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  • EM BUSCA DA

    LIBERDADE CRIST

    Raymond Franz

    Ex-membro do Corpo Governante das Testemunhas de Jeov

  • Abreviaes das tradues da Bblia citadas neste livro:

    ARA Almeida Revista e Atualizada BJ A Bblia de Jerusalm BLH A Bblia na Linguagem de Hoje CBC Centro Bblico Catlico NEB New English Bible NVI Nova Verso Internacional TEB A Bblia Traduo Ecumnica

    Quando nenhuma outra traduo for indicada, a verso da Traduo do Novo Mundo publicada pela Associao Torre de Vigia de Bblias e Tratados. Em diversos casos, a bem da autenticidade, so apresentadas citaes de publicaes por meio de fotocpias (scans). Uma vez que algumas destas publicaes tm mais de um sculo, a qualidade do texto pode no ser sempre do mais alto padro. IN SEARCH OF CHRISTIAN FREEDOM Raymond Franz Commentary Press Atlanta Gergia EUA PRIMEIRA EDIO EM PORTUGUS 2008 Traduo: William do Vale Gadelha Reviso / Atualizao: Carlos M. Silva e Miguel Servet Jr.

  • Contedo

    Prefcio 1 1 A Busca Pela Liberdade Crist 9 2 O Canal de Deus 18 3 Autoridade Centralizada 43 4 O Padro Recorrente 78 5 O Escravo Fiel e Discreto 145 6 Salvao Pela F, No Pelas Obras 209 7 De Casa em Casa 241 8 O Legalismo Oponente da Liberdade Crist 278 9 O Sangue e a Vida, a Lei e o Amor 338

    10 Pastores do Rebanho 370 11 A Desassociao Mal Aplicada 414 12 Doutrinao e Subordinao 467 13 Argumentao e Manipulao 518 14 Um Povo Para o Seu Nome 587 15 A Grandeza das Boas Novas 630 16 Uma Promessa Atraente, No Cumprida 667 17 O Desafio da Liberdade Crist 740 18 Uma Congregao de Pessoas Livres 789

    Posfcio 836 Apndices 860

  • 1

    Prefcio

    RIOS ANOS se passaram desde minha renncia ao Corpo Governante das Testemunhas de Jeov, rgo que,

    internacionalmente, dirige e controla a adorao e, de modo significativo, as idias, a expresso e as prprias vidas de milhes de membros desse movimento religioso. Os eventos que levaram minha renncia e os acontecimentos subseqentes que resultaram em minha excomunho do movimento j foram detalhados numa obra anterior, Crise de Conscincia. Sua primeira edio encerrava-se com estas palavras:

    Sou grato por ter conseguido tornar disponvel a informao que creio que outras pessoas tm o direito de conhecer. H muito mais que poderia ser dito, talvez que precise ser dito, para que se tenha um quadro completo. Mas o tempo, a vida e as circunstncias permitam ou no, estou contente em deixar que os resultados do que agora foi dito descansem nas mos de Deus.

    Eu tinha ento 61 anos de idade. Nos anos que se passaram tenho recebido milhares de cartas e telefonemas de todas as partes da Terra. Muitos que me contataram eram ex-Testemunhas, quase tantos quanto os ainda associados com a organizao, representando praticamente todos os nveis da sua estrutura. Os contatos vieram de pessoas que tinham ocupado ou, em alguns casos ainda ocupavam, posies como pioneiro, pioneiro especial, missionrio, servo ministerial, ancio, superintendente de cidade, superintendente de circuito, superintendente de distrito e coordenador de filial. Centenas dos que escreveram ou telefonaram tinham sido, outrora, membros da equipe da sede mundial em Brooklyn, ou das equipes dos escritrios de filial em outros pases, ou tinham servido como missionrios no estrangeiro. A seguir, farei citaes de algumas cartas recebidas. O objetivo no a autopromoo, mas mostrar o interesse transmitido, o tipo de atitude dos que escreveram, as qualidades ntimas que as prprias pessoas revelaram.

    No conjunto, suas declaraes tornaram evidente que as informaes providas em Crise de Conscincia tinham atendido a uma

    V

  • EM BUSCA DA LIBERDADE CRIST 2

    necessidade especfica. Os debates do Corpo Governante, seus processos doutrinais e de tomada de decises, e o mtodo de elaborao das matrias escritas, das quais se abastecem todos os adeptos, so todos encobertos por um manto de sigilo. Muitas Testemunhas, incluindo ancios e outros em posies de responsabilidade, sentem sria preocupao, mas tm dificuldade em encaixar todas as peas. Crise de Conscincia forneceu fatos que anteriormente lhes eram inacessveis. Estes, evidentemente, serviram de catalisador, juntando os elementos dos problemas que j haviam discernido dentro da organizao e ajudando-os a entender a causa desses problemas. A informao resultou em libert-los duma falsa sensao de culpa, criada pelo conceito de que seu servio a Deus deve ser prestado atravs duma organizao, isto , da organizao Torre de Vigia. A informao serviu para dissipar a sensao de estar apartado de Deus, unicamente pelo fato de se ter sido expulso ou se separado da organizao.

    Ilustra isso a carta de um homem da Austrlia que, juntamente com a esposa, tinha passado 40 anos bem ativos na organizao Torre de Vigia, e, em virtude de no poder aceitar certos dogmas e diretrizes da organizao, foi declarado dissociado em 1984. Ele escreveu:

    Membros de minha famlia pediram-me que escrevesse, para expressar sua profunda gratido pela tremenda ajuda que Crise de Conscincia nos deu, ao esclarecer e ampliar nosso entendimento de assuntos que, por muitos anos, nos haviam causado preocupao e angstia. Por terem pontos de vista que eram tolerantes com nossa posio [de no nos associarmos mais com a organizao], meu filho e sua esposa foram desassociados do movimento em 1986...

    Este livro deu grande contribuio em nos manter juntos como famlia durante a maior crise de nossas vidas, que comeou com nosso afastamento do movimento, e ajudou-nos a ficar de p em sentido espiritual e a fazer decises morais baseadas na nossa prpria integridade, em vez de nas normas do movimento.

    Uma jovem que passara muitos anos como pioneira de tempo integral e depois membro do pessoal da sede mundial da Torre de Vigia, revela a dificuldade que pode trazer a transio da condio de zeloso membro da organizao para a de viver na verdadeira relao pessoal que Deus pode prover. Escrevendo da Pensilvnia, ela diz:

  • Prefcio 3

    Seu relato do acontecido em nvel organizacional, bem como pessoal, serviu-me para abrir os olhos e o corao, mas tambm confirmou muito do que eu vinha sentindo ao longo dos anos...

    Antes de ler seu livro eu no tinha conscincia da enorme influncia que a organizao exercia em minha prpria vida, mesmo durante o perodo que se seguiu minha desassociao. Antes eu me sentia to perdida, to indigna de ainda vir a ter uma relao pessoal com Jeov e Cristo Jesus, pelo fato de eu no ter mais a organizao. Agora, pela primeira vez, depois de muito, muito tempo, sinto-me livre para adorar a Jeov mediante Jesus, parte da organizao. Posso agora me aproximar de Jeov em orao e ser Sua serva. As lgrimas correram dos meus olhos e a dor do meu corao finalmente passou.

    Seus pargrafos seguintes contm observaes complementares sobre o modo como o livro foi escrito. Como j declarei, incluo isso pelo nico motivo de que ilustra algo que ocorre no caso de muitos que escrevem: Eles no so a favor de literatura vingativa contra as Testemunhas de Jeov e, em vez de animosidade, conservam afeio por aqueles ainda na organizao. A carta dela prossegue:

    Impressionou-me muito o modo como escreveu seu livro. O amor que voc tinha e ainda tem pelos irmos transparece. Suas declaraes no foram amargas ou vingativas, mas simplesmente apresentaram os fatos to bondosa e amorosamente quanto possvel. Durante minha associao com a organizao conheci algumas pessoas realmente maravilhosas, extraordinrias, e muitas de minhas experincias foram memorveis e felizes. Muito do que aprendi por meio da organizao tem base na Bblia e ainda est gravado na mente e no corao. Por estas coisas sinto grande apreo. Todavia, tenho visto e sentido, em minha prpria vida e nas de outros, os efeitos do que acontece quando as leis da organizao ditam ordens conscincia das pessoas, desta forma se sobrepondo Bblia. Este conceito foi devastador nas vidas de homens, mulheres e crianas.

    Uma carta de outra mulher, escrevendo da regio meio-oeste dos Estados Unidos, ilustra um pouco da devastao experimentada:

    Deixei a organizao em 1980, todavia, a nica coisa que fiz foi deixar de ir s reunies. No d para entender, mas no podia ficar s nisso. Minha me escreveu-me uma carta em 81 dizendo que no podia mais se associar ou relacionar-se comigo j que eu no assistia as reunies. Meus irmos, naturalmente, fizeram o mesmo.

  • EM BUSCA DA LIBERDADE CRIST 4

    Nossa filha foi assassinada em janeiro de 1983. Mame no veio ao funeral nem enviou condolncias. Estou criando os quatro filhos de minha filha, e descobri do modo mais difcil quem so os meus verdadeiros amigos. Pessoas a quem eu nem sequer conhecia mostraram solidariedade e me ajudaram com as crianas. Deram de seu dinheiro, de seu tempo, e de qualquer coisa que puderam para ajudar. Senti-me to envergonhada de pensar que eu tinha, durante tantos anos, virado s costas aos vizinhos e parentes [no-Testemunhas] que estavam to dispostos a nos ajudar. Eles nunca deixaram de me amar. Nem posso contar as vezes que chorei por causa dos muitos anos que perdi, evitando-os por serem mundanos.

    Fui batizada em 1946, e por volta de 1971 comecei a perceber coisas que no pareciam muito crists. Eu pesquisava as Escrituras e no conseguia achar base alguma para as coisas que aconteciam na congregao... Por volta dessa poca, li um livro de Milton Kovitz, Liberdades Fundamentais de Um Povo Livre. Comecei a imaginar como a Sociedade [Torre de Vigia] podia lutar tanto pelas liberdades garantidas na constituio e negar essas mesmas liberdades a outros, liberdades preservadas pela mesma constituio, como o direito livre expresso, o direito privacidade, etc. No se permitia a conscincia individual. Com exceo de um ou dois, os homens da congregao estavam mais interessados em obter posies de autoridade do que em orar por elas e obter verdadeiro discernimento. Os comentrios nas reunies s faziam repetir como papagaio a pgina impressa da Sentinela. Nenhum interesse por aqueles com fraquezas, apenas uma compulso insupervel em Manter a organizao limpa....

    J esqueci tantas coisas, nomes e datas, que no posso escrever com a mesma autoridade que voc. No lamento isso. Estou feliz de que se esteja desvanecendo.

    Mais uma coisa, tenho achado quase impossvel orar. Eu queria poder, mas no sei como desenvolver uma relao pessoal com Deus e Cristo. Meus velhos sentimentos de mgoa com a organizao vm tona quando tento orar. Aps ler seu livro, mergulhei num sentimento de tanta pena dos que podem estar tentando criar a coragem de que precisam, que pedi a Deus que os ajudasse. A primeira orao de verdade depois de muito tempo. Obrigada.

    Outros mais que escreveram no tinham tido associao de espcie alguma com as Testemunhas de Jeov, mas estavam passando por um

  • Prefcio 5

    conflito de conscincia similar em relao prpria religio. Tpica de vrias cartas esta de um casal da Califrnia:

    Minha esposa e eu obtivemos recentemente um exemplar do seu Crise de Conscincia. Ficamos muito empolgados de descobri-lo. Obrigado por ter escrito com graa e dignidade numa rea que , muitas vezes, caracterizada pelo sensacionalismo e pela amargura. Sua experincia foi especialmente pungente para ns deixamos recentemente a igreja de nossa herana familiar, a igreja Mrmon, a fim de adorar o Pai em esprito e verdade, desimpedidos dos mandamentos e ensinos humanos. Encontramos na sua histria muito que nos era familiar...

    Novamente, somos gratos por seu corajoso testemunho da benevolncia de Deus em sua vida. Que Ele o conserve no abrigo de suas asas que curam.

    No acho que o que escrevi represente um ato especial de coragem. Escrevi por achar que as pessoas tinham direito de saber coisas s quais de outro modo no teriam acesso. O que d maior satisfao em todas essas centenas de contatos so as declaraes de pessoas que dizem ter se achegado mais ao Pai celestial e a seu Filho, renovando e fortalecendo sua f e confiana. Considero, porm, particularmente gratificantes os comentrios de muitos que perceberam a ausncia de amargura e inteno maldosa no que escrevi. No guardo tais sentimentos para com as Testemunhas de Jeov, e fico feliz de que minha obra no transmita esses sentimentos. As cartas recebidas de pessoas que fustigam o movimento, seus lderes ou adeptos, ou do espao ridicularizao e ao sarcasmo, de modo algum me agradam.

    Creio que se enganam os que acham que nas pessoas da organizao, individualmente, ou nos seus lderes que est o verdadeiro perigo. Vivi entre essas pessoas por quase 60 anos, e no hesito em dizer que so to sinceras em suas crenas quanto as pessoas de qualquer outra religio. Conheci pessoalmente os membros do Corpo Governante e, embora no possa dizer isto de todos, sei que muitos so pessoas basicamente bondosas e sinceras, que esto simplesmente fazendo o que crem que se espera delas, que o que tem sido tradicionalmente feito no passado. So herdeiros do legado do passado. Na mente deles a organizao indistinguvel e inseparvel de Deus e Cristo.

  • EM BUSCA DA LIBERDADE CRIST 6

    Contudo, apresenta-se o erro como verdade, tomam-se aes que do idia errada e distorcida dos ensinos e do proceder de vida do Filho de Deus. Embora os envolvidos no deixem de levar, cada um, sua parcela de responsabilidade, no so eles, porm, a fonte fundamental do problema. Mais que as prprias pessoas, so as crenas e os conceitos que constituem o real problema, o verdadeiro perigo. Deles procedem os ensinos errneos, as atitudes erradas e as aes rspidas.

    Pessoas de todo tipo tm entrado na organizao das Testemunhas de Jeov por todo tipo de razes. E pessoas de todo tipo (na verdade, centenas de milhares) tm sado por todo tipo de razes. Alguns saram, como expressou uma ex-Testemunha, por todas as razes erradas. Embora o rumo que tomam depois, possa dar no mnimo algum indcio do motivo que os levou a sair, este no necessariamente um guia seguro. Muitos passam por um perodo de transio marcado pela incerteza, at duvidando de tudo, em razo da grave desiluso sofrida. Ficam temporariamente deriva, e apenas depois de passarem por essa fase que seu proceder pode dar uma indicao clara de qual foi sua motivao de corao.

    Uma coisa, porm, parece evidente. que o mero abandono dum sistema religioso, na convico de que contm um alto grau de falsidade, no d, em si, garantia da liberdade. Em muitos casos, simplesmente ver o erro no basta. A menos que se possa ver por que se acreditou naquele erro, e o que era falso no mtodo de argumentao que levou a acreditar, no se consegue grande progresso, no se estabelece nenhuma base para a liberdade crist duradoura. Algum pode facilmente abandonar um sistema que se mostrou errado e, depois, rapidamente se deixar levar por outro que igualmente propaga o erro, erro que pode at ser doutrinariamente bem diferente, e ainda assim muitas vezes fundamentado no mesmo tipo de argumentao e raciocnio falsos empregados pelo sistema anterior.

    Muitas Testemunhas de Jeov ficaram desiludidas por ensinos ou predies que se mostraram falsos, outras, pela rigidez de certas normas ou por causa das presses para empenhar-se no constante turbilho de atividades programadas pela organizao, que traz pouco proveito espiritual. preciso identificar a raiz causadora de tais falcias, da natureza autoritria das normas, ou da futilidade de tais

  • Prefcio 7

    obras programadas. Creio que sem compreender os ensinos bblicos envolvidos no se pode identificar claramente essa raiz causadora, e que existe algo melhor e mais genuno ao seu alcance. Infelizmente, a Testemunha mediana jamais foi ajudada a desenvolver uma boa compreenso das Escrituras. Como membros da organizao, eram pouco incentivados a usar a energia mental, a no ser para aceitar e, efetivamente fixar na memria, qualquer informao suprida pela organizao, submetendo-se quase automaticamente s orientaes dela. O questionamento, um dos instrumentos mais poderosos da mente, era retratado de modo negativo como evidncia de falta de f, sinal de desrespeito ao canal de comunicao aprovado por Deus.

    H mais um aspecto significativo nesta questo. Muitas pessoas buscam apenas uma liberdade negativa. Procuram ser livres de algo, ser livres da obrigao de professar crena em certos ensinos, de cumprir certas atividades ou sujeitar-se a certas normas, todas impostas por uma autoridade eclesistica.

    Essa espcie de liberdade pode ser, em si, um objetivo correto e desejvel, trazendo o livramento de restries opressivas e do domnio da mente e do corao por parte de homens, de um modo que claramente no cristo. Assim mesmo, porm, esse livramento em si no traz a liberdade crist, pois a liberdade crist implica principalmente numa liberdade positiva, no a mera liberdade de algo, mas uma liberdade para algo. No simplesmente a liberdade de no fazer, mas a de fazer, e tambm de ser o que somos no corao e na mente, como indivduos. Mais do que pelo mero passo de deixar um sistema religioso tido como falso, pelo que fazemos com nossas vidas aps nos desligarmos desse sistema que demonstramos se efetivamente conquistamos a verdadeira liberdade crist.

    Este livro analisar estas questes e como se aplicam. Embora, claro, seja dirigido primariamente a pessoas com antecedentes entre as Testemunhas de Jeov, seus princpios subjacentes se aplicam a qualquer cenrio religioso. Esperamos que a informao seja de ajuda para aqueles que, a partir do amor verdade e do interesse de agradar a Deus, estejam raciocinando se ou no correto mostrar lealdade inquestionvel a uma organizao religiosa. Sua inteno contribuir, de algum modo, para a confiana no poder de Deus em nos sustentar em qualquer crise que possamos atravessar por nos apegarmos nossa

  • EM BUSCA DA LIBERDADE CRIST 8

    integridade pessoal, e ajudar a ampliar nossos horizontes espirituais em direo a uma vida mais gratificante e satisfatria, no servio do nosso Criador, do nosso Amo, o Filho de Deus, e de nossas concriaturas humanas.

  • 9

    1

    A Busca Pela Liberdade Crist

    Cristo nos libertou para que sejamos de fato livres... O que importa a f que opera pelo amor. Correis bem. Quem vos impediu de obedecer verdade? Glatas 5:1, 6, 7, Almeida Revista e Atualizada.

    LIBERDADE, como a f, o amor e a verdade, parte essencial do verdadeiro cristianismo. Onde a liberdade prevalece, a f, o

    amor e a verdade prosperam. Quando se limita ou suprime a liberdade, esses so inevitavelmente prejudicados. 2 Corntios 3:17.

    A liberdade que o Filho de Deus nos proporcionou tem como real objetivo que possamos expressar nossa f e nosso amor na mais plena medida, livres das restries impostas pelos homens, no por Deus. Quaisquer restries que se tentem contra essa liberdade resultam no sacrifcio da verdade, pois os que buscam imp-las fazem isso por meio do erro, no por meio da verdade.

    Nas dcadas passadas, centenas de milhares de pessoas se desligaram daquela que foi minha religio de bero: as Testemunhas de Jeov. Nessas mesmas dcadas, centenas de milhares de outras pessoas ingressaram nessa mesma religio, e em nmero suficiente para que continuasse a crescer. No acho que, em si, o abandono ou o ingresso dessas pessoas provem alguma coisa.

    A verdadeira questo com respeito aos que saem saber por que saram, o que os fez desligar-se. Foi o amor verdade, o desejo de mostrar f e apego liberdade crist? No podiam ter conseguido isto permanecendo onde estavam? Houve justificativa para terem sado?

    Pela mesma razo, podem-se suscitar perguntas quanto aos que entram. No h dvida de que muitos deles tinham sido antes pessoas

    A

  • EM BUSCA DA LIBERDADE CRIST 10

    irreligiosas, sem espiritualidade e basicamente materialistas. Depois que entraram fizeram mudanas visveis nesses aspectos. Pelo menos uma parte deles foi ajudada a livrar-se de srios problemas como promiscuidade sexual, alcoolismo, vcio de drogas, violncia ou desonestidade e at conduta criminosa. Isto certamente significou uma melhora em suas vidas.

    Todavia, tambm fato que este histrico de ajuda no exclusivo. A maioria das igrejas e religies organizadas podem citar inmeros casos reais e testemunhos de pessoas cujas vidas foram definitivamente transformadas em resultado duma converso. Do mesmo modo, os registros e nmeros dos que a organizao Torre de Vigia ajudou a vencer maus hbitos ou vcios podem, sem dvida, ser igualados at mesmo por organizaes sociais, como os Alcolicos Annimos, centros de tratamento do vcio das drogas e entidades do gnero. E certamente, a maioria dos que se tornaram Testemunhas no era de pessoas antes afetadas por tais problemas.

    Fica ento, a pergunta: Sejam quais forem os aparentes benefcios, a que preo foram conseguidos? Resultou a integrao deles organizao das Testemunhas eventualmente em restries liberdade de expressar a verdade, a f e o amor, livres de coao e restries de origem humana? E se for assim, quo genuna ento foi a melhora alcanada? Quo realmente cristos so os aparentes benefcios?

    As mesmas perguntas podem e devem se aplicar a toda religio que se professe crist. Esperamos que a matria aqui apresentada seja de proveito para pessoas de muitos perfis religiosos, pois nosso tema vai alm das pessoas especficas envolvidas. Ele visa o prprio mago das boas novas sobre o Filho de Deus, Jesus Cristo.

    Onde est a diferena Sculos atrs, poca da Reforma, quando muita gente sentiu-se impelida pela conscincia a rejeitar o domnio eclesistico sobre suas vidas e sua f, algum expressou assim a situao do cristo:

    Um cristo um senhor livre sobre todas as coisas e no submisso a ningum.

    Da, ele prosseguiu dizendo:

  • A Busca Pela Liberdade Crist 11

    Um cristo um servo obsequioso de todas as coisas.1

    Isto parece contraditrio, mas no . basicamente uma parfrase das palavras do apstolo Paulo em 1 Corntios 9:19:2

    Sou homem livre e no sou escravo de ningum! Mas eu me fiz escravo de todos para ganhar o maior nmero possvel de pessoas.

    A diferena est entre a submisso exigida por homens que alegam ter uma posio superior e que insistem na sujeio autoridade deles, e a submisso e o desejo de servir que brotam livre e espontaneamente do prprio corao. So a submisso e o servio que resultam, no de ceder s pretenses e exigncias de outros, mas de visar s necessidades dos outros e aos benefcios disso. Paulo reconhecia apenas um Cabea e Amo designado por Deus, Cristo, e no tinha outro, fosse um s homem ou um grupo de homens. A respeito de alguns que tentaram assumir tal autoridade, ele disse:

    [eles] se infiltraram para espiar a liberdade que temos em Cristo Jesus, a fim de nos reduzir escravido [tentaram amarrar-nos com leis e regulamentos, Phillips Modern English], aos quais no cedemos sequer por um instante, por deferncia, para que a verdade do evangelho fosse preservada para vs.3

    O apstolo no achou insignificante a perda da liberdade crist por meio da dominao religiosa. Quando escreveu as palavras citadas no incio deste captulo, ele as dirigia a pessoas que se estavam deixando enganar por um falso evangelho, falsas boas novas. Na poca dele tratava-se do esforo para reimpor o Pacto da Lei aos cristos, o que flagrantemente ameaava sua liberdade em Cristo. Onde estava o grande perigo? A lei que tanto queriam impor aos cristos era, afinal de contas, a mesma lei que o prprio Jeov institura por meio de Moiss. Por que, ento, Paulo disse que seu restabelecimento os levaria novamente a se sujeitarem ao jugo da escravido?

    Parte do perigo estava no fato de que tal submisso Lei permitiria fatalmente que homens se pusessem em funes de destaque, atuando como intrpretes da lei e transformando tais interpretaes em regras, com corpos judiciais e tribunais religiosos aplicando estas regras, e, 1 Martinho Lutero, em seu tratado sobre Da Liberdade do Cristo, UNESP. 2 A Bblia na Linguagem de Hoje. 3 Glatas 2:4, 5, A Bblia de Jerusalm.

  • EM BUSCA DA LIBERDADE CRIST 12

    como guardies da lei, impondo penalidades. Isso significaria a reinstituio de um sacerdcio humano sobre os crentes cristos, que s tinham um sumo Sacerdote e Mediador, o Filho de Deus.4 Por que, ento, alguns homens da congregao crist do primeiro sculo esforaram-se para reintroduzir a vigncia da lei? A razo, evidentemente, era que, de modo consciente ou inconsciente, queriam ter controle e autoridade sobre outros. Buscavam o poder sobre seus concristos, e um dos meios de consegui-lo era por interpor-se entre os cristos e seu legtimo cabea, Cristo. Cumpria-se assim a profecia do apstolo registrada em Atos 20:29, 30:

    Sei que depois de eu ter ido embora entraro no meio de vs lobos opressivos e eles no trataro o rebanho com ternura, e dentre vs mesmos surgiro homens e falaro coisas deturpadas, para atrair a si os discpulos.5

    Seus argumentos eram plausveis, pareciam lgicos, e Paulo mostra que muitos dos que os ouviam se convenciam, aceitando isto como verdadeiro evangelho. Os que propunham a obedincia lei podiam argumentar que Deus requer justia e santidade o que verdade e que sem uma lei imposta, as pessoas simplesmente no se apegariam justia o que pode se aplicar maioria das pessoas, mas no aos cristos. Comearam o debate com a questo da circunciso, instituda pelo prprio Deus cerca de dois mil anos antes, na poca de Abrao. To logo esta base foi aceita, contudo, eles procuraram acrescentar outros pontos da lei, anunciados como necessrios para obter a aprovao de Deus e manter a congregao pura.6

    O perigo maior, portanto, era o modo como esta nfase guarda da lei alteraria o relacionamento do cristo com Deus por meio de Cristo, de modo a desvirtuar a base da esperana do cristo, deslocando o foco

    4 1 Timteo 2:5; Hebreus 4:14-16; 7:11-18. 5 A palavra grega (barys) aqui vertida opressivos, tem o significado bsico de

    pesado, e a mesma palavra usada em Mateus 23:4 com respeito aos fariseus porem cargas pesadas nos ombros das pessoas com seu tradicionalismo legalista. O peso do autoritarismo tambm faz parte do quadro, e Ditrefes, descrito em 3 Joo 9, 10, um exemplo desse esprito dominador.

    6 Conforme mostra Atos 15:5, 10, no se tratava apenas da circunciso, mas da observncia de toda a lei. No versculo 10, Pedro descreve a lei como um jugo pesado, que ningum podia suportar com xito.

  • A Busca Pela Liberdade Crist 13

    apropriado do servio cristo. Paulo identifica isto como uma sria rejeio das boas novas que Deus e Cristo o haviam comissionado a pregar.7 Explicando a gravidade do assunto, ele escreveu:

    Separados estais de Cristo, vs os que vos justificais pela lei; da graa tendes cado. Mas ns, pela f, aguardamos mediante o Esprito a justia pela qual esperamos. Pois em Cristo Jesus nem a circunciso nem a incircunciso tem valor algum. O que importa a f que opera pelo amor.8

    Nessas poucas palavras, a f que opera pelo amor, o escritor inspirado resume a essncia de toda a vida crist. Nenhuma preocupao quanto a guardar regras, nem a conseqente preocupao de que os outros o faam, e certamente, nenhum temor de ser levado perante um corpo judicativo por infraes de certas normas e regulamentos uma fora puramente negativa mas em vez disso so a f e o amor que motivam homens e mulheres cristos. A f e o amor so foras positivas que provem no s a melhor defesa contra a prtica do erro, mas tambm o mais forte incentivo s aes excelentes que so os frutos dos verdadeiros discpulos do Filho de Deus.

    Um exemplo da vida domstica pode ilustrar de modo mais claro a diferena entre estar debaixo da lei e estar debaixo da graa ou benignidade imerecida e qual o resultado final disso.

    Imagine um lar onde o marido tambm pai e principal provedor. Se ele decidisse exercer a chefia por meio duma lista de leis, criando regras especficas para a esposa seguir, baixando leis quanto a como ela deve manter a casa, os mtodos, os dias e os horrios em que deve cuidar de todos os deveres da casa e da famlia: limpeza, fazer compras, preparar refeies, cuidar das roupas e disciplinar os filhos. Este marido poderia ter um lar bem ordeiro, onde tudo funciona segundo o programado. Mas tambm provvel que teria uma esposa infeliz. Poderia ter toda a satisfao de ver que tudo feito pelo seu cdigo de regras, imposto por sua autoridade. Jamais saberia, porm, se isso era motivado pelo amor.

    Em contraste, um marido que cr no poder do amor e da bondade, que no se leva pelo falso sentimento de superioridade, mas que 7 Glatas 1:8-12. 8 Glatas 5:4, 5, ARA.

  • EM BUSCA DA LIBERDADE CRIST 14

    respeita a esposa e nela confia, reconhece sua inteligncia e capacidade de cuidar das coisas por sua prpria iniciativa, que cr que o interesse dela pelo lar e pela famlia to grande quanto o dele prprio, e que a trata segundo este conhecimento, pode tambm usufruir um lar ordeiro, bem cuidado, e num clima mais descontrado e feliz que o outro descrito. Ele pode conseguir isto por meio de boa comunicao e conversa sobre os assuntos, preferindo e buscando decises conjuntas, e no fazendo mera exibio de autoridade arbitrria. Ao ver seu lar esmerado e limpo, refeies bem preparadas, roupas cuidadas, ou ao perceber que seus filhos lhe mostram o devido respeito, ele saber que tudo isto foi fruto de algo diferente da mera sujeio a regras. Ter a satisfao e a alegria genunas de saber que tudo isto fruto do amor que a esposa tem a ele, ao casamento e famlia.

    Os resultados externos dos dois casos podem parecer os mesmos em certos aspectos, mas os resultados ntimos so imensamente diferentes. O ponto a diferena de motivao e esprito com que a coisa feita. E esta diferena tem que ver com o efeito sobre o modo cristo de viver, a diferena entre estar debaixo da lei e estar debaixo da graciosa benignidade de Deus por meio de Cristo Jesus.

    Nisto se manifesta, com certeza, a sabedoria de Deus. O amor e a f, as verdadeiras regras do cristo, podem atingir os pensamentos mais ntimos e profundos do corao. Podem tocar e afetar cada faceta da vida de um modo que as leis e as regras nunca faro. Por no estar sob a lei, o cristo se coloca na posio de mostrar o que realmente tem no corao. Para Deus apenas isto que conta.

    No tempo que passei no Corpo Governante das Testemunhas de Jeov, era isto que mais me preocupava. Notei que nossas reunies do Corpo Governante gastavam tempo excessivo com decises que envolviam criar regras para a vida particular das pessoas. Vi que cada regra gerava dvidas que levavam a mais regras, por meio das quais se julgava a integridade das pessoas. Apenas se seguissem certas regras que podiam ser consideradas aprovadas aos olhos de Deus e de Cristo. Por que tinha de ser assim? Tinha realmente um punhado de homens como ns, autoridade da parte de Deus para fazer isso? Seria isto de real benefcio para aqueles a quem ns supostamente servamos?

    Foi s ento que vim a perceber que a liberdade ensinada nas

  • A Busca Pela Liberdade Crist 15

    Escrituras no era simplesmente a de estar livre da Lei Mosaica, mas tambm a de estar livre do prprio conceito de obedincia a leis qualquer que fosse o sistema de leis envolvido. S ento pude ver qual era o verdadeiro problema. Em vez da obedincia a leis e regras, como meio de alcanar e manter a integridade dentro da congregao crist, havia um modo superior. Isto que tornava a liberdade crist possvel, eficaz e to genuinamente desejvel.

    No que a lei seja m ( ela, afinal, a nica coisa deste mundo que mantm muita gente na linha).9 Antes, que a f e o amor so muito superiores, capazes de conseguir muito mais que a lei, capazes de produzir um esprito de justia que brota do corao. Em que pessoa depositaramos maior confiana, por quem teramos maior respeito e estima? Aquela que diz refrear-se de certa ao errada por que contra a lei ou aquela que diz refrear-se porque a ao desamorosa e demonstra falta de f em Deus? O primeiro caso revela apenas a atitude ou preocupao da pessoa para com a lei, enquanto o segundo nos d uma idia do corao e dos sentimentos ntimos da pessoa.

    Quando Deus escolheu o povo de Israel como sua nao pactuada, ele no o chamou a uma relao individual, como pessoas separadas, mas em massa, o lote inteiro, bons, maus e indiferentes. Seu nvel espiritual como nao certamente no era notvel, nem na poca nem depois. A lei que receberam cumpriu um papel necessrio. Serviu de disciplinador, conduzindo-os ao Messias, assim como os antigos pedagogos preparavam as crianas para o professor.10 Comprovou sua condio pecadora e sua incapacidade de, sem ajuda, livrar-se do pecado, sua necessidade de um redentor.11 Ela provia um panorama de sombras, delineando simbolicamente as realidades a serem cumpridas por meio do Messias.12 Sem ela, no h razo para crer que depois de 1500 anos de existncia como nao, ainda existiria algo parecido com os arranjos que Deus institura para eles, arranjos que proveriam os antecedentes mediante os quais o Messias poderia ser positivamente identificado. Em contraste, os cristos so chamados a ter uma relao com Deus como seus filhos, por meio de Cristo, no 9 Confira 1 Timteo 1:8-10. 10 Glatas 3:23-26, BJ. 11 Glatas 3:19, 21, 22. 12 Colossenses 2:16, 17.

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    em massa, mas como indivduos, no base de descendncia carnal, mas base do corao e da motivao deles. Seu instrutor veio e eles, no mais precisam de um disciplinador que os conduza a ele. No esto debaixo de lei, mas debaixo da graa, a graciosa benignidade de Deus. A ele entregaram seus coraes e o Esprito dele os motiva.13 Esse esprito pode fazer infinitamente mais para resguardar-nos da transgresso e motivar-nos s boas aes que qualquer cdigo de leis ou conjunto de regras. Desperceber isso desperceber a essncia das boas novas. No ter apreo pela grande liberdade que isto nos traz desdenhar o que Cristo realizou, quando nos possibilitou estar no debaixo de lei, mas debaixo da benignidade imerecida de Deus.

    Como nos demais setores da vida, verdade que em questo de religio o preo da liberdade a eterna vigilncia. Perde-se a liberdade crist no tanto pelo ataque violento, mas pela eroso sutil, de modo que, aos poucos, a pessoa vai entregando a outros o seu direito, dado por Deus, de exercitar a prpria conscincia e de pensar por si, para chegar a concluses e convices que sejam realmente suas, de modo que sua f se torne fruto do seu prprio corao, baseada no conhecimento pessoal da Palavra de Deus. Eventualmente ela chega a uma f de segunda-mo, baseada em convices e raciocnios de outros. Sacrificar esses direitos inerentes liberdade crist, em qualquer grau ou por qualquer motivo que seja, limitar e inibir nossas expresses de f e amor. Para poder expressar espontaneamente estas qualidades, motivadas no ntimo, que temos de usufruir um clima de liberdade, pois onde est o Esprito do Senhor, a est a liberdade.14

    Floresce dentro da organizao das Testemunhas de Jeov esse clima de liberdade crist, alimentando expresses de amor e f que fluem livremente da motivao interior e no da presso externa? Creio que a evidncia mostra o contrrio. Meus anos no Corpo Governante dessa organizao me convenceram disso. No que todas as Testemunhas sejam individualmente afetadas na mesma proporo. Algumas so capazes de enfrentar a presso organizacional. So capazes de resistir usurpao de sua individualidade, lutam para evitar os conceitos estreitos e a conformidade de grupo que provm do 13 Romanos 6:14-19. 14 2 Corntios 3:17, TEB.

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    modo de pensar canalizado. Tais pessoas muitas vezes manifestam uma espontaneidade de motivao notvel. Ainda assim, a evidncia de que isto no se deve organizao, mas algo que se mantm apesar da organizao. Tampouco acho que essa situao seja exclusiva das Testemunhas de Jeov. Creio, porm, que todas elas so afetadas de algum modo, e que o efeito disso inevitavelmente prejudicial. A atitude que se incute no baseada na verdade, a verdade que liberta, mas numa distoro da verdade. Ela distorce o entendimento do que realmente est envolvido em ser seguidor do Filho de Deus. Ela dificulta que as pessoas expressem de forma mais plena suas qualidades. Ela as restringe de fazer muitas aes de amor e f motivadas pelo corao e as obriga a praticar outras aes para as quais no vem nenhuma razo bblica convincente. De um modo ou de outro, em grau maior ou menor, a liberdade sacrificada. Fica obscurecida ou esquecida a verdade de que Cristo nos libertou para que sejamos de fato livres.

    As razes do problema so vrias. Creio, porm, que o que segue aponta para uma causa bem fundamental.

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    O Canal de Deus

    Ponham prova todas as coisas e fiquem com o que bom. 1 Tessalonicenses 5:21, Nova Verso Internacional.

    Meus queridos amigos, no acreditem em todos os que dizem que tm o Esprito de Deus. Ponham prova essas pessoas para saber se o esprito que elas tm vem mesmo de Deus.

    1 Joo 4:1, A Bblia na Linguagem de Hoje.

    M DESTACADO erudito britnico do sculo 18, lder religioso conhecido como defensor das liberdades civis e religiosas, fez

    esta espantosa declarao: A autoridade o maior e mais irreconcilivel inimigo da

    verdade e da argumentao que o mundo j forneceu. Toda a sofstica toda a aparncia de plausibilidade o artifcio e a astcia do debatedor mais sutil do mundo podem ser expostos e voltados a favor da prpria verdade que pretendiam ocultar; mas contra a autoridade no h defesa.

    1

    Se, de fato, a autoridade tem sido antiga inimiga da verdade, tem sido tambm antiga inimiga da liberdade, pois a verdade a primeira fonte da fora libertadora, aquela que vos libertar.2 Quando forado a enfrentar a verdade, na autoridade que o erro encontra sua arma favorita e tambm seu refgio final. E com enorme freqncia, a autoridade que invoca no mais genuna que o prprio erro.

    No importa quanta evidncia se apresente, no importa quanto testemunho bblico se fornea, no importa quanta lgica se utilize em

    1 Bispo Benjamin Hoadley, citado na Enciclopdia McClintock e Strong de

    Literatura Bblica, Teolgica e Eclesistica (em ingls), Vol. 1, pginas 553, 554.

    2 Joo 8:32.

    U

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    apoio s questes expostas neste livro, todos podem ser rejeitados e descartados pelos que seguem uma determinada autoridade religiosa humana como guia, como intrprete da verdade. De fato, no caso da vasta maioria das Testemunhas de Jeov, toda esta evidncia e testemunho bblico ser rejeitado antes mesmo de ser ouvido, pois a autoridade decretou que elas devem rejeit-lo. Aqueles que esto sob esta autoridade so assim privados de decidir por si mesmos se a informao verdica ou falsa, benfica ou prejudicial.

    O mesmo se aplica a todos que se submetem a uma autoridade religiosa humana como rbitro supremo do que certo e errado. Se preferem deixar que essa autoridade decida por elas, fale por elas e pense por elas, nenhum outro argumento ou evidncia que se apresente ter chance de ser ouvido, pois contra a autoridade no h defesa. A autoridade acha que no tem de responder, refutar ou sequer considerar as evidncias apresentadas; ela apenas condena. Esta , creio eu, a questo bsica, e a menos que primeiro ela seja compreendida, pouca coisa poder ser compreendida. No meu caso, pelo menos, foi assim.

    No existe autoridade maior que os homens possam alegar que a de falar em nome de Deus, afirmando at mesmo ser seu exclusivo canal de comunicao para toda a humanidade. Ocupar tal posio seria, sem dvida, uma pesada responsabilidade, que exigiria o mais alto grau de humildade da parte de humanos imperfeitos, se que estes, de fato, foram designados a exerc-la.

    Pode-se comparar a um escravo que um rei envia para fazer uma proclamao. Impressionado com a prpria importncia, falto de humildade, o mensageiro pode sentir-se livre para fazer acrscimos ou ajustes mensagem, enquanto insiste que todos os ouvintes devem aceitar de boa f tudo o que ele apresentar como sendo uma ordem real. Se algum o questiona em algum ponto, ele pode ofender-se e tentar impor-se dizendo ter apoio real, a fim de eliminar quaisquer dvidas quanto autenticidade de suas declaraes.

    Por outro lado, um mensageiro realmente humilde evitaria escrupulosamente qualquer alterao naquilo que veio da fonte real. No se ofenderia se lhe pedissem provas da plena autenticidade do que disse, nem criticaria os que tomassem medidas para confirmar se a mensagem foi apresentada tal como foi entregue, livre de acrscimos

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    ou alteraes. Em vez de reprovar tal investigao como uma abusiva falta de respeito por sua pessoa (um mero escravo), ele a aceitaria e at mesmo a apreciaria, como evidncia de preocupao e profundo respeito do inquiridor pela vontade de seu amo, o Soberano.

    A Sociedade Torre de Vigia diz repetidamente que sua mensagem tem importncia de vida ou morte. A organizao afirma que sua mensagem foi enviada por Deus, o Soberano Supremo, a toda a humanidade, tendo como resultado da desobedincia a destruio final. Algumas outras religies assumem posio similar.

    Claro que uma afirmao deste porte jamais deve passar sem comprovao. De fato, a seriedade dela exige, no cautela menor, e sim maior, uma comprovao mais cuidadosa. O simples respeito a Deus deve motivar-nos, e de fato, obrigar-nos, a nos assegurar de que a mensagem realmente Dele, livre de acrscimos ou alteraes. Quanto maior nosso respeito a Deus, mais conscienciosos devemos ser na busca dessa comprovao.

    Posso garantir que a organizao Torre de Vigia encara com a maior seriedade a posio que afirma ter como nico canal de comunicao de Deus na terra. Talvez algumas das afirmaes mais claras feitas por representantes da organizao quanto ao resultado para os que rejeitam sua mensagem tenham surgido num julgamento ocorrido na Esccia, em 1954. Ficou conhecido como caso Walsh, e tratava duma Testemunha de Jeov que era superintendente presidente numa congregao da Esccia e reivindicava a condio de ministro religioso. Recordo de, anos atrs, ter escutado pessoalmente meu tio (mais tarde presidente da Torre de Vigia) falar de sua participao nesse julgamento, mas foi s ao ver o registro final do tribunal, em data mais recente, que me dei conta de tudo que foi includo nesse depoimento.

    Com permisso do guardio de arquivos da Esccia, apresento aqui alguns trechos dos autos do depoimento. Como se pode observar, Fred Franz, ento vice-presidente da organizao, foi o primeiro no banco das testemunhas, e os autos do tribunal incluem esta informao, com alguns trechos que sublinhei (P representa a pergunta feita, R, a resposta dada. Os originais destes autos encontram-se no Apndice):

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    P. Alm destas publicaes regulares, vocs produzem e publicam vrios panfletos e livros teolgicos periodicamente? R. Sim. P. Poderia dizer-me: So estas publicaes teolgicas e os peridicos quinzenais usados para considerao de declaraes doutrinrias? R. Sim. P. So estas declaraes doutrinrias compulsrias dentro da Sociedade? R. Sim. P. a aceitao delas questo de opo ou obrigatria para todos que so e desejam continuar a ser membros da Sociedade? R. obrigatria. Segundo este depoimento, todo aquele que quiser continuar como

    Testemunha de Jeov no tem alternativa nem opo seno aceitar as declaraes publicadas da Sociedade Torre de Vigia, pela qual Fred Franz falava como representante. A aceitao obrigatria. As conseqncias so indicadas mais adiante no depoimento dele:

    P. Quer dizer ento que, efetivamente, existir na terra uma nova sociedade humana em resultado disso? R. Sim. Haver uma sociedade do novo mundo numa nova terra, sob novos cus, tendo os cus e terra anteriores j passado, aps a batalha do Armagedom. P. Ento a populao desta nova terra consistir apenas de Testemunhas de Jeov? R. Inicialmente consistir apenas de Testemunhas de Jeov. Os membros do restante esperam sobreviver a essa batalha do Armagedom, bem como uma grande multido destas outras ovelhas. A permanncia do restante sobre a terra aps a batalha do Armagedom ser temporria, pois eles devem primeiro terminar sua carreira terrestre, fiis na morte, mas as outras ovelhas, por meio da contnua obedincia a Deus, podero continuar a viver na terra para sempre. A aceitao, portanto, torna-se uma questo de vida ou morte, pois

    os que sobreviverem ao Armagedom consistiro apenas de Testemunhas de Jeov. Que dizer do caso em que o membro de uma

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    congregao rejeita certo ensino da organizao por crer conscienciosamente que este no tem apoio bblico, e, como resultado, depois desassociado? Qual a postura oficial para com as pessoas desassociadas que no obtm readmisso? Esta postura explicitada conforme segue no depoimento:

    P. E so estes poderes disciplinares de fato exercidos quando surge a ocasio? R. Sim, so. P. Bem, no vou mais lhe fazer perguntas sobre este aspecto da questo, mas h transgresses tidas como graves o bastante para merecer a expulso sem esperana de readmisso? R. Sim. O fato que a excomunho em si mesma pode levar aniquilao do excomungado, se esse indivduo jamais se arrepender e corrigir o seu pecado, e continuar fora da organizao. No haveria para ele esperana alguma de vida no novo mundo, mas existe um proceder que resultaria em excomunho, da qual se pode ter certeza que o indivduo jamais retornar, e este chamado de pecado contra o Esprito Santo. O advogado do governo britnico chamou depois a ateno para

    certos ensinos que a organizao Torre de Vigia tinha com o tempo rejeitado, inclusive os que envolviam certas datas especficas. O que dizer de algum que, na poca em que o ensino foi estabelecido percebesse o erro e em conseqncia no o aceitasse? Que atitude teria a organizao para com esta pessoa? Eis o que revela o depoimento:

    P. No verdade que o Pastor Russell ps essa data em 1874? R. No. P. No verdade que ele fixou essa data anterior a 1914? R. Sim. P. Que data ele fixou? R. O fim dos tempos dos gentios ele fixou para 1914. P. Ele no fixou 1874 como outra data crucial? R. 1874 era entendida como a data da Segunda Vinda de Jesus em sentido espiritual. P. O senhor disse 'era entendida'? R. Isso mesmo. P. Isto foi publicado como um fato a ser aceito por todos os que eram Testemunhas de Jeov?

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    R. Sim. P. E isto no mais aceito, ? R. No. P. O Pastor Russell tirou essa concluso de uma interpretao do livro de Daniel, no foi? R. Em parte. P. E particularmente de Daniel, captulo 7, versculo 7, e Daniel, captulo 12, versculo 12? R. Daniel 7:7 e 12:12. O que o senhor disse, que ele baseou alguma coisa nestes textos? P. A data dele de 1874 como data crucial e data da Segunda Vinda de Cristo? R. No. P. Como o senhor disse que ele a fixou; entendi que o senhor disse isso, ser que entendi mal? R. Ele no baseou 1874 nestes textos. P. Ele se baseou nestes textos, acoplados ao conceito de que a monarquia austro-gtica ocorreu em 539?

    R. Sim. 539 era uma data que ele utilizava no clculo. Mas 1874 no se baseava nisto. P. Mas era um clculo que j no mais aceito pela diretoria da Sociedade? R. Correto. P. J que estou correto, estou simplesmente curioso para apurar minuciosamente esta posio: tornou-se obrigao das Testemunhas de Jeov aceitar este clculo errado? R. Sim.

    ________________

    P. De modo que aquilo que hoje publicado como verdade pela Sociedade, pode ter de ser considerado errado alguns anos depois? R. Temos de esperar para ver. P. E enquanto isso a comunidade das Testemunhas de Jeov fica seguindo um erro? R. Elas ficam seguindo uma interpretao errada das Escrituras. P. Um erro? R. Sim, um erro.

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    De novo entrou em discusso o grau da autoridade atribuda s publicaes da Sociedade Torre de Vigia. Embora, num certo ponto, o vice-presidente tenha dito que a pessoa no tem de aceitar compulsoriamente, o depoimento dele da em diante reverte posio anterior, conforme vemos:

    R. A fim de tornar-se ministro ordenado da congregao ele deve obter entendimento das coisas contidas nesses livros. P. Mas, ento, no o batismo a ordenao da pessoa como ministro religioso? R. Sim. P. Sendo assim, para o batismo, ele tem de conhecer esses livros? R. Ele tem de entender os propsitos de Deus explicados nesses livros. P. Explicados nesses livros e explicados como interpretao da Bblia? R. Estes livros oferecem uma interpretao de toda a Escritura. P. Mas, esta exposio compulsria? R. A Bblia e as declaraes relacionadas com ela so analisadas, e o indivduo examina as declaraes e depois as Escrituras para ver que elas so apoiadas biblicamente. P. Ele o qu? R. Ele examina as Escrituras para ver se as declaraes tm apoio nas Escrituras. Como disse o apstolo: "Examinai todas as coisas; apegai-vos ao que bom." R. Entendi qual a posio - corrija-me, por favor, se eu estiver errado - um membro das Testemunhas de Jeov deve aceitar como verdade os textos e interpretaes que lhe so dados nos livros a que me referi? R. Mas ele no o faz compulsoriamente, ele tem seu direito cristo de examinar as Escrituras para confirmar que isto biblicamente fundamentado. P. E se ele achar que as Escrituras no concordam com os livros ou vice-versa, o que faz? R. Os textos bblicos esto l, em apoio s declaraes, para isto que so colocados ali. P. O que faz um homem se achar desarmonia entre as Escrituras e esses livros? R. preciso que o senhor nos apresente um homem que ache isso, para que eu possa responder, ou ele. P. O

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    senhor quis dizer que o membro individual tem o direito de ler os livros e a Bblia e formar sua prpria opinio quanto interpretao adequada dos Escritos Sagrados? R. Ele passa a - - - P. Poderia dizer sim ou no, e depois explicar? R. No. Quer que explique agora? P. Sim, por gentileza. R. O texto bblico est l em apoio s declaraes, e portanto, quando o indivduo olha para o texto e da verifica a declarao, ele passa ento a ter o ponto de vista bblico do assunto, o entendimento bblico, conforme escrito em Atos, captulo 17, versculo 11, que os bereanos eram mais nobres que os de Tessalnica, no aspecto de que recebiam a Palavra com a maior prontido, e pesquisavam as Escrituras para ver se aquelas coisas eram assim, e ns orientamos a seguir esse nobre proceder dos bereanos, de pesquisar as Escrituras para ver se estas coisas so assim. P. Uma Testemunha no tem alternativa seno aceitar como compulsrias e obedecer s instrues publicadas em ''A Sentinela'' ou no ''Informante'' ou na ''Despertai'', no ? R. Ele tem de aceit-las.

    P. H alguma esperana de salvao para o homem que depende apenas de sua Bblia, quando em sua situao no mundo no possvel obter os tratados e publicaes da Sociedade? R. Ele estar dependente da Bblia. P. Ser ele capaz de interpret-la corretamente? R. No. P. No pretendo ficar trocando textos bblicos com o senhor, mas no disse Jesus, ''Aquele que cr em mim, viver, e aquele que cr em mim jamais morrer''? R. Sim.

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    O depoimento da testemunha, pois, de que a mensagem que a Sociedade Torre de Vigia publica, como canal de Deus, o nico meio pelo qual as pessoas da terra, no sculo atual, podem obter entendimento das Escrituras. Deixar de aceitar o contedo destas publicaes significa incorrer no desfavor divino, a prpria morte.

    Este, contudo, foi o depoimento de um s homem, Fred Franz, o vice-presidente. Houve dois outros representantes oficiais da sede da organizao que foram Esccia para depor. Confirmou o depoimento destes o do primeiro, com respeito a este assunto? O seguinte no banco das testemunhas foi o conselheiro jurdico da Sociedade, Hayden C. Covington. Seguem suas declaraes no decorrer de seu depoimento:

    P. No vital falar a verdade em assuntos religiosos? R. Certamente que . P. H, em sua opinio, margem para que uma religio mude as interpretaes dos Escritos Sagrados de vez em quando? R. H todas as razes para mudanas de interpretao da Bblia, segundo nossa viso. Nossa viso se torna mais clara medida que vemos o tempo cumprir as profecias. P. Os senhores j anunciaram perdoe-me a expresso - falsas profecias? R. Anunciamos - no acho que anunciamos falsas profecias, houve declaraes que foram errneas, assim que coloco, e equivocadas. P. uma questo muito vital, na situao atual do mundo, saber, caso esta profecia esteja corretamente interpretada, quando se deu a Segunda Vinda de Cristo? R. Isto verdade, e sempre nos esforamos para saber que estamos com a verdade, antes de anunci-la. Guiamo-nos pelas melhores informaes que temos, mas no podemos esperar at ficarmos perfeitos, porque se esperssemos at ficarmos perfeitos jamais poderamos falar.

    P. Sigamos um pouco neste assunto. Foi anunciado como um fato, em que todas as Testemunhas de Jeov tinham de crer, que a Segunda Vinda do Senhor ocorreu em 1874? R. No estou familiarizado com isso. O senhor est falando de algo que desconheo. P. O senhor ouviu o depoimento do Sr. Franz? R. Ouvi o

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    Sr. Franz depor, mas no estou familiarizado com o que ele disse a respeito, quero dizer, o assunto do qual ele estava falando, de modo que no posso dizer mais do que o senhor, tendo ouvido o que ele disse. P. Deixa-me fora disso?

    R. Essa a fonte de minha informao, o que ouvi no tribunal. P. O senhor estudou a literatura do seu movimento? R. Sim, mas no toda. No estudei os sete volumes dos ''Estudos das Escrituras', e no estudei este assunto que o senhor agora menciona sobre 1874. No estou familiarizado com isso de modo algum.

    P. Supe ter partido de mim que a Sociedade anunciou, de modo compulsrio, que a Segunda Vinda de Cristo tinha sido em 1874? R. Tomando esta suposio como um fato, uma afirmao hipottica. P. Foi isso a publicao de uma falsa profecia? R. Isso foi a publicao de uma falsa profecia, foi uma afirmao falsa ou uma afirmao errnea do cumprimento de uma falsa profecia que foi falsa ou errnea. P. E isso teve de ser aceito como crena por todas as Testemunhas de Jeov? R. Sim, porque o senhor deve entender que ns precisamos de unidade, no podemos estar desunidos, com muitas pessoas indo para todos os lados, um exrcito precisa marchar alinhado. P. Vocs no acreditam nos exrcitos do mundo, acreditam? R. Acreditamos no exrcito cristo de Deus. P. Acreditam nos exrcitos do mundo? R. Nada temos a dizer a esse respeito, no pregamos contra eles, dizemos simplesmente que os exrcitos do mundo, como as naes do mundo atual, so parte da Organizao de Satans, e ns no tomamos parte dela, mas no dizemos que as naes no podem ter seus exrcitos, no pregamos contra a guerra, apenas reivindicamos ficar isentos dela, apenas isso. P. Voltemos ao assunto agora. Foi anunciada uma falsa

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    profecia? R. Concordo com isso. P. Ela teve de ser aceita pelas Testemunhas de Jeov? R. Correto. P. Se um membro das Testemunhas de Jeov tomasse a posio pessoal de que essa profecia estava errada e dissesse isso, seria desassociado? R. Sim, se dissesse isso e persistisse em criar problemas, porque se a organizao inteira acredita numa coisa, ainda que errnea, e algum, por conta prpria comea a espalhar suas idias, ento haver desunio e problemas, no pode haver harmonia nem marcha alinhada. Quando vem uma mudana, deve partir da fonte apropriada, da dianteira da organizao, o corpo governante, no de baixo para cima, pois cada um teria idias prprias e a organizao se desintegraria em mil direes diferentes. Nosso objetivo ter unidade. P. Unidade a qualquer preo? R. Unidade a qualquer preo, porque cremos e temos certeza que Jeov Deus est usando nossa organizao, o corpo governante de nossa organizao, para dirigi-la, mesmo que de vez em quando se cometam erros. P. Unidade baseada na aceitao obrigatria de falsas profecias? R. Admite-se que isso verdade. P. E a pessoa que expressa a opinio, como diz o senhor, de que isso estava errado, e desassociada, estaria ela violando o pacto, sendo ela batizada? R. Correto. P. E como o senhor disse ontem expressamente, ela mereceria a morte? R. Acho que... P. Quer dizer sim ou no? R. Digo sim, sem hesitar. P. O senhor chama isso de religio? R. Certamente que sim. P. O senhor chama isso de cristianismo? R.Certamente que sim.

    _________________ P. Com relao aos erros, vocs foram extensamente escrutinados quanto s diferenas de conceito que aconteceram nas exposies obrigatrias das Escrituras feitas ao longo dos

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    anos, desde a fundao da Sociedade, e suponho que o senhor concordou que tem havido diferenas. R. Sim. P. O senhor tambm concordou com muita franqueza que as pessoas que, em qualquer momento, no estiverem dispostas a aceitar as interpretaes obrigatrias, esto passveis de expulso pela Sociedade, com todas as conseqncias espirituais que possam acarretar? R. Sim, eu disse isso e o afirmo novamente. A unidade, segundo o depoimento deste representante da Sociedade,

    pode exigir que um cristo aceite como verdade aquilo que ele acredita ser falso segundo a Palavra de Deus. No importa o que leia na Bblia, ele no pode express-lo se isso no coincide com os ensinos obrigatrios da organizao. Embora isso esteja claro para ele na prpria Palavra de Deus, no basta. Ele deve esperar que a mudana parta da da fonte apropriada, da dianteira da organizao, o corpo governante, no de baixo para cima. No importa o que leia na Bblia, ele deve esperar que a fonte apropriada, o Corpo Governante, lhe diga o que aceitvel para se crer e se conversar.

    A justificativa para essa exigncia to incrvel? Deve haver unidade a qualquer preo, mesmo que baseada na aceitao obrigatria de falsas profecias. Falhar neste aspecto ser passvel de desassociao e merecer a morte. Com efeito, embora algum possa ler as prprias palavras do Amo, por escrito, ele no pode aceit-las ou agir segundo elas se o professo escravo do Amo lhe diz algo diferente. Este , em linguagem clara, o conceito promulgado pela organizao.

    Uma terceira testemunha subiu ainda ao banco. Este terceiro representante da sede mundial a depor foi o secretrio-tesoureiro, Grant Suiter, e seu depoimento incluiu estas declaraes sobre a posio oficial:

    P. Qual a posio de um servo de companhia [congregao] neste respeito? R. Ele tem de preencher os requisitos a que anteriormente nos referimos, maturidade, discernimento, entendimento espiritual e a capacidade de compreender a congregao. Tem de passar por

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    esse treinamento j mencionado, na Escola do Ministrio Teocrtico, tomar a liderana no prprio ministrio de campo, estar apto a ensinar e ter todos os outros requisitos que as Escrituras determinam. Como v, o homem no pode estabelecer requisitos que as Escrituras no estabelecem. P. Isso em termos gerais. Mas, para chegar prtica efetiva ele deve assistir a Escola do Ministrio Teocrtico, no ? R. Sim. P. E ali ele encontra uma biblioteca? R. Sim. P. No se espera que esteja familiarizado com as publicaes da Sociedade? R. Com certeza. P. Pode ele de algum modo, na opinio das Testemunhas de Jeov, ter um entendimento das Escrituras fora das publicaes das Testemunhas de Jeov? R. No. P. S por meio das publicaes que ele pode entender corretamente as Escrituras? R. Correto. P. Isso no arrogncia? R. No. P. O senhor ouviu as evidncias de que 1874 mostrou ser uma data material e crucialmente errada, e de que 1925 era uma data errada. Nestes dois itens, foi a aceitao, a aceitao absoluta como Verdade, imposta a todas as Testemunhas de Jeov da poca? R. Isso mesmo. P. O senhor concorda que aquilo foi uma aceitao do que era falso? R. No, no inteiramente. Os pontos que estavam errados eram falsos porque estavam errados, mas o importante o resultado geral. Ao longo de todos estes anos do ministrio das Testemunhas de Jeov, desde a constituio da Sociedade, a corporao de Pensilvnia, tem havido uma obra constante de voltar os coraes e mentes das pessoas para a Palavra de Deus e seus preceitos justos, e de prover-lhes fora espiritual para tomar posio em favor do que sabem ser correto, para enaltecer o nome de Jeov e anunciar o seu Reino. No h comparao entre os pontos incidentais que foram corrigidos e a importncia da coisa principal, a adorao de

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    Jeov Deus. Isso tem sido inculcado nas mentes das Testemunhas de Jeov e de um nmero incontvel de pessoas ao longo de todos estes anos. O secretrio-tesoureiro afirmou: O homem no pode estabelecer

    requisitos que as Escrituras no estabelecem. Todavia, seu prprio depoimento, e os dos dois primeiros representantes, que s por meio das publicaes que se pode ter o entendimento correto das Escrituras. Embora falsas profecias tenham sido publicadas, a aceitao absoluta (de tais) como a Verdade foi imposta a todas as Testemunhas de Jeov da poca, e isto firmemente declarado como correto.3 O secretrio-tesoureiro assevera que o importante o resultado geral, e assim a organizao no deve ser julgada de modo negativo porque promulgou erros em pontos incidentais, desde que a coisa principal, a adorao de Jeov Deus tenha sido propagada. Seria injusto igualar a importncia desses erros mensagem principal. No h comparao, disse o secretrio-tesoureiro.

    Nesta declarao em si, tudo bem. O prprio depoimento de Suiter, porm, como os dos outros dois, mostra que, enquanto a organizao pede tolerncia e tratamento equilibrado para si, como seu devido direito, nega isso a outros. Ao mesmo tempo em que pede tolerncia para si, ela no a concede a nenhum membro que faa objeo a ensinos errneos e que no possa aceit-los. Para este o resultado a desassociao, ser posto fora como algum merecedor da morte. assim que ser, no importa o zelo da pessoa em aceitar o ponto principal da mensagem ou sua sinceridade e devoo em adorar a Jeov Deus. No, a pessoa deve aceitar a mensagem toda, o pacote inteiro, do jeito que o mensageiro organizacional achar melhor apresent-la, incluindo os erros, sendo a expulso a nica alternativa. A organizao classifica como apenas incidentais os erros que publica, e todavia, se esses mesmos erros no forem aceitos ou forem rejeitados, assumem, paradoxalmente, uma importncia enorme, suficiente para justificar a desassociao.

    3 Veja Crise de Conscincia, captulos 7 e 8, com respeito aos anos de 1874 e

    1925, mencionados no depoimento do tribunal.

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    Este estranho modo de pensar faz parecer que Deus no se agrada da pessoa que deixa de aceitar os erros que o professo mensageiro de Deus expresse em Seu nome, no se agrada de que a pessoa insista em examinar tudo e apegar-se apenas ao que for bom e veraz, genuinamente provindo de Deus. A tal pessoa, se posta para fora da organizao, Deus no julgaria digna de viver. Embora parea incrvel, a pessoa que prestou este depoimento no via, evidentemente, nenhuma inconsistncia em tudo isso.

    Tudo isto faz lembrar o princpio proverbial de que dois tipos de pesos so algo detestvel para Jeov, e uma balana fraudulenta no boa.4 No parece razovel crer que Deus se expresse com palavras to fortes a respeito de transaes comerciais comuns (quando o homem faz uso de diferentes pesos dependendo de estar comprando ou vendendo), e no se expresse de modo ainda mais firme com respeito a assuntos que envolvem os interesses espirituais das pessoas, quando os homens aplicam um padro para si mesmos ao pedirem tolerncia, e um padro bem diferente quando se pede que a demonstrem a outros. O genuno Mensageiro de Deus, Jesus Cristo, disse: Pois, com o julgamento com que julgais, vs sereis julgados; e com a medida com que medis, mediro a vs.5

    No apenas nesse julgamento, mas, em muitas outras ocasies, a organizao Torre de Vigia apelou s Testemunhas de Jeov para que desconsiderassem os erros dela, afirmando que estes so contrabalanados e at compensados por outros fatores, mais positivos. Mas ela no aplica essa regra ao lidar com os que esto sob sua autoridade. Se estes sustentarem alguma opinio, ainda que mnima, que no coincida com os ensinos da Torre de Vigia, isto no considerado simplesmente um erro humano, que com o tempo pode ser corrigido. Pode, em vez disso, servir de base para desassociao. O fato de que o quadro geral mostre que a pessoa discordante manifesta claramente genunas qualidades crists no visto como relevante. Ela tem de concordar com a organizao. As palavras de Cristo deixam claro que ele no aprova esta aplicao desigual das normas.

    4 Provrbios 20:23. 5 Mateus 7:2.

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    Em vista da seriedade das questes envolvidas no julgamento do tribunal escocs, no parece haver razo para pensar que estas trs testemunhas oficiais estivessem expressando meras opinies pessoais. Embora o objetivo que buscavam atingir neste julgamento especfico (que inclua serem reconhecidos como religio estabelecida) tenha de algum modo infludo na linguagem que usaram, eles, sem dvida, apresentaram o que a norma autoritria da organizao, o legalismo dominante. O registro passado e presente mostram isso. Minha prpria experincia com o Corpo Governante o confirma.

    Alguns pontos estabelecidos pelos representantes da Torre de Vigia refletiram de modo notvel as afirmaes feitas cerca de 45 anos antes pelo Pastor Russell, nos ltimos anos de sua presidncia. Na edio de 15 de setembro de 1910 de A Sentinela, o primeiro presidente da Sociedade comparou o valor da leitura estritamente bblica com o valor da leitura dos Estudos das Escrituras, uma srie de seis volumes escritos por ele. Esta foi a avaliao que ele fez:

    Se, o Senhor, pois, proveu-nos em nossos dias algo que em seus dias os Apstolos desconheciam totalmente, no importa quo bons e sbios eles fossem para ns agora ignorarmos a linha de ensino que deste modo se desenvolveu seria, em nosso entendimento, ignorar as providncias do Senhor. Que cada um pense por si mesmo, porm, e guie sua conduta, concordemente, de todos os modos.

    Se os seis volumes de ESTUDOS DAS ESCRITURAS constituem praticamente a Bblia, organizada por temas, com referncias de textos bblicos, ns poderamos chamar a esses, no de modo imprprio a Bblia numa forma organizada. Isto quer dizer que no so meramente comentrios da Bblia, mas so praticamente a prpria Bblia, j que no h desejo algum de edificar qualquer doutrina ou idia com base em qualquer preferncia individual ou sabedoria individual, e sim de apresentar todo o assunto em concordncia com a Palavra de Deus. Achamos seguro, portanto, acompanhar este tipo de leitura, este tipo de instruo, este tipo de estudo bblico.

    Ademais, no s descobrimos que as pessoas, estudando apenas a Bblia, no conseguem entender o plano divino, como tambm descobrimos que se algum pe de lado os ESTUDOS DAS ESCRITURAS, depois de j os ter usado e de se tornar familiarizado com eles, aps t-los lido durante dez anos se algum, pois, deixa-os de lado e os ignora, recorrendo s Bblia, embora entenda a Bblia

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    por dez anos, a nossa experincia mostra que dentro de dois anos ficar em trevas. Por outro lado, se tivesse simplesmente lido os ESTUDOS DAS ESCRITURAS, junto com suas referncias, sem ler uma nica pgina da Bblia, essa pessoa estaria na luz ao fim dos dois anos, porque teria a luz das Escrituras.6

    TODOS ELES SERO ENSINADOS POR DEUS

    Concluiramos, praticamente, que no podemos entender nada da Bblia seno conforme foi revelado. No iramos, portanto, perder tanto tempo fazendo o que sabemos que alguns fazem, lendo um captulo aps outro, sem proveito algum. No pensaramos em fazer isso. No pensaramos de modo algum estar estudando as Escrituras. Acharamos que estvamos seguindo um rumo que poderia ser qualquer coisa, menos algo proveitoso para ns prprios e muitos outros no passado meramente lendo as Escrituras por cima. Diramos que o mesmo Pai Celestial que nos guiou a esta verdade, a esta compreenso das Escrituras como filhos dele, se tivesse mais informaes para ns ele as traria nossa ateno de alguma maneira; e deste modo no vemos necessidade de ler o Novo Testamento todo dia ou todo ano; no consideramos isso necessrio. Consideramos que o texto que diz Todos eles sero ensinados por Deus, implica que, do seu prprio modo designado, Deus trar nossa ateno qualquer aspecto da verdade divina que seja alimento no tempo devido para a famlia da f.

    __________________________

    OS ESTUDOS DAS ESCRITURAS NO SO UM SUBSTITUTO DA BBLIA

    No se trata, portanto, de colocar os ESTUDOS DAS ESCRITURAS como um substituto da Bblia, pois, longe de substituir a Bblia, os ESTUDOS, pelo contrrio, fazem continuamente referncia Bblia, e se algum tiver qualquer dvida quanto a alguma referncia ou se a lembrana de algum falhar em algum ponto e sua memria precisar ser reativada, ele veria de fato que cada pensamento

    6 Confira este ltimo pargrafo na Sentinela de 15 de agosto de 1964, pginas

    511, 512.

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    seu est em harmonia com a Bblia no meramente de acordo com os ESTUDOS DAS ESCRITURAS, mas de acordo com a Bblia.

    Podemos salientar que um bom nmero dos amigos na Verdade esto estabelecendo como norma ler doze pginas dos ESTUDOS DAS ESCRITURAS por dia, e que no conhecemos um s dos que esto seguindo este procedimento e fazendo uso dos vrios meios da graa que o Senhor tem provido (reunies da Aurora e de testemunho, reunies dominicais, reunies de Peregrinos, lies bereanas, texto do Man, etc.), que tenha sado da verdade. Conhecemos muitos que, ao contrrio, expressam a opinio de que sabiam destas coisas h muito tempo, enquanto, na verdade, no sabem a metade das coisas que sabiam esqueceram mais da metade do que leram e esto entre aqueles que agora tropeam, e indo para as trevas exteriores.

    No estamos com isto querendo dizer nada contra algum estudar meticulosamente os captulos que no entende e que outros no entendem, esperando lanar luz sobre alguma verdade. No fazemos objeo a isto. Tem o pleno direito de assim fazer se desejar. Tem o direito de gastar semanas e anos desta maneira se assim preferir, mas mesmo ento, as chances so de que, ao lanar luz sobre algo, ele venha a entend-lo totalmente errado.

    (O original desta matria encontra-se no Apndice)

    Eu s tinha ouvido vagas referncias a estas declaraes at que em 1979, numa reunio do Corpo Governante, o presidente Franz referiu-se a elas em apoio a um assunto que ele explicava, dizendo que:

    O Pastor Russell costumava dizer que se a pessoa tivesse de escolher entre ter apenas a prpria Bblia ou uma das publicaes da Sociedade, ela estaria melhor com as publicaes da Sociedade.

    Na ocasio, achei difcil crer que uma afirmao como essa fosse repetida como tendo algum valor, e quando mais tarde a encontrei na Sentinela de 1910 achei que uma organizao s poderia lembrar-se dessa afirmao com um sentimento de vergonha.

    A implicao clara das afirmaes da Torre de Vigia (escritas por Russell) era de que improvvel que algum aprenda o propsito de Deus s com a Bblia. Alm disso, se algum largasse os Estudos das Escrituras, escritos por Russell, e lesse apenas a Bblia, de acordo com a experincia, cairia em trevas dentro de dois anos. Se algum lesse os Estudos das Escrituras, porm, ainda estaria na luz embora no

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    tivesse tocado na Bblia durante esses dois anos. No se considerava necessrio ler a Bblia captulo por captulo, mas recomendava-se a leitura diria regular dos Estudos das Escrituras como fazer uso da proviso do Senhor. Aparentemente, antes do surgimento desses escritos do presidente da Torre de Vigia pessoa alguma da terra podia realmente compreender a Bblia.

    Incrivelmente, de todas as publicaes escritas por Russell, nem uma nica hoje impressa ou estocada pela Sociedade Torre de Vigia. Assim mesmo, a opinio expressada pelo presidente da Sociedade em 1910 foi basicamente confirmada na Esccia em 1954 e tambm na reunio do Corpo Governante em 1979. Uma grande diferena foi que, com o passar dos anos, o foco foi deslocado para a organizao, em lugar de um indivduo e seus escritos. A afirmao de que a literatura da Sociedade Torre de Vigia era essencial, um requisito virtualmente indispensvel para a compreenso da Bblia, permaneceu. No s permaneceu, mas foi ampliado com notvel dogmatismo, pois a aceitao dos ensinos encontrados nessa literatura foi ento declarada como requisito divino para ganhar a prpria vida. Diferente da situao do tempo de Russell, a discordncia agora levaria excomunho.

    Ainda em 1979, exatamente em 17 de novembro, dia em que parti numa viagem de zona frica Ocidental, Fred Franz, ento presidente da Sociedade, dirigia a considerao bblica matinal para a famlia da sede mundial. Ele fez estes comentrios, que um dos membros presentes anotou, passando-os depois para mim quando retornei, por ser um assunto de interesse.

    Alguns esto agora falando em ler a Bblia, que ns devemos ler s a Bblia. Ora, isso o que as igrejas da cristandade vm dizendo ao povo h sculos, e olhem a confuso que resultou.

    bom recordar que ns fomos a Sociedade Torre de Vigia de Tratados durante muito tempo antes de nos tornarmos a Sociedade Torre de Vigia de Bblias e Tratados.7 Apenas em poca relativamente recente que viemos de fato a publicar Bblias. O nico propsito de nossa existncia como uma Sociedade anunciar o Reino estabelecido em 1914 e fazer soar o aviso da queda de Babilnia, a Grande. Temos uma mensagem especial a divulgar.

    7 O nome original da corporao era Sociedade Torre de Vigia de Tratados de

    Sio.

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    Ao dirigir reunies matinais na sede, eu mesmo tinha, muitas vezes, incentivado mais leitura das prprias Escrituras, enfatizando-as como a verdadeira fonte de conhecimento e autoridade final para os cristos. No tinha a sensao de que defendia algo contra os interesses da organizao. Nunca esqueci o que considerei argumentos fortes e inesquecveis duma edio de A Sentinela publicada em 1946.8 Com o ttulo Seja Deus Verdadeiro, o artigo analisava declaraes de autoridades judaicas e catlicas quanto a serem em todas as pocas a depositria de toda a verdade. Estas foram as afirmaes feitas:

    8 Edio de 1o de novembro de 1946 (em ingls), pgina 330. Corresponde de

    janeiro de 1947 em portugus, pginas 9 e 10, cujos scans dos pargrafos 37 a 40 so mostrados aqui.

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    Fiquei profundamente impressionado pela resposta do artigo de A

    Sentinela s pretenses das organizaes hierrquicas ao dizerem, primeiro, que:

    No se pode deixar a Bblia a cada leitor para interpretar por si mesmo.

    E segundo, ao dizerem que: Ainda precisamos da organizao visvel dos fiis para

    fazer as vzes dum magistrio vivo ou autoridade de ensino.

    E terceiro, que:

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    A Bblia, deixada interpretao de cada um, resultou na condio religiosamente dividida do protestantismo.

    A cada uma dessas afirmaes a resposta da Sentinela era: No verdade! Em termos nada incertos ela dizia que no era por estar unidos em torno de uma organizao humana visvel que se evitava a desunio, mas pelo reconhecimento de Jeov Deus e Cristo Jesus. Sem ambigidade, A Sentinela dizia adiante que as Testemunhas de Jeov:

    ...no pretendem que a igreja seja o que a Hierarquia religiosa atribue sua organizao religiosa, a saber, a organizao que tem o magistrio ou cargo de ensino e por isso o Guarda e Intrprete da Bblia divinamente designado.

    Quando li essas declaraes no incio de 1946, concordei com elas de todo o corao, e at hoje posso apoiar sinceramente qualquer coletividade que viva por esses princpios. Durante muito tempo achei que estava fazendo exatamente isso. Certas pessoas me convenceram que no era assim. Foram exatamente as mesmas que publicaram essas declaraes a princpio.

    O escritor do artigo Seja Deus Verdadeiro foi Fred Franz. O artigo trazia declaraes firmes, claras e francas, cada uma das quais foi, em essncia, negada apenas oito anos mais tarde pelo testemunho dos trs representantes da Torre de Vigia na Esccia. Foram tambm rejeitadas, ponto por ponto, em artigos de A Sentinela que se seguiram. No avaliei quo real era essa rejeio at os nove anos que passei no Corpo Governante. Embora no fosse essa sua inteno, os membros do Corpo, de um modo geral, ajudaram-me a ver que os prprios princpios daquelas firmes declaraes feitas em 1946 eram pregados, mas nunca realmente praticados.

    Fazendo um retrospecto, no encontro nada aps 1946 que sequer se aproxime da firme posio em favor da liberdade pessoal expressa nos artigos publicados naquele ano. Por qu? O que pode ter causado tal mudana, tal ambivalncia, na qual uma organizao diz algo com tanta firmeza e aparente convico e depois, em poucos anos, toma uma posio que diametralmente oposta? Como puderam fazer as mesmas afirmaes que tinham antes denunciado nos outros como produto do esprito hierrquico? Como podem homens obviamente to dedicados a uma causa religiosa tomar conscientemente tal atitude,

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    e ao mesmo tempo no sentir necessidade de dar a seus co-membros qualquer explicao, fazer algum pedido de desculpas ou sequer uma refutao da posio anterior, to energicamente proclamada?

    Em parte isso se deve, sem dvida, aos humores, temperamentos e opinies instveis dos prprios homens. Isso ocorreu especialmente no perodo de 1942 a 1975, quando a administrao era um assunto muito pessoal, centralizado primariamente em torno de dois homens, Nathan Knorr e Fred Franz, sendo este ltimo a principal fonte de doutrina.9

    Mas, acima e alm da natureza imprevisvel e at instvel das atitudes e declaraes procedentes de tal fonte, creio que existe uma causa mais bsica para a fortssima atitude autoritria manifestada. Toda ela ilustra um padro de comportamento humano, padro que se repete ao longo dos sculos com regularidade quase deprimente. o padro de um grupo de pessoas que larga uma religio ou religies estabelecidas, que comea com a declarao expressa de que a Bblia e ser seu nico guia definitivo, sua nica fonte legtima e autorizada de informao; que depois aumenta em nmero e idade histrica como entidade, e que gradualmente produz uma srie de ensinos que logo estabelece como normas, como a Verdade, o teste final para medir o cristianismo das pessoas. Isto se complementa pelo desenvolvimento paralelo de uma estrutura autoritria, para assegurar que todos os membros apiem esse corpo de ensinos. Em casos extremos ela pode eventualmente vir a prescrever o que se deve ler, estudar, conversar, ensinar e praticar por todos os que aderem a essa estrutura, que assume como seu direito legtimo a autoridade de disciplinar todos os que no acatam suas normas estabelecidas por humanos. Tais grupos se tornam, assim, muito semelhantes s religies estabelecidas que tinham anteriormente abandonado. Este tem sido o padro de desenvolvimento de muitas das religies que agora existem.

    Esse padro perene precedido e reforado por um fator ainda mais bsico, que contribuiu para subverter a congregao crist original, transformando-a, de fraternidade unida apenas pelo vnculo do amor e pela aceitao comum de crenas essenciais, num sistema hierrquico

    9 Conforme se observa em Crise de Conscincia (captulo 4, nota de rodap 15),

    Karl Klein, membro do Corpo Governante, referiu-se a Fred Franz, em algumas reunies do Corpo, como o orculo da organizao.

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    religioso, radicalmente institucionalizado. Esse fator fundamental simplesmente a tendncia dos homens de impor sua prpria vontade aos outros, tendncia contra a qual Cristo Jesus achou necessrio advertir repetidamente seus discpulos. Essa concluso, creio eu, apoiada tanto pelas Escrituras como pela histria.

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    Autoridade Centralizada

    Vieram os sumos sacerdotes e os escribas com os ancios. Eles lhe disseram: Dize-nos em virtude de que autoridade fazes isso, ou quem aquele que te deu esta autoridade?

    Lucas 20:1, 2, Traduo Ecumnica.

    AUTORIDADE era a questo que estava no centro do conflito entre Jesus Cristo e os lderes religiosos de seus dias. Eles

    achavam que a autoridade centralizava-se neles prprios, estendendo-se para aqueles a quem eles delegassem. Viam Jesus como ameaa sua estrutura de autoridade. Viam-no como um intruso, um sedicioso religioso, que minava a posio deles perante o povo. Os ensinos dele eram herticos e perigosos porque ele no se ajustava s normas estabelecidas pelos ancios, s interpretaes elaboradas pelos instrutores para a comunidade do povo pactuado de Deus.

    Desde ento, a mesma questo surgiu vez aps vez ao longo dos sculos. Incrivelmente, pessoas que antes tinham corajosamente resistido tirania da autoridade foram depois, muitas vezes, seduzidas pelo apelo ao que parece prtico do ponto de vista humano, ou pela oportunidade que isso oferece de dominar os outros. Quando isto ocorre, a verdade substituda por raciocnios ilusrios e plausibilidade. A conscincia cede convenincia. A integridade substituda pelo pragmatismo e pela idia de que o fim justifica os meios.

    Durante os anos 1975 e 1976, a organizao das Testemunhas de Jeov passou por um perodo turbulento, que levou completa reestruturao da cpula da administrao central da organizao. O controle monrquico da sociedade civil pelo presidente foi substitudo pelo controle por um colegiado, o Corpo Governante das Testemunhas

    A

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    de Jeov.1 Durante aquele perodo pensei mais seriamente no assunto da autoridade que em qualquer poca anterior. Que existisse autoridade na congregao crist eu no questionava, pois as Escrituras usam claramente o termo. Mas que tipo de autoridade, para realizar o qu, e com que limites? Eu fora designado pelo Corpo Governante a fazer parte de uma comisso de cinco membros a quem caberia fazer recomendaes quanto questo da administrao da organizao. Essa comisso encarregou-se de redigir concluses a serem submetidas ao Corpo inteiro. Textos que eu inclura nesse documento ficavam vindo minha mente:

    Mas vocs no devem ser chamados rabis; um s o Mestre de vocs, e todos vocs so irmos... Tampouco vocs devem ser chamados chefes, porquanto vocs tm um s Chefe, o Cristo.

    Como sabeis, os chefes das naes as mantm sob seu poder, e os grandes, sob seu domnio. No deve ser assim entre vs. Pelo contrrio, se algum quer ser grande entre vs, seja vosso servo.2

    Quanto mais pensava, mais convencido ficava de que nada que alterasse esse relacionamento de irmos poderia ser genuinamente cristo. Qualquer ttulo ou posio oficial que, por si, ponha alguns num nvel espiritual diferente dos outros, ou de algum modo infrinja o direito exclusivo do Filho de Deus como nico Mestre e Instrutor dos seus seguidores, deve ser, creio, um desvio do esprito do cristianismo.

    Que dizer das designaes encontradas nas Escrituras Crists, tais como pastor, instrutor, profeta, ancio e outras? Parece evidente que todas estas efetivamente descreviam, no cargos ou posies oficiais numa estrutura de autoridade, mas servios a serem prestados comunidade dos irmos ou qualidades e habilitaes pessoais a serem usadas em benefcio dos outros. A autorizao que tais pessoas tinham para prestar esses servios no fazia deles cabeas espirituais sobre seus irmos, pois a cabea de todo homem o Cristo, e ningum mais.3

    Esses servios, qualidades e habilidades tinham como alvo ajudar as pessoas a crescer como cristos maduros, no as fazer permanecer 1 Veja Crise de Conscincia, captulo 4. 2 Mateus 23:8, 10, NVI. Mateus 20:25, 26, TEB. 3 1 Corntios 11:3; confira 1 Corntios 12:4-11, 27-31.

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    como crianas espirituais e mentais, constantemente dependentes de outros que pensem por eles, tomem decises por eles, levando-os assim a serem facilmente conduzidos de um ensino mutvel para outro.4 Tinham de ser como crianas em sua relao com Deus e Cristo, no com os homens. O objetivo de se associarem em congregaes era promover seu crescimento como pessoas maduras, homens e mulheres plenamente desenvolvidos, que no precisam e nem reconhecem nenhuma liderana espiritual a no ser a de Cristo.5

    O apstolo, escrevendo a Timteo, descreveu a comunidade crist em termos de uma relao familiar. (1 Timteo 5:1, 2) Os irmos que eram ancios na idade e na experincia crist podiam corretamente servir de modo similar ao do irmo mais velho da famlia. Para ilustrar, na ausncia do chefe da famlia, seus filhos mais velhos podiam encarregar-se de fazer a famlia cumprir as instrues deixadas por ele, incentiv-la a obedecer aos desejos e instrues dados. Mas esses filhos mais velhos jamais poderiam agir como se fossem o chefe da famlia, o dono da casa, como se eles prprios tivessem o direito de estabelecer regras de conduta para a famlia alm das j estabelecidas pelo chefe. Tampouco poderiam legitimamente esperar ou exigir a deferncia e a submisso que pertenciam a ele, o chefe. Assim seria na famlia ou casa crist, que tem a Cristo como Cabea e Amo, com as instrues que ele mesmo deu, quer pessoalmente, quer atravs dos apstolos que escolheu.6

    Eu achava que o arranjo monrquico em vigor na administrao da organizao das Testemunhas de Jeov at 1976 era a principal causa do clima autoritrio dominante. Aps a grande reestruturao de 1975-76 ficou evidente que eu estava enganado. Eu esperava sinceramente que o novo arranjo assinalasse uma mudana bsica de atitude e de esprito, ou pelo menos abrisse caminho para ela, com nfase em servir aos outros, e no na atitude de control-los ou trat-los como subordinados. Com o tempo ficou bem claro que o resultado final fora essencialmente a diviso e a partilha do poder, com um grupo de homens passando a agir do mesmo modo que um nico homem fazia antes. Na verdade, o interior da casa fora remodelado, 4 Confira Efsios 4:11-16; 1 Corntios 3:1-3; Hebreus 5:12-14. 5 Mateus 18:3; 23:9; 1 Corntios 14:20; 16:13; Efsios 4:14. 6 1 Corntios 11:3; Efsios 4:15, 16.

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    mas ainda era a mesma casa, suas caractersticas bsicas pouco mudaram. A estrutura autoritria e as atitudes do passado ainda existiam e dominavam.

    De incio, a transferncia do poder de um s homem, o presidente, para um corpo de homens, foi uma mudana estimulante. medida, porm, que o tempo passava, passei a sentir uma sensao de quase repugnncia pela expresso membro do Corpo Governante. Os poucos de ns que levavam esse ttulo tornaram-se objeto de ainda maior deferncia e ateno. No pude deixar de notar que, s vezes, mesmo nas oraes das reunies, os irmos expressavam gratido a Deus e ao Corpo Governante pelas coisas recebidas. Parecia que o papel de Cristo Jesus, o Amo, em vez de tornar-se mais destacado (como era de esperar), tinha ficado em segundo plano, como se no tivesse significado suficiente para merecer mais que menes ocasionais. O Esprito Santo como meio de Deus guiar, ensinar e suster, em vez de receber maior reconhecimento, parecia ainda mais distante do cenrio, praticamente nunca recebendo meno em tais oraes. Embora a parte que tive nessa reestruturao administrativa tivesse sido fruto da designao que recebi do Corpo Governante, eu me sentia, no entanto, perturbado por qualquer responsabilidade minha por aquilo que eu estava vendo.

    Numa reunio do Corpo Governante, esta questo surgiu de modo um tanto indireto, como fora a observao do presidente de que era prefervel ter uma das publicaes da Sociedade ao invs de ter s a Bblia. Nessa reunio especfica, Karl Klein, meio precipitadamente, comeou a criticar Ed Dunlap, membro do Departamento de Redao e ex-secretrio da Escola de Gileade, por ter usado, numa matria que escrevera, a expresso corp