qfl1221 estrutura e propriedades de compostos orgânicos · 2020. 3. 26. · gerados em duas...
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QFL1221 – Estrutura e Propriedades de Compostos Orgânicos
Massuo Jorge Kato (Bloco 11 T, sala 1124, 3091-1886/3813, [email protected]);
Aula 20 de março
Esse texto, que é um roteiro para esse conjunto inicial de temas dentro da disciplina, não pretende esgotar o
assunto, mas é um roteiro de leitura para a análise de hidrocarbonetos e de outras classes de compostos
orgânicos. É iniciado com uma discussão sobre propriedades físicas, especialmente pontos de ebulição, para a
caracterização de compostos orgânicos, com ênfase em hidrocarbonetos. Introduzo os conceitos de formação e
de estabilidade de espécies reativas como carbocátions e radicais livres. Descrevo os fatores que contribuem
para a sua estabilização. Esse é um assunto de grande importância para o curso de estruturas e reatividade, que
será tema da próxima disciplina em química orgânica e não devo adentrar em detalhes nas reações
propriamente ditas, mas darei ênfase em alguns conceitos fundamentais. A estabilidade e o modo de formação
de carbocátions e radicais são de fundamental importância em técnicas analíticas de determinação de
estruturas, como a espectrometria de massas. Nesse resumo, são apresentados alguns dos modos de
fragmentação, com ênfase na fragmentação alfa que é bastante dominante em hidrocarbonetos e em outros
compostos orgânicos nos quais alguns heteroátomos facilitam essa fragmentação, mas também em
fragmentações envolvendo a ruptura de duas ligações de forma simultânea.
Tópicos
Caracterização de hidrocarbonetos por propriedades físicas
Análise de hidrocarbonetos por cromatografia a gás
Estabilidade de cátions e radicais e suas consequências na análise por EM
Uso de espectrometria de massas (EM) na análise de hidrocarbonetos e outros compostos.
Conhecimentos prévios:
Estrutura de compostos orgânicos, ligações químicas, principais funções, nomenclatura e geometria das funções
orgânicas.
Caracterização de hidrocarbonetos por propriedades físicas (métodos clássicos)
A análise de hidrocarbonetos puros pode ser feita por medidas simples como ponto de fusão, ponto de ebulição,
densidade e solubilidade. No entanto, no caso de misturas, há a necessidade de etapas de purificação como a
destilação fracionada. Tais processos são amplamente utilizados na indústria do petróleo para a purificação de
frações como a gasolina, diesel e outros. Vejam as faixas de ponto de ebulição principais e as correspondentes
frações obtidas.
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Tabela 1. Refino do petróleo bruto por destilação
fracionada.
Esse seria um típico resultado de uma destilação de uma
amostra de petróleo no qual abaixo de 30 oC, obtém-se fases
constituído por metano até butano, tipicamente um gás de
cozinha. Gradativamente as frações mais pesadas vão saindo
no processo de destilação com composição que sendo
gradativamente constituída por hidrocarbonetos com
número maior de carbonos.
Qual é o fenômeno envolvido no aumento das faixas de ponto de ebulição na medida que aumenta o número
de átomos de carbono?
Figura 1. Pontos de ebulição e ilustração
sobre as forças de London.
A principal causa para o aumento dos
pontos de ebulição na medida que se
aumenta o tamanho das moléculas dos
hidrocarbonetos, são as forças
intermoleculares conhecidas como forças
de van der Waals ou forças de London.
O que são tais forças? São forças atrativas
causadas pelo movimento de elétron em
torno dos átomos nas moléculas gerando
dipolos temporários. Na média, os dipolos
gerados em duas moléculas vizinhas
culminam por acarretar atração molecular.
Apesar das diferenças de eletronegatividade entre o hidrogênio (2,1 na escala de Pauling) e o carbono (2,5)
serem razoáveis, na média, um determinado átomo de carbono numa molécula de hidrocarboneto é
relativamente pouco polarizado e como um todo um hidrocarboneto é considerado uma molécula apolar.
Figura 2. Correlação entre o número de átomos de
carbono e as faixas de pontos de ebulição.
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Figura 3. Pontos de fusão e de ebulição de alguns hidrocarbonetos
ramificados.
As ramificações acarretam diminuição no ponto de fusão
e de ebulição (hexano para 2-metilpentano); uma molécula
simétrica possui interações intermoleculares mais significativas do
que um análogo assimétrico. Esse é o caso do 3-metilpentano para
o 2-metilpentano ou do 2,3-dimetilbutano (simétrico) para o 2,2-
dimetilbutano (assimétrico).
Figura 4. Efeito das diferentes funções sobre os
pontos de ebulição.
Aqui temos vários compostos contendo 4 – 6
átomos de carbono e massa molecular em
torno de 83-88 Da. Tentem justificar as
diferenças de pontos de ebulição tendo como
ponto de partida o hexano (69oC). Quando se
tem o 1-pentanol o ponto de ebulição aumenta
para 138 oC ou, no caso do ácido butanoico,
164 oC, o que é explicado pelas ligações de
hidrogênio. No caso do ácido butanoico,
forma-se um dímero (como seria?). Para
aminas, ocorre também a formação de ligações
de hidrogênio. No caso de nitrilas, temos um
grupamento polar CN.
Agora, o que acontece no caso de ésteres etanoato de etila ou propanoato de metila? Por que não temos tantas
interações por ligações de hidrogênio?
Um caso extremo de ponto de ebulição é a butanamida (216 oC). O que acontece aqui? Qual é o nível de
sobreposição do par de elétron não ligante do Nitrogênio com a carbonila?
Vejam também o efeito da polarização ou das ligações de hidrogênios sobre a solubilidade em água.
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Figura 5. Variação do índice de polaridade na série
de solventes.
Enfim, todos esses compostos (solventes)
apresentam propriedades como viscosidade e
pontos de ebulição que podem ser justificadas
pelas as características estruturais. O índice de
polaridade é uma medida que reflete a capacidade
do solvente em interagir com diferentes solutos
polares. Essa tabela é útil para se escolher um
solvente para, por exemplo, definir um solvente ou
mistura de solventes para solubilizar um soluto ou
para utilizar como fase móvel em cromatografia
líquida.
Em sistemas biológicos, podem ser encontrados compostos apolares como ácidos graxos, esteroides e
terpenoides de cadeia longa, que devido as suas propriedades, são coletivamente como os compostos apolares.
Figura 7. Lipídeos comuns em membranas biológicas.
Podem gliceroílicos, carotenoides e esteroidais. Todos
possuem uma cabeça polar, o que possibilita um
ordenamento em membranas. O círculo representa a
parte do glicerol polar e as linhas as cadeiras lipofílicas.
Em geral os lipídeos podem ser derivados de ácidos graxos (produtos de condensação de unidades C2, acetato
com malonato) ou terpenoides (derivados de unidades C5, conhecidos como isoprenos, formando os
carotenoides e esteroides). As propriedades emergentes dessas substâncias lipofílicas são de extrema
importância em sistemas biológicos. Compostos de baixa massa molecular (até C15) são voláteis e são
constituintes de aromas de plantas. Os de massa molecular mais elevada são constituintes de membranas em
células. Em vários fármacos, o equilíbrio entre hidrofilicidade e lipofilicidade são importantes tanto no
transporte quanto na atuação em sítios ativos.
As reações envolvidas na formação desses lipídeos envolvem reações de compostos carbonílicos (ácidos graxos:
condensação de Claisen; terpenos: condensação de Claisen, condensação aldólica e substituição nucleofílica;
temas da “Química orgânica II” e não serão abordados na QFL1221.
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Análises de hidrocarbonetos por cromatografia a gás (CG) (acoplada a espectrometria
de massas)
Os constituintes do petróleo demandaram o desenvolvimento de técnicas de separação e análise. A principal
técnica tem sido a cromatografia a gás acoplada a espectrometria de massas. Todas as frações do petróleo
podem ser analisadas por essa técnica, assim como todas as substâncias orgânica com uma certa pressão de
vapor. Substâncias polares como açúcares e outros não são volatilizados e não podem ser analisados pela CG, a
não ser que sejam derivatizados (por exemplo, na forma de derivados trimetilsilanos que são termicamente mais
estáveis e mais voláteis).
O ponto de ebulição, ou de fusão, é adequado para a análise de uma substância pura. Se for uma mistura, não
se observa um ponto de ebulição, mas uma faixa ampla que pode dar uma ideia de qual a composição, mas não
leva a uma informação mais precisa de sua composição, ou seja, é necessário usar uma técnica de separação
antes da determinação da composição. A técnica de separação de escolha para compostos relativamente leves
(MM < 500, aproximadamente) é a cromatografia a gás (CG). Ela permite analisar 1 microlitro de uma amostra
diluída.
A cromatografia é uma técnica de separação e de identificação de componentes de uma mistura. Esta separação
é baseada na diferença de comportamento dos analitos com relação a uma fase estacionária e a fase móvel (se
tiver mais interesse, faça uma leitura num livro texto mais específico)
No caso da cromatografia a gás (CG), a fase estacionária pode estar acondicionada dentro de uma coluna de aço
ou ser a própria parede de um tudo capilar que pode ter tamanhos típicos de 30 metros de comprimento e
diâmetro de 0,25-0,5 mm de diâmetro interno. A fase móvel é um gás (como Hélio) que passa sob um certo
fluxo. Para que os componentes sejam eluidos (arrastados) é necessário fazer um gradiente de temperatura. Os
constituintes são detectados na saída da coluna através de diferentes detectores. O mais simples é um detector
de ionização de chama, ocasionado pela queima dos constituintes, mas podem ser de vários tipos. Focaremos
na disciplina QFL1221 o uso de espectrometria de massas que informa sobre o íon molecular (massa molecular)
do hidrocarboneto inteiro, mas informa também sobre os fragmentos que são formados quando a amostra é
ionizada no espectrômetro de massas.
Figura 8. Esquema de um cromatógrafo a
gás acoplada a um espectrômetro de
massas
Figura 9. Detalhe de uma coluna capilar dentro de um
forno de um cromatógrafo a gás. Essa coluna é uma HP-5
(5% de fenil e metilsilicone, 0,25 mm de diâmetro interno
e 25 metros de comprimento e 0,2 m de fase
estacionária).
A CG é uma técnica de maior eficiência de separação, do
que o CLAE (Cromatografia líquida de alta eficiência) por
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causa do tamanho da coluna e do que se chama de pratos teóricos (medida da capacidade de uma fase em
separar os constituintes).
Existem diferentes tipos de fases estacionárias e cada conjunto de analitos requer um tipo de fase (coluna).
A identificação de cada componente pode ser feita pelo uso de padrões, quando disponíveis, ou pelo uso de um
espectrômetro de massas que gera informações sobre as estruturas dos constituintes. Nesse caso, tivemos cerca
de 96 constituintes identificados a partir da análise de uma amostra de gasolina.
Figura 10. Exemplo de cromatograma a gás de uma amostra de gasolina. Coluna Petrocol DH, 100 m, 0,25 mm
d.i., 0,5 m (24160-U)
Figura 11. Um cromatógrafo a gás acoplado a
um espectrômetro de massas.
Antes de entrar em detalhes na espectrometria de massas, cabe adentrar um pouco sobre a química envolvida
nos processos de ionização e fragmentação. Os conceitos de formação de carbocátion e radicais livres são
importantes.
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Reatividade de hidrocarbonetos
Uma molécula neutra como o n-pentano não possui acidez significativa para ionizar os seus hidrogênios (pka
~50). Não podem formar ânions ou cátions em condições amenas.
É, portanto, uma molécula estável, mas apenas volátil e pode sofrer
combustão.
Um hidrocarboneto saturado, diferentemente dos insaturados, é muito pouco reativo. Por esse motivo,
hidrocarbonetos de cadeia longa, presentes, por exemplo, na cera de carnaúba, são utilizados em ceras
automotivas. Outros hidrocarbonetos são utilizados como lubrificantes. Os hidrocarbonetos insaturados, por
sua vez, sofrem reações de adição eletrofílica, clivagens oxidativas, reações radicalares nas posições vizinhas as
ligações duplas, reações de isomerização, cicloadição de Diels-Alder e etc.
As principais reações que os hidrocarbonetos saturados podem sofrer são:
- combustão
- reações homolíticas (formando radicais de forma pouco seletivas)
- reações heterolíticas (formando cations e ânions)
No caso das reações homolíticas, elas podem ser inicializadas por Fotólise: luz UV (200-400 nm); por Termólise:
Temperaturas elevadas (500°C) ou inferiores, mas iniciados por PbMe4, peróxido dietílico (80oC), H2O2 ou
peróxido de benzoila PhCOOOCOPh (80-100oC). Podem ser ainda observadas em Reações redox: através de
Processos biológicos diversos, reação de Fenton: H2O2 + Fe2+, e assim por diante.
Notação para movimentação de elétrons (tanto para reações quanto para espectrometria de massas)
Nas reações homolíticas, cada átomo fica com um elétron da ligação covalente formando dois radicais livres.
Essa representação de movimentos de elétrons é bastante
importante. Setas de uma só farpa (um lado) é empregado para
o movimento de um único elétron em uma reação homolítica.
Os radicais livres são espécies reativas e podem causar reações
em cadeia até que dois radicais se combinem numa etapa conhecida com término.
Na reação heterolítica a seta completa indica a movimentação de um par de elétrons para um dos átomos
gerando cátion e um ânion. Qual das espécies deve reter o par de elétrons? Isso vai depender da estabilidade
relativa das espécies formadas.
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Clivagem heterolítica:
Esse tipo de reação não ocorre facilmente em hidrocarbonetos saturados sem
algum substituinte que possa ser eliminado. Nesse caso, podem ser formados
os carbocátions, uma espécie deficiente de elétrons formada pela saída de um
substituinte que leva o par de elétrons.
Figura 12. Ruptura heterolítica de um
bromoalcano. Utiliza-se uma seta dupla
para indicar o movimento de um par de
elétrons. O brometo, mais eletronegativo,
leva o par de elétrons deixando o carbono
deficiente de elétrons (um carbocátion).
Tabela 2. Energias de dissociação de ligações
químicas.
Há diferenças inerentes as estruturas que podem
ser observadas a partir das energias de
dissociação homolíticas das várias ligações.
A quebra da ligação C-H será mais facilitada
quando maior o número de carbonos ligados ao
carbono que terá a ligação rompida. Vide quadro
em azul.
O mesmo é verdadeiro quando se compara a
ruptura das ligações carbono-carbono (quadro
em vermelho). Para fins de comparação, o
peróxido de benzoíla, um catalizador utilizado
para iniciar reações radicalares na formação de
polímeros (como o polietileno e análogos), pode
ser rompido por um leve aquecimento, desencadeando a reação em cadeia.
Figura 13. Ordem de estabilidade de
carbocátions e de radicais.
Essa é uma das bases para se iniciar
a discussão sobre a estabilidade de
carbocátions e radicais livres.
Por que será que essa ordem é a
mesma para carbocátions e
radicais? (e inversa para ânions?).
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Fatores de estabilização de carbocátions e radicais:
1) + I (efeitos indutivos);
2) Hiperconjugação;
3) Efeitos mesomericos (ressonância).
O efeito indutivo é um efeito de doação (ou retirada) de densidade eletrônica ocorre através da ligação sigma.
A doação ou retirada de densidade de elétrons é baseado na diferença relativa da densidade de elétrons dos
átomos ligados, bem como é dependente da eletronegatividade desses átomos. No caso de haletos de alquila,
R-X (onde X-=haleto), o efeito será de retirada de elétrons, portanto pode ser representado como efeito -I. Toda
molécula que possui um átomo mais eletronegativo que o carbono terá uma certa polarização por efeito
indutivo, que pode ser -I ou +I.
Tais efeitos são mais significativos quando se tem um carbocátion. No caso de carbonos diretamente ligados a
um carbocátion, esses terão efeito doador +I, minimizando a deficiência desse carbocátion, dispersando essa
deficiência. O efeito da eletronegatividade não é de longo alcance, sendo minimizado em 2-3 ligações sigma.
Figura 13. Representação do efeito indutivo +I
(doação de densidade de elétrons através da
ligação sigma)
A doação de densidade de elétrons de grupos
substituintes aos carbocátions através do efeito
indutivo +I ocorre via ligação sigma. Portanto,
como no caso do
cátion terc-butílico, quanto maior o número de
substituintes alquílicos, maior será o efeito de estabilização. Esse cátion seria mais facilmente formado do que
o secundário (CH3CH+CH3) que, seria mais facilmente formado do que o primário (CH3CH2+) ou o cátion metílico
(CH3+).
A hiperconjugação é outro fenômeno que é importante para a estabilização. É um comportamento no qual os
centros deficientes (radicalares ou carbocátions) são parcialmente supridos pelos orbitais das ligações C-H
vizinhas a essas deficiências, como se fosse uma ligação pi.
Figura 14. Representação do efeito
de hiperconjugação. A ligação sigma
C-H do carbono vizinho ao
carbocátion ou radical estabiliza a
deficiência.
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A hiperconjugação não depende do tamanho do grupo alquílico, mas da presença de um hidrogênio nesse
carbono vizinho e, da mesma maneira que o efeito indutivo, quanto maior o número de grupos alquílicos
diretamente ligados aos carbonos deficientes, melhor será a estabilização.
Figura 15. Representação do efeito de hiperconjugação de um carbocátion em várias situações aumentando-se
o número de grupos metílicos capazes de realizar tal efeito.
A geometria de espécies como o carbocátion e radicais é sempre planar, mas no caso de carbânions, o par de
elétron ocupa um espaço tal qual o nitrogênio e essa será piramidal. Essa geometria dos carbocátions e de
espécies radicalares terão consequência na formação de uma nova ligação com uma espécie rica em elétrons
(nucleófilos) em reações de substituição nucleofílica alifática ou radicalares com importantes consequências
para a estereoquímica dos produtos formados. Mas isso será tópico da próxima disciplina em química orgânica.
Figura 16. Geometria de espécies reativas.
O terceiro efeito que contribui a estabilização de carbocátions é conhecido como Efeito Mesomérico, também
conhecido como efeito de ressonância. Considerem um carbocátion no qual um átomo de oxigênio que possui
um par de elétron não ligante, está diretamente ligado a esse carbocátion. O que seria de se esperar?
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Seria um compartilhamento do par de elétrons formando uma ligação dupla e deixando o oxigênio, por exemplo,
parcialmente deficiente. Nesse caso, a notação para o efeito de ressonância é indicada por uma flecha de ponta
dupla. <->
Figura 17. Efeito mesomérico ou de ressonância
causado pela vizinhança de um átomo contendo um
par de elétrons não ligantes como o oxigênio.
O mesmo processo poderia ocorrer quando se tem um nitrogênio, enxofre ou halogênio.
Nesses casos, o efeito é conhecido como +M. Se os substituintes tiverem um efeito retirador de elétrons com
um derivado de carbonila (qual é a distribuição de elétrons nesse grupo e por quê?), grupo nitro e nitrila.
Figura 18. Grupos substituintes com
efeitos mesoméricos +M (doadores) e -
M (retiradores de elétrons)
O efeito de ressonância (+M) é mais
importante do que o efeito indutivo +I
(ou +R). Se o efeito
E se o carbocátion tivesse um átomo
vizinho com uma ligação dupla (conjugado) ou a um anel aromático? Teríamos o mesmo efeito de estabilização,
com dispersão de deficiência para mais de um carbono. Nesse caso abaixo, teríamos formalmente as duas
espécies deficientes de forma simultâneas ou um híbrido de ressonância.
Figura 19. Dispersão da deficiência de um carbocátion por
uma ligação dupla conjugada.
No caso de termos um anel aromático, isso será visto mais adiante no tópico Aromaticidade. O efeito de ligações
duplas ou de anéis aromáticos pode variar dependendo dos substituintes ligados a esses grupos.
Tais estruturas de ressonância poderiam também ser representadas nos casos onde se tem um radical ou um
carbânion, mas só podem ocorrem quando as ligações duplas estão vizinhas. Esse fenômeno não pode ocorrer
se o carbocátion estiver isolado ou separado por um carbono sp3, quando estaria não conjugado.
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Figura 20. Efeito de conjugação de um
carbocátion, radical ou de um carbânio.
Em resumo, os diferentes fatores que
contribuem para a estabilização dos
carbocátions ou de radicais apontam
para a sequência de estabilidade
mostrada ao lado. Tais fatores
governam os modos fragmentacionais
em espectrometria de massas e
também os diferentes mecanismos de
reações que envolvem espécies
deficientes como substituição
eletrofílica e nucleofílica alifáticas.
Esses conceitos de estabilização de carbocátions e de radicais são fundamentais para se compreender
como a técnica de fragmentação pode ser utilizada para a análise de compostos orgânicos.
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Espectrometria de massas
Na espectrometria de massas uma amostra pode ser injetada diretamente ou ser injetada via cromatógrafo
(Figura 20). As amostras podem ser analisadas em solução contendo aproximadamente 1 mg/mL no qual são
injetados em torno de 1 microlitro. Dessa solução, 1/50 avos vão para o cromatógrafo. Após passar pela coluna,
o eluato é injetado no espectrômetro de massas em um compartimento sob vácuo onde sofre um bombardeio
de elétrons (~70 eV) que ioniza parte significativa da amostra). Moléculas ionizadas intactas ou fragmentadas
por causa da corrente de elétrons são aceleradas num analisador e coletadas num detector.
Figura 20. Componentes de um espectrômetro de
massas.
As modalidades de espectrometria de massas estão
associadas ao tipo de ionização. A separação ou
resolução é outro aspecto relevante que vai originar
dados de qualidade mais simples (baixa resolução ou
com valores unitários de massas) ou de melhor
qualidade (alta resolução). Os CG-EM possuem tipicamente um espectrômetro de impacto de elétrons e a
grande maioria dos bancos de dados são baseados nesse tipo de informação. A técnica por electrospray é
utilizada predominantemente na CLAE (HPLC) acoplada a espectrômetro de massas (ESI). O MALDI (Matrix
Assisted Lazer Desorption Ionization), e também o ESI, são utilizados para as análises de moléculas mais pesadas
como macromoléculas, pois a CG-EM não serve para tal por causa da volatilidade reduzida. A técnica da
ionização química é uma variação da CG-EM e é utilizada quando não se detecta claramente o íon molecular de
uma substância problema. Um gás como o metano pode ser utilizado e o gás é ionizado e protonado gerando
CH5+ que transfere o próton ao analito que pode ser detectado como M+H.
Figura 21. Processo de ionização de uma amostra no qual
o feixe de elétrons remove um elétron da molécula
gerando um íon (cátion) radicalar que sofre
fragmentação gerando um cátion e eliminando um
radical.
Na espectrometria de massas por impacto de elétrons a amostra volatilizada numa câmara à vácuo e é
bombardeada com um feixe de elétrons que remove um único elétron de alguma posição da molécula formando
um cátion radicalar.
O vácuo é importante para que as reações íons-molécula sejam minimizadas, caso contrário haveria muitos
artefatos formados que poderiam dificultar a detecção e identificação das substâncias originais.
A deficiência +. refere-se ao fato de que falta um elétron da molécula. Essa deficiência pode ser localizada em
alguma função ou ligação química da molécula, mas pode ser indicada de forma genérica através de um colchete
no qual não há localização da posição onde o elétron foi removido.
Dada a força do feixe de elétrons, as moléculas se fragmentam gerando íons e radicais. Tipicamente, somente
os íons radicalares ou cátions são detectados, mas há outros modos de detecção nos quais os ânions podem ser
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igualmente detectados. Mas sob o ponto de vista experimental, é mais fácil gerar cátions. O potencial de
ionização de uma substância é variável e depende dos átomos da molécula, mas quando se utiliza 70 eV, gera-
se uma quantidade suficiente de íons radicalares. A detecção dos íons moleculares (molécula intacta) e dos íons
fragmentários formados são bastante específicos de uma dada substância e essa é a base dos bancos de dados
e da identificação por espectrometria de massas. Os dados de massas podem ser obtidos na forma de uma
tabela.
No caso do metano, observa-se que o íon molecular possui abundância de 100%, sendo também o pico base.
Portanto, o espectro de massas é um registro da relação massa/carga. Como a carga é unitária, os números
referem-se as massas moleculares dos íons moleculares e dos íons fragmentários. As intensidades são dadas em
abundância relativa (%) que é normalizada para o íon mais intensos como 100%. As intensidades relativas
refletem as estabilidades relativas dos íons formados, sendo os mais abundantes os mais estáveis.
Figura 22. Espectro de massas
do metano.
Na técnica de espectrometria de
massas com ionização por
impacto de elétrons para uma
molécula sem nitrogênio, o íon
molecular deve ser par. No caso
do metano, o íon molecular é
m/z 16, que corresponde a
molécula intacta. Quando perde
um hidrogênio radicalar, forma-
se o cátion m/z 15
correspondente a CH3+.
Se tiver um nitrogênio (ou
número ímpar de átomos de
nitrogênio), como no caso da
amônia (NH3), o íon molecular será m/z 17 Da (cátion radicalar) e após uma perda de hidrogênio radicalar
formaria m/z 16 (cátion).
No entanto, se a substância tiver número par de átomos de nitrogênio, o íon molecular será par.
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Figura 22. Espectro de massas do n-
hexano.
No caso do hexano, o íon molecular em
m/z 86, gera por fragmentação do
radical metílico, o íon m/z 71 Da. Por
fragmentação de um radical propila,
gera o cátion m/z 57 (pico base), e
assim por diante.
Observem que o cátion etílico se forma,
mas não é o radical que é detectado.
Radicais NÃO são detectados. Assim,
uma fragmentação diferente daquela
que gera o cátion m/z 57 deve ocorrer
no qual sairia o radical C4H9., formando o cation CH3CH2
+ (m/z 29). Esses dois modos fragmentacionais devem
ocorrer de forma independente.
Figura 23. Espectro de massas do n-dodecano.
Na medida que a cadeira carbônica vai
aumentando, a intensidade do íon molecular
diminui devido a maior probabilidade de
fragmentação.
Apesar de observarmos diferenças de 14
unidades de massas, tais íons não
correspondem a fragmentação de CH2. A
fragmentação da molécula de partida é que
gera os diferentes íons que possuem diferença de 14 unidades como indicado abaixo.
CH3 CH2 CH2 CH2 CH2CH2 CH2 CH3
m/z = 114
8571574329
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Figura 23. Emprego de massas para a diferenciação de isômeros ramificados do dodecano.
Quando se compara os espectros dos isômeros do dodecano, observa-se que praticamente não se observa o
pico correspondente ao íon molecular em m/z 170.
No entanto, com base nas fragmentações é possível atribuir os espectros ao 3-metilundecano e 4-
metilundecano. No primeiro caso, há a fragmentação do radical etila, gerando o m/z 141 (M-29) enquanto que,
no segundo caso, observa-se a fragmentação de M-43, gerando o cátion m/ z 127. No caso do n-dodecano
(Figura 22), esses dois íons m/z 141 e 127, não se sobressaem. Neste caso, o padrão de diminuição de
intensidade dos íons fragmentários sugere uma cadeia carbônica longa, linear e sem ramificações.
Conclui-se que a possibilidade de estabilização de um carbocátion secundário é suficiente para discernir entre
os dois isômeros.
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Figura 24. Espectro de massas do cis-2-
penteno.
A fragmentação da metila gerando um cátion
alílico é favorecida e o íon em m/z 55 aparece
como pico base.
A espectrometria de massas não permite
distinguir entre isômeros cis ou trans, e
muitas vezes a determinação da posição da
ligação dupla não é possível em função da
isomerização radicalar que pode ocorrer.
Nesses casos, deve-se obter um derivado com
um dimetilsulfeto.
Sob determinadas circunstâncias é possível identificar estereoisômeros, mas a espectrometria de massas não é
normalmente a técnica de escolha.
Figura 25. Espectro de massas do 1-pentino.
Acetilenos possuem acidez de seu hidrogênio
terminal suficientemente ácidos (pka 25) por
causa da maior eletronegatividade do Csp
(50% de caráter s – quanto maior o caráter s,
mais próximo os elétrons estarão do núcleo).
Assim, a fragmentação da molécula perdendo
o hidrogênio radicalar é bastante
característica de acetilenos terminais.
Outra fragmentação favorecida, tal qual nos
alcenos, é a fragmentação na posição alílica
[de onde vem esse nome? Lembra alho? De
fato, o alho (Allium sativum) tem uma série de compostos como sulfetos de alila (H2C=CH−CH2SH)].
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Figura 26. Espectro de massas do 2-butanol.
As fragmentações alfas, que levam aos dois cátions no carbono que sustenta o grupamento hidroxílico são
igualmente favorecidas levando ao cátion m/z 59, resultante da fragmentação do radical metílico, e ao m/z 45,
áresultante da fragmentação da etila radicalar. Em ambos os casos, um dos elétrons do oxigênio, por efeito
mesomérico, estabiliza os cátions. Há preferência na fragmentação do radical maior, justificando a maior
abundância do cátion em m/z 45.
m/z 45
m/z 59
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Figura 27. Espectro de massas do N-etiletanamina
Nesse caso, a amina possui o íon molecular (cátion
radicalar) ímpar e, por eliminação de um radical
metílico, forma o cátion m/z 58.
O processo de estabilização é determinado
novamente pela presença do heteroátomo que
estabiliza o cátion formado no carbono alfa, que por
ressonância de um elétron conduz à formação de m/z
58.
Figura 28. Fragmentação de compostos
carbonílicos também leva a formação do
cátion no carbono carbonílico, que é
estabilizado pelo elétron do átomo de
oxigênio formando o cátion acílio.
Figura 29. Espectro de massas do butiraldeído.
A fragmentação alfa do hidrogênio pode ser
utilizada como diagnóstico para caracterizar um
aldeído. Nesse caso o íon molecular em m/72,
por eliminação de um hidrogênio radicalar forma
o cátion acílio m/z 71. A outra fragmentação leva
do íon CHO+ (m/z 29). Forma-se ainda o cátion
m/z 29 (CH3CH2CH2+) e, por rearranjo, o cátion
radicalar m/z 44 (CH3CH2CH3+.) com saída de CO
neutro.
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Figura 29. Espectro de massas da 2-butanona.
A fragmentação alfa pode ocorrer nas duas
ligações perdendo tanto o radical etílico quando
o radical metílico. A fragmentação do grupo
maior é favorecida e o íon m/z 43 torna-se o pico
base.
Os espectros de massas de hidrocarbonetos simples, ramificados e
funcionalizados podem ser caracterizados pelos íons moleculares e pelas fragmentações alfa (que levam aos
carbocátions mais estabilizados).
Figura 30. Fragmentação alfa que pode ser utilizada para a caracterização de compostos orgânicos
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Fragmentações com quebras simultâneas de duas ligações sigma
Além das fragmentações observadas nos quais ocorre a ruptura de uma simples ligação sigma, as fragmentações
de duas ligações sigma também são relativamente comuns. Alguns requisitos estruturas são necessários e são
exemplificados nos exemplos abaixo.
Figura 31. A reação de eliminação de água é
característica de álcoois e pode ser utilizada como
diagnose. Aqui tem-se a reação de clivagem de uma
ligação simples sigma, quando a clivagem de duas
ligações simples com eliminação de uma molécula
neutra de água.
Outras duas fragmentações de duas ligações simples de forma simultâneas são as retro Diels-Alder e rearranjo
de McLafferty.
Figura 32. Espectro de massas de um
cicloexeno (limoneno).
O modo de fragmentação conhecido por
retro Diels-Alder é característico de um
cicloexeno. No caso do limoneno, forma-
se um cátion radicalar de massa par em
m/z 68 pela eliminação de uma molécula
neutra com massa também de 68 (mas
por ser neutra não é detectada).
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Figura 33. Espectro de massas de
uma cetona contendo hidrogênio
na posição gama.
Todos os compostos carbonílicos,
desde aldeídos, cetonas, ésters,
ou ainda um composto
benzenoídico que apresentar um
hidrogênio gama, tenderá
apresentar esse mofo de
fragmentação conhecido como
rearranjo de McLafferty.
m/z 58 neutro
Assim, se a condição para tipo de rearranjo ocorrer é a presença de um hidrogênio gama, essa condição
é igualmente preenchida quando temos alquilbenzenos de cadeia longa (Figura 32) ou quando se tem
ésteres ou outra função.
Figura 34. Rearranjo de McLafferty em
alquilbenzenos, além da fragmentação alfa
no qual o cátion benzílico é estabilizado pelo
anel aromático.
[M-43]
85M-15
C5H1171
McLaffertrearrangement
Mass spectrum (EI) of 2-octanone?
g
b
a
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Figura 35. Rearranjo de McLafferty em
ésteres (além do clivagem alfa).
No caso da espectrometria de massas de baixa resolução, a abundância isotópica natural dos elementos pode
utilizadas para a caracterização da composição química e da fórmula molecular.
Tabela 3. Contribuições
isotópicas em vários átomos.
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Figura 36. Espectro de massas do cloreto de isopropila.
O íon molecular m/z 78 é acompanhada pelo íon M+2 m/z 80 indicativa da presença de 37Cl. A proporção (vide
Tabela 3) de 3:1 constitui-se numa característica que pode ser utilizada para diagnosticar a presença de cloro.
Figura 37. Espectro de massas do brometo de n-propila.
Devido a abundância natural do bromo ser de aproximadamente 1:1 (79Br:81Br), a presença de M+2 caracteriza
a presença de bromo.
Pelo mesmo princípio, a presença de enxofre pode ser diagnosticada.
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A identificação dos compostos orgânicos pode ser realizada utilizando os recursos de busca nas bibliotecas
disponíveis nos bancos de dados disponíveis nos instrumentos. No entanto, o índice de acerto pode variar e
mesmo com um índice alto, a identificação precisa de um determinado constituinte deve ser feita com cautela.
O ideal seria o uso de padrões que poderiam ser utilizados para uma coinjeção num cromatógrafo a gás. Além
disso, há vários bancos de dados nos quais podem ser realizadas buscas específicas. Alguns dos bancos de dados
mais utilizados são os indicados abaixo. Um dos mais simples é o SDBS com vários tipos de espectros que podem
ser acessados a partir de buscas.
Aspectos que devem ser considerados ainda para uma identificação mais precisa de uma determinada
substância problema é a informação obtida a partir de um equipamento de alta resolução no qual a massa
precisa dos átomos são consideradas. No exemplo abaixo, uma molécula com massa molecular de 44 poderia
ser resultante de uma combinação de diferentes átomos. Somente um espectro de massas de alta resolução
poderia distingui-los. Os espectrômetros de massas de alta resolução possuem recursos que possibilitam a
separação mais eficiente dos íons e isso se traduz em equipamentos de alto custo.
Resumo: Os fatores que contribuem para a facilidade de fragmentação envolvem a facilidade de
estabilização de carbocátions (ou radicais) seja por maior grau de substituição, presença de
heteroátomos como N, S, X, ou ligações duplas (ou triplas) e anéis aromáticos. A presença de
cicloexenos pode ser caracterizada pela fragmentação retro Diels-Alder e compostos contendo funções
carbonílicas (ou anel aromático) contendo hidrogênios na posição g, são passíveis de fragmentação
pelo rearranjo de McLafferty.