psicoterapia existencial e a prática psicoterápica
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Psicoterapia Existencial e a prática psicoterápica
O objetivo deste trabalho é um estudo sobre a teoria e a prática da psicoterapia
na abordagem em Psicoterapia Existencial, onde nesta abordagem são utilizados os
pressupostos do método fenomenológico e da filosofia existencial.
A problemática proposta1 significa o estudo dos conceitos básicos do método e
da filosofia, que serão usados na teoria e prática da psicoterapia existencial.
A pesquisa se constituirá de uma introdução ao método fenomenológico e outra
introdução em filosofia existencial, logo depois será apresentada uma teoria de
personalidade elaborada a partir dos conceitos da Fenomenologia e do Existencialismo.
Com os fundamentos de uma teoria de psicologia em fenomenologia-
existencial serão apresentadas algumas teorias e práticas em psicoterapia.
A importância deste trabalho é apresentar os fundamentos teóricos e práticos
da abordagem em Psicoterapia Existencial.
A prática psicoterápica refletirá a filosofia na qual uma psicoterapia se apoiará.
Na psicoterapia existencial a fenomenologia e o existencialismo são os seus principais
fundamentos.
A fenomenologia, de acordo com Dartigues (s.d.,pp.1-18), etimologicamente é
o estudo ou a ciência do fenômeno, é um conceito muito amplo, com definições próprias
para alguns filósofos como para William Whewell, , J.H.Lambert, Kant, Hegel, Husserl
e outros. A fenomenologia de interesse neste trabalho é a proposta por E. Husserl, que
deu um conteúdo novo a uma palavra antiga.
Segundo Datirgues (s.d.,pp.18-27), Husserl cria o método fenomenológico, que
não pretende ser dedutivo, nem empírico, consistindo na descrição do fenômeno, tal
1 Anexo I
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como ele se apresenta, sem reduzi-lo a algo que não aparece. Considera como
fundamental a relação e como um princípio importante a seguir à “volta às coisas
mesmas”. Epistemologicamente, opõe-se à visão de sujeito e objeto isolados, passando a
considerá-los como correlacionados. A consciência é sempre intencional, pois, toda
consciência é consciência de alguma coisa e isto é o que caracteriza a intencionalidade
da consciência. Essa nova atitude proposta por Husserl se realiza com a análise
intencional, que conduz à redução fenomenológica
A redução não é uma abstração relativamente ao mundo e ao sujeito, mas
uma mudança de atitude — da natural para a fenomenológica — que nos
permite visualizá-los como fenômeno, ou como constituintes de uma
totalidade, no seio da qual o mundo e o sujeito revelam-se, reciprocamente,
como significações.( FORGHERI,1997,p.15 )
O Existencialismo é entendido como uma doutrina filosófica sobre o homem.
A palavra existencialismo começou a ser usada depois da primeira guerra
mundial para designar justamente o movimento de alguns pensadores e de alguns
literatos sobre a investigação de quem é o homem. Este movimento, que se estruturou
com mais força no entre guerras, teve suas raízes históricas no pensamento do filósofo
dinamarquês Kierkegaard. Homem angustiado,sensível e de espírito rebelde, se opôs ao
pensamento pós hegeliano dominante do seu tempo. A idéia central era reagir contra o
caráter universal, intelectual e determinista do hegelianismo, afirmando o interesse pelo
singular e pela vontade.O movimento existencialista ganha forças justamente a partir da
década de 20, uma vez que o entre guerras foi um período de muito sofrimento,
desespero e angustias. Estes temas se tomaram os temas preferidos dos existencialistas ,
pois estes se preocupavam em refletir sobre o que o homem estava vivendo naquele
instante Por outro lado, este movimento só veio a se expandir fora do contexto europeu
a. partir do fim da Segunda guerra mundial. A década de 50 foi, talvez a década de
divulgação do movimento existencialista. (ANGERAMI-CAMON, 1993, p.XXII).
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É necessário observar que, embora encontrando um número muito grande de
escritores ditos existencialistas - Buber, Buttmann, Guadini, Camus, Dostoevsky, e
outros; as obras consideradas clássicas existencialistas são as de Heidegger e Sartre, eles
utilizaram o método fenomenológico ao seu modo, cada um a partir de uma inspiração
pessoal, para concretizarem as suas reflexões sobre o homem. (ANGERAMI-CAMON,
1993, pp. XX-XXI)
A filosofia da existência pode ser caracterizada deste modo:
“Há toda uma série de conceitos, todos eles mais ou menos afins, e que
procuram dizer a mesma coisa, salientando unicamente certos aspectos
contidos todos nessa idéia central: o homem é liberdade, é transcendência, é
pro-jeto; o homem é esboço, possibilidade, abertura; a existência nunca é,
mas sempre se cria, se faz, se inventa; a ex-sistência precede a essência; o
homem não tem uma essência pre-determinada, fixa, dada uma vez para
sempre; o homem se dá uma essência”.(CARMO, 1974, p.72)
O existencialismo é a abordagem em psicologia que considera o homem
entregue ao mundo e a si mesmo, onde o eu constrói-se a cada ação. A existência
constitui-se em risco, e não há nenhuma garantia.
A psicoterapia existencial pressupõe uma visão de personalidade e como foi
proposto no projeto,2 os conceitos de personalidade apresentados aqui foi elaborado pela
professora Yolanda Forgheri (1997,p.XII) na sua tese de Livre-Docência, transformada
em livro.
O termo personalidade é aqui tomado como o conjunto de características do
existir humano, consideradas e descritas de acordo com o modo como são
percebidas e compreendidas, pela pessoa, no decorrer da vivência cotidiana
imediata tendo como fundamento os seus aspectos fenomenológicos
primordiais. Tais características constituem uma totalidade;a sua
organização em itens separados tem, apenas, o intuito de descrevê-las de
modo minucioso, para facilitar a sua compreensão. (FORGHERI,1997,p.25)
2 anexo 1
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Os pressupostos básicos de personalidade que serão apresentados, foram
retirados da obra de Forgheri (1997,pp.26-51):
Ser-no-mundo: o homem é essencialmente um ser-no-mundo. A experiência
cotidiana imediata é o cenário dentro do qual decorre a vida; ser-no-mundo é a sua
estrutura fundamental. É a partir e dentro dessa vivência diária que o homem
desenvolve todas as suas atividades, inclusive as científicas, e que determina os seus
objetivos e ideais. Precisa-se do "mundo" para saber onde se encontra e quem é.
Ser-no-mundo é uma estrutura originária e sempre total, não podendo ser
decomposta em elementos isolados. Entretanto, tal estrutura primordial
pode ser visualizada e descria em seus vários momentos constitutivos,
mantendo a sua unidade. É desse modo que podemos considerar os vários
aspectos do mundo e as diferentes maneiras do homem existi no mundo.
(FORGHERI, 1997, p.28).
"Mundo" é o conjunto de relações significativas dentro do qual a pessoa
existe; embora seja vivenciado como uma totalidade, apresenta-se ao
homem sob três aspectos simultâneos, porém, diferentes: o circundante, o
humano e o próprio. (BINSWANGER, apud FORGHERI, 1997, p.29).
Pode-se falar de 3 mundos: mundo circundante, humano e próprio.
O mundo circundante consiste no relacionamento da pessoa com o ambiente.
Abarca tudo aquilo que se encontra concretamente presente nas situações vividas pela
pessoa, em seu contato com o mundo. Abrangem as coisas, as plantas e os animais, as
leis da natureza e seus ciclos, como o dia e a noite, as estações do ano, o calor e o frio, o
bom tempo e as intempéries. Dele faz parte, também, o corpo, suas necessidades e
atividades, tais como o alimentar, o defecar, a vigília e o sono, a atuação e o repouso, o
viver e o morrer. Caracteriza-se pelo determinismo e por isso a adaptação é o modo
mais apropriado do homem relacionar-se a ele. É preciso adaptar-se ao clima frio ou
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quente, e assim ajustar-se às suas necessidades de comer e de dormir, pois nada pode
fazer para modificar o próprio clima e as necessidades biológicas.
Portanto, do mundo circundante fazem parte às condições externas e o corpo,
e é este que proporciona os primeiros contatos com aquelas. São as sensações que
propiciam ver, ouvir, cheirar tocar e degustar as coisas e as perceber com alguma
significação.
O mundo humano é aquele que diz respeito ao encontro e convivência da
pessoa com os seus semelhantes.
A relação do homem com outros seres humanos é fundamental em sua
existência; desde o nascimento ele encontra-se em situações que incluem a presença de
alguém.
O existir é originariamente ser-com o outro, embora o compartilhar humano
nem sempre seja vivenciado de fato.
Os seres humanos fazem parte da existência do homem, mas não são como os
animais, coisas e instrumentos pois, que a ele se apresentam de outra forma.
São e estão no mundo em que vêm ao encontro, segundo o modo de ser-no-
mundo... O mundo é sempre um mundo compartilhado com os outros.
(HEIDEGGER, 1988, pp. 169-170).
Os homens possuem a capacidade de compreender-se mútua e imediatamente,
por serem fundamentalmente semelhantes, embora na concretude de seu existir cada um
apresente algumas peculiaridades em seu perceber e em compreender as situações.
Diferentemente do relacionamento com o mundo circundante, no qual o ser
humano costuma utilizar-se dos objetos ou adaptar-se à materialidade do ambiente sem
deles receber uma resposta, no encontro com seu semelhante ocorre uma relação de
reciprocidade, na qual ambos influenciam-se mutuamente. O homem só pode saber
quem é como ser humano, convivendo com meus semelhantes.
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A relação e a comunicação entre as pessoas são propiciadas, pelo seu próprio
corpo, por meio de contatos e expressões corporais, gestos, atitudes e pela linguagem.
O fundamento da linguagem e de todas as formas de comunicação entre os
seres humanos é, originariamente, o seu ser-com, ou, em outras palavras, a sua
característica essencial de sempre existir em relação a algo e a alguém.
O mundo próprio consiste na relação que o indivíduo estabelece consigo, ou,
de outra forma, no seu ser-si-mesmo, na consciência de si e no autoconhecimento. Mas
o si mesmo não consiste num ensimesmamento, pois o homem é um ser-no-mundo, ou
seja sempre é uma pessoa com características próprias, em relação a algo ou a alguém.
São situações nas quais o homem vai vivendo, relacionando-se com o mundo
circundante e com as pessoas, que lhe vão possibilitando atualizar as suas
potencialidades, oferecendo-lhe as condições necessárias para ir descobrindo e
reconhecendo quem é.
O mundo próprio caracteriza-se pela significação que as experiências têm para
a pessoa, e pelo conhecimento de si e do mundo; sua função peculiar é o pensamento. O
pensamento considerado de um modo amplo que abrange todas as funções mentais
como o entendimento, o raciocínio, a memória, a imaginação, a reflexão, a intuição e a
linguagem.
Falar só é um falar no pleno sentido da palavra, quando eu mesma entendo
aquilo de que estou falando e sobre o que quero ser ouvida, compreendida e
confirmada, ou contestada verbalmente, por outra pessoa, ou mental e
silenciosamente por mim mesma. (FORGHERI,1997,p.33 )
Ao refletir sobre algo, dialogo comigo mesma acerca de conceitos, idéias e
significações, procurando relacioná-los e compreendê-los mas é também se
decidir a emitir juízos, dirigir o raciocínio de um modo metódico e resolvê-
los em diálogos.
A existência humana deve ser compreendida levando em conta os três
aspectos simultâneos do "mundo”: o circundante, que requer adaptação e
ajustamento; o humano, que se concretiza na relação ou nas influências
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recíprocas entre as pessoas; o próprio, que se caracteriza pelo pensamento e
transcendência da situação imediata. (FORGHERI,1997,p.34 )
A vivência cotidiana imediata é o modo primordial de existir; ela é global e
tem intuitivamente, um sentimento e uma compreensão pré-reflexiva do existir no
mundo.
Não se trata de um conhecimento racional acompanhado de emoção, nem
apenas de um estado interior ou de uma reação a algo, mas de um experienciar imediato
e global que abrange, numa totalidade, o homem e às situações, ou as suas lembranças,
ações e expectativas, antes que estas venham a ser elaboradas racionalmente.
Na vida cotidiana imediata não se compreendem os objetos como se existissem
em si mesmos, independentemente do homem, assim como o homem não se
compreende como um sujeito independente do mundo.
A preocupação e a sintonia são maneiras básicas de existir que se alternam
continuamente, no decorrer da existência e elas podem passar pela reflexão e analise,
sendo o modo racional outra maneira de existir.
A maneira preocupada de existir consiste em sentimento global de
preocupação, que varia desde uma vaga sensação de intranqüilidade, por cuidar de algo,
até uma profunda sensação de angústia, que chega a dominar o homem por completo.
Ela ocorre tanto em situações concretamente presentes na vida, como naquelas
em que apenas se faz lembrar de coisas já acontecidas, ou que tem receio de que
venham a acontecer, podendo surgir, também, sem que se perceba as razões de seu
aparecimento.
O desejar, o recear, o amedrontar-se, o afligir-se fundamentam-se, no cuidado,
ou preocupação por algo, que é inerente ao existir no mundo. A raiva e a agressividade
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ou a depressão que se costuma vivenciar quando se sente frustrado e contrariado
também são manifestações da maneira preocupada de existir.
A angustia é o modo mais originário e profundo do existir preocupado.
Quando está angustiado, fica-se muito aflito, sentindo impotente para se livrar da
aflição, pois a angústia não tem um objeto definido em relação ao qual seja possível se
envolver e agir, para superar. A angústia é a negação de todo objeto, ou, em outras
palavras, seu único objeto é a própria ameaça cuja fonte é o "nada".
Por este motivo procura-se transformar a angústia em medo, identificando-a
em objetos mais fáceis de serem vencidos.
Porém, tais objetos não são os responsáveis pela angústia, mas a própria
situação humana como tal, que nos revela, intuitivamente, a certeza de nossa própria
morte; esta é o fundamento de todas as ameaças que se tenta objetivar no decorrer da
existência.
A maneira sintonizada de existir, embora a preocupação e a angústia sejam
básicas em da existência, paradoxalmente, podendo vivenciar momentos de sintonia e
tranqüilidade, quando se encontra agradavelmente envolvido em algo ou com alguém.
A manifestação mais profunda da maneira sintonizada de existir consiste
numa vivência de completa harmonia de nosso existir no mundo.
Tal vivência de completa sintonia dura apenas alguns instantes, os quais, de
certo modo, não têm duração objetiva, pois neles se fundem, paradoxalmente, o espaço
e o tempo, o finito e o infinito, o momento concreto e a eternidade, e todas as
particularidades do ser humano e do mundo. Mas, além de acontecer algumas vezes, e
apenas por alguns instantes, de forma tão ampla e profunda, a maneira sintonizada de
existir ocorre, mais freqüentemente, de modo menos intenso, consistindo apenas num
tênue e agradável sentimento de bem-estar e tranqüilidade.
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Na maneira racional de existir, tanto a maneira sintonizada como a
preocupada — das quais se tem compreensão e sentimento pré-reflexivos na vivência
cotidiana imediata — costumam ser submetidas à reflexão e análise para que delas
possa ter um conhecimento racional.
Como seres racionais, o homem tem necessidade de analisar a sua vivência
cotidiana imediata para conceituá-la e estabelecer relação entre suas experiências,
elaborando desse modo um conjunto de conceitos, relacionados por princípios
coerentes, que se permitam explicá-las. Isto fornece elementos, de certo modo objetivos,
para conhecer o seu existir no mundo, e elaborar uma "teoria" sobre o mesmo, que se
possa oferecer alguma segurança, tanto para explicar as situações que já se viveu ou está
vivendo, como para planejar as ações futuras.
Temporalizar consiste em experienciar o tempo, sendo esta a vivência que
mais próxima se encontra de seu próprio existir: o fundamento básico da existência
humana e esta se constituem o sentido originário do existir.
Existir e transcender possuem o mesmo significado que é o de lançar-se para
fora, ultrapassar a situação imediata, que também quer dizer temporalizar.
A existência humana consiste em estar continuamente saindo de si mesma,
transcendendo a situação imediata, em direção a algo que ainda poderá ser para
completar-se, ou totalizar-se. Por isso, o ser humano, como existente, nunca poderá
completar-se, ou totalizar-se durante a sua existência, embora a morte seja a sua maior e
mais profunda certeza. A morte faz parte da vida, apenas no modo como se pensa e se
relaciona com as idéias de ser ela o derradeiro fim, e é apenas incluindo-a em reflexões
que se terá condições de encontrar o verdadeiro sentido da existência própria.
Existir implica, para o ser humano, em prosseguir em direção ao futuro, cuja
abertura de possibilidades não se limita a uma projeção do passado; tal prosseguimento
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requer, também, correr o risco de se soltar na fluidez e imprevisibilidade do futuro; e
este se soltar só pode ser encontrado na vivência imediata, pré-reflexiva.
Espacializar consiste no modo como se vivencia o espaço na existência. O
espacializar em seu sentido mais profundo e originário, não se limita onde está ou o
espaço que ocupa fisicamente, pois possui outras qualidades, que se manifestam em
nossa vivência cotidiana pré-reflexiva.
O ser humano, além de se encontrar concretamente num determinado lugar,
tem compreensão de seu próprio existir no mundo, relativo tanto ao local e instante
atuais como a outros vividos anteriormente, e também àqueles que deseja ou receia vir a
experienciar. O seu espacializar não se limita ao "estar aqui", pois inclui o "ter estado
lá" e o poder vir a "estar acolá", reunidos numa compreensão global. Isto significa que o
espacializar é passível de tal "expansividade" que ultrapassa os limites do próprio corpo
e do ambiente concreto que o circunda; essa “expansividade” pode ser mais ampla ou
mais restritiva, de acordo com a compreensão e o modo como se sente em seu existir no
mundo.
Escolher: A existência é uma abertura à percepção e compreensão de tudo o
que a ela se apresenta. Tal abertura é a condição da liberdade humana, pois é ela que
proporciona a amplitude das possibilidades de escolha, no decorrer da existência.
Pode considerar que a liberdade de escolher é tanto maior quanto mais ampla
for a abertura do ser humano à percepção e compreensão de sua vivência no mundo.
Essa abertura requer, também, que a compreensão esteja de acordo com a realidade; a
compreensão deve ser verdadeira para que a escolha não venha a ser apenas uma
quimera, ou uma ilusão. Entretanto, não há uma verdade existente por si mesma, que
proporcione ao ser humano nela fundamentar-se para efetuar as suas escolhas; existem
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apenas possibilidades que são confirmadas, ou não, em situações particulares, nas quais
ele se comporta de um ou outro modo.
É tudo isto que confere à decisão da escolha o seu caráter de liberdade e de
responsabilidade, pois se o ser humano soubesse tudo com certeza, antes de se decidir,
não estaria sendo livre, mas determinado pela objetividade de seus conhecimentos, que
lhe indicariam uma única escolha: a verdadeira, ou a mais acertada.
A própria necessidade de ter de efetuar uma escolha entre várias possibilidades
já contém o fundamento de limitação como ser humano: indicando que não se pode
escolher e concretizar, simultaneamente, todas as potencialidades.
Todas as considerações que teci a respeito da necessidade que temos de
fazer escolhas, e agir no sentido de concretizá-las, não têm o intuito de
reduzir a existência apenas ao nível da ação, pois o ser humano não se
encontra restringido àquilo que faz, ou está fazendo, mas também tem
possibilidades futuras, que podem vir a transformar a sua vida. A abertura
para as minhas possibilidades e os meus projetos faz parte integrante do meu
existir, propiciando-me vivenciar a liberdade tanto para mantê-lo na mesma
direção, como para mudá-lo completamente. Mas, para isto, é necessário que
eu não me mantenha, apenas, nas conjecturas e nos projetos, mas que aja no
sentido de concretizá-los. Sob outro aspecto, os projetos, as conjecturas e até
mesmo as ilusões e os sonhos fazem parte de nossa vida, estimulando-nos a
seguir em frente e, de certo modo, fortalecendo-nos para enfrentar a
"dureza" dos infortúnios e as limitações da realidade; entretanto, se
permanecermos apenas neles, não chegaremos a dar conta da realização de
nossa própria existência. Às vezes conseguimos até transformar os sonhos
em realidade, o que acontece quando nos empenhamos nesse sentido,
conseguindo encontrar as possíveis relações existentes entre ambos.
Portanto, o sonhar, o conjecturar e o escolher, o planejar e o agir fazem parte
de nossa vida, complementando-se mutuamente, no decorrer da mesma.
(FORGHERI, 1997, p.50).
Ao fazer uma escolha estará realizando um projeto, e desta forma serão
obrigados a renunciar a muitos outros, entre os quais, alguns jamais poderão ser
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retomados, e ao surgir à culpa, será ele inerente ao próprio existir humano, pois nunca
se encontrará condição de realizar todas as nossas possibilidades.
Como foi proposto no início do trabalho, serão apresentados alguns dados da
atuação do psicólogo na Psicoterapia existencial, exemplificados pelo trabalho de
pesquisa realizado por Ana Maria Lopes C. Feijoo. (2000, pp.121-130).
Exemplos de alguns temas:
A culpa existencial – Pode aparecer como lamentação das possibilidades que
não foram escolhidas, desta forma: "Ah! Se eu tivesse...". A queixa fica em torno
daquilo do qual no passado se abriu mão.
No existencialismo, a culpa existencial caracteriza-se pelo aprisionamento do
existente aos acontecimentos passados. Dessa forma, não se lança para o futuro. A
culpa, para Kierkegaard, se dá pelo fato da liberdade não ter sido exercitada em suas
possibilidades. Para Heidegger, trata-se do débito que, sob a forma de lamentação,
clama pelo devir como ser mais próprio.
O medo existencial - Expresso pelo cliente através da paralisação no presente.
Acreditando não escolher, acredita que não corre risco, por imaginar que desta forma
controla tempo. A fala pode ser: “Prefiro esperar que as coisas se resolvam por si
mesmas”.
Heidegger afirma que a disposição para o mundo dá no modo dos
sentimentos fundamentais: temor e angústia. O risco está implicado em cada
escolha: quando uma direção tomada, todas as outras são abandonadas, sem
se ter certeza qual seria a melhor escolha. (FEIJOO, 2000, p.123.).
A angústia existencial - Um sentimento de estranheza, de inquietude, onde se
fala: "um não sei o quê", “Está tudo bem. Mas eu me sinto estranha como se as coisas
não estivessem bem na minha vida”.
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O psicoterapeuta existencial atua mantendo a angústia frente àquilo que
sustenta a questão, não facilitando a fuga para o impessoal. Pode atuar da seguinte
forma: "Mesmo tudo em torno de você esteja bem, em você mesma as coisas vão mal.”.
A perda no impessoal - Perde-se o próprio referencial. No discurso revela-se a
incapacidade de tomar decisões: pergunta sempre ao outro sobre como deve agir,
inclusive ao psicoterapeuta. Sente-se perturbado pelas observações do outro ao seu
respeito. Fala do cliente: “Eu não sei, mas você que é psicóloga deve saber”.
A perda do próprio referencial é revelada pelo pleno desconhecimento do seu
sentido, do seu projeto, desconhecendo também os próprios referenciais. A pessoa fica à
mercê do que lhe dizem, das normas que lhe são impostas. Perde-se no mundo, não sabe
o que é seu e o que é do outro.
O psicoterapeuta pode atuar de forma a buscar, juntamente com o cliente, seus
referenciais, o que lhe é próprio. Deve cuidar para que as suas crenças não sejam jamais
passadas ao cliente e também cuidar para que não indique qualquer caminho ao cliente,
mesmo que este insista que direções lhe sejam indicadas.
A rigidez frente ao referencial próprio - O homem perde-se em si mesmo e
desconsidera o mundo ao seu redor. O homem, na condição de compreensibilidade,
percebe seus critérios como sendo o referencial do mundo. Vive tão autocentrado que,
qualquer situação em oposição ao que ele acredita, constitui-se em um grande erro, e
tem a intenção de atingi-lo.
A princípio, e até mesmo ao longo de todo o processo, a postura do
psicoterapeuta é de aceitação e centrada no próprio relato do cliente, tentando
astutamente descentrar o referencial do cliente na sua própria ação.
Um projeto de aceitação e aprovação por parte do outro: Segundo Feijoo,
o discurso do cliente revela-se de forma reticente, pois espera conhecer um pouco mais
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do outro, para poder mostrar-se de acordo com a expectativa daquele com quem se
relaciona. Nos primeiros contatos, a ansiedade é característica, parecendo inseguro,
frágil.
O psicoterapeuta, nestes casos, deve atuar de forma atenta, pois, se deixar
transparecer suas expectativas, é segundo tais expectativas que o cliente vai se revelar.
A dificuldade de assumir o sofrimento como possibilidade - A minimização
do sofrimento aparece no relato do cliente, foge da situação, evita-a ou distorce-a. Na
fala vem: "não é bem assim”, "ele não é tão ruim”.
O psicoterapeuta existencial pode manter a angústia frente à estranheza do
cliente de si próprio. Mesmo que o cliente insista em esconder-se de si próprio, o
terapeuta insiste, sutilmente, nos indícios, a fim de que o cliente tenha a oportunidade de
se confrontar com a sua estranheza.
A Maximização do sofrimento – O Cliente mostra-se autopiedoso. O relato é
cheio de lamentação. Vê o mundo com uma desconfiança, e dar uma maior amplitude
ao seu sofrimento.
Relato do cliente: “Ninguém na minha casa me entende, ninguém liga para
mim. Eu faço tudo por eles, mas quando eu preciso me abandonam, ninguém deixou de
viajar porque eu estava sofrendo, não consegui o emprego e eles até gostam, estavam
felizes porque iam viajar”.
Não-aceitação dos próprios limites - Muitos clientes mostram-se insatisfeitos
com suas condições, sejam financeiras, intelectuais ou sociais. Queixa-se até mesmo da
sua constituição física ou motivacional. Lutam desesperadamente a fim de tornarem-se
aquilo que sua originalidade não permite.
O medo da solidão - Ao perceber-se como lançado e esta condição como algo
inevitável, a pessoa agarra-se ao outro como se agarra à vida. Aceita qualquer
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imposição, mesmo que para tal tenha que abrir mão daquilo que em si mesmo lhe é mais
próprio.
Desconhecimento das próprias possibilidades - Suas realizações são ditadas
pelo social, assume o que é mais bem visto. Neste caso, modo de ser do impessoal
obscurece a existência.
Projeto idealizado de si mesmo - Não aceita cometer erros, equivocar-se.
Está-no-mundo para realizar-se como perfeição, tendo de dar conta de todas as
possibilidades. Acredita que assim não sentirá culpa embora, com relação ao passado,
sinta-se sempre em que falta algo.
Falta de diálogo consigo próprio - Fala de tudo e de todos, mas não fala de si
mesmo. Vive na curiosidade.
Não-liberdade - Transfere toda a responsabilidade de sua vida ao outro, ao
acaso, a Deus, à energia do mundo. Todos são responsáveis pêlos rumos de sua vida,
não reconhece suas escolhas.
O psicoterapeuta pode atuar, pouco a pouco, apontando suas escolhas, com
muito cuidado para que o cliente não oponha resistência.
Já foram apontadas algumas das possibilidades de intervenção do
psicoterapeuta. O importante na psicoterapia existencial é trabalhar no cliente a
consciência de sua liberdade, a responsabilidade e a ação.
Outras possíveis intervenções podem ser: Informativa, Avaliativa, Apoio,
Adversativa ou paradoxal, Exemplificadora, Definidora, Exploradora do cotidiano,
Focalizadora do aqui e agora.
Podem ser úteis para os psicólogos existenciais alguns procedimentos
sugeridos, por Feijoo(2000, pp.116-117 ). Estes procedimentos foram inspirados no
pensamento de Kierkegaard3:
3 Anexo 2
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1º) Pela impossibilidade de destruir uma ilusão por via direta, deve-se então fazê-lo por
meios indiretos. Só assim a ilusão pode ser arrancada pela raiz.
2º) Quando se pretende ajudar o outro, deve-se promover a aproximação, permanecendo
na situação de acompanhar aquele que está sob a ilusão.
3º) A fim de atacar com disposição a ilusão, deve-se chegar até ele, para então poderem
caminhar juntos.
4º) É importante ter paciência, pois com impaciência pode-se acabar fortalecendo a
ilusão. Faz-se necessário ser cuidadoso para poder dissipar a tal ilusão.
5º) Para levar um homem ao seu centro é preciso chegar onde ele se encontra e começar
por aí.
6º) Para se ajudar o outro se deve entender mais do que ele entende, mas antes de tudo
deve-se entender o que ele entende. Se assim não for, a ajuda de nada lhe valerá. Tudo
começa quando se pode entender o que o outro entende e a forma como entende.
7º) Deixar o orgulho, se orgulhoso, de ter mais conhecimento que o cliente. O autêntico
esforço para ajudar começa com uma atitude humilde. O que ajuda deve colocar-se
como desconhecendo mais do que aquele a quem ajuda. .
8º) Apenas se chega até aquele que está equivocado, mostrando-se um ouvinte
complacente e atento.
9º) As interpretações poéticas e o emprego de metáforas, muitas vezes, ajudam aquele
que fala do seu sofrimento, sem que ele saiba que não se compartilha de sua paixão e,
sim, que se quer livrá-lo dela.
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10º) Deve-se ser um ouvinte que senta e escuta o que o outro encontra mais prazer em
contar, sem assombro.
11º) Apresentar-se com o tipo de paixão do outro homem: alegre para os alegres, em
tom menor para os melancólicos, facilita a aproximação.
12º) Chegar a ser o que se é consiste em chegar à interioridade através da reflexão, ou
ainda significa desembaraçar-se dos laços da própria ilusão, o que também é uma
modificação reflexiva.
Conclui-se que é do ser humano o “ser-com”; faz parte da estrutura do homem
“ser com outro e para outro”, a terapia vai falar desta relação e sem relação não há
terapia. Quanto mais se falar e pesquisar esta relação mais estaremos contribuindo para
o conhecimento do homem.
A problemática apontada neste trabalho, trata-se de uma introdução ao
existencialismo e a fenomenologia, e com a possibilidade de se fazer uma psicologia
fenomenológica-existêncial.
Na psicoterapia existencial, a própria teoria e a prática com as suas
intervenções apresentam infinitas possibilidades, tantas quantas são infinitas as
singularidades de encontros entre terapeutas e clientes. Aqui foram estudadas algumas
destas possibilidades práticas-teóricas.
Este trabalho teve por objetivo principal o estudo e o conhecimento da
Psicoterapia existencial como uma proposta teórica e prática válida em terapia, não teve
a pretensão de esgotar o tema. Sendo este trabalho somente uma introdução, o tema
poderá ser mais aprofundado e pesquisado. A intenção deste trabalho é que possa
inspirar outras pesquisas.
Juiz de Fora, 04 de junho de 2002.____________________________
Julio Cezar Fernandes Pinto
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Referência bibliografia:
ANGERAMI-CAMON, Valdemar Augusto. Histórias psi: A ótica existencial em
Psicoterapia. São Paulo: Pioneira,1995.
ANGERAMI-CAMON, Valdemar Augusto.(Org.). Prática da psicoterapia. São
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