provas sem palavras -para um matema tico uma imagem vale ... · todos conhecemos o ditado popular...
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IME - USPMAP-2212 Laboratorio de Computacao e Simulacao
Provas sem palavras -Para ummatematico uma imagem vale mais
que mil palavras?
Marco de 2014
Kleiton Blane - NoUSP 1082950
Prof. Julio M. Stern
SUMARIO I
Sumario
1 Introducao 1
2 Matematica, matematicos e rigor. 2
3 Grecia antiga - nascimento do rigor. 2
4 Renascimento - Religiao, filosofia e matematica. 4
5 Seculo XIX ate hoje - a idade do rigor. 6
6 Prova sem palavras. 8
7 Consideracoes finais. 10
LISTA DE FIGURAS II
Lista de Figuras
1 Prova sem palavras para a soma de numeros ımpares e um
numero quadrado, segundo os pitagoricos. . . . . . . . . . . . 4
2 Provas sem palavras para o teorema. a)Prova direta pela con-
tagem do numero de bolinhas e b) Prova pela correpondencia
entre elementos de dois conjuntos. . . . . . . . . . . . . . . . . 9
3 Prova do teorema de pitagoras de Annairizi da arabia. . . . . 10
4 O excesso na busca da verdade por um unico caminho pode
nos levar a ilusoes de diversas escalas.[7] . . . . . . . . . . . . 11
LISTA DE TABELAS III
Lista de Tabelas
1 O que e matematica e como sao os matematicos nas epocas
vistas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
1 INTRODUCAO 1
Resumo
Uma questao para se pensar e se uma prova matematica deve se-
guir somente o modelo axiomatico dedutivo, ou se e aceitavel o uso de
diagramas e figuras como uma prova, abandonando todo o formalismo.
Por tras desta questao esta o que e uma prova, com seu formalismo
e rigor. Entretanto tal formalismo e rigor nao e absoluto, como sera
observado em tres momentos historicos. Finalmente nada como visua-
lizar exemplos de provas sem palavras para ver seu potencial e, refletir
sobre nossa resposta pessoal a pergunta: uma imagem vale mais que
mil palavras?
1 Introducao
Todos conhecemos o ditado popular ”Uma imagem vale mais que
mil palavras”, mas para um matematico atual tal frase e valida? No
sentido de prova sobre alguma afirmacao, depois de seculos de valori-
zacao do rigor e formalismo, tal frase se torna motivo de controversia.
Num extremo tem-se os que nunca aceitam visualizacoes ou outros ele-
mentos intuitivos numa prova, quanto menos uma prova sem palavras!
Noutro extremo, os que aceitam que uma visualizacao ou uma prova
sem palavras constitui uma prova completa. Entre estes extremos ha
aqueles que aceitam visualizacoes como representacoes numa prova ou
parte dela [1].
Mas o que vem a ser uma prova sem palavras? Segundo Nelsen 1
[3]
”Esta questao nao tem uma resposta simples e cons-
cisa. Geralmente, provas sem palavras sao figuras ou dia-
gramas que ajudam um leitor a ver uma determinada afir-
macao matematica como verdadeira, e mais que isto, prova-
la como verdadeira.”
1Em traducao livre.
2 MATEMATICA, MATEMATICOS E RIGOR. 2
Desde da decada de 1970 provas sem palavras vem aparecendo em
publicacoes matematicas, tanto na Europa como nos Estados Unidos.
Alem do debate filosofico sobre sua aceitacao, a mesma tem sido lem-
brada no ensino e colaborado no debate sobre o uso de computacao
para provar teoremas e afirmacoes.[1].
Por tras de todo este debate esta a pergunta: o que vem a ser
uma prova matematica? Quanto de formalismo, rigor e abstracao e
necessario, como o conceito de prova foi usado no decorrer da historia,
sua dinamica e evolucao.
2 Matematica, matematicos e rigor.
A controversia gerada na atualidade por um prova sem palavras
em outros contextos historicos seria uma prova de rigor inatacavel. Os
gregos antigos desenvolveram uma nocao de rigor, no renascimento o
que estava em jogo era filosoficamente o conceito de verdade e certeza
e, a partir do seculo XIX a matematica pura com sua abstracao tem
um novo apice de exigencia. Assim como a nocao de rigor teve sua
dinamica de indas e vindas, a nocao do que e matematica e quem
seria um matematico mudou, por exemplo, Pitagoras que alem da du-
vida sobre sua existencia, atualmente seria considerado somente um
mıstico. Vislumbrando esta dinamica teremos mais bases para refletir
sobre se uma prova sem palavras e valida.
3 Grecia antiga - nascimento do rigor.
A grecia devido a suas caracterısticas geograficas acabou tendo
uma cultura peculiar, que junto com as influencias de outras culturas
3 GRECIA ANTIGA - NASCIMENTO DO RIGOR. 3
existentes no Mediterraneo acabou por levar a um pensamento mais
abstrato. Dois ıcones deste ınicio sao Pitagoras e Euclides de Alexan-
dria.
”Tudo e numero e harmonia”, tal frase diz mais sobre o pensa-
mento pitagorico que qualquer outra. Pitagoras levou as ultimas con-
sequencias a veneracao dos orientais pelo numero, acreditando que
esses governavam o mundo e portanto todos os fenomenos podiam ser
interpretados e explicados por meio deles que exerciam terminante in-
fluencia sobre cada ser 2, neste contexto um conhecimento matematico
tinha relacao com um conhecimento sobre o universo, como por exem-
plo, associar o ilimitado aos numeros pares e o limitado aos impares e
o universo nascer da harmonia entre eles. A harmonia musical acaba
sendo uma analogia levada muito a serio.
Nesta epoca a matematica era dividida em duas partes, uma que
tratava dos numeros, outra das grandezas. Cada uma destas par-
tes era subdividida em duas outras partes: a aritmetica estudava as
quantidades em si mesmas; a musica, as relacoes entre quantidades; a
geometria, as grandezas em repouso; e a astronomia, as grandezas em
movimento inerente [5]. Daqui se conclui tambem que um matematico
era bem mais que alguem que sabe fazer contas ou provar teoremas.
Em seus desenvolvimentos matematicos, os pitagoricos, usavam
numeros figurados, uma multiplicidade de pontos que remetem a ele-
mentos discretos, e na sua configuracao espacial geram sequencias,
como os numeros triangulares, quadrados, etc. Dessas configuracoes
numericas, eles obtinham diversas conclusoes como a soma de nume-
ros impares sao numeros quadrados, conforme a figura 1. Esta nada
mais e que uma prova sem palavras...
2Tahan, apub Oscar [4]
4 RENASCIMENTO - RELIGIAO, FILOSOFIA E MATEMATICA. 4
Figura 1: Prova sem palavras para a soma de numeros ımpares e um numero
quadrado, segundo os pitagoricos.
Ate a epoca de Euclides de Alexandria, a Grecia teve uma serie
de pensadores que elaboraram a nocao de verdade e sua busca, assim
quando Euclides escreveu Os Elementos, o formalismo axiomatico e o
rigor ja estavam solidificados nas demonstracoes de afirmacoes geome-
tricas e suas construcoes.
Dos textos desta epoca que chegaram ate nos, ja surge a caracte-
rıstica dos matematicos que mais incomoda a todos: matematicos sao
seres que apagam seus rastros!!! Nas provas so vemos a construcao
de um raciocıonio limpo, sem chances a questionamentos, mas nao o
rascunho, a criatividade que leva a prova. So tem-se a sıntese de um
processo nao a sua analise.
Com o declinio da cultura grega classica e suas limitacoes, a nocao
de rigor tambem declina, os arabes desenvolvem sua cultura, traduzem
textos gregos, mesclam com conhecimento hindu e comecam o desen-
volvimento da algebra. Nos fins da idade media chega a Europa as
traducoes dos desenvolvimentos arabes, o conhecimento matematico
que permeia o Mediterraneo se organiza e atraves de traducoes dos
textos gregos, o formalismo e rigor na matematica ressurge.
4 Renascimento - Religiao, filosofia e
matematica.
4 RENASCIMENTO - RELIGIAO, FILOSOFIA E MATEMATICA. 5
Na epoca do renascimento a Europa teve um afluxo de traducoes
de obras arabes, hindus e gregas, que junto com a cultura medieval
fez o conhecimento dar um salto apoiado na trıade religiao, filosofia
e matematica. Como exemplo temos o cientista, matematico e prin-
cipalmente filosofo Rene Descartes. Descartes desejava sistematizar
todo o conhecimento segundo estruturas analogas aquelas subjacentes
ao modelo axiomatico da geometria euclideana com o intuito de con-
quistar a certeza [4]. As diferencas de visoes religiosas levaram por
exemplo a disputa entre Pascal e Descartes com pano de fundo a me-
tafısica e matematica.
O ensino nas universidades tinha como curriculo as setes artes libe-
rais, ou seja o textittrivium composto de logica, gramatica e retorica
e o quadrivium composto de aritmetica, geometria, musica e astrono-
mia. O quadrivium era a matematica do ınicio do renascimento, mas
no decorrer do tempo as transformacoes levaram a revolucao cientı-
fica e cultural. Um matematico seria o que chamamos hoje arquiteto,
pintor, cientista, musico e filosofo.
No ramo do formalismo e rigor a epoca teve como pecularidade a
reverencia ao metodo axiomatico e de outro lado o interesse na des-
coberta com o metodo analitico, como se pode ver no surgimento da
geometria analitica com Descartes/Fermat e principalmente na dis-
puta entre Leibniz e newton, onde o ultimo seguia a axiomatica e
rigor a ponto de apresentar seu calulo diferencial baseado nos moldes
da geometria euclidena, enquanto Leibniz seguia a linha mais intuitiva
de se preocupar com a criatividade e desenvolvimento. Nesta epoca
uma prova sem palavras estaria num terreno muito perigoso entrando
na disputa Leibniz/Newton.
5 SECULO XIX ATE HOJE - A IDADE DO RIGOR. 6
5 Seculo XIX ate hoje - a idade do
rigor.
Com o desenvolvimento das aplicacoes do calculo diferencial, em
especial das series de Fourier, comecou a surgir na matematica a ne-
cessidade de definir melhor conceitos abstratos como as funcoes, neste
ponto a nocao de rigor volta a ter foco e no conjunto de desenvolvi-
mentos leva a uma separacao entre matematica e fısica.
O nascimento da matematica pura comeca com as aplicacoes fran-
cesas e seus questionamentos, indo em direcao a Alemanha com sua
filosofia e cultura numa mistura de romantismo e racionalismo. Os de-
senvolvimentos da algebra e suas notacoes leva a crescente abstracao
e reforca o interesse no formalismo e rigor. Como resultado deste mo-
vimento tem-se os logicistas ingleses e a escola francesa de Bourbaki
que tanta influencia tem no pensamento matematico atual, desde seus
conceitos ate o ensino.
Neste contexto uma prova para a conclusao dos pitagoricos de que
um quadrado e a soma dos numeros impares anteriores pode ser vista
pelo metodo de inducao finita:
Queremos provar:
n2 =
n∑i=1
(2i− 1) (1)
Inicialmente verificamos o caso para n = 1:
1∑i=1
(2i− 1) = (2 ∗ 1− 1) = 1 = 12 (2)
e para n = 2:
2∑i=1
(2i− 1) = 1 + 3 = 4 = 22 (3)
5 SECULO XIX ATE HOJE - A IDADE DO RIGOR. 7
Agora supomos que vale para o caso geral:
n2 =n∑
i=1
(2i− 1) (4)
e verificamos se vale para caso n+1:
n+1∑i=1
(2i− 1) =n∑
i=1
(2i− 1) + [2(n + 1)− 1] (5)
n+1∑i=1
(2i− 1) =
n∑i=1
(2i− 1) + (2n + 2− 1) (6)
n+1∑i=1
(2i− 1) =n∑
i=1
(2i− 1) + (2n + 1) = n2 + 2n + 1 = (n + 1)2 (7)
=⇒n+1∑i=1
(2i− 1) = (n + 1)2 (8)
Logo a afirmacao e valida.
Apesar do metodo de inducao finita ser devido aos gregos antigos,
ele representa bem nossa forma de pensar matematica.
A matematica atual acabou se dividindo em matematica pura e em
outros ramos como computacao e matematica aplicada. Um matema-
tico se tornou um especialista que domina nao somente as operacoes,
notacoes e rigor matematico, mas se preocupa em levar o seu domınio
de conhecimento a novos desenvolvimentos com sua abstracao e rigor.
Se por um lado temos uma certeza do edificio matematico por outro
lado o excesso de abstracao, formalismo e rigor leva a uma enorme
dificuldade em se conseguir entender a matematica, afastando as pes-
soas que nao estao dispostas a uma vida quase religiosa, somente para
ter o prazer de aprender matematica. Um resumo do exposto pode
ser observado na tabela 1.
6 PROVA SEM PALAVRAS. 8
Tabela 1: O que e matematica e como sao os matematicos nas epocas vistas.
Epoca Ramos Matematica Matematicos Tıpicos PSP 3
Grecia Quadrivium 4 Pitagoras e Euclides Vale
Renascimento Quadrivium Descartes e Leibniz Nao vale
Sec. XIX-XX Separou da ciencia Cauchy Nao vale
6 Prova sem palavras.
Conforme Nelsen[3], uma prova sem palavras e uma figura ou dia-
grama acompanhado de umas poucas equacoes, mas a enfase e visual!
A habilidade de visualizacao e essencial para o sucesso em matematica
conforme George Polia ”Desenhe uma figura...”.
Ainda segundo Nelsen[2] ”Provas sem palavras podem ser usa-
das em varias areas da matematica. Podem para provar teoremas
em geometria, teoria dos numeros, trigonometria, calculo, inequacoes,
etc.”. Quando a procupacao e com matematica discreta pode-se usar
uma configuracao semalhante aos numeros figurados dos pitagoricos,
quando se tem em mente grandezas continuas usa-se figuras e um es-
quema analogo aos ladrilhamentos do plano.
Um exemplo que o rigor nao fica ausente das provas sem palavras,
no artigo de Nelsen[2] ele usa dois prıncipios de contagem:
1. Pricipio de Fubini: Se voce conta dois objetos de um conjunto
de duas formas diferentes obtem o mesmo resultado;
2. Principio de Cantor: se dois conjuntos sao um a um correspon-
dentes, entao eles tem o mesmo numero de elementos.
3Prova sem Palavras4Aritmetica, Musica, Geometria, Astronomia
6 PROVA SEM PALAVRAS. 9
Um dos exemplos de Nelsen [2] e o teorema pitagorico
”Teorema: para todo n
n∑i=1
(2i− 1) = n2 (9)
Prova: Temos duas provas na figura 2
Figura 2: Provas sem palavras para o teorema. a)Prova direta pela contagem
do numero de bolinhas e b) Prova pela correpondencia entre elementos de
dois conjuntos.
Na figura 2a, nos contamos as bolinhas de duas manei-
ras, primeiro o arranjo quadrado de bolinhas, e depois pelo
numero de bolinhas em regiao na forma de L pintadas de
cores semelhantes (principio de Fubini). Na figura 2b, nos
vemos a correspondencia um a um (ilustradas pelas cores
das bolinhas) entre um arranjo triangular de bolinhas com
colunas tendo 1,3,5,...,(2n-1) bolas, e um arranjo quadrado
de bolinhas (principio de Cantor).”
Em outro artigo de Nelsen [2] temos a prova do teorema de Pita-
goras num ladrilhamento do plano:
”Uma justaposicao de quadrados de diferentes tamanhos
preenchendo o plano, como ilustrado na figura 3, uma prova
do teorema de pitagoras, atribuida a Annairizi da arabia
(cerca de 900 dC). Esta prova e chamada de uma prova de
dissecacao, indicada pelos quadrados formados pelas linhas
que ligam os quadrados menores, que forma um triangulo
7 CONSIDERACOES FINAIS. 10
que pode ser dissecado e montado como o quadrado da hi-
potenusa.”
Figura 3: Prova do teorema de pitagoras de Annairizi da arabia.
7 Consideracoes finais.
As provas sem palavras afeta o espırito de um matematico moderno
de maneira intensa, por tras dela esta o que vem ser uma prova? Uma
verdade matematica necessita de argumentos logico e todo um forma-
lismo? Como evitar ilusoes e enganos? Como ter certeza da veracidade
de uma afirmacao? Nota-se um certo receio dos matematicos com a
intuicao, a subjetividade, a criatividade e todas as incertezas que elas
trazem.
Escapando do esteriotipo do matematico ser um demonstrador de
teoremas, a abordagem historica permitiu ver como o conceito de ri-
gor e prova tem um certo relativismo temporal, nao sendo um conceito
finalizado. As provas sem palavras podem trazer de volta o questio-
namento ao excesso de rigor, permitindo contribuicoes de outras areas
para o conhecimento das verdades matematicas, como a ciencia da
computacao, levando os matematicos a serem um pouco inescrupulo-
sos com a forma que se obtem a verdade.
REFERENCIAS 11
Figura 4: O excesso na busca da verdade por um unico caminho pode nos
levar a ilusoes de diversas escalas.[7]
Agora qual a sua resposta a questao:
”Uma imagem vale mais que mil palavras?”
Referencias
[1] Hanna, G. Sidoli, N. - Visualisation and proof: a brief survey
of philosophical perspectives. ZDM Mathematics Education, 39
(2007), pg. 73-78;
[2] Nelsen, R. B. Lewis, Clark College - Paintings, Plane Tilings, &
Proofs. Math Horizons, November 2003, pg. 5 - 8;
Disponivel em: http : //legacy.lclark.edu/ mathsci/paintings.pdf
REFERENCIAS 12
[3] Alsina, C. Nelsen, R. -An Invitation to Proofs Without Words.
European Journal of Pure and Applied Mathematics, 3 (2010),
pg. 118-127;
Disponivel em : http : //legacy.lclark.edu/ mathsci/invitation.pdf
[4] Abdounur, O. J. - Matematica e Musica. O pensamento analogico
na construcao de significados. Editora Escrituras- Sao Paulo 3a
ed. 2003;
[5] Roque, T. - Historia da matematica. Uma visa crıtica, desfazendo
mitos e lendas. Editora Zahar- Rio de Janeiro 1a ed. 2012;
[6] Ster, J.M. - Notas de aula de MAP-2212 laboratorio de compu-
tacao e simulacao, 2014;
[7] Figura obtida na pagina oficial de M. C. Escher
http : //www.mcescher.com/ .