quando ser judeu era ser português

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I Colóquio de História da Universidade Federal Rural de Pernambuco UFRPE, Recife, Pernambuco, Brasil Brasil e Portugal: nossa história ontem e hoje De 3 a 5 de outubro de 2007 Anais Eletrônicos ISBN 978-85-87459-57-2 Página |1 “QUANDO SER JUDEU ERA SER PORTUGUÊS”: A DIÁSPORA DOS “DA NAÇÃO”, SEUS CAMINHOS E SUA MOBILIDADE. Creso Nuno Moraes de Brito 1 Orientadora: Profª. Drª Tânia Kauffman Resumo: O Presente trabalho tem como objetivo traçar um breve panorama acerca da história e da diáspora dos judeus portugueses, assim como a formação de algumas de suas comunidades na Europa e nas Américas. Tal grupo fora fundamental na formação, no desenvolvimento e na estruturação étnica, sócio-econômica e cultural da civilização lusíada desde os seus primórdios. Partindo da afirmação de Gilberto Freyre, em Casa grande & Senzala, onde assinalava que a intensa mobilidade e adaptabilidade dos portugueses seriam duas das suas mais importantes características “psico-sociais”, ao qual vieram a contribuir para o seu sucesso na empreitada colonialista nos trópicos; procurar-se-á inserir o elemento judeu-português como um dos proporcionadores deste processo. Tal hipótese baseia-se na constatação de que os israelitas representavam uma parcela considerável da população lusitana, assim como a sua ampla rede de relações familiares, comerciais e de comunicabilidade, tornava-os excelentes colonializadores em potencial. Acrescenta-se a estes fatores, a necessidade de fuga e de refúgio que se tornava imperativo aos “da nação portuguesa”, devido à “dissolução” oficial do judaísmo ibérico, aliada a constituição e a posterior ampliação dos poderes inquisitoriais tanto em Portugal quanto em seus territórios coloniais. Palavras-chaves: Judeus-portugueses Mobilidade e redes de comunicação - Comunidades judaico-portuguesas. Abstract: The objective this research is describe a concise panorama about the history and the diaspora of jews- portugueses, as the build some communities in Europe and Americas. The Jews were fundamentals to formation, development and economic, social and cultural structuraction on Portuguese’s civilization since their begin. Based in affirmation of sociologist Gilberto Freyre in your book, Casa Grande e Senzala, where asseverate the mobility and the adaptability as important character for success of Portuguese’s colonization on Tropics. So, this work intent to insert the Portuguese Jews in context of Western History and America’s colonization, through their family’s and communication’s networks. Keywords: Portuguese's- Jews mobility and nets of communications Portuguese’s- Jews communities. A Península Ibérica sob o domínio islâmico tornou-se, durante a Idade Média, um dos ou até mesmo, o mais importante centro cultural e intelectual do Ocidente. Isto foi possível graças à relativa tolerância 2 (embora não nos moldes conceituais que hoje atribuímos a esta 1 Graduando em História UFPE. *

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  • I Colquio de Histria da Universidade Federal Rural de Pernambuco UFRPE, Recife, Pernambuco, Brasil

    Brasil e Portugal: nossa histria ontem e hoje De 3 a 5 de outubro de 2007

    Anais Eletrnicos ISBN 978-85-87459-57-2 Pgina |1

    QUANDO SER JUDEU ERA SER PORTUGUS:

    A DISPORA DOS DA NAO, SEUS CAMINHOS E SUA MOBILIDADE.

    Creso Nuno Moraes de Brito

    1

    Orientadora: Prof. Dr Tnia Kauffman

    Resumo:

    O Presente trabalho tem como objetivo traar um breve panorama acerca da histria e da dispora dos

    judeus portugueses, assim como a formao de algumas de suas comunidades na Europa e nas Amricas. Tal

    grupo fora fundamental na formao, no desenvolvimento e na estruturao tnica, scio-econmica e cultural

    da civilizao lusada desde os seus primrdios. Partindo da afirmao de Gilberto Freyre, em Casa grande &

    Senzala, onde assinalava que a intensa mobilidade e adaptabilidade dos portugueses seriam duas das suas mais

    importantes caractersticas psico-sociais, ao qual vieram a contribuir para o seu sucesso na empreitada

    colonialista nos trpicos; procurar-se- inserir o elemento judeu-portugus como um dos proporcionadores deste

    processo. Tal hiptese baseia-se na constatao de que os israelitas representavam uma parcela considervel da

    populao lusitana, assim como a sua ampla rede de relaes familiares, comerciais e de comunicabilidade,

    tornava-os excelentes colonializadores em potencial. Acrescenta-se a estes fatores, a necessidade de fuga e de

    refgio que se tornava imperativo aos da nao portuguesa, devido dissoluo oficial do judasmo ibrico,

    aliada a constituio e a posterior ampliao dos poderes inquisitoriais tanto em Portugal quanto em seus

    territrios coloniais.

    Palavras-chaves: Judeus-portugueses Mobilidade e redes de comunicao - Comunidades judaico-portuguesas.

    Abstract:

    The objective this research is describe a concise panorama about the history and the diaspora of jews-

    portugueses, as the build some communities in Europe and Americas. The Jews were fundamentals to formation,

    development and economic, social and cultural structuraction on Portugueses civilization since their begin.

    Based in affirmation of sociologist Gilberto Freyre in your book, Casa Grande e Senzala, where asseverate the

    mobility and the adaptability as important character for success of Portugueses colonization on Tropics. So, this

    work intent to insert the Portuguese Jews in context of Western History and Americas colonization, through

    their familys and communications networks.

    Keywords: Portuguese's- Jews mobility and nets of communications Portugueses- Jews communities.

    A Pennsula Ibrica sob o domnio islmico tornou-se, durante a Idade Mdia, um dos

    ou at mesmo, o mais importante centro cultural e intelectual do Ocidente. Isto foi possvel

    graas relativa tolerncia2 (embora no nos moldes conceituais que hoje atribumos a esta

    1 Graduando em Histria UFPE.

    *

    mailto:[email protected]

  • I Colquio de Histria da Universidade Federal Rural de Pernambuco UFRPE, Recife, Pernambuco, Brasil

    Brasil e Portugal: nossa histria ontem e hoje De 3 a 5 de outubro de 2007

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    palavra) patrocinada pelo Califado Omada entre os sculos XI ao XIII. Este possibilitou a

    interao e o intercambiamento dos saberes entre as trs culturas abramicas, a saber, o

    Judasmo, o Cristianismo e o Isl; assim como das mais diversas minorias habitantes da

    Pennsula, em graus diversos.

    Todavia, tal conjuntura scio-poltica veio a findar-se a partir do sculo XIII, com o

    advento das dinastias berberes, a formao das taifas (pequenos reinos muulmanos) e a

    Reconquista Crist. Embora em alguns reinos cristos ibricos, durante algum tempo, os

    judeus puderam viver em relativa tranqilidade e inclusive prosperarem. Neste sentido,

    Castela e Portugal destacaram-se.

    Os judeus j habitavam o territrio no qual viria a ser Portugal antes mesmo deste se

    tornar um reino cristo independente em 1139, sob a bandeira de D. Afonso Henriques, O

    Conquistador. Nesta poca havia importantes judiarias em Santarm, vora, Tomar, Castelo

    de Vide, Sintra, Lisboa e nos arredores de Portus Calle (Porto). Em terras lusitanas, alguns

    membros da grei israelita conseguiram ascender a altos postos administrativos e econmicos,

    como foi o caso de Yahia ben Aish e o seu filho, Yossef ben Yahia, almoxarifes nos

    governos de D. Afonso Henriques e D. Sancho I. Como tambm D. Isaac Abravanel, figura

    clebre do judasmo portugus, tesoureiro e conselheiro dEl- Rei Afonso V.

    Estima-se que as vsperas da Converso Forada impetrada por D. Manuel I, o

    Venturoso, cerca de 10% da populao portuguesa era de origem judaica (MORASH, abril

    2007:44). Ora, Portugal recebera um enorme afluxo migratrio de judeus-espanhis desde o

    incio das perseguies naquele pas em 1370, no qual se intensificara aps o dito de

    Expulso de 1492, assinado pelos reis catlicos.

    Ainda que o Venturoso tenha proibido, por um prazo de cerca de 20 anos, que os

    cristos-novos fossem molestados e inquiridos quanto persistncia de prticas judaizantes e

    mesmo aps todos os esforos financeiros despendidos pelos conversos visando retardar o

    inevitvel, instaurado em 1536, atravs da bula Cum ad nil magis em nome do papa Paulo

    III, o Tribunal do St Ofcio em Portugal ao qual se manteve sob controle real direto at 1615.

    Assim, inmeros judeus-portugueses ou os da nao portuguesa procuram deixar

    Portugal, espalhando-se pelos pases islmicos mediterrneos ou para a Holanda calvinista

    onde puderam retornar a sua f anterior, ou ainda se dirigiram as vrias possesses do imprio

    2 Para o historiador Bernard Lewis, a idia de tolerncia como hoje a concebemos seria impossvel em

    sociedades pr-modernas, onde a religio possua um carter central no relacionamento dos indivduos com a

    realidade. E apesar dos cdigos de conduta para com as minorias monotestas fossem mais brandos no Isl; a

    imagem desta religio tanto como smbolo de tolerncia quanto de extremismo religioso so idealizaes

    recentes e basicamente ocidentais.

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    martimo ibrico (facilitado com a unio das coroas sob Filipe II, a partir de 1580), na

    condio de cristos-novos. A presena dos conversos portugueses judaizantes3 eram to forte

    nestas localidades que o termo portugus passou a ser quase um sinnimo de judeu. Tanto nas

    documentaes da Inquisio quanto nas percepes das diversas populaes dos lugares para

    onde estes se dirigiram.

    1. A necessidade de fuga e a mobilidade dos Conversos:

    Alm da instaurao do tribunal do Santo Ofcio em Portugal em 1536, a Unio

    Ibrica em 1580, constituiu um fator decisivo para a fuga dos judeus de Portugal no sculo

    XVI. O unificador das coroas espanhola e portuguesa, Filipe II, era um monarca

    completamente imbudo do esprito barroco (claramente expresso com a construo do El

    Escorial) e da Contra-Reforma. Neste sentido, visando manter a unidade de seu imprio, o

    monarca procurou por em prtica a todo o custo o ideal de um povo, um rei, uma f.

    Acentuando-se a perseguio aos cristo-novos, aos mouriscos e aos protestantes;

    considerados os principais inimigos do ideal ibrico de expanso do Imprio da Cristandade.

    Neste contexto, a fuga acenava aos marranos como uma significativa possibilidade de

    salvao.

    So inmeros os fatores que possibilitam o deslocamento macio de indivduos e

    grupos, entre eles esto o estado e o grau de integrao dos mesmos na sociedade. De fato, no

    caso dos cristos-novos existia certa resistncia integrao destes sociedade lusitana crist

    metropolitana, exemplificado pelas perseguies religiosas e a restries econmico-

    profissionais (acentuados com os decretos de limpieza de sangre4) sofridas por eles. E

    provavelmente foram estes fatores que se apresentavam como preponderantes para a deciso

    de migrar para outros locais e para as regies coloniais.

    3 Judaizante era aquele converso que persistia em prticas consideradas judaicas pela documentao

    inquisitorial, sejam por convices prprias, tradies familiares ou por simples ignorncia do que se tratavam.

    Cristos-velhos tambm poderiam ser apreendidos em prticas judaizantes devido ao forte intercambiamento

    cultural e de comportamentos sociais existentes entre as populaes de origem ibrica, principalmente nas

    colnias.

    4 Regulamentaes que exigia, para participao em cargos pblicos e a obteno de tantos outros benefcios nos

    Estados Ibricos, um atestado constando a no mesclagem sangunea do indivduo com judeus, mouros,

    ciganos e posteriormente negros ou amerndios nas colnias. Conseqentemente exclua-se a maioria dos iberos-

    descendentes da possibilidade de ascenso social atravs dos mecanismos burocrticos. Todavia muitos e dos

    mais variados tipos foram os mtodos utilizados para se burlar tais regulamentaes.

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    O socilogo Gilberto Freyre, em seu livro "Casa Grande e Senzala", afirmara que uma

    das caractersticas que possibilitaram o sucesso da colonizao portuguesa nos trpicos,

    teria sido justamente a capacidade destes de se deslocarem por amplos territrios e de se

    adaptarem com certa desenvoltura aos mesmos. Algo no qual os judeus j tinham adquirido

    bastante experincia devido a Dispora.

    Atualmente j sabido pela historiografia brasileira, atravs de trabalhos pioneiros

    como da Profs. Jos Gonalves Salvador e Anita Novinsky, e em Pernambuco, dos Profs

    Jos Antnio Gonsalves de Mello e Tnia Neuman Kaufman; que uma parcela considervel

    dos nossos colonizadores portugueses eram de origem crist-nova.

    A necessidade da ocupao dos territrios conquistados (o que fazia do imprio

    portugus prescindir de pessoas dispostas para a perigosa empreitada), aliada a conseqente

    dificuldade da movimentao de informaes devido distncia com a metrpole e o fato de

    permanecerem na jurisdio do imprio martimo portugus, levara a muitos conversos

    optarem pelas colnias.

    Ento no seria pertinente inclu-los no conceito freyriano de mobilidade e

    adaptabilidade lusada, j que as prprias conjunturas em que viviam faziam destas

    caractersticas um imperativo para a suas sobrevivncias?

    A presena dos cristos-novos, e especialmente, dos conversos portugueses retornados

    ao judasmo, tambm cognominados como os judeus portugueses de Amsterd, ao qual se

    fizeram presentes nas Amricas desde o perodo colonial tambm no seria um claro exemplo

    indicativo para inclu-los nesta assertiva?

    Assim se faz pertinente analisar-se mais profundamente a histria dos judeus e a

    conjuntura em que se inseriam para que se possa construir uma discusso historiogrfica.

    Analogamente surge a necessidade de os enquadrar, bem como a realidade por eles

    vivenciada, no amplo contexto da histria ocidental, e no apenas como um grupo parte,

    minoritrio e marginalizado da mesma.

    2. A Jerusalm do Ocidente, Amsterd e os judeus-portugueses:

    O final do sculo XVI e especialmente o sculo XVII, caracterizou-se na Europa por

    um perodo de intensas disputas e de profundas transformaes poltico-territoriais,

    fundamentadas por querelas e divergncias religiosas. As grandes potncias do continente

    alinhavam-se segundo seus interesses comerciais especficos, mas tambm de acordo com a

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    sua orientao religiosa crist. A Espanha e Portugal, unidos em 1580 por Filipe II,

    representavam a mais importante potncia catlica.

    Os Pases Baixos, neste perodo, era uma possesso espanhola e o seu monarca, Filipe

    II, temendo a ascenso da burguesia protestante e o conseqente prejuzo ao seu imprio,

    passou a persegui-los severamente logo ao assumir o trono em 1556.

    Tal atitude resultou na ecloso de uma revolta liberal burguesa naquela regio em

    1568, a denominada Guerra dos 80 Anos (1568-1648) que levou a formao da Repblica

    Unida da Holanda em 1579, a partir da aliana entre as provncias protestantes e burguesas do

    Norte.

    De acordo com os Estatutos da nova Repblica, ningum em territrio neerlands

    deveria ser importunado por motivos religiosos, desde que no perturbassem a ordem social,

    fossem estes seus habitantes ou simplesmente visitantes. Assim, a Holanda torna-se um local

    de abrigo para os cristos-novos portugueses, assinalando-lhes a possibilidade de retornarem

    ao Judasmo e de reconstiturem a sua identidade como tais.

    Varias famlias de conversos chegaram a Amsterd, j em 1593, instalando-se em uma

    ilha do rio Amstel, a Vlooienburg, posteriormente conhecida como o bairro judeu. L eles

    comearam a se estruturar econmica (estando ligados principalmente ao comrcio e os

    maiores, aos negcios do acar) e religiosamente, apoiados pelo rabino Moshe Uriel Halevi.

    Este logo se empenha em circuncidar os portugueses 5 (entre eles o grande lder Jacob

    Tirado) para que viessem a (re)aprender as leis, tradies e prticas judaicas corretamente.

    Para tanto, o rabino passa a organizar servios religiosos nas residncias particulares, usando

    um Sefer Torah6 que trouxe consigo de Emden.

    De 1598 em diante, fora permitido aos conversos a compra da cidadania, alm de

    poderem casar-se, comprar e herdar propriedades, e praticar seus cultos, com a restrio

    apenas, de que no fosse realizado publicamente. Em 1606 fundada, sob a liderana de

    5 Aps a converso forada, os judeus passam a ser denominados de vrias formas nos documentos oficiais ou

    na vivncia cotidiana. Os termos mais comuns eram: "gente da nao", ou seja, gente da nao hebria e todas as

    suas derivaes os da nao hebria, os da nao, os da raa, gente nova; os da nao portuguesa, os

    portugueses e homens de negcio de Portugal (nos pases estrangeiros); confessos, conversos,

    judaizantes ou cripto-judeus (quando persistiam nas prticas ancestrais s escondidas.) e de modo

    depreciativo, "marranos (porcos) ou judeus batizados em p. H inclusive um termo hebraico pelo qual eles

    se referiam a si mesmos: bnei anussim (filho dos forados) ou simplesmente, anussim (forados).

    6 O livro da Torah (Pentateuco) utilizado para a leitura pblica nas sinagogas. Consiste em um pergaminho,

    escrito a mo por um escriba especializado, confeccionado a partir do couro de um mamfero casher (um bovino,

    um caprino ou um ovino). Significando um animal apropriado para consumo e utilizao pela lei religiosa

    judaica, o qual, para o caso, consiste obrigatoriamente em um ruminante cujas patas so fendidas, morto segundo

    os preceitos religiosos de abate.

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    Jacob Tirado e do rabino Moshe Uri Halevi, a Kahal Beit Yacoov (Congregao Casa de

    Jac) e dois anos mais tarde a Neve Shalom, de carter mais hispnico. Todavia somente aps

    1614, as autoridades flamengas consentem construo de sinagogas, quando a comunidade

    israelita obtm uma rea em Ourderkek, nos arredores de Amsterd, para a construo de seu

    cemitrio.

    Em 1616, a Repblica Holandesa incumbe ao jurista Hugo Grotius, alcunhado como

    pai da legislao internacional, a definio do status legal dos hebreus em seu territrio.

    Este reafirmara a presena daqueles como benfica e at mesmo desejvel para o

    desenvolvimento social e econmico da nao, ressaltando a preeminncia da liberdade

    religiosa e objetando a utilizao de qualquer smbolo que viesse a os denegrir.

    Deste modo, as decises relativas aos judeus ficavam a cargo dos governantes de cada

    cidade especificamente. Contudo lhes fora negado o casamento com cristos ou deles terem

    filhos, bem como a converso de cristos ao Judasmo ou o acesso dos israelitas a cargos

    governativos. Esta ltima condio, na verdade, fora generalizada a todos os que no

    pertenciam a Igreja Reformada.

    Em 1618 h uma ciso na Kahal Beit Yacob, originando a Kahal Beit Israel

    (Congregao Casa de Israel), constituindo, portanto, trs comunidades em Amsterd. Estas

    terminam por se unir em 1639, constituindo a Talmud Tor (Centro de Estudos religiosos)

    Congregao Portuguesa Israelita de Amsterd. Sendo utilizado o prdio da Sinagoga Beit

    Israel para a realizao dos servios comunitrios, tendo ela recebido uma reforma, resultando

    em sua ampliao e a construo de uma elegante fachada com majestosas colunas.

    Isto se devia ao fato de no s os portugueses, mas todos os imigrantes sefarditas7

    adotarem a rotulao de portugueses, com fins de evitar a identificao com os inimigos

    espanhis. Mesmo atualmente, os avisos e a orao pela Casa Real so realizados na lngua de

    Cames.

    Logo ao formarem-se as Congregaes foram criadas instituies comunitrias de

    auxlio e emprstimo aos necessitados; de sustento de rfos, doentes e enterro aos mais

    pobres; de igual forma a associao para dotar moas rfs, existente at hoje; e tambm

    educacionais, de cashrut8 e um fundo para resgatar judeus aprisionados.

    7 Sefarditas e sefardim ou sefaraditas e sefaradim, faz referncia aos judeus originrios da Pennsula Ibrica, de

    alguns pases mediterrneos ou ainda do sul da Frana. Enquanto asquenazim e asquenazitas ou ashkenazim ou

    ashkenazitas, significam os judeus originrios da Alemanha ou Centro e Leste europeu.

    8 Leis e regulamentos religiosos judaicos que definem o que ritualmente puro, apropriado e utilizvel pelos

    judeus. Seja na esfera alimentcia, de vestimenta ou de relaes ntimas e pessoais. Genrica e usualmente,

    significa o que considerado apropriado pelos judeus.

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    O responsvel pela congregao sefardita de Amsterd, o rabino Isaac Aboab da

    Fonseca, que aps exercer a sua funo como o primeiro das Amricas e regressado de Recife

    aps a Restaurao Pernambucana (1646-1654), teve a idia de construir uma nova sinagoga

    mais espaosa e imponente que refletisse o bem-estar e a importncia da comunidade nos

    Pases Baixos.

    Desta forma inaugurada em 1675, cuja comemorao durou oito dias, a Sinagoga

    Portuguesa de Amsterd ou simplesmente a Esnoga9, como passou a ser chamada. Concebida

    em estilo clssico e segundo alguns elementos do Templo de Jerusalm, de acordo com o

    modelo corrente poca, publicado pelo rabino Jac Jud Leon em 1642.

    A Esnoga consiste em um edifcio regular que ocupa quase um quarteiro inteiro e est

    assentado em 3000 pilares de madeira que mergulham na gua. O projeto e a execuo da

    obra ficaram a cargo do arquiteto Elias Bouman, enquanto a marcenaria fora destinada a Gillis

    Van Der Veen.

    Constitui-se um fato interessante serem o heichal e a teb10

    confeccionados em

    jacarand pernambucano, pois se caracterizou como uma doao de Moiss Curiel ou

    Jernimo Nunes da Costa, grande exportador de madeira brasileira.

    Justamente no perodo de dominao batava ao Nordeste brasileiro que se faz

    expressiva a presena dos judeus portugueses nestas terras, onde no perodo ureo da

    imigrao, estes constituam cerca de 50% da populao branca em Recife. E so estes,

    aliados aos colonizadores portugueses judaizantes que j habitavam a capitania de

    Pernambuco e retornam a f ancestral, dado a liberdade religiosa concedida pelo governo da

    Cia. das ndias Ocidentais, que constroem a primeira comunidade e sinagoga oficial das

    Amricas, a Kahal Kadosh Zur Israel.

    3. Kahal Kadosh Zur Israel, a comunidade pioneira nas Amricas:

    A tomada de Pernambuco pelos holandeses em 1630, ecoou para os judeus

    portugueses de Amsterd como uma boa nova. Pois para muitos deles apresentava-se como

    9 Termo portugus para sinagoga ou qualquer reunio entre os conversos, normalmente com a inteno de

    judaizarem, donde se diz: fazer esnoga, muito comum nos documentos inquisitoriais. Em neerlands diz-se

    Snogue.

    10

    Arca sagrada onde esto guardados os livros da Torah e serve para indicar a direo do Monte do Templo em

    Jerusalm, para onde as preces devem ser dirigidas. Ope-se perpendicular e horizontalmente a Teb, nas

    sinagogas portuguesas, estrado onde o oficio religioso conduzido pelo chantre e no qual lido a Torah.

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    uma probabilidade de adquirirem melhores condies de vida (porque muitos se encontravam

    em situao de extrema pobreza), acrescenta-se ainda o fato de que a Capitania Duartina era

    na poca bastante prspera devido ao negcio do acar.

    Assim inmeros judeus pedem autorizao ao Conselho Poltico da Cia. das ndias

    Ocidentais para se transferirem, alguns sozinhos e outros com a suas famlias ou aparentados.

    Existia inclusive a inteno de um converso, Manuel Mendes de Castro, que atendia pelo

    nome hebreu de Manuel Nehemias, de instaurar no Brasil Holands uma colnia judaica de

    200 pessoas, entre ricos e pobres (MELLO, 1989: 218-222).

    O crescimento da populao judaica em Pernambuco logo se tornou to intenso que o

    Conselho Poltico da Cia. das ndias decidiu vender ao rico mercador da nao e senhor de

    engenho, Duarte Saraiva ou David Senior Coronel, um lote junto a Porta da Terra, ao norte

    do istmo que ligava Recife a vila de Olinda, para l que se pudesse ser construdas

    habitacionais e casas comerciais. Dando incio a formao naquela localidade ainda em 1636,

    que rapidamente veio a ser acrescida por outras construes dos mais ricos comerciantes

    judeus, da Jodenstraat (Rua dos Judeus), atualmente Rua do Bom Jesus, no bairro do Recife

    Antigo.

    Em terras do acar, os judeus estavam ligados principalmente ao comrcio,

    destacando-se o do acar e do tabaco, cobrana de impostos, emprstimo de dinheiro e

    alguns at chegaram a possuir engenhos, bem como se dedicaram ao comrcio de escravos.

    Na rua dos judeus funcionava inclusive um Slavenmarket, mercado de escravos.

    Na casa de Duarte Saraiva funcionara a primeira sinagoga das Amricas mesmo antes

    de 1636, quando veio de forma definitiva ser estabelecida a Kahal kadosh Zur Israel, ou seja,

    Santa Comunidade Rochedo (talvez se referindo aos arrecifes) de Israel. Congregando tanto

    judeus portugueses imigrantes dos Paises Baixos, quanto cristos-novos retornados ao

    judasmo.

    Nela serviu como rabino, professor e mohel (circuncisador), o chacham11

    Isaac Aboab

    da Fonseca, no qual comps tambm os primeiros conjunto de poemas em hebraico das

    Amricas, o Zecher Assiti HaNiflaot EL (Ergui um Memorial aos Milagres Divinos) e o Mi

    Chamocha (Quem como Tu?), onde relata em cores fortes e vivo lirismo, as privaes dos

    judeus quando do cerco de Recife pelas tropas luso-brasileiras do movimento da Restaurao

    Pernambucana em 1646.

    11

    Entre os sefarditas, o rabino ou qualquer indivduo que muito se destaque no conhecimento do hebraico, da

    Torah e do Talmud, recebe o cognome de chacham, que quer dizer sbio ou erudito.

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    Aboab substituiu o clebre erudito, rabino Menasseh ben Israel (Manoel Dias Soeiro),

    responsvel pelo retorno dos judeus a Inglaterra, expulsos daquele pas desde por Eduardo III;

    e que desistira de vir ao Recife em ltima hora.

    Em 1637 com a construo da Cidade Maurcia pelo conde Mauricio de Nassau,

    governante e benfeitor destas terras, institura-se uma outra congregao, a Kahal Kadosh

    Maguen Abraham (Congregao Sagrada Escudo de Abrao) onde exercera o cargo de

    chacham, Moyses de Aguilar, autor de diversos livros e profundo conhecedor da teologia 12

    judaica, tio de um famoso mrtir converso levado fogueira em Lisboa em 1647, Isaque de

    Castro Tartas.

    Aps funcionar durante certo tempo em casa de Duarte Saraiva, fora permitido por

    Mauricio de Nassau, a construo de um prdio em pedra e cal entre 1640 e 1641, para que a

    comunidade do Recife pudesse realizar suas reunies sociais e religiosas. Deste modo surge a

    Sinagoga Kahal Zur Israel (hoje restaurada e aberta visitao pblica no mesmo local onde

    funcionara anteriormente), situada no sexto lote do terreno pertencente Saraiva.

    A sinagoga funcionava no primeiro andar de um prdio geminado e no trreo

    funcionavam duas lojas, onde em uma se encontrava a rea do bor e da mikv13

    , que foram

    descobertos com as prospeces arqueolgicas e confirmada a existncia da sinagoga por

    tribunal rabnico- beit din- entre os anos de 2000 e 2001. Na outra loja, encontravam-se duas

    salas de estudo para meninos e rapazes, a Talmud Tor e Ets Chaim, respectivamente. O

    acesso ao piso superior se dava por uma nica escada, que contrariamente ao bor e a mikv

    no foi encontrada nas prospeces arqueolgicas.

    Devido s queixas de membros tanto da Igreja Reformada quanto da Catlica, fica

    proibido aos judeus formarem outras comunidades, terminando por todas elas se

    subordinarem a Zur Israel. Em 1648, a Maguen Abraham se funde a Zur Israel, tal fato ficou

    registrado nos 40 artigos das regulamentaes comunitrias (Haskamot), assinada pelos

    membros adultos do sexo masculino de ambas.

    12

    O termo teologia encontra-se entre aspas, porque h uma discusso terica acerca do judasmo possuir ou no

    uma teologia, j que tal religio no prioriza dogmas e no aceita a possibilidade de se discutir acerca da

    natureza Divina. O estudo religioso mosaico debruar-se-ia sobre a Revelao da Vontade (Ratson) do Deus de

    Israel para seu povo e a humanidade atravs da Torah Escrita (Pentateuco e o Antigo testamento, Tanach) e Oral

    (Talmud e a tradio sagrada, Morash).

    13

    O bor um poo onde flui gua (pois obrigatrio que seja corrente de um rio ou fonte natural) para o banho

    ritual de purificao (tevilah), utilizado pelas israelitas aps o perodo menstrual e nalguns casos pelos homens

    as vsperas do Iom Kipur, Dia do Perdo, ou do Shabat, o Sbado. Ainda utilizado como ritual de iniciao

    para candidatos a converso de ambos os sexos, donde se acredita ter se originado o batismo cristo. O bor

    interligado por vasos comunicantes a mikv (ou mikv), a piscina onde o individuo emerge e realiza o ritual.

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    Com o retorno de Nassau, apesar dos esforos dos judeus para que isto no se

    efetivasse (chegaram a oferecer 3.000 florins a cada 1 de janeiro para cada ano que ficasse), e

    com as revoltas resultantes do movimento da Restaurao Pernambucana, a situao dos

    judeus comea a se deteriorar. Finalmente em 1654, as tropas luso-brasileiras reconquistam a

    regio, os holandeses batem em retirada e os judeus so expulsos do Nordeste. S puderam

    ficar aqueles que permaneceram cripto-judeus ou tornaram-se bons catlicos.

    A maioria das famlias judaicas que partiram, retornaram a Holanda, outras se dirigem

    ao Caribe e formam comunidades em Martinica, Jamaica, Barbados, e Curaao, levando

    consigo as tcnicas da indstria do acar, mas tambm a cultura do fumo, que viria

    posteriormente trazer srios problemas a economia brasileira. Vinte e trs deles aps uma

    srie de contratempos e vicissitudes aportaram em Nova Amsterd, atual Nova Iorque,

    formando o ncleo da comunidade que se transformaria a mais importante das Amricas e no

    contexto mundial do judasmo.

    4. Os Portes da Esperana, a Comunidade Shearit Israel:

    Com a rendio dos holandeses, o comandante das tropas luso-brasileiras, Francisco

    Barreto de Meneses, ofereceu aos colonos derrotados duas opes: eles se submeteriam a

    Portugal ou tinha um prazo de trs meses para resolverem seus negcios e partirem do Brasil.

    Escolheram a segunda opo.

    Dezesseis navios deixam Pernambuco, levando os neerlandeses e os judeus

    portugueses. Quinze conseguem chegar a seu destino, um se extravia, sendo capturado por

    piratas espanhis. Todavia, todos terminam por ser resgatados pela tripulao do navio

    francs, Saint Catherine. Havia entre eles 23 judeus, contando-se homens mulheres e crianas,

    que aportam em setembro de 1654, na ilha de Manhattam, possesso da WIC (Cia. das ndias

    Ocidentais) poca.

    L, porm, os judeus no encontram a tolerncia que caracterizava as possesses

    batavas, garantida pela Declarao de Utrecht. Ora, o governador de Nova Amsterd (de 1647

    a 1664), Peter Stuveysant, era um calvinista zeloso e considerava que a presena desses

    judeus desvalidos e da sua abominvel religio s traria prejuzo.

    Procurou ento de toda forma expuls-los, escrevendo uma carta a WIC pedindo a

    permisso para o fazer, a resposta, no entanto, fora negativa. Pois os judeus em Amsterd j

    tinham tambm encaminhado a Cia. uma petio de permanncia queles judeus, alegando

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    serem os israelitas h dcadas leais Holanda e inclusive sendo alguns deles membros

    acionistas da dita empresa.

    Mesmo assim, Stuveysant exclui os judeus do servio da guarda colonial na Casa dos

    Voluntrios e os obriga a pagar um imposto (65 stivers mensais), porque outros serviam no

    lugar deles. Diante desta situao, dois judeus, Asher Levy (talvez um dos refugiados

    recifenses) e Jacob Barsimson (um asquenazita vindo da Holanda) escrevem um baixo-

    assinado entregue ao Tribunal Colonial, objetando as medidas tomadas pelo governador. Aps

    dois anos de questo judicial, eles ganham a causa.

    Mas o governador no desistiu em dificultar a vida dos israelitas, aps conquistar o

    territrio sueco ao longo do rio Delaware probe-os de comerciar naquele local. Novamente

    Asher Levy reclama da distino e obtm a primeira concesso de comercializao em 1656,

    somente a construo de uma sinagoga continuava proibida.

    De fato, desde a chegada dos refugiados brasileiros, s portas dos iamim noraim14

    ,

    procurou-se estruturar uma comunidade, sendo possvel faz-la com a chegada, em 1655, de

    cinco famlias e trs solteiros israelitas, com melhores condies financeiras, provenientes dos

    Pases Baixos. fundada no mesmo ano, a Kahal Shearit Jacob (Congregao Portes de

    Jac), posteriormente denominada Shearit Israel (Portes de Israel), nica comunidade de

    Nova Iorque at 1825.

    Inicialmente as reunies eram realizadas em casas alugadas, pois era proibida a

    construo de uma sinagoga. Como a halachah15

    no exige um templo especificamente, mas

    apenas um quorum, de dez indivduos do sexo masculinos maiores de 13 anos, para realizao

    das cerimnias religiosas; a Comunidade prioriza a obteno de um campo santo, que

    concedida pelas autoridades, sendo o cemitrio construdo em 1683 no centro da cidade.

    Isto se dera j sob o domnio ingls que se iniciara em 1664, tendo o nome da cidade

    sido substitudo de Nova Amsterd para Nova Iorque (no qual os judeus tiveram permisso

    de residncia graas o acordo entre Menasseh ben Israel e Oliver Cronwell).

    A primeira sinagoga s foi erguida em 1730. Consistia em um simples prdio de

    tijolos, que devido ao crescimento comunitrio mudou de lugar trs vezes at se estabelecer

    no local que se encontra at hoje, na Rua 70, esquina com a Avenida Central Park West.

    14

    Os dias temveis, perodo de 10 dias que vai desde o Rosh Hashanah, Ano Novo, ao Iom Kipur, Dia do

    Perdo, geralmente em meados de setembro. Acredita-se que nestes dias

    15

    Significando, caminho ou direo, corresponde a interpretao e a compilao das regras, prticas e ritos

    religiosos judaicos cotidianos, baseado na Torah Escrita e Oral. Constitui-se tambm em uma jurisprudncia,

    sendo a base do comportamento e da concepo judaica ortodoxa.

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    Mesmo aps o nmero de sefarditas ter sido suplantado pelos asquenazitas, a sinagoga

    manteve o rito hispano-portugus.

    Como quase sempre ocorria, nas colnias do Norte, os judeus eram ativos no

    comrcio. Atuavam como intermedirios entre os nativos e os europeus, eram peritos na

    navegao costeira e no comrcio ultramarino, atuavam como lojistas e artesos, alm de

    vendedores de miudezas e outros utenslios cotidianos. Pouqussimos eram agricultores ou

    ricos, embora algumas famlias dos da nao possussem patrimnios expressivos. Tais os

    Lopes, Franks, Hayman Levy, Gratz e os Lindo.

    Por fim imprescindvel ressaltar uma questo para que se evite a disseminao de

    uma mitificao falaciosa, resultante talvez de um ingnuo pseudo-provincialismo, da

    ignorncia ou de uma informao incorreta. Como pde ser percebido, os judeus portugueses

    de Recife no fundaram Nova Iorque como vem sendo erroneamente divulgado, inclusive

    pelos veculos de informao. O que ocorreu, na verdade, foi que alguns deles foram os

    fundadores de uma das mais importantes, ricas e influentes comunidades judaicas do mundo,

    a Comunidade nova-iorquina Shearit Israel.

    5. Concluso:

    As disperses dos judeus por diferentes espaos geogrficos produziram um povo que,

    embora identificado pela f e tradies religiosas (interiorizadas antes das disporas e

    preservadas nas terras onde se instalaram), contriburam para o desenvolvimento, nos mais

    diversos campos sociais, dos lugares para onde migraram.

    A intolerncia tnica e religiosa, os conflitos polticos, aliados aos interesses

    econmicos e a possibilidade da reconstruo de suas vidas em segurana, sempre

    impulsionaram os judeus a migrarem, muitas vezes com profundo pesar, dos locais que

    estavam a muito estabelecidos. A Holanda e alguns pases protestantes, o Mediterrneo

    islmico e as Amricas, em especial o Brasil e os Estados Unidos, constituam, muitas

    vezes, o destino destas migraes ao longo da construo do mundo moderno.

    Assim os judeus europeus, destacando-se os de origem sefardita, auxiliaram em maior

    ou menor grau para expanso do capitalismo, da interao e da integrao entre povos e

    culturas. Conseqentemente contriburam (direta ou indiretamente) para o projeto de

    europeizao do mundo, atravs de suas redes familiares e de comrcio, se bem que as

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    mesmas existissem primeiramente como um mecanismo de preservao grupal ou mesmo

    individual.

    Embora se possam fazer objees a essa afirmativa, e a mesma carea tambm de

    maior aprofundamento terico, indubitvel que os israelitas foram ao menos

    contribuintes deste processo. Porquanto, aps sculos em territrio europeu, eles eram

    tambm europeus. Apesar de sempre permanecerem fortemente vinculados a sua terra e

    aos valores semticos ancestrais.

    O que no deixa de ser algo deveras intrigante e at mesmo irnico, pois ao mesmo

    tempo em que os judeus foram desconsiderados como cidados europeus, enquanto eram

    rejeitados e expulsos da maior parte daqueles territrios; eles, com a sua mobilidade e a

    sua necessidade de (re)adaptao, vieram a contribuir com a disseminao do ethos

    europeu tanto no mundo colonial quanto nos pases islmicos.

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