questÃo social e ausÊncias: vivÊncias de pessoas em...
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QUESTÃO SOCIAL E AUSÊNCIAS: VIVÊNCIAS DE PESSOAS EM SITUAÇÃO DE
RUA EM PONTA PORÃ/MS
Solange Vilarim de Araujo1
RESUMO:
Neste estudo buscou-se caracterizar as vivências e a questão social que envolve a população de rua no município de Ponta Porã/MS, com base na pesquisa bibliográfica fundamentando-se principalmente nos estudos teóricos realizados no curso de Especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social e pesquisa de campo, com uso de entrevista semiestruturada aplicada as pessoas em situação de rua. Foi levantado o perfil dessas pessoas, os motivos que as levaram a viver na rua e quais seriam as políticas públicas direcionadas a essa população.
Palavras-chave: Pessoa em Situação de Rua. Direitos Humanos. Políticas Públicas.
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo pretendeu elucidar questões relativas aos aspectos estruturais e sociais
que envolvem o cotidiano de pessoas em situação de rua2, de modo a possibilitar a
compreensão da experiência vivenciada por esses sujeitos, através da aproximação com estas
pessoas no município de Ponta Porã/MS.
Neste percurso, pudemos conhecer a realidade de vida das pessoas em situação de rua,
caracterizá-los em seu contexto da pobreza e questão social e destacar as políticas públicas
que ofertam atendimento a esta população ou a ausência destas na garantia de seus direitos.
Diariamente percebemos, através da observação das pessoas nos espaços que ocupam e
por meio dos atendimentos ofertados a esta população, a discriminação e exclusão social
1 Assistente Social, servidora pública efetiva da Secretaria Municipal de Assistência Social de Ponta Porã. Tutora Presencial de Serviço Social na Universidade Anhanguera. Pós-Graduada em Gestão das Políticas Sociais, Metodologias e Gestão para a Educação a Distância e pós-graduanda em Educação, Pobreza e Desigualdade Social. E-mail: [email protected] 2 Grupo populacional heterogêneo, caracterizado por sua condição de pobreza extrema, pela interrupção ou fragilidade dos vínculos familiares e pela falta de moradia convencional regular. São pessoas compelidas a habitar logradouros públicos (ruas, praças, cemitérios, etc.), áreas degradadas (galpões e prédios abandonados, ruínas, etc.) e, ocasionalmente, utilizar abrigos e albergues para pernoitar. (BRASIL, 2008).
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sofridas por elas, sendo este um dos fragmentos mais expressivos dos problemas sociais na
atualidade.
O que instigou-me a realizar esta pesquisa foi ver inúmeras pessoas em situação de rua,
em situação de mendicância, passando fome, sendo agredidas e discriminadas no município
de Ponta Porã. Ao mesmo tempo, as políticas públicas de assistência social voltadas à defesa
dos direitos humanos e as estratégias governamentais de combate a fome estão sendo
aprimoradas e discutidas nas agendas governamentais. No entanto, a impressão que temos é a
de que a pessoa em situação de rua é excluída também destas políticas, passando invisíveis
aos olhos da comunidade e do Estado.
Essas questões nos levaram à necessidade de conhecer a realidade vivenciada pela
população em situação de rua, como vivem e por que estão nestas condições, se existe
intervenção estatal ou ela é ausente, se continuam nas ruas após essa intervenção, etc.
Como método para a realização deste estudo foi realizada em um primeiro momento a
pesquisa bibliográfica para levantar a contribuição dos teóricos que tratam dos temas dos
direitos humanos e população de rua. Posteriormente foi utilizada a pesquisa qualitativa, de
caráter exploratório, que pretende o aprofundamento nas questões sociais vivenciadas pela
pessoa em situação de rua.
Quanto aos procedimentos, foi realizada a pesquisa de campo, através de observação e
entrevista semiestruturada, direcionada às pessoas adultas do sexo masculino, que frequentam
ou frequentaram algum abrigo no território de Ponta Porã ou que se encontram em situação
de rua no município.
O presente artigo está organizado da seguinte forma: inicialmente apresentamos a
fundamentação teórica trazendo as reflexões acerca dos direitos fundamentais à luz da
legislação nacional, caracterizando esse tipo de população de acordo com as pesquisas e do
ponto de vista dos principais autores que discutem sobre essa temática e trazendo as
principais políticas públicas desenhadas para o atendimento a essa parcela da população.
Posteriormente apresentamos os resultados da pesquisa de campo em sua interface com os
dados das pesquisas nacionais realizadas com as pessoas em situação de rua e, por fim
realizamos as considerações finais.
Trabalho de Conclusão de Curso 3
2 PESSOA EM SITUAÇÃO DE RUA: CONCEITUAÇÃO E CARACTERÍSTICAS
Alvarez (2009) cita Cretella Junior (1992) para se referir à “dignidade da pessoa
humana”, e afirma que o ser humano, o homem, seja de qual origem for, sem discriminação
de raça, sexo, religião, convicção política ou filosófica, tem direito a ser tratado pelos
semelhantes como “pessoa humana”, fundamentando-se no atual Estado de direito, e em
vários atributos, entre os quais se inclui a “dignidade” do homem. Para o autor, deve ser
repelido ou tratado como aviltante e merecedor de combate qualquer tipo de comportamento
que atente contra esse apanágio do homem (ALVAREZ et al, 2009, p. 268).
Com o enfoque na responsabilidade do Estado, na consolidação da cidadania e na
questão da indivisibilidade dos direitos humanos, Piovesan afirma que
Cabe ao Estado Brasileiro a proteção e defesa dos direitos civis e políticos, bem como a implementação e realização dos direitos econômicos, sociais e culturais. Compartilha da noção de que os direitos fundamentais – civis, políticos, econômicos e culturais – são acionáveis e demandam séria e responsável observância. Na questão do processo de especificação do sujeito de direito, afirma a autora que “cabe ao Estado instituir políticas públicas que introduzam um tratamento diferenciado e especial aos grupos sociais que, por exemplo, sofram forte padrão discriminatório. (Piovesan, 2003, p. 243).
Para sustentar a universalidade dos direitos humanos como fundamento de nossas
práticas sociais teremos que concebê-las como um processo que não se fecharia em saberes
prévios, mas que comporia um sujeito como negação de qualquer qualidade prescritiva,
imperativa, já existente (Mendes e Machado, 2004). Ou seja, o sujeito é um ser em constante
construção, de diferentes modos de ser e de pensar sua relação com o mundo.
A reflexão que se propõe aqui é de entender que cada ser humano é único, com suas
especificidades, suas características, e isso tudo deve ser levado em consideração ao se
propor uma política pública e ao executar uma ação, especialmente porque quando se fala em
direitos humanos abre-se um leque de opções e direcionamentos, para ser possível
compreender a complexidade do ser humano.
Ao conceituarmos cidadão como um indivíduo pertencente a um Estado, que deveria
gozar plenamente de todos os direitos, surge uma interrogação: pessoas que estão em uma
Trabalho de Conclusão de Curso 4
situação de vulnerabilidade social, como as pessoas em situação de rua, acessam todos os
direitos oferecidos pelo Estado? E numa reflexão ainda mais ampla, estas pessoas são
detentoras dos Direitos Humanos, conforme seus pressupostos legalmente afirmados?
Conforme as colocações dos autores ja mencionados e a Constituição Federal de 1988
- Carta Magna do Direito do Estado Brasileiro todos os cidadãos são dotados de igualdade de
direitos e deveres, mas na prática nem todos estes pressupostos se efetivam e muitas pessoas
não acessam recursos básicos para a manutenção de sua existência.
E este é o caso das pessoas em situação de rua que vivem a perambular pelas ruas de nosso
país. Alvarez recorre a Vieira para caracterizar essa população:
São pessoas que vivem em situação de extrema instabilidade, na grande maioria de
homens sós, sem lugar fixo de moradia, sem contato permanente com a família e sem
trabalho regular; são demandatários de serviços básicos de higiene e abrigo; em que a falta de
convivência com o grupo familiar e a precariedade de outras referências de apoio efetivo e
social fazem com que esses indivíduos se encontrem, de certa maneira, impedidos de
estabelecer projetos de vida e até de resgatar uma imagem positiva de si mesmos (Vieira e
col., 1994, apud Alvarez et al, 2009, p. 261).
Em 2008 o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS)
contratou o Instituto Meta para realizar um levantamento da população de rua, esta é a
pesquisa mais recente em nível nacional conforme as pesquisas realizadas. A Pesquisa
Nacional de 2008 teve como resultado o número de 31.322 pessoas em situação de rua (acima
de 18 anos) identificadas em 71 cidades brasileiras, sendo 48 municípios com mais de 300
mil habitantes e 23 capitais. As cidades de São Paulo, Belo Horizonte, Recife e Porto Alegre
não fizeram parte da pesquisa por contarem com pesquisas próprias. De acordo com os
levantamentos, São Paulo identificou 10.399 adultos em situação de rua; Belo Horizonte,
1.164; Recife, 1.390, e Porto Alegre, 1.203. Fazendo uma aproximação, pode-se afirmar que,
nas capitais brasileiras e cidades com mais de 300 mil habitantes, existem aproximadamente
44.925 adultos em situação de rua (BRASIL, 2012).
Este número total, se considerado juntamente com as pesquisas de outras cidades,
cujos dados estão disponíveis podemos estimar um número aproximado de 50.000 pessoas
nas capitais de estado (e Distrito Federal) e cidades com mais de 300 mil habitantes do Brasil.
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A população em situação de rua é predominantemente masculina, 82%. Mais da
metade (53,0%) das pessoas em situação de rua adultas entrevistadas – somente foram
entrevistadas pessoas com 18 anos completos ou mais – se encontra em faixas etárias entre 25
e 44 anos. (BRASIL, 2008).
Segundo dados do município de Ponta Porã fornecidos pelo Centro de Referência
Especializada de Assistência Social – CREAS, em 2012 o Serviço de abordagem social e
serviço especializado para pessoas em situação de rua atenderam 06 mulheres adultas em
situação de rua, 04 adolescentes do sexo masculino, 37 adultos do sexo masculino e 01 idoso.
De janeiro a setembro de 2013, os mesmos serviços atenderam 05 adolescentes do sexo
feminino em situação de rua, 08 mulheres, 02 crianças do sexo masculino, 05 adolescentes do
sexo masculino, 23 homens, que são considerados como ‘casos novos’. Segundo o relatório
do CREAS neste período de 2013 totalizou 145 pessoas/famílias em atendimento, dos quais
13 casos obtiveram retorno às suas famílias. Em 2014 o número de pessoas atendidas foi de
73. Em 2015 este número cresceu para 139 pessoas atendidas.
Segundo dados do Meta/MDS em 2008 (BRASIL, 2012) foram apontadas algumas
especificidades da população em situação de rua no Brasil: 69% dormem na rua; 22% dorme
em abrigos ou outras instituições; 8,3% costumam alternar, ora dormindo na rua, ora
dormindo em abrigos; 74% sabem ler e escrever e quase a metade completou o ensino
fundamental; 35,3% declaram como motivo para passarem a viver na rua o alcoolismo ou
drogas, 29,8%, o desemprego, e 29,1% desavenças com familiares; apenas 1/3 afirma ter
problemas de saúde, sendo: 10,1% hipertensão, 6,1% desordem psiquiátrica ou mental e 5,1%
HIV/AIDS; 70,9% exercem alguma atividade remunerada, sendo que desses, 27,5%
trabalham como catadores de materiais recicláveis; 14,1%, flanelinhas; 6,3%, como
trabalhadores da construção civil; 4,2% em área de limpeza e 3,1% como
carregador/estivador; quanto à renda, 52,6% ganham entre R$ 20 e R$ 80 por semana e
15,7% têm como principal fonte de renda a esmola.
Podemos perceber por estes dados a complexidade da situação de quem vive na rua,
suas fragilidades relacionadas a saúde, precariedade do trabalho, baixa escolaridade,
drogadição e outros fatores que, somados a ausência do lar e apoio da família, tornam as
pessoas em situação de rua ainda mais vulneráveis.
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Na literatura que se dedica a pensar sobre essa população, encontramos dentre os
autores Almeida e Canhoto (2004) e Alvarez et al (2009). Na reflexão de Vieira, vítimas do
preconceito e do processo de exclusão de uma sociedade que os rejeita, muitas vezes “o
morador de rua assume de forma extremamente rígida o estigma lançado sobre si, sentindo-se
fracassados, caídos” (Vieira e col., 1994, apud Alvarez et al, 2008, p. 261).
Há que se discutir as condições em que vivem os moradores de rua, refletindo sobre
os conceitos de dignidade, de cidadania, direitos humanos, relacionando com o contexto da
pobreza. Para auxiliar nesta discussão utilizamos as contribuições dos autores: Alvarez
(2008), Silva (2012), Piovesan (2003), Santos (1997) e Mendes e Machado (2004).
Para Almeida e Canhoto (2004), embora o morador de rua seja tão sujeito de direitos e deveres como qualquer outra pessoa, a sociedade teima em não reconhecê-lo como tal. Essa população é o reflexo de uma sociedade excludente e está marcada por um contexto histórico de desigualdades, pauperização e marginalização.
3 POLÍTICAS PÚBLICAS E PESSOA EM SITUAÇÃO DE RUA
Em relação ao que dizem as políticas públicas sobre o tema destaca-se a Política
Nacional de Assistência Social (BRASIL, 2004) através do Sistema Único de Assistência
Social (SUAS) atualizado em 2012 e Política Nacional para a População em Situação de Rua
(BRASIL, 2008). Dentro da organização do SUAS, a Proteção Social Especial3 busca
intervir, de forma qualificada, especializada e continuada na abordagem social e no
atendimento em equipamentos públicos que oportunizem a construção do processo de saída
das ruas. (BRASIL, 2012, p. 12).
Na prática este serviço é realizado pelo Centro de Referência Especializado de
Assistência Social – CREAS, através do Serviço especializado em abordagem social, que
deve identificar, encaminhar e propor alternativas para as pessoas em situação de rua no seu
território de abrangência.
3 Modalidade de atendimento assistencial destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e, ou, psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas sócio-educativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras (BRASIL, 2005).
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A inclusão social da população em situação de rua não é tarefa somente da Assistência
Social. Como cidadãos integrais, as pessoas nessa situação devem ser atendidas pelas
diversas políticas públicas. É o que afirma o Decreto Federal nº 7.053, de 23 de dezembro de
2009, que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua:
Essa Política apresenta ações transversais e diretrizes para políticas
específicas voltadas a essa população. Uma construção coletiva com a participação de
diversos ministérios e setores da sociedade, incluindo movimentos sociais representativos da
população em situação de rua. A Política Nacional é estruturada pelo princípio da igualdade,
expresso na Constituição brasileira, e define a necessidade de ações articuladas entre todas as
áreas do governo, para que sejam implementadas ações efetivas que possibilitem a construção
da autonomia das pessoas em situação de rua. (BRASIL, 2012).
Entre as definições da Política Nacional está a inclusão das pessoas em situação de rua
no Cadastro Único para Programas Sociais do governo federal, para viabilizar a
implementação de políticas sociais voltadas ao atendimento dessa população bem como
outras ações necessárias para garantir os seus direitos. Mas se percebe que se trata mais de
um planejamento estatal do que de ações práticas para o atendimento a este público.
Na política de saúde também está previsto atendimento a estas pessoas, através da
Política Nacional de Atenção Básica (Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011) que
instituiu o Consultório na Rua, visa ampliar o acesso da população de rua aos serviços de
saúde, ofertando, de maneira mais oportuna, atenção integral à saúde para esse grupo
populacional, o qual se encontra em condições de vulnerabilidade e com os vínculos
familiares interrompidos ou fragilizados.
De acordo com a Portaria nº 122, de 25 de janeiro de 2011que define as diretrizes de
organização e funcionamento das Equipes de Consultório na Rua - eCR, conceitua que:
As eCR são multiprofissionais e lidam com os diferentes problemas e necessidades de
saúde da população em situação de rua.§ 1º As atividades das eCR incluirão a busca ativa e o
cuidado aos usuários de álcool, crack e outras drogas.§ 2º As eCR desempenharão suas
atividades in loco, de forma itinerante, desenvolvendo ações compartilhadas e integradas às
Unidades Básicas de Saúde (UBS) e, quando necessário, também com as equipes dos Centros
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de Atenção Psicossocial (CAPS), dos serviços de Urgência e Emergência e de outros pontos
de atenção, de acordo com a necessidade do usuário. (BRASIL, 2011).
Esta equipe visa principalmente ofertar alternativas para pessoas que usam substâncias
psicoativas, através de ações de redução de danos, mas além disso oferecer apoio, cuidado,
atenção e propor inclusão nas políticas públicas locais para mudar a situação de
vulnerabilidade a qual a pessoa em situação de rua está exposta.
4 A POPULAÇÃO DE RUA DE PONTA PORÃ-MS
A pesquisa de campo com a população de rua foi realizada, através de observações e
entrevista semiestruturada, sendo utilizado um questionário elaborado pela pesquisadora
contendo questões direcionadas. As respostas foram registradas no questionário e em um
aparelho gravador.
A pesquisa foi direcionada às pessoas adultas do sexo masculino em situação de rua
no município, que frequentam ou frequentaram algum abrigo no território de Ponta Porã,
totalizando 15 homens entrevistados, com o objetivo de compreender a realidade vivenciada
pelos sujeitos, suas características, motivos que o levaram a viver na rua, expectativas,
atendimentos das políticas públicas e sua relação com os dados da Pesquisa Nacional.
4.1 CARACTERIZAÇÃO DA POPULAÇÃO DE RUA DE PONTA PORÃ-MS
Importou-nos inicialmente levantar dados sobre as características dos usuários
entrevistados, incluindo idade, cor, orientação sexual, escolaridade, acesso a documentação
civil, tempo de permanência nas ruas.
O gráfico 1 aponta a faixa etária dos entrevistados, sua maioria tem entre 26 a 40
anos. Percebemos que em Ponta Porã acontece fenômeno semelhante ao apontado pela
Pesquisa Nacional, pois a idade predominante das pessoas em situação de rua adultas
entrevistadas se encontra em faixas etárias entre 25 e 44 anos. (BRASIL, 2008).
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GRÁFICO 1 – IDADE
O Gráfico 2 aponta a cor, sendo predominantemente a cor parda. Neste item o dado se
diferencia da Pesquisa Nacional que aponta que a maioria das pessoas declararam ser de cor
branca (59,1%), já os pardos somaram 22,7% e se declararam pretos 17%.
GRÁFICO 2 – COR
O próximo gráfico aponta a escolarização do público entrevistado. Podemos perceber
que a maioria estudou até o quinto ano do ensino fundamental, porém há registro de
escolaridade mais alta. Esse dado corrobora com os dados da Pesquisa Nacional que traz que
63,1% não concluíram o Ensino Fundamental.
Idade
18a21anos
22a25anos
26a30anos
30a40anos
41a50anos
Cor
Branco
Pardo
Negro
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GRÁFICO 3 – ESCOLARIDADE
Embora a pesquisa tenha mostrado que o nível de escolarização varia de 5 a 12 anos
percebemos que não há presença de graduados em ensino superior, uma vez que para este
nível de estudo exige certa estabilidade financeira e acesso a tecnologias necessárias para
desenvolver as atividades dos cursos, o que é dificultoso para quem não tem onde morar.
Um dos problemas identificados nas entrevistas é a falta de documentação civil,
conforme podemos observar no gráfico abaixo. A falta de documentação civil é um problema
que afeta grande parte da população mais vulnerável, e este problema dificulta o acesso a
praticamente todos os direitos sociais, como benefícios socioassistenciais, a inserção no
Cadastro Único para Programas Sociais, que é um direito e uma meta prevista na Política
Nacional para a População em Situação de Rua como apontado no item 3 deste artigo. Além
disso a falta de documentação impede o acesso ao mercado de trabalho formal, dificultando
ainda mais a promoção de autonomia destas pessoas.
EscolaridadeAté5ºanoEnsinoFundamental
Até9ºano
EnsinoMédioIncompleto
EnsinoMédioCompleto
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GRÁFICO 4 – DOCUMENTAÇÃO
Outro dado importante neste gráfico é que uma parcela tem seus documentos
empenhorados, geralmente em pequenos mercados, bares e até em “bocas de fumo”. Isso
acontece porque os sujeitos vão aos estabelecimentos comprar alimentos, bebidas ou drogas
e, por não possuir dinheiro para custear as despesas, o proprietário fica com os documentos
retidos, como forma de assegurar que a pessoa voltará para pagar a dívida e retirar seu
documento. Embora saibamos que isto não é permitido legalmente, grande parte dos
entrevistados relatam que já tiveram seus documentos empenhorados dessa forma.
Relacionando com os dados nacionais também percebemos a ausência de
documentação completa: os que possuíam Identidade somavam 64,9%; CPF 43,1%; carteira
de trabalho 34,9%; título de eleitor 39,9%; certidão de nascimento 46,9%.
Quando questionados sobre sua orientação sexual 100% dos entrevistados afirmam
que são heterossexuais.
Em relação ao estado civil podemos perceber no gráfico abaixo que a grande maioria
dos entrevistados são solteiros. Este dado pode se justificar pela fragilidade em manter os
vínculos familiares, característica da população de rua; e pela grande mobilidade deste
público, pois vivem mudando de cidade em busca de alternativas de vida diante de sua
instabilidade econômica, fragilidade emocional e ausência de endereço físico.
Documentação
Extravio
PossuiTodos
ApenasB.O.
CarteiradeTrabalho
Empenhorado
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GRÁFICO 5 – ESTADO CIVIL
Referente a renda e ocupação profissional todos os entrevistados afirmaram que não
possuem renda no momento, vivendo exclusivamente do amparo dado pela instituição de
acolhimento, estão desempregados e dentre as principais atividades laborais já
desempenhadas relatadas por eles estão: auxiliar de pedreiro, lavrador; motorista, curso
técnico em hotelaria, informática, auxiliar de construção civil; técnico em agropecuária;
serviços gerais; serviços de padaria; coleta de material reciclado; tatuador e pintor.
Estes dados nos mostram que a pessoa em situação de rua tem aptidões e habilidades
diversas para o exercício de uma profissão, o que desmistifica a ideia de que são sujeitos
“vagabundos”, acreditada pela maioria da sociedade.
4.2 A VIDA NAS RUAS
Podemos perceber no gráfico 6 que o tempo de permanência nas ruas varia de 15 dias
a 17 anos. Nos períodos maiores os entrevistados relatam que houve momento em que foi
intercalado, passando por alguns dias acomodado na casa de alguém ou instituição, mas que
não ultrapassava três dias, voltando para as ruas.
EstadoCivil
Solteiros Divorciados UniãoEstável
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GRÁFICO 6 – TEMPO DE PERMANÊNCIA NA RUA
Questionados sobre o que faziam para sobreviver e se alimentar enquanto viviam nas
ruas os relatos apontaram que mendicância e coleta e venda de itens para reciclagem foram os
recursos mais usados. Estes dados também assemelham-se com os dados nacionais, que
identificaram que o principal meio para sobreviver era trabalhos como flanelinha (19,5%),
catador de material reciclável (19,1%) e pedir dinheiro como principal meio para a
sobrevivência 16,2% das pessoas.
Quando questionados sobre os locais que frequentavam para se abrigar os principais
pontos relatados foram: locais próximos a hotéis, construções abandonadas, postos de
gasolina, terreno baldio, praças onde ficam diversas pessoas em situação de rua e rodoviária
municipal.
Consideramos importante citar a conceituação de Ana Paula Motta Costa apud Vieira,
Bezerra e Rosa (1994, p. 93-95) que identifica três situações em relação à permanência na
rua:
As pessoas que ficam na rua: reflete a precariedade da vida, pelo desemprego ou por
se deslocarem de sua região para outra cidade em busca de emprego, de tratamento de saúde
ou situações respectivas. Nesses casos, costumam passar a noite em rodoviárias, albergues,
ou locais públicos que possuem movimento, afim de não correr “perigo”. As pessoas que
estão na rua: são aqueles indivíduos que não se sentem ameaçados nas ruas, em razão disso,
passam a estabelecer relações com as pessoas que vivem na ou da rua, criando estratégia de
TempodePermanêncianaRuaAté15dias
Até30dias
Até8meses
Até1ano
Até8anos
Até10anos
Até17anos
Trabalho de Conclusão de Curso 14
sobrevivência. São os “flanelinhas” conhecidos como guardadores de carro, catadores de
papéis ou latinhas. As pessoas que são da rua: esses indivíduos se encontram instalados nas
ruas a um período de tempo considerável e, em função disso, foram sofrendo um processo de
debilitação física e mental, especialmente pelo uso do álcool, das drogas e violência.
Para Silva et al, (2015, p. 9) viver nas ruas pode estar em algum momento associado à ideia de isolamento social. Os sujeitos fazem isso para fugir de problemas e/ ou vínculos rompidos por diversos motivos, para deslocarem-se em busca de trabalho, por perdas trágicas devido a mortes ou abandono, rupturas por conflitos e brigas. O acúmulo de perdas, fracassos, impossibilidades, frustrações, violência pode levar muitas pessoas a sentirem-se impotentes perante a vida e dificuldade de criar vínculos.
GRÁFICO 7 - MOTIVOS
Percebemos que a grande maioria destaca como fator principal para começar a viver
nas ruas o uso e abuso de álcool e outras drogas. Dentre as principais drogas consumidas
estão: cigarro, álcool, cola de sapateiro, crack e maconha; 20% afirmou que atualmente
consome apenas álcool e outros 20% afirma que não faz mais uso de nenhuma substância
psicoativa há um bom tempo.
Estas informações assemelham-se a Pesquisa Nacional que aponta entre os motivos
principais estão: alcoolismo e/ou drogas (16,7%); problemas com familiares (8,9%) e
desemprego (5,6%); porém 49,9% não respondeu a esta questão.
A questão do uso abusivo de substâncias psicoativas é um dos graves problemas na
atualidade e tem reflexos importantes na saúde pública. Segundo levantamentos da
Organização Mundial da Saúde (OMS, 2001) cerca de 10% das populações urbanas fazem
MotivoPrincipal
ConflitoFamiliar
AbusodeDrogas
Violência
Trabalho de Conclusão de Curso 15
uso abusivo de substâncias psicoativas, em variação de gênero, classe e etnia. (MENDES e
HORR, 2014, p. 90).
Na região de fronteira essa situação se agrava, e este é o caso de Ponta Porã, um
município do sudoeste do estado de Mato Grosso do Sul, que constitui uma área conurbada
internacional com a cidade de Pedro Juan Caballero, capital do departamento de Amambay,
no Paraguai. Nessas regiões, o acesso às drogas ilícitas é facilitado pelo transito ilegal e
constante de drogas.
Dentre as inúmeras facetas da fronteira, pode-se dizer que a facilidade relacionada ao
consumo e tráfico de drogas provoca, de certa forma a aglomeração de pessoas em situação
de rua, que vem de diversas partes da América Latina e passam a “perambular” pelas ruas em
Ponta Porã e Pedro Juan Caballero.
A dependência de álcool e outras drogas levam à fragilidade nos laços familiares e sociais e a dificuldade em manter atividades laborais. A consequência é uma população que lida com condições precárias de vida e acaba recorrendo às ruas como única opção de sobrevivência e de moradia. Devido ao alto grau de vulnerabilidade psicossocial as quais estes sujeitos estão submetidos, encontramos na rotina dos serviços de saúde demandas de cuidados físicos e psicológicos recorrentes devido à abstinência pelo uso de álcool e/ ou outras drogas. (MENDES e HORR, 2014, p. 91).
A questão do acesso aos serviços públicos é um desafio na atenção desse público, já
que muitas vezes a população em situação de rua não acessa ou acessam precariamente.
Segundo o Ministério da Saúde, o baixo índice adesão aos serviços da rede pública,
principalmente pela população usuária de álcool e outras drogas em situação de extrema
vulnerabilidade e riscos, justifica a implantação de intervenções mais efetivas e integradas in
loco (Brasil, 2010).
Outros fatores apontados no gráfico ressaltam os conflitos familiares e violência como
fatores motivantes. Conforme Santos apud Escorel (1999, p. 103) o afastamento da família,
elemento fundamental de apoio material, de solidariedades e de referência no cotidiano,
permite uma primeira e basilar configuração da população de rua: é um grupo social que
apresenta vulnerabilidade nos vínculos familiares e comunitários.
Em relação a violência, ela está presente também no cotidiano das pessoas em
situação de rua, como aponta alguns relatos:
Trabalho de Conclusão de Curso 16
Sim, eu procurava situações que envolvesse brigas, porque assim eu chegaria a morte logo. (Entrevistado 09).
Sim, já sofri violência, lembro de uma vez que pedi para cuidar o carro na rua e o dono do veiculo me empurrou no chão, eu estava meio bêbado. (Entrevistado 11).
Sim, por causa das drogas, certo dia comprei uma quantidade de drogas e outros usuários de rua me ameaçaram com faca para tomar a droga. (Entrevistado 13).
Há também relatos de violência intrafamiliar, que de alguma forma está relacionada
ao fato das pessoas saírem de casa e passar a viver nas ruas:
Eu sofria violência da parte do tio, onde residia. (Entrevistado 3).
Por uma deficiência no braço, pois um é mais fino que o outro; já sofri violência também por causa do uso de drogas (...) meus tios já me agrediram porque sumiam objetos da casa da avó e eu era acusado. (Entrevistado 12).
Quando questionados se possuem contato com os familiares, alguns relatam que
mantêm contato com a mãe, mas a grande maioria perdeu o contato com familiares há vários
meses:
Meu pai é falecido, fui criado por tia, atualmente residia com outra tia, mas devido a brigas e conflitos com o tio, porque ele era alcoólatra e violento, resolvi sair de casa. (Entrevistado 3).
Tenho contato com minha mãe. Tive um conflito com meu padastro e tios, teve agressão verbal e física. (Entrevistado 9).
Tive último contato há um mês com minha mãe, por estar internado em Itaporanga, não tenho contato atualmente, meus familiares são de zona leste de São Paulo, tenho uma filha, mora no Rio com a mãe. (Entrevistado 11).
É visível que a falta de apoio da família é um fator importante para a permanência
destas pessoas em situação de rua.
4.3 ACESSO AS POLÍTICAS PÚBLICAS
Quando questionados se eles já foram abordados por equipes da prefeitura, a grande
maioria relata que nunca foram abordados, mas que buscavam os serviços existentes, como
mostra o Gráfico 8:
Trabalho de Conclusão de Curso 17
GRÁFICO 8 – ATENDIMENTO
A maioria procura o Centro de Referência Especializada da Assistência Social –
CREAS que fornece o Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua, caracterizado
pela Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais como um serviço que tem a
finalidade de assegurar atendimento e atividades direcionadas para o desenvolvimento de
sociabilidades, trabalho técnico para a análise das demandas dos usuários, orientação
individual e grupal e encaminhamentos a outros serviços socioassistenciais e das demais
políticas públicas que possam contribuir na construção da autonomia, da inserção social e da
proteção às situações de violência. Deve promover o acesso a espaços de guarda de pertences,
de higiene pessoal, de alimentação e provisão de documentação civil. (Tipificação Nacional
dos Serviços Socioassistenciais - BRASIL, 2013, p. 36)
Dentre os objetivos deste Serviço destacam-se oferecer condições de acolhida na rede
socioassistencial; favorecer a construção de novos projetos de vida, respeitando as escolhas
dos usuários e as especificidades do atendimento; contribuir para restaurar e preservar a
integridade e a autonomia da população em situação de rua, além de promover ações para a
reinserção familiar e/ou comunitária.
Na área da saúde, os principais serviços que prestam o atendimento às pessoas em
situação de rua são os Centros de Atenção Psicossocial – CAPS ad (álcool e drogas) e o
Consultório de Rua, mencionados no item 3 deste Artigo.
Atendimentodosórgãospúblicoslocais
ProcuraramoCREAS
AtendidospeloCAPS
AtendidospeloConsultóriodeRua
Trabalho de Conclusão de Curso 18
A condição de debilidade física e mental da população que vive nas ruas, em especial
daqueles que estão há mais tempo nessa condição, é bastante grave. Várias são as doenças
que atingem de modo especial e com maior frequência esse público, (COSTA, 2005).
Quando questionados sobre sua saúde, 50% dos entrevistados relatam que não
possuem nenhum problema de saúde. Os outros 50% relataram possuir: incontinência
urinária; machucados no corpo e cabeça; pneumonia e sintomas de abstinência. Há casos em
que, mesmo sem o usuário relatar, é visível a presença de transtorno de conduta, conforme
informações da Psicóloga da instituição. É possível perceber que os entrevistados não fazem
a associação do uso e abuso de drogas com problema de saúde, sendo que a dependência
química é considerada uma doença conforme a legislação de saúde.
De acordo com Costa (2005), pode-se dizer que o maior problema na área da saúde
que atinge essa população está no campo das doenças mentais. Compõem esse quadro
doenças como a dependência de substâncias psicoativas e as neuroses e psicoses, de tal modo
que a grande maioria de pessoas que vive nas ruas tem algum tipo de sofrimento psíquico.
Ainda de acordo com a autora, os doentes mentais que perambulam pelas ruas são
público-alvo da Política de Saúde Mental. Essa área vem sofrendo nos últimos anos um
processo de reordenamento, adequando-se às alternativas antimanicomiais e de inserção
social e comunitária. Tal política, correta em sua concepção, por estar em processo de
implantação, não conta com todas as estruturas alternativas, capazes de acolher o grande
número das pessoas que necessitariam de acesso. (COSTA, 2005).
Deve-se investir o dinheiro público em políticas públicas que envolvam habitação,
saúde, educação, trabalho, para que esta população possa deixar as ruas e viver como
indivíduos dignos de respeito. Essa situação de rua é característica do processo de exclusão
social que tem como definição o acesso limitado aos direitos sociais e civis, tem origens
econômicas, já mencionadas, mas caracteriza-se, também, pela falta de perspectivas,
dificuldade de acesso à informação e perda de autoestima. (Silva et al, 2015, p. 9).
4.4 EXPECTATIVAS PARA O FUTURO
Trabalho de Conclusão de Curso 19
A pessoa em situação de rua, ao vivenciar tantas violações de direitos e estar em
extrema vulnerabilidade social muitas vezes perde as expectativas para seu futuro, e passa a
não pensar mais em novos projetos de vida.
Entendemos que o trabalho da equipe psicossocial da instituição de acolhimento na
qual foram realizadas as entrevistas é de fundamental importância para resgatar a autoestima
e a construção de novos projetos de vida para as pessoas que acabaram de sair das ruas e
passam por um processo de reflexão, reconstrução de objetivos e metas para adquirir sua
autonomia.
Dentre os principais relatos quando questionados sobre sua expectativa para o futuro
estão:
Quero construir uma família, ter um emprego, voltar a igreja, voltar a estudar. (Entrevistado 1).
Quero conseguir passagem para Dourados onde mora minha irmã. (Entrevistado 3).
Quero conseguir um emprego. (Entrevistado 4).
O desejo por conseguir um emprego fixo foi recorrente em diversos relatos assim
como o desejo por mudar de vida com novos projetos:
Quando eu estava na rua só tinha expectativa para a morte. Daí fui acolhido no centro de recuperação, fiquei um ano internado, depois fiquei cinco meses trabalhando como voluntário, não tive recaída e voltei a estudar. O atendimento psicológico, a Igreja e o Centro de recuperação foram fundamentais para minha recuperação e mudança de vida. Hoje eu sou funcionário da instituição, tenho minha família, dois filhos, tenho minha religião. (Entrevistado 8).
Quero deixar de consumir drogas. (Entrevistado 5).
Há os casos em que o usuário não visualiza boas previsões para o seu futuro,
principalmente devido a dependência química:
Não tenho expectativas para meu futuro, pois já passei por inúmeros atendimentos, clinicas, CAPS, tratamentos, internações e não consegui sair das drogas. (Entrevistado 6).
Pretendo me libertar do crack, de outras drogas e trabalhar, pretendo ajudar a mãe (que é surda) financeiramente” (Entrevistado 10).
Trabalho de Conclusão de Curso 20
Snow e Anderson (1998, p. 77 apud Costa, 2005) afirmam que o mundo social dos moradores de rua constitui-se em uma subcultura, ainda que limitada ou incompleta. Trata-se de um mundo social que não é criado ou escolhido pelas pessoas que vivem nas ruas, pelo menos inicialmente, mas para o qual foram empurradas por circunstâncias alheias ao seu controle. Partilham, contudo, do mesmo destino, o de sobreviver nas ruas e becos das grandes cidades.
Para Costa (2005, p.10) o desafio está em elaborar alternativas que possam adequar-se
à realidade de quem vive nas ruas, especialmente que levem em conta o estágio em que as
pessoas se encontram. Nessa direção, alguns projetos que têm alcançado êxito são concebidos
como retomada gradual da atividade produtiva, combinando atividade laboral, repasse de
renda, acompanhamento social e oferta de espaços educativos. Nesse campo, além das
dificuldades das atividades em si, são encontrados sérios entraves na legislação vigente no
país.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Realizar a pesquisa de campo, entrevistando as pessoas em situação de rua foi uma
experiência de grande aprendizado e percepção positiva sobre o olhar do outro, sobre as
vivências do outro, até então desconhecidas pela pesquisadora.
É possível afirmar que a nível nacional há um perfil da pessoa em situação de rua,
pois os dados obtidos na pesquisa local assemelham-se muito a pesquisa nacional realizada
pelo Meta em 2008. A faixa etária predominante é de 25 a 44 anos; o nível de escolaridade é
o ensino fundamental incompleto; documentação incompleta ou extraviada; ausência de
ocupação no mercado de trabalho formal e renda instável; não há uma predominância quanto
ao tempo de permanência na rua; como principais motivos para a vida na rua se destacam o
alcoolismo ou drogas, desemprego e desavenças com familiares envolvendo violência.
Em relação ao acesso às políticas públicas é perceptível que a maioria das pessoas só
são atendidas quando procuram os serviços públicos, uma pequena parcela é abordada pelas
equipes de saúde dos Centros de Atenção Psicossocial – CAPS ou Consultório de Rua que
realizam a aproximação e oferecem os serviços. Isso mostra uma ausência ou fragilidade de
atuação dos Centros de Referência Especializada de Assistência Social – CREAS que tem
dentro de sua política de atuação os serviços destinados a população de rua, população essa
Trabalho de Conclusão de Curso 21
que deveria ser acolhida através de busca ativa do serviço de abordagem social, para garantir
os direitos violados desta população, e não apenas atender quando procurado pela própria
pessoa. Demonstra ainda a necessidade de um trabalho articulado entre as políticas de saúde e
assistência social para a garantia integral dos direitos sociais deste público.
Embora tenhamos a percepção, num primeiro momento, de que estas pessoas não têm
expectativas para o futuro, ao entrevistá-las foi possível perceber que elas possuem sim,
mesmo com seus medos e vivências sofridas ao longo de sua vida nas ruas. A pretensão de
conseguir um emprego, construir uma família, retornar a sua cidade de origem são alguns
desejos e projetos de vida dos entrevistados.
Como estratégias de trabalho com as pessoas em situação de rua para a construção de
novos projetos de vida se faz importante a sensibilização e aproximação das equipes
multiprofissionais das políticas públicas de atendimento voltadas a estas pessoas, de forma a
identificar suas potencialidades, buscar o resgate dos vínculos familiares fragilizados ou
rompidos ao longo do tempo, realizar um trabalho voltado para a defesa dos direitos
humanos, sem manifestação de preconceito em relação a situação vivenciada por estes
sujeitos.
Um desafio posto trata-se da intersetorialidade entre as políticas sociais, para que seja
garantido um atendimento integral da pessoa. Além do cuidado com a saúde mental,
assistência social, em articulação com as políticas de habitação, de emprego e renda ainda
deve-se promover politicas preventivas que atuem no sentido de despertar a sociedade para o
não preconceito e não violência para com as pessoas em situação de rua, ou seja, uma política
de direitos humanos, com prevenção, promoção de direitos e ressocialização. Mas,
reconhecemos que esta não é uma tarefa fácil, é necessário reflexão e planejamento
estratégico para efetivar ações neste sentido.
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