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  • 8/13/2019 Publico e Privado - CHAT3 Texto 1 Tarso Violin

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    Nmero 13 maro/abril/maio 2008 Salvador Bahia Brasil - ISSN 1981-1888

    UMA ANLISE CRTICA DO IDERIO DO "TERCEIROSETOR" NO CONTEXTO NEOLIBERAL E AS

    PARCERIAS COM A ADMINISTRAO PBLICA

    P r o f . T a r s o Cab r a l V i o l i n Diretor Jurdico da Companhia de Informtica do Paran - CELEPAR. Mestre em

    Direito do Estado pela Universidade Federal do Paran. Professor de DireitoAdministrativo da Universidade Positivo. Coordenador e Professor da

    Especializao em Direito do Terceiro Setor do UnicenP. Autor do livro TerceiroSetor e as Parcerias com a Administrao Pblica: uma anlise crtica (editoraFrum). Conselheiro Editorial da Revista de Direito do Terceiro Setor (Frum).

    Advogado e Consultor Jurdico em Licitaes e Contratos Administrativos, DireitoAdministrativo e Direito do Terceiro Setor.

    O presente trabalho a concluso da dissertao apresentada junto Universidade Federal do Paran para fins de obteno do grau de mestre deDireito do Estado, em 2006, a qual obteve a nota mxima (10,0), soborientao do Prof. Dr. Romeu Felipe Bacellar Filho. Foi publicada no mesmoano pela editora Frum sob a denominao Terceiro Setor e as Parcerias coma Administrao Pblica: uma anlise crtica.

    No presente estudo nos propusemos a criticar o discurso neoliberal-gerencial hegemnico na atualidade, fortalecido no final do sculo XX, que vem

    dominando o cenrio nacional e internacional, tanto nos pases centrais quantonos perifricos e semi-perifricos. Tentamos fazer um contraponto s doutrinasdefensoras do neoliberalismo e do gerencialismo que propugnam pelo Estadomnimo, apenas regulador, fomentador do chamado "terceiro setor" comoprestador dos servios sociais, por meio de parcerias entre a sociedade civil eo Estado.

    Preliminarmente, importante ressaltar que temos vriosquestionamentos quanto ao Estado como o encontramos, com suasdeficincias, distores, opresses, volpia na cobrana de impostos sem odevido gasto social, sua utilizao como instrumento de manuteno do grande

    capital, etc. Por isso, defendemos um outro Estado, com a correo de suasfalhas (como por exemplo com o aperfeioamento da burocracia, o sistema

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    eleitoral, os institutos de participao social), no sentido desta sociedadepoltica se transformar num instrumento real de justia social, atuandopositivamente, assegurando os direitos fundamentais sociais (e no apenas osdireitos individuais), a dignidade da pessoa humana, a isonomia, a liberdade

    substancial para todos (e no apenas para os detentores do capital). Enfim, umEstado radicalmente democrtico e participativo, com um controle socialefetivo, sem individualismos, vigoroso e vinculado aos problemas sociais, noapenas rbitro dos conflitos existentes, sem sua reduo, mas dando-lhe umaoutra qualidade.

    A discusso anterior queda do muro de Berlim, sobre comotransformar a sociedade, se pela revoluo contra o Estado ou reformismo peloEstado, deu lugar reforma do prprio Estado e da Administrao Pblica, naverdade uma contra-reforma, antagnica s que garantiram vrios direitossociais no decorrer do sculo XX, assegurados em nosso pas principalmente

    pela Constituio de 1988. Estas reformas do Estado so influenciadas pelocapitalismo global, pelo Consenso de Washington, pelo neoliberalismo e pelogerencialismo.

    O neoliberalismo, com o discurso de que o Estado est em crise,defende uma sociedade poltica fraca e ao mesmo tempo forte. Sustenta oEstado fraco na interveno da ordem econmica e social, com gastosirrisrios na rea social, um Estado mnimo e irresponsvel; mas forte namanuteno do status quo e garantidor dos interesses e das exigncias docapitalismo global, para o bom funcionamento do mercado, para arestruturao e acumulao do capital, para romper o poder da sociedade civilorganizada e questionadora, com um Direito penal que reprima a resistnciados excludos. Enfim, um Estado com funes apenas legislativas, judicirias,regulatrias e de polcia e de forma alguma prestadoras de servios pblicos.

    Somos contrrios relao muito difundida pelos neoliberais de que oEstado prestador de servios necessariamente antidemocrticoe bloqueadordo controle social, pois o liberalismo e sua nova faceta neoliberal que temuma lgica autoritria, ao no proporcionar a liberdade substancial doindivduo, permitindo a livre caa do mercado como lobo em pele de cordeiro,alm de deixar as grandes decises nas mos do grande capital. No podemos

    permitir que haja apenas uma democracia formal que no propicie umaparticipao efetiva da sociedade civil. Apenas lembramos que o ideriogerencial-neoliberal proclama um maior controle social da populao sobre oEstado, o que apenas discurso para aumentar sua hegemonia, pois seuiderio no permite a participao do cidado, talvez apenas a do cliente-consumidor. O neoliberalismo, assim, defende uma democracia formal, masno uma democracia radical, o que para ele seria uma exagero de poder nasmos do povo. Deixa para as organizaes do "terceiro setor" apenas asdecises de menor importncia, entidades estas que, de qualquer forma, notm seus dirigentes eleitos pelo povo, o que gera um esvaziamento do poderdemocrtico. Note-se, ainda, que o repasse de atividades ao "terceiro setor",

    ao retirar seu controle do mbito estatal e do direito pblico para o do direito

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    privado, diminui as possibilidades de controle democrtico e de pressopoltica.

    Em nossa anlise, verificamos que os servios sociais, por obrigao

    constitucional, devem ser executados diretamente pelo Estado, em regime dedireito pblico, quando sero denominados como servios pblicos sociais.Este dever constitucional do Estado de prestar diretamente os serviospblicos sociais ainda mais justificado nos pases perifricos esemiperifricos, onde o Estado no cumpriu minimamente o seu papel, onde oEstado do bem-estar no completou sua obra, com a existncia de umaabsurda desigualdade social, ao contrrio da realidade dos pases centraisdesenvolvidos. Enfim, nos pases perifricos e semi-perifricos, na AmricaLatina, no Brasil, o Estado ainda tem um papel fundamental na interveno daeconomia e na prestao de servios pblicos, ainda no sendo possvel quese prescinda de um Estado atuante. Em nossa realidade, o Estado necessrio

    um Estado provedor, prestador de servios pblicos, que permita reduzir asdesigualdades existentes.

    Saliente-se que no defendemos um Estado responsvel direto portodas as utilidades necessrias populao, o Estado mximo, mas que seja oprincipal ator, ainda mais nos servios sociais, mesmo porque aplicamos oprincpio da subsidiariedade (prega que agrupamentos de ordem inferiorexeram funes que eles prprios podem desenvolver, ao invs dacoletividade mais vasta e elevada). Este princpio, difundido pela doutrina socialda Igreja Catlica, mais afeto ao Estado social do que ao prprio Estadoneoliberal (por mais que muitos defensores do gerencial-neoliberalismo o citemcomo fundamento para o Estado mnimo). Enfim, a aplicao do princpio dasubsidiariedade nos pases subdesenvolvidos nos remete necessidade de umEstado interventor e prestador de servios, uma vez que o "terceiro setor" e omercado no so suficientes para garantir a emancipao do indivduo, o fimdas desigualdades, uma sociedade justa. Assim, exemplificativamente, se naEuropa ocidental a aplicao do princpio da subsidiariedade nos leva diminuio da atuao direta do Estado e repasse dos servios sociais ao"terceiro setor", no h como esta regra ser seguida, ipsis litteris, em nosso todesigual pas.

    Destarte, h possibilidade de atuao tambm da iniciativa privada naprestao de servios sociais, tanto pelo "terceiro setor" (de preferncia),quanto pelo mercado. Neste caso, no ser concesso ou permisso, masautorizao do Poder Pblico, que controlar a execuo dos servios sociais,situao que ter tratamento normativo mais restrito que as demais atividadesprivadas.

    Alm de prestar servios, o Estado pode fomentar a iniciativa privada,para que esta execute atividades de interesse pblico. O fomento pode serprovidenciado de vrias formas, entre elas o fomento econmico financeirodireto, com o desembolso de dinheiro pblico s entidades que atuem pelo

    atendimento do interesse pblico, por meio de subvenes, auxlios,contribuies, convnios, contratos de gesto e termos de parceria.

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    Sobre a burocracia, defendemos o Estado social e o seu aparelhoburocrtico, que no so, obrigatoriamente, ineficazes, parasitrios, corruptos,corporativos, clientelistas, com polticos e servidores esprios, como pretendefazer acreditar o discurso gerencial-neoliberal. Se o Estado e sua burocracia

    tm estas caractersticas, isso se deve ao prprio resqucio liberal-patrimonialista, modernizado e at reforado pelos ideais do gerencialismo e doneoliberalismo. Sustentamos que a Administrao Pblica burocrticaweberiana, racional, eficiente, previsvel, substancialmente democrtica,contrria ao patrimonialismo, no deve se sobrepor prpria poltica. Ou seja,deve haver um controle poltico e social desta burocracia, de forma efetiva.Ressaltamos, com pesar, que esta Administrao Pblica burocrtica nuncachegou a ser realmente implementada no Brasil, pois desde os primrdios daAdministrao brasileira at o Governo de Luiz Incio LULA DA SILVA, nuncaconseguimos separar o Estado dos interesse privados. Pelo contrrio, com atentativa de implementao do gerencialismo em nossa Administrao Pblica,

    houve um retrocesso ainda maior ao patrimonialismo, aps o desmonte estatalprovidenciado pelos Governos de Fernando COLLOR DE MELLO e FernandoHenrique CARDOSO, e seus representantes e seguidores nos estados emunicpios brasileiros.

    O neoliberalismo-gerencial vem sendo responsvel pela expanso dono-Estado, do Estado margem, do Estado comprimido, com adesconstruo do Estado ampliado, democrtico, social, e do seu aparelho, aAdministrao Pblica. Torna o Estado um inimigo a ser combatido, numasociedade em que apenas os melhores podem progredir, na qual adesigualdade um valor positivo, no redundando em melhor distribuio derenda, maior integrao social, mas apenas mais mercado, num projetoregressivo. Assim, ao invs de melhorar o Estado e a Administrao Pblica,pretende substitu-los pelo privatismo.

    O neoliberalismo vem conquistando a hegemonia, conseguindoadeptos entre suas vtimas, com seu "canto da sereia", por mais que muitos ocombatam. Os que ainda "remam contra a mar", enquanto no tm umareceita alternativa para apresentar, ou tm uma receita difcil de serimplementada a curto prazo, em face realidade mundial, devem defender oque resta do Estado, e no, juntamente com os neoliberais, torcerem para o

    seu enfraquecimento, porque o que surgir em substituio no a sociedadecivil organizada, os novos movimentos sociais, mas o mercado, as grandes eambiciosas empresas transnacionais, sem ningum forte o suficiente pararegulament-los.

    Resistimos ainda ao termo "publicizao" utilizado pela reformagerencial-neoliberal, ao afirmarmos que trata de privatizao em sentido amplo,tanto a celebrao de contratos de gesto com as organizaes sociais quantoos termos de parceria com as OSCIPs. Extinguir ou desestruturar rgos daAdministrao Pblica direta ou entidades da indireta, e proporcionar que umaentidade privada sem fins lucrativos exera as atividades antes realizadas

    diretamente pelo Estado nada mais do que uma privatizao lato sensu. ,tambm, uma delegao, no nos mesmos termos das famosas concesses e

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    permisses de servios pblicos cuja titularidade do servio do Estado, masum repasse de responsabilidades estatais para entidades privadas.

    Adotamos no presente trabalho a teoria gramsciana da concepo

    ampliada do Estado nas chamadas "sociedades ocidentais", onde h umarelao equilibrada entre a sociedade poltica e a sociedade civil, e o centro daluta de classe est na "guerra de posio", numa conquista progressiva deespaos na sociedade civil, da hegemonia, para posterior acesso econservao do poder. Neste caso, a sociedade civil, juntamente com asociedade poltica, faz parte da superestrutura. O Brasil pode ser consideradocomo uma sociedade ocidental. Nas "sociedades orientais" a luta de classes setrava visando a conquista explosiva do Estado restrito, nas quais o movimentorevolucionrio se expressa como "guerra de movimento". Adotamos, ainda, atese de que no h uma setorializao gramsciana entre sociedade civil("terceiro setor"), sociedade poltica (Estado) e estrutura econmica

    (mercado), e que a sociedade poltica e sociedade civil formam um parconceitual que marca uma unidade na diversidade. Assim, ao invs detripartite, a teoria gramsciana bipartite, Estado amplo (superestrutura) eestrutura econmica (infra-estrutura).

    O Estado, ao deixar de prestar diretamente os servios sociais,repassando a execuo para o "terceiro setor", abstm-se de fazer uma polticasocial universal compulsria, no-contributivista e gratuita, com programasnacionais e regionais, e constitutiva de direitos sociais. O "terceiro setor" realizauma poltica de aes pontuais, setorializadas, localizadas, focalizadas,segmentadas, incapazes de cobrir suficientemente as grandes massas emsituao de excluso. Por exemplo, prefere-se repassar dinheiro para que asentidades do "terceiro setor" atuem em defesa dos direitos da criana, doadolescente, do idoso, ao revs de estruturar uma "sucateada" defensoriapblica; que elas prestem servios de capacitao, ao invs de investimentosem escolas e universidades estatais; assim como atendam portadores dadoena "X", ao contrrio de investimentos em hospitais pblicos.

    A sociedade poltica, seja em governos de direita, centro, ou ditos deesquerda, vem se desresponsabilizando quanto aos servios sociais,repassando a gesto da educao, sade, assistncia social, cultura, entre

    outros, s entidades do "terceiro setor", antes executados diretamente peloEstado.

    As organizaes no-governamentais, que antes eram contestadoras,cobradoras de melhores condies de vida populao, que almejavam aemancipao do indivduo e um outro mundo possvel passaram, em suamaioria, a serem "parceiras" do Estado, no de forma complementar, mas osubstituindo, com um iderio contaminado por interesses privados.

    Defendemos que a expresso "terceiro setor" inadequada, pois noh esta setorializao entre Estado e sociedade civil. Alm disso, se existissem

    trs setores, como este "setor" identificado com a sociedade civil, ele seria oprimeiro, e no o "terceiro setor". Acrescentamos que uma expresso por

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    demais vaga, simplista, que mais confunde do que esclarece, pois englobasujeitos e ideologias contraditrios, do MST - Movimento dos TrabalhadoresRurais Sem Terra TFP - Tradio Famlia e Propriedade, da Cooperativa dosCatadores de Lixo Associao Comercial. De qualquer forma, utilizamos o

    termo neste trabalho por ser o mais difundido no Brasil na atualidade.Entretanto, para retratar tudo o que no faz parte da sociedade poltica nem domercado, denominaramos o "terceiro setor" apenas como "sociedade civilorganizada".

    O "terceiro setor" uma expresso polmica, muito abrangente, quesurgiu com o fortalecimento do iderio gerencial-neoliberal, que engloba aspessoas jurdicas de direito privado sem fins lucrativos de benefcio pblico eas de benefcio mtuo, as pessoas fsicas voluntrias e as que trabalhamprofissionalmente nestas entidades, e os movimentos sociais. Ou seja, tudo oque no faz parte nem do mercado nem do Estado em sentido estrito. Assim,

    voluntrios, associaes que atuam endogenamente ou de forma exgena,fundaes privadas, institutos, movimentos sociais ou qualquer agrupamentosem personalidade jurdica, sindicatos, cooperativas, fazem parte do "terceirosetor".

    Rebatemos, com a ajuda da doutrina, vrios argumentos doneoliberalismo-gerencialista sobre a teoria do "terceiro setor" como prestadorde servios sociais em substituio ao Estado. Muito se trata do problemaoramentrio da Administrao Pblica como justificativa para o repasse deatividades para o "terceiro setor". Ora, se h dinheiro para ser transferido sentidades do "terceiro setor", via parcerias, este poderia ser aplicado naprestao direta dos servios sociais pelo Estado.

    Os argumentos do gerencialismo-neoliberal apenas tentam esconderum dos principais motivos para a desresponsabilizao do Estado na questosocial, que a fuga do regime jurdico administrativo, principalmente darealizao de concurso pblico e da licitao, procedimentos to importantespara o atendimento aos princpios da moralidade, isonomia, entre outros, masto criticados pelos gerencialistas que defendem os controles de resultados eno de meios, alm da preponderncia do princpio da eficincia.

    O "terceiro setor", fundamentado no iderio gerencial-neoliberal, umproduto do descompromisso do Estado com o social, que no ajudar que sefunde um novo ou um melhor Estado, que mercantiliza a sociedade civil, adespolitiza, no leva em conta que a sociedade civil uma arena privilegiadadas lutas de classes pela hegemonia, pela construo de consensos, troca opensamento combativo e emancipatrio pelo pragmatismo. Alm disso,entendemos que a falncia do Estado tambm levar falncia da sociedadecivil.

    As ONGs surgiram dos movimentos sociais, e tinham estratgias deenfrentamento, negao, demanda, presso, questionamento, reivindicao,

    contra o ou dirigida ao Estado. Atualmente esto mais dceis, supraclassistas,subalternizadas, domesticadas, mais "parceiras" do Estado com o objetivo de

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    terem acesso aos fundos pblicos, pautando-se mais na gesto de polticas doque de oposio poltica, mais gerenciais-empresariais e menos politizadas,com baixa capacidade contestatria e crtica, caso contrrio no receberiamdinheiro pblico de governos no muito alinhados com os ideais combativos,

    criando um consenso aparente, e ao mesmo tempo uma apatia social. Note-seque no so todas as pessoas jurdicas de direito privado sem fins lucrativosque so chamadas de ONGs, mas apenas as mais politizadas, mais atuantesna defesa e construo de direitos, e na luta por uma melhor qualidade de vidada populao.

    Em pases perifricos, a preocupao que o Estado seja to fraco eas ONGs, principalmente as transnacionais, to fortes, que estas sejam osgrupos poderosos capazes de atuarem contrariamente ao interesse pbliconacional, em favor de interesses particulares. Por isso a importncia de sepreservar a autonomia estatal.

    Muito se alardeia que investindo no "terceiro setor" estar-se-investindo no voluntariado. Esquece-se que hoje em dia propagam-se notciasde que o "terceiro setor" est sendo um grande empregador, alm dos ganhosde remunerao de dirigentes de entidades como as OSCIPs, ou em muitoscasos de forma indireta, em que a entidade contrata a empresa de um parente,ou mesmo desvia dinheiro mediante, por exemplo, superfaturamento em suascompras. As pessoas tambm se distanciam do voluntariado e se transformamem "pilantrpicas" quando instituem organizaes "de fachada", e apenasperseguem vantagens e como objetivo final o lucro.

    Defende-se que o "terceiro setor" mais eficiente, mais capaz que aAdministrao Pblica. Entretanto, colocamos em dvida se elas so realmenteexemplos de boa e moderna administrao, como instrumento mais gil desatisfao dos interesses pblicos. Vrias universidade federais, e aUniversidade Federal do Paran um dos maiores exemplos, tm grandequalidade em seu ensino, pesquisa e extenso, de forma universal e gratuita.Alm disso, o "terceiro setor" tambm passvel de atuar com ineficincia ecom falta de eficcia, no estando adstrito ao regime jurdico administrativo,sendo mal controlado pelo Poder Pblico e pela sociedade, sujeitas, assim, aosmesmos vcios da Administrao Pblica. Ressaltamos ainda que o "terceiro

    setor" tambm gasta volumosa soma de dinheiro em suas atividades-meio,assim como ocorre com a Administrao.

    Atualmente vemos um oportunismo das entidades do "terceiro setor",quando vo atrs de dinheiro pblico, para fazer caixa, pagar contas, criarempregos, fazendo lobby junto ao Estado para obter vantagens nem semprelegtimas, o que causa uma promiscuidade entre o Estado e a sociedade civil,podendo, assim, o prprio "terceiro setor" ser uma fonte de corporativismo.

    O iderio do "terceiro setor" defende a desresponsabilizao do Estadoe do mercado na questo social, e celebra o indivduo capaz de resolver seus

    prprios problemas, o que gera uma auto-responsabilizao dos prprioscidados, dos prprios sujeitos portadores de necessidades, uma auto-culpa,

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    situao em que as entidades sociais podero, como opo e no porobrigao, atuar junto sociedade. Assim, se um hospital pblico no funcionano atendimento da doena "X", repassemos dinheiro pblico para a associaodas mes dos portadores da doena "X", que elas se responsabilizam pela

    prestao dos servios necessrios, na medida do possvel, j que o Estado sedesresponsabilizou de suas funes, desonerando tambm o capital.

    Questionamos, ainda, se algumas entidades do "terceiro setor" sorealmente no-governamentais, quando estas so financiadas pelo Estado, pormeio de parcerias, uma vez que em muitos casos a deciso da AdministraoPblica de firmar parceria com a entidade "X" e no com a "Y" tomada a partirde motivos de poltica de governo. Algumas ONGs, assim, profissionais emfirmar parcerias com o Estado e afinadas com a poltica do governo de planto,so constantemente selecionadas, enquanto que outras so deixadas de lado.Aquelas ONGs acabam perdendo a autonomia, deixando de ser no-

    governamental.

    Para o iderio do "terceiro setor", a sociedade civil no deve lutar pelopoder estatal ou do mercado, pois ele seria inatingvel, mas apenas o poder aoalcance do subalterno, do cidado comum, que pode criar entidades sociais,numa atuao dcil e pacfica, deixando a uma minoria, a oligarquia, o governodo Estado.

    Questionamos ainda se a "responsabilidade social" de empresaspertencentes ao mercado realmente seria uma ao do "terceiro setor", poisnormalmente, de forma direta ou indireta, e s vezes at e forma acobertada,visam fins lucrativos, alm de no almejarem a reduo drstica dadesigualdade social existente.

    Sustentamos que a atuao das ONGs, utilizando suas potencialidadesemancipatrias, no apoio aos grupos e movimentos sociais, tm umapossibilidade maior de interpenetrao na sociedade que nem o mercado nemo Estado em sentido estrito a tm, com uma atribuio scio-poltica,reivindicatria, atuando como grupos de presso, controlando a AdministraoPblica, apresentando propostas, por exemplo, em conselhos gestoresbipartites, influenciando de forma positiva nas polticas implementadas pelo

    Estado com o objetivo de melhorar nossa realidade social, sem o alvio dasdemandas populares para a sociedade poltica, sem o intuito de acalmar osexcludos. Entendemos que de suma importncia a organizaotransnacional da sociedade civil organizada, das ONGs, dos movimentossociais, para defesa dos grupos subalternizados ou marginalizados pelocapitalismo global, numa globalizao contra-hegemnica, e um dos exemplosde sucesso o Frum Social Mundial.

    Atualmente o pblico e o privado no tm mais as caractersticas dedualidade extremas, havendo uma integrao entre eles. Principalmente com osurgimento do Estado social, elementos que antes eram privados passaram

    para o pblico, submergindo a esfera social. Salientamos apenas que estaesfera social no pode ser confundida com o chamado espao "pblico no-

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    estatal", nos termos defendidos pelos gerencialistas, como forma deprivatizao dos servios sociais para as entidades sem fins lucrativos.

    As pessoas jurdicas no tm fins lucrativos ou econmicos quando

    no distribuam entre seus membros eventuais lucros excedentes, aplicando-osapenas para o atendimento do seu objetivo constante do seu ato constitutivo.

    Segundo a legislao civil brasileira as pessoas jurdicas de direitoprivado sem fins lucrativos so as associaes (unio de pessoas para arealizao de um objetivo comum, inclusive os sindicatos), as fundaes(patrimnio afetado a um determinado fim), as organizaes religiosas, ospartidos polticos e as cooperativas. Os institutos e as ONGs no so tipos depessoas jurdicas.

    As entidades paraestatais esto ao lado do Estado, no compem a

    Administrao Pblica, prestam servios no-privativos do Estado, e socompostas pelas entidades do terceiro setor que atuam em prol do interessepblico, como as organizaes sociais, as OSCIPs, os partidos polticos, ossindicatos e os servios sociais autnomos.

    Na verdade, as organizaes sociais e as OSCIPs, assim como asentidades de utilidade pblica (que buscam o bem comum,desinteressadamente) e as beneficentes de assistncia social (antigasentidades de fins filantrpicos), no so tipos de pessoas jurdicas, mas simttulos jurdicos concedidos s organizaes sem fins lucrativos que propiciamum regime jurdico diferenciado do regime das demais pessoas jurdicas.Ressaltamos que o registro no Conselho Nacional de Assistncia Social no um ttulo ou qualificao.

    Para o gerencialismo-neoliberal deve haver a "publicizao" dosservios no-exclusivos ou servios sociais, como por exemplo a educao e asade, o que na verdade uma privatizao em sentido amplo. Segundo seusdefensores todos os servios sociais no devem ser executados pela mquinapblica, burocrtica, ineficiente, mas por entidades do "terceiro setor",qualificadas como organizaes sociais e OSCIPs.

    No caso das organizaes sociais existem inconstitucionalidades aindamais graves do que nas OSCIPs, uma vez que a legislao daquela define queseus conselhos de administrao devem ter representantes do Poder Pblico;que a escolha de quais entidades sero qualificadas ser discricionria, sem arealizao de licitao ou de qualquer outro procedimento de escolha; apossibilidade destas entidades receberem bens pblicos tambm sem licitao;o repasse de servidores pblicos para serem trabalhadores nas organizaessociais; e, por isso, o modelo, pelo menos no mbito federal no se alastrou, oque incentivou a criao das OSCIPs.

    Entretanto, entendemos que tanto as organizaes sociais quanto as

    OSCIPs servem para que o Estado fuja de suas responsabilidadesconstitucionais, principalmente em reas como educao e sade, nas quais o

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    "terceiro setor" utilizado como prestador de servios sociais, fazendo comque o Estado extinga entidades da Administrao Pblica (por mais que na Leidas OSCIPs esta extino no seja explcita), "sucateie" sua burocracia,fugindo do regime jurdico administrativo, e repassando por meio de parcerias

    para a iniciativa privada sem fins lucrativos os servios sociais.

    As OSCIPs "minam" o discurso do incentivo s entidades do "terceirosetor" devido ao trabalho voluntrio, uma vez que estas podero at remunerarseus dirigentes conforme os "valores de mercado".

    As parcerias ou privatizaes em sentido lato designam todas asformas de acordo que, sem necessariamente formar uma nova pessoa jurdica,so organizados entre os setores pblico e privado, para consecuo de fins deinteresse pblico que a Administrao Pblica firma com a iniciativa privada,como por exemplo a privatizao em sentido estrito, a concesso de servios

    pblicos, os contratos administrativos de terceirizao, os convnios, oscontratos de gesto e os termos de parceria, entre outros.

    Os contratos administrativos podem ser firmados com asentidades do "terceiro setor", assim como com qualquer pessoa jurdicacom fins lucrativos. Independentemente do contratado, a celebraodeste termo exige a realizao de licitao prvia, a no ser nos casos dedispensa ou inexigibilidade, quando ser possvel a contratao diretapor meio de procedimento simpli ficado de escolha. Lembramos que a Lein 8.666/93 define alguns casos de dispensa de licitao especificamentepara determinadas entidades do " terceiro setor" .

    Tanto no contrato administrativo como no convnio h acordo devontades, mas, enquanto que naquele existem duas partes com interessesdiversos e opostos, com uma pretendendo a satisfao do objeto do ajuste e aoutra a contraprestao correspondente; no convnio no h vnculocontratual, pois no h partes, mas partcipes com os mesmos interessescomuns e coincidentes, os quais podem denunciar o convnio a qualquermomento, sem a existncia de clusula de permanncia obrigatria, nohavendo preo ou remunerao, mas apenas mtua cooperao. Ou seja, oscontratos e convnios tm naturezas jurdicas distintas.

    Por entendermos que realmente convnio e contrato so institutosdiversos, tambm nos posicionamos no sentido que para se firmar convniosno obrigatria a realizao de licitao prvia. Entretanto, apenas osacordos que realmente so convnios podem ser celebrados sem licitao. Dequalquer forma, existindo mais de um interessado em firmar convnio com aAdministrao Pblica, em situao de igualdade, para o melhor atendimentodo interesse pblico e princpios como o da moralidade, isonomia, publicidade,a Administrao dever realizar um processo de escolha, com divulgao dainteno de firmar o convnio, e seleo por meio de critrios pr-definidos.

    Os contratos de gesto firmados entre o Estado e as entidadesqualificadas como organizaes sociais, que so diferentes dos celebrados

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    entre rgos ou entre rgos e entidades da Administrao Pblica, tm amesma natureza jurdica dos contratos administrativos, com algumaspeculiaridades, e no dos convnios. Adotamos a mesma posio para ostermos de parceria firmados pelas OSCIPs.

    A Administrao Pblica obrigada a realizar licitao previamente celebrao dos contratos de gesto com as organizaes sociais e dos termosde parceria com as OSCIPs, nos termos constitucionais, a no ser nos casosde dispensa ou inexigibilidade. No descartamos, todavia, a alterao dalegislao licitatria para que sejam criadas modalidades de licitao maiscompatveis para a celebrao de acordos com as entidades do "terceirosetor". Enquanto a legislao no alterada, para a celebrao de termos deparceria com as OSCIPs a Administrao Pblica dever realizar licitao quepoder ser baseada no concurso de projetos previsto no decretoregulamentador da Lei das OSCIPs.

    As organizaes sociais e as OSCIPs, para realizarem suascontrataes com o dinheiro recebido do Estado, devero realizarprocedimento licitatrio prvio, nos termos dos seus regulamentos, os quaisatendero as normas gerais e demais princpios da legislao nacional delicitaes (inclusive a relativa ao prego). Assim, por mais que sejam entidadesprivadas, quando forem gastar dinheiro pblico, estaro submetidas pelomenos parcialmente s regras de direito pblico.

    Referncia Bibliogrfica deste Trabalho:

    Conforme a NBR 6023:2002, da Associao Brasileira de Normas Tcnicas (ABNT),

    este texto cientfico em peridico eletrnico deve ser citado da seguinte forma:

    VIOLIN, Tarso Cabral. UMA ANLISE CRTICA DO IDERIO DO "TERCEIRO SETOR"NO CONTEXTO NEOLIBERAL E AS PARCERIAS COM A ADMINISTRAO PBLICA.Revista Eletrnica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileirode Direito Pblico, n. 13, maro/abril/maio, 2008. Disponvel na Internet:. Acesso em: xx de xxxxxx de xxxx

    Observaes:

    1) Substituir x na referncia bibliogrfica por dados da data de efetivo acessoao texto.

    2) A RERE - Revista Eletrnica sobre a Reforma do Estado - possui registro deNmero Internacional Normalizado para Publicaes Seriadas (InternationalStandard Serial Number), indicador necessrio para referncia dos artigos emalgumas bases de dados acadmicas: ISSN 1981-1888

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    do ttulo do trabalho da qualificao do autor, constando ainda na qualificaoa instituio universitria a que se vincula o autor.

  • 8/13/2019 Publico e Privado - CHAT3 Texto 1 Tarso Violin

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