione di sostegno devono essere immediatamente annotati a
cura del cancelliere nell'apposito registro.
Il decreto di apertura dell'amministrazione di sostegno e il decreto di chiusura
devono essere comunicati, entro dieci giorni, all'ufficiale dello stato civile per
le annotazioni in margine all'atto di nascita del beneficiario. Se la durata
dell'incarico e' a tempo determinato, le annotazioni devono essere cancellate
alla scadenza del termine indicato nel decreto di apertura o in quello eventuale
di proroga.
Art. 406. - (Soggetti). - Il ricorso per l'istituzione dell'amministrazione di
sostegno puo' essere proposto dallo stesso soggetto beneficiario, anche se
223
minore, interdetto o inabilitato, ovvero da uno dei soggetti indicati nell'articolo
417.
Se il ricorso concerne persona interdetta o inabilitata il medesimo e' presentato
congiuntamente all'istanza di revoca dell'interdizione o dell'inabilitazione
davanti al giudice competente per quest'ultima.
I responsabili dei servizi sanitari e sociali direttamente impegnati nella cura e
assistenza della persona, ove a conoscenza di fatti tali da rendere opportuna
l'apertura del procedimento di amministrazione di sostegno, sono tenuti a
proporre al giudice tutelare il ricorso di cui all'articolo 407 o a fornirne
comunque notizia al pubblico ministero.
Art. 407. - (Procedimento). - Il ricorso per l'istituzione dell'amministrazione di
sostegno deve indicare le generalita' del beneficiario, la sua dimora abituale, le
ragioni per cui si richiede la nomina dell'amministratore di sostegno, il
nominativo ed il domicilio, se conosciuti dal ricorrente, del coniuge, dei
discendenti, degli ascendenti, dei fratelli e dei conviventi del beneficiario.
Il giudice tutelare deve sentire personalmente la persona cui il procedimento si
riferisce recandosi, ove occorra, nel luogo in cui questa si trova e deve tener
conto, compatibilmente con gli interessi e le esigenze di protezione della
persona, dei bisogni e delle richieste di questa.
Il giudice tutelare provvede, assunte le necessarie informazioni e sentiti i
soggetti di cui all'articolo 406; in caso di mancata comparizione provvede
comunque sul ricorso. Dispone altresi', anche d'ufficio, gli accertamenti di
natura medica e tutti gli altri mezzi istruttori utili ai fini della decisione.
Il giudice tutelare puo', in ogni tempo, modificare o integrare, anche d'ufficio,
le decisioni assunte con il decreto di nomina dell'amministratore di sostegno.
In ogni caso, nel procedimento di nomina dell'amministratore di sostegno
interviene il pubblico ministero.
224
Art. 408. - (Scelta dell'amministratore di sostegno). - La scelta
dell'amministratore di sostegno avviene con esclusivo riguardo alla cura ed
agli interessi della persona del beneficiario.
L'amministratore di sostegno puo' essere designato dallo stesso interessato, in
previsione della propria eventuale futura incapacita', mediante atto pubblico o
scrittura privata autenticata. In mancanza, ovvero in presenza di gravi motivi,
il giudice tutelare puo' designare con decreto motivato un amministratore di
sostegno diverso. Nella scelta, il giudice tutelare preferisce, ove possibile, il
coniuge che non sia separato legalmente, la persona stabilmente convivente, il
padre, la madre, il figlio o il fratello o la sorella, il parente entro il quarto
grado ovvero il soggetto designato dal genitore superstite con testamento, atto
pubblico o scrittura privata autenticata.
Le designazioni di cui al primo comma possono essere revocate dall'autore
con le stesse forme.
Non possono ricoprire le funzioni di amministratore di sostegno gli operatori
dei servizi pubblici o privati che hanno in cura o in carico il beneficiario.
Il giudice tutelare, quando ne ravvisa l'opportunita', e nel caso di designazione
dell'interessato quando ricorrano gravi motivi, puo' chiamare all'incarico di
amministratore di sostegno anche altra persona idonea, ovvero uno dei
soggetti di cui al titolo II al cui legale rappresentante ovvero alla persona che
questi ha facolta' di delegare con atto depositato presso l'ufficio del giudice
tutelare, competono tutti i doveri e tutte le facolta' previste nel presente capo.
Art. 409. - (Effetti dell'amministrazione di sostegno). - Il beneficiario conserva
la capacita' di agire per tutti gli atti che non richiedono la rappresentanza
esclusiva o l'assistenza necessaria dell'amministratore di sostegno. Il
beneficiario dell'amministrazione di sostegno puo' in ogni caso compiere gli
atti necessari a soddisfare le esigenze della propria vita quotidiana.
225
Art. 410. - (Doveri dell'amministratore di sostegno). - Nello svolgimento dei
suoi compiti l'amministratore di sostegno deve tener conto dei bisogni e delle
aspirazioni del beneficiario. L'amministratore di sostegno deve
tempestivamente informare il beneficiario circa gli atti da compiere nonche' il
giudice tutelare in caso di dissenso con il beneficiario stesso. In caso di
contrasto, di scelte o di atti dannosi ovvero di negligenza nel perseguire
l'interesse o nel soddisfare i bisogni o le richieste del beneficiario, questi, il
pubblico ministero o gli altri soggetti di cui all'articolo 406 possono ricorrere
al giudice tutelare, che adotta con decreto motivato gli opportuni
provvedimenti.
L'amministratore di sostegno non e' tenuto a continuare nello svolgimento dei
suoi compiti oltre dieci anni, ad eccezione dei casi in cui tale incarico e'
rivestito dal coniuge, dalla persona stabilmente convivente, dagli ascendenti o
dai discendenti.
Art. 411. - (Norme applicabili all'amministrazione di sostegno). - Si applicano
all'amministratore di sostegno, in quanto compatibili, le disposizioni di cui
agli articoli da 349 a 353 e da 374 a 388. I provvedimenti di cui agli articoli
375 e 376 sono emessi dal giudice tutelare.
All'amministratore di sostegno si applicano altresi', in quanto compatibili, le
disposizioni degli articoli 596, 599 e 779. Sono in ogni caso valide le
disposizioni testamentarie e le convenzioni in favore dell'amministratore di
sostegno che sia parente entro il quarto grado del beneficiario, ovvero che sia
coniuge o persona che sia stata chiamata alla funzione in quanto con lui
stabilmente convivente.
Il giudice tutelare, nel provvedimento con il quale nomina l'amministratore di
sostegno, o successivamente, puo' disporre che determinati effetti, limitazioni
o decadenze, previsti da disposizioni di legge per l'interdetto o l'inabilitato, si
226
estendano al beneficiario dell'amministrazione di sostegno, avuto riguardo
all'interesse del medesimo ed a quello tutelato dalle predette disposizioni. Il
provvedimento e' assunto con decreto motivato a seguito di ricorso che puo'
essere presentato anche dal beneficiario direttamente.
Art. 412. - (Atti compiuti dal beneficiario o dall'amministratore di sostegno in
violazione di norme di legge o delle disposizioni del giudice). - Gli atti
compiuti dall'amministratore di sostegno in violazione di disposizioni di legge,
od in eccesso rispetto all'oggetto dell'incarico o ai poteri conferitigli dal
giudice, possono essere annullati su istanza dell'amministratore di sostegno,
del pubblico ministero, del beneficiario o dei suoi eredi ed aventi causa.
Possono essere parimenti annullati su istanza dell'amministratore di sostegno,
del beneficiario, o dei suoi eredi ed aventi causa, gli atti compiuti
personalmente dal beneficiario in violazione delle disposizioni di legge o di
quelle contenute nel decreto che istituisce l'amministrazione di sostegno.
Le azioni relative si prescrivono nel termine di cinque anni. Il termine decorre
dal momento in cui e' cessato lo stato di sottoposizione all'amministrazione di
sostegno.
Art. 413. - (Revoca dell'amministrazione di sostegno). - Quando il
beneficiario, l'amministratore di sostegno, il pubblico ministero o taluno dei
soggetti di cui all'articolo 406, ritengono che si siano determinati i presupposti
per la cessazione dell'amministrazione di sostegno, o per la sostituzione
dell'amministratore, rivolgono istanza motivata al giudice tutelare. L'istanza e'
comunicata al beneficiario ed all'amministratore di sostegno.
Il giudice tutelare provvede con decreto motivato, acquisite le necessarie
informazioni e disposti gli opportuni mezzi istruttori. Il giudice tutelare
provvede altresi', anche d'ufficio, alla dichiarazione di cessazione
dell'amministrazione di sostegno quando questa si sia rivelata inidonea a
227
realizzare la piena tutela del beneficiario. In tale ipotesi, se ritiene che si debba
promuovere giudizio di interdizione o di inabilitazione, ne informa il pubblico
ministero, affinche' vi provveda. In questo caso l'amministrazione di sostegno
cessa con la nomina del tutore o del curatore provvisorio ai sensi dell'articolo
419, ovvero con la dichiarazione di interdizione o di inabilitazione".
2. All'articolo 388 del codice civile le parole: "prima dell'approvazione" sono
sostituite dalle seguenti: "prima che sia decorso un anno dall'approvazione".
3. Dall'applicazione della disposizione di cui all'articolo 408 del codice civile,
introdotto dal comma 1, non possono derivare nuovi o maggiori oneri a carico
del bilancio dello Stato.
Art. 4 Nel titolo XII del libro primo del codice civile, prima dell'articolo 414
sono inserite le seguenti parole: "Capo II. - Della interdizione, della
inabilitazione e della incapacita' naturale".2. L'articolo 414 del codice civile e'
sostituito dal seguente:
"Art. 414. - (Persone che possono essere interdette). - Il maggiore di eta' e il
minore emancipato, i quali si trovano in condizioni di abituale infermita' di
mente che li rende incapaci di provvedere ai propri interessi, sono interdetti
quando cio' e' necessario per assicurare la loro adeguata protezione".
Art. 5
1. Nel primo comma dell'articolo 417 del codice civile, le parole: "possono
essere promosse dal coniuge" sono sostituite dalle seguenti: "possono essere
promosse dalle persone indicate negli articoli 414 e 415, dal coniuge, dalla
persona stabilmente convivente".
Art. 6
1. All'articolo 418 del codice civile e' aggiunto, in fine, il seguente comma:
2. "Se nel corso del giudizio di interdizione o di inabilitazione appare
opportuno applicare l'amministrazione di sostegno, il giudice, d'ufficio o ad
228
istanza di parte, dispone la trasmissione del procedimento al giudice tutelare.
In tal caso il giudice competente per l'interdizione o per l'inabilitazione puo'
adottare i provvedimenti urgenti di cui al quarto comma dell'articolo 405".
Art. 7
1. Il terzo comma dell'articolo 424 del codice civile e' sostituito dal seguente:
"Nella scelta del tutore dell'interdetto e del curatore dell'inabilitato il giudice
tutelare individua di preferenza la persona piu' idonea all'incarico tra i
soggetti, e con i criteri, indicati nell'articolo 408".
Art. 8
1. All'articolo 426 del codice civile, al primo comma, dopo le parole: "del
coniuge," sono inserite le seguenti: "della persona stabilmente convivente,".
Art. 9
1. All'articolo 427 del codice civile, al primo comma e' premesso il seguente:
"Nella sentenza che pronuncia l'interdizione o l'inabilitazione, o in successivi
provvedimenti dell'autorita' giudiziaria, puo' stabilirsi che taluni atti di
ordinaria amministrazione possano essere compiuti dall'interdetto senza
l'intervento ovvero con l'assistenza del tutore, o che taluni atti eccedenti
l'ordinaria amministrazione possano essere compiuti dall'inabilitato senza
l'assistenza del curatore".
Art. 10
1. All'articolo 429 del codice civile e' aggiunto, in fine, il seguente comma:
"Se nel corso del giudizio per la revoca dell'interdizione o dell'inabilitazione
appare opportuno che, successivamente alla revoca, il soggetto sia assistito
dall'amministratore di sostegno, il tribunale, d'ufficio o ad istanza di parte,
dispone la trasmissione degli atti al giudice tutelare".
Art. 11
229
1. L'articolo 39 delle disposizioni per l'attuazione del codice civile e
disposizioni transitorie, approvate con regio decreto 30 marzo 1942, n. 318, e'
abrogato.
Capo III
NORME DI ATTUAZIONE, DI COORDINAMENTO E FINALI
Art. 12
1. L'articolo 44 delle disposizioni per l'attuazione del codice civile e
disposizioni transitorie, approvate con regio decreto 30 marzo 1942, n. 318, e'
sostituito dal seguente: "Art. 44. Il giudice tutelare puo' convocare in
qualunque momento il tutore, il protutore, il curatore e l'amministratore di
sostegno allo scopo di chiedere informazioni, chiarimenti e notizie sulla
gestione della tutela, della curatela o dell'amministrazione di sostegno, e di
dare istruzioni inerenti agli interessi morali e patrimoniali del minore o del
beneficiario".
Art. 13
1. Dopo l'articolo 46 delle disposizioni per l'attuazione del codice civile e
disposizioni transitorie, approvate con regio decreto 30 marzo 1942, n. 318, e'
inserito il seguente:
"Art. 46-bis. Gli atti e i provvedimenti relativi ai procedimenti previsti dal
titolo XII del libro primo del codice non sono soggetti all'obbligo di
registrazione e sono esenti dal contributo unificato previsto dall'articolo 9 del
testo unico delle disposizioni legislative e regolamentari in materia di spese di
giustizia, di cui al decreto del Presidente della Repubblica 30 maggio 2002, n.
115".
2. All'onere derivante dall'attuazione del presente articolo, valutato in euro
4.244.970 a decorrere dall'anno 2003, si provvede mediante corrispondente
riduzione dello stanziamento iscritto, ai fini del bilancio triennale 2003-2005,
230
nell'ambito dell'unita' previsionale di base di parte corrente "Fondo speciale"
dello stato di previsione del Ministero dell'economia e delle finanze per l'anno
2003, allo scopo parzialmente utilizzando l'accantonamento relativo al
Ministero della giustizia.
3. Il Ministro dell'economia e delle finanze e' autorizzato ad apportare, con
propri decreti, le occorrenti variazioni di bilancio.
Art. 14
1. L'articolo 47 delle disposizioni per l'attuazione del codice civile e
disposizioni transitorie, approvate con regio decreto 30 marzo 1942, n. 318, e'
sostituito dal seguente:
"Art. 47. Presso l'ufficio del giudice tutelare sono tenuti un registro delle tutele
dei minori e degli interdetti, un registro delle curatele dei minori emancipati e
degli inabilitati ed un registro delle amministrazioni di sostegno".
Art. 15
Dopo l'articolo 49 delle disposizioni per l'attuazione del codice civile e
disposizioni transitorie, approvate con regio decreto 30 marzo 1942, n. 318, e'
inserito il seguente:
"Art. 49-bis. Nel registro delle amministrazioni di sostegno, in un capitolo
speciale per ciascuna di esse, si devono annotare a cura del cancelliere:
1) la data e gli estremi essenziali del provvedimento che dispone
l'amministrazione di sostegno, e di ogni altro provvedimento assunto dal
giudice nel corso della stessa, compresi quelli emanati in via d'urgenza ai sensi
dell'articolo 405 del codice;
2) le complete generalita' della persona beneficiaria;
3) le complete generalita' dell'amministratore di sostegno o del legale
rappresentante del soggetto che svolge la relativa funzione, quando non si
tratta di persona fisica;
231
4) la data e gli estremi essenziali del provvedimento che dispone la revoca o la
chiusura dell'amministrazione di sostegno".
Art. 16
1. All'articolo 51 del codice di procedura civile, al primo comma, al numero 5,
dopo la parola: "curatore" sono inserite le seguenti: ", amministratore di
sostegno".
Art. 17
1. Al capo II del titolo II del libro quarto del codice di procedura civile, nella
rubrica, le parole: "e dell'inabilitazione" sono sostituite dalle seguenti: ",
dell'inabilitazione e dell'amministrazione di sostegno".
2. Dopo l'articolo 720 del codice di procedura civile e' inserito il seguente:
"Art. 720-bis. (Norme applicabili ai procedimenti in materia di
amministrazione di sostegno). - Ai procedimenti in materia di
amministrazione di sostegno si applicano, in quanto compatibili, le
disposizioni degli articoli 712, 713, 716, 719 e 720.
Contro il decreto del giudice tutelare e' ammesso reclamo alla corte d'appello a
norma dell'articolo 739.
Contro il decreto della corte d'appello pronunciato ai sensi del secondo comma
puo' essere proposto ricorso per cassazione".
Art. 18
1. All'articolo 3, comma 1, lettera p), del testo unico delle disposizioni
legislative e regolamentari in materia di casellario giudiziale, di anagrafe delle
sanzioni amministrative dipendenti da reato e dei relativi carichi pendenti, di
cui al decreto del Presidente della Repubblica 14 novembre 2002, n. 313, sono
aggiunte, in fine, le parole: ", nonche' i decreti che istituiscono, modificano o
revocano l'amministrazione di sostegno".
232
2. All'articolo 24, comma 1, del citato testo unico di cui al decreto del
Presidente della Repubblica 14 novembre 2002, n. 313, la lettera m) e'
sostituita dalla seguente:
"m) ai provvedimenti di interdizione, di inabilitazione e relativi
all'amministrazione di sostegno, quando esse sono state revocate".
3. All'articolo 25, comma 1, lettera m), del citato testo unico di cui al decreto
del Presidente della Repubblica 14 novembre 2002, n. 313, sono aggiunte, in
fine, le parole: ", nonche' ai decreti che istituiscono, modificano o revocano
l'amministrazione di sostegno".
4. All'articolo 26, comma 1, lettera a), del citato testo unico di cui al decreto
del Presidente della Repubblica 14 novembre 2002, n. 313, sono aggiunte, in
fine, le parole: "ai decreti che istituiscono o modificano l'amministrazione di
sostegno, salvo che siano stati revocati;".
Art. 19
1. Nell'articolo 92, primo comma, dell'ordinamento giudiziario, approvato con
regio decreto 30 gennaio 1941, n. 12, dopo le parole: "procedimenti cautelari,"
sono inserite le seguenti: "ai procedimenti per l'adozione di provvedimenti in
materia di amministrazione di sostegno, di interdizione, di inabilitazione, ai
procedimenti".
Art. 20
1. La presente legge entra in vigore dopo sessanta giorni dalla data della sua
pubblicazione nella Gazzetta Ufficiale. La presente legge, munita del sigillo
dello Stato, sara' inserita nella Raccolta ufficiale degli atti normativi della
Repubblica italiana. E' fatto obbligo a chiunque spetti di osservarla e di farla
osservare come legge dello Stato.
Data a Roma, addi' 9 gennaio 2004
CIAMPI
233
Berlusconi, Presidente del Consiglio dei Ministri
Visto, il Guardasigilli: Castelli
LAVORI PREPARATORI
Senato della Repubblica (atto n. 375):
Presentato dal Sen. Elvio Fassone ed altri il 3 luglio 2001.
Assegnato alla 2ª commissione (Giustizia), in sede referente, il 26 luglio 2001
con parere delle commissioni 1ª, 5ª, 6ª e 12ª.
Esaminato dalla 2ª commissione (Giustizia), in sede referente, il 25, 26
settembre 2001, 23 e 25 ottobre 2001.
Nuovamente assegnato alla 2ª commissione (Giustizia), in sede deliberante, il
27 novembre 2001 con parere delle commissioni 1ª, 5ª, 6ª e 12ª.
Esaminato dalla 2ª commissione (Giustizia), in sede deliberante, il 6, 12 e 20
dicembre 2001 e approvato il 21 dicembre 2001.
Camera dei deputati (atto n. 2189):
Assegnato alla II commissione (Giustizia), in sede referente, il 23 gennaio
2003 con pareri delle commissioni I, V, VI e XII.
Esaminato dalla II commissione (Giustizia), in sede referente, il 30 gennaio
2002, 12, 19, 20, 26 febbraio 2002, 17 settembre 2002, 16, 22 ottobre 2002, 6,
19 novembre 2002, 19 febbraio 2003, 26 marzo 2003.
Esaminato in aula il 13 ottobre 2003 ed approvato il 15 ottobre 2003 con
modificazioni.
Senato della Repubblica (atto n. 375-B):
Assegnato dalla 2ª commissione (Giustizia), in sede deliberante, il 24 ottobre
2003 con parere delle commissioni 1ª, 5ª e 12ª.
Esaminato dalla II commissione (Giustizia), in sede referente, ed approvato il
22 dicembre.
234
TRATADOS E LEIS QUE PROTEGEM OS DEFICIENTES
Tratados Internacionais:
a) Declaração dos Direitos dos Pessoas com Retardo Mental, por Resolução da
ONU, em 1971;
b) Resolução XXX/3.447, de 1975, que instituiu a Declaração dos Direitos das
Pessoas Deficientes. Posteriormente, a ONU proclamou em 1981, através da
Res. 31/123, o Ano Internacional das Pessoas Deficientes (International Year
for Disabled Person);
c) Convenção 159 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre
Reabilitação Profissional em Emprego de Pessoas Portadoras de Deficiência,
determinando a formulação, aplicação e revisão periódica da política sobre a
readaptação profissional e o emprego de pessoas portadora de deficiência,
tendo o Brasil aderido a ela através do Decreto 129/91, incorporando-a no seu
ordenamento jurídico.
Legislação Brasileira:
1. Constituição Federal de 1988:
a) Art. 7º, XXXI, que proíbe qualquer discriminação no tocante a salário e
critério de admissão do trabalhador portador de deficiência;
b) art.23, II, que dá competência comum à União, Estados, Distrito federal e
Municípios para cuidar da asúde e assistência pública, da proteção e garantia
das pessoas portadoras de deficiência;
235
c) art. 24, XIV, Competência concorrente da União, Estados e Municípios em
matéria de proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência;
d) art. 37, VIII, que assegura por lei a reserva de percentual dos cargos e
empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência;
e) art.203, IV, garantia legal de reserva percentual dos cargos e empregos
públicos para as pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;
f) art. 203, V, garantia de um salário mínimo ao portador de deficiência que
não pode prover sua manutenção;
g) art. 208, III dever do Estado de dar atendimento educacional especializado
aos portadores de deficiência;
h).art. 227, § 1º, II, que obriga a criação de programas de prevenção e
atendimento especializado para os portadores de deficiência física sensorial ou
mental a fim de eliminar os preconceitos e facilitar o acesso nos serviços.
parágrafo 2º- determinação legal para que sejam adaptados logradouros,
edifícios e transportes públicos às condições de utilização pelos deficientes;
2. Leis
a) Lei 7.405, de 12.11.85, “torna obrigatória a colocação do Símbolo
Internacional de Acesso em todos os locais e serviços que permitam sua
utilização por pessoas portadoras de deficiência;”
b) Lei Complementar nº 53/ 1986 - "Concede isenção do Imposto sobre
Circulação de Mercadorias - ICM, para veículos destinados a uso exclusivo de
paraplégicos ou de pessoas portadoras de defeitos físicos".
c) Lei nº 7.613 - de 13 de julho de 1987 - Concede isenção do Imposto sobre
Produtos Industrializados - IPI na aquisição de automóveis de passageiros, e
dá outras providências.
236
d) Lei 7.853, de 24.10.89 - Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de
deficiência, sua integração social, institui a tutela jurisdicional de interesses
coletivos e difusos dessas pessoas.
e) Lei nº 8.000, de 13 de março de 1990 - Isenção do Imposto sobre Produtos
Industrializados, IPI, na aquisição de automóveis de passageiros.
f) Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Dispõe sobre o Estatuto da Criança e
do Adolescente e dá outras providências. ( art. 53, III)
g) Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 - Dispõe sobre o regime jurídico
dos Servidores Públicos Civis da União, das autarquias e das fundações
públicas federais". ( art. 5, parágrafo 2º, art. 98 parágrafos 2º e 3º, art.186,
parágrafo 1º, e art. 217, I, “e” )
h) Lei nº 8.160, de 08 de janeiro de 1.991 - Dispõe sobre a caracterização de
símbolo que permita a identificação de pessoas portadoras de deficiência
auditiva.
i) Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991 - "Dispõe sobre a organização da
Seguridade Social, institui Plano de Custeio, e dá outras providências" ( art.
4º, 55,III). As contribuições a cargo da empresa provenientes do faturamento e
do lucro, destinada à Previdência Social.
j) Lei 8.213/91, introduziu a chamada reserva de mercado, obrigando as
empregadoras a reservar certo número de cargos em percentuais aos
beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiências; ( art. 91, I a
IV)
k) Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 - Dispensa de licitação na contratação
de associação de portadores de deficiência, art. 24, XX. Dispositivos
referentes ao portador de deficiência, na Lei das Licitações.
l) Lei nº 8.686, de 20 de julho de 1993 - Dispõe sobre o reajustamento da
pensão especial aos deficientes físicos portadores da Síndrome de Talidomida,
237
instituída pela Lei nº 7.070, de 20 de dezembro de 1982, alterada pela Lei
10877, de 4 de junho de 2004, art. 3º, parágrafo
m) Lei nº 8.687, de 20 de julho de 1993 - Retira da incidência do Imposto de
Renda benefícios percebidos por deficientes mentais.
n) Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993 - Dispõe sobre a organização da
Assistência Social e dá outras providências ( art. 2º V, art.20, parágrafos 2º, 3º
5ºe 6º, art. 22,§2º, art.37, I.)
o) Lei 8.899, de 19.6.94 - que concede passe livre aos portadores de
deficiência no sistema de transporte coletivo interestadual.
p) Lei nº 8.909, de 6 de julho de 1994 - "Dispõe, em caráter emergencial,
sobre a prestação de serviços por entidades de assistência social, entidades
beneficentes de assistência social e entidades de fins filantrópicos e estabelece
prazos e procedimentos para o recadastramento de entidades junto ao
Conselho Nacional de Assistência Social, e dá outras providências.
q) Lei nº 8.989, de 24 de fevereiro de 1995 - "Dispõe sobre isenção do
Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na aquisição de automóveis para
utilização no transporte autônomo de passageiros, bem como por pessoas
portadoras de deficiência física e aos destinados ao transporte escolar, e dá
outras providências”. (art. 1º, IV)
r) Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995 - Proíbe a exigência de atestados de
gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos
admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho, e dá outras
providências.
s) Lei 10.683, de 28 de maio de 2003 - Exigência do Poder Executivo
estabeleça na forma da lei os mecanismos necessários para estimularem
empresas a contratar empregados portadores de deficiência física, sensorial ou
mental. (art. 24)
238
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