prÁticas de leitura e outras linguagens: articulaÇÃo … · (2013), bakhtin (2003) e oliveira...
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PRÁTICAS DE LEITURA E OUTRAS LINGUAGENS: ARTICULAÇÃO
ENTRE FORMAÇÃO HUMANA E PROFISSIONAL
Neste painel apresentaremos textos que agregam debates sobre as práticas de leitura na
escola coadunadas a outras linguagens e espaços educativos, a fim de que novas culturas
escolares sejam concebidas e praticadas nas aulas de Literatura. O primeiro texto traz à
baila questões sobre a relação entre a prática do ensino de literatura e a proposta
curricular articulada com a cultura e com o reconhecimento da subjetividade no
processo de ensino-aprendizagem. O segundo apresenta pesquisa no campo da arte,
realizada no Instituto Federal do Espírito Santo, entre 2014/2105, cujo objetivo geral
centrou-se na compreensão da origem e as especificidades do acervo de obras de Arte
do Ifes – campus Vitória. Como resultados preliminares constatou que o material
educativo, as exposições e as palestras realizadas contribuíram com a formação estética
dos visitantes das mostras e dos participantes das palestras, por meio de suas reflexões
suscitadas pelas imagens. O último artigo versa sobre o ensino da literatura e a
formação do leitor sob a ótica da Pedagogia Social, a partir de aproximações entre
alguns pressupostos norteadores desse campo teórico e as funções da Literatura na
escola. Metodologicamente, o primeiro texto optou pelo estudo de casos, com
intervenções e algumas perspectivas da pesquisa-ação, enquanto o segundo utilizou a
pesquisa exploratória com vistas à compreensão da origem e as especificidades do
acervo de obras de arte em análise e, por fim, o terceiro examinou o tema por meio de
uma revisão bibliográfica das produções de autores representativos da Pedagogia Social
e da formação do leitor literário. Como matrizes teóricas, utilizaram-se textos de Paulo
Freire, Moacir Gadotti, Leahy-Dios, Mikhail Mikhailovich Bakhtin, Gabriel Perissé,
Antonio Candido entre outros. O painel permite afirmar que as práticas de leitura
escolar precisam se inserir em situações pedagógicas que considerem outros artefatos
culturais e linguagens para a formação humana discente.
Palavras-Chave: Leitura, Ensino, Linguagens.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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ACERVO DE OBRAS DE ARTE DO IFES: MEDIAÇÕES E LEITURAS DE
IMAGEM
Priscila de Souza Chisté
IFES – Campus Vitória
Resumo: Este trabalho tem como proposta apresentar pesquisa no campo da arte,
realizada no Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes). A investigação inicia a partir da
aprovação do projeto de pesquisa no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação
Científica ocorrido entre 2014/2105. O objetivo geral da investigação é compreender a
origem e as especificidades do acervo de obras de Arte do Ifes e, de modo mais
específico, pretende organizar exposições das obras de arte com o intuito de divulgar o
acervo em tela e também criar um material educativo que favoreça o entendimento das
obras. Utiliza como metodologia a pesquisa exploratória tendo em vista a necessidade
de compreender a origem e as especificidades das referidas obras. Para produzir os
dados da pesquisa realiza entrevistas com artistas e ex-funcionários da instituição
envolvida, registros por meio de fotografias, análises de documentos e livros. No que se
refere a elaboração do material educativo relacionado com o acervo, dialoga com Chisté
(2013), Bakhtin (2003) e Oliveira (2004) que discutem a necessidade de se compreender
a linguagem artística por meio da análise do contexto em que foram produzidas,
observando seus aspectos formais e de conteúdo, além de compreender tal objeto
sempre em diálogo com outros textos visuais e verbais. Como resultados preliminares
constata que o material educativo, as exposições e as palestras realizadas contribuíram
com a formação estética dos visitantes das mostras e dos participantes das palestras,
tendo em vista que esses sujeitos por intermédio das obras do acervo puderam refletir e
analisar questões novas suscitadas pelas imagens. Contudo, observa que tal acervo pode
ser conhecido por outros alunos e docentes do Ifes. Por isso, propõe continuidade do
projeto em 2016, por meio de pesquisa em nível de mestrado, que visará realizar
exposição do acervo e material educativo interdisciplinar no município de Montanha,
Espírito Santo.
Palavras-Chave: Exposição de Arte, Material Educativo, Leitura de imagem.
INTRODUÇÃO
A pesquisa intitulada ―Obras de Arte do Acervo do IFES: Mediações, Formação
de Professores e Leituras de Imagens‖ iniciou a partir da aprovação do projeto de
pesquisa junto ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC).
Durante o projeto foram realizadas várias ações, algumas ainda em andamento, que
serão empreendidas em 2016/2017 como projeto de pesquisa em nível de mestrado na
área do ensino de Ciências e de Matemática. Com o objetivo de apresentar os resultados
parciais da referida pesquisa o texto em tela iniciará ao expor a caracterização da
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pesquisa.
1 A PESQUISA
O Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) possui um acervo com trinta obras de
arte de diferentes autores que apresentam variados estilos artísticos. Conta com obras de
artistas capixabas e também de expoentes nacionais. Essas obras estão alocadas em
setores administrativos do campus Vitória. Desse modo, o acesso a elas fica restrito a
um público limitado o que demandou uma ação que propusesse novas possibilidades de
encontro com essas obras de arte. Para tanto, foi necessário conhecer de modo mais
aprofundado tal acervo para constatar como essas obras chegaram até o Ifes, quem
foram os artistas que as produziram, em que contexto elas foram elaboradas, qual o
diálogo que estabelecem com outros artistas da época e quais contribuições trazem para
o campo da educação. Cabe colocar que até o momento não existe nenhum tipo de
pesquisa relacionada à constituição, investigação e apresentação do acervo de obras de
arte do Ifes. Portanto, trata-se de uma pesquisa inédita.
Outro ponto importante diz respeito à necessidade de conservar essas obras de
arte. Como integram o Patrimônio Cultural da Instituição, necessitam de certos cuidados
para se manterem em tal acervo. Isso demanda um olhar atento e técnico para que seja
possível, por meio de diversas técnicas de preservação, cuidar da integridade de tais
obras de arte.
A Constituição Federal estabelece em seu Artigo 26 que o poder público, com a
cooperação da comunidade deve promover e proteger o Patrimônio brasileiro. Dispõe
ainda que esse Patrimônio Cultural é constituído pelos bens materiais e imateriais que se
referem à identidade, à ação, e à memória de diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira, como por exemplo, as obras artísticas. Nesse sentido, podemos considerar
que as obras de arte adquiridas, seja por doação ou compra, na trajetória do Instituto
Federal do Espírito Santo constituem-se como Patrimônio Cultural dessa instituição e,
por conseguinte, de toda a comunidade que a cerca, cabendo-lhe proteger e apresentar
esse patrimônio a essa comunidade. É com esse objetivo máximo que o referido projeto
busca trabalhar. Temos como foco a compreensão, a apresentação e a conservação do
acervo de obras de Arte do Ifes campus Vitória, pois se não o fizermos, aos poucos ele
sofrerá um processo de deterioração e se perderá.
2 A METODOLOGIA DA PESQUISA
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A pesquisa contou com a participação de uma graduanda do curso de
Licenciatura em Letras – Português, na modalidade Ensino à Distância do Ifes, e duas
docentes do Ifes. A metodologia utilizada foi a pesquisa exploratória tendo em vista a
necessidade de compreender como as referidas obras de arte chegaram ao campus
Vitória. Como técnica de produção de dados optamos por entrevistas com artistas e ex-
funcionários do campus, fotografias das obras de arte, análises de documentos, livros e
pesquisas em sites de arte.
Inicialmente solicitamos ao setor responsável pelo patrimônio do Ifes - campus
Vitória que nos disponibilizasse a lista das obras de arte que compõem o acervo desse
campus. A seguir, fomos às salas onde as obras estavam alocadas e registramos as
imagens por meio de fotografia. Depois disso, fizemos a ficha catalográfica de cada
obra. Diante dessas informações iniciamos uma busca pelos artistas. Fizemos contato
com alguns deles, via mensagem eletrônica e mensagem em tempo real, além de
realizarmos pesquisa em enciclopédias virtuais de arte e em sites dos artistas.
Realizamos também várias entrevistas com ex-funcionários do Ifes para
compreendermos a origem deste acervo.
Após essa etapa, elaboramos o primeiro material educativo impresso cuja
finalidade foi ser distribuído aos visitantes da primeira exposição das obras de arte do
acervo do Ifes, realizada na biblioteca Nilo Peçanha do campus Vitória do Ifes.
Também fizemos a divulgação em mídia social (Facebook), criamos convites que
distribuímos pelas salas do campus Vitória e abrimos a exposição com a palestra (figura
1) intitulada: ―Obras de Arte do Acervo do IFES: Mediações, Formação de Professores
e Leituras de Imagens‖. Essa ação ocorreu na Semana da Biblioteca realizada no mês de
novembro de 2014.
Fig. 1: Palestra sobre o Acervo de Obras de Arte do Ifes
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Fonte: Acervo do projeto de pesquisa – Fotografia: Mónica Rebolledo
Seguimos nosso cronograma de pesquisa produzindo os dados vivenciados com
a intenção de organizar a segunda exposição do acervo, que ocorreu em novembro de
2015, também na Biblioteca Nilo Peçanha. Nessa ocasião apresentamos a versão final
do material educativo (figura 2), um pouco mais completa que a anterior, e também
realizamos palestras e visitas mediadas à exposição para alunos e professores.
Fig. 2 – Material Educativo sobre o acervo do Ifes
Fonte: Acervo do projeto de pesquisa
3 O MATERIAL EDUCATIVO ELABORADO
Como apontado, o Material Educativo foi elaborado em diálogo com as
discussões de Chisté (2013), Bakhtin (2003) e Oliveira (2004). Tais autores discutem a
necessidade de se compreender a linguagem artística por meio do estudo do contexto
em que foram produzidas, observando seus aspectos formais e de conteúdo, além de
compreender que tal objeto está sempre em diálogo com outros textos visuais e verbais.
O material educativo foi organizado a partir das seguintes seções:
1) A pesquisa – apresentamos a metodologia de pesquisa utilizada, a origem do
acervo e as obras de arte.
2) A Exposição – descrevemos as atividades (figura 3) relacionadas com a
organização da mostra artística.
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Fig. 3 - Visita dos alunos do Ifes à exposição
Fonte: Acervo do projeto de pesquisa – Fotografia: Mónica Rebolledo
3) Perfil dos Artistas – divulgamos dados bibliográficos (figura 4) sobre os
artistas e sobre as obras de arte, tais como Alfredo Volpi, Darel Valença Lins, Dileuza
Diniz Rodrigues, Eduardo Sanchez Iglesias, Fayga Ostrower, Inácio Rodrigues, Raphael
Samú e Savério Castellano.
Fig. 4 - Perfil de Alfredo Volpi. Páginas do Material Educativo
Fonte: Acervo do projeto de
pesquisa – Imagem: Mónica Rebolled
4) Leituras de imagens – realizamos leituras de imagens das obras do acervo a
partir da Semiótica Plástica e também do conceito bakhtiniano de dialogismo. Como
exemplo dessa seção destacamos a produção do poema abaixo, criado pela bolsista de
Iniciação Científica, a partir da obra do artista Savério Castellano.
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Fig. 5 - CASTELLANO, Savério. Montanha Cristalina, 1981. Litografia, 45,7x55,8cm
Fonte: Acervo do Projeto de Pesquisa – Fotografia: Érica Sabino.
Poema à obra de Savério Castellano.
Nada são a ideia e o suporte,
a ferramenta a técnica e a luz.
O que é que da o sentido?
é a poesia que o artista traduz.
Com as cores a mistura risonha
Contorna-se na linha coquete,
Evitando a ação medonha,
De quem não cria e só repete!
Haja trabalho e tentativa!
Para conter uma obra prima,
pondo o verso em perspectiva
até achar o que melhor rima.
É assim que o criador artista
captura a forma divina,
da base à ponta aquilina
como um ato de conquista!
A obra de Savério se eleva
depois do esforço proferido,
que a arte jamais prescreva!
deste plano vivo e colorido.
4 RESULTADOS PRELIMINARES E ENCAMINHAMENTOS DO PROJETO
O registro nos livros de assinatura das mostras nos mostrou um fluxo de 460
visitantes na primeira exposição. Nessa primeira etapa também foram realizadas três
palestras com quarenta participantes em cada uma, entre eles professores e alunos.
Foram realizadas seis visitas mediadas, para alunos do Ensino Médio, da Graduação em
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Letras e também do Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática do Ifes. Alguns
visitantes, além de alunos do Ifes, atuavam como professores da Educação Básica.
Já na segunda exposição registramos a visita de 50 alunos e professores do
campus Vitória e também de integrantes da comunidade externa. Cabe colocar que essa
última mostra ocorreu em um período de greve de alguns servidores da instituição.
Muitos alunos ficaram sem aula e por isso a mostra foi pouco visitada. Mesmo assim,
foram realizadas palestras nas quais participaram cerca de sessenta alunos e professores
do curso de Artes Visuais da Universidade Federal do Espírito Santo e também da
graduação em Letras do Ifes.
Diante dos resultados alcançados com o projeto de iniciação científica,
consideramos necessária a continuidade da pesquisa para que, em uma segunda versão,
possamos dar sequência à investigação e elencar os artistas que não foram contemplados
inicialmente.
Acreditamos ser necessário também dar continuidade a pesquisa aproximando as
obras de arte a outras áreas do conhecimento, como as áreas de Ciência e de
Matemática. Nesse sentido, convidamos um aluno do Mestrado em Ensino de Ciências
e Matemática para junto conosco, dar continuidade à pesquisa.
CONCLUSÕES PRELIMINARES
A possibilidade de pesquisar obras de arte de grandes expoentes nacionais e
internacionais que integram o projeto ―Obras de Arte do Acervo do Ifes: Mediações,
Formação de Professores e Leituras de Imagens‖ constitui-se como um campo imenso
de pesquisa.
Cada obra abre diferentes portas que podem nos encaminhar a discutir assuntos
bem variados. Analisar tais imagens constitui-se como um projeto longo devido às
inúmeras possibilidades que se pode pensar a partir delas. Podemos realizar leituras
interdisciplinares, relacionando a arte a outras áreas do conhecimento, entre outras
possibilidades.
Portanto, o projeto de pesquisa sobre o acervo de obras de arte do campus
Vitória constitui-se como uma investigação ampla e possível de vários desdobramentos.
Além disso, as etapas elaboradas até o momento referentes ao projeto nos fazem chegar
a algumas conclusões sobre as atividades realizadas: faz-se necessário apresentar essas
obras em outros campi do Ifes, além do que foi contemplado.
Cabe também assegurar que essas obras serão conservadas. Muitas não
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integraram a exposição, pois estão em estado de conservação precário. Além disso, é
preciso continuar as pesquisas sobre os artistas que não foram contemplados nessa
etapa do projeto, bem como divulgar a pesquisa em eventos científicos. Desse modo,
empenharemo-nos de agora em diante a alcançar esses objetivos e buscar tais
aprofundamentos. Porém, é necessário deixarmos em relevo a importância de se refletir
sobre essas imagens. Elas integram um Patrimônio Cultural que é de todos e podem
contribuir sobremaneira com a formação estética dos sujeitos que dela se apropriarem.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da Criação
Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
CHISTÉ, Priscila de Souza. Educação estética no ensino médio integrado: mediações
das obras de arte de Raphael Samú. 2013. 335 f. Tese (Doutorado em Educação) –
Curso de Pós-graduação Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória,
1995.
OLIVEIRA, Ana Cláudia. As semioses pictóricas. In: OLIVEIRA, Ana Cláudia (Org.).
Semiótica plástica. São Paulo: Harker Editores, 2004.
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A PRÁXIS DOCENTE (IM)POSSÍVEL DE LITERATURA: TEATRO, SUBJETIVIDADE E ENGAJAMENTO SOCIAL
Fábio Mota Salvador
Me. em Educação – PPGE/UFES
Professor de Língua Portuguesa e Literatura – PMV/PMS
Assessor pedagógico da Secretaria Municipal de Educação de Vitória/ES
RESUMO: O artigo norteia seus estudos nas práticas de ensino de literatura e no
engajamento social do educador que transitam pelos discursos cênicos, subjetivos e
sociais. Nesta perspectiva, legitimando a importância do ensino da literatura na
emancipação pessoal e social do corpo discente e, principalmente, na construção de
sentidos entre o ―eu‖ e o ―mundo‖. As principais questões problematizadas foram as
seguintes: Como a práxis docente de literatura, estruturada no teatro, na subjetividade e
no engajamento social do educador pode transformar o ambiente escolar e potencializar
o emancipação dos estudantes? Qual o papel da literatura na diminuição do número de
reprovação e de evasão escolar nas escolas da rede pública? O artigo discute a relação
entre a prática docente do ensino de literatura e a proposta curricular articulada com as
manifestações culturais, com os propósitos sociais de emancipação e com o
reconhecimento das questões subjetivas no processo de ensino-aprendizagem,
utilizando-se como metodologia a pesquisa qualitativa, tendo como eixo o estudo de
casos, com intervenções e com algumas perspectivas da pesquisa-ação. As ações
investigativas se estruturam nas práticas literárias desenvolvidas na disciplina de Língua
Portuguesa e Literatura, em escolas da rede pública capixaba. Muitas pesquisas de
dissertações e teses das Universidades Brasileiras apontam uma desqualificação do
conhecimento literário nas escolas públicas – ocasionada por propostas de ensino
tradicionais, baseadas em fragmentos de textos dos livros didáticos, desarticuladas com
as manifestações culturais, desumanizadas e sem princípios sociais. O artigo aponta
outras práticas possíveis de ensinar Literatura – dialogando com os textos teóricos de
Paulo Freire, Jorge Larrosa, Moacir Gadotti, Leahy-Dios, entre outros. Palavras-chave: Currículo, Literatura e Prática de Ensino.
ABSTRACT: The article guides its studies in teaching practices of literature and social
engagement of the teacher passing by scenic speeches, subjective and social. In this
perspective, legitimizing the importance of the teaching of literature in personal and
social emancipation of the student body, and especially in the construction of the
meaning between the "I" and the "world." The main issues problematized were the
following: How the practice of teaching literature, structured at the theater, subjectivity
and the social engagement of the educator can transform the school environment and
enhance the empowerment of students? What is the role of literature in decreasing the
number of repetition and dropout in public schools? The article discusses the
relationship between the teaching practice of literature and the curriculum proposal
combined with cultural events, with the purpose of social emancipation and the
recognition of subjective questions in the teaching-learning process, using as
methodology the qualitative research having axis as the study of cases, with assistance
and with some perspectives of action research. The investigative actions are structured
in literary practices developed in the discipline of Portuguese Language and Literature,
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in public schools capixabas. Many research dissertations and theses of Brazilian
Universities point to a disqualification of literary knowledge in public schools - caused
by traditional teaching approach, based on fragments of texts from textbooks, disjointed
with the cultural manifestations, dehumanized and without social principles. The article
points out other possible practices of teaching Literature - dialoguing with the
theoretical texts of Paulo Freire, Jorge Larrosa, Moacir Gadotti, LeahyDios, among
others. Keywords: Curriculum, Literature and Teaching Practice.
1 Introdução A palavra literária é autenticamente palavra quando, trazendo à luz verdades
fulminantes, livra-nos do vazio abissal, do tédio mortal, da encapsulação, da
asfixia existencial, desse nível infracriador a que somos rebaixados, e no qual
passamos a ser, menos do que pessoas: objetos, e objetos de não-amor.
GABRIEL PERISSÉ Após uma década ensinando Língua Portuguesa e Literatura nas escolas públicas
do Espírito Santo, onde lecionei para o ensino fundamental, ensino médio e a educação
de jovens e adultos (EJA), pude perceber o quanto a palavra literária contribui na
conscientização crítica do indivíduo, na sua transformação existencial e na construção
de outros significados possíveis na relação do ―eu‖ com o mundo. O autor Perissé nos
afirma em sua epígrafe acima, que a literatura potencializa a liberdade existencial do
homem, e, assim, oportuniza o seu próprio (des)conhecimento de si diante das
contradições impostas pela realidade social e o encoraja quando incita as suas emoções
e desmascara os seus questionamentos que habitam a emancipação do ser humano. A
palavra literária tem a importância de humanizar o processo de ensino-aprendizagem
quando amplia o seu conhecimento para as questões subjetivas e as experiências vividas
pelos educandos, que, muitas vezes, são desconsideradas nos ambientes escolares.
A palavra literária se torna o lugar do enfrentamento ao conformismo social, da
ruptura do saber hegemônico e impessoal e do distanciamento dos sentimentos
fabricados. Após uma década, de práticas de ensino de literatura no cotidiano da sala de
aula, sempre acreditei no poder da literatura na emancipação do corpo discente. E, na
medida do possível, fiz do exercício profissional um espaço de luta, onde as armas
contra a estagnação humana e social eram as atividades culturais (a poesia, o teatro e a
música), a subjetividade (a escuta sensível, a valorização do saber do aluno e o
reconhecimento da sua complexidade social) e o engajamento (a educação libertária, a
consciência crítica e o ensino idealista).
A literatura entendida como um campo de saber polissêmico que permite o
protagonismo do ser humano. A palavra literária vai constituindo um pensamento
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humanizador que alimenta a existência e corrói tudo aquilo que acreditamos dizer –
quando, na verdade, é um ato de reprodução (saberes já pensados) que não corresponde
ao que somos. Em algumas escolas, a literatura se distancia da emancipação do ser
humano quando se concentra em burocratizar, uniformizar o saber e nutrir um currículo
centrado na impessoalidade. Após algumas leituras e reflexões, observei nos estudos de
Gadotti (2010, p.24) que educar é um ato emaranhado por forças contraditórias e que a
escola desempenha um papel social visceral quando se torna o espaço que permite a
transformação da identidade e a ascensão social das classes desfavorecidas:
A formação da consciência do indivíduo não é inata. Exige esforço e atuação
de elementos externos e internos. A educação é um processo contraditório de
elementos subjetivos e objetivos, de forças internas e externas. [...] Na
perspectiva de uma educação visando à transformação da sociedade, e escola
tem um papel estratégico, na medida em que pode ser o lugar onde as forças
emergentes da nova sociedade, muitas vezes chamadas de classes populares,
podem elaborar a sua cultura, adquirir a consciência necessária a sua
organização.
No contato diário com os alunos da rede pública e as suas realidades sociais
marcadas por abandono familiar, pobreza, péssimas condições de vida e várias marcas
de violência, legitimou-se a minha opção em educar para emancipar e construir outras
existências de vida possíveis. Nas práticas de ensino de literatura na sala de aula,
estruturei os meus posicionamentos teóricos e práticos a partir dos questionamentos que
emergiam daquele lugar de contradição e enfrentamento. Ali, comecei a entender a
diferença que uma práxis engajada de literatura, por meio da cultura e da subjetividade,
poderia oportunizar ao corpo discente e ao sentido da escola.
Na minha trajetória profissional, durante toda a primeira década do século XXI,
busquei construir uma práxis docente que despertasse o interesse do corpo discente e,
consequentemente, diminuísse a evasão e a reprovação escolar. Neste período de sala de
aula, as transformações tecnológicas, econômicas, políticas e culturais trouxeram novas
perspectivas para os modos de vida pessoais e sociais. Estas contradições que emergem
do processo de globalização refletem também no pensamento educacional. O sentido da
escola, a construção do currículo e a formação e a prática docente são questões
amplamente debatidas pelos estudiosos e pelos educadores. A educação que possibilita
a emancipação do indivíduo, também pode incitá-lo à submissão de uma sociedade
mercadológica.
Após a Constituição de 1988, observando a defasagem da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (5.692/71), elaborou-se uma nova LDB (9.394/96),
sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo ministro da educação
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Paulo Renato, em 20 de dezembro de 1996. Na nova LDB, percebe-se o interesse em
preparar o indivíduo para as novas relações sociais e produtivas, ocasionadas pelo
desenfreado processo de globalização.
A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96)
apresentou alguns avanços que contribuíram para o meu exercício profissional. A
valorização do processo criativo e do conhecimento alternativo trouxeram para o
processo de ensino-aprendizagem de literatura novos sentidos que fortaleceram o educar
para emancipar. A literatura promove o saber vivido, a imaginação e o despertar de
outros vínculos existenciais – essencial na construção da consciência crítica e no
desabrochar de indivíduos plenamente 5 autônomos e capazes de interagir e interferir
em sua sociedade. Na leitura de Leahy-Dios (2001, p.42), observa-se que a docência de
Língua Portuguesa e Literatura, para a prática da liberdade e do protagonismo do
estudante, encontra ecos na nova LDB:
Essa certeza é reforçada por determinados trechos da atual Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (nº 9.394/96), garantindo a importância da
criação, do saber alternativo, da ausência de rigidez na construção do saber
socialmente validado. Diz também que ―aspectos qualitativos devem
prevalecer sobre os quantitativos‖ (Capítulo II, art. 24, V a), e que ―o ensino
da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da
educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos
alunos‖ (Capítulo II, art. 26, § 2º).
A opção por uma práxis docente de literatura que rompia com o modelo
unicamente tecnicista oportunizou novas significações do conhecimento literário por
parte do corpo discente. A experimentação do saber, por meio de um currículo que se
estrutura no discurso cultural literário, valoriza as questões subjetivas e oportuniza o
engajamento social, acrescentando consciência crítica e protagonismo na vida dos
estudantes da escola pública. Nos meados do século XXI, pude observar no exercício
profissional que a nova LDB contribuiu para o surgimento de novas práticas docentes e
propostas curriculares, embora esta reformulação pedagógica ocasionasse muitos
debates e enfrentamentos entre os atores educacionais, principalmente, nas instituições
de ensino. A nova LDB legitimou, na parte diversificada, conteúdos que atendiam às
especificidades regionais, culturais, econômicas, históricas e sociais de cada
comunidade escolar. Embora mantivesse o caráter profissionalizante destes conteúdos, a
parte diversificada oportunizava interesses de outra natureza, como por exemplo, os
aspectos culturais nas práticas pedagógicas.
No ensino de Língua Portuguesa e Literatura no ensino médio, a nova LDB faz
apenas duas referências. Identifica a importância da compreensão do significado das
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letras e das artes, o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura e
preconiza a sua força comunicativa na formação do saber e da cidadania. Neste contexto
da Lei (9.394/96), o ensino de literatura aparece no vocábulo ―letras‖ e na expressão ―o
processo histórico de transformação da sociedade e cultura‖. Embora a nova LDB não
ofereça um entendimento mais profundo sobre o ensino literário, ela acena o sentido
primordial da literatura – a transformação humana e social.
2 Na contramão da literatura severina
Tem dias que a gente se sente. Como quem partiu ou morreu. A gente
estancou de repente. Ou foi o mundo então que cresceu. A gente que ter voz
ativa. No nosso destino mandar. Mas eis que chega a roda viva. E carrega o
destino prá lá. Roda mundo, roda gigante. Roda moinho, roda pião. O tempo
rodou num instante. Nas voltas do meu coração. CHICO BUARQUE
No trecho da canção Roda viva, de Chico Buarque, percebemos um personagem
que sente o desejo de falar e de expressar seus sentimentos e seus pensamentos, porém
ele é silenciado por um conjunto de forças externas (discurso ideológico opressor).
Muitas vezes, a práxis docente não permite a participação espontânea do corpo discente.
A aprendizagem torna-se unidirecional, pois não considera as experiências vividas. A
utilização do termo ―literatura severina‖ baseia-se na obra ―Morte e vida severina‖ de
João Cabral de Melo Neto. No texto poético, o termo ―severina‖ refere-se o que é
severo, rude, embrutecido e difícil. A expressão ―literatura severina‖ é definida como
aquela que embrutece a aprendizagem e distancia o saber da escola e o saber vivido do
aluno. Embora muitos profissionais de educação se distanciem deste ensino
embrutecedor, que se dá em cansativos monólogos centralizados no professor e no livro
didático, ainda há uma grande maioria de docentes, que faz da aula literária um local de
silêncio coercitivo e uniformizador de um pensamento estagnado.
A literatura potencializa no ser humano a sua consciência crítica, que o leva a
refletir sobre a sua existência e sua relação com o mundo. Por isso, a práxis docente
desempenha um papel primordial na mediação entre o saber literário e a motivação de
aprender do corpo discente. Esta tarefa é árdua e permanente, pois exige do educador
uma luta constante no seu exercício pedagógico. Muitas vezes, o ambiente escolar é
caracterizado pelo fortalecimento do aparelho hegemônico. Produzindo uma
uniformidade de comportamento no corpo discente. Repetindo um conhecimento
científico doutrinário e incompatível com a realidade dos estudantes. Priorizando as
relações humanas e sociais desinteressantes, por serem forjadas em sentimentos
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fabricados e corpos condicionados à obediência. Promovendo o silêncio que encarcera
sonhos. Cabe à escola, ao docente e a sua práxis, destituir o currículo burocrático e
desumanizado, existente em muitos ambientes de ensino, que se omite diante do aluno
pobre e oprimido que se conforma com sua invisibilidade social. Neste contexto, o
processo de ensino-aprendizagem se sacraliza, acomoda uma relação de saber e poder
inquestionável e ineficaz.
Percebe-se em várias escolas uma práxis literária fragmentada e rígida. De forma
severa, ela se resume num quadro de informações, não oportunizando a experimentação
do conhecimento. Ensinar e aprender literatura não podem continuar a ser apenas um
apanhado histórico, nem a memorização de características rígidas de escolas de
produção literária de um passado europeizado e seletivo. (LEAHY-DIOS, 2001, p.35).
Contraditoriamente, a literatura dialoga com a democracia, a emoção, o
questionamento, a liberdade e a emancipação. Se a literatura possibilita a criação de
outros sentidos para a existência humana e para as suas relações sociais, cabe ao
educador (re)pensar a práxis docente. Para a maioria dos adolescentes e jovens de
classes populares, a literatura se apresenta distante, fria e sem propósitos.
O ensino de literatura pode ganhar novos sentidos quando planejado com uma
proposta cultural. O texto literário permite várias leituras e potencializa as produções
artísticas no ambiente escolar. Embora exija um exercício profissional exaustivo, a
construção de um saber literário envolvido na elaboração de uma peça teatral, na
declamação poética, na leitura dramatizada, na análise de canções, etc., torna-se mais
prazeroso e interessante para o corpo discente. Porém, estas ações transitam na ousadia,
no enfrentamento, na dúvida, na subversão, no desapego, no incômodo, que, muitas
vezes, não encontram protagonistas no ambiente escolar.
3 Perspectivas teóricas: literatura, práxis docente e emancipação
3.1 A experimentação da leitura: aspectos humanos e sociais nas concepções de Jorge
Larrosa e Paulo Freire A experiência da leitura aparece como uma experiência de abandono das
seguranças do mundo administrado, incluindo as que constituem a própria
identidade do leitor, e como uma entrega a um outro mundo que ―inquieta‖,
interrompe e transforma o primeiro. JORGE LARROSA
Tentava ler ou prestar atenção na sala de aula, mas não entendia nada,
porque a fome era grande. Não é que eu fosse burro. Não era falta de
interesse. Minha condição social não permitia que eu tivesse educação. A
experiência me ensinou, mais uma vez, a relação entre classe social e
conhecimento. [...] À medida que comia melhor, comecei a compreender
melhor o que lia. PAULO FREIRE
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Temos uma sociedade que cultua os confortos propiciados pela evolução
tecnológica, principalmente, os aparelhos eletrônicos e o mundo virtual. Somos
engolidos por uma avalanche de informações simultâneas e impossíveis de serem todas
memorizadas, até porque elas mudam instantaneamente. Neste contexto social ditado
pela modernidade, o ser humano vaga acorrentado nas atribulações do mundo, vive
subtraindo a sua própria existência. O hábito de leitura tem profundas ligações com a
transformação do indivíduo e da sua realidade social. Possivelmente, ele democratiza o
conhecimento e aponta alternativas para a solidificação de uma sociedade mais justa,
inclusiva e igualitária. O ser humano com um extenso repertório de leitura, dificilmente,
será submisso e ficará calado diante das desigualdades impostas por um mundo
desumano e injusto. Uma nação, composta por indivíduos que não leem, perpetua nas
mãos de uma minoria as decisões que influenciam a vida de todos. No Brasil, o mercado
editorial é um privilégio de uma classe social que tem o hábito de ler e consegue pagar
os preços exorbitantes cobrados pelas obras literárias nas livrarias.
Recai sobre a escola a difícil tarefa de aproximar os estudantes do ato de leitura,
embora, historicamente, os investimentos financeiros específicos para atividades e
projetos de leitura no cotidiano do ambiente escolar sejam inexpressivos ou, em muitos
casos, inexistentes. São poucas as iniciativas que ofertam aos professores de língua
portuguesa e literatura alguma formação e/ou oficina literária. Estas ações
desconsideram que todos os docentes, independente da sua área de conhecimento, têm o
compromisso de propagar e incentivar o gosto pela leitura. Em algumas instituições de
ensino, o professor tem afastado cada vez mais o aluno do entusiasmo pela leitura. A
uniformização, a normatização, a burocratização e a imposição da leitura conspiram
para o agravamento desta situação educacional. Em várias salas de aula, não é facultado
ao aluno criar um diálogo entre o que se lê e suas experiências vividas. Esta situação
colabora para um processo de ensino-aprendizagem ainda mais desanimador.
Freire e Larrosa dialogam com a ideia de ressignificação da educação, por meio
da valorização de uma escola que priorize a experimentação do saber, a leitura
autônoma e provocativa que possibilite ao corpo discente o exercício da liberdade e a
construção de novos vínculos existenciais na sua relação com o mundo. Neste contexto,
este artigo encontra nos estudos destes pensadores indícios da fundamentação teórica
que legitima e estrutura a práxis docente de literatura analisada e debatida nesta
pesquisa. Os estudos de Larrosa nos campos educacionais despertam novos
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questionamentos sobre os conceitos de escola, identidade, literatura, sociedade e
currículo. Desta maneira, as suas pesquisas problematizam as teorias educacionais
sacralizadas e prescritas – que já não respondem as indagações dos docentes, as
incertezas dos pensamentos científicos e os enfrentamentos pessoais e sociais que
circundam o cotidiano do ambiente escolar.
A obra de Paulo Freire não foi importante só no âmbito da educação popular e
da alfabetização, a cada dia compreendemos melhor o que ele representa enquanto um
intelectual que propõe a superação do modelo de escola e de educação que se faz no
Brasil e no mundo. É possível fazer educação e escola para a transformação social.
Fundamentalmente não se fará nada de novo apenas com a crítica; nem tampouco com a
implantação de novas tecnologias: novas relações deverão ser estabelecidas, que
indiquem esperança e possibilidades de transformação e libertação através do
comprometimento e da luta (Streck, 2012, p. 12). Em seus textos, o ato de leitura é
enfrentamento e subversão, pois promove a humanização do indivíduo e lhe possibilita
lutar contra as forças sociais opressoras. Em Freire (2009, p. 58), a escola e a práxis
docente devem criar condições favoráveis para que a leitura possa se conectar com a
vida diária dos alunos, e, assim, tornar-se efetiva e afetiva:
O que me fascina ao ler bons livros é descobrir o momento em que o livro me
possibilita ou ajuda a melhorar o entendimento que tenho da realidade, do
concreto. Em outras palavras, para mim a leitura é importante na medida em
que os livros me dão um determinado instrumento teórico com o qual eu
posso tornar a realidade mais clara com relação a mim mesmo. Essa relação
que tento estabelecer entre ler palavras e ler o mundo.
O exercício literário, que amplia os sentidos do mundo do aluno-leitor, torna-se
imprescindível para solidificar um ensino que visa o despertar dos estudantes para a
emancipação humana e social. Aproximam-se das concepções de Freire sobre a
experiência de leitura e leitura de mundo, os estudos de Larrosa sobre
experiência/sentido. Sem imposição e sem o intuito de servir como modelo pedagógico,
suas ideias questionam a literatura que não atravessa o indivíduo, ou seja, não o move e
que não faz o seu conhecimento suplicar vida e liberdade. Quando o saber possibilita a
construção de sentidos na vida cotidiana, eleva-se o homem ao lugar do mestre. Em sua
definição de experiência ele nos diz:
A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer
um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que
correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar
mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir,
sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender
o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a
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atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos
acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro,
calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (LARROSA, p.24, 2002).
Para o autor, a escola que constrói seu currículo tendo como alicerce o
armazenamento de informações como resultado do ―ensino‖ está fadada ao isolamento
do sujeito desmedido de si mesmo. Um currículo sob essa ótica nos remete às
regulações do tempo das aulas, das disciplinas fragmentadas em minutos e da educação
bancária a que Paulo Freire se referia. Experimentos sem vivências, somente acúmulos,
depósitos de informações, ou seja, sem a experimentação do conhecimento.
A experiência promove o ato de aprender, pois expõe o indivíduo às suas
desilusões existenciais, às emoções instáveis e ao descolamento do saber artificial, que o
ancorava num porto seguro de informações impessoais. Nesta realidade distorcida, a
experiência destitui a supremacia de opiniões tão valorizadas numa sociedade
irredutível ao descompasso e a embriaguez do conhecimento que não obedece a normas
e convenções. A experiência permite a vida humana o não condicionamento ao que lhe
empobrece e consome, por diversos fatores políticos, econômicos e sociais, que em
nome de uma sociedade dita democrática, excluem do homem o seu bem-estar.
No diálogo de Freire e Larrosa, percebemos a importância da relação entre os
saberes prescritos e os saberes vividos. A experimentação do conhecimento permite
uma aproximação entre o aluno e o porquê se aprende; e como este conhecimento pode
contribuir e ressignificar a sua compreensão de si mesmo e de estar no/ e com o mundo:
O saber de experiência se dá na relação entre o conhecimento e a vida
humana. (...) A experiência e o saber que dela deriva são o que nos permite
apropriar-nos de nossa própria vida. (LARROSA, p.26-27, 2002). Movimento em que a palavra dita flui do mundo mesmo através da leitura
que dele fazemos. De alguma maneira, porém, podemos ir mais longe e dizer
que a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura de mundo, mas
por uma certa forma, de ―escrevê-lo‖ ou de ―reescrevê-lo‖, quer dizer, de
transformá-lo através de nossa prática consciente. (FREIRE, 2011, p. 29-30).
Nesta perspectiva dialógica, entende-se a prática de leitura como uma ação onde
o homem pode encontrar outros sentidos para a sua existência. No jogo polissêmico
literário, ele pode subverter o que lhe é prescrito, enveredar-se em emoções subjetivas
desconhecidas, encontrar-se com os outros ―eus‖ e reinventar de forma autônoma sua
relação com o mundo.
3.2 Moacir Gadotti: a práxis docente
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A educação que copia modelos, que deseja reproduzir modelos, não deixa de
ser práxis, só que se limita uma práxis reiterativa, imitativa, burocratizada.
Ao contrário desta, a práxis transformadora é essencialmente criadora,
ousada, crítica e reflexiva. MOACIR GADOTTI
Educar é ensinar a olhar para fora e para dentro, superando o divórcio, típico
da nossa sociedade, entre objetividade e subjetividade. É aprender além:
saber que e tão verdade que a menor distância entre dois pontos é uma linha
reta quanto o que reduz a distância entre dois seres humanos é o riso e a
lágrima. O gesto da identidade pessoal no tempo da impessoalidade e do
anonimato. CHICO ALENCAR
A leitura dos estudos sobre práxis docente de Moacir Gadotti aponta várias
considerações relevantes fundamentais para a problematização das ações pedagógicas
investigadas nesta pesquisa. Várias concepções do saber e fazer docente, presentes no
seu texto, são significativas para a compreensão da prática docente que transita pelo
teatro, pela subjetividade e pelo engajamento social do educador que busca na sua
finalidade vital a emancipação do indivíduo.
A construção de uma práxis docente alternativa que visa a diminuição do índice
de reprovação e evasão escolar, por meio do ensino literário é uma tarefa ousada para
qualquer educador. Torna-se uma pedagogia do risco, da dúvida e do pensar que leva o
ser humano a inquietude que movimenta as suas peculiaridades cotidianas. Uma prática
docente que opte por uma literatura estética-expressiva que dialogue com a linguagem
cênica, subjetiva e social; que envolva os alunos em outras formas de apropriar-se do
saber de si e do mundo, sem exibicionismo e exatidão; e que faça o indivíduo
(res)significar a sua própria existência, e, talvez, descobrindo as palavras que o move,
descubra outras maneiras de ser o que acredita ser.
No encontro com os conceitos de Gadotti, percebemos que a educação reflete as
marcas da sua sociedade. Assim, as contradições, as dúvidas e os embates cotidianos do
ambiente escolar estão diretamente relacionados com as questões sociais do qual ela
está inserida. Vivemos numa sociedade onde as forças opressoras buscam perpetuar um
pensamento hegemônico. O educador e a sua práxis desempenham o papel de se
solidarizar e lutar pela emancipação dos oprimidos. Caso contrário, apenas colaboram
para a manutenção de um pensamento que reproduz a submissão social e o desapego a
existência autônoma.
De um lado toda relação pedagógica é fonte de tensão, de desequilíbrio, de
conflito, para aqueles que a vivem, na medida em que ela os implica naquilo que são, os
interroga, coloca em questão suas preferências, seus valores, seus atos, sua maneira de
ser, seu projeto de existência. (...) A educação é o lugar onde toda a nossa sociedade se
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interroga a respeito dela mesma, ela se debate e se busca: educar é reproduzir ou
transformar, repetir servilmente aquilo que foi, optar pela segurança do conformismo,
pela fidelidade à tradição ou, ao contrário, fazer frente à ordem estabelecida e correr o
risco da aventura; querer que o passado configure todo o futuro ou partir dele para
construir outra coisa (GADOTTI, 2010, p.43).
Na leitura de Gadotti (2010, p. 226), muitos pensadores defendem uma ação
pedagógica transformadora estruturada no engajamento do educador. Embora eles
reconheçam as dificuldades da construção e consolidação desta prática no ambiente
escolar oriundo de um pensamento educacional predominantemente capitalista e
excludente. A práxis docente engajada socialmente é conceituada como a ação que
expressa o que não foi dito, oportunizando uma nova ressignificação da realidade e
potencializando a emancipação dos educandos. O engajamento do educador e a práxis
docente de literatura, por meio do teatro e da subjetividade, potencializam a restituição
do indivíduo a ele mesmo, quando dessacralizam as verdades absolutas, as relações
humanas previsíveis e as respostas prontas. Em muitas unidades de ensino, a prática
docente repetitiva, autoritária e padronizada satura e engessa o conhecimento, que, por
sua vez, despersonifica a existência do ser humano. Dialoga-se com a compreensão de
que o saber prescrito não está desassociado da experimentação do mesmo pelos os
educandos, ou seja, problematiza se o que se ensina na sala de aula é o mesmo que o
estudante aprende ou não, e se aprende, como isto se protagoniza em algo favorável em
sua vida.
4 Considerações
Como a práxis docente de literatura, estruturada no teatro, na subjetividade e no
engajamento social do educador pode transformar o ambiente escolar e potencializar o
emancipação dos estudantes? Quais as significações (im)possíveis que a literatura pode
trazer para a diminuição do número de reprovação e de evasão escolar nas escolas da
rede pública? Uma das alternativas possíveis é a potencialização do ensino de literatura,
por meio de atividades docentes estruturadas em ações culturais (teatro, poesia e
música), marcadas por subjetividade (as relações humanas e seus vínculos afetivos) e
caracterizada por um engajamento social (educar para emancipar).
Muitas crianças, adolescentes e jovens abandonam a escola, por diversos
motivos, entre eles, a situação social de miséria e pobreza, a falta de estrutura familiar, a
aproximação com o tráfico e a violência geral, a baixa-estima, o desinteresse pelo
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ambiente escolar, as sucessivas reprovações e o desprendimento pela construção do seu
próprio futuro. Eles vivem impregnados de conformismo e invisíveis socialmente. Nesta
lógica perversa de descaso com estes jovens, não há tempo para uma política de
culpabilidade, e, sim, de (re)pensar as nossas responsabilidades enquanto docentes.
Lutar por uma escola que se aproxime dos seus sujeitos educacionais ao invés de
distanciá-los. Lutar pela elaboração de um currículo que reconheça a realidade e o
cotidiano dos estudantes ao invés de refletir valores excludentes e elitizados. Lutar pela
literatura que liberte ao invés de encarcerar os alunos na orfandade social. Lutar pela
práxis docente que defenda o protagonismo humano ao invés de defender a
arbitrariedade e a opressão. Neste contexto educacional e social, todas as iniciativas de
diálogo e problematização sobre os sentidos da escola e da práxis docente favorecem o
fortalecimento de uma escola democrática. As universidades públicas e privadas, as
secretarias de educação estaduais e municipais, as escolas e os movimentos sociais são
espaços privilegiados para a construção de um trabalho de parceria e cooperação que
vise uma escola pública qualificada e humana. Para Foerste (2005, p. 34), esta parceria
não pode afastar-se da pesquisa do cotidiano escolar, da investigação das
particularidades culturais e sociais que circundam os saberes e fazeres ofertados pelos
ambientes escolares e os saberes e fazeres adquiridos nas experiências vividas pela sua
comunidade estudantil:
Investigar o cotidiano da escola, os aspectos culturais que ali se manifestam
de múltiplas maneiras, mostram Lüdke e Moreira, é um movimento pelo qual
poderemos talvez tocar e compreender um pouco melhor a organização e o
funcionamento dos estabelecimentos escolares, as relações que ali se
estabelecem e os saberes que acabam sendo produzidos. Pensar reformas
educacionais descoladas do campo da prática educativa, sem discutir com os
profissionais de educação (universidade e escola básica) explicita uma visão
desfocada dos anseios democráticos, enfim, do verdadeiro papel da escola em
nossos dias no resgate da cidadania.
Dialoga-se sobre as práticas docentes que oportunizam a emancipação do corpo
discente. A escola como lugar de transformação e de apropriação do conhecimento, por
meio de um ensino literário inclusivo e prazeroso. Discutir o sentido da literatura
enquanto agente transformador do ser humano.
5 Referências
FOERSTE, Erineu. Parceria na formação de professores. São Paulo: Cortez. 1ª ed.,
2005.
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3584ISSN 2177-336X
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FREIRE, Paulo. HORTON, Myles. O caminho se faz caminhando: conversas sobre
educação e mudança social. Tradução: Vera Lúcia Mello Josceline. Petrópolis, Rio de
Janeiro: Vozes. 5ª ed., 2009. ___________. Shor, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Tradução:
Adriana Lopes. São Paulo: Paz e Terra. 13ª ed., 2011. ___________. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa.
São Paulo: Paz e Terra. 2011. GADOTTI, Moacir. Pedagogia da práxis. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire. 5ª
ed., 2010. GENTILI, Pablo. ALENCAR, Chico. Educar na esperança em tempos de
desencanto. Petrópolis. RJ: Vozes. 7ª ed., 2007. LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana: danças, piruetas e mascaradas. Tradução:
Alfredo Veiga-Neto. Belo Horizonte: Autêntica, 5ª ed., 2010. ___________. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Revista Brasileira
de Educação, nº 19, p.20-28, São Paulo: Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação, 2002. LEAHY-DIOS, Cyana. Língua e literatura. Uma questão de educação? Campinas,
SP: Papirus. 1ª ed., 2001. PERISSÉ, Gabriel. Literatura & Educação. Belo Horizonte: Autêntica Editora. 1ª ed.,
2006.
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LEITURA, ESCOLA E FORMAÇÃO DO LEITOR NA PERSPECTIVA
DA PEDAGOGIA SOCIAL
Letícia Queiroz de Carvalho
Instituto Federal do Espírito Santo
RESUMO: O artigo discute a convergência entre o campo teórico da Pedagogia Social e
o lugar da leitura nas escolas, considerando os pressupostos da teoria da Educação
Social e da prática de ensino da literatura. Metodologicamente, pretende-se examinar o
tema por meio de uma revisão bibliográfica das produções de autores representativos da
Pedagogia Social e da formação do leitor literário, bem como de obras referenciais de
ambos os campos teóricos que sustentarão nossa abordagem. A partir dessas
aproximações teóricas, algumas hipóteses de trabalho com a leitura nas escolas serão
apresentadas em meio ao campo conceitual da práxis educativa social.
Palavras-chave: Pedagogia Social; ensino; leitura.
.
INTRODUÇÃO
A Literatura não é um luxo. O acesso ao texto literário é um direito e uma
necessidade premente à formação humana, seja por suas funções psicológica, educativa
e de conhecimento do mundo, as quais atuam tanto no percurso formativo da escola
quanto adentram as camadas profundas da personalidade do leitor, de modo que a
interação com a obra literária possibilita o seu reconhecimento e identificação cultural
como sujeito imerso no cenário social, desenvolvendo o afinamento das suas emoções e
a sua abertura para a sociedade e o seu semelhante (CÂNDIDO, 2000).
É por isso que leitura e escola apresentam-se como um binômio temático que
tem motivado uma profusão de reflexões nos círculos acadêmicos e gerado inúmeras
produções teóricas que buscam subsidiar o escopo dos pesquisadores e estudiosos da
área de Letras. Mesmo assim, o ensino da literatura evoca, em nossas lembranças
escolares, práticas ainda descoladas das relações sócio-históricas, com as quais nos
colocamos frequentemente em contato. Embora o discurso educacional aponte evidente
preocupação com o assunto e enfatize, cada vez mais, a importância da leitura na escola
como um processo decorrente da interação social, é perceptível o distanciamento entre
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os projetos teóricos sobre a literatura escolar e as práticas de leitura do texto ficcional
que se efetivam na sala de aula.
É importante ressaltar, pois, que esse quadro paradoxal presente na formação do
leitor literário, em que o discurso sobre a importância da leitura não é coerente com a
sua escolarização, deve-se, entre outros fatores, à indiferença dos sujeitos envolvidos
nas práticas leitoras em relação à natureza da linguagem literária, em muitas situações
24do ensino sequer considerada por apresentar recursos expressivos que ressaltam sua
polissemia e uma pluralidade de sentidos que povoam o universo textual a partir do
encontro entre o autor, a obra e o leitor, elementos que dialogam e agregam valores,
experiências e visões diferenciadas acerca do mundo, da cultura e das questões sociais
que se apresentam nessas relações entre a literatura e a vida.
Desse modo, torna-se natural e esperada a relação entre os livros, a sociedade e o
repertório intelectual da comunidade de leitores que participa da experiência da leitura,
atividade dialógica por natureza, principalmente por apresentar-se como espaço de
interlocução entre mundos que se cruzam a partir das muitas vozes sociais que emergem
no universo ficcional e reverberam de forma inconteste as tensões sociais que se recriam
na edificação textual das obras literárias.
Sabemos que as palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos
e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios (BAKHTIN, 1997,
p.41). Nessa perspectiva, a palavra revela-se como produto das relações sociais em que
valores contraditórios se entrecruzam , tornando-se viva na interlocução entre os
sujeitos, de modo que a leitura configura-se nessa perspectiva como uma questão social
inconteste, em qualquer espaço potencialmente educativo no qual o texto literário não
represente apenas uma tarefa escolar ou um campo de ilustração da historiografia da
Literatura, mas sim uma ponte entre as experiências dos leitores e os traços verossímeis
das obras de ficção.
É por esse viés teórico que pretendemos discutir a convergência entre o campo
da Pedagogia Social e o lugar da leitura nas escolas, considerando os pressupostos da
teoria da Educação Social e da prática de ensino da literatura em uma perspectiva social.
Metodologicamente, pretende-se examinar o tema por meio de uma revisão
bibliográfica das produções de autores representativos da Pedagogia Social, bem como
de obras referenciais de ambos os campos teóricos que fundamentarão nossa
abordagem. A partir dessas aproximações teóricas, algumas hipóteses de trabalho com a
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leitura nas escolas serão apresentadas em meio às fundamentações teóricas basilares da
práxis educativa social.
Por isso, um breve contexto do surgimento da Pedagogia Social, bem como dos
seus pressupostos centrais será explicitado a seguir, para que as correlações propostas
fundamentem algumas proposições de práticas pedagógicas relativas à leitura na escola.
1. A PEDAGOGIA SOCIAL: ALGUNS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Em sua construção histórica, a Pedagogia Social já se constituía, de certa forma,
nos debates educacionais assumidos por filósofos e educadores, de Platão a Pestalozzi,
ainda que apresentassem à época uma perspectiva humanitária, filosófica ou política;
esses pensadores podem ser considerados precursores da Pedagogia Social. A primeira
obra que apresenta uma sistematização dessa ciência é publicada em 1898, escrita por
Paul Natorp e intitula-se ―Pedagogia Social. Teoria da educação e da vontade sobre a
base da comunidade‖, espaço em que o autor traz para a discussão educacional o
conceito de comunidade em oposição ao individualismo que era, ao seu ver, a causa dos
conflitos sociopolíticos da Alemanha. Por isso, propõe uma teoria sobre a Educação
Social como saber prático e teórico (MACHADO, 2008).
Caliman (2006) ressalta que o termo ―Pedagogia Social‖ é de origem alemã e foi
utilizado inicialmente por K. F. Magwer em 1844, na "Padagogische Revue", e mais
adiante por A. Diesterweg (1850) e Natorp (1898), autor que a analisa como disciplina
pedagógica, em meio às problemáticas sociais que emergiram no contexto alemão,
oriundas da industrialização, a partir da metade do século XIX, fatores que motivaram
tal sistematização da pedagogia social como ciência e como disciplina.
A Pedagogia Social emerge no contexto educacional brasileiro, a partir dos
processos sociais de redemocratização presentes em nosso país, na década de 80,
momento em que se institui, no dizer de Silva (2011), um novo marco normativo à
Constituição de 1988 e um cenário favorável à adoção desse referencial teórico como
uma Teoria Geral da Educação Social no Brasil.
Estima-se que esse campo teórico seja mais reconhecível em nosso país a partir
da educação não formal, dos movimentos sociais, das organizações não governamentais
e dos programas de projetos sociais - públicos e privados - que proponham novas
formas educativas que intervenham não apenas nos problemas escolares, mas também
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nas demandas resultantes das profundas mudanças da contemporaneidade, as quais não
se inscrevem apenas no ambiente da escola.
A Pedagogia Social também tem sido apresentada à sociedade brasileira
alinhada à concepção freireana de educação crítica e transformadora, a partir da qual se
constitui a base teórica que inspira o pensamento de intelectuais brasileiros dedicados à
sistematização do desenvolvimento desse campo acadêmico em nosso país, destacando-
se a ressocialização do indivíduo pela via da cultura, do trabalho e do resgate da sua
individualidade como cidadão que participa do movimento histórico-social do seu
tempo.
Ao defender uma educação que conscientizasse os homens da sua condição
social, Freire, de certa forma, posicionou-se contra os padrões oficiais de cultura, pois
para o autor
O importante, do ponto de vista de uma educação libertadora, e não
―bancária‖, é que, em qualquer dos casos, os homens se sintam sujeitos de
seu pensar, discutindo o seu pensar, sua própria visão do mundo, manifestada
implícita ou explicitamente, nas suas sugestões e nas de seus companheiros
(FREIRE, 1987, p.69)
Paulo Freire reconhece a importância das relações humanas com a realidade no
contexto das práticas educativas, uma vez que o resultado de estar imerso na vida social,
seja criando, seja recriando ou decidindo, permite que esse homem dinamize, humanize,
domine essa realidade, acrescentando-lhe algo, produzindo cultura, em uma postura de
vida não estática e criadora (FREIRE, 1967, p.43).
Em diálogo com a concepção educacional dialógica, participativa e
transformadora preconizada por Freire, o pesquisador Geraldo Caliman (2010, p.344)
ressalta que a Pedagogia Social, em meio a concepções distintas no cenário mundial,
pode ser caracterizada em nosso contexto como pedagogia voltada para a assistência em
casos de necessidade, com intenção preventiva e compensatória ou ainda atuar
criticamente em resposta às demandas sociais pautadas na solidariedade por meio do
desenvolvimento do voluntariado nas instituições de acolhida, prevenção, recuperação,
reinserção social, ou seja, ―uma pedagogia orientada para a ajuda e para o
empowerment da solidariedade social e cidadã‖.
Pinel, Colodete e Paiva (2012, p.2) esclarecem que os termos Pedagogia Social e
Educação Social não são sinônimos, pois a Pedagogia Social é uma disciplina científica;
uma teoria que irá fundamentar as ações da Educação Social, que é uma práxis. Os
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autores lembram também que uma está intrinsecamente ligada à outra, ―mesmo que se
diferenciem na produção discursiva (Pedagogia Social) para criar tentativa de
sustentação de uma práxis (Educação Social)‖.
A construção histórica da Pedagogia Social remete-nos ao contexto alemão do
final do século XIX, momento marcado por um quadro social crítico gerado pela
Primeira Guerra Mundial, cenário descrito por Machado (2008, p.3), ao considerar que
(...) a Pedagogia Social enfatiza o atendimento a problemas públicos da
sociedade da época, relacionados à infância abandonada, a jovens
inadaptados ou delinqüentes, a grupos marginalizados, à terceira idade, à
animação sócio-cultural, à educação permanente. Estabeleceu-se nesse
período, no país, uma política de atendimento às necessidades sociais,
objetivando melhoria de qualidade de vida do povo, com leis de apoio social
e assistencial à infância e à juventude, apoio às instituições sócio-
pedagógicas e aos trabalhadores.
Portanto, a práxis educativa dessa ciência reitera, desde as origens, a sua
proximidade dos grupos de desvalidos, marginalizados ou inadaptados na sociedade os
quais sempre buscaram condições de vida pautadas em melhorias qualitativas apoiadas
em leis e políticas públicas. Nesse sentido, as dimensões teórico-epistemológicas que se
configuram no estatuto acadêmico da Pedagogia Social poderão dialogar com essas
necessidades humanas, ainda presentes em nosso cenário, bem como orientar novas
práticas e ações que proponham caminhos menos desiguais para esses sujeitos.
Para enfrentar tais questões, pensadores, estudiosos atuantes nessa área do
conhecimento propõem a partir do IV Congresso Internacional de Pedagogia Social o
reagrupamento das práticas de Educação popular, social e comunitária em quatro
domínios distintos: 1- Domínio sociocultural; 2- Domínio sociopedagógico; 3- Domínio
sociopolítico e 4 – Domínio epistemológico, os quais convergem para a consolidação da
práxis da Educação Social, a partir da desconstrução da dicotomia formal x não formal.
Assim, a recuperação das dimensões histórico-culturais por meio de processos
artísticos, em suas múltiplas manifestações e modalidades, bem como o
desenvolvimento de habilidades e competências sociais capazes de levar os sujeitos
menos favorecidos à superação de condições marginalizadas com as quais possam se
deparar e o estímulo a práticas que propiciem o protagonismo e a participação política
desses cidadãos por meio da sistematização de princípios epistemológicos que
colaborem no enfrentamento da exclusão social, têm sido basilares para os aspectos
teórico-práticos presentes nas ações socioeducativas.
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Os objetivos da Pedagogia Social inserem-se, portanto, em um projeto de
sociedade em que todos os espaços e todas as relações sejam essencialmente
pedagógicos, a fim de se constituírem como parte entre a Educação Escolar formal e a
Educação não formal e possam elevar - se ao status de política pública, por meio da
observação dos seus princípios basilares: uma concepção de Educação como a própria
essência das relações do ser humano, consigo mesmo, com o outro, com a vida e com o
meio ambiente (SILVA, 2011).
Por isso, o viés da alteridade e do diálogo é traço essencial nas relações escolares
orientadas pelos princípios da Pedagogia Social, ciência que reitera em sua perspectiva
sociocultural a necessidade da recuperação das dimensões históricas, culturais e
políticas do público alvo desse tipo de intervenção pedagógica, a partir dos sentidos
produzidos nas interações em que as manifestações humanas se expressem por meio da
Arte, da Cultura, da Religião e do Esporte.
A partir dessas considerações, sob que ótica poderá ser pensado o ensino da
Literatura em diálogo com os princípios e domínios presentes na base epistemológica da
Pedagogia Social? As práticas de leitura na escola poderão se alinhar
metodologicamente ao quando teórico que embasa a ciência da Educação Social? Como
despertar o prazer pela leitura a partir da natureza social da Literatura?
A seguir, realizaremos algumas aproximações entre a leitura na escola e a
Pedagogia Social, destacando-se as especificidades do domínio sociocultural dessa
ciência, o qual permeia as atividades culturais dos sujeitos leitores, para que possamos
vislumbrar possíveis caminhos a esses questionamentos.
2. A LEITURA NA ESCOLA SOB A ÓTICA DA PEDAGOGIA SOCIAL
A literatura enquanto objeto de ensino tem suscitado debates e preocupações no
meio educacional. De um lado, estudiosos da área defendem o seu lugar na escola e o
viés pedagógico a ela atribuído por currículos e documentos oficiais; em contrapartida
há os que acreditam nos efeitos nocivos da escolarização da leitura para a formação
cultural do aluno.
Embates à parte, acreditamos na concepção humanizadora e formativa da
literatura proposta por Candido (2002, 2004), na qual o texto literário extrapola as
pretensões pedagógicas e curriculares presentes na escola e dialoga de forma intensa
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com a realidade social e as questões do nosso tempo. Se reconhecermos a importância
da literatura como componente cultural vinculado à nossa formação, seremos capazes de
criar situações na sala de aula em que os principais problemas que afetam o ensino de
literatura na educação sejam substituídos por uma prática docente pautada no diálogo,
na leitura efetiva das criações ficcionais e no reconhecimento das experiências dos
nossos alunos-leitores no ato de ler.
Quando Gonçalves (2002) analisa as relações entre educação e literatura,
encontramos algumas ideias que dialogam com nossas práticas ainda repletas de fissuras
entre o que teorizamos e o que podemos fazer com os livros e a leitura em suas
múltiplas vertentes na escola. Esse autor lembra que, na prática cultural
(...) a literatura não se situa no território de sombras de uma tradição de
cultura falida – algo feito para fruição e enfeite: ela é conhecimento
produzido historicamente, além de ocupar, na prática cultural, um lugar de
privilégio como exercício de liberdade, de inquietação e de perplexidade.
(2002, p.18)
Candido (2002) ressalta em seu texto ―A literatura e a formação do homem‖ que
a função educativa da Literatura é bem mais complexa do que é estabelecido
pedagogicamente na escola, pois no dizer do teórico a formação do leitor segundo a
pedagogia oficial costuma enfatizar a leitura como uma prática ideológica que veicula a
tríade famosa – O Verdadeiro, o Bom e o Belo, definidos de acordo com os interesses
de grupos dominantes, para que suas concepções e valores sejam reforçados.
Concordamos com o autor, quando afirma que a Literatura ―(...) Longe de ser
um apêndice da instrução moral e cívica (esta apoteose matreira do óbvio, novamente
em grande voga), ela age com o impacto indiscriminado da própria vida e educa como
ela, — com altos e baixos, luzes e sombras (CANDIDO, 2002, p.84).
Alinhado à concepção social de Candido, Todorov (2009, p.76) ressalta a
amplitude do texto literário em sua relação com a formação do leitor em suas condições
concretas de vida, ou seja, uma construção textual que pode estabelecer interlocuções
com o mundo e o percurso de cada um de nós, afinal
A literatura pode muito. Ela pode nos estender a mão quando estamos
profundamente deprimidos, nos tornar ainda mais próximos dos outros seres
humanos que nos cercam, nos fazer compreender melhor o mundo e nos
ajudar a viver. Não que ela seja, antes de tudo, uma técnica de cuidados para
com a alma; porém, revelação do mundo, ela pode também, em seu percurso,
nos transformar a cada um de nós a partir de dentro.
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Nessa perspectiva, emerge a seguinte questão: sob que ótica, a Pedagogia Social
poderá contribuir para que o ensino da Literatura e a formação do leitor possam
efetivamente sensibilizar escola, professores e alunos para a necessidade do texto
literário no processo formativo humano?
Essas questões são fundamentais, na medida em que a leitura na escola precisa
constituir-se como espaço dialógico por excelência, em que os textos provoquem nos
leitores respostas advindas das suas experiências sociais, dos seus repertórios de leitura
e da sua abertura para as situações que permeiam seu percurso formativo como cidadão,
a partir da consideração da historicidade dos conhecimentos e dos sujeitos da
aprendizagem; o respeito aos valores estéticos, políticos e éticos da educação nacional,
na perspectiva do desenvolvimento para a vida em sociedade.
Desse modo, o enfoque na história da literatura e no estudo dos textos dos
autores clássicos em detrimento de autores da contemporaneidade, a escolarização da
leitura literária, a utilização do livro didático como instrumento principal na exploração
da leitura literária, o ensino de literatura voltado para o vestibular e a prevalência de
uma proposta curricular ainda centrada numa concepção tradicional de ensino (JESUS,
2010, p.12) deverão dar lugar à interlocução entre o texto literário e a prática social.
A dimensão sociocultural da ciência da Educação Social pressupões aspectos
básicos, tais como: a) uma concepção dinâmica do ser humano e do social; b)
indivíduos e grupos responsáveis e comprometidos na definição e na gestão da sua
comunidade, e dos interesses e aspirações da mesma; c) uma tecnologia participativa e
ajustada a cada situação (COSTA, 2006).
A animação sociocultural, conceito fluido e ambíguo, sobre o qual não cabem
aqui maiores aprofundamentos, pode ser considerado muito mais do que apenas práticas
criativas ou de participação cultural comunitária, já que implica uma postura de vida e
uma concepção de homem e de sociedade em que as formas de fazer e viver
caracterizam um projeto de pessoa e de sociedade na qual cada indivíduo edifica o seu
próprio percurso na interação com os outros, no contexto de suas vivências.
A presença do professor nas aulas de Literatura poderá se alinhar à tendência da
animação sociocultural hodierna da mediação, cuja função imanente apresenta-se
correlata à ideia de ―por em relação‖, ressaltando uma postura para além do caráter
intervencionista e paradigmático dos projetos de leitura, os quais deverão observar
alguns caminhos metodológicos para o trabalho com o texto literário na escola, tais
como:
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a) Contextualização das condições de produção do texto a ser lido: apresentação aos
alunos de dados e curiosidades sobre o autor da obra e do momento histórico em que o
texto foi criado, ou seja, um breve quadro social desse contexto de criação do livro, para
que se busquem relações entre esse momento de produção e o momento vivido pelos
alunos-leitores.
b) Postura dialógica prévia à leitura: a partir das ilustrações, título, capa, contracapa,
orelha do livro, enfim, dos elementos paratextuais que compõem o objeto de leitura,
pode ser criado rico momento de interlocução entre professor e aluno, por meio de
questionamentos e inferências que trarão novos sentidos e concepções para o texto a ser
lido.
c) Diálogo entre o texto literário e outros artefatos e produções culturais: o texto
não se encerra no livro, pois traz em seu bojo a aproximação e a recriação da realidade,
por isso torna-se mais vivo se posto em diálogo com outras produções culturais –
filmes, músicas, peças de teatro, exposições de arte – que abordem temas, cenários e
contextos em que se possa ampliar a discussão iniciada pelo livro.
d) Estímulo à responsividade do aluno-leitor: o leitor ativo, participante e responsivo
é aquele que responde às provocações do texto literário. Tal possibilidade será
estimulada pela mediação do professor, por meio de perguntas, da leitura compartilhada,
das relações propostas entre o que se lê e o que circula socialmente em revistas, jornais,
televisão, internet e redes sociais.
e) Avaliação da leitura: as propostas avaliativas que se reduzam a fichas, questionários
ou questões formais em provas precisam ser abolidas da proposta docente no ensino da
Literatura. Devem ser pensados momentos de leitura que resgatem o repertório cultural
dos alunos, de modo a inseri-lo em debates e situações didáticas que analisem, discutam
e problematizem as questões sociais e humanas que atravessam os textos literários.
f) Ser um professor leitor: a mediação entre a leitura e os alunos será tão mais
interessante e significativa, à medida que o professor também seja um leitor das obras
com as quais propõe leituras e atividades. Conhecer antecipadamente o livro que a
turma lerá é condição essencial para a criação de atividades, questões e situações
criativas que acompanharão o processo.
Esses caminhos precisam ser agregados ao planejamento de uma prática leitora
em que se considere o aluno e a sua recepção do texto proposto, bem como a leitura
como espaço interlocutivo não apenas no contexto da escola, mas principalmente nos
espaços sociais pelos quais os alunos transitam e se constituem como cidadãos.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O artigo buscou aproximações entre os princípios teórico-metodológicos da
Pedagogia Social e o ensino da Literatura, por meio do diálogo entre os domínios
teóricos que fundamentam a ciência da Educação Social e a leitura como uma prática
inserida em um contexto social amplo, no qual a heterogeneidade cultural e discursiva,
bem como as questões da sociedade que permeiam as relações humanas precisam ser
agregadas ao trabalho com os livros.
Os caminhos metodológicos para o trabalho com a leitura escolar podem ser
pensados na perspectiva do encontro e do viés discursivo da linguagem, o qual
considera a diversidade das vozes e das concepções que permeiam o universo dos
nossos alunos, a partir das suas vivências e da forma como enxergam o mundo pela
ótica da ficção.
Quando se resgatam para as aulas de Literatura os princípios da Pedagogia
Social, resgatam-se também valores, temas, tensões e concepções que se apresentam nos
enredos ficcionais e nas vivências dos personagens, os quais embora seres habitantes do
mundo da invenção metaforizam as angústias, alegrias e subversões humanas, de modo
a fazer eclodir no contexto da sala de aula uma sensibilização e afinamento dos traços
de humanidade dos leitores.
Cabe, portanto, ressaltar que ler na perspectiva da Pedagogia Social é despertar
o aluno-leitor para as suas potencialidades como ser humano e social, de modo a
instigá-lo a pensar em si, na sociedade em que vive e nas possibilidades de transpor
determinismos a partir do universo ficcional.
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