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QUANDO AS MULHERES QUANDO AS MULHERES TOMAM A PALAVRATOMAM A PALAVRA

Reflexões sobre o Shoujo Mangá Reflexões sobre o Shoujo Mangá   

Valéria Fernandes da SilvaValéria Fernandes da [email protected]

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O Japão tem o maior mercado de quadrinhos do mundo. Cerca de 30% do que se publica é mangá. (Paul Gravett, 2006) Mangá ( 漫画 /まんが ) é o nome dado aos quadrinhos japoneses.

Outra singularidade é que no país há toda uma fatia do mercado de quadrinhos destinada às mulheres, o shoujo mangá ( 少女漫画 , shōjo manga). O Japão é o único país do mundo a ter um mercado sólido de HQs feitas por mulheres para mulheres e meninas (Yoko Fujino, 1995)

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Os mangás saem em antologias com periodicidade e formato variado, e, em geral, são descartáveis. Os japoneses tendem a colecionar somente as suas histórias favoritas, que saem em encadernados com média de 170-200 páginas.

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A primeira revista com quadrinhos focada nas meninas pré-adolescentes e adolescentes, a Shojo Club, data de 1923. (Yoko Fujino, 2002) Mas os shoujo mangá eram curtos, “gags mangá”.

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Com Ribon no Kishi ( リボンの騎士 ), a Princesa e o Cavaleiro, em 1953, Osamu Tezuka revolucionou os shoujo mangá.

Para Yoko Fujino (1997) ele criou o shoujo mangá ao introduzir recursos de narrativa cinematográficos e a serialização longa.

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“Nos anos 1940 e 1950 nos Estados Unidos havia quadrinhos para meninas com títulos como Flaming Love, Romantic Thrill, e Teenage Diary Secrets. Eles eram criados por homens, e tiveram vida curta. Quadrinhos como a Mulher Maravilha, populares hoje, são extensão do fenômeno do super-herói masculino, e muitos dos leitores são garotos.” (Frederik Schodt, 1983)

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Em 1947, foram criadas revistas em quadrinhos para mulheres adultas. A My Date, de Joe Simon e Jack Kirby, foi a primeira.

O objetivo era colocar contos e romances em formato HQ. No geral, as romance comics estavam engajadas no esfoço de promover o backlash cultural que marcou os anos Pós II Guerra.

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Os primeiros shoujo mangá eram escritos e desenhados por homens como o próprio Tezuka, Leiji Matsumoto e Shotaro Ishinomori. Alguns desses mangá-kas residiram no Tokiwa-sou durante os anos 1950.

Havia poucas mulheres na profissão, como Hideko Mizuno, Masako Watanabe, Maki Miyako, Chieko Hosokawa e Machiko Hasegawa (1920-1992).

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Sazae-san de Sazae-san de Machiko Machiko

HasegawaHasegawa

Maki no Maki no Kuchibue de Kuchibue de Maki MiyakoMaki Miyako

Honey Honey no Honey Honey no Sutekina Bouken de Sutekina Bouken de

Hideko MizunoHideko Mizuno

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Os homens se comunicavam bem com as meninas, mas as editoras temiam perder o público adolescente.

Havia uma demanda cada vez maior das revistas masculinas.

Com o aumento de trabalho e as novas necessidades, mulheres começaram a escrever para as meninas.

A revolução começou em 1966 quando uma jovem de 16 anos, Machiko Satonaka, ganhou um concurso de mangá e abriu caminho para toda uma nova geração.

Arte posterior de Arte posterior de Miyako Maki.Miyako Maki.

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Machiko Satonaka, definiu assim as suas motivações para se tornar autora de mangá: “Eu achava que poderia fazer um trabalho melhor eu mesma, e que as mulheres eram mais capacitadas para entender o que as meninas queriam ler do que os homens. (...) Era alguma coisa que eu poderia fazer por mim mesma, era um tipo de trabalho que permitia que as mulheres fossem iguais aos homens.” (Frederik Schodt, 1983) (Grifo meu)

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Na década de 1970, coube a um grupo conhecido como Nijûyonen Gumi, grupo do ano 24, pois a maioria das autoras era nascida no ano 24 da Era Showa, o nosso ano de 1949.

Essas autoras introduziram uma série de inovações nos shoujo mangá tanto no campo da estética, quanto no quadro de temáticas. (Matt Thorn, 2001)

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O marco inicial dessa geração foi o mangá A Rosa de Versalhes ( ベルサイユのばら ) de Riyoko Ikeda.

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Temas como homossexualidade, gravidez na adolescência, estupro, conflitos raciais, a lutas das mulheres por um lugar no mercado de trabalho passaram a aparecer nos mangás para meninas.

As ambientações iam desde o romance escolar até a ficção científica, dramas históricos e quadrinhos de esporte.

Linda Hutcheon (1991) diz que “(...) foi nesses anos que ocorreu o registro, na história, de grupos anteriormente ‘silenciosos’ definidos por diferenças de raça, sexo, preferências sexuais (...)”

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Arte de Hagio Moto,Keiko Takemiya, Riyoko Ikeda e Yasuko Aoiko.

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Algo que precisa ser lembrado é que desde a Era Heian (794-1185) havia uma literatura feita por mulheres e que “destinava-se a ser lida por mulheres como a autora, mulheres que compartilhassem sua inteligência e perspicácia sutil em assuntos psicológicos”.

Genji Monogataria, de Lady Murasaki, é um dos clássicos da literatura japonesa.

Ao criarem seus próprios mangás, as japonesas estavam ocupando um lugar em um grande nicho literário, no que poderia ser caracterizado como uma forma de emporwerment.

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Segundo Ikeda: “(...) as pessoas da minha geração que queriam expressar um sentimento ou contar uma história (...) descobriram um novo modo de expressão igualmente válido: o mangá. As mulheres também descobriram o mangá e se interessaram por esse novo meio.” (Alberto Manguel, 1997)

Além das injunções mercadológicas, ao tomar a palavra, as autoras de shoujo mangá pretendiam ter uma voz própria, contar suas histórias.

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Kaze to Ki no Uta ( 風と木の詩 ) de Takemiya Keiko e Tooma no Shinzou ( トーマの心臓 ) de Hagio Moto, exploraram o homoerotismo em suas histórias.

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Havia uma tradição da escrita feminina no Japão remontando o século XII.

A entrada em massa das mulheres no mercado de mangá, modificou radicalmente a forma como os quadrinhos para meninas eram feitos.

O shoujo mangá tem como público alvo as adolescentes, mas hoje se segmentou atingindo tento demografias diferentes (público adulto) quanto uma ampla diversidade temática.

Shoujo mangá não é, nem nunca se apresentou, como uma expressão feminista ou que tinha o intuito de revolucionar a sociedade japonesa.

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É um gênero de mangá que expressa aquilo que pensam e sentem as mulheres em sua multiplicidade. E cabe lembrar que ainda que as autoras sejam em sua maioria mulheres, os editores e os donos das editoras são homens.

Ainda assim, as autoras, em maior ou menor grau, incorporaram as discussões de sua época, pois a arte, segundo ressalta Sandra Jatahy Pesavento (2001) “(...) uma expressão do mundo, diz o real de outra forma, falando por metáforas que se referem a formas de pensar, agir e sonhar de uma época.”

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Nesse sentido, não é muito justa a análise feita por Sonia Bybe Luyten que diz que o shoujo mangá que “(...) poderia ser um passo, uma condição especial para que a mulher construísse sua imagem e até fosse um agente modificador”, nada produz, porque as autoras “de posse da ferramenta (...) ainda martelam no mesmo lugar” (Luyten, 2000).

Em seus mangás, além de expressarem a sua singularidade, as autoras mostram que, em uma sociedade muito masculina, mulheres podem ter voz, produzir para seu próprio consumo e ganhar o mesmo ou mais que os homens na mesma função.

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“Ser ao mesmo tempo a criadora e a fruidora da literatura – formar, por assim dizer, um círculo fechado que produz e consome o que produz, em meio às coerções de uma sociedade que deseja que o círculo permaneça subserviente – deve ser visto como um extraordinário ato de coragem.”

Alberto Mangel

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LUYTEN, Sonia Bibe. Mangá – O Poder dos Quadrinhos Japoneses. São Paulo: Hedra, 2000.

FUJINO, Yoko. Narração e ruptura no texto visual do shojo-mangá: o estudo das Histórias em Quadrinhos para público adolescente feminino japonês. (dissertação de Mestrado). São Paulo: ECA/USP,1995.

___. Identidade e Alteridade: A Figura Feminina nas Revistas Ilustradas Japonesas nas Eras Meiji, Taishô e Showa. (tese de Doutorado). São Paulo: ECA/USP, 2002.

GRAVETT, Paul. Mangá: Como o Japão Reinventou os Quadrinhos. São Paulo: Conrad, 2006.

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SATO, Cristiane. JAPOP – O Poder da Cultura Pop Japonesa. São Paulo: Nakkosha, 2007.

MANGUEL, Alberto. Uma História da Leitura. São Paulo: Cia das Letras, 1997.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. “Este mundo verdadeiro das coisas de mentira: entre a arte e a historia”, Estudos Históricos, n. 30, Rio de Janeiro, 2002.

SCHODT, Frederick L.  Manga!  Manga!  The World of Japanese Comics.  Nova York: Kodansha, 1983. 

HUTCHEON, Linda. A poética do pós-modernismo. Rio de Janeiro: Imago, 1991.

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Valéria Fernandes da Silva

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http://www.shoujo-cafe.com

http://www.historiativa.blogspot.com.br