quando se fala de matemática no jardim
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Quando se fala de Matemática no jardim-de-
infância colocam-se-nos
muitas questões: Que Matemática? E, “como fazer a Matemática”?
A educação matemática não é, como a aprendizagem de uma
língua estrangeira, por exemplo, uma actividade que podemos
iniciar num qualquer momento da vida... Tal como a aprendizagem
da língua materna ou do conhecimento do mundo, a
aprendizagem da Matemática começa de forma espontânea com
as primeiras experiências que são proporcionadas à criança no seu
universo familiar.
É pelo jogo natural dos processos de abstracção que cada criança, a pouco e pouco toma consciência
dos diferentes conceitos,
construindo-os e recriando-os. Gestos, palavras e grafismos
desempenham um papel importante como instrumentos para pensar e
comunicar. À linguagem verbal associa-se a linguagem gráfica,
através da qual a criança traduz a sua representação de uma situação em que se apoia para a elaboração
do seu pensamento.
E a vida do Jardim-de-Infância,
rica e complexa, contém possibilidades matemáticas que permitem uma abordagem aos
conceitos necessários à sua
posterior aprendizagem sistemática.
A iniciação à Matemática é,
ao mesmo tempo, uma
iniciação a um melhor uso da
língua materna.
A acção e a linguagem apoiam-se mutuamente. É assim que a criança aprende o vocabulário fundamental da linguagem matemática, que utiliza as expressões que
descrevem a acção em vias de se realizar. Progressivamente a criança vai sendo cada vez mais capaz de associar uma acção real e uma expressão verbal, ou seja, é capaz de
descrever as acções que realizou sem ter que as executar em simultâneo. Neste sentido, a criança regista verbalmente as suas vivências, reconta-as. E
a sua linguagem traduz uma experiência real: a sua.
As suas descrições reúnem os elementos
concretos de situações reais que podem ser
completadas, enriquecidas e ascenderem à
representação do pensamento matemático
A criança, desde muito pequena que lida com conceitos matemáticos e cabe ao adulto o papel de proporcionar um ambiente estimulante que permita desenvolver as competências lógico-matemáticas de cada criança. Ela constrói activamente os conhecimentos e conceitos lógico-matemáticas, em interacção com o meio ambiente e
com os outros. O principal objectivo do ensino da matemática é desenvolver a capacidade de resolver problemas, contribuindo para tornar as crianças autónomas do ponto de vista intelectual, fornecendo-lhes instrumentos que lhes permitam ser competentes nesta sociedade em permanente transformação.
Como?
Partindo dos conhecimentos que a criança já possui, o objectivo é que os conceitos matemáticos sejam construídos pela criança como resposta
aos problemas reais que surgem no seu dia-a-dia
Por exemplo: “Qual a distância entre o Jardim de Infância e a EB2,3?” ou “Como posso construir uma ponte com estas peças”). O adulto não deve
dar respostas à criança, mas sim levá-la a pensar em soluções, através da concretização (utilizando materiais diversos ou representando graficamente), sabendo sempre que o erro é parte inerente do processo de descoberta.
Que conceitos devem as crianças adquirir?
Os Conceitos lógico-matemáticos integram o desenvolvimento cognitivo da criança e estão em
permanente evolução desde que ela nasce até à idade adulta, sendo fundamentais para que atinja sucesso escolar.
Conceito de Seriação: permite à criança construir séries de objectos de acordo com as suas diferenças ordenadas: por exemplo, colocar os livros do maior para o menor, ordenar os vencedores numa corrida ou colocar as rotinas do seu dia numa sequência cronológica. A criança necessita de compreender os
termos de maior, menor e maior e utilizar critérios lógicos de seriação na resolução de problemas do seu dia-a-dia.
Conceito de Classificação:
implica agrupar os objectos
pelas suas semelhanças ou pelos seus critérios comuns, como por exemplo, juntar as peças de um jogo pelas cores ou os animais pelo local onde vivem. Este conceito é fundamental para
a estruturação do pensamento e permite à criança organizar a realidade, agrupando os objectos, os animais, as plantas… de acordo com determinada
característica, estimulando o desenvolvimento do pensamento abstracto.
Conceito de Número: implica
conhecer a sequência numérica e fazer corresponder o número que se vai dizendo em voz alta a um objecto que se aponta. A criança deve começar a compreender quantidades e
efectuar pequenos cálculos mentais. A noção de número ganha sentido sempre que a criança usa o número no seu dia-a-dia (quantas colheres de sopa, quantos anos tem,
quantos meninos vão à festa…; nos jogos tradicionais ou de mesa, nas histórias, nas lengalengas, nas canções…) Os conceitos lógico-matemáticos não se esgotam aqui; são
especialmente relevantes os conceitos espácio-temporais que são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo da criança na medida em
que lhe permitem orientar-se no espaço e no tempo.
As crianças em idade pré-escolar
revelam grande curiosidade pelas
formas dos objectos do quotidiano.
Muitas vezes descrevem os
objectos pela sua forma,
utilizando palavras do vocabulário
da geometria, tais como
quadrado, triângulo, cubo, mas o
seu primeiro reconhecimento não se
baseia nas relações que existem
sobre lados, ângulos e faces que
caracterizam essas figuras. No
entanto, é a partir de
aprendizagens informais, através
de actividades lúdicas
intencionalmente preparadas,
seguidas de questionamento
sobre o que as crianças vão
descobrindo, que a educadora faz
uma abordagem susceptível de nelas
desenvolver processos de
abstracção e generalização
que conduzem à
construção,
sistematização e
consolidação de
conceitos geométricos.
Quando a criança é capaz de dizer que a figura que extraiu de um conjunto de figuras é a mesma que vê
desenhada sobre um cartão, está a manifestar a sua
capacidade visual.
Quando, além disso, ela é capaz de identificar
aquela forma pelo seu nome, a criança está a
utilizar a sua capacidade verbal.
Quando a criança é capaz de reproduzir através do desenho, uma determinada
figura geométrica, está a adquirir competências
gráficas.
Quando a criança
reconhece que uma
figura geométrica, (um
rectângulo, por exemplo)
continua a ser a mesma
figura geométrica, depois de
rodado, de um certo ângulo,
está a
demonstrar a sua
capacidade lógica.
A aprendizagem da matemática deve ocorrer em situações informais e generalistas, se possível
integrada nas rotinas quotidianas do jardim-de-
infância; as crianças devem ser o mais autónomas possível em relação ao desenvolvimento das
actividades, em particular, em relação aos registos gráficos que produzem.
Mapas de presenças e de tarefas, receitas, ementas e registos de contagens das
crianças para o almoço e os registos produzidos pelas
crianças, as descrições feitas pelos educadores, a
análise e a discussão dos dados têm um carácter
eminentemente interpretativo e
desenvolvem-se a partir de narrativas
circunstanciadas,
ilustradas pelos registos das crianças. As crianças
vão criando símbolos distintos, permanentes e individualizados que se
tornam universais dentro do grupo.
Essa simbologia, cada vez mais arbitrária e
representando relações cada vez mais complexas entre os diferentes entes,
constituiu-se num sistema de representação gráfica de carácter ideográfico que
vai integrando a simbologia convencional
e servindo de suporte à
linguagem matemática e à sua aprendizagem,
existindo uma transformação, gradual, desse sistema na própria linguagem matemática,
indicando que aquele sistema pode ser uma fase preliminar desta linguagem. A crescente
complexidade e estruturação das
representações usadas e criadas pelas crianças têm uma influência positiva na
aprendizagem dos conceitos matemáticos que vão
construindo. Essa relação
decorre de um jogo dialéctico entre a leitura e
a escrita dos seus próprios registos - quando as crianças não conseguem ler num desses registos o
que pretendem, procuram resolver esse problema,
reflectindo, o que as leva a um novo conhecimento que,
por sua vez, conduz a um
melhoramento na nova
escrita desse registo, e
assim sucessivamente.
É nessa dialéctica leitura /escrita/reescrita/releitura, que vemos a evolução do registo, mas é a leitura
que provoca essa evolução, porque é ela que
leva a um novo pensamento.