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MARIA CECÍLIA ARENA LOPES BARTO
UM OLHAR SOBRE AS IDÉIAS MATEMÁTICAS EM UM CURSO DE CÁLCULO: A PRODUÇÃO DE SIGNIFICADOS PARA A CONTINUIDADE
MESTRADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
PUC/SP
São Paulo
2004
MARIA CECÍLIA ARENA LOPES BARTO
UM OLHAR SOBRE AS IDÉIAS MATEMÁTICAS EM UM CURSO DE CÁLCULO: A PRODUÇÃO DE SIGNIFICADOS PARA A CONTINUIDADE
Dissertação apresentada à Banca Examina-dora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, sob a orienta-ção da Profa. Dra. Janete Bolite Frant.
PUC/SP
São Paulo
2004
Banca Examinadora
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___________________________
Autorizo, exclusivamente para f ins acadêmicos e científ icos, a
reprodução total ou parcial desta Dissertação por processos de
fotocopiadoras ou eletrônicos.
Assinatura:________________________________Local e
Data:_____________
AGRADECIMENTOS
Este trabalho, além do esforço pessoal, contou com a contribuição
de inúmeras pessoas, as quais sou eternamente grata.
Agradeço à minha famíl ia, especialmente ao meu marido, pelos
esforços realizados para a concretização deste sonho.
Aos amigos e colegas de trabalho com quem partilhei várias
dúvidas e esperanças, inclusive sobre este trabalho.
Aos colegas do mestrado, pelas contribuições apresentadas nos
debates e conversas realizadas ao longo do curso.
À coordenação do programa, nas pessoas da professora Sonia
Barbosa Camargo Igliori e do funcionário Francisco Olimpio da
Silva.
Aos Professores Doutores do Programa, Ana Paula Jahn, Ana
Franchi, Célia Maria Carolino Pires, Saddo Ag Almouloud, Sandra
Maria Pinto Magina, Sílvia Dias Alcântara Machado, Siobhan
Victória Healy (Lulu Healy), Sonia Barbosa Camargo Igliori e
Wagner Rodrigues Valente, que dividiram suas experiências e
semearam desafios.
Aos professores Dra. Maria Cristina Bonomi Baruf i e Dr. Benedito
Antonio da Silva, membros da banca, pelos comentários e
sugestões apresentados na qualif icação.
À Professora Dra. Janete Bolite Frant, amiga e orientadora, pelo
carinho com que me acolheu como orientanda, pelo
acompanhamento sistemático durante a realização do trabalho,
comentando, sugerindo e desaf iando, e, sobretudo, pela sua
generosidade frente as minhas limitações.
RESUMO
O objetivo deste estudo é investigar a dinâmica da produção de significados
para a Continuidade de Funções de uma Variável Real, por alunos em um
curso de Pós Graduação e na disciplina de tópicos de Cálculo. O aporte teórico
foi construído a partir da articulação de três teorias: da noção de metáfora
conceitual da Teoria da Cognição Corporificada, proposta por LAKOFF e
NÚÑEZ, da importância dos argumentos no discurso de sala de aula, do
Modelo da Estratégia Argumentativa – MEA, proposto por FRANT e CASTRO e
da definição de produção de significados proposta por LINS em seu Modelo
Teórico dos Campos Semânticos – MTCS. Trata-se de uma pesquisa
qualitativa, do tipo estudo de caso, que foi realizada numa universidade em
São Paulo. As aulas do curso, envolvendo os dez alunos e a professora do
curso, foram filmadas em vídeo, utilizando-se duas câmeras. A coleta de
dados incluiu as fitas, as transcrições, as anotações da pesquisadora, trabalhos
escritos pelos alunos e entrevistas. Ao todo foram 5 encontros de 3 horas. Os
resultados apontam que, em sala de aula, a produção de significados para
Matemática pode estar apoiada em fatos não Matemáticos, por exemplo, a
autoridade do professor ou de algum integrante do grupo têm um papel
importante nessa produção. Os alunos durante as interações utilizaram a
linguagem cotidiana, menos formal, para apresentar, discutir e defender suas
idéias. Um enunciado (escrito ou oral) não garante uma mesma leitura, cada
leitor o lê de seu modo. Este estudo permitiu observar e entender um pouco
mais como alunos utilizam suas experiências cotidianas, impregnadas e às
vezes inconscientes, para produzir significados para conceitos abstratos da
Matemática.
Palavras chave: Produção de Significados, Limite e Continuidade, Metáforas
Conceituais, Argumentação.
ABSTRACT
The purpose of this dissertation is to investigate the dynamic of meaning
production for continuous function of one variable by graduate students in a
calculus course. The framework articulates three theories. Conceptual metaphor
as proposed by LAKOFF and NÚÑEZ, the importance of argumentation as
proposed by FRANT and CASTRO in the model of argumentative strategies
and, the definition of meaning production as proposed by LINS in the model of
semantic fields. It is a case study research that happened in São Paulo, Brazil.
The lessons were videotaped; it included ten students and their professor. Data
collection consisted in videotapes, transcripts, notes from observation, students
written material and, interviews. The results revealed that in a classroom
meaning production for mathematics maybe not dependent of mathematics
itself; authority of a professor or a peer plays a fundamental role. During
classroom interactions, students used a every day language to communicate
rather than a formal mathematical one. An enunciation, written or oral, does not
guarantee the same reading, each reader has hers/his own interpretation. This
study allowed us to better understand how students used their daily experience,
embodied and mostly unconscious, to produce meaning for abstract concepts in
Mathematics.
Key-words: Production of Meanings, Limit e Continuity, Metaphors
Conceptual, Argumentation.
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 01 – A estrutura da pesquisa 06
Tabela 02 – Exemplo de mapeamento cognitivo..... 26
Tabela 03 – Exemplo de metáfora básica do infinito o infinito potencial 28
Tabela 04 – Exemplo de metáfora básica do infinito 29
Tabela 05 – exemplo de metáfora básica do infinito para Limites 31
Tabela 06 – metáforas para o conhecimento 46
Tabela 07 – Exemplo de mapeamento entre espaço e tempo 50
Tabela 08 – domínio fonte 52
Tabela 09 – domínio alvo 52
Tabela 10 – tarefa piloto 59
Tabela 11 – comentários gerais sobre as tarefas 62
Tabela 12 – tarefa 01 do trabalho de campo 63
Tabela 13 – tarefa 02 do trabalho de campo 65
Tabela 14 – tarefa 03 do trabalho de campo 67
Tabela 15 – tarefa 04 do trabalho de campo 68
Tabela 16 – esquema argumentativo do episódio I 72
Tabela 17 – ficha 01 – episódio I 73
Tabela 18 – transcrição 01 – episódio I 74
Tabela 19 – a autoridade 75
Tabela 20 – transcrição 02 – episódio I 76
Tabela 21 – transcrição 03 – episódio I 76
Tabela 22 – ficha 02 – episódio I 78
Tabela 23 – resposta do Gustavo – episódio I 78
Tabela 24 – ficha 01 – episódio I 79
Tabela 25– transcrição 04 – episódio I 79
Tabela 26– transcrição 05 – episódio I 80
Tabela 27– exemplo de mapeamento – episódio I 81
Tabela 28– transcrição 06 – episódio I 81
Tabela 29– transcrição 07 – episódio I 81
Tabela 30– transcrição 08 – episódio I 82
Tabela 31– ficha 04 – episódio II 83
Tabela 32– transcrição 09 – episódio II 89
Tabela 33– transcrição 10 – episódio II 90
Tabela 34– transcrição 11 – episódio II 90
Tabela 35– resposta sobre continuidade de funções – episódio II 91
Tabela 36– gráfico de função descontínua – episódio II 92
Tabela 37– transcrição 12 – episódio II 92
Tabela 38– transcrição 13 – episódio II 94
Tabela 39 – análise da transcrição – episódio II 95
Tabela 40 – transcrição 14 – episódio II 96
Tabela 41 – transcrição 15 – episódio II 97
Tabela 42 – exemplo de mapeamento – episódio II 98
Tabela 43 – transcrição 16 – episódio II 100
Tabela 44 – transcrição 17 – episódio II 101
Tabela 45 – transcrição 18 – episódio II 102
Tabela 46 – a caneta e a mesa – episódio II 103
Tabela 47 – o esquema argumentativo do episódio II 104
Tabela 48 – A unicidade do limite 110
SUMÁRIO
1.
A PESQUISA................................................................................. 01
1.1 INTRODUÇÃO....................................................................... 02
1.2 A PESQUISA......................................................................... 02
1.3 A ESTRUTURA DA PESQUISA............................................. 06
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA: O ensino e aprendizagem de Cálculo............................................................................................
07
2.1 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA................................................... 08
2.2 UM POUCO DE HISTÓRIA................................................... 36
3. A FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA.................... 44
3.1 AS CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS....................................... 45
3.2 O MODELO DA ESTRATÉGIA ARGUMENTATIVA – MEA - 47
3.3 AS IDÉIAS DO “EMBODIMENT COGNITION”...................... 49
3.4 AS CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS......................... 55
3.5 OS SUJEITOS PESQUISADOS E O CONTEXTO................ 57
3.6 O ESTUDO PILOTO NA SALA DE AULA.............................. 58
4. O TRABALHO DE CAMPO............................................................. 61
4.1 AS TAREFAS........................................................................ 63
4.2 A TIPOLOGIA DE ARGUMENTOS....................................... 70
4.3 EPISÓDIO I – AS APARÊNCIAS ENGANAM....................... 71
4.4 EPISÓDIO II – O QUE SE OLHA E O QUE SE VÊ.............. 83
5. AS CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................... 105
BIBLIOGRAFIA..................................................................................... 114
ANEXOS I – As tarefas......................................................................... 125
ANEXOS II – O compromisso ético..................................................... 131
2
11 2
1.0 Introdução
Nesta pesquisa investigamos e analisamos a Produção de Significados
para a Continuidade de Funções de uma Variável Real por alunos de um curso
de Pós Graduação em Educação Matemática. Para tal estudo, usamos uma
alternativa da Análise do Discurso, apresentada no terceiro capítulo, a Análise
de Argumentos.
O embrião da pesquisa foi gerado dentro de um processo de articulação
entre o desejo pessoal da pesquisadora e o campo de estudos da sua
orientadora1. Desde o início, a pesquisadora objetivava trabalhar com
continuidade de funções, inspirada em suas experiências como aluna e
docente de Cálculo Diferencial e Integral. Observamos ainda, que existia uma
lacuna nas pesquisas sobre este conteúdo, principalmente no tocante à
investigação sobre a produção de significados, como mostramos no segundo
capítulo. A união entre o desejo da pesquisadora, a falta de pesquisas sobre a
produção de significados para a continuidade de funções e os índices caóticos
de reprovação na disciplina de Cálculo, levou à escolha desse tema para
investigação.
1.1 A pesquisa
Uma pesquisa sempre se apóia nas tentativas anteriores e procura dar
um passo a mais dialogando com as outras. Sendo assim, iniciamos com um
levantamento bibliográfico e webgráfico sobre pesquisas anteriores enfocando
o tema: continuidade de funções. Este levantamento possibilitou-nos verificar o
que já existia sobre o tema e constatarmos a sua relevância, ainda que
conscientes das limitações de tal levantamento (ver capítulo 2). Depois
buscamos dados estatísticos sobre o ensino de Cálculo, objetivando, ainda,
avaliar a relevância do tema.
De acordo com os dados publicados em 2000 pelo Ministério da
Educação e Cultura - MEC2, o índice de reprovação e abandono nos cursos
iniciais de cálculo nas universidades do nosso país é aproximadamente de 1Entre outras coisas, estudar a relação entre os processos Lingüísticos e Cognitivos no Ensino e Aprendizagem de conteúdos matemáticos. 2(http://www.inep.gov.br/download/censo/2000/Superior/Sinopse_Superior-2000.pdf)
3
11 3
80%. Este é um quadro que leva pesquisadores e professores a buscarem
alternativas para o ensino de tal disciplina. O ensino de Cálculo, na graduação,
apresenta muitos problemas de aprendizagem e não é exclusividade do
cenário nacional como mostramos em nosso levantamento bibliográfico no
capítulo 2. Os altos índices de reprovação e abandono, as dificuldades de
aprendizado apresentadas pelos alunos, a insatisfação dos professores em
relação ao "fracasso" no ensino de Cálculo, os avanços tecnológicos e a
importância dessa disciplina nos cursos das áreas de "exatas", indicaram que
apesar de várias propostas, ainda são necessárias pesquisas sobre o ensino
de Cálculo.
O cenário encontrado revelou que é importante entender melhor quais
são e como se constroem as idéias Matemáticas do aluno/professor de
Matemática. Esperamos contribuir com esta pesquisa, oferecendo um olhar
para a dinâmica desta produção de significados, a partir da utilização de teorias
da Corporeidade e da Argumentação.
Convém relatarmos que integramos um projeto maior intitulado Projeto
de Cálculo: Linguagem, Corporeidade e Tecnologia, coordenado pela
professora Dra. Janete Bolite Frant. Neste Projeto o conceito de Integral é
estudado por Mometti - PUC/SP, o conceito de Derivada por Dall’Anese -
PUC/SP e por Gonzáles – UB (Universidade de Barcelona), o conceito de
Função por Font y Acevedo – UB e nós estamos investigando a dinâmica da
produção de significados para Continuidade de Funções de uma Variável Real.
Este projeto baseia-se nos princípios teóricos da Teoria da Corporeidade
(Embodied Cognition), principalmente nos trabalhos de LAKOFF e JONHSON
(1980), LAKOFF e NÚÑEZ (2000), NÚÑEZ (2003) e no papel da argumentação
em sala de aula fundamentado no Modelo da Estratégia Argumentativa (MEA).
Visando atender ao nosso objetivo, escolhemos um cenário e uma
fundamentação teórico-metodológica. Escolhemos um curso de Pós-
Graduação em Educação Matemática em que os alunos, obrigatoriamente,
eram professores de Matemática e/ou Ciências nos ensinos Fundamental,
Médio ou Superior. Acreditamos que professores envolvidos em Cursos de
4
11 4
Especialização, demonstram interesse em mudanças e o curso escolhido já
visava uma participação ativa dos estudantes. Além disso, para que a
contribuição dos participantes fosse mais efetiva em nossa pesquisa,
queríamos garantir que os mesmos já tivessem cursado Cálculo Diferencial e
Integral em suas graduações. Outro fator decisivo foi o da existência da
disciplina Tópicos de Cálculo Diferencial e Integral no programa do curso, pois
nosso tema era a Continuidade de Funções de uma Variável Real.
Sendo assim, nosso cenário foi composto por um curso de Tópicos de
Cálculo Diferencial e Integral, onde dez alunos foram observados durante cinco
encontros. Para analisarmos a dinâmica da produção de significados
elaboramos tarefas que propiciassem a fala e as argumentações dos
participantes. Gravamos em vídeo todos os encontros e anotamos no caderno
de campo todas as observações que fizemos, o que será mais detalhado nos
capítulo 3 e 4.
Para investigarmos como ocorria o processo da produção de
significados, optamos por uma pesquisa qualitativa. Realizamos um estudo de
caso, descrito no capítulo 3. Com o objetivo de investigar a Produção de
Significados, assumimos as idéias de LINS (1997, 1999, 2004) que diz que um
objeto é algo que pode ser falado; a produção de significado “é aquilo que se
pode e efetivamente se diz do objeto no interior de uma atividade”. Os objetos
se constituem através das enunciações feitas pelos sujeitos enquanto
produzem significados.
Utilizamos a idéia de atividade de LEONTIEV (1964, 1991) onde uma
atividade é o conjunto de ações e operações executadas num contexto por um
indivíduo para produzir algo. Preparamos tarefas para forçar os participantes a
resolverem o problema, explicitarem e defenderem os seus pontos de vista
junto ao grupo, resultando assim numa cadeia de ações. Para fazermos a
leitura e análise do processo argumentativo dos participantes, quando estavam
produzindo significados, usamos como aporte teórico-metodológico a
articulação de duas teorias, brevemente apresentadas aqui e descritas no
capítulo 3:
5
11 5
• Uma alternativa à análise do discurso – Modelo da Estratégia
Argumentativa (FRANT e CASTRO, 2000; FRANT, 2000, 2001) -
que permite construir uma rede de argumentação, incluindo a
intencionalidade da fala, - escrita, oral, corporal – para analisar
episódios em sala de aula. Um episódio é aquele conjunto
escolhido por conter dados relevantes à questão que está sendo
pesquisada ou por apresentar novas questões.
• A Teoria da Corporeidade - Embodiment Cognition (LAKOFF e
NÚÑEZ, 1997, 2000) – uma proposta da Lingüística Cognitiva que
inclui as metáforas conceituais para compreender processos de
aprendizagem.
Constituiu-se como tema de pesquisa a Continuidade de Funções de
uma Variável Real e o problema é a investigação da Produção de Significados
para a Continuidade de Funções de uma Variável Real por alunos/professores
de um curso de pós-graduação em Educação Matemática. Para operacionalizar
o problema objetivávamos responder as seguintes questões:
1. Como ocorre a dinâmica da Produção de Significados para a
Continuidade de Funções de uma Variável Real?
2. Quais significados são produzidos para objetos matemáticos
como ponto, curva, intervalo, epsilon, delta, domínio e imagem de
funções?
3. De que forma a teoria da Corporeidade contribui para a análise do
processo da produção de significados em nosso tema?
4. Como e quais são as idéias Matemáticas modificadas ou
sustentadas pelos sujeitos investigados?
5. Como e quais impactos esta pesquisa causa na prática
pedagógica?
A pesquisa qualitativa permitiu o aprofundamento dessas questões como
mostramos no capítulo 4. A seguir apresentamos como está estruturada a
apresentação dessa pesquisa.
6
11 6
1.2 A estrutura da pesquisa
Tabela 01 – A estrutura da pesquisa
Nº O Capítulo Do que se trata Objetivo 1
A pesquisa
Relata as escolhas para o início da pesquisa, identificando qual é o foco e como pretendemos operacionalizá-la.
O que estudar Por quê
e Como
2
O ensino e a
aprendizagem de Cálculo
Apresenta, em categorias a revisão bibliográfica/webgráfica utilizada para a elaboração da pesquisa.
Delimitar o campo da pesquisa.
3
A fundamentação
teórico-metodológica
Apresenta, em detalhes, as teorias e a metodologia empregada.
Apresentar o aporte teórico e descrever o trabalho de campo.
4
O trabalho de campo
Apresenta o processo de construção e análise dos episódios, explicitando quais os referentes para o estudo.
Apresentar a construção e análise dos episódios possibilitando o entendimento das considerações finais.
5
As
considerações finais
Relata as considerações finais sobre os estudos realizados.
Informar as considerações finais, respondendo as questões de pesquisa e propondo caminhos para a continuidade da pesquisa.
8
11 8
2.1 Revisão bibliográfica
Fizemos uma revisão, principalmente, sobre publicações datadas a partir
de 1998. Realizamos uma busca em dissertações, teses, periódicos, anais de
Congressos Nacionais e Internacionais e sites de algumas Universidades
(UNICAMP, UFRGS, UERJ, UFRJ, USP, UFBA, entre outros) para verificarmos
o que já existia sobre a produção de significados para a Continuidade de
Funções de uma Variável Real. Ao final dessa leitura vimos que alguns autores
se destacaram por constar de quase todos os trabalhos revisados, entre eles,
DAVID TALL, VINNER, SIERPINSKA e CORNU. Esses autores compartilham a
idéia de que os estudantes apresentam dificuldades para um completo
entendimento do conceito formal de Limite, usando epsilon e delta (desde
CAUCHY).
Optamos por apresentarmos as idéias sobre alguns autores e trabalhos
pesquisados e estabelecermos um diálogo entre estas leituras e o nosso
projeto.
DAVID TALL pesquisa há pelo menos 20 anos, no nível superior de
ensino, os processos do pensar Matemático. Estuda o pensamento Matemático
em ambientes informatizados e as implicações nos processos de ensino e
aprendizagem. TALL e VINNER há anos abordam a importância do que
chamam “imagem conceitual”. Para estes autores, uma imagem conceitual
compreende um mecanismo cognitivo associado a um conceito Matemático na
mente do indivíduo (TALL e VINNER, 1981)3. Para os autores, uma imagem
conceitual é formada por imagens mentais, descrições verbais e impressões
associadas a um dado conceito e pode não estar associada aos conceitos da
Matemática formal. Neste sentido uma imagem conceitual enriquecida provém
da construção de uma ampla gama de correlações e conexões entre os
mecanismos cognitivos.
3 alguns artigos citados e que não constam em nossa bibliografia encontram-se no site http://www.davidtall.com/papers
9
TALL considera dois aspectos nos processos cognitivos que envolvem a
construção do pensamento Matemático: a criatividade para gerar novas idéias
e a prova para exercer o poder de convencimento da noção Matemática. Para
ele, uma definição conceitual pode ser formal ou natural e a criatividade para
gerar novas idéias está ligada à definição conceitual natural. Esta definição
natural é pessoal, construída pelo sujeito e, portanto, pode mudar com o
tempo. A definição conceitual natural pode ser diferente da definição conceitual
formal que propicia as provas. Nesse sentido CORNU (1991) apontou que a
maioria das idéias Matemáticas não provém de definições, mas das noções
intuitivas associadas ao conceito. Muitos autores concordam que a definição
formal, como mostra a história, é contrária à intuição humana, entre eles estão,
por exemplo, CORNU (1991), SIERPINSKA (1996), TALL (2002, 2004) e
VINNER (1991). CORNU chamou atenção, em alguns trabalhos, para o fato de
que muitos termos utilizados em Matemática têm significados diferentes dos
termos utilizados na linguagem cotidiana, por exemplo, o uso dos termos
“existe” (∃), “para todos” (∀), “limites” e “continuidade”.
Atualmente, o grupo de pesquisa coordenado por TALL tem como
seguidores os brasileiros MÁRCIA PINTO E VICTOR GIRALDO. Em seus
trabalhos mais recentes, TALL considerou a importância da cognição
corporificada (embodiment cognition) nos processos do pensar Matemático
(WATSON & TALL (2002) e TALL (2004, 28st PME)). DAVID TALL esteve na
PUC/SP em 27/05/2004 e expôs suas idéias sobre “os três mundos da
Matemática”. Segundo ele, o primeiro mundo corresponde ao mundo
corporificado onde estão os modos de percepção, as ações, o que sentimos e
pensamos sobre os objetos materiais e Matemáticos. O segundo mundo
corresponde ao mundo simbólico onde os símbolos da Matemática são
usados para representar coisas que são ao mesmo tempo processos e
conceitos, como por exemplo, (4+3) envolve o processo de adição e o conceito
de soma. O terceiro mundo é o mundo formal onde os objetos e símbolos
Matemáticos apresentam propriedades (teorias e axiomas) usadas para
demonstrar e provar.
10
Para o autor, o mundo formal utiliza as idéias dos outros dois mundos.
Para calcularmos limites infinitos usamos a idéia “de tender para o infinito” e
para isto não existe um procedimento que possibilite este cálculo. O Cálculo
não é apenas simbólico, mas sim resultado de uma relação com o próprio
corpo. No modo natural de pensar, os conceitos corporificados são usados
para definir os objetos, enquanto que no modo formal, a definição do objeto é
usada para conceituá-lo. Para ele, no mundo corporificado as coisas são
consideradas verdadeiras quando podemos vivenciá-las e isto é bom porque
dá idéias, mas por outro lado, constitui-se num problema porque depende da
vivência de cada um.
Encontramos alguns estudos sobre as dificuldades dos alunos na
aprendizagem de conceitos e seus fatores de conflito cognitivo (limitações
intrínsecas que levam à formação de imagens conceituais restritas): Limites e
continuidade (TALL e VINNER, 1981; TALL 1980a; CORNU, 1991),
Infinitesimais (TALL, 1981 e 1982), infinito (TALL, 1980b), uso de tecnologia
computacional (TALL, 1991), unidades cognitivas (BERNARD & TALL, 1997.
21STPME; TALL, 2004. 28STPME).
SIERPINSKA (1985) apontou a necessidade do aparecimento de
conflitos mentais para superarmos obstáculos epistemológicos4. Nesse sentido,
TALL (2002) também usou os conflitos cognitivos (mentais) como geradores
para superar os obstáculos epistemológicos. Em seu artigo, SIERPINSKA,
relatou uma experiência feita com alunos sobre o conteúdo de limites.
Trabalhou com alunos de arquitetura, uma seqüência de atividades sobre
séries infinitas, focando a escolha no desenvolvimento histórico do Cálculo
ligado ao conteúdo. Concluiu que as noções de conhecimento científico sobre
infinito, função e números reais, constituem as principais fontes de obstáculos
relativos ao conhecimento de limites. Em nossas leituras vimos que SAD
(1998) também pesquisou sobre a noção de Limite e concluiu que esta noção
4 Um obstáculo epistemológico é verdadeiramente constitutivo do conhecimento, é aquele do qual não se pode escapar, e que se pode em princípio encontrar na história do conceito. (IGLIORI. A noção de “Obstáculo Epistemológico” e a Educação Matemática: Uma introdução. Ed. Educ. São Paulo, p.97, 1999)
11
só é possível de ser pensada, depois que se produzirem significados e
relações que permitam pensar e enunciar a partir do objeto matemático: Limite
(ver p.12 neste capítulo).
SIERPINSKA nessa pesquisa valorizou as falas dos alunos e interagiu
com eles, mas não conseguiu superar todos os obstáculos epistemológicos. Já
em 1990 e 1992, SIERPINSKA relacionou significado à compreensão de
conceito. Para ela, compreender o conceito é como captar o seu significado.
Fez apontamentos no sentido de que a consciência das limitações de cada
forma de representação e do fato de que elas representam um mesmo
conceito, é uma condição fundamental para a compreensão de funções. (ver
também SCHWARZ, 1995).
BALDINO, CIANI e LEAL (1997) realizaram um estudo de caso,
enfocando, principalmente, o Limite de Funções. Usaram os fundamentos
teóricos de TALL e VINNER (1981) e GRAY e TALL (1994), isto é, provocaram
fatores que geraram conflitos cognitivos. Apresentaram a definição formal de
limite, entretanto utilizaram um símbolo diferente, XPTO, no lugar da → para
evitar a idéia do tender para. Segundo os autores, XPTO representava um
símbolo, que deveria ser usado, enquanto a definição conceitual não era forte o
suficiente para governar a imagem conceitual. Desse modo: an XPTO L
significa que ∀ε, ∃ Ν, ∀ n ( n > Ν → I an – L I < ε ). Mostar que 1/n XPTO 0
(zero). Com esta estratégia, segundo os autores, estes estudantes
conseguiram completar provas formais de exercícios do curso de análise.
ASPINWALL (1997) preocupou-se com o papel da visualização no
entendimento do Cálculo.
...”enormes diversidades existem não somente na capacidade individual de formar imagens, mas também no uso das imagens visuais quando indivíduos diferentes fazem matemática”. (ASPINWALL, 1997, p.303)
O artigo apresentou os resultados de um estudo de caso feito com
alunos de cálculo, em que a capacidade visual dos alunos representou um
obstáculo para eles. Destaca que por mais que os autores de livros texto
proponham mais gráficos para melhorar o entendimento conceitual do
12
estudante, quando as imagens correspondentes aparecem, precisamos
compreender que as imagens dinâmicas, geradas pelos gráficos, podem gerar
problemas para o entendimento matemático. (ver também GIRALDO;
CARVALHO; TALL, 2002).
Neste sentido SAD (1998) relatou que quando foi pedido aos alunos
pesquisados para traçarem o gráfico da função sen(x) / x, eles traçaram e
visualizaram na calculadora gráfica uma continuidade em x=0. Os alunos não
produziram qualquer significado de indeterminação para a Função. Segundo
SAD, para essa questão, “notamos que para alguns estudantes foi impossível
mudar de um campo semântico para outro”. (id., p.297). Ela concluiu que o fato
de que alguns alunos não conseguiram produzir significado para esta questão,
indica a existência de um obstáculo epistemológico, pois ocorreu a
impossibilidade de produção de significados para a noção de Limite. Nessa
pesquisa ao aplicarmos uma tarefa para a turma piloto, conforme capítulo 3 (p.
59), tivemos resultados semelhantes aos de SAD sobre a consideração de que
o gráfico visualizado na tela representava uma Função contínua.
ARTIGUE (1991) falou sobre as concepções dos estudantes para alguns
conceitos de Cálculo. Relatou que os aspectos conceituais são reduzidos aos
algoritmos que, por excesso de algebrização, escondem as idéias essenciais
do Cálculo. Aplicou para estudantes atividades que pediam, a partir do gráfico
de uma função, traçar o gráfico de sua derivada e integral. Os estudantes
recorriam primeiro à expressão algébrica da função para depois esboçar os
gráficos pedidos. Os alunos ficavam muito tempo tentando fazer os cálculos
algébricos que não eram consistentes com o gráfico apresentado.
Também encontramos resultados semelhantes quando aplicamos a
tarefa 01 do trabalho de campo (capítulo 4, p. 64).
ARTIGUE salientou que os processos educacionais implicam
diretamente nas concepções Matemáticas dos estudantes. Os alunos tiveram
dificuldades em tratar graficamente a continuidade e a diferenciabilidade.
Graficamente, uma função contínua também era diferenciável, mesmo quando
13
não fosse. Esta autora estudou as interações entre os sujeitos e sugeriu que o
aluno deve ser considerado como ator principal e o professor um coadjuvante.
Disse que as escolhas feitas e o controle exercido pela comunidade podem
influenciar no processo de validação. Nossa pesquisa também apontou este
fato conforme capítulo 4 (p. 85, p. 86 e p.102).
NEMIROVSKY (1996), falou em tecnologia, análise das narrativas
matemáticas através da modelagem Matemática, estudo de Funções e
situações físicas. Apresentou as narrativas Matemáticas que, tratam da
exploração Matemática de um tema pesquisado. Estas narrativas são
constituídas de significados para eventos, envolvendo a relação de dialogar e
ouvir. Nesse contexto, só é considerada uma narrativa Matemática, se for uma
construção elaborada por alguém que atribui um significado Matemático no ato
da fala ou escrita. Sugeriu que palavras como subir, andar e crescer, talvez
favoreçam os erros dos estudantes. Este pesquisador desenvolveu trabalhos
relacionados ao estudo de fenômenos físicos e suas representações
Matemáticas. Para ele, o uso de tecnologias torna-se um facilitador nos
processos exploratórios de categorias gráficas ou numéricas e, portanto,
auxiliam no estudo funções. Vimos que Borba (1999) compartilhou da mesma
idéia.
Encontramos uma visão diferente sobre o uso de tecnologia em BOLITE
FRANT (2003), que trouxe a idéia de tal uso como prótese. Segundo a autora,
uma prótese é um objeto que possibilita ao sujeito fazer coisas que não faria
sem ele. Desse modo o uso de tecnologia vai além da visão do “fazer mais
rápido” e passa a ser o “fazer diferente”. A tecnologia é vista como uma prótese
que permite, através da ação, falar e constituir objetos. A pesquisa constou de
atividades envolvendo o uso do graphmatica e em sua conclusão encontramos
que o uso de tecnologia como instrumento facilitador para a visualização,
constitui-se numa visão simplista para auxiliar na compreensão dos processos
cognitivos envolvidos na aprendizagem Matemática. “Afirmamos, apenas, que
o uso dessa prótese favorece a construção de textos que ao serem apropriados
pelos estudantes os força a produzir significados” (id., p. 8).
14
CATAPANI (2001, p.12) apontou que “quanto às práticas docentes
temos vários problemas verificados na literatura”. Segundo a autora, de modo
geral, o professor é um expositor centralizador e ao aluno resta pouquíssimo
espaço para pensar sobre o conteúdo visto que, as aulas seguem em ritmo
acelerado e são insuficientes para o conteúdo. A autora afirmou, ainda, que as
idéias do Cálculo são complexas, exigindo raciocínio abstrato o que leva a
disciplina a ser considerada uma das mais difíceis pelos alunos. Em sua
conclusão encontramos o seguinte comentário:
O que muito buscamos fazer durante o ano de 1999 foi isentar os alunos de suas responsabilidades. Por várias vezes, premeditamos as dificuldades e quisemos evitar que os estudantes se defrontassem com elas. Eximimos os alunos de parte de seus compromissos, reforçando, deste modo, os sujeitos que só conhecem as regras sociais que lhes permite tirar proveito das situações...Verificamos que os alunos, quando entram na sala de aula, acreditam que o professor conhece suas angústias, que é responsável pelas suas insatisfações e que, somente ele (o professor), poderá resolver seus problemas. (id., p.119)
VILLARREAL apontou em suas considerações finais, que o professor
deveria se tornar um ouvinte para tentar compreender os caminhos percorridos
pelos estudantes ao resolverem questões matemáticas. Quando fala, o aluno
elabora suas idéias matemáticas, possibilitando que possamos caracterizar o
seu modo de pensar.
BARUFI (1999) desenvolveu um estudo sobre a abordagem do Cálculo
em livros usados por muitos professores e concluiu que:
Especificamente, no âmbito da Universidade, ainda parece ser consenso o fato de o Cálculo ser um curso básico, extremamente importante para a formação de muitos alunos ingressantes. Nesse ambiente, muitos cursos de Cálculo parecem ser os mesmos, com a mesma abordagem que era realizada vinte, trinta ou quarenta anos atrás. Ainda podemos observar o deslumbre decorrente da sistematização lógica do Cálculo, quando o processo de limite foi finalmente formalizado e os números reais passaram a constituir um universo onde os matemáticos se movimentam bem. (id., p.166).
Concordamos com as autoras no tocante ao comportamento dos
professores e suas aulas e, em vista disso, as nossas aulas foram aplicadas
15
em dois momentos e a intervenção da professora foi sempre no sentido de
forçar as trocas argumentativas entre os alunos pesquisados (ver capítulo 4, p.
83, p. 86).
Em sua pesquisa, CATAPANI utilizou calculadoras gráficas na
exploração dos temas Funções e Limites. As atividades aplicadas aos alunos
exploravam as idéias intuitivas de limite a partir da função f(x) = 1/x. Os alunos
eram questionados sobre o que acontecia quando x assumia valores próximos
e distantes da origem. Segundo a autora (p.80), os alunos acreditavam que em
algum momento o gráfico da função “cortaria” os eixos Ox e Oy. Também
obtivemos resultados parecidos quando aplicamos a tarefa 02 do estudo de
campo (p.65). Nesta tarefa pedimos um palpite para w(-50) e dois alunos
responderam que “não sabiam se a curva iria para baixo”.
CATAPANI relatou que os alunos usaram muito o comando zoom da
calculadora para observar o comportamento do gráfico quando x estava muito
próximo ou muito distante da origem. Graças a esse gráfico, os alunos tiveram
idéias intuitivas de “tender a”, e só então, o tema limite foi introduzido. SAD
(1998) também encontrou resultados semelhantes a este sobre Limites em sua
pesquisa. Alguns comentários tais como “facilita visualizar, mas tem que saber
Cálculo”, “tem aquelas exceções que a gente tem saber” apareceram durante a
pesquisa (CATAPANI, 2001, p. 61).
Podemos estabelecer uma conexão com as idéias de BOLITE FRANT
(2003), no sentido de que o uso de tecnologia funciona como uma prótese que
força o sujeito a produzir significados diferentes daqueles que estava
acostumado. Nas palavras das alunas pesquisadas por CATAPANI, vimos que
consideraram que a calculadora gráfica ajudou, mas não foi suficiente e nem
facilitadora para a resolução da tarefa. Neste aspecto, nossa pesquisa mostrou
que os alunos falaram em facilidades visuais, mas outras dificuldades
apareceram por não conhecerem alguns conceitos como unicidade de limites e,
também, não utilizaram o computador para resolverem a tarefa 04 do trabalho
de campo (ver capítulo 4).
16
CATAPANI constatou que mesmo com todos os recursos oferecidos
pela calculadora, parecia que os alunos não queriam perder tempo com
“coisas” que não soubessem. Segundo ela, parecia que os alunos desejavam,
principalmente, a agilidade nas resoluções da lista de exercícios.
Este fato corrobora com as idéias de BOLITE FRANT (2003), quando
disse que a tecnologia é como uma prótese que só tem utilidade quando não
somos capazes de fazer o que fazemos sem ela. Para os alunos pesquisados
por CATAPANI, nem sempre a calculadora gráfica era essencial na resolução
da tarefa e, portanto, não agia como agente facilitador como pregam alguns
pesquisadores. Como vimos, usar tecnologia não significa melhorar a
aprendizagem. Precisamos de tarefas que forcem os alunos a falarem para
defenderem os seus pontos de vista e, desse modo, após analisarmos as suas
estratégias argumentativas, elaborarmos novas tarefas que forcem as
argumentações na direção desejada (ver capítulos 3 p.60 e 4 p. 68). Somente
para ilustrar, no Brasil já encontramos propostas inovadoras para o uso de
tecnologia em sala de aula, por exemplo, nos livros de BARUFI e LAURO,
MANRIQUE et al (2002) e em sites dos Institutos de Matemática das principais
universidades brasileiras.
BARUFI (1999) revelou em sua análise que nos cursos de Cálculo ainda
são feitas as mesmas perguntas do passado. Abordou a questão da tecnologia
como ferramenta importante na resolução de problemas, mas que nem sempre
é utilizada dessa forma pelo professor, o que implica em uma atividade
cansativa e sem significado para o aluno. Afirmou que a compreensão só
ocorre quando emerge a significação e que “a sensibilidade possibilita ao
professor observar o brilho nos olhos de seu aluno quando este conseguiu
construir o significado”. (id., p.169).
BOUAZZAOUI (1988) apresentou um estudo sobre as concepções
manifestadas por alunos e, professores marroquinos no final do curso
secundário, com relação à continuidade (simples) de uma Função. Entre as
conclusões encontramos que, tanto os alunos quanto os professores,
apresentaram várias concepções sobre Função Contínua. A concepção
17
geométrica e global foi a mais manifestada por todos, mas também foi ao
mesmo tempo o principal obstáculo encontrado. Os alunos não apresentaram
como definição de Função Contínua aquela que os professores e os livros
apresentam. Para aqueles alunos uma Função era Contínua em A quando
estava definida em todos os pontos de A.
Nós também encontramos resultados como este em nossa pesquisa
quando aplicamos a tarefa 03 do trabalho de campo (ver capítulo 4, p.91 e
p.92).
BOUAZZAOUI verificou que as definições formais apresentadas pelos
alunos pareciam ter pouca significação. Muitos alunos e alguns professores
possuíam pouca compreensão sobre a noção geral de Função, Contínua ou
não. Chamamos atenção para o nosso uso para a produção de significados.
Como fizemos uma leitura positiva, isto é, analisamos o que o aluno
efetivamente fez e não o que queríamos que fizesse, não compartilhamos com
este comentário de que “as definições pareciam ter pouca significação”.
Consideramos que o significado foi produzido ou não e, portanto, não fazemos
juízos de valor.
Segundo LINS (1999, 2004) precisamos usar idéias Matemáticas
teóricas para criar situações que façam as diferenças. “Se eu percebo as
diferenças eu posso respeitar ou então fazer um ato político”, que nesse caso
quer dizer negociação, argumentação. Situações Matemáticas são riquíssimas
para que as pessoas percebam as diferenças. Nesse contexto, o significado é
aquilo que dizemos sobre alguma coisa, isto é, os objetos podem ter
significados diferentes dependendo de quem os define. Os objetos se
constituem através das enunciações feitas pelo ser cognitivo enquanto produz
significado. Precisamos saber quais objetos estão sendo constituídos e quais
significados estão sendo produzidos. Um significado é sempre resultado de
uma enunciação que deve ser justificada.
SCHWARZ (1995) também pesquisou a concepção de Função entre
alunos do nível Médio. Um de seus referenciais teórico-metodológico foi a
18
classificação de SFARD (1992) para o processo de transição entre uma
concepção operacional e uma concepção estrutural de qualquer conceito
Matemático. Revelou que o nível mais elementar desse processo de transição
é chamado de interiorização. A interiorização é identificada como o estágio em
que o processo é executado num objeto já conhecido. SCHWARZ relatou que
os sujeitos apresentaram uma concepção operacional para Função, isto é, se
preocuparam mais com a variação entre as variáveis ao invés da
correspondência entre os elementos do Domínio e do Contra-Domínio.
Segundo o autor, SFARD afirmou que os alunos geralmente usavam um
conceito mais estrutural de função quando estavam no nível Superior de
ensino, mas advertiu que eles precisavam apropriar-se do conceito operacional
para depois passar para o estrutural.
Um dos fenômenos que Anna Sfard elenca como indicação da tendência do aluno em pensar como um processo e não como um objeto permanente, é o da dificuldade geral com a função constante. Essa dificuldade foi também observada entre os alunos pesquisados, que ao analisar a função f(x)=2 afirmaram que falta a variável x. Isso indica a existência da crença de que a uma mudança da variável independente corresponde uma mudança da variável dependente. Esse fato contribui mais uma vez para nossa conclusão de que os alunos têm e trabalham com uma concepção mais operacional de função. (SCHWARZ 1995, p. 127-128)
NUNES (2001) estudou a convergência de seqüências através de
atividades especialmente elaboradas e aplicadas para alunos de Licenciatura
em Matemática que ainda não haviam tido aulas sobre o assunto. A autora
encontrou resultados semelhantes aos de SCHWARZ, disse que parecia que
os alunos não concebiam domínio, contradomínio e imagem de função como
conjuntos. Os alunos, também, acreditavam que uma seqüência constante não
convergia, porque seus termos não se aproximavam de nenhum número. A
autora disse que SIERPINSKA observou em seus estudos, que os alunos
confundiam a seqüência com a sua imagem.
Encontramos resultados semelhantes para a função constante durante
as aulas do curso pesquisado por nós. Os alunos justificaram, em uma das
avaliações escritas, que o não existia, pois não era possível de ser Lim 50 x→∞
19
Calculado. Uma aluna escreveu que não poderia calcular porque não existia a
incógnita. Também obtivemos resposta como “o domínio não pode ter mais do
que uma imagem” como mostra o capítulo 4, p. 82.
GUTIERREZ e DIAZ (2000) apresentaram um artigo sobre o processo
de ensino e aprendizagem de alguns conceitos elementares de Análise
Matemática do ensino Médio e Superior. Entre os conceitos elementares
citaram o conjunto dos números Reais e aplicação de Limites. A pesquisa foi
feita com professores e foi usado o software Maple. Entre as conclusões dos
autores, apareceu que os professores pesquisados apresentaram uma imagem
mental de que o axioma da completude se referia a algo contínuo, cheio, sem
buracos e o conjunto dos números Reais era identificado como um contínuo,
sem começo, fim e buracos. Apresentaram que, na sala de aula, estes
professores faziam uso de analogias quando afirmavam que a completude dos
Reais poderia ser comparada à linha do horizonte, às linhas contínuas de uma
estrada e não existia nada na vida real absolutamente tão compacto, pois a
matéria foi formada por átomos que não eram compactos e que deixavam
vazios entre si. Eles afirmaram que para alguns pesquisados, a grandeza mais
utilizada na vida real, que poderia ser comparada ao conjunto dos reais, era o
tempo, entretanto, continuava sendo algo inacessível do ponto de vista
material. Os autores constataram que a idéia intuitiva e a idéia conceitual
caminhavam separadamente.
Sobre as concepções dos alunos envolvendo números reais,
encontramos o artigo de IGLIORI e SILVA (2000) que fizeram um levantamento
sobre três pesquisas referentes a este assunto e aplicaram atividades para
alunos de graduação em Matemática validando os resultados apontados nas
três pesquisas.
Diversas pesquisas mostram que, para os alunos, as relações existentes entre os diferentes conjuntos resultantes de sucessivas extensões empíricas do campo numérico estão longe de serem claras. Para os alunos, R compreende categorias diferentes de números: os inteiros, as frações, os decimais, os números que se expressam por radicais e quaisquer outros números, como π, todas essas categorias tendendo a se confundir na associação de número real com
20
número decimal (com número de decimais reduzido), associação reforçada pelo uso de calculadoras. Do mesmo modo se há uma associação de reais com a reta numérica, essa associação não corresponde necessariamente a nossa visão da continuidade numérica. (ARTIGUE, M. IREM, Paris VII, 1989, apud id., p.40).
Os autores apontaram que nas pesquisas estudadas por eles, os alunos
disseram que a reta numérica é a representação geométrica do corpo dos
números reais, entretanto, este modelo geométrico dos alunos não
correspondia à reta de Dedekind. Alguns alunos responderam que se
pudéssemos fazer uma espécie de zoom na reta numérica, veríamos que ela é
um conjunto de pontos. Também apareceram respostas do tipo “o segmento é
finito, portanto menor que um conjunto infinito”. Os autores concluíram a
pesquisa mostrando que os resultados encontrados aqui no Brasil, foram
semelhantes aos resultados encontrados na França e em Israel.
SAD (1998, p.14) afirmou que encontramos pelo menos dois grupos
distintos de estudantes de Cálculo: os que aceitam a Análise Não-Standard e
os que não a aceitam. Aqueles que não a aceitam usam a definição de que o
conjunto dos números reais é um corpo ordenado completo e, como relacionam
com pontos sobre a linha, não existe lugar para colocar mais nenhum número,
isto é, a linha numérica é completa. Desse modo esses alunos não admitem a
existência dos infinitésimos5. Os alunos que aceitam a Análise Não-Standard
olham a completude como um resultado técnico que “adiciona os pontos limites
de seqüências de Cauchy de números racionais, sendo perfeitamente possível
colocar os números reais em um conjunto numérico maior, incluindo os
infinitésimos e números infinitos, os hiper-reais”.
COBIANCHI (2001) fez um estudo com professores e, assim como
IGLIORI e SILVA, concluiu que na visão deles, cada ponto da reta
representava um número real. Quanto à idéia e definição de Função Contínua,
os professores associaram à definição formal de limite. O autor salientou que
qualquer procedimento de ensino ou atividade pedagógica para o conteúdo de
números Reais, deveria conter as noções de continuidade numérica. Exaltou
5 Infinitésimos são números positivos menores que qualquer racional positivo não nulo (SAD, 1998, p.14)
21
que os aspectos teóricos não poderiam ser abandonados e tópicos da História
e Filosofia da Matemática deveriam ser utilizados nas discussões em temas de
Cálculo e Análise Matemática ou qualquer disciplina específica de Licenciatura
em Matemática.
BROLEZZI (1996) concluiu que seria preciso levar em conta no ensino
de Cálculo, imagens com fortes características da continuidade e, ao mesmo
tempo, metáforas que façam uso do discreto. Seria necessário que o aluno
visualizasse as idéias do Cálculo e soubesse utilizá-las em aplicações práticas.
SAD (1998) aplicou atividades envolvendo conteúdos Matemáticos como
Limites e Derivadas para estudantes de Cálculo e fez entrevistas com
professores de Cálculo sobre as suas práticas. As respostas indicaram que
existe entre estes professores uma necessidade de unificar as noções ou
objetos do Cálculo. Segundo ela, o problema foi que agindo assim, os
professores tendiam a esquecer os diversos modos de produção de
significados e a sua importância para novas relações, descobertas e criações.
Como o seu referencial teórico-metodológico constituiu-se das idéias do
Modelo Teórico dos Campos Semânticos (MTCS) de Romulo Campos Lins e
nós também investigamos a dinâmica da produção de significados, sentimos a
necessidade de descrever alguns elementos chaves explicitados por LINS em
suas obras (1997, 1999) e na palestra proferida na PUC/SP em 17/05/2004.
Para LINS, o MTCS é um modelo didático que visa ler processos, isto é,
ler o que acontece enquanto acontece. É uma poderosa ferramenta em
Educação Matemática para pesquisa e desenvolvimento, pois serve para guiar
práticas em sala de aula e para habilitar professores a produzir uma leitura do
processo de produção de significados em sala de aula. É de vital importância
porque se o professor souber como é o pensamento do aluno, poderá
antecipar-se e melhorar o processo de aprendizagem. O MTCS é dirigido para
a interação, isto é, só tem sentido posto em prática. Não se faz juízos de valor,
tudo é feito por alguém, em alguma situação, em um ato político, ou seja, ato
social. O processo é todo avaliativo, uma avaliação epistemológica, isto é,
sabendo-se como uma pessoa pensa, continua-se a interação. O
22
conhecimento é resultado de um par (crença-afirmação; justificação). A
afirmação é intencional, são os atos enunciativos, as falas, os gestos, os
arranjos de objetos. A justificação é dirigida a um interlocutor. Quem produz
conhecimento é quem afirma. “Eu tenho conhecimento que aquela pessoa tem
conhecimento sobre aquilo”.
Durante o “processo” a crença é um estado mental de convencimento,
não se pode entrar na cabeça da pessoa para saber o que ela está pensando.
Somente durante a justificação é possível saber se a pessoa acredita em
alguma coisa, isto é, quando ela afirma ou age de acordo. Não se julga a
verdade dos alunos porque pode ser verdade em uma situação e não ser em
outra. Um exemplo disso é quando o aluno escreve que 0,999999.......=1. O
aluno pode não acreditar, mas usa porque sabe que precisa usar isto se quiser
acertar a questão. Conhecimento é fruto da enunciação e não do enunciado,
desse modo, não existe conhecimento implícito, é preciso explicitar para
conhecer.
Em nossa pesquisa usamos esta idéia de produção de significados do
MTCS porque apresenta um conceito de legitimidade para as argumentações.
Um processo argumentativo é constituído quando existe um reconhecimento
das duas partes de aquilo é válido, isto implica na valorização da fala do aluno.
LINS definiu campo semântico como aquilo que se constitui na própria
atividade de produção de significados, isto é, revela o que está sendo e não o
que deveria ser. Ainda, durante o processo da produção de significados, o
sujeito faz certas afirmações que não sente necessidade de justificar,
afirmações que são por ele tomadas como localmente válidas. Cada afirmação
desse tipo recebe o nome de estipulação local.
SAD (1998, p.296) destacou que o resultado central da sua pesquisa
girou em torno da confirmação da existência de diferentes modos de produção
de significado a partir do Cálculo.
23
A análise epistemológica dos dados, tendo por base o MTCS, mostrou que o ponto principal desse resultado central é a produção de objetos diferentes a partir do Cálculo, não apenas objetos de aparências diferentes. A fonte dessa afirmação está nos discursos, nas falas colhidas, as quais aparecem na forma de afirmações distintas a partir de um mesmo texto. (id., p.296).
Segundo SAD (id., p. 299) a “pesquisa confirmou que dentre os modos
predominantes de produção de significados, objetos e conhecimentos a partir
do Cálculo, a caracterização fica por conta de estipulações locais” dos
seguintes tipos: visual/geométrica, infinitesimais, limites e algorítmicas.
Segundo ela, poderíamos também, “produzir significado para situações que
envolvem noções básicas como a de Funções e outras relacionadas ao
pensamento algébrico”.(id., p.300). O estudo mostrou que a maneira de
considerar o Limite como um processo dinâmico, que envolve pontos em um
gráfico, cada vez mais próximos de um ponto limite, como na definição de
Limite de Cauchy, muitas vezes consistiu em um obstáculo epistemológico.
“....para melhorar o entendimento dos estudantes a partir da definição formal de limite é necessária uma instrução cuidadosa e explícita”, nesse caso, do professor, que verifique todos os modelos de limite construídos pelos alunos, bem como “os conhecimentos e relacionamentos durante o processo de produção, afim de tornar possível uma mudança no modo de produção de significado em relação, por exemplo, a estipulações locais de limite e, assim, permitindo que o estudante faça do seu modo de produção de significado um obstáculo para outros modos”. SAD (id., p.300)
Compartilhamos este resultado com SAD, conforme escrevemos em
nossas considerações finais no capítulo 5.
VILLARREAL (1999) aplicou atividades sobre conteúdos de Cálculo, tais
como reta tangente, derivada e coeficiente angular entre outros. Usou
softwares, calculadoras gráficas e as atividades traziam questões enunciadas
de modo algébrico para os alunos traçarem o gráfico. Uma aluna disse que não
poderia traçar uma reta tangente à outra reta, pois “as retas não possuem
tangentes”, a própria reta tangente seria coincidente com a reta dada. (id., p.
72-73). Em outra atividade uma aluna afirmou que “para que uma função seja
crescente, f(x) tem de ser positiva”. Conforme mostra o capítulo 4 (p.70),
encontramos argumento semelhante em nossa pesquisa.
24
Os alunos pesquisados por VILLARREAL falaram em “tangenciar”, mas
não especificaram o significado do verbo. De modo geral, os alunos disseram
que o computador ajudou na visualização gráfica, mas o cálculo teria que ser
feito no papel. O trabalho com o computador e com o lápis deveria ser
integrado (id., p.140).
Segundo, uma característica, também, presente em muitos momentos dos episódios analisados é a não linearidade nos caminhos percorridos pelas estudantes para resolver as questões colocadas. Por momentos, parece que uma determinada pergunta feita pela entrevistadora ou colocada por alguma das estudantes em um contexto dado, faz com que as estudantes estabeleçam conexões com outras idéias relacionadas e, aparentemente, “afastadas” do núcleo de interesse. (id., p.311)
A autora chamou atenção que VINNER (1982) apresentou um artigo
onde explorava o tema sobre retas tangentes e abordava, também, esta
discussão. Segundo ela, através de respostas escritas por 278 universitários, o
autor concluiu que existiam imagens conceituais que estavam ligadas à
intuições prévias.
BARUFI (1999) apresentou estatísticas de reprovação indesejáveis na
disciplina de Cálculo em alguns cursos da USP/SP entre 1990-1995.
Analisando alguns livros didáticos usados por professores dessa disciplina,
revelou que buscava “descobrir a forma de organização pela qual o
conhecimento é comunicado, revelado, ou pela qual os significados são
construídos” (id., p.48). Segundo a autora, a análise dos livros indicou que
existiam dois modelos distintos de propostas didáticas: 1. O conteúdo aparece
de forma sistêmica, formal e logicamente organizado, como resultado de
trabalho de pensadores, filósofos e matemáticos, durante mais de vinte séculos
e 2. O conteúdo está em construção “não obedecendo a estruturação lógica,
mas sim ao desenvolvimento do Cálculo, baseando-se numa metodologia
problematizadora” (id.,p.53).
BRUNER (1998) valorizou a linguagem verbal como instrumento de
construção, comunicação e representação da realidade. As narrativas
produzem eventos e histórias: “o ato do autor criar uma narrativa de um
25
determinado tipo e de uma forma especial, não é evocar uma reação
padronizada, mas recrutar o que for mais apropriado e emocionalmente vivido
no repertório do autor” (p.38).
LAKOFF e JOHNSON (1980), baseados principalmente na evidência
lingüística, constataram que a maior parte de nosso sistema conceitual
ordinário, em termos do qual pensamos e agimos, é de natureza metafórica. A
essência da metáfora é compreender e experienciar uma coisa em termos de
outra (id., p.47- 48). Os autores fizeram um contraponto entre um enfoque que
analisa a metáfora como fenômeno de linguagem, sem valor cognitivo, e um
enfoque que lhe atribui um status epistemológico. Nesta concepção o modo
como se pensa, a experiência que se tem e o que se faz todos os dias são uma
questão de metáfora. As metáforas dependem da cultura do povo. As
implicações dessa tese geram muitos estudos, já que dizem respeito não
apenas à linguagem, mas sim à própria atividade de cognição. Esta atividade
não se processa de forma desvinculada da linguagem, nem da nossa maneira
de lidar com o mundo. “...A metáfora é indiscutivelmente de natureza conceitual, pois é um importante instrumento do nosso aparato cognitivo e é essencial para a nossa compreensão do mundo, da nossa cultura e de nós mesmos. A metáfora é parte tão importante da nossa vida como toque, tão preciosa quanto”. (LAKOFF e JOHNSON, 1980, p.33).
Para os autores, as metáforas são ligadas às percepções do mundo, a
começar pela relação com o próprio corpo. Ou seja, a mente e o corpo não
são independentes. Sendo assim, as metáforas estão longe de serem
fenômenos marginais, são de importância vital para o próprio funcionamento da
mente humana, uma vez que sem a sua atuação constante, o pensamento em
si se tornaria impossível.
Essas metáforas, de tão comuns na língua corrente, passam muitas
vezes despercebidas. Presentes, na própria estruturação do sistema
conceitual, comum aos membros de uma cultura, as metáforas se evidenciam
na língua. Essas metáforas estruturais convencionais não são raras, ao
contrário, constituem, como afirmaram LAKOFF e JOHNSON, a base do
sistema conceitual do homem. Metáfora Conceitual é um mecanismo cognitivo,
26
um mapeamento que permite fazer inferências num domínio alvo, baseado em
inferências que são válidas em outro domínio de experiência (fonte). Assim o
domínio alvo é entendido, freqüentemente inconscientemente, em termos das
relações válidas no domínio fonte. Quando se diz que as IDÉIAS SÃO OS
ALIMENTOS DA MENTE, não existem semelhanças inerentes à "idéia" e
"alimento" que justificariam a metáfora. O conceito de digerir um alimento é
independente da metáfora, mas o de digerir uma idéia só surge graças à
metáfora.
Um mapeamento é a compreensão de que um objeto ou elemento em
um espaço mental corresponde a outro objeto em outro espaço mental. Pode
ser entendido como uma relação especial entre os dois espaços.
A metáfora pode ser entendida como um mapeamento (no sentido
Matemático) de um domínio de origem (estar parado) a um domínio alvo
(função constante).
Domínio Fonte Domínio Alvo
M
A metáfora ou mapeamento cognitivo é uma relação especial entre dois objetos
Tabela 02 – Exemplo de mapeamento cognitivo
Para eles, o começo de toda a atividade cognitiva seria a experiência
humana de lidar com o mundo externo. Os autores afirmaram que as metáforas
não têm como base, similaridades preexistentes, inerentes aos conceitos, mas
que são as próprias metáforas que criam essas semelhanças que, de outra
maneira, não existiriam.
• Objeto que se
move e deixa
rastro
• Carro passa pela cidade X
• Carro parado
• Gráfico da Função
• Passa pelo ponto A
• Função
constante
27
Os autores apontaram uma prática comum entre os professores de
Matemática: a utilização de expressões metafóricas do tipo uma equação é
como uma balança e a Função é uma máquina. CASTRO e FRANT, em seus
trabalhos, afirmam que os alunos aprendem Matemática assim como aprendem
as coisas do cotidiano. Nesse sentido o discurso do professor assume um
papel fundamental na aula de matemática, motivo pelo qual optamos pela
análise do discurso desse. LAKOFF e JOHNSON defenderam que a
percepção, o comportamento e o relacionamento com o outro, é formatado por
conceitos pessoais e o sistema conceitual é em grande parte metafórico.
Segundo eles, se for assim então também o são, não só a maneira como se
pensa e o que se experimenta, mas também a atividade diária.
LAKOFF e NÚÑEZ (2000), no livro Where Mathematics comes from,
apresentaram várias metáforas conceituais do âmbito da Matemática como, por
exemplo, a metáfora básica do Infinito (capítulo 8, p.155). Para eles, o
conceito de “infinito” não pode ser corporifcado porque todas as coisas que
existem são finitas e, portanto, apresentam um fim ou um entorno. Sendo
assim, o conceito de infinito vem da noção de negação daquilo que é finito. O
que temos é uma noção corporificada do que seja o infinito. Não conseguimos
caracterizar coisas infinitas como pontos no infinito, números transfinitos,
conjuntos infinitos ou uniões infinitas. O problema é que na Matemática usamos
vários conceitos de infinitos. O que precisamos estudar é como estas idéias
(conceitos) se relacionam com a idéia de seqüências infinitas, somas infinitas,
intersecção infinita. O que quer dizer algo infinitamente grande ou pequeno?
Nesse livro encontramos que o infinito pode ser entendido como um
processo, contínuo e sem fim, de iteração, um movimento que continua para
sempre. Os autores usaram como exemplo a frase “João pulou, pulou de novo
e pulou de novo” em que aparece um processo iterativo de três pulos. Segundo
eles, geralmente interpretamos pulou, pulou e pulou não como um processo
iterativo de três pulos, mas como um processo sem fim. O verbo pular induz a
um processo iterativo repetitivo onde o pulo começa e termina. Quando
usamos verbos como nadar, sentir ou voar aparece uma idéia diferente, pois
estes verbos sugerem continuidade de movimentos. A idéia de ação iterativa
28
pode ser usada de várias formas para expressar a idéia de ação contínua e
pode ser caracterizada em termos cognitivos como uma metáfora.
Movimentos indefinidamente contínuos são difíceis de visualizar, então o
que fazemos é visualizar indefinidamente a repetição de pequenos
movimentos. No dia a dia, ações contínuas requerem ações iterativas. Por
exemplo, a ação de andar continuamente pressupõe repetição de passos,
nadar continuamente pressupõe repetição de movimentos dos braços e pernas.
Este conflito, entre ações repetidas e ações contínuas, resulta numa metáfora
onde as ações contínuas são conceituadas em termos de ações repetidas. Os
processos contínuos infinitos são conceituados via esta metáfora que conceitua
processos iterativos infinitos como tendo ponto final e um resultado. Este tipo
de infinito é chamado de infinito atual.
Outro tipo de infinito é o infinito potencial que se referente à idéia de
processo sem fim. É como se numa seqüência numérica fôssemos sempre
acrescentando mais um e mais um indefinidamente.
Tabela 03 – Exemplo de metáfora básica do infinito – o infinito potencial (LAKOFF e NÚÑEZ,
2000, p.159)
Aqui encontramos em SAD (1998) que Aristóteles era uma figura
influente e afirmava que “os matemáticos não precisavam do infinito, nem o
usavam”.
29
Aristóteles negou o uso do infinito real e admitiu somente o caso das grandezas contínuas (geométricas) infinitamente pequenas e de números infinitamente grandes no sentido de infinito potencial, em relação a estipulações locais numéricas, mas sem considerar nessas estipulações qualquer princípio ou objeto que fosse um conjunto numérico infinito. Para ele, o discreto e o finito eram objetos da ciência, enquanto que o contínuo e o infinito, objetos virtuais, eram reservados à metafísica (id., p.180).
LAKOFF e NÚÑEZ (2000) analisaram como metafórica a idéia de infinito
atual ou real. Segundo eles, usamos processos que têm fim para conceituar
limites de séries infinitas ou pontos no infinito. Os autores definiram esta idéia
como a metáfora básica do infinito MBI, onde o domínio alvo são estes
processos que têm fim. A MBI inicia-se com a 1ª etapa do processo, continua
com as iterações e finaliza com o mapeamento entre os elementos
correspondentes no domínio alvo. Conceituar os processos iterativos em
termos de processos que têm fim, produz o conceito de infinito atual.
Exemplificamos com a seqüência (xn) = 1/x em que o limite dos valores da
seqüência é zero, quando x → ∞. O limite da seqüência vale zero, entretanto,
não existe este valor na seqüência numérica e isto equivale à idéia do infinito
atual. Podemos exemplificar como no quadro abaixo.
A metáfora básica do infinito (MBI)
Domínio Alvo – processo iterativo completo
Domínio Fonte – processo iterativo de ir e ir
condição inicial condição inicial a) condição resultante do estágio a)condição resultante do
estágio inicial do processo inicial do processo b)o processo: após a condição b)o processo: após a condição Intermediária, produz a próxima Intermediária, produz a próxima condição condição c)O resultado intermediário c)O resultado intermediário resulta da resulta da iteração iteração dos processos dos processos d)A condição resultante do final d)A condição resultante do final (o infinito atual) e) a condição final resultante e) a condição final resultante é única e obedece uma condição é única e obedece uma condição que não é a final que não é a final Tabela 04 – Exemplo de metáfora básica do infinito (id., p.159)
30
Nesse contexto, o infinito é conceituado como um objeto. Graças a MBI
falamos que uma soma infinita é menor ou maior que outra. Sob a perspectiva
da cognição corporificada, muitos conceitos matemáticos diferentes, têm
estruturas similares. A MBI é um mecanismo conceitual, geralmente,
inconsciente e o infinito atual é apenas um dos objetos matemáticos
caracterizados por esta metáfora. Se o leitor entender x → ∞ como “x se
aproximando do infinito” já pressupõe chegar perto de um lugar conhecido e
isto só é possível graças a uma metáfora conceitual, pois este lugar na verdade
não existe. O que acontece é que fazemos uma projeção de um lugar que fica
muito longe. O leitor pode entender x → ∞ como “x assumindo valores sempre
maiores do que um número natural qualquer” que é idéia do infinito atual, pois
o resultado das infinitas iterações de “somar mais um” levam à generalização
de que a solução é o ∞, mas, novamente, o ∞ não pertence ao conjunto das
iterações.
Vimos em NUNES (2001, p.94) que os alunos pesquisados
consideraram o infinito como um número desconhecido. Em nossa análise
consideramos que estes alunos, via (MBI), enxergaram que a seqüência
caminhava para um número desconhecido, visto que teria que ser um número,
já que as iterações resultavam sempre em um número.
Quando vemos a série de termo geral xn = 1/2n, se pensarmos em
termos de infinito potencial (aritmético), as somas parciais da série (1 + ½ + ¼
+....+ 1/2n ) resultam em um número menor que 2. Não encontramos nenhuma
parcela que resulte 2 e , nesse caso, concluímos que a soma total deverá ser
menor que 2. Ao passo que se pensarmos a mesma soma em termos de
infinito atual (geométrico), pensamos no resultado como o final de um processo
de iterações de infinitas aproximações e aí, então, a resposta para tal soma
será exatamente 2.
A idéia de limite de seqüência também pode ser entendida dessa forma.
Na seqüência (xn) = n/(n+1) existe uma seqüência se aproximando do limite
31
que é 1. Observamos no quadro abaixo a explicação dos autores para este
fato.
tabela 05 – exemplo de metáfora básica do infinito para limites (id., 189)
Observamos que n é usado para caracterizar os passos da (MBI) e
também para indexar os termos da seqüência. Notamos que (xn) contém
infinitos termos, mas não contém um termo onde aparece o número 1. Não
precisamos de epsilon ou quantificadores. Isto explica porque podemos
calcular limites sem usar epsilon e delta. De modo geral, os cursos de Cálculo
para alunos que não serão Matemáticos utilizam esta abordagem para o
cálculo dos limites. Os professores reconhecem que fazer aproximações é mais
fácil para o aluno do que calcular com epsilon e delta. Quando os alunos fazem
aproximações usam, inconscientemente, a metáfora de TALMY6 para
movimentos fictícios. Um movimento fictício é um mecanismo que conecta
processos e coisas.
6 TALMY citado pelos autores, refere-se a LEONARD TALMY, diretor do Centro de Ciência Cognitiva da Universidade
de Búfalo, New York. Membro do CREA – Center for Research in Applied Epistemology, Paris.
32
Podemos conceituar, metaforicamente, um caminho, objeto ou forma
como um processo que traça o comprimento desse caminho, objeto ou forma.
Uma pessoa pode falar que “a Consolação vai até a Praça da República”
porque está, metaforicamente, conceituando a rua da Consolação como uma
curva que se move até a Praça da República. Este é um exemplo da metáfora
do movimento fictício, pois na realidade a rua da Consolação não se
movimenta, assim como gráficos de funções também não se movimentam. E,
em nosso exemplo anterior, a seqüência numérica também não vai para lugar
nenhum. É a metáfora do movimento fictício que faz com que os alunos vejam
a seqüência caminhando em direção de algum lugar.
Para os autores, os valores da seqüência são metáforas conceituadas
como locações de uma linha, isto pode ser entendido como pontos de parada
de ônibus na linha que representa o seu trajeto. Desse modo o infinito é o
ponto final de uma linha locada. Como já dissemos, sob a perspectiva da
cognição corporificada, muitos conceitos matemáticos diferentes, via MBI, têm
estruturas similares. Com os números Reais não seria diferente, pois, segundo
os autores, o número real é o resultado de uma construção metafórica (id.,
capítulo 13, p.292).
Vimos em nossas leituras que a sistematização dos números reais,
incorporando a idéia do continuum Real só pôde acontecer com DEDEKIND
em 1872. No século XIX aconteceram três importantes movimentos
intelectuais: 1) a aritmetização da análise, 2) o movimento de fundamentação
da teoria dos conjuntos e 3) a filosofia da adoção do formalismo. Os três
movimentos pressupunham entender retas, planos e espaços de n dimensões
como pontos.
DEDEKIND mostrou como construir números reais usando conjuntos
(conjuntos infinitos) de elementos discretos. Segundo LAKOFF e NÚÑEZ
(2000), ele usou uma metáfora conceitual quando construiu os números reais
através de “cortes” e, nesta construção, os números podem ser vistos como
pontos locados da linha. O que está implícito é o uso da MBI. Podemos
entender os pontos, como se fossem pontos de parada de uma linha do metrô
33
sobre uma linha que representa seu trajeto. A metáfora conceitual nos leva a
olhar pontos e a reta contínua do mesmo modo, no entanto ao fecharmos
algumas paradas, ainda ficamos com uma linha contínua para o trajeto. Aqui
temos um exemplo de que os mapeamentos cognitivos podem mapear
inferências válidas em um domínio, mas não no outro. Em Matemática, um
ponto pertencente a uma reta ao ser retirado deixaria um buraco.
A noção de correspondência para os números Reais faz com que
vejamos um e, somente um, número para cada ponto. O corte de DEDEKIND
usa a combinação conceitual de duas metáforas: espaços são pontos e
números são pontos da linha. A combinação contém três domínios que são
mapeados metaforicamente: espaço, pontos e números. Quando números
racionais são associados aos pontos da linha, existem pontos não associados
a esses números e, conseqüentemente, são os irracionais. Podemos traduzir a
inferência de DEDEKIND do seguinte modo: se a linha constituída por pontos é
contínua, então o conjunto de pontos também é contínuo (esta é a idéia do
continuum numérico).
A construção dos números reais envolveu conceitos metafóricos de
diferentes objetos. O problema é que a maioria dos números reais não é vista
nas coisas materiais. Por exemplo, não encontramos √2 na escala dos
termômetros e, muito menos, em instrumentos de medida.
Do mesmo modo, os autores explicaram que quando funções são
caracterizadas no plano cartesiano, vemos que funções contínuas são
representadas metaforicamente por linhas contínuas. Se a função no plano
cartesiano é uma curva contínua, então a coleção de números correspondentes
para os pontos na linha também é contínua. Uma linha metaforicamente
contínua está no domínio espacial das combinações metafóricas. A linha nessa
combinação também é contínua. Pontos na linha são mapeados um a um por
números via a metáfora que “números são pontos da linha” e a “linha é um
conjunto de pontos”. Apresentamos estas idéias mais detalhadas no capítulo 3.
34
DEDEKIND assumiu que toda aritmética pode ser construída a partir de
números naturais. A aritmética dos números racionais pode ser caracterizada
em termos da aritmética dos números naturais. Números irracionais podem ser
entendidos por números racionais que, por sua vez, podem ser entendidos
através dos números naturais. A idéia de “estender” as propriedades numéricas
de um conjunto e ir formando um novo conjunto não é comum em nosso
cotidiano e, nesse caso, para que possa ser pensada precisa ser
contextualizada socialmente.
WEIERSTRASS fez uso da MBI quando mostrou como fazer cálculos
discretos, eliminando a noção da continuidade natural espacial, a noção de
movimento. Uma conseqüência importante do programa de discretização foi o
conceito de rigor. Usando símbolos definidos com precisão (ε,δ) e métodos
algorítmicos pode-se classificar o cálculo em certo ou errado. Podemos checar
passo a passo o cálculo e fazer correções. A partir do século XIX, a
discretização e a simbologia passaram a ser os fundamentos do cálculo, re-
conceituando o Cálculo como aritmética. Conceituar a continuidade em termos
de discreto é uma metáfora básica. A combinação de uma metáfora básica com
a (MBI) permite entender o espaço naturalmente contínuo em termos de
discreto.
Em COURANT e ROBBINS (2000, p.82) vimos que “nada em nossa
intuição pode nos ajudar a enxergar os pontos irracionais como distintos dos
racionais”. Geometricamente se existir uma correspondência mútua entre
números por um lado e pontos de uma reta por outro, precisamos introduzir os
números irracionais. Esta idéia utiliza uma seqüência de intervalos encaixantes,
onde para cada intervalo corresponde um único ponto da reta numérica que se
encaixa em todos eles. Este ponto é chamado, por definição, de número Real.
Ainda encontramos no mesmo livro, que nada deve causar constrangimento,
pois este é um postulado fundamental da Geometria e não necessita de
provas.
35
Aqui vale fazermos um comentário de que este postulado conta com a
nossa intuição sobre coisas que se encaixam. É mais fácil pensar em intervalos
que vão ficando cada vez menores, mas sempre contendo algum ponto. É a
idéia do movimento fictício que faz com que pensemos em intervalos que vão
se encaixando e este processo de iteração resulta no continuum Real. Nessa
visão o ponto está na reta e como a reta é uma linha contínua o conjunto de
pontos também o é. É a continuidade da linha definindo o conjunto discreto de
pontos. Vimos que DEDEKIND preferiu operar com idéias abstratas ao invés da
idéia das seqüências encaixantes.
CANTOR também definiu o continuum Real, porém usando idéias
diferentes duas anteriores. Ele utilizou a idéia de que números reais podem ser
considerados como decimais infinitas e decimais infinitas são limites de frações
de decimais finitas. A idéia é que qualquer seqüência convergente de números
racionais define um número real, é a idéia de completude.
LAKOFF e NÚÑEZ são psicólogos cognitivistas que concebem a
cognição como resultado de uma interação corpo-mente, em que parte do
processo é inconsciente ou implícita. Vimos que eles têm evidências empíricas,
de que muitos objetos matemáticos nascem como metáforas de experiências
motoras e sensoriais do cotidiano de todas as pessoas e vão se refinando com
a cultura. Segundo eles também existem objetos criados via combinação de
metáforas, especificamente, para superar as limitações de outros objetos.
Nesse caso apontamos as construções de número Real como foi feita por
DEDEKIND e CANTOR. Estes Matemáticos buscaram métodos alternativos
que pudessem sistematizar o contínuo numérico. Também vimos que a
definição de Limites, com epsilon e delta, feita por WEIERSTRASS, foi uma
tentativa de formalizar o cálculo de Limites que, até então, ficava na
dependência de idéias intuitivas para aproximações de um número.
Para lidar com o “inconsciente” ou o não dito usamos o Modelo da
Estratégia Argumentativa para tentar, via a análise dos argumentos utilizados
pelos professores, explicitar o mapeamento conceitual e tentar levantar as
metáforas utilizadas. A concepção de conhecimento que adotamos nesse
36
projeto é contrária à de conhecimento como um bem passível de acumulação,
como uma caixa inicialmente vazia e que possa ser preenchida. Para nós o
conhecimento não pode ser adquirido, transferido ou apropriado e sim
produzido pelo sujeito de modo bastante complexo. A metáfora proposta por
FRANT (2001) é a de conhecimento como uma Faixa de Möebius, onde não
temos como dizer o que está dentro ou fora, implicando na necessidade de um
novo paradigma para o conhecimento.
2.2 Um pouco de história
Destacamos a saga da civilização grega. Embora o tipo de sociedade
grega fosse elitista, comandada por ideologias como as de Platão que
contribuíram para gerar o “horror ao infinito”, não aceitando estudar a realidade,
tivemos que fazer um estudo sobre as descobertas dessa civilização, pois era
fundamental que procurássemos as dificuldades históricas sobre a idéia de
infinito e continuidade. Também poderíamos cometer uma injustiça histórica: a
civilização grega trouxe muitas contribuições à Matemática.
Dividimos em duas partes, desde Aristóteles (300 a C) até o séc XIX, os
estudos envolvendo a idéia de infinito, pois geraram em torno das discussões
sobre o infinito potencial (aritmética) e o infinito real ou atual (geometria). Os
gregos procuraram a compreensão dos fenômenos ligados ao infinito, ao
contínuo, ao infinitésimo, buscando uma explicação para o movimento e as
transformações dos seres. Foi esta idéia de movimento que originou o Cálculo
Diferencial e Integral. Como consta na História, os gregos só não conseguiram
desenvolver os fundamentos do Cálculo, porque ficaram presos por algumas
concepções limitantes. Encontramos, por exemplo, em livros sobre história da
Matemática, que os gregos não consideravam a idéia da divisão por zero,
enquanto que os hindus já discutiam desde a antiguidade.
Na maioria dos textos, encontramos que Zeno em seus paradoxos,
como o da flecha, defendia a impossibilidade do movimento, mas como espaço
e tempo possuem a propriedade de continuidade, esses paradoxos deixavam
em descoberto as dificuldades de se imaginar ou intuir os fenômenos
associados à continuidade. BROLEZZI (1996) mostrou que o problema
37
consistiu em considerar tempo contínuo e espaço discreto, ou vice e versa. Os
paradoxos de Zeno ou de Aquiles e a tartaruga apresentavam essa sensação
de certo desamparo intuitivo, pois relatavam uma situação de perplexidade
comum frente à continuidade e ao infinito.
No Paradoxo da Flecha, um arqueiro dispara uma flecha, e observa-se a
sua trajetória em direção ao alvo. Supondo que fosse possível considerar a
posição da flecha em cada instante de tempo, ver-se-ia que a mesma encontra-
se imóvel, ocupando um lugar específico no espaço, igual ao volume e forma
da flecha. Em cada instante, a flecha está imóvel. Como o tempo é constituído
de instantes, a flecha estaria, portanto, parada em toda sua trajetória.
Pensando assim, poder-se-ia colocar-se à sua frente e, no instante do encontro
estaria parada não causando ferimento.
Para BOYER (1974) apesar de lidar-se no dia-a-dia com noções de
velocidade e de movimento, esses conceitos exigem sofisticação. Não
concordamos que se trata de sofisticação, mas sim de uma montagem
complexa entre cenas diferentes. Segundo a posição teórica adotada aqui,
chamar de sofisticação, tais dificuldades, é lançar um olhar reducionista. É
necessário entender cada posição como um espaço mental com possíveis
produções de significado distintas da outra. Se alguém quiser explicar o
estático via movimento, não consegue. Se quiser explicar o movimento via
estático, também não consegue. É necessário criar uma relação que é vista
como montagem para compreender que cada posição está correta, mas sem
essa montagem continua o paradoxo.
Mesmo na época de Zeno as pessoas pensavam por alguns instantes
sobre o paradoxo e a seguir afirmavam que a solução era começar a andar e
pronto. Por causa dessa postura dos gregos, os paradoxos atravancaram muito
o desenvolvimento da matemática grega, dificultando a visão integrada entre as
noções de discreto e de contínuo. Toda essa perplexidade gerou, entre os
gregos, o horror ao infinito. Este fenômeno concretizou a separação entre a
Geometria e a Teoria dos Números. Segundo BOYER (1974) os números
continuavam sendo discretos, porém, existia o mundo das grandezas
38
contínuas. Dentro das grandezas contínuas estava a maioria da Matemática
pré-helênica e pitagórica, devendo ser tratada por métodos geométricos.
Nasceu daí a Álgebra Geométrica que consiste em resolver problemas
aritméticos ou algébricos lidando diretamente com grandezas contínuas, ou
seja, os números e suas representações não importavam. Os números
passaram a serem tratados como segmentos de reta. Cada número é um
segmento de reta, isto é, não se fala mais em racionais ou irracionais e pronto.
Os conceitos de variação e continuidade, do infinito e do infinitesimal, foram
expulsos da matemática grega e, por esta razão, brecaram o nascimento do
Cálculo. Os limites do séc XVII lidaram com símbolos pré-definidos, sem se
preocupar com qualquer visualização mental, mas apenas com as
possibilidades adotadas e, estas idéias já estavam no mundo grego.
O surgimento do Cálculo, no séc XVII, foi conectado com o desejo de
simplificar o método da exaustão de Arquimedes (287-212 a C). Em seu
método, Arquimedes, considerava que superfícies são constituídas por retas.
Utilizava o método da balança (a idéia de nivelamento, igualdade) para chegar
a muitos resultados, como quem pesa mecanicamente uma coleção de lâminas
finas ou de fitas de algum material pesado. Após obter o resultado pelo método
mecânico, utilizava o método da exaustão para demonstrá-lo. SAD (1998)
analisou que a atitude de Arquimedes demonstrou que ele não aceitava o
método mecânico da balança como prova (conseqüentemente, a comunidade
científica da época também não) e recorria ao método que era convencionado
como rigoroso: o Método da Exaustão.
Arquimedes demonstrou que a área do segmento parabólico não pode
ser nem maior nem menor que o valor obtido. Faltava para Arquimedes um
conceito geral de número real e, segundo EVES (2004), ele não poderia utilizar
a noção de passagem ao limite, pois ele era grego e compartilhava as idéias do
horror ao infinito.
Este retrospecto, mesmo rápido, desde a Matemática grega, mostrou
que as idéias do Cálculo nasceram de considerações sobre as grandezas tanto
39
discretas quanto contínuas. As idéias sobre o discreto e o contínuo
possibilitaram o reconhecimento da relação inversa entre problemas de área e
de tangentes a uma curva, que constituem o “santo graal” do Teorema
Fundamental do Cálculo que apareceria de modo explícito nos trabalhos de
Newton e Leibniz na segunda metade do séc XVII.
Existe uma discussão sobre a paternidade do Cálculo. Newton (1642-
1727) ou Leibniz (1646-1716). Ambos, historicamente, fundamentaram as
idéias do Teorema Fundamental do Cálculo, embora vissem o Cálculo de modo
distinto. Newton era cientista e baseou seu Cálculo em noções de continuidade
(usou a velocidade), enquanto que, por outro lado, Leibniz que era filósofo,
teólogo e cientista, usou a idéia discreta das mônadas para alicerçar a base do
Cálculo na diferencial. A história mostrou que as duas idéias foram igualmente
úteis, pois não existia o estabelecimento da noção de limite e, tanto as idéias
de movimento contínuo ou as idéias de infinitésimos discretos, ajudaram as
idéias sobre variações.
Neste momento captamos porque as idéias do Cálculo, inicialmente,
estavam cercadas pelas idéias de movimento, explicações de indivisíveis e
infinitamente pequenos: estas idéias foram sugeridas pela intuição e
experiência ingênuas de continuidade, BOYER (1974).
Vimos que a fluxão de Newton era uma velocidade finita e, não uma
quantidade infinitamente pequena. Newton usou os conceitos mecânicos,
cinemáticos, para expressar as variáveis, o que hoje corresponderia considerá-
las em função do tempo. Trata-se da decomposição no eixo horizontal do vetor
velocidade do ponto (EVES, 2004). Esta é uma visão dinâmica do Cálculo.
Leibniz desenvolveu o Cálculo de forma estática. As variáveis percorriam
seqüências de valores infinitamente próximos, não usou o conceito de
movimento. Ele usou analogias para tentar visualizar o Cálculo através de
quantidades discretas, a diferencial.
Considerou que a diferencial de uma quantidade pode ser imaginada
como tendo, em relação à própria quantidade, uma razão análoga àquela de
40
um ponto para com a Terra ou o raio da Terra para com o raio do Universo.
Esses valores só podiam ser infinitamente pequenos (BARON & BOS, 1985)
para obter a reta tangente à curva num ponto dado. Em linguagem atual, a
diferencial de uma variável y seria a diferença (dy) entre dois valores de y em
uma seqüência de números infinitamente próximos (BARON & BOS, 1985).
Consta nos livros, que o Cálculo moderno é, em essência, o mesmo que
Newton e Leibniz criaram, porém, com uma abordagem conceitual e linguagem
bem diferente. No Cálculo Moderno, a operação de diferenciação associa uma
função a uma derivada (BARON & BOS, 1985). Para Leibniz, a diferenciação
associava uma diferencial infinitamente pequena a uma variável, enquanto que,
para Newton tomar fluxões significava associar uma velocidade finita a uma
variável.
SAD (1998) escreveu que Newton e Leibniz libertaram o Cálculo da
Geometria. Eles partiram de estipulações locais, isto é, afirmações que
localmente não precisam ser justificadas, envolvendo noções algébricas, o que
era um contraponto às estipulações locais produzidas até então, puramente
geométricas. Além disso, os dois elaboraram e fizeram uso de um processo de
antidiferenciação nos problemas de área e volumes. Pensando em termos de
metáforas conceituais como vimos há pouco, estes grandes Matemáticos
constituíram objetos Matemáticos diferentes dos existentes até então, para
tentar superar as limitações dos objetos anteriores.
O que diferenciava para Newton e Leibniz chegarem às idéias do
Cálculo moderno, era a idéia de número associado à natureza da reta real.
Vimos que foi a idéia do continuum numérico. Foi CAUCHY, em 1826, que
estabeleceu a noção de Limites e, de certo modo, podemos considerar que
elaborou em linguagem matemática uma estrutura flexível, dentro da qual as
noções de discreto e contínuo poderiam ser trabalhadas.
Usando essa ferramenta, WEIRSTRASS (1815-1897) introduziu a
linguagem dos epsilons e deltas, formalizando o Cálculo. Ainda era um Cálculo
onde interagiam o discreto e o contínuo. Ainda era preciso uma teoria que
41
trabalhasse melhor a definição do Cálculo. Cantor (1845-1918) preocupou-se,
novamente, com a continuidade da reta real e, propôs a construção de um
conjunto especial de pontos: O conjunto de Cantor. Nesse conjunto reside um
fato histórico muito importante: com esse tipo de exploração do contínuo, foi-se
elaborando um conceito mais sofisticado e abstrato de número real.
Cantor elaborou a sua idéia de contínuo, definindo a continuidade da
reta real com relação ao infinito enumerável do conjunto dos racionais. Para
Cantor todos os pontos de um contínuo são pontos de acumulação e não
existem “buracos” na reta real. DEDEKIND (1831-1916), com a idéia de
“cortes”, consolidou a continuidade da reta real através da noção de conjuntos.
À definição dos números reais, como construções por meio de certos
processos de Limites, começando com números naturais chamou-se de
“Aritmetização da Análise”.
Para DA COSTA (1991) a relação entre a idéia do discreto e do contínuo
na Matemática, contradisse a nossa intuição de que ambos os conceitos de
algum modo poderiam situar-se no mesmo nível. A tradição Matemática diz que
o discreto é superior ao contínuo que, por sua vez é subordinado a ele. É por
causa disso que continuamos com conflitos de ordem epistemológica em
relação ao contínuo.
O estudo histórico mostrou uma ordem lógica de construção do Cálculo
bem diferente da ordem que aparece nas escolas. Apesar da noção de Limites
ser bem posterior às noções fundamentais do Cálculo, nos currículos de
Matemática encontramos uma inversão histórica: os Limites aparecem antes da
noção de derivada e a idéia que fica é que, a derivada é o resultado de um
Limite.
Objetivando compreender melhor a constituição e construção da
representação gráfica produzida ao longo da história, apontamos alguns
detalhes sobre o estudo histórico da geometria analítica. Dialogar com a
geometria analítica tornou-se relevante, pois a representação gráfica de
funções, utiliza os mesmos instrumentos da representação gráfica em
geometria analítica.
42
A Geometria Analítica utiliza-se de “representação gráfica” associada à
idéia de curvas como sistemas de coordenadas para localização de pontos,
bem como à idéia funcional, descrevendo gráficos e curvas. Historicamente,
encontramos discordâncias quanto à origem do sistema de coordenadas e da
própria geometria analítica. Alguns historiadores defendem tal origem oriunda
de uma necessidade prática, associada à localização de pontos por meio de
coordenadas enquanto que outros a defendem associada às representações
geométricas de comparações e variações de quantidades, apresentando assim
um foco mais funcional. Aceitamos aqui, a concepção de que a geometria
analítica é útil para o estudo de curvas, pois, freqüentemente, é a abordagem
mais aceita pelos historiadores e matemáticos.
Em BOYER (1996, p.106) aparece que o sistema de coordenadas, na
Antigüidade, era sempre superposto a posteriori sobre uma curva dada.
Segundo STRUIK (1989, P.98) a matemática historicamente e atualmente, não
pode ser desvinculada da astronomia. Nesse sentido encontramos os modelos
astronômicos de Apolônio e EUDOXO. As investigações de PAPUS sobre as
obras de Apolônio resultaram em grande avanço para a geometria analítica,
(id., p.127). Grandes personagens da história Matemática estudaram PAPUS,
entre eles encontram-se EUCLIDES, NEWTON, DESCARTES, VIÈTE, EULER
E FERMAT entre outros.
Após essas leituras concluímos que as principais idéias que resultaram
na elaboração de um sistema de coordenadas, apareceram numa época
culturalmente muito rica, onde a Matemática era muito sofisticada, como pode
ser observado nas obras de Apolônio. Na antiguidade surgiram as primeiras
elaborações de um sistema de coordenadas, mas as primeiras representações
gráficas, utilizando o aspecto funcional, surgiram no final da Idade Média. O
matemático mais importante da Idade Média foi NICOLE ORESME (±1323-
1382), que desenvolveu, entre outros temas, estudos com potências
fracionárias.
Segundo BOYER (1996, p.180), enquanto estudava problemas e
teoremas relativos à variação das formas, ORESME teve um “pensamento
43
brilhante – por que não traçar uma figura ou gráfico de maneira pela qual
variam as coisas? Vemos aqui, é claro, uma sugestão antiga daquilo que agora
chamamos representação gráfica de funções...”. Nos estudos de ORESME,
encontramos a primeira representação gráfica no sentido funcional, o conceito
de variação de quantidades estava ligado à idéia de continuidade. O grande
mérito de ORESME foi perceber o princípio fundamental de se poder
representar uma função de uma variável como uma curva, porém, somente a
usava para a função linear. Pudemos estabelecer, também, uma conexão com
as idéias da antidiferenciação utilizadas mais tarde por NEWTON e LEIBNIZ.
A revisão histórica sobre o conteúdo de Cálculo, contribuiu para a
comprovação da relevância do tema. A continuidade de funções merece uma
investigação sobre as idéias produzidas por professores/alunos, pois ao longo
da história, as idéias foram se contrapondo e, hoje continuamos vivenciando
praticamente as mesmas indecisões que os nossos antepassados viveram.
Desenvolvemos nossa pesquisa levando em consideração as idéias
sobre Cognição e Linguagem em Matemática para a Continuidade de Funções.
Não tivemos acesso a estudos como o que fizemos e, tal fato, mostrou que
existia uma lacuna enorme sobre a investigação de produção de significados
para a Continuidade de Funções o que corroborou para a importância do
estudo.
45
Visando investigar a produção de significados para a Continuidade de
Funções de uma Variável Real, por alunos/professores de um curso de Pós-
Graduação em Educação Matemática, utilizamos um estudo de caso. Segundo
BOGDAN & BIKLEN (1991) um estudo de caso é um método utilizado em
pesquisas qualitativas que se destina à coleta e apresentação de informações
detalhadas sobre um indivíduo ou pequeno grupo. Deste modo, a ênfase não
está em encontrar uma verdade universal ou generalizável, portanto,
investigamos a dinâmica da produção de significados deste grupo de dez
alunos/professores de Matemática.
Era necessário construir uma fundamentação teórico-metodológica que
nos auxiliasse atender nosso objetivo. Assim partirmos de alguns pressupostos
apresentados por BOLITE FRANT (2001) sobre conhecimento e aprendizagem,
CASTRO e FRANT (1999, 2000) sobre um modelo para a análise dos
argumentos presentes em um discurso, bem como, LAKOFF e NÚÑEZ (2000)
sobre a teoria da corporeidade.
3.1 Considerações Teóricas
Partimos das idéias apresentadas por BOLITE FRANT (2002, 2003,
2004) sobre conhecimento e aprendizagem em Matemática. A autora defende
a idéia de que conhecimento é diferente de informação. Afirma que podemos
transferir informações (orais, escritas, gestuais) de um local para outro, mas
não podemos transferir conhecimento.
A autora propõe a metáfora da “faixa de Möebius”, em oposição à
metáfora “da caixa”, para entender conhecimento. A visão de conhecimento
que pode ser adquirido e transferido é compatível com a metáfora da caixa,
que é algo que pode ser levado de um ponto a outro, que pode ser preenchido
e nos leva a colocar “fulano tem um conhecimento superficial sobre....”. Ao
buscar um paradigma consonante com a idéia da produção de conhecimento
e não aquisição de conhecimento, FRANT (2001) propõe a metáfora da Faixa
de Möebius que não apresenta a dicotomia do dentro e fora e obriga a um novo
olhar para conhecimento.
46
Tabela 06 – metáforas para o conhecimento
BOLITE FRANT (2002) afirma que conhecer é categorizar, é uma ação
realizada pelo sujeito, isto é, não existe conhecimento fora do sujeito. Desse
modo, o que é enunciado (oral, escrito, gestual) por outro é considerado como
um texto. Não é possível determinar o significado de qualquer coisa para o
outro, isto é, o sujeito é quem produz significado para algo. O conhecimento
ocorre numa atividade e utilizamos as idéias de Romulo Campos Lins para
significado e produção de significados:
“Para nós, significado é o conjunto de coisas que se diz a respeito de um objeto. Não o conjunto do que se poderia dizer, e, sim, o que efetivamente se diz no interior de uma atividade. Produzir significado é, então, falar a respeito de um objeto”. LINS e GIMENEZ (1997, p.145-146).
Pretendemos explicitar crenças e justificações que os
alunos/professores, sujeitos dessa pesquisa, empregam quando desenvolvem
as tarefas Matemáticas. Por isso vamos observar o que é dito pelos sujeitos e
não o que eles poderiam dizer para uma situação. FRANT (2000) afirma que os
alunos aprendem Matemática assim como aprendem as coisas do cotidiano.
Nesse sentido o discurso do aluno/professor assume um papel fundamental na
aula de Matemática e é este discurso que queremos investigar. Assim como
para FRANT e CASTRO (1999, p.5), as ações pedagógicas que terão lugar
nesta pesquisa caracterizam-se essencialmente como situações de diálogo
onde cada um deve convencer o colega/professor de que o caminho que
escolheu para desenvolver a atividade Matemática é o melhor.
47
3.2 - O Modelo da Estratégia Argumentativa – MEA
“À língua, compreendida como estrutura de alguma forma estável e disponível para os indivíduos falantes, como centro organizador de toda enunciação, opõe-se a linguagem constituída a partir da práxis social dos indivíduos”. (CASTRO, 1997, p. 88).
A sala de aula pode ser vista como um local para práticas sociais, pois
segundo CASTRO e FRANT (2000), as práticas sociais são um sistema de
relações estabelecidas que determina papéis, tarefas e hierarquias
diferenciadas. Estas práticas se constituem nos discursos dos sujeitos, no
nosso caso, essas interações ocorrem na sala de aula de Cálculo e é
importante observar o contexto e as argumentações que ali acontecem.
Para as autoras, a aprendizagem de Matemática ocorre de modo
análogo à aprendizagem de coisas do cotidiano, via linguagem. O Modelo da
Estratégia Argumentativa – MEA – é um modelo alternativo para a análise do
discurso em sala de aula e para entendê-lo melhor precisamos de alguns
pressupostos do Tratado da Argumentação de PERELMAN (2002). Dentro de
um discurso as argumentações são construídas a partir das hipóteses
enunciadas pelo sujeito e estas hipóteses são o que o locutor admite. CASTRO
(1997, p.68) diz que um acordo é o conjunto de hipóteses sobre o qual o
locutor se baseia para construir sua argumentação. Os acordos sobre os quais
o aluno baseia sua argumentação partem de premissas que ele crê admitidas
pelos colegas, mas que podem até, não serem admitidas por ele próprio. Assim
a opção pelo estudo dos argumentos se dá porque “buscamos interpretar a
produção de significados baseados nos argumentos utilizados ao invés das
palavras” (FRANT, 2000, p.5).
“Numa situação de aprendizagem, muitas vezes o que o aluno quer é, mais do que tudo, impressionar o professor ou algum colega. Pode mesmo acontecer que o objetivo do aluno ao enunciar algumas justificações para a resolução de algum problema matemático seja meramente o de se livrar do incômodo de ser questionado. Às vezes o aluno cede a argumentos de um outro apenas porque este outro é considerado bom aluno e não porque tenha concordado com o que foi dito” (CASTRO e FRANT, 1999, p.6).
48
Durante as atividades Matemáticas, a maneira pela qual cada aluno
escolhe as premissas de sua argumentação, como as conecta, é resultado de
uma elaboração, de uma representação que ele tem de seu auditório, que
neste caso, é composto por seus colegas/professor na sala de aula. Essa
elaboração já contém o objetivo de persuadir. (CASTRO, 1997, p.68).
Segundo a autora, a Nova Retórica de PERELMAN destaca cinco aspectos
que distinguem claramente a argumentação e o raciocínio demonstrativo.
1. A argumentação dirige-se a um auditório; 2. Ela se exprime em linguagem cotidiana; 3. Suas premissas são verossímeis; 4. Sua progressão depende do orador; 5. Suas conclusões são sempre contestáveis.
(CASTRO, 1997, p. 69).
Desse modo, não existe uma linguagem construída especialmente para
a argumentação. Quem argumenta o faz a partir de convenções sociais, isto
é, de acordo com a linguagem cotidiana. O mesmo acontece na sala de aula
de Matemática. O MEA é um modelo de análise das argumentações dos
alunos, que privilegia os aspectos possíveis para as argumentações,
considerando o contexto no qual o aluno está inserido e não o que seria
considerado como uma argumentação ideal.
Como já dissemos, CASTRO e FRANT (2000) afirmam que o processo
de produção de significados para objetos matemáticos, em sala de aula, é
similar ao processo de produção de significados para objetos do cotidiano. Os
modelos sobre os quais o professor baseia a sua argumentação partem de
premissas que ele crê admitidas por seus alunos. Assim, a argumentação se
torna mais eficaz a medida em que as premissas elaboradas pelo professor
são aceitas pelo aluno. Se o professor/aluno deseja convencer o auditório é
preciso levar em conta as suas convicções, isto é, antecipar as reações do
interlocutor.
O MEA estuda processos discursivos, relacionando o como se diz com o
que se diz e porquê se diz. A análise das estratégias argumentativas consiste
em um trabalho de reconstrução de argumentos. Para isto é necessário
49
escrever esquematicamente qual é o argumento que está sendo usado pelo
orador através de enunciados simples que o resumam. Para compreender uma
enunciação não é suficiente avaliar o contexto em que o discurso tem lugar e
do qual faz parte. Tem-se ainda que compreender a função da enunciação no
próprio argumento. Um episódio é um conjunto de cenas, isto é, de
seqüências de raciocínios que foram reconstruídas. A interpretação da
argumentação é tarefa que pede atenção a todo tipo de informação existente
no episódio a ser analisado.
É necessário que o pesquisador faça uma reconstrução coerente de
seqüências de raciocínios que ocorrem no episódio, que fique atento para o
preenchimento dos espaços implícitos. Um exemplo disso seria analisar os
momentos de silêncio, isto é, os momentos que são desprezados, por muitos,
mas que podem conter informações cognitivas valiosas. É importante que se
sejam caracterizados os argumentos através de esquemas e, através destes,
interpretadas as argumentações. Este modelo foi usado para a análise dos
argumentos dos alunos/professores envolvidos nesta pesquisa.
3.3 - As idéias do “Embodiment Cognition” de NÚÑEZ & LAKOFF
Apresentamos as idéias sobre a Teoria da Corporeidade, baseadas em
NÚÑEZ e LAKOFF (2000). Os autores estudam a cognição Matemática sob a
perspectiva da cognição corporificada. Para os autores, muitos mecanismos
cognitivos, que não são especificamente Matemáticos, são usados para
caracterizar idéias Matemáticas, o que complementa as idéias do MEA de
que os processos de aprendizagem Matemática se dão do mesmo modo que
os processos de aprendizagem do cotidiano. A maioria das idéias abstratas, do
dia a dia, é de natureza metafórica, ou seja, envolve mapeamentos que
preservam inferências de um domínio conceitual para o outro (LAKOFF &
JOHNSON, 1980, 2002; NÚÑEZ, 2003, 2004).
Um mapeamento é a compreensão de que um objeto ou elemento em
um espaço mental corresponde a outro objeto em outro espaço mental. Pode
50
ser entendido como uma relação especial entre os dois espaços.
Exemplificando, existe um mapeamento cognitivo que nos permite entender o
tempo espacial em função do espaço físico. Entendemos, sem grandes
esforços, a frase “Agosto já está terminando e dezembro está batendo na
porta”. Chegar, andar e passar são verbos de ação, indicam movimento no
espaço. O natal e a eleição são eventos e literalmente não existem no espaço,
não se movem de um lugar para outro, são de naturezas diferentes. Quando
uma pessoa usa domínios que não são espaciais para falar sobre domínios
espaciais, está falando sobre coisas que são de naturezas diferentes. Podemos
esquematizar como segue abaixo:
Domínio fonte - espacial Domínio alvo - tempo
coisas tempos
Seqüências de objetos Ordem cronológica do tempo
Movimento horizontal de entrada na seqüência em uma direção
Passagem do tempo
Coisas orientadas na sua frente e sua direção de movimento
Tempos orientados na sua frente e sua direção de movimento
O objeto A atrás do objeto B numa seqüência
O tempo A ocorre antes do tempo B
Tabela 07 – Exemplo de mapeamento entre espaço e tempo (NÚÑEZ, 1999, p. 46)
A conceituação de números como pontos de uma reta ou da reta como
um conjunto de pontos, é outro exemplo de metáfora conceitual. A
Matemática trabalha com entidades que não se percebe fisicamente no
universo como, por exemplo, ponto euclidiano, mas que existem
conceitualmente no imaginário. A geometria analítica cartesiana considera um
plano como um conjunto de pontos específicos. Uma reta é um conjunto de
pontos ainda mais específico. Essa linguagem cartesiana não tem como
explicar que a reta passa por dois pontos. O agente dinâmico é a reta toda e
não um elemento discreto. A fronteira entre Brasil e Argentina não se move, é
imaginária, mas podemos descrevê-la, falar como se a fronteira fosse um
objeto dinâmico. Este movimento fictício é semântico, é lingüístico. Quando
vemos a nossa mão estamos vendo um objeto compacto e não um conjunto de
pontos. Um ponto ocupa uma posição, mas não constitui um objeto que se
move. Na visão cartesiana que é estática, os pontos são constitutivos da reta,
51
mas na visão natural que é dinâmica, os pontos não são constitutivos da reta.
Existe uma distinção ontológica entre as duas visões (NÚÑEZ, 2004).
Graças a esses mapeamentos ou mecanismos cognitivos, pode-se falar
em Matemática sobre uma função em movimento, crescendo, se
aproximando de valores e alcançando limites. Observamos que estes
argumentos são utilizados entre os estudantes e também entre os professores
que utilizam a linguagem cotidiana para ensinar conceitos matemáticos.
Formalmente, uma função não se movimenta, ela é estática. A função como
definida na modernidade, é estática e pode ser compreendida via um
mapeamento entre o domínio fonte do dinamismo físico e o domínio alvo da
Matemática ou da aritmetização da geometria. Para a ciência da cognição
Matemática, a representação gráfica de uma função já é a representação de
um movimento, embora seja uma representação estática.
NÚÑEZ (2003, p.18-20) exemplifica dizendo que pensamos na linha do
metrô, pensamos nas estações de parada como sendo pontos sobre a linha.
Se tirarmos uma das estações de parada, a linha ainda continuará do mesmo
jeito. Os pontos não constituem a linha, são locações sobre a linha. Agora,
pensando na reta euclidiana, se tirarmos um ponto então ela ficará
esburacada, isto é, o ponto constitui a reta. Esta visão resulta de uma
metáfora conceitual “uma reta é um conjunto de pontos”.
Em 2004, via vídeo-conferência, NÚÑEZ afirmou que quando dizemos
ao nosso aluno que se uma circunferência e uma reta são tangentes então se
tocam em um único ponto, esse tocar é metafórico, mas com uma inferência
diferente da inferência do dia a dia. Tocar, no dia a dia, significa que temos dois
objetos diferentes se tocando e não se transformando em um único objeto.
Na geometria analítica, a intersecção de dois objetos é um único ponto de
contato, então o ponto constitui a circunferência e a reta ao mesmo tempo, mas
na vida real não existe um ponto comum a dois objetos. São regras de
inferências diferentes. Quando o aluno enxerga o ponto de tangência como
um ponto entre dois objetos, está usando a sua intuição, isto é, fazendo
52
inferência natural. Quando o aluno enxerga o ponto de tangência entre dois
objetos como pertencente aos dois objetos, então está fazendo inferência
Matemática. Ainda, segundo ele, ao descrevermos um prédio, não falamos
sobre tudo que existe nele. Não falamos sobre todos os detalhes de um objeto
ou de uma situação. Consideramos que todos já conhecem, que é de domínio
público. Aqui, mais uma vez, as teorias se articulam – Corporeidade e MEA -
pois essa consideração é o acordo que representa o conjunto de hipóteses
aceitas pelo auditório.
Segundo LAKOFF e NÚÑEZ (2000, p.42), nós fazemos inferências num
domínio de experiência chamado de alvo, baseados em inferências que são
válidas em outro domínio de experiência chamado de fonte. Assim o domínio
alvo é entendido, freqüentemente inconscientemente, em termos das relações
que são válidas no domínio fonte. Usamos como exemplo para estas idéias, as
representações gráficas de funções crescentes. A maioria das pessoas quando
pensa em crescimento, relaciona com o seu próprio crescimento físico.
Domínios fonte são os conhecimentos que já foram incorporados à
mente através das experiências vividas. Exemplo: crescer é para cima.
Tabela 08 – domínio fonte
Desse modo, a idéia de crescimento de uma função pode ser
entendido através da idéia de crescimento físico. Em geral,
inconscientemente, usamos o que temos em nosso domínio fonte e
entendemos que “se crescer é para cima então uma função que cresce está
subindo, indo para cima”. A idéia Matemática de que “uma função crescente
sobe” pertence ao domínio alvo.
Domínios alvo são os conhecimentos novos que serão compreendidos
via uma relação com os domínios fonte: função crescente é aquela que sobe
Tabela 09 – domínio alvo
Segundo NÚÑEZ (2003, p.11) um dos conceitos que precisa de um
estudo diferenciado é a idéia moderna de Continuidade. Para ele, existe uma
53
dificuldade Matemática pertencente ao campo do estudo da mente humana (a
ciência cognitiva), propõe estudar a aprendizagem do conceito de Continuidade
de uma Função de uma Variável Real através da Teoria da Corporeidade. O
autor argumenta que atualmente, na Matemática, existem pelo menos dois
conceitos diferentes sobre continuidade de funções e ambos são metafóricos
por natureza. NÚÑEZ (2003, p. 12) afirma que “um é o conceito de
continuidade natural, como foi caracterizado no séc. XVII por aqueles que
criaram o cálculo” e o outro “ é a continuidade de Cauchy-Weirstrass que surgiu
no séc. XIX e que é considerada como a definição rigorosa do que realmente é
continuidade”.
Para o autor, a definição intuitiva que caracteriza um processo contínuo
como aquele que ocorre sem interrupções, sem mudanças súbitas, deixando a
mão mover-se livremente, corresponde ao conceito de continuidade natural.
A definição de Cauchy-Weierstrass utiliza os limites de funções para
caracterizar uma função contínua e é considerada como a definição formal de
continuidade.
Esses conteúdos cognitivos resultam de uma extensão conceitual natural, de um esquema imagético fundamentado nos movimentos corporais e de mapeamentos conceituais que são naturais do sistema conceitual humano.......a definição de Cauchy-Weierstrass, por outro lado, é compreendida através de mecanismos cognitivos radicalmente diferentes. A continuidade de Cauchy-Weierstrass, implicitamente, nega o movimento, o fluxo e a não fragmentação, lida exclusivamente com entidades estáticas, discretas e atomísticas. Estas entidades são compreendidas pelas extensões conceituais de princípios cognitivos bastante diferentes, como os esquemas parte-todo e de caixa, e uma combinação de mapeamentos conceituais diferentes. (NÚÑEZ, 2003, p. 14).
Continuando, o autor revela que a continuidade pode ser entendida
através de metáforas conceituais entre domínios radicalmente diferentes. E
acrescenta que existem diferenças cognitivas entre a continuidade natural e a
continuidade formal que podem causar problemas de aprendizagem. Até o
século XIX, os matemáticos falavam de continuidade de modo dinâmico. A
continuidade natural trabalha no quadro geométrico. Quando trabalhamos no
quadro geométrico, precisamos trabalhar com a idéia de movimentos
fictícios. Podemos conceituar metaforicamente um caminho, objeto ou forma
54
como um processo que traça o comprimento desse caminho, objeto ou forma.
Conforme vimos no 1ºparágrafo da p.32, uma pessoa pode falar que “a
Consolação vai até a Praça da República” porque está, metaforicamente,
conceituando a rua da Consolação como uma curva que se move até a Praça
da República. Este é um exemplo da metáfora do movimento fictício, pois na
realidade a rua da Consolação não se movimenta, assim como gráficos de
funções também não se movimentam.
NÚÑEZ (2004) afirmou que a continuidade formal trabalha no quadro
algébrico. Quando trabalhamos no quadro algébrico é diferente, pois temos
uma equação e ativamos partes diferentes do cérebro. Não temos este
dinamismo. NÚÑEZ (2003, p.14-15) diz que não se trata de eleger uma das
abordagens como a mais apropriada, precisamos discutir com os alunos de
modo que percebam que são processos cognitivos diferentes. Os
professores iniciam as aulas sobre continuidade, introduzindo a continuidade
natural que pode ser identificada como a definição intuitiva/informal que
caracteriza um processo ‘contínuo’, como aquele processo que se dá sem
interrupções e sem mudanças súbitas.
Esta continuidade natural, segundo NÚÑEZ (2003, p. 13), foi usada por
matemáticos criativos e excepcionais, como Newton e Leibniz no século XVII.
Tal idéia foi também caracterizada por outros matemáticos como Euler e
Fourier que descrevem como curva contínua a que é descrita por “deixar a mão
se mover livremente”. “A cultura e a prática da Matemática acabam por agravar ainda mais o problema: os docentes nunca dizem aos alunos que a nova definição é, na verdade, uma idéia humana corporificada totalmente diferente e, o que é muito pior, dizem aos alunos que a continuidade de Cauchy-Weirstrass captura a própria essência da antiga idéia, que sendo “vaga” e “intuitiva” deve ser evitada”. (NÚÑEZ, 2003, p.15).
Essa essência é normalmente compreendida como independente da
compreensão humana, da atividade social e de empreendimentos filosóficos.
Para NÚÑEZ a idéia de que a intuição humana é vaga e instável é um mito. A
definição formal para a continuidade, segundo o autor, requer uma série de
55
primitivos cognitivos, também corporificados na natureza, porém diferentes
daqueles da continuidade natural.
Existem pelo menos três metáforas conceituais que são relevantes, pois combinam suas estruturas de inferências de uma maneira sistêmica e fornecem uma ferramenta matemática extremamente importante: 1- Uma reta é um conjunto de pontos; 2- A continuidade natural não tem buracos; 3- Se aproximar de um limite é preservar a proximidade a um
ponto NÚÑEZ (2003, p.18).
As tarefas que foram elaboradas para esta pesquisa levaram em conta
estas idéias sobre Continuidade e em nossa análise ficamos atentos ao
aparecimento das metáforas conceituais.
3.4 – Considerações Metodológicas
O objetivo dessa pesquisa era investigar a Produção de Significados
para a Continuidade de Funções com uma Variável Real por alunos de um
curso de pós-graduação em Educação Matemática. Em particular, todos os
alunos pesquisados são professores de Matemática. Optamos por um estudo
de caso, pois tal estudo, segundo BOGDAN & BIKLEN (1991), consiste na
observação detalhada de um contexto. O contexto, nesse caso, caracterizou-se
pelas atividades sobre limites e continuidade de funções.
Segundo esses autores definem-se alguns critérios:
♣ A área de trabalho é delimitada: realizaremos a análise dos
argumentos para a produção dos significados;
♣ A coleta dos dados e as atividades de pesquisa são canalizadas:
dez alunos/professores de um curso de Pós-Graduação em
Educação Matemática;
♣ Materiais: revisão bibliográfica;
♣ Assuntos: resolução gráfica e algébrica;
♣ Tema: continuidade de funções de uma variável real.
Utilizamos uma técnica de observação participante: a pesquisadora
dentro da sala de aula e o foco do estudo numa organização particular: a sala
56
de aula do curso de Tópicos de Cálculo Diferencial e Integral de uma Pós-
Graduação em Educação Matemática. A coleta de dados se deu através de
filmagens, anotações e entrevistas.
Um estudo de caso, como descrito acima, requer uma investigação
qualitativa e a preparação prévia de propostas tais como:
1. O que pretendemos fazer? Estudarmos a Continuidade de Funções de
uma Variável Real investigando a produção de significados para o tema
e por alunos/professores de um curso de Pós-Graduação em Educação
Matemática.
2. Como faremos? Estabelecendo critérios para a escolha dos sujeitos.
Preparando o material de campo: filmadora, tripé, gravador, textos para
o estudo piloto, elaboração do script das aulas, etc... Analisando o
processo e preparando o estudo efetivo na sala de aula.
3. Por que faremos? As pesquisas indicam alto índice de reprovação nas
disciplinas de Cálculo e a revisão bibliográfica revelou que existe uma
lacuna sobre o tema.
4. De que forma aquilo que faremos se relaciona com o que outros já
fizeram? Os estudos envolvendo Cognição e Linguagem, em
Matemática, vêm se multiplicando e, dialogando com estes estudos,
poderemos lançar um olhar cognitivo e lingüístico sobre as idéias
Matemáticas.
5. Qual a contribuição potencial desse trabalho? A análise dos argumentos
dos sujeitos pesquisados quando produzem significado para o tema,
oferece subsídios para entender melhor quais são as idéias desses
sujeitos e, a partir dessa compreensão, pode se pensar em mudanças
nos cursos de Licenciatura e Graduação em Matemática.
Após estas considerações, partimos para o estudo que ora descrevemos.
57
3.5 - Os sujeitos pesquisados e o contexto
Respeitando o nosso objetivo, determinamos que a escolha dos sujeitos
deveria obedecer dois critérios:
♣ Os sujeitos deveriam ser alunos/professores envolvidos em
Cursos de Pós-Graduação em Educação Matemática, pois a
pesquisa acredita que já demonstram interesse em mudanças;
♣ Os sujeitos deveriam ser alunos/professores, atuantes no ensino
Fundamental, Médio ou Superior. Desse modo atendemos ao
objetivo da pesquisa, que é investigar a produção de significados
por professores de Matemática.
Sendo assim escolhemos um curso em que, estar atuando como
docente, fosse condição necessária para a admissão.
O curso escolhido foi elaborado a partir da mesma fundamentação
teórica da pesquisa, isto é, era objetivo da professora levar tarefas para os
participantes onde os mesmos falassem sobre seu modo de pensar, onde
compartilhassem e principalmente defendessem seus pontos de vista. Deste
modo, a aula era realizada para que os alunos trabalhassem em pequenos
grupos, depois com um único grupo em que os participantes iam à lousa
colocar e defender suas soluções. A professora buscava, ao final, mostrar os
diferentes modos de pensar que surgiram legitimando-os para aquele grupo.
Uma vez que a pesquisadora precisava ambientar-se com o trabalho de
observação, manuseio da filmadora e, além disso, verificar se as tarefas
propostas seriam eficientes para o objetivo, realizamos um estudo piloto. Á
medida que o investigador passa mais tempo com os sujeitos, a relação torna-
se menos formal. Segundo GEERTZ (1979) o observador trabalha para ganhar
a aceitação do sujeito, não como um fim em si, mas porque isto possibilita
cumprir os objetivos da investigação. Ser investigador significa interiorizar-se
com o objetivo da investigação, à medida que se coletam os dados no
contexto. Para cumprir tais exigências, observamos todas as aulas de Cálculo
58
do curso de Pós-Graduação escolhido. O estudo piloto foi feito com uma turma
durante o segundo semestre de 2002 e o estudo efetivo com outra turma no
primeiro semestre de 2003.
Os procedimentos aparecem diferenciados em três momentos: o estudo
piloto na sala de aula, o estudo efetivo na sala de aula e a análise dos dados.
Neste capítulo abordamos o estudo piloto e sua análise, no capítulo 4 o estudo
efetivo e no capítulo 5 a conclusão final.
3.6 - O estudo piloto na sala de aula
No início do 2º semestre/2002 no curso de Pós-Graduação escolhido, a
professora ministrante apresentou a pesquisadora e, após a autorização
documentada dos onze alunos para a observação e as filmagens das aulas,
ocorreu o estudo por um semestre, onde os estudantes e a pesquisadora
puderam habituar-se ao cenário da pesquisa. Este período foi identificado
como estudo piloto na sala de aula, pois serviu como base para a realização de
algumas modificações necessárias para a efetivação do estudo com a próxima
turma. Os alunos traziam livros de Cálculo de sua preferência e, num primeiro
momento, trabalhavam em duplas ou trios resolvendo as tarefas propostas pela
professora do curso, posteriormente iam à lousa apresentar as resoluções.
Fizemos observações sistemáticas com anotações das ocorrências em um
caderno de campo. A pesquisadora observava e fazia anotações enquanto os
alunos faziam as tarefas. Como já dissemos, as tarefas foram elaboradas com
base na fundamentação teórica objetivando facilitar a análise das “falas” e os
acordos feitos entre os alunos.
Tarefa 01 1. Trace num papel o gráfico de f(x) = x2, g(x) = x3, e, h(x)= x –3. O que você observa em cada gráfico? Escreva o mais que puder sobre cada um. Depois faça os gráficos no computador e mexa com as escalas, use o zoom e escreva tudo (o mais que puder) que você observa que está acontecendo. 2. Antes de traçar o gráfico de g(x) / f(x), no computador ou no papel, escreva como você acha que será. Por que? 3. Trace-o no papel primeiro e depois com o graphmatica. Houve diferenças? Quais? Por que?
59
4. Agora pense na situação f(x) / h(x). Faça o que foi pedido nos itens 2 e 3. 5. Faz diferença escrever x2 / x – 3 ou x2 / (x-3)? Por que? Tarefa 02 Seja f(x) = 1/ (x-1) para x real e diferente de 1. Esboce o gráfico e responda se f é contínua ou não. Por que? Responda primeiro sem consulta e depois consulte em grupo, nos livros trazidos por você. Tabela 10 – tarefa piloto
Segundo POWELL, FRANCISCO e MAHER (2004, p. 85-86),
metodologicamente usamos a tecnologia de vídeo tanto para a coleta quanto
para a análise dos dados. Segundo os autores, a filmagem de um fenômeno
em sala de aula é o meio menos invasor para se estudar o fenômeno. O vídeo
é um instrumento importante e flexível de informação oral e visual. Nesse caso,
para atender ao nosso objetivo, necessariamente usamos o vídeo, pois o vídeo
pôde capturar comportamentos valiosos e interações complexas e permitiu-nos
reexaminar continuamente os dados. As filmagens favorecem a análise das
expressões faciais e corporais dos sujeitos, permitindo outra leitura das
crenças-afirmações e justificações por eles elaboradas.
Para a coleta dos dados, utilizamos uma filmadora em um tripé, durante
todas as aulas do curso. No primeiro momento da aula, a filmadora ficava
posicionada focalizando um trio de alunos escolhido pela diversidade de idéias
apresentadas para solucionar as questões propostas. No segundo momento
da aula, a filmadora focalizava a lousa e os alunos da sala. De modo geral, na
tarefa 01, os alunos fizeram simplificações algébricas na função f(x) / h(x) e
esboçaram os gráficos. Quando indagados sobre o assunto, colocaram coisas
do tipo “é mesmo...não tinha reparado nisso”, “ah! é que eu fiz direto e não
percebi isso, mas eu sei.” O alunos produziram como significado que f(x) / h(x)
representa uma reta. Na segunda tarefa, os alunos apresentaram muitas
dúvidas sobre a continuidade da função, mas como podiam consultar nos
livros, chegavam até a resposta correta sem necessidade de grandes
argumentações.
Como esperávamos, os alunos quando leram um enunciado
selecionaram parte do mesmo para apropriar-se. Suas enunciações
evidenciaram este fato. Nesta tarefa, os alunos argumentaram sobre o domínio
60
da função, mas parecia que passavam rapidamente pelo assunto, fazendo
cópias dos livros e pronto. Assim, seria natural que fôssemos realizar
entrevistas para checar mais detalhes, porém, preferimos pensar em tarefas
mais ricas para alcançar o objetivo. O estudo piloto possibilitou-nos responder
algumas questões que nortearam o estudo efetivo:
1. O que já foi feito? A observação de uma turma de Cálculo durante o
curso de um semestre, a filmagem e transcrição das falas, avaliação das
tarefas produzidas para o estudo.
2. Que temas, preocupações ou tópicos surgiram do trabalho preliminar?
Percebemos que uma filmadora não era suficiente para captar a maioria
das reações dos alunos, além disso, a filmadora quebrou durante uma
aula que, conseqüentemente, não pôde ser filmada. Esta ocorrência
colaborou com a decisão de que seria necessário, pelo menos, mais
uma filmadora. A pesquisadora pôde ambientar-se com o papel de
observadora, bem como, com o manuseio da filmadora. As tarefas
propostas eram abertas, propiciando muitas discussões, mas nem
sempre dirigidas ao objetivo da pesquisa. Os alunos falavam pouco
sobre o tema da pesquisa.
3. Quais questões analíticas serão aprofundadas? A discussão sobre a
produção de significados para representações gráficas das imagens de
Funções de uma Variável Real, com ou sem computador em vizinhanças
do domínio, considerando o intervalo (a - δ, a +δ) do domínio.
62
Considerando o que já foi exposto, optamos por modificar as tarefas.
Desse modo, as novas tarefas elaboradas tiveram objetivos próprios, oriundos
da leitura dos processos segundo o nosso referencial teórico constituído pelo
MEA, as idéias da Teoria da Corporeidade e do que aprendemos no estudo
piloto. Apresentamos um quadro com alguns comentários gerais sobre as
tarefas aplicadas. Os modelos completos das tarefas encontram-se no anexo I.
tarefas data Comentários gerais
01
25/03/03 Tarefa adaptada de alguns livros e artigos de pesquisa
para levantar dados sobre a produção de significados
dos sujeitos para conteúdos como representação gráfica
e algébrica de funções.
02 e 03
01/04/03 Tarefas adaptadas de livros do ensino Médio, objetivando
levantar dados sobre a produção de significados dos
sujeitos para conteúdos como funções simples, domínio,
imagem, intervalos, quando apresentados em contextos
diferenciados.
04 08/04/03 Tarefa preparada para provocar “discussões” sobre a
Continuidade de Funções Reais Polinomiais do 1º grau,
contrastando dois campos: o gráfico e o algébrico.
Tabela 11 – comentários gerais sobre as tarefas
Iniciamos esta fase com duas filmadoras e dois tripés. Após
concordarem por escrito, os dez alunos tornaram-se os sujeitos pesquisados.
Durante cinco encontros os alunos trabalharam individualmente, divididos em
dois grupos, ou em duplas nos computadores. Os alunos desse semestre
(1º/2003) através do contato com a turma piloto, praticamente desconsideraram
a figura da pesquisadora e das filmadoras. Como no semestre anterior, foram
utilizados livros de Cálculo trazidos pelos alunos, tarefas elaboradas pela
professora e/ou pesquisadora, softwares para gráficos e calculadoras. Para
efeitos de análise, os dados foram devidamente protocolados através das
filmagens, transcrições das falas e anotações sobre as observações. A análise
dos dados foi feita pela equipe de alunos e/ou pesquisadores que compõem o
63
grupo de estudo já detalhado na introdução do capítulo 1, como é indicada
numa pesquisa onde a análise de vídeo é essencial. Após a aplicação das
tarefas fizemos uma entrevista com uma dupla para detalharmos pontos que
necessitavam de uma investigação mais fina.
Além dos procedimentos já expostos no capítulo 3, as tarefas também
foram elaboradas a partir das análises feitas aula a aula, isto é, após a
aplicação de uma tarefa, os processos utilizados pelo aluno e resultados da
mesma, nos levaram a manter ou modificar a próxima tarefa. Apresentamos as
fichas propostas, suas fundamentações e as análises parciais feitas após a
aplicação. Análises mais pormenorizadas encontram-se nos episódios e no
capítulo 5.
4.1 – As tarefas
Ficha 01 – DATA: 25/03/03
Como sempre, estou interessada em três pontos: na resposta, no modo de pensar para chegar a essa resposta e em outras respostas, caso existam, que possam atender ao problema. Escrevam o máximo possível. Parte I – Esboce o gráfico de uma função: a) Que é sempre crescente e nunca é negativa b) Cujo gráfico passa exatamente em 2 quadrantes c) É quadrática e seu gráfico passa exatamente por 3 quadrantes d) Tem valores positivos e negativos e não é nunca maior que 1 ou menor que -1 e) Que parece exatamente a mesma quando transladada para a direita f) É quadrática e nunca intercepta o eixo do x g) Que parece a mesma quando refletida num espelho colocado ao longo do eixo y Parte II – Escreva uma expressão simbólica para uma função: a) Que sempre cresce e nunca é negativa b) Cujo gráfico está exatamente em 2 quadrantes adjacentes c) Cujo gráfico está exatamente em 2 quadrantes não adjacentes d) Cujo gráfico passa exatamente por 3 quadrantes e) É quadrática e seu gráfico passa exatamente em 2 quadrantes f) É quadrática e seu gráfico passa exatamente por 3 quadrantes g) É quadrática e seu gráfico passa exatamente 4 quadrantes tabela 12 – tarefa 01 do trabalho de campo
A tarefa apresenta questões envolvendo na parte I o quadro geométrico-
gráfico e na parte II o quadro algébrico. Procuramos evitar, o máximo possível,
a linguagem formal da Matemática e usamos a linguagem cotidiana dos alunos
64
em sala de aula. Nossa intenção era propiciar a interação entre eles para
fazermos a leitura do processo de produção de significados. Usamos a
expressão sempre crescente e nunca negativa para termos certeza que
chamaria a atenção dos alunos. As palavras sempre e nunca são muito
significativas no dia a dia.
Ainda na parte I o nosso objetivo era verificar quais significados seriam
produzidos para gráficos de funções quando transladadas. Após a aplicação,
conceitos como translação vertical ou horizontal não ficaram muito claros.
Como já esperávamos, por nossa prática e literatura, os alunos usaram
gráficos já conhecidos por eles, para fazerem os esboços. Ficaram presos aos
livros trazidos e na parte I investigaram primeiramente as expressões
algébricas para depois estudarem o esboço gráfico. Relacionaram função
crescente e positiva ao domínio e imagem positivos. Tiveram muita dificuldade
para escrever as expressões algébricas das funções quadráticas pedidas na
parte II. Quando apresentaram soluções Matematicamente corretas, foi sempre
seguindo as respostas consideradas comuns entre a comunidade discente e
docente. No episódio I apresentamos uma análise detalhada com as respostas
e os significados produzidos pelos alunos.
Para elaborar as tarefas 02 e 03 adaptamos questões padrões de livros
didáticos para atender nosso objetivo. Como queríamos conhecer a linguagem
escrita desses alunos, inicialmente eles fizeram a atividade individualmente e
sem consultas a qualquer tipo de material. As questões transitam entre os
quadro geométrico, algébrico e numérico, para ver como os alunos produziriam
significados escritos para estes quadros, após as discussões da ficha 01 sobre
funções crescentes e positivas.
Ficha 02 - DATA: 01/04/03
1-O gráfico abaixo representa uma função w definida em ℜ. Determine: a)O domínio da função. Justifique. b) O conjunto-imagem da função. Justifique. c) Os valores de w(-1), w(0) e w(3). Justifique. d) Em qual(is) intervalo(s) w é crescente? Justifique. e) Em qual(is) intervalo(s) w é decrescente? Justifique. f) Em qual(is) intervalo(s) w é constante? Justifique.
65
g)Existe w(-50)? Qual seria o seu “palpite” para este valor? Justifique.
h)O que significa, para você, y no eixo vertical do gráfico apresentado? Justifique.
i)O que significa, para você, um intervalo da reta real. Exemplifique.
j)O que significa, para você, uma função matemática? k)Quantas maneiras diferentes você conhece para representar uma função matemática? Quais são elas? l) Escreva a fórmula algébrica da função w. Justifique. Tabela 13 – tarefa 02 do trabalho de campo
Analisando as respostas escritas para as letras (d, e, f) pareceu-nos que
eles produziram como significado que “uma função é crescente quando sobe,
decrescente quando desce e constante quando está parada”. Os alunos
apresentaram dificuldades para escrever a resposta em linguagem Matemática.
Como já esperávamos, por nossa prática e literatura, verificamos que os alunos
apresentaram dificuldades para escrever fórmulas algébricas para funções
representadas graficamente. Dos dez alunos da turma, seis deixaram em
branco a letra L, dois escreveram que não sabiam e dois escreveram
parcialmente a fórmula. Destacamos a aluna Marta que, excetuando a letra L,
praticamente acertou e justificou todas as questões. Roberto também
respondeu, matematicamente certo, praticamente todas as questões, mas ao
contrário de Marta, não justificou a maioria. Não pudemos concluir se ele
conhecia ou não os conteúdos, pois as suas respostas foram lacônicas.
Ao pedirmos um palpite para w(-50) pretendíamos ver como o aluno fala
de um ponto que não aparece no gráfico. Apareceram respostas do tipo: “Sim
existe, .....está bem próximo de zero, pois temos que a função w tende a zero
quando x tende a - ∞”; “Existe. Acredito que seria muito próximo de zero. Afinal,
66
w(-8) já chega bem próximo de zero”; “Sim, seria bem próximo de zero, pois
para valores abaixo de –2, w(x) vai aproximando de zero”; “w(-50)=0,0005.
Sendo uma função da forma f(x)=z/x onde x ≠ 0. O gráfico nunca vai cortar o
eixo do “x”, para isso teria que existir um ponto P(0,y) indo contra a C.E
(condição de existência)”. Estas respostas revelaram que os alunos já
incorporaram a idéia de aproximação para algum valor.
Na ficha 03 colocamos sem aviso prévio, questões sobre continuidade
de funções definidas em todos os conjuntos numéricos reais. Queríamos saber
qual significado os alunos produziriam para a mesma Função Real polinomial
do 1º grau, definida em conjuntos numéricos diferentes. Ainda queríamos saber
se usariam os conceitos da continuidade natural ou formal e como fariam.
Nessa aula a professora não estaria presente e decidimos que a
aluna/pesquisadora não faria intervenções. Queríamos verificar como os alunos
reagiriam ao resolverem problemas sem a intervenção da professora e
principalmente sozinhos. Após resolverem individualmente, os dez alunos
ficaram divididos em dois grupos para discutirem as questões referentes á
continuidade. Desse modo esperávamos provocar discussões sobre o tema.
Queríamos conhecer qual era o conhecimento desses alunos. Como era
explicitado em linguagem escrita, mesmo sabendo que a expressão escrita é
muitas vezes aquém da expressão oral.
Ficha 03 – DATA: 01/04/03 1- Um professor de Matemática, da 8ªsérie do Ensino Fundamental, pediu aos seus alunos que fizessem um estudo da variação da temperatura à sombra, e medissem de hora em hora. Entre todos os trabalhos apresentados, o professor destacou o trabalho de Clara. A tabela abaixo apresenta o resultado das medições em 25/07/2002. Hora 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 Temperatura 7° 6° 5º 4º 3° 2° 2° 3° 5° 7° 12° 15° Hora 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 Temperatura 18° 18° 20° 20° 20° 18° 15° 13° 11° 9° 8° 7° a)Quais as grandezas que estão sendo medidas? b)Podemos afirmar que a hora está em função da temperatura? Justifique. c)Podemos afirmar que a temperatura está em função da hora? Justifique. d)Se esta relação caracterizar uma função, podemos explicitar a sua fórmula algébrica? Justifique. 2- Sejam: a) g uma função de Ν em Ν definida por g(a)= 2a + 3 b) h uma função de Ζ em Ζ definida por h(b)= 2b + 3
67
c) p uma função de Q em Q definida por p(c)= 2c + 3 d) s uma função dos Irracionais nos Irracionais, definida por s(d)= 2d + 3 e) t uma função de ℜ em ℜ definida por t(e)= 2e + 3 f) v uma função de [ 0;1] em ℜ por v(f) = 2f + 3 Analise cada uma das funções acima quanto à sua continuidade ou não. Justifique todas as
respostas.
3- Escreva o que significa, para você, uma função ser contínua. Comente as dificuldades encontradas na questão anterior. Tabela 14 – tarefa 03 do trabalho de campo
A maioria dos alunos afirmou que é possível escrever uma fórmula para
a função 1-d, mas não justificou e nem apresentou uma fórmula. Sete alunos
esboçaram gráficos para analisar a continuidade das funções proposta em - 2
a, 2 b, 2 e, 2 f - da ficha 03. Estes alunos desconsideraram o domínio das
funções e responderam, sem justificar, que as funções são contínuas. Oito
alunos responderam, sem justificar, que as funções 2c, 2d não são contínuas.
Quando responderam a mesma questão 2 em grupo, usaram a definição formal
copiada de livros para justificar que todas as funções são contínuas, sem
discussões específicas. Vale ressaltar que um grupo fez diferenças entre limite
num ponto e limite num intervalo. Copiaram de um livro (GUIDORIZZI, 1987) a
definição formal, com epsilon e delta, afirmando que “uma função é contínua
num intervalo”.
Eles produziram significados diferentes para o Limite de uma Função.
Parece que um ponto na reta real não tem vizinhanças, basta verificar o valor
da função naquele local e pronto. É a visão pontual e discreta. Agora se
quisermos analisar a continuidade das funções, olhamos as vizinhanças do
ponto. Seguindo as orientações do MEA, seria prematuro levantar alguma
hipótese sobre qual produção de significado estavam produzindo para limites e
continuidade de uma função. Precisávamos que estes alunos falassem mais
para analisarmos as argumentações, levantarmos o que está implícito e
conhecermos as idéias Matemáticas sobre o assunto.
Após analisarmos os resultados das atividades 02 e 03, concluímos que
precisávamos elaborar um texto que provocasse mais discussão entre os
alunos sobre o tema pesquisado. Sendo assim, a tarefa 04 foi elaborada com a
intenção de provocar um debate entre os alunos sobre Limite de Funções.
68
Objetivando gerar diferentes pontos de vista e alguns controversos,
elaboramos um texto onde aparecem soluções feitas por duas personagens,
João e Beatriz, sobre o limite local de uma Função Real polinomial do 1ºgrau.
Após analisarmos as tarefas anteriores, decidimos que como a turma era
composta por dez alunos/professores, não caberia perguntar nada diretamente.
Assumimos que é mais fácil falar sobre os erros de outra pessoa do que dos
próprios erros, por isso a idéia das personagens foi para que os alunos
argumentassem mais livremente sobre os conteúdos, já que estariam falando
sobre os erros de dois alunos e não sobre os seus próprios erros. Os alunos
primeiramente analisaram as respostas das personagens em duplas e depois
no quadro branco. A aula aconteceu no laboratório de informática, pois caso
quisessem poderiam usar os computadores para analisar o limite pedido. O
que não ocorreu.
Ficha texto 04- DATA: 08/04/2003
1- João e Beatriz, dois alunos da disciplina de Cálculo, resolveram o lim (4x -5) = 7
x→3 como aparece abaixo. Analise as resoluções e discuta as semelhanças ou diferenças. Resolução do João: Olhando no gráfico, o resultado do limite é 7
Resolução da Beatriz: Para qualquer ε >0, existe um δ >0 tal que (4x - 5) - L < ε sempre que 0 <x - 3< δ. (4x – 5) - 7 < ε ⇔ - ε < (4x – 5) - 7 < ε sempre que 0 <x - 3< δ. Como (4x – 5) -7 = 4x – 12 = 4x-3. Portanto - ε/4 < (x-3)< ε/4 Logo, basta tomarmos δ ≤ ε/4, isto é, para qualquer ε > 0 existe um δ< ε tal que (4x – 5) - 7< ε Sempre que 0 <x - 3< ε. Tabela 15 – tarefa 04 do trabalho de campo
69
Fizemos com que João, uma das personagens, respondesse
visualizando graficamente a questão e Beatriz, a outra personagem,
respondesse algebricamente. Queríamos saber qual seria a reação dos alunos
nos diferentes quadros. Queríamos ver se usariam a definição intuitiva ou a
formal. Queríamos conhecer qual significado produziriam para o limite local de
uma Função Real polinomial do 1ºgrau. Propositalmente a resolução algébrica
apresentada não estava correta, pois queríamos saber se os alunos
perceberiam tal fato. Os alunos, através da tarefa, foram levados a discutir
detalhadamente, a necessidade ou não da definição formal para Funções
Contínuas, isto é, aquela em que a noção intuitiva não é suficiente para
resolver o problema ou tomar decisões. Abaixo estão alguns aspectos que
verificamos e a análise mais detalhada encontra-se no episódio II, capítulo 4.
1- De imediato, a resolução da Beatriz, foi aceita como a mais correta,
mesmo sendo incorreta. A resolução do João, embora considerada
correta, foi classificada como sendo de pouco conhecimento e status
matemático.
2- Forte tensão entre intuição e rigor matemático.
3- Forte relação de independência entre ε e δ, no contexto da tarefa.
4- Houve intensa discussão sobre representações de pontos e intervalos.
5- Muita discordância sobre a visualização da imagem da função
representada graficamente.
6- A aceitação de uma solução como verdadeira por ser apresentada pelo
elemento de maior convencimento entre o grupo.
7- A presença de conceitos corporificados atuando na resolução de uma
nova situação.
8- Mesmo estando no laboratório de informática, não utilizaram nenhum
software gráfico para especulações, preferiram os livros de Cálculo.
9- Nenhum aluno percebeu que a solução algébrica apresentada por
Beatriz estava errada. A maioria dos alunos acredita que a Beatriz é a
aluna ideal, porém, é muito difícil encontrá-la nos dias de hoje.
70
4.2 - A tipologia de argumentos A tipologia de argumentos emergiu das análises. A análise foi
inicialmente realizada de modo linear, isto é, na ordem cronológica das aulas.
Depois reduzimos essa primeira análise em episódios a partir dos argumentos
chaves. Assim neste capítulo apresentamos as seguintes análises:
Episódio I – As aparências enganam
Composição Parte I – Função crescente sobe e vai para direita
Parte II – Os dois quadrantes
Tarefas 01 – 02 e 04
Argumentos chaves:
• A1 = Uma função é crescente quando sobe e vai para a direita;
• A2 = Uma Função é crescente e positiva quando tem domínio e
imagem positivos;
• A3 = Função constante corresponde a algo que não varia.
Episódio II – O que se olha e o que se vê
Parte I – Limite e Continuidade
Composição Parte II – Ponto ou intervalo
Parte III – Formalismo versus Praticidade
Tarefas 03 – 04 e entrevista
Argumentos chaves:
• A4 - O limite de uma função é calculado a esquerda e a direita do
ponto;
• A5 - Um ponto na reta real não tem vizinhança;
• A6 – Analisar a Continuidade local de uma Função é analisar o
Limite da Função no intervalo que contém o ponto;
• A7 - O domínio e a imagem de uma Função percorrem trajetórias
independentes;
• A8 - Um ponto sobre a curva é um ponto isolado;
• A9 - Um ponto sobre a curva pode ser um intervalo.
71
A descrição e análise: Em cada episódio apresentamos uma sinopse, os
textos parciais das tarefas, a transcrição das discussões, as análises e os
esquemas que o resumem. Os textos completos das tarefas estão no anexo I.
Nas transcrições, as falas estão ordenadas por linhas que são representadas
por Ln, seguindo a ordem (n) em que aparecem nos episódios. Respeitando o
compromisso ético no anexo II, os alunos não estão identificados pelos seus
verdadeiros nomes.
4.3 - Episódio I – As aparências enganam
O episódio foi composto por duas partes: Parte I – Função crescente
sobe e vai para a direita e Parte II – Os dois quadrantes. As transcrições
apresentadas referem-se à aula do dia 25/03/2003 em que estavam presentes
a professora, a pesquisadora e os dez alunos da turma. No início da aula a
professora pediu para os alunos que se dividissem em dois grupos de cinco
alunos. Eles dividiram-se livremente e cada grupo recebeu o enunciado
impresso. Duas filmadoras foram colocadas de frente para cada grupo. Durante
uma hora e meia foi registrada a expressão dos participantes em detrimento da
expressão na tela. Após uma parada para o café, iniciou-se o segundo
momento da aula. Durante uma hora e quinze minutos, os alunos de cada
grupo foram ao quadro e todos discutiram as soluções apresentadas. Também
compuseram o episódio algumas respostas escritas em 01/04/2003 sobre a
tarefa 02. Esta tarefa foi realizada na sala de aula em dois momentos:
individual, sem qualquer tipo de consulta e em grupos consultando o material
trazido pelos alunos. A filmagem foi feita do mesmo modo como na aula
referente à tarefa 01.
As análises revelaram diferentes produções de significado para
identificação, crescimento e sinal de Funções Reais de uma Variável Real:
• A1 = Uma função é crescente quando sobe e vai para a direita;
• A2 = Uma Função é crescente e positiva quando tem domínio e
imagem positivos;
• A3 = Função constante corresponde a algo que não varia.
72
Esquema argumentativo - ESPISÓDIO I – As aparências enganam
L2 A2 L12 L22 L24 L1 L8 L3 A3 L10 A1 Tabela 16 – esquema argumentativo do episódio I
Parte I – Função crescente sobe e vai para direita
Parte II – Os dois quadrantes
Tarefa – 01 crescente G U S T A V O
I V O
M A R T A
M A R T A
G U S T A V O
E L I A S
MA R T A
AUTORIDADE
Gustavo: definição de função não-decrescente
Contra-exemplo
“Mostra que é sempre crescente!!!”
Tarefa – 02- crescimento
Gustavo: função não-decrescente é crescente
Classe: crescente é quando x aumenta e o y também
Tarefa –04 João e Beatriz
Gráfico é de “função” Função
modular
Tem vários pontos
Autoridade
O gráfico é de “função”
Algo que não varia é constante
É função? Elias – não é constante
Clóvis: não é função
autoridade
Regras do jogo
A legitimidade é função do aluno e não somente do professor
Gustavo: é mesmo !!!!!
Apostila
livro
x e y posi- tivos
Gráfico da “escada”
Função crescente sobe e vai para a direita
1 2
3
4
Legenda Intervenções da professora A1 = Uma função é crescente quando
sobe e vai para a direita.
A2 = Uma Função é crescente e positiva
quando tem domínio e imagem positivos.
A3 = Função constante corresponde a algo
que não varia.
73
Parte I – Função crescente sobe e vai para a direita
Esta parte do episódio I traz as discussões sobre crescimento e sinal de
funções reais de uma variável real. Apresentamos as questões das fichas 01 e
02 e transcrevemos as falas dos alunos Gustavo, Marta, Ivo e Elias
pertencentes a um dos grupos.
• Gustavo é licenciado em Matemática e leciona em um curso
preparatório para vestibulares.
• Marta é licenciada em Química e leciona Ciências e Matemática
para o ensino Fundamental.
• Elias e Ivo são licenciados em Matemática e lecionam nos
ensinos Fundamental e Médio.
Os alunos usaram para consulta uma apostila preparatória para
vestibulares trazida por Gustavo, uma apostila de uma disciplina que eles já
cursaram (Tecnologias da Informação e Comunicação) e um livro de Cálculo
(PISKUNOV, 1983) trazido por Ivo. Apresentamos o enunciado da questão (I -
a) da ficha 01:
Ficha 01 – 25/03/03
Como sempre, estou interessada em três pontos: na resposta, no modo de pensar para chegar a essa resposta e em outras respostas, caso existam, que possam atender ao problema. Escrevam o máximo possível. Parte I – Esboce o gráfico de uma função: a) Que é sempre crescente e nunca é negativa Tabela 17 – ficha 01 – episódio I
Os alunos estavam discutindo sobre o que é uma função crescente.
Gustavo lia a apostila que trouxe.
L1 - Gustavo: Se x2 é maior que x1 e f(x2) é maior ou igual a f(x1) então se f(x2) é maior, é crescente assim se é igual, é crescente assim [ele faz o esboço no papel e, com o lápis, faz movimentos de vai e vem sobre as figuras para mostrar aos colegas] L2 - Ivo: Aumentando o x, aumenta o y L3 - Elias: Ah! tá, entendi: é uma regrinha? [fala com ironia e vira a cabeça olhando para Marta que está desenhando algo no papel] L4 - Marta: Mas pode ser um dos dois... [mostra a figura que esboçou no papel]
74
[gráfico esboçado por Marta] L5 - Gustavo: Isso, mas eu acho que ele pode ser uma função constante e crescente. L6 - Marta: Eu acho que precisa identificar L7 - Gustavo: O segundo é maior que este. É estritamente crescente. [aponta para a figura da semi-reta]. Tabela 18 – transcrição 01 – episódio I
A definição que estava na apostila de Gustavo “uma função f: R → R
chama-se estritamente crescente quando x, y ∈ R, x < y ⇒ f(x) < f(y). Se x < y
implica apenas que f(x) ≤ f(y) e f chama-se não-decrescente” foi lida por ele
como aparece em L1.
Observamos aqui que o ENUNCIADO é entendido pelo leitor do modo
que lê e não do modo que está escrito na apostila. Isto reforça a teoria de que
o que é dito por outro, falado ou escrito, sofre o processo de passar de
ENUNCIADO para ENUNCIAÇÃO. Quando Gustavo lia para o grupo, já
explicitava um significado que estava produzindo para esse texto. Observando
as figuras e os movimentos feitos com o lápis sobre as mesmas, verificamos
que ele produziu como significado que uma função é crescente quando sobe e
vai para a direita. Enunciamos o primeiro argumento do nosso estudo: A1 =
Uma função é crescente quando sobe e vai para a direita.
A letra (a) da tarefa pede o esboço gráfico de uma função que é sempre
crescente. Ao ler o enunciado Gustavo identificou função sempre crescente
como função crescente. As argumentações (L1 e L5) mostram que Gustavo
produziu como significado para função sempre crescente, uma função que é
não-decrescente. Pelo que vimos o grupo aceitou a sua explicação sobre
função sempre crescente. A definição de função não-decrescente dada na
apostila, associada ao fato de Gustavo ser professor de um curso preparatório
para vestibulares, funcionou como um argumento de autoridade sobre o grupo.
MANELI (2004, p.64) explica que, segundo PERELMAN, na autoridade há
75
elementos de moralidade, de legitimidade que sempre tem aspectos
normativos. A autoridade é conquistada pelo respeito do grupo e as opiniões do
orador.
Enquanto isso, Ivo procurava e encontrava no livro um método para
verificar se a função é crescente (L2), leu para os colegas, mas não conseguiu
a adesão dos mesmos (L3). Por ser de Ivo, que era considerado pelo grupo um
professor tradicional, com idéias antigas, o livro foi desconsiderado sem sequer
ser aberto. A apostila e o livro foram identificados, respectivamente, pelas
características de Gustavo e Ivo. Assim, o livro e os seus métodos de
resolução foram considerados como “regrinhas”, ao contrário das definições
dadas na apostila que foram aceitas sem questionamento pelo grupo.
Os livros foram entendidos através das características de seus usuários, isto é, o grupo não analisou o conteúdo ou abordagem Matemática, mas o dono do livro.
Ivo era considerado um professor antigo e tradicional, conseqüentemente, o seu livro
também era considerado desse modo.
Gustavo era professor de um curso preparatório para vestibulares, conseqüentemente,
a sua apostila era respeitada pelo grupo.
Tabela 19 – a autoridade
O grupo aceitou a noção de Gustavo para função crescente, isto é, uma
função é crescente quando sobe e vai para a direita. No segundo momento, os
alunos foram ao quadro e apresentaram os seus gráficos para a letra (a): uma
função que seja sempre crescente e nunca negativa. Marta, representando seu
76
grupo, desenhou o gráfico contendo a Função Real polinomial do primeiro grau
e a Função “escada”, somente no primeiro quadrante.
L8 - Marta: Nós pegamos duas funções. Na verdade nós colocamos dois gráficos. Pegamos essa, que o x e o y, eles estão no primeiro quadrante, então ela vai ser crescente tá? E nesse caso aqui a gente.... [nesse momento Marta é interrompida pela professora] L9 - Professora: Espera aí, eu quero fazer uma pergunta: o fato de uma função estar no primeiro quadrante garante que ela seja sempre crescente? [os dez alunos permanecem em silêncio e Marta volta para junto do grupo] L10 - Professora: Eu vou dar um contra-exemplo. Quando eu desenho esse gráfico
x e y são positivos? A função é crescente?
Tabela 20 – transcrição 02 – episódio I
Quando questionados pela professora sobre o contra-exemplo, os
alunos olharam com expressões de embaraço, responderam que x e y eram
positivos, mas falavam baixinho que a função era decrescente. A professora
pediu para Marta prolongar o desenho até o segundo quadrante. Marta voltou
ao quadro e prolongou o gráfico da semi-reta para o segundo quadrante.
Figura inicial figura inicial figura final Marta prolongou o esboço da semi-reta inicial até o segundo quadrante. Tabela 21 – transcrição 03 – episódio I
C R E S C E N T E
77
A professora perguntou porquê não poderia ser assim. Marta respondeu
que poderia, mas pelo seu rosto notamos que não estava convencida. Nenhum
aluno fez qualquer tipo de colocação e Marta voltou ao seu lugar. O que estava
implícito em L4, agora está explícito: os alunos relacionam a função
crescente e positiva com o domínio positivo. Observando o vídeo e nossas
anotações, verificamos que a maioria dos alunos desenhou funções no primeiro
quadrante. Enunciamos um argumento para esta produção de significado: A2 –
Uma Função é crescente e positiva quando tem domínio e imagem
positivos.
Dando seqüência à aula, a professora pediu para que o grupo voltasse
ao quadro e mostrasse que a Função “escada” é crescente. Marta levantou e
foi ao quadro. Escreveu no quadro que se x2 > x1 e f(x2) ≥ f(x1) então a Função
é crescente. Alguns alunos protestaram sobre a definição, pois não incluiriam
o sinal de igual e a professora pediu, então, para que Marta o apagasse. Em
seguida pediu para que Marta mostrasse no gráfico porque a Função era
sempre crescente e ela não conseguiu mostrar que a Função “escada” era
sempre crescente. Os alunos, ao fundo, diziam que não era sempre crescente.
A professora argumentou que o gráfico da “escadinha” não era um bom
exemplo, pois nos intervalos em que a Função permanecesse constante, não
seria crescente. Gustavo permaneceu calado e não ajudou Marta quando a
classe disse que a definição de Função sempre crescente estava errada.
Abaixo vemos a 1ª questão da ficha 02 sobre crescimento de funções e
destacamos a resposta de Gustavo.
Ficha 02 - 01/04/03
1-O gráfico abaixo representa uma função w definida em ℜ. Determine: d) Em qual(is) intervalo(s) w é crescente? Justifique. e) Em qual(is) intervalo(s) w é decrescente? Justifique. f) Em qual(is) intervalo(s) w é constante? Justifique.
78
Tabela 22 – ficha 02 – episódio I
As respostas de Gustavo sobre os intervalos de crescimento e
decrescimento da função mostraram que ele continuava exigindo que se
especificasse se o crescimento/decrescimento era estrito. Gustavo não
questionou na aula anterior a linguagem Matemática das definições e vimos
que para ele função não-decrescente/crescente é o mesmo que função
crescente/decrescente. Abaixo estão as suas respostas.
Tabela 23 – resposta do Gustavo – episódio I
Gustavo foi o único aluno que apresentou este tipo de resposta. Os
outros alunos consideraram que função crescente pode ser identificada quando
o x aumenta e o y também aumenta.
79
Parte II – Os dois quadrantes
Aqui o foco central foi a discussão entre os alunos do grupo de Gustavo
sobre um gráfico esboçado por ele. As argumentações giraram em torno de
como verificar se a figura representava ou não o gráfico de uma Função
constante. Apareceram os objetos Matemáticos como pontos, imagem e
variação de uma função. A autoridade conquistada por Gustavo foi abalada
pelo aluno Clóvis. Iniciamos a parte II apresentando um fato que gerou uma
controvérsia no grupo. As discussões referem-se ao enunciado da letra (b) da
ficha 01:
Ficha 01 – 25/03/03
Esboce o gráfico de uma função: b) cujo gráfico passe exatamente em dois quadrantes.
Tabela 24 – ficha 01 – episódio I
L11 - Elias: A letra b pode ser f(x) = y
L12 - Gustavo: Essa daqui ó......pode ser assim e também pode ser assim:
[ele desenha no papel e faz o movimento de vai e vem sobre curva desenhada]
Qualquer valor que você atribui para x tanto faz para cima ou para baixo.
Tabela 25– transcrição 04 – episódio I
Em L12 vimos que Gustavo produziu como significado que “passar em
dois quadrantes” era “passar em quadrantes adjacentes”. Ele praticamente
não ouviu o que Elias falou (L11) e expôs a sua idéia para o grupo. Na próxima
cena as expressões e falas de Elias e Marta revelaram que eles sentiam que
algo estava errado. Percebemos que estavam argumentando não só para
convencer Gustavo de que algo estava errado, mas para esclarecer as próprias
dúvidas. O poder do líder foi tão forte que nenhum aluno apoiou a idéia de Elias
e todos continuaram apoiando as idéias de Gustavo.
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L13 - Elias: Se f(x) =a ela não é uma equação? Ela é uma constante? [Elias está inquieto, parece estar “pensando alto”. Não está concordando e tenta argumentar para convencer o Gustavo e a si mesmo que aquilo está errado] L14 - Marta: Vai ser um ponto..... [neste momento Marta parece que tem um estalo, a sua expressão é de alegria como quem sabe que fez uma descoberta] L15 - Gustavo: Qualquer valor que você atribui para x tanto faz para cima ou para baixo, para a direita ou para a esquerda. L16 - Elias: Vamos supor x igual a 1, 2 , 3 , 4 e etc Quem vai ser a sua imagem? L17 - Marta: Cada x tem a sua imagem que é cinco..... é um ponto mesmo. Então aqui não é constante mesmo. [aponta para o desenho do Gustavo] L18 - Gustavo: Se você por [ele quer dizer escrever] ax + b, onde b vale 5 e x vale zero..... [é interrompido pela fala de Elias] L19 - Elias: f de x igual .... [ele está falando como pensa alto]. [Gustavo interrompe Elias e fala enfaticamente] L20 - Gustavo: x = 5 [Elias continua pensativo e tenta arrumar um exemplo para convencer que a “função” não pode ser constante] L21 - Elias: A função do módulo de x também é constante? L22 - Gustavo: Ela pega desse eixo até esse ponto, por exemplo.
L23 - Elias: Aqui negativo, para cá negativo, aqui é positivo. Está mudando. [vai mostrando no gráfico, fazendo com o lápis o movimento de inclinação da função módulo de x] L24 - Marta: Tem vários pontos, então é isso mesmo, não pode ser constante. [aponta para a figura do Gustavo] Tabela 26– transcrição 06 – episódio I
O significado produzido foi que uma função constante corresponde a
algo que não varia, portanto, quando varia não é função constante.
O quadro abaixo mostra o resultado entre a análise do que foi dito pelos
participantes e a articulação das teorias da Corporeidade e da Argumentação.
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Tabela 27– exemplo de mapeamento – episódio I
Elias perguntou se a Função do módulo de x era constante (L21) e
depois explicou que os valores estavam mudando. Esta afirmação fez com que
Marta concluísse que tinha vários pontos (L24). Quando Marta disse que f(x)=a
era um único ponto e aparentemente todos concordaram, estava vendo a
imagem de uma função constante como um único número equivalente a um
único ponto localizado no eixo 0y. Ela olhava para a curva como se estivesse
“passeando por ela”. De acordo com a perspectiva da cognição corporificada,
trata-se de uma concepção dinâmica para a curva. Enquanto “passeava pela
curva” Marta “passava pelos pontos” e o que percebia é que no gráfico da
função constante a imagem dos pontos do domínio era sempre a mesma. Em
contrapartida, enquanto passeava pela curva do segundo gráfico (L12), via que
a imagem era formada por muitos pontos e concluiu que o gráfico não
representava uma função constante.
L24 - Marta: Tem vários pontos, então é isso mesmo, não pode ser constante [aponta para a figura da “não função” do Gustavo] Tabela 28– transcrição 06 – episódio I
Material/físico Matemática M
Para estes alunos, algo que não varia é uma função constante e a imagem da função
constante no gráfico é um ponto. Mapeamos as inferências sobre coisas materiais e físicas
e relacionamos com objetos matemáticos. Este mapeamento M é uma metáfora básica
coisas que não variam
Função constante (gráfico) Função constante (álgebra) Imagem (gráfico) Imagem (conjunto)
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Para estas produções de significado enunciamos o terceiro argumento:
A3 = Função constante corresponde a algo que não varia. A seguir
mostramos uma cena onde Gustavo perguntou à professora se uma reta
paralela ao eixo y correspondia ao gráfico de uma função que passa em dois
quadrantes. Ao fazer a pergunta, Gustavo fez gestos com a mão indicando
como seria o gráfico. A professora, visando levantar alguma controvérsia,
desenhou o gráfico no quadro e perguntou para a classe se o gráfico
representava uma função.
Gráfico desenhado pela professora
L25 – Elias: Não é constante. L26 – Professora: Eu não estou perguntando se é constante ou não, MAS SE É GRÁFICO DE FUNÇÃO. L27 – Clóvis: Não é função porque existem várias imagens para o mesmo x do domínio. L28 – Gustavo: É o domínio não pode ter mais do que uma imagem. Tabela 29– transcrição 07 – episódio I
Elias disse que não era constante (L25). Esta fala é um indício de que o
enunciado da tarefa “desenhe uma função cujo gráfico passe exatamente em
dois quadrantes” levou estes alunos a prestarem atenção aos quadrantes e não
ao fato do gráfico representar ou não uma função. A professora forçou a leitura
na direção que desejava e, enfaticamente, disse que não estava perguntando
se era constante ou não, mas se representava o gráfico de uma Função (L26).
Gustavo ficou calado olhando para a lousa. Clóvis, outro aluno da turma, disse
que não era Função, porque existiam várias imagens para o mesmo x do
domínio (L27). Gustavo mudou de idéia, olhou para Clóvis e falou: “É, o
domínio não pode ter mais do que uma imagem” (L28). SCHWARZ (1995)
relatou em sua conclusão, que obteve respostas parecidas com esta entre
alunos do ensino Médio. O domínio e imagem da função eram identificados
como um número e não como um conjunto de valores numéricos.
A liderança de Gustavo foi enfraquecida quando ficou calado e aceitou o
argumento de Clóvis. Observando as filmagens vimos que Clóvis já liderava o
outro grupo da classe.
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Clóvis desde criança sonhava em ser professor de Matemática, é
licenciado em Matemática, fez um curso de Especialização em Matemática em
uma Universidade Pública e leciona Matemática nos Ensinos Fundamental e
Supletivo. Tais atributos associados ao fato de ter a adesão de Gustavo diante
de todos, conferiram-lhe a liderança do grupo.
Continuando a aula, a professora utilizou argumentos de modo que os
alunos não se sentissem humilhados ou constrangidos ao errarem as
respostas. Usou como exemplo o jogo da velha e disse que o participante de
um jogo precisava conhecer as regras e avaliar se poderia ou não fazer as
jogadas.
L29 - Professora: Então o que começa aparecer na história é que eu não preciso mais dizer se o meu aluno acertou ou errou: ele usa as regras do jogo e vê. Tabela 30– transcrição 08 – episódio I
Ao colocar “as regras do jogo” revelou que não estava ali para julgar os
acertos e erros dos alunos e que era necessário conhecer o conteúdo básico
exigido nesse curso, caso contrário precisariam estudar. Este argumento foi
muito forte. Ela transferiu para os alunos a responsabilidade de validação das
respostas. Notemos que o tempo todo ela disse o “nosso aluno”. Esta foi a sua
estratégia para deixá-los à vontade. Ela colocou-se como uma “colega de
profissão”. Parecia que entre os alunos e ela não existia hierarquia. A
hierarquia existia, mas nesses momentos, os alunos pareciam que não
levavam este fato em consideração e argumentavam livremente. Utilizando o
argumento das regras do jogo, a professora comentou as respostas dos alunos
e outras que poderiam ter surgido. Ela disse que eles continuariam estudando
estes conteúdos nas próximas aulas. Falou sobre a necessidade de que
fizessem os exercícios sempre questionando vários pontos de vista. Queria que
fugissem dos protótipos clássicos apresentados nos livros e usados pela
maioria dos professores.
Encerramos este episódio com alguns comentários sobre as atitudes de
Gustavo e a dinâmica da aula. Na Parte I, Gustavo permaneceu calado e não
ajudou Marta quando estava em “apuros” para mostrar que a Função “escada”
84
era sempre crescente. Não falou nada sobre a história do estritamente
crescente e não-decrescente que usou para convencer os colegas sobre o fato
de uma Função ser crescente e constante ao mesmo tempo (L1, L5 e L7). Por
ser professor de um curso preparatório para vestibulares considerou-se e foi
considerado pelo grupo como líder. Aparentemente, na parte II (L21-L24),
Gustavo aceitou as argumentações de Elias e Marta sobre o gráfico da Função
(relação) não representar uma Função constante. Afirmamos aparentemente,
pois depois perguntou para a professora se não poderia ser o gráfico de uma
reta paralela ao eixo y. Vimos que ele não aceitou e não acreditou nas
argumentações do grupo, mas preferiu parar de questioná-las e esperou o
momento de validar a sua idéia junto à professora, ou seja, de autoridade para
autoridade.
Nenhum aluno do grupo de Gustavo percebeu que o gráfico esboçado
por ele não representava uma função. Embora o gráfico esboçado por Gustavo
seja de uma Relação Matemática, a autoridade dele sobre o grupo fez com que
os colegas não percebessem que não se tratava do gráfico de uma Função
Matemática. Não pudemos, entretanto, afirmar que eles não saibam o que é
uma função. São alunos de um curso de Pós-Graduação em Educação
Matemática e docentes de Matemática. O que vemos é que contextos distintos
oferecem produções de significado distintas. Nesse contexto, ser ou não uma
função não era importante para eles e sim avaliar se o gráfico representava ou
não uma função constante. E mais, elegeram uma autoridade para falar por
eles.
Notamos que a professora não fez intervenções quando os alunos
estavam reunidos em grupo, a não ser quando chamada. Se os alunos não
chamaram a professora é porque não sentiram necessidade. Nesse caso, uma
intervenção poderia causar embaraços entre os participantes, ou mesmo
persuadi-los a aceitar a idéia da professora. Os alunos tinham oportunidade de
validar e discutir as suas idéias com a professora quando iam ao quadro.
Destacamos as produções de significado que apareceram neste
episódio, pois muitas vezes no calor da aula, um professor pode não estar
85
atento e, simplesmente, dizer certo ou errado oferecendo um enunciado que
não requer uma ação do estudante:
• A1 = Uma função é crescente quando sobe e vai para a direita;
• A2 = Uma Função é crescente e positiva quando tem domínio e
imagem positivos;
• A3 = Função constante corresponde a algo que não varia.
Finalizando este episódio - As aparências enganam – vemos que o fator
autoridade deve ser levado em conta na sala de aula, pois tem um impacto
direto na produção Matemática escolar. Vimos que embora a solução
apresentada no livro de Ivo fosse correta, foi desconsiderada pelo simples fato
do livro pertencer a Ivo. A liderança conferida a Gustavo foi transferida para a
sua apostila e levou o grupo a produzir um significado para função sempre
crescente que é Matematicamente considerado incorreto. A intervenção da
professora foi sempre no sentido de levar os alunos a discutirem. Ao invés de
dizer que o gráfico sugerido por Gustavo não poderia representar uma Função,
ela perguntou se era gráfico de Função. O argumento das “regras do jogo”
implica que a legitimidade passa a ser função do grupo e não somente do
professor.
4.4 - Episódio II – O que se olha e o que se vê.
Este episódio foi composto por três partes: Parte I – Limite e
Continuidade Parte II – Ponto ou intervalo e Parte III – Formalismo versus
Praticidade. No episódio aparecem discussões sobre as tarefas das fichas 03 e
04 e apontamentos trazidos de uma entrevista realizada com os alunos Mirela
e Clóvis.
Realizar esta entrevista foi uma verdadeira odisséia. Por três vezes os
alunos não compareceram nos dias e horários marcados. Na primeira data
agendada, Mirela compareceu no final do horário dizendo que teve problemas
e perguntando por Clóvis. Dissemos que “problemas acontecem” e agendamos
86
uma nova data escolhida por eles. Um dia antes, recebemos um e-mail
desmarcando porque eles teriam uma prova naquela semana. De comum
acordo agendamos uma nova data e eles também não compareceram. Depois
disso decidimos realizar a entrevista “meio de surpresa” e assim fizemos. No
começo da entrevista eles estavam muito tensos e, aos poucos, após
perceberem que não estávamos avaliando o conhecimento Matemático e sim
esclarecendo alguns pontos que nos vídeos não ficaram claros, este problema
foi contornado. Acreditamos ser importante relatar tal fato, pois entrevistas a
posteriori podem ser muito difíceis de serem marcadas.
A ficha 03 foi aplicada juntamente com a ficha 02 e já detalhamos esta
aula no Episódio I. Na ficha 03 colocamos sem aviso prévio, questões sobre
continuidade de funções definidas em conjuntos numéricos reais, a fim de
investigar se usariam as idéias da Continuidade Natural ou Formal. Após
resolverem individualmente, os alunos divididos em dois grupos discutiram as
questões referentes à continuidade. Apareceram três argumentos sobre
Limite/Continuidade de Funções Reais e pontos cartesianos:
• A4 - O limite de uma função é calculado a esquerda e a direita do
ponto;
• A5 - Um ponto na reta real não tem vizinhança;
• A6 – Analisar a Continuidade local de uma Função é analisar o
Limite da Função no intervalo que contém o ponto.
A ficha 04 foi desenvolvida em 08/03/2004 no laboratório de informática
onde estavam presentes a professora, a pesquisadora e nove alunos da turma.
A aula apresentou três partes: expositiva (35 minutos), atividade em grupos de
dois ou três alunos (40 minutos) e no quadro branco com o grupo todo (70
minutos). Após a exposição da professora, segundo suas próprias escolhas, os
alunos dividiram-se em três duplas e um trio. Cada grupo recebeu o enunciado
impresso, teve acesso aos computadores e ao material que trouxe de casa. As
duas filmadoras foram colocadas de frente para os alunos favorecendo o
registro de suas expressões. Na tarefa da ficha 04 duas personagens, João e
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Beatriz, resolvem uma questão sobre limite de uma função polinomial real do
primeiro grau.
O aluno Gustavo, líder no primeiro episódio, não compareceu à aula e
Clóvis assumiu de vez a liderança. O poder do aluno considerado líder, assim
como no Episódio I, apareceu de modo muito claro. A discussão sobre as
resoluções das personagens, João e Beatriz, giraram em torno de que o João
analisa o limite num ponto e a Beatriz analisa num intervalo. Durante este
Episódio vimos como entendem alguns objetos matemáticos: ponto, intervalo,
epsilon e delta. Embora estivessem no laboratório de informática, nenhum
aluno utilizou o computador. Apareceram os argumentos:
• A7 - O domínio e a imagem de uma Função percorrem trajetórias
independentes;
• A8 - Um ponto sobre a curva é um ponto isolado;
• A9 - Um ponto sobre a curva pode ser um intervalo.
Parte I – Limite e Continuidade
Esta parte do episódio II foi composta pelas discussões entre os alunos
Mirela e Clóvis quando envolvidos na tarefa das fichas 03, 04 e na entrevista.
A aluna Mirela após interromper um curso de Direito, fez Licenciaturas em
Química e Matemática e leciona Matemática no Ensino Médio.
Os alunos liam a tarefa e conversavam sobre as resoluções das
personagens João e Beatriz. As discussões eram sobre pontos, intervalos e
continuidade de funções. Aqui apareceu pela primeira vez a idéia de que o
Limite local de uma Função Real de uma Variável Real é em volta de um ponto
e aí não se olha o intervalo porque um ponto na reta real não tem vizinhança.
Para estes alunos, Limites de Funções em intervalos servem para analisar a
Continuidade de Funções. Apresentamos a ficha 04.
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Ficha 04 - 08/04/2003
1- João e Beatriz são, dois alunos da disciplina de Cálculo, resolveram o
lim (4x -5) = 7 x→3 sendo f: R → R como aparece abaixo. Analise as resoluções abaixo e discuta as semelhanças ou diferenças das resoluções. Resolução do João: Olhando no gráfico, o resultado do limite é 7
Resolução da Beatriz: Para qualquer ε >0, existe um δ >0 tal que (4x - 5) - L < ε sempre que 0 <x - 3< δ. (4x – 5) - 7 < ε ⇔ - ε < (4x – 5) - 7 < ε sempre que 0 <x - 3< δ. Como (4x – 5) -7 = 4x – 12 = 4x-3. Portanto - ε/4 < (x-3)< ε/4 Logo, basta tomarmos δ ≤ ε/4, isto é, para qualquer ε > 0 existe um δ< ε tal que (4x – 5) - 7< ε Sempre que 0 <x - 3< ε. Tabela 31– ficha 04 – episódio II
Mirela e Clóvis discutiam a tarefa: L30 - Mirela: Ele está analisando o quê? .....O limite à esquerda e o limite à direita..... [ela olha para o Clóvis e percebe que ele não concorda] L31 - Mirela: Ele está analisando o quê? No ponto quando x for igual a 3 [Clóvis não está concordando...] L32 - Mirela: Toma!!!! Por que você não escreve aqui? [Clóvis pega o caderno, cada um escreve no seu caderno e ele olha o que ela está escrevendo] L33 - Mirela: Vê o que eu entendi....A vantagem entre a Beatriz e o João é que ele analisa o limite no ponto e não no intervalo. [Clóvis acena que sim, mas está pensativo] L34 - Clóvis: Como ela está realmente querendo saber quando x está tendendo a 3... [Mirela pega o lápis e aponta fazendo movimento de vai e volta, mostrando o gráfico na folha e Clóvis olha para a resolução da Beatriz] L35 - Mirela: Quando ela faz aqui o limite é o mesmo. Quando ela faz aqui ....tá no meio....Ela não está analisando isso....
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[ela faz um movimento com o lápis, mostrando uma linha reta paralela ao eixo horizontal na altura de f(3). Está dizendo que a Beatriz analisa no meio, num ponto do intervalo] L36 - Mirela: Eu acho que tá naquele caso..ela tá vendo um ponto [aponta com o dedo] L37 - Clóvis: Quando você fala em intervalo... [faz gesto com dois dedos da mão indicando uma pequena abertura] L38 - Clóvis: é o intervalo para continuidade... de intervalo para intervalo. Quando você fala em limite, você está vendo para aquele ponto específico. [aponta com o dedo indicando como se fosse um local só] L39 - Clóvis: Entendeu? Aí você vê que o limite está contido em volta daquele ponto e não no intervalo. Você está misturando continuidade só que não é continuidade....É limite. Calcule o limite. Você está entendendo?....Quando você fala de continuidade.... L40 - Clóvis: As desvantagens é que ele analisa aqui no caso...os pontos próximos L41 - Mirela: As desvantagens é que ela analisa os pontos à direita e à esquerda e ele não, só analisa um ponto e não verifica os intervalos. L42 - Clóvis: Analisa na direita e na esquerda..... [está pensativo e analisa a resolução da Beatriz] L43 – Mirela: Mas aqui ta bom? Você acha? [aponta para a resolução da Beatriz ] L44 - Clóvis: Eu não acho que esse é o problema....analisar limite num intervalo? Num intervalo? Eu acho que limite é num ponto...agora a continuidade é... L45 - Mirela: Ah! A continuidade isso... L46 - Clóvis: A função está definida num intervalo. Agora o limite tende para um ponto no específico. Agora se ele existir... [ fica apontando com o dedo indicador para o ar] L47 - Mirela: A única desvantagem que eu vejo é que ela não é precisa... L48 - Mirela: É mecânica...não tratando... L49 - Clóvis: Faz assim mesmo! [ele para de falar e fica pensativo] L50 - Mirela: Peraí...Aqui sim ele analisa os intervalos próximos de que ponto? Do ponto 3. Ele está vendo tudo. Todos os épsilons e todos os deltas, não é? [faz com a mão o gesto como se fosse um intervalo [ ] ] L51 - Mirela: Ele está vendo tudo. Se é continuidade, se não é contínua. Tabela 32– transcrição 09 – episódio II
As idéias de Clóvis sobre vizinhança de um ponto e intervalo que contém
um ponto (L39-40, L44 e L46) fizeram com que ele entendesse que “O Limite
está à direita e à esquerda” (A4). Mirela (L51) disse que quando a
personagem João olhava o gráfico estava visualizando tudo, inclusive se era ou
não Função Contínua porque ele olhava os intervalos (A6). Esta fala
corrobora com as idéias de Núñez sobre a Continuidade Natural. Abaixo,
90
transcrevemos um trecho da entrevista onde Mirela justificou a sua preferência
por análises gráficas.
L52 – Mirela: Tenho muita dificuldade em entender demonstração, então por uma questão de sobrevivência eu olho no gráfico. Tabela 33– transcrição 10 – episódio II
Esta idéia apareceu pela primeira vez nas respostas da 2ª questão da
ficha 03 em que a maioria esboçou gráficos para analisar a continuidade das
funções.
Ficha 03 – DATA: 01/04/03
2- Sejam: a) g uma função de Ν em Ν definida por g(a)= 2a + 3 b) h uma função de Ζ em Ζ definida por h(b)= 2b + 3 c) p uma função de Q em Q definida por p(c)= 2c + 3 d) s uma função dos Irracionais nos Irracionais, definida por s(d)= 2d + 3 e) t uma função de ℜ em ℜ definida por t(e)= 2e + 3 f) v uma função de [ 0;1] em ℜ por v(f) = 2f + 3 Analise cada uma das funções acima quanto à sua continuidade ou não. Justifique todas as respostas Tabela 34– transcrição 11 – episódio II
Somente Marta acertou totalmente a questão, porém foi voto vencido em
seu grupo que preferiu aderir à resposta de Clóvis. Quando os alunos
responderam a mesma questão em grupo, usaram a definição formal copiada
de livros para justificar que todas as funções são contínuas, sem discussões
específicas. O grupo de alunos liderados por Clóvis fez diferenças entre limite
no ponto (A4) e continuidade no intervalo (A6). Eles copiaram de um livro,
trazido por Clóvis, a explicação sobre Limite local de uma Função de uma
Variável Real.
91
Tabela 35– resposta sobre continuidade de funções – episódio II
O grupo seguindo as idéias apresentadas por Clóvis escreveu “no ponto”
e depois usando a definição com epsilon e delta escreveu que era no intervalo.
O argumento usado é que um ponto na reta real não tem vizinhanças (A5),
para calcular o limite basta verificar o valor da função naquele local e pronto.
Quando estes alunos queriam analisar a continuidade de funções, olhavam as
vizinhanças do ponto. Durante a entrevista Clóvis e Mirela continuaram
afirmando que “o Limite é no ponto (A4) e a Continuidade é no intervalo
(A6)”. Pedimos para que analisassem a Continuidade da função definida no
conjunto dos Reais:
0 se x < 0
F(x) =
1 se x ≥ 0
92
Os alunos desenharam o gráfico e, olhando para a figura, afirmaram que
a “função é contínua porque existe o limite à direita e à esquerda do ponto
zero”.
Tabela 36– gráfico de função descontínua – episódio II
Mirela olhou para o gráfico e respondeu que “não era contínuo”,
enquanto Clóvis dizia que não tinha certeza por causa dos Limites. Segundo
ele, o ponto (0,0) não pertencia à curva, mas a Função era contínua porque
existiam os limites à direita e à esquerda desse ponto. Pedimos para que
calculassem os limites e eles tentaram posicionar na figura os intervalos
contendo epsilon e delta, mas não conseguiram. Clóvis repetia sem parar que
“uma função é contínua se existe o limite da função para x tendendo ao ponto”.
Mirela mudou de opinião, olhou para o gráfico e falou “que, apesar de estranho,
achava que é contínua porque existe a continuidade no domínio”. Clóvis
permanecia calado e olhava para o gráfico.
L53 – Clóvis: Não sei não....existe o limite aqui [aponta para o ponto (0,0)] e existe aqui [aponta para o ponto (0,1)]. Tem que ser contínua. L54 – Mirela: Mas e isto aqui? [aponta para a interrupção do gráfico e está em dúvida sobre as palavras de Clóvis]. L55 – Clóvis: É isto aqui.... [está pensando alto sobre a pergunta de Mirela] Mas existe o limite. Eu não consigo lembrar a definição. Faz tempo que eu não vejo isso, já faz um ano..... Tabela 37– transcrição 12 – episódio II
Diante da impossibilidade dos alunos resolverem a questão, a
professora pediu que, em casa, pesquisassem em livros e depois trouxessem a
y 1
0 x Modelo do gráfico desenhado pelos alunos para a função F(x) dada acima.
93
resposta por escrito. Eles jamais trouxeram esta resposta, mas encontrando
com Mirela, ela disse que viu no livro e que eles cometeram um erro bobo.
Eles “caminhavam pela curva” e “passavam pelos pontos”. Mirela e
Clóvis passeavam pela curva e quando estavam próximos da abscissa 0
levantavam uma reta vertical e viam que a sua imagem era a ordenada 1.
Desse modo a descontinuidade não era considerada, pois se existia uma bola
aberta num local, no outro que correspondia ao caminho a seguir, existia
uma bola fechada. Neste caso, a Função era contínua porque não apresentava
“buracos” e “saltos” e existia o limite. O que está implícito é que eles entendem
“duas bolas abertas” como “salto ou buraco no gráfico” pois “as bolas
abertas” impossibilitam caminhar pela curva.
Finalizando esta parte do episódio, enfatizamos que os enunciados são
apropriados por aqueles que o lêem, isto é, ao ler que algo é contínuo quando
não apresenta buracos ou saltos. Quando pedimos para que provassem como
se fossem a personagem Beatriz, eles não conseguiram. Os professores, de
modo geral, utilizam uma “bola aberta” para indicar a ausência de um ponto.
Nesta pesquisa, os alunos entenderam uma “bola aberta” e outra fechada
como possibilidade de continuidade da função. Temos, outra vez, evidências
do mapeamento entre coisas físicas/materiais e Matemáticas. Os alunos
entendem que função contínua é a que não tem buracos, mas esse olhar está
para uma trajetória unidimensional. Ao mapearem algumas inferências para o
domínio Matemático, inferem que um buraco na função seria a falta de um
ponto na imagem para um local do domínio, mas, como na tarefa todas as
ordenadas existem, então a função é contínua.
Parte II – Ponto ou intervalo
No dia 08/03/2004 após discutirem com seus pares, os alunos pararam
para o café e quando voltaram foram ao quadro responder as questões da ficha
04. No trecho abaixo aparece a aluna Mirela mandando o colega Roberto traçar
retas paralelas ao eixo Ox para analisar a trajetória da curva. Roberto é
licenciado em Matemática e leciona Matemática para o Ensino Médio.
94
Quando traçavam retas paralelas ao eixo Ox, os alunos “passeavam
sobre os pontos do domínio independentemente dos pontos da imagem” como
quem percorre trajetórias independentes. Escrevemos o argumento: A7 - O
domínio e a imagem de uma Função percorrem trajetórias independentes.
L56 - Mirela: Traça uma reta paralela a x [o Roberto que já resolvia a questão no quadro desenha o que ela pede]
L57 - Mirela: Pra relacionar com... Só paralela... L58 - Professora: Relaciona ou não relaciono? [a professora está querendo saber se o esboço relaciona domínio e imagem] L59 - Mirela: O seu segmento de reta... intervalo quem é ? Então são esses os pontos que contém o seu limite. [Marta vai à lousa com ares de quem sabe que está certa e escreve 3 e 7 dizendo que 7é f(x)]
[Ela não recebe a adesão do grupo e volta para o seu lugar sem falar mais nada] L60 - Professora: Mas o intervalo tá ligado onde? L61 - Mirela: Então, quando você coloca o segmento, não retas fechadas, você vai pegar o que? Todo o seu intervalo, os dois vão estar contidos aqui dentro. -- -- -- -- -- -- - -- -- -- -- --- - -- -- -- L62 - Professora: Aposto que você tá fazendo isso, não tá relacionando tudo, como é que você quer que relacione? L63 - Mirela: Não é que eu não quero, o que eu entendi, que vai só me interessar isso daqui, isso, e isso. [ela aponta para os intervalos que desenhou] Tabela 38– transcrição 13 – episódio II
95
Marta foi ao quadro e localizou (3,7) relacionando com (x,f(x)), mas não
recebeu a adesão do restante da sala. O que corrobora com as idéias de que
“o ponto (x,f(x)) é um ponto isolado (A8)”. Em (L58) vimos que a professora
interviu forçando o encaminhamento da discussão no sentido de provocar um
olhar bidimensional para o gráfico. Mirela olhou para o gráfico e viu os eixos
coordenados de modo unidimensional e não bidimensional.
Tabela 39 – análise da transcrição – episódio II
Marta em (L59) levantou, foi ao quadro e escreveu 3 no eixo x e 7 no
eixo y, dizendo que 7 é igual a f(x). Apesar de correta, ninguém aderiu à sua
resposta e ela desistiu.
Marta é Licenciada em Química e quase sempre ficava muito calada
durante as aulas. Até este momento o grupo não lhe considerava como líder e
é por isso que a sua idéia não recebeu a adesão do grupo. Após o primeiro
instrumento escrito de avaliação, a professora revelou para a classe que Marta
tirou nota dez e isto fez com que a classe passasse a considerá-la como líder.
A aula continuava.
L64 – Mirela: É o Épsilon, é esse aqui não é ? e Esse aqui é o meu Delta. Deixa eu ver se consigo fazer... L65 - Professora - O Épsilon é esse ponto aqui? [aponta para o número sete] L66 – Mirela: Não, é todos que estão compreendidos da imagem 7 até 3.
L67 – Professora: Peraí, 7 até 3, vamos fazer uma coisa, vamos dar nomes... 7 a 3 é aqui...que você tá falando eu não tô entendendo o que você tá falando.
Eixos coodenados Mirela olhou e viu unidimensionais e independentes y y x x
96
L68 – Mirela: Eu não sei quais são os pontos que ligou essa reta, tá? Nós não vimos, nós estudamos que quando o limite for 3, y vai ser o que ? Igual a 7. [aponta o sete] L69 – Professora: Qual a função que foi dada, só um minuto, tem a função aí... 4x - 5. L70 – Mirela: Limite 4x - 5 com x tendendo a 3. [escreve na lousa] L71 - Professora - Peraí, não. Põe lá 4x - 5, sabendo agora que essa reta é 4x - 5 dá pra você saber aqueles pontos todos, tá , e aí...que é o Épsilon e quem é o Delta. Por que você falou que a Beatriz tem mais vantagens porque ela fez para todos os Épsilons. E a minha pergunta é: o Épsilon é um valor, o Épsilon é um intervalo, eu não entendi ainda. L72 - Mirela: É um intervalo. L73 - Professora: Então se o Épsilon é um intervalo como é que eu calculo um valor de Épsilon e o de Delta? L74 - Mirela: Boa pergunta. Tabela 40 – transcrição 14 – episódio II
Observamos que para eles δ e ε são intervalos. Na próxima transcrição
o texto “dado ε tão pequeno quanto se queira” foi dito pelo aluno Roberto que
fez um gesto, simultâneo, com o polegar e o indicador se aproximando,
indicando um intervalo de variação. Pareceu-nos, portanto, que ε era
identificado como este intervalo de variação sem conexão com a curva dada.
Assim o ponto (3 - δ, 7- ε) era visto como um intervalo e desvinculado da curva.
Formulamos o argumento: Um ponto sobre a curva pode ser um intervalo
(A9). Vamos à transcrição:
L75 - Professora: Vamos fazer uma coisa. Onde é que está o ÉPSILON nessa história toda? L76 - Roberto: Nesse ponto aqui sete mais Epsilon. Aqui o ponto três, aqui vai ser três mais Delta, três menos Delta, aqui vai ser sete, aqui sete mais Épsilon, sete menos Épsilon. [Roberto não desenha o gráfico da função. Coloca na lousa o esquema abaixo. Faz um gesto com os dedos polegar e indicador para significar algo bem pequeno ]
L77 - Professora: Agora minha pergunta, sete mais Épsilon tem alguma coisa a ver com três mais Delta ou três menos Delta? Como? Desenha a função também, se não eu fico perdida. [Ele apaga o esquema que já desenhou e desenha outro, escrevendo Epsilon nos dois eixos].
97
Tabela 41 – transcrição 15 – episódio II
A professora fez uma intervenção “desmontando” o plano cartesiano e
desenhando os dois eixos reais como se fossem duas retas paralelas
dependentes. Explicou que o enunciado diz “dado ε maior que zero preciso
encontrar um δ que depende deste ε” e continuou a explicação sobre a
definição de limite. Vemos que o movimento dos dedos se aproximando e se
afastando (L37, L50, L76), pode deixar a informação de que o epsilon é um
intervalo, já que os gestos são os mesmos usados para representar intervalos.
Aqui nossa análise se apoiou novamente nos mapeamentos. Podemos
entender que ao ler “ε é tão pequeno quanto se queira” e fazer gesto de
aproximação dos dedos, o aluno levou o mesmo tipo de inferência que faz
entre um segmento e a sua medida. Exemplificando, ao somarmos dois
segmentos de medidas 2 cm e 3cm, respectivamente, usamos um processo
análogo à soma de dois números, que representa a quantidade de 2 coleções,
2+3. O resultado 5 cm é uma medida obtida do mesmo modo que o resultado 5
que é uma quantidade. Assim uma medida pode ser entendida como
quantidade. Um ε tão pequeno pode ser entendido como um segmento bem
pequeno. Por sua vez, um intervalo que é um subconjunto de números reais é
entendido como um segmento na reta.
Vemos aqui que os mapeamentos conceituais são bastante complexos,
uma idéia não é entendida diretamente através de outra, mas sim resultando
de várias inferências que são mapeadas entre os diferentes domínios para
surgir um conceito. Aqui ε foi entendido como um intervalo já que um número
98
pode ser entendido como uma medida. Novamente acreditamos que o
professor atento a este fato pode explicitar as diferenças. Além disso, deve
estar atento que quando fala ou escreve algo, o aluno ao se apropriar deste
enunciado faz seus próprios mapeamentos. E aqui as teorias da corporeidade
e da argumentação se articulam para auxiliar a prática do professor.
Tabela 42 – exemplo de mapeamento – episódio II
Mapeamos a inferência sobre os segmentos e não somente a medida do segmento Relacionamos toda a inferência que fazemos sobre os segmentos com a operação aritmética da adição e os valores numéricos.
2 3
5
2 3 5
99
Parte III – Formalismo versus Praticidade
Nesta última parte desse episódio II, apareceram as idéias dos alunos
sobre as demonstrações algébricas e a visualização gráfica. Destacamos as
discussões envolvendo a ficha 04 e alguns depoimentos feitos na entrevista.
Mirela e Clóvis discutiam sobre as vantagens e desvantagens das resoluções
das personagens João e Beatriz.
L78 - Mirela: Qual que é a vantagem do João....ela é direta....Ela é direta, possui uma visualização L79- Clóvis: facilidade de visualização......mais direta...prática, mais prática né? ..........É mais prática, tem um processo mais prático... [ Mirela escreve ] L80 – Clóvis: é mais prática e possibilita porque além de ser prática possibilita...porque é só substituir o x... [Clóvis fica nervoso e coloca a caneta na boca fazendo rodopios como se quisesse morder a caneta] L81 - Clóvis: Ele tem um caso mais particular e aqui ela tem uma forma mais geral L82 - Clóvis: É a idéia dela serve pra tudo. L83 - Clóvis: O conceito de limite está bem mais claro, o limite aqui sabe...uma coisa mecânica... [aponta para a resolução gráfica] L84 - Clóvis: Sabe quando você tem uma equação do 2ºgrau para resolver quando resolve uma equação.... L85 - Mirela: A resolução é mais mecânica... L86 - Clóvis: É isso, é mais mecânica, você entendeu? Ele resolve, mas só que...como se encontrasse as raízes do 2ºgrau e pronto... [Mirela escreve e Clóvis olha] L87 - Clóvis: Porém a desvantagem dela é que a resolução é mais trabalhosa L88 - Mirela: A resolução é trabalhosa, mas mais precisa né? L89 - Clóvis: Ela resolve de uma forma mais conceitual. Não é mais conceitual? L90 - Mirela: Eu acho que é mais precisa. [Clóvis acena com a cabeça...está em dúvida] L91 - Clóvis: Ela não pede nada de continuidade aí. Pra ver se é contínua ou não. O que eu entendi é o seguinte: é que ele resolve de uma forma mais mecânica e ela resolve também de uma forma precisa, mas é conceitual, ou seja, ela entendeu o que é o conceito de limite, de repente João fez isso aqui tudo sem entender o conceito de limite. [Mirela não concorda e fala irritada] L92 - Mirela: Aqui também ela pode ter feito tudo e não entender o conceito de limite L93 - Clóvis: Ah! Não. Se ela resolveu usando épsilon, delta e tal...quer dizer que ela entendeu o conceito, que ta no intervalo [faz gesto com a mão]
100
L94- Mirela: Eu acho que não. Eu acho que muitas vezes você faz conta e não visualiza nada... eu acho que aqui enxergando graficamente...eu acho que está mais preciso, o seu conceito é mais preciso L95 - Mirela: Ah! Mas não é assim...esse conceito ele analisa limite num ponto e aqui não, é no intervalo. [Clóvis faz cara de riso] L96 - Clóvis: Eu acho que ela analisa mais conceitual. Tudo ela analisa mais conceitual, mais precisa. Não posso falar pra você, o que você não acha! L97 - Clóvis: Coloca...é mais precisa, mais conceitual porque envolve o conceito de limite L98 - Mirela: Ela usa o conceito mais preciso, sobre limite né? L99 - Clóvis: Isso! Vamos deixar assim.... [faz uma cara de que tanto faz L100 - Mirela: Não é, é que você tem uma visão e eu tenho outra. Eu acho isso mais prático, não é? [Clóvis ri com cara de quem não concorda] L101 - Mirela: Ou é ou não é!!!! Eu já acho que assim é mais prático e você fica pensando mais no limite. Tabela 43 – transcrição 16 – episódio II
Vimos que Clóvis não gostou da idéia de aceitar a resolução de João
como vantajosa neste caso. Isto pôde ser observado por suas ações corporais
tais como “fazer rodopios com a caneta no canto da boca”. Ele mastigava e
rodava a caneta, freneticamente, por muitos minutos sem dizer nada. Depois
começou a construir uma defesa para a sua tese: Beatriz é melhor (L86-89) e
afirmou que a resolução de Beatriz era trabalhosa (L89). Não podemos
afirmar que trabalhosa corresponda a “difícil de entender” , mas o exemplo
sobre a resolução de equação do 2º grau (L84) parece indicar isso. Notemos
que apesar da fórmula da resolução da equação do 2ºgrau também ser
trabalhosa, já está automatizada para ele e para os professores em geral, ou
seja está incorporada.
Mirela (L72 e L94) chamou a atenção que usar ε, δ e dar certo nem
sempre é sinônimo de entender. É como se explicitasse como é usar uma
fórmula qualquer, substituindo valores e chegando ao resultado sem entender o
que é a fórmula. Clóvis continuou a sua defesa para “Beatriz é melhor”, não
ligou para o que Mirela disse e afirmou que olhar o gráfico é fazer
mecanicamente, sem entender, e que ao usar ε e δ a pessoa estaria
entendendo (L88). Este é um exemplo de “dizer sem dizer”, o que está implícito
101
é que a sua visão positivista de formalismo é superior ao gráfico. Por não
encontrar um argumento sustentável Clóvis abandona a discussão (L99) e
Mirela reforçou que ambos têm visões distintas sobre o problema (L100).
A próxima transcrição é de uma cena que aconteceu após o café quando
os alunos foram ao quadro comentar as suas resoluções. Aparece a aluna
Elisa que é licenciada em Matemática e leciona no Ensino Fundamental.
L102- Elisa: Nós achamos que a melhor é do João...é a mais vantajosa por causa da visualização, mas a desvantagem é que é num ponto. A Beatriz é desvantagem, é mais complicado, mas a vantagem é porque analisa o intervalo. Agora a Beatriz ela já pega o intervalo né? O Épsilon maior que zero e o Delta...esse intervalo que a gente viu, eu não saberia explicar né... [Ela olha para a classe e pede ajuda] L103 - Professora: Alguém pode ajudar? .... Coitadinha!!!!!!!!!! L104 - Elisa: É, me ajudem! [Mirela começa falar ao fundo e a professora percebe] L105 - Professora: O que quer dizer a definição de limite que a Beatriz usa? Vai lá na frente. L106 - Mirela: Eu tô entendendo o seguinte: quando ele analisa quando x = 3 pondo o limite, ele achou o ponto 7, ele achou a imagem dele que y = 7.
Pra mim, isso aqui foi mecânico. Ele não tinha bem o que era conceito de limite, pelos exercícios que nós fizemos nas aulas passadas. [A aula passada foi sobre as fichas 02 e 03 que estão no anexo I]. L107 - Mirela: Já no caso de Beatriz ela já tem o conceito bem mais formado, ela analisa traçando a reta aqui, ela analisa todos os intervalos por onde corta os Épsilons à direita e à esquerda do ponto 3.
Tabela 44 – transcrição 17 – episódio II
Elisa (L102) respondeu a questão do mesmo modo que Clóvis e ficamos
sabendo depois, que durante o café os alunos conversaram sobre as
respostas. Para Mirela, olhar no gráfico era mais prático (L78 e L101), mas
quando foi ao quadro disse que olhar no gráfico era mecânico. Vimos que
102
Mirela argumentou com Clóvis que só porque o João responde a questão
olhando no gráfico, não quer dizer que ele não saiba o que é limite. Segundo
ela, a Beatriz pode ter solucionado através de uma demonstração teórica, mas
não sabe o que significa analisar o limite. Porém, assim como o restante da
turma, durante o café resolveu aceitar as idéias do Clóvis. As idéias que Elisa e
Mirela expuseram no quadro foram as idéias do Clóvis. Elisa expôs, mas não
soube explicar. Mirela explicou porque participou da discussão com Clóvis.
Vimos que o poder de autoridade da maioria fez com que Mirela
aceiteasse as idéias de Clóvis e resolvesse defendê-las no quadro. Quando
entrevistada, continuou afirmando que “olhar no gráfico é mais prático” e que
aprendeu olhar no gráfico por uma questão de sobrevivência. Vamos à
transcrição desse trecho da entrevista.
L108 - Mirela: Sabe o que que é, eu pra Cálculo, pra fórmula, pra Cálculo eu tenho muita dificuldade. L109 - professora: Então, mas sabe de uma coisa, eu adoro justamente tudo que você fala. Você tem as dificuldades que todo mundo tem. [Mirela ri, alegremente, como se tivesse recebido um elogio] L110 - Mirela: Como eu não tenho a formação que o Clóvis tem, ele sabe muito mais coisas do que eu, eu nunca aprendi demonstração de nada..... [ela ri] Tabela 45 – transcrição 18 – episódio II
Novamente o poder de autoridade apareceU muito forte. Ao dizer para
Mirela (L109) que adorava tudo o que ela falava, a professora autorizou Mirela
a dizer tudo que pensava. Ela confiou na fala da professora e a partir desse
momento a entrevista transcorreu sem dificuldades. Em seguida (L110) vimos
que Mirela considerava Clóvis como líder por causa da formação que ele
possui. A liderança de Clóvis começou a ser conquistada no episódio anterior
e, assim como Mirela, o restante da sala também o considerava como líder.
Nenhum aluno percebeu que a resolução de Beatriz não estava correta. O
formalismo algébrico era considerado, por estes alunos, como sinônimo de
perfeição. Vimos que Elisa (L54) falou em pontos, intervalos, epsilon e delta,
mas não conseguiu explicá-los.
103
Ainda, pelas falas (L106), vimos que um ponto da curva era um ponto no
plano cartesiano, isto é, representado por (x, y) onde x era abscissa e y era
ordenada. O significado produzido para a resolução de João foi “3 é o x,
abscissa, e 7 o y, a ordenada e no gráfico da função podemos marcar o ponto
(3,7)”. Apareceu o argumento Um ponto sobre a curva é um ponto isolado
(A8). O ponto sobre a curva foi visto como se não pertencesse a ela, isto é,
como se o plano cartesiano contivesse pontos e a curva era colocada no plano,
assim o ponto era do plano e não da curva.
Podemos olhar para este argumento pensando no plano como uma
“mesa” e um segmento de reta como uma “caneta” sobre uma folha de papel
na mesa.
uma caneta sobre a mesa “plano e segmento de reta”
Tabela 46 – a caneta e a mesa – episódio II
Podemos marcar o contorno da caneta e se retirarmos a folha e a
caneta, ainda teremos os pontos do contorno. As inferências de um domínio
material para um domínio lingüístico, abstrato, como a Matemática, levam o
aluno a entender o ponto de uma curva f não como (x,f(x)), mas como (x,y)
onde por acaso y=f(x). A curva f está lá no plano cartesiano, assim como a
caneta está no papel, os pares ordenados (x,y) de cada ponto, estão e ficarão
lá assim como os pontos do contorno da caneta, mesmo que retiremos a curva
f do plano ou a caneta do papel.
A seguir, o esquema argumentativo deste episódio.
104
Esquema argumentativo - EPISÓDIO II - O que se olha e o que se vê
L73 L88 L54 L61 A8 L28 L34 A7 L33 A9 A4 A5
A4 A6 L53
A8 A9 A7 L49 L48 Tabela 47 – o esquema argumentativo do episódio II
Parte I – Limite e Continuidade
Parte II – Ponto ou Intervalo
Parte III – Formalismo versus Praticidade
Tarefa 04 – João e Beatriz M I R E L A
C L Ó V I S
Limite é no ponto
continuidade é no intervalo A6 - L33
Ponto na reta real não tem vizinhança
Tarefa - 03
autoridade
Limite é no ponto
Continuidade é no intervalo
5
entrevista
0 se x < 0 F(x) = 1 se x ≥ 0
Mirela: não é contínua
Clóvis: f é contínua
Mirela: (3,7) não pertence à curva
Marta: (3,f(3)) pertence à curva
Domínio e imagem têm trajetórias independentes
ε e δ são interva- los- L67
6
Relaciono ou não relaciono?
Mirela: (3,7) não pertence à curva
ε e δ são interva- los
Domínio e imagem têm trajetórias independentes
7
entrevista
Mirela: João é prático e serve pra tudo
Clóvis: Beatriz é melhor
Autoridade da maioria
Mirela: Beatriz é a melhor -L102
8
entrevista
Mirela: olhar no gráfico é questão de sobrevivên cia
Clóvis: tem dificul- dade em olhar no gráfico
LEGENDA Intervenção da professora A4 - O limite de uma função é calculado a esquerda e a direita do ponto; A5 - Um ponto na reta real não tem vizinhança; A6 – Analisar a Continuidade local de uma Função é analisar o Limite da Função no intervalo que contém o ponto; A7 - O domínio e a imagem de uma Função percorrem trajetórias independentes A8 - Um ponto sobre a curva é um ponto isolado; A9 - Um ponto sobre a curva pode ser um intervalo
Mirela: ε e δ são números reais
autoridade
F é contínua
106
Nessa pesquisa objetivamos olhar a dinâmica do processo da produção
de significado para a Continuidade de Funções de uma variável Real. Em
especial escolhemos alunos/professores, de um curso de Pós-Graduação em
Educação Matemática, pois acreditamos que a maneira como o professor
conduz a sua aula está intimamente ligada às crenças que ele já possui sobre
os conteúdos Matemáticos com os quais trabalha. Vimos que o professor, o
aluno e suas idéias são os elementos principais da dinâmica do processo de
ensino e aprendizagem. Elaboramos uma síntese com os principais resultados
encontrados nesse estudo.
A apropriação do texto
Segundo o aporte teórico escolhido “o que é dito por outro, falado ou
escrito, sofre o processo de passar de enunciado para enunciação”, este ponto
é tocado pelas três teorias, a da Corporeidade Cognitiva, a da Estratégia
Argumentativa e o Modelo Teórico dos Campos Semânticos.
Nesta pesquisa vimos que o enunciado é sempre entendido pelo leitor
do modo que lê e não obrigatoriamente do mesmo modo como foi escrito e isto
veio reforçar o que diz a teoria.
Por exemplo, na Parte I do Episódio I vimos que o aluno Gustavo leu
silenciosamente a definição que aparecia em sua apostila e ao explicá-la para
o grupo (p.74) evidenciou as escolhas que havia feito após a leitura silenciosa.
Não pudemos afirmar, que um aluno como ele, professor de Matemática há
alguns anos, não soubesse o significado da palavra “sempre”. A única coisa
que pudemos afirmar é que ele, talvez de modo inconsciente, se apropriou da
parte do texto que dizia “sempre crescente” como sendo “crescente”. O modo
como se apropriou do texto fez com que ele entendesse função sempre
crescente como sendo função crescente.
107
O que vimos no decorrer dos encontros é que estes alunos leram o que
quiseram ler e não o que pretendíamos que lessem quando formulamos o
enunciado.
O argumento e o poder da autoridade
Vimos na p.75 que os alunos do grupo do Gustavo apoiaram a idéia dele
sobre função sempre crescente mesmo não sendo matematicamente correta.
O que vimos, quando assistimos a filmagem da discussão em grupo, foi que os
alunos leram o enunciado e, o tempo todo, eles ficaram atentos à fala do
Gustavo e, ainda mais, mesmo quando Ivo mostrou a definição que encontrou
no seu livro, não foi levado em consideração pelo grupo.
O poder da liderança de Gustavo residiu no fato de que ele era professor de
um curso preparatório para vestibulares. Essa liderança foi tão respeitada pelo
grupo que eles preferiram adotar a definição do Gustavo em detrimento da
definição que aparecia no livro de Ivo, sem ler o que estava na apostila.
Notemos que a definição “quando x aumenta, o y aumenta” que foi lida por Ivo,
faria com que o grupo talvez produzisse outro significado para o texto e,
possivelmente, seria considerado matematicamente correto.
Em outro momento, na Parte II do Episódio I (p.80), todos os fatos nos
levaram a concluir que Gustavo produziu como significado que passar em dois
quadrantes era passar em quadrantes adjacentes e isto fez com que ele
desenhasse uma reta vertical como exemplo de uma função que passe em dois
quadrantes. Seria ingenuidade de nossa parte, admitir que ele e todos os
alunos do seu grupo, não soubessem reconhecer o gráfico de uma função. O
que vimos foi que ao ler o enunciado da tarefa, Gustavo foi levado a pensar em
um gráfico que passava em dois quadrantes adjacentes e não no fato de ser ou
não o gráfico de uma função. O fato de ser considerado líder pelo grupo, fez
com que os alunos também não questionassem se era ou não o gráfico de uma
função. Tivemos evidências fortes nesse sentido, pois vimos na filmagem que o
grupo ficou discutindo se o gráfico representava ou não uma função constante
e quando a professora perguntou se aquela reta vertical representava o gráfico
de uma função, Elias respondeu que “não era uma função constante” (p.83).
108
No Episódio II vimos que o aluno Clóvis, após ter justificado porque a
reta vertical não representava o gráfico de uma função, assumiu, totalmente, a
liderança da classe. Durante a entrevista a aluna Mirela justificou que as idéias
dele deveriam ser respeitadas, pois ele estudou mais Matemática do que os
outros. Quando ela olhou para o gráfico da p. 92, respondeu de imediato que
não representava uma função contínua, porém, após a intervenção de Clóvis,
ela não conseguiu, mesmo estando correta, sustentar os seus argumentos.
Estes são exemplos de que a autoridade de um aluno sobre um grupo
age de modo decisivo no processo da produção de significado pelos alunos do
grupo. Acreditamos que o poder da autoridade, tanto de alunos como do
professor, deve ser levado em consideração pelos professores durante as
aulas, pois tem um impacto direto na produção Matemática escolar.
Neste trabalho, vimos como as intervenções da professora, sempre
buscando gerar controvérsia, discussão, forçavam os alunos a discutirem na
direção que ela desejava e conseguindo algumas vezes, diminuir o poder de
autoridade ao confrontar as idéias dos alunos líderes.
Os objetos Matemáticos e a produção de significados para os mesmos
De acordo com o quadro teórico, os objetos Matemáticos se constituem
através da fala do sujeito. Em nossa análise, encontramos argumentos que
apresentaram os objetos matemáticos e a produção de significados para os
mesmos, seja de modo escrito, falado ou gestual e aceitos pelo grupo de
alunos.
• A1 - Uma função é crescente quando sobe e vai para a direita.
Para estes alunos crescimento está ligado ao movimento de ir para cima
e para a direita. Aqui lembramos que a experiência vivida pelos alunos é a de
que o crescimento, de uma planta ou de um ser humano, é entendido como
algo que sobe. Ao medirmos o crescimento de uma criança, fazendo marcas na
109
parede, dizemos que esta criança cresceu se a marca mais atual estiver mais
acima que a anterior. Além disso, crescer é uma ação reconhecida como
positiva, por exemplo, ao falarmos:
a. Fulano cresceu muito nos últimos anos, ele estudou toda a
teoria, etc...
b. Fulano, apesar de estudar toda a teoria, continua na
mesma.
Em 2 somos levados a uma imagem negativa do fulano, em 1, ao
contrário, a imagem é positiva. E positivo é sempre entendido como algo para a
direita, pois para a esquerda é negativo. Deste modo, independentemente da
definição Matemática para crescimento de funções, os alunos seguiram a
noção de crescimento, corporificada em vista de suas experiências cotidianas.
• A2 - Uma Função é crescente e positiva quando tem domínio
e imagem positivos.
Novamente a idéia de ser positivo implica em estar num ambiente que
seja positivo e, nesse caso, como o ambiente era o plano cartesiano, para ser
positiva uma Função deveria ser representada somente no primeiro quadrante.
Uma função crescente no segundo quadrante não apareceu nas respostas,
nem nas argumentações. Houve uma combinação de pelo menos duas
informações já vivenciadas pelos alunos: 1) o primeiro quadrante é positivo e 2)
os valores do conjunto de domínio e do conjunto de imagem são positivos no
primeiro quadrante. O argumento acima é o resultado da relação entre as duas
informações.
Até aqui o que vemos vem novamente ao encontro da teoria adotada, a
produção de significados para Matemática, na sala de aula, se dá do mesmo
modo que a produção do cotidiano, isto é, utilizando o linguajar do dia-a-dia.
Uma vez que as definições formais da Matemática, praticamente, não entraram
em cena na hora em que estes alunos resolviam e justificavam as questões
sobre Função.
110
• A3 - O limite de uma função existe quando podemos calcular
seus valores a esquerda e a direita do ponto desejado,
independente deste valor ser único.
Para estes alunos, calcular o Limite de uma função era fazer uma
investigação numérica à direita e à esquerda de um ponto dado. Durante a
entrevista, vimos que não questionaram a unicidade dos resultados
encontrados. Eles calculavam os Limites laterais e consideravam como
resultado satisfatório, a simples existência dos Limites, sem questionar a
unicidade dos mesmos. NUNES (2001) também apontou problemas em relação
à unicidade do Limite em sua investigação.
Uma explicação provável é de que o enunciado que vemos nos livros de
Matemática, como deste livro, por exemplo, que escolhemos por ser um dos
mais usados por nossos sujeitos:
Tabela 48 – A unicidade do limite. (GUIDORIZZI, 1987, p.9)
Foi lido e, novamente, eles se apropriaram apenas de uma das partes. Além
disso, no cotidiano, quando vamos a um prédio tanto faz chegar nele vindo por
um lado ou por outro e mais, o prédio é sempre o mesmo e existe.
• A4 - Um ponto na reta real não tem vizinhança e/ou
• A5 - Um ponto sobre a curva é um ponto isolado
Em nossa análise vimos que muitos alunos vêem os números na reta
de modo discreto, isolado. Clóvis ( L46, p. 89) erguia o dedo indicador,
111
apontava no ar para um local e dizia que o limite era calculado somente no
ponto.
Um ponto sobre a curva foi visto de modo independente de sua
relação com a curva. O par ordenado (3,7) não foi entendido como (3, f(3)).
Parecia que a curva existia mesmo sem os pontos que a originaram.
Aqui temos um exemplo de que a metáfora, Números são pontos
sobre a reta, levou a um mapeamento diferente para esses alunos, ou seja, o
fato dos pontos serem entendidos como números permitiu esta discretização e
isolamento.
• A6 – Analisar a Continuidade local de uma Função é analisar
o Limite da Função no intervalo que contém o ponto
Vimos no argumento anterior que para estes alunos, a vizinhança de um
ponto e os intervalos numéricos, eram coisas diferentes. Quando falavam em
intervalo numéricos estavam querendo dizer “vários pontos”. Para estes alunos,
analisar Continuidade Local da Função, implicava em analisar o
comportamento da Função em vários pontos, para ter uma visão se a mesma
era ou não Contínua.
A idéia natural de continuidade não comporta a idéia de continuidade
num ponto. Dizer que Função Contínua é aquela que não tem saltos ou
buracos, pode trazer a necessidade de olhar o gráfico como um todo e não
apenas num ponto. E novamente, no enunciado “verificar se f(x) é contínua em
a”, este a assume um domínio que engloba a abscissa a e não se restringe a
ela.
• A7 - O domínio e a imagem de uma função percorrem
trajetórias independentes
Vimos que o hábito de traçar retas paralelas ao eixo Ox para verificar se
o gráfico representava ou não uma função, levou os alunos à “passearem
sobre os pontos do domínio independentemente dos pontos da imagem” como
se percorressem trajetórias independentes.
112
• A8 – epsilon e delta são intervalos numéricos
Como vimos, na Parte II do Episódio II, os alunos entendiam epsilon e
delta como sendo intervalos numéricos. Os números epsilon e delta eram
entendidos como medida de segmentos e identificados como um intervalo
numérico. O gesto do professor de aproximar os dedos para dizer epsilon tão
pequeno quanto se queira pode contribuir para tal.
O ambiente e possíveis mudanças
Tendo em vista que a aula privilegiou um ambiente propício às
discussões, defesas e justificações das afirmações dos alunos, provocando
negociações entre os participantes, pudemos verificar algumas mudanças
durante e depois das aulas. Apresentamos três exemplos dessas mudanças:
• O caso da noção de função crescente e positiva que foi sendo
modificado após várias negociações.
• O caso do epsilon onde a professora em aula, explicitou a
confusão que poderia vir, a partir da medição, do instrumento de
medida e do valor da medida, pode ter forçado uma nova
produção de significados, pois quase um ano depois na
entrevista, vimos que epsilon e delta eram entendidos como
números reais.
• A utilização, pela professora, de eixos horizontais paralelos e
depois a coordenação em eixos cartesianos, também ofereceu
um novo enunciado, pois na entrevista acima citada, os alunos
relacionaram o valor de delta com o valor de epsilon.
As considerações finais
Muito ainda temos para caminhar, o conceito de Continuidade pode ser
abordado de outros modos e um, complementar o outro. O papel da tecnologia
113
neste cenário deve ser mais investigado. A teoria da cognição Corporificada,
embora utilizada no Brasil até o momento por Bolite Frant, ganhou espaço em
2003 e 2004 nos congressos internacionais tais como CERME e PME. Estes
trabalhos não foram aqui inseridos, dado que nosso contato com os mesmos
se deu apenas no início de agosto de 2004.
Aprendemos muito com a pesquisa. Analisar o conteúdo das
argumentações dos alunos e, a cada aula, elaborar novas tarefas para que
gerassem controvérsias, possibilitou envolvê-los de modo que quisessem
resolver as tarefas e, mais do que isso, validar as suas idéias.
O que esperamos com esta pesquisa é mostrar aos professores de
Matemática, que um olhar atento destes professores, que leve em
consideração noções que possam estar impregnadas e/ou corporificadas no
aluno, pode provocar modificações nas suas produções de significados para os
conteúdos Matemáticos. Sabemos, entretanto, que cada leitor fará sua própria
leitura e estaremos sempre a disposição para continuar a conversa aqui
iniciada.
115
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Ficha 02 - DATA: 01/04/03
1- O gráfico abaixo representa uma função w definida em ℜ. Determine:
a) O domínio da função. Justifique. b) O conjunto-imagem da função. Justifique. c) Os valores de w(-1), w(0) e w(3). Justifique. d) Em qual intervalo(s) w é crescente? Justifique. e) Em qual intervalo(s) w é decrescente? Justifique. f) Em qual intervalo(s) w é constante? Justifique.
g) Existe w(-50)? Qual seria o seu “palpite” para este valor? Justifique.
h) O que significa, para você, y no eixo vertical do gráfico apresentado? Justifique.
i) O que significa, para você, um intervalo da reta real. Exemplifique.
j) O que significa, para você, uma função matemática?
l) Quantas maneiras diferentes você conhece para representar uma função matemática? Quais são elas?
m) Escreva a fórmula algébrica da função w. Justifique.
128
Ficha - 03 – DATA: 01/04/03
1- Um professor de Matemática, da 8ªsérie do Ensino Fundamental, pediu aos seus
alunos que fizessem um estudo da variação da temperatura à sombra, e medissem de hora em hora. Entre todos os trabalhos apresentados, o professor destacou o trabalho de Clara. A tabela abaixo apresenta o resultado das medições em 25/07/2002.
Hora 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 Temperatura 7° 6° 5º 4º 3° 2° 2° 3° 5° 7° 12° 15° Hora 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 Temperatura 18° 18° 20° 20° 20° 18° 15° 13° 11° 9° 8° 7° a) Quais as grandezas que estão sendo medidas? b) Podemos afirmar que a hora está em função da temperatura? Justifique. c) Podemos afirmar que a temperatura está em função da hora? Justifique. d) Se esta relação caracterizar uma função, podemos explicitar a sua fórmula
algébrica? Justifique.
2- Sejam:
a) g uma função de Ν em Ν definida por g(a)= 2a + 3 b) h uma função de Ζ em Ζ definida por h(b)= 2b + 3 c) p uma função de Q em Q definida por p(c)= 2c + 3 d) s uma função dos Irracionais nos Irracionais, definida por s(d)= 2d + 3 e) t uma função de ℜ em ℜ definida por t(e)= 2e + 3
f) v uma função de [ 0;1] em ℜ por v(f) = 2f + 3
Analise cada uma das funções acima quanto à sua continuidade ou não. Justifique todas as respostas.
a)
b)
c)
d)
129
e)
f)
3- Escreva o que significa, para você, uma função ser contínua. Comente as dificuldades encontradas na questão anterior.
130
Ficha 04 - DATA: 08/04/2003
1-João e Beatriz, dois alunos da disciplina de Cálculo, resolveram o Lim (4x -5) = 7 x→3 como segue abaixo: Analise as resoluções abaixo e discuta as semelhanças ou diferenças. Resolução do João: Olhando no gráfico, o resultado do limite é 7
Resolução da Beatriz:
Para qualquer ε >0, existe um δ >0 tal que (4x - 5) - L < ε sempre que 0 <x - 3< δ. (4x – 5) - 7 < ε ⇔ - ε < (4x – 5) - 7 < ε sempre que 0 <x - 3< δ. Como (4x – 5) -7 = 4x – 12 = 4x-3. Portanto - ε/4 < (x-3)< ε/4 Logo, basta tomarmos δ ≤ ε/4, isto é, para qualquer ε > 0 existe um δ< ε tal que (4x – 5) - 7< ε Sempre que 0 <x - 3< ε.
131
3 se x ≥ 2 2- Dada a função f(x) = - 1 se x < 2 analise a continuidade da função em seu domínio.
F é definida nos reais Resolução do João: olhando no gráfico, verificamos que f é descontínua em x = 2, pois, apesar da função estar definida em todos os pontos do domínio, verificamos um “salto” no gráfico da f.
Resolução da Beatriz: 3- Analise as semelhanças e diferenças entre as resoluções dos exercícios 1 e 2. 3- Analise as diferenças e semelhanças entre as resoluções dos exercícios 1 e 2.
Domínio de f = ℜ, isto é, f está definida em todos os pontos do conjunto dos números reais. Como lim f(x) = 3 e lim f(x) = -1 não existe o lim f(x) , portanto f não é x→2+ x→2- x→2 contínua em x =2 . A função f é contínua em qualquer x ≠ 2 pertencente ao seu domínio. Para qualquer ε >0 não existe um δ >0 tal que f(x) - 3 < ε sempre que 0 <x - 2< δ.
133
Campus Marquês de Paranaguá Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática
TERMO DE COMPROMISSO Este termo tem como objetivo esclarecer os procedimentos de nossa pesquisa, principalmente no que tange a utilização dos dados nela coletados. O material coletado, as atividades realizadas, as gravações de vídeo, as transcrições, os registros escritos, servirá de base para pesquisas que procuram entender melhor o processo de produção de significados em sala de aula de cursos de Cálculo. O acesso aos registros em vídeos será exclusivo do grupo de pesquisa e só poderá ser apresentado com autorização dos participantes, as transcrições e registros escritos terão seus nomes trocados por pseudônimos preservando a identidade dos sujeitos em sigilo. Nas pesquisas que utilizarem o material coletado não será feita menção à Instituição onde o curso foi realizado para a preservação da identidade do grupo. As informações provenientes da análise desse material poderão, ainda, serem utilizadas pelos pesquisadores em publicações e eventos científicos. São Paulo, ____________2003
_____________________
Janete Bolite Frant Coordenadora do Projeto _________________________ ______________________ Maria Cecília Arena Lopes Barto Cláudio D’Allanese ____________________________ _____________________ Antonio Luis Mometti Sujeito da Pesquisa