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.......................................................................................................................................................................................................................... .......................................................................................................................................................................................................................... Ano XXXII Outubro, Novembro e Dezembro de 2018 137 RBCE Revista Brasileira de Comércio Exterior ARGENTINA Macroeconomia sob tutela do FMI BRASIL Benefícios e custos da abertura do comércio exterior Interações entre política industrial e política comercial Atividade inovadora dos grupos multinacionais industriais As micro e pequenas empresas nas exportações entre 2009 e 2017

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Page 1: RBCE Revista Brasileira de Comércio Exterior 137 · 2019. 2. 13. · Dezembro de 2018 RBCE 137 Revista Brasileira de Comércio Exterior ARGENTINA Macroeconomia sob ... Rebeca Gouget

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Ano XXXII

Outubro, Novembro e

Dezembro de 2018

137RBCERevista Brasileira de Comércio Exterior

ARGENTINA

Macroeconomia sob tutela do FMI

BRASILBenefícios e custos da abertura do comércio exterior

Interações entre política industrial e política comercial

Atividade inovadora dos grupos multinacionais industriais

As micro e pequenas empresas nas exportações entre 2009 e 2017

Page 2: RBCE Revista Brasileira de Comércio Exterior 137 · 2019. 2. 13. · Dezembro de 2018 RBCE 137 Revista Brasileira de Comércio Exterior ARGENTINA Macroeconomia sob ... Rebeca Gouget

1Nº 137 - Outubro/Novembro/Dezembro de 2018

RBCE - A revista da SumárioSumárioSumário

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2 EDITORIAL Abertura comercial, política industrial e instrumentos de defesa comercial em debate

Ricardo Markwald

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3 ABERTURA COMERCIAL Benefícios e custos da abertura do comércio exterior do Brasil

Otaviano Canuto

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24 A ATIVIDADE INOVADORA DAS MULTINACIONAISAtividade inovadora dos grupos multinacionais industriais brasileiros

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8 POLÍTICA COMERCIAL E INDUSTRIALInterações entre política industrial e política comercial no Brasil:

da era desenvolvimentista à indústria 4.0Ana Paula Repezza, Carlos Pio, Eduardo Leoni,

Luís Gustavo Montes, Rafael Moreira e Rebeca Gouget

38 AS MPE NAS EXPORTAÇÕES BRASILEIRASAs micro e pequenas empresas nas exportações brasileiras no período 2009-2017

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56 ARGENTINAA macro argentina sob a tutela do FMI

Ramiro Albrieu e Guillermo Rozenwurcel

64 DEFESA COMERCIALUm comentário a favor da defesa comercial

Aluisio de Lima-Campos

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8 Nº 137 - Outubro/Novembro/Dezembro de 2018

Política Industrial e Comercial

Interações entre política industrial e política comercial no Brasil: da Era Desenvolvimentista à Indústria 4.0

Ana Paula Repezza Carlos Pio Rafael MoreiraLuís Gustavo MontesEduardo Leoni

Na última década, temos visto o ressurgimento da política industrial não apenas nos países em desenvolvimento, como tam-bém nos países desenvolvidos. No entanto, tal política aparece em uma nova roupagem, afastando-se dos objetivos e instru-mentos que tradicionalmente guiaram o debate sobre o tema. As novas tecnologias disponíveis e o novo padrão de produção e comércio mundial têm norteado as discussões. Intervenções em setores específicos têm dado espaço para medidas que visem à criação de sistemas e redes, ao desenvolvimento de instituições e ao alinhamento de prioridades estratégicas.

Ao mesmo tempo, no Brasil, vimos o crescimento do intervencionismo na economia nas duas últimas gestões do governo Federal. Esse intervencionismo se deu de maneira muitas vezes descoordenada e calcada em medidas que envolviam vultosos recursos governamentais, além de ferir compromissos firmados pelo Brasil junto à Organização Mundial do Comércio (OMC). No quadro externo vemos também uma nova situação, com a proliferação de acor-dos e mega-acordos comerciais, e o crescimento da economia digital e da sua integração com a indústria nas cadeias globais de valor. Esses novos cenários externo e interno demandam repensar a forma como se tem elaborado e im-plementado as políticas industriais no Brasil, sua interface com a nossa política comercial e sua viabilidade diante do contexto atual de austeridade fiscal.

O presente artigo apresenta o histórico das políticas brasileiras comerciais, industriais, e sua interação, sugerindo novas abordagens para uma política industrial voltada para o século XXI. Inicialmente revisitamos as políticas in-dustriais e comerciais adotadas no Brasil ao longo das últimas décadas. Em seguida, discutimos o novo contexto em que tais políticas devem ser pensadas – cadeias globais de valor, indústria 4.0 e mega-acordos. Por fim, apresentamos sugestões de temas que devem ser prioritários na elaboração de uma nova política industrial brasileira.

Rebeca Gouget

Ana Paula Repezza é Analista de Negócios Internacionais da Apex-Brasil, e atualmente ocupa o cargo de Diretora de Integração Produtiva e Desenvolvi-mento Econômico da SAE-PR. Mestre em Gestão Internacional pela University of London.

Carlos Pio é professor de Economia Política Internacional da Universidade de Brasília e atualmente ocupa o de Secretário de Planejamento Estratégico da SAE-PR. Doutor em Ciência Política pelo IUPERJ.

Eduardo Leoni é Analista de Gestão do IBGE e ocupa o cargo de Coordenador-Geral na Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Mestre em Ciência Política pela Universidade Columbia, Nova Iorque.

Luís Gustavo Montes é Analista de Comércio Exterior e ocupa o cargo de Assessor-Técnico na Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Possui MBA em Defesa Comercial pelo IBMEC e é Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília.

Rafael Moreira é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do MPDG e ocupa atualmente o cargo de Secretário de Inovação e Novos Negócios no MDIC. Mestre em Economia pela USP e em Computação pela UNB.

Rebeca Gouget é Analista de Comércio Exterior e ocupa o cargo de Coordenadora-Geral na Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Doutora e mestre em Economia pela Universidade de Brasília.

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9Nº 137 - Outubro/Novembro/Dezembro de 2018

RBCE - A revista da

POLÍTICA INDUSTRIAL: CONCEITOS E ANÁLISE DA TRAJETÓRIA BRASILEIRA RECENTE

Apesar de não haver uma definição única e amplamente aceita na literatura econômica para o conceito de política industrial, podemos entendê-la como “um conjunto de ações e instrumentos utilizados pelos países com o obje-tivo de fomentar o setor industrial e aumentar as taxas de crescimento econômico” (Coronel, De Azevedo e Cam-pos, 2014). Geralmente essa “engenharia institucional” busca afetar, em conjunto: (i) as capacidades tecnológicas de indivíduos e firmas; (ii) os sinais econômicos que eles enfrentam (incluindo, é claro, sinais de lucratividade e custos de oportunidade percebidos); (iii) as formas como interagem entre si e com as instituições que compõem o seu ambiente de negócios (por exemplo, governo, bancos de desenvolvimento, entidades de ensino e pesquisa, etc.) (Cimoli, Dosi e Stiglitz, 2015). O Quadro 1, na página seguinte, detalha os instrumentos de política industrial mais recorrentemente utilizados, tanto em países desen-volvidos quanto nos de menor desenvolvimento.

De modo geral, os que advogam a favor das políticas desenvolvimentistas reconhecem a relevância do setor industrial para o crescimento econômico e defendem o papel do Estado como indutor da competitividade des-te setor, geralmente por meio de medidas de proteção à indústria nacional. Embora haja um debate entre as vá-rias escolas de pensamento econômico sobre a validade da política industrial ou mesmo sobre quais são os instru-mentos mais adequados para a sua implementação (Nassif,

2000), o fato é que vários países utilizaram e continuam (G20, 2016) utilizando o Estado com o propósito de fo-mentar a indústria nacional.

Nos países latino-americanos, as políticas industriais co-meçaram a ser utilizadas a partir de 1930, por meio do modelo Industrialização por Substituição de Importações (ISI). Esse modelo amparou as políticas conduzidas em grande parte dos países da região até os anos 1980, e foi gradualmente substituído por políticas de orientação mais liberal a partir da década de 1990. Como será visto adiante, no Brasil não foi diferente. No entanto, a partir dos anos 2000, observou-se que políticas nos moldes do modelo de substituição de importações gradualmente voltaram a ser adotadas no Brasil, o que se intensificou a partir de 2011.

Política industrial em três tempos: desenvolvimentismo, redemocratização e neodesenvolvimentismo

• A era do desenvolvimentismo: 1950 a 1979Entre os anos de 1950 e 1980, o Brasil experimentou uma política industrial voltada para a substituição das importações. O objetivo era proteger o mercado nacio-nal das importações e criar incentivos para a produção de bens de maior valor agregado no território nacional. Para concretizar tal política, o Brasil adotou regimes tarifários que distorceram significativamente os seus fluxos de comércio, principalmente impondo altas ta-rifas de importação e barreiras não tarifárias com o ar-gumento de proteger a indústria nascente. Para esta, o governo também concedeu subsídios e renúncias fiscais, entre outros benefícios. Ao regular os sinais e incentivos econômicos enfrentados pelas empresas (conforme a modalidade (v) do Quadro 1), o Brasil optou por aban-donar ganhos imediatos de comércio para que as firmas domésticas tivessem a garantia do mercado nacional sem competição do exterior.

Durante esse período, o país adotou diversos planos de desenvolvimento que tinham como pilar a atuação do estado como protagonista nos projetos de transfor-mação setorial da economia brasileira em direção à sua maior industrialização, principalmente nas esferas (iii), (iv) e (v) do Quadro 1. Dentre eles, destacam-se o Plano de Metas de Juscelino Kubistchek (1956-1961); o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social (1963-1965); o Programa de Ação Econômica do Governo (1964-1966); o Programa Estratégico de Desenvolvi-mento (1967-1970); os Planos Nacionais de Desenvol-vimento, PND I (1972-1974); e PND II (1975-1979).

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Esses programas foram caracterizados por grandes gas-tos do governo com subsídios à produção doméstica e estímulo à substituição das importações utilizando-se, entre outros instrumentos, de compras governamen-tais atreladas a compromissos de utilização prioritária de conteúdo local, além da criação de empresas estatais em setores estratégicos da economia ( Jaroletto, 2009). Com efeito, a entrada de bens de capital e intermediá-

rios, que representavam 84,9% do total importado pelo Brasil, em 1949, passou a representar apenas 20,5% das nossas compras externas, em 1966 (Baer, 2015).

A partir de 1956, quando Juscelino Kubitscheck lançou seu Plano de Metas, o percentual do PIB brasileiro destina-do aos subsídios à produção1 e aos investimentos estatais foca-dos no aumento da capacidade produtiva do país 2 aumentou

Esferas da Política Industrial Políticas Públicas Relacionadas Instituições Envolvidas

(i) Inovação científica e tecnológica Políticas para ciência e tecnologia, ensino superior, projetos de fronteira tecnológica

Universidades, centros de pesqui-sa, hospitais, agências espaciais e militares, entre outros.

(ii) Aprendizagem e capacidades tecnológicas socialmente distribuídas

Programas de educação e qualificação profissional abrangentes

Instituições do ensino básico ao técnico, chegando até a universi-dades politécnicas.

(iii) Apoio a indústrias específicas, afetando seus modelos organizacionais – prioritariamente sua estrutura, composição societária e modos de governança (por exemplo, empresas domésticas versus estrangeiras, familiares versus públicas etc.)

Criação de empresas estatais, ou sua privatização; políticas de “campeãs nacionais”; políticas promovendo ou restringindo o investimento estran-geiro direto (IED); legislações regulando os limites de governança corporativa das empresas

Empresas estatais, bancos estatais, fundos estatais de investimento, prestadores de serviços públicos como energia, saneamento etc.

(iv) Ampliação das capacidades dos agentes econômicos (em última instância, as empresas) em termos do conhecimento tecnológico que eles incorporam, a eficácia e velocidade com que eles buscam novos avanços tecnológicos e organizacionais etc.

Pontos (ii) e (iii), além de políticas de P&D; políticas relacionadas à aquisição de novos equipamentos etc.

(v) Regulação dos sinais e incentivos econômicos enfrentados pelas empresas (incluindo preços reais e esperados no médio-longo prazo, taxas de lucro reais e esperadas no médio-longo prazo, patenteamento de inovações, barreiras à entrada etc.)

Regulação de preços; tarifas e cotas no comércio internacional; legislação relativa à propriedade intelectual etc.

Agências reguladoras, agências que gerenciam subsídios à pesqui-sa e à produção, entidades que controlam o comércio interna-cional, agências que concedem e controlam direitos de proprieda-de intelectual.

(vi) Mecanismos de seleção (sobreposição com os acima) Políticas e legislação relativos a antitruste e concorrência; abertura e falência de empresas; alocação de recursos financeiros; mercados de corporate venture etc.

Autoridades antitruste, instituições que regem os procedimentos de falência etc.

(vii) Padrões de distribuição de informação e de interação entre diferentes tipos de agentes (por exemplo, clientes, fornecedores, bancos, acionistas, gestores, trabalhadores etc.)

Governança dos mercados de trabalho; mercados consumidores; relações entre bancos e indústrias etc. até acordos para controle do fluxo e do compartilha-mento de informações internas, formas de coopera-ção e competição entre firmas rivais etc.

QUADRO 1INSTRUMENTOS DE POLÍTICA INDUSTRIAL

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Fonte: Cimoli, Dosi e Stiglitz, 2015, p. 55. Elaboração dos autores.

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1 De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), subsídios à produção são “transferências correntes do governo sem contrapartida, destinadas a influenciar os níveis de produção, os preços dos produtos ou a remuneração das unidades institucionais envolvidas no processo produtivo, permitindo que o consumidor dos respectivos produtos ou serviços seja beneficiado por preços inferiores aos que seriam fixados no mercado, na ausência dos subsídios”. Fonte: IBGE (2010). Notas metodológicas da nova série do Sistema de Contas Nacionais (SCN). 2010. Disponível em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/Contas_Nacionais/Sistema_de_Contas_Nacionais/Notas_Metodologicas_2010/05_glossario_referencias.pdf>. Acesso em 26/09/2018.2 Os investimentos públicos destinados a implementação e manutenção das empresas estatais compõem a formação bruta de capital fixo (FBKF) da economia. Conforme Jaloretto (2009), “quanto às empresas estatais, o passado nos mostra que elas, em maior ou menor grau, foram utilizadas (...) como instrumentos de políticas públicas” atuando como indutoras do desenvolvimento industrial no Brasil.

Política Industrial e Comercial

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RBCE - A revista da

GRÁFICO 1SUBSÍDIOS À PRODUÇÃO E INVESTIMENTOS ESTATAIS EM FBKF PARTICIPAÇÃO PERCENTUAL NO PIB, 1950-1979

Fonte: IBGE. Estatísticas do século XX. Disponível em: <https://seculoxx.ibge.gov.br/economicas>. Acesso em 24/09/2018.

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GRÁFICO 2DÉFICIT E SUPERÁVIT PÚBLICO BRASILEIRO - PARTICIPAÇÃO PERCENTUAL NO PIB, 1950-1979

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Fonte: IBGE. Estatísticas do século XX. Disponível em: <https://seculoxx.ibge.gov.br/economicas>. Acesso em 24/09/2018.

significativamente em relação aos anos anteriores. Como é possível observar no Gráfico 1, os programas desenvolvi-mentistas implementados ao longo dos governos seguintes mantiveram esse padrão. As diferenças entre eles residiam

tão somente na importância relativa conferida aos subsí-dios e aos investimentos estatais no total de gastos públicos voltados ao desenvolvimento industrial do Brasil.

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Os crescentes gastos com subsídios e investimentos produtivos estatais foram financiados pelos diferentes governos, ora via maior endividamento público, ora via aumento da carga tributária no Brasil. Os governos de Juscelino Kubitschek (1956-1961) e João Goulart (1961-1964) optaram pelo afrouxamento da disciplina fiscal (Orenstein, Sochaczewski, 1990) como forma de viabilizar seus programas desenvolvimentistas. A con-cessão de subsídios à produção passou de 0,4% para 1,5% do PIB entre 1956 e 1964. Neste mesmo período, o déficit público3 brasileiro passou de 2,2% para 4,0% do PIB, como é possível observar no Gráfico 2.

Com a chegada dos militares ao poder, em 1964, o con-trole do déficit público passou a ser um dos pilares da agenda econômica. De fato, a partir daquele ano, houve redução nos níveis de endividamento público, com su-perávit registrado em todos os anos entre 1966 e 1979, à exceção de três deles. No entanto, o viés desenvolvi-mentista se manteve na forma de aumento contínuo nos investimentos estatais - que saíram de 3,7% do PIB, em 1964, para o pico histórico de 5,4%, em 1969. A solu-

ção encontrada para equacionar o controle dos gastos públicos com o aumento dos investimentos estatais foi o crescimento significativo da carga tributária no Brasil ( Jaroletto, 2009).

A partir de 1970, os investimentos estatais perderam importância na agenda desenvolvimentista, chegando a 2,47% do PIB, em 1979 – valor próximo aos níveis pré-Juscelino Kubitscheck. Por sua vez, a concessão de subsídios à produção volta a ganhar relevância na po-lítica industrial. Entre 1970 e 1975, eles saltaram de 0,8% para 2,7% do PIB. Nos quatro anos seguintes hou-ve nova queda na concessão de subsídios. No entanto, em 1979, eles representaram 1,9% do PIB – o segundo maior valor desde 1956.

• A busca pela estabilidade econômica como política de desenvolvimento: 1980 a 2001

A crise internacional causada pelos choques do petróleo nos anos 1970 e a instabilidade da economia mexicana no início da década de 1980 impactaram significativa-

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GRÁFICO 3SUBSÍDIOS À PRODUÇÃO E AOS INVESTIMENTOS ESTATAIS EM FBKFPARTICIPAÇÃO PERCENTUAL NO PIB, 1980-20011

Fonte: IBGE. Estatísticas do século XX. Disponível em: <https://seculoxx.ibge.gov.br/economicas>. Acesso em 24/09/2018.

Nota 1: Em função da inexistência de programas desenvolvimentistas durante esse período, optou-se por destacar os seus marcos críticos de acordo com os ciclos presidenciais, e não de acordo com as políticas industriais como nos gráficos 1 e 5.

Política Industrial e Comercial

3 Considerando alterações metodológicas no Sistema de Contas Nacionais (SCN), e conforme Jaroletto (2009), os valores relativos ao déficit ou superávit público entre 1950 e 2000 apresentados neste artigo correspondem à rubrica “Necessidades de Financiamento do Setor Público (NFSP)” do SCN.

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RBCE - A revista da

4 A exemplo do Acordo Antidumping da OMC, internalizado pelo país em 1987 pelo Decreto 93.941.

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mente o crescimento econômico do Brasil durante o fim do governo militar, na gestão de Figueiredo. O forte en-dividamento público e a elevada inflação causados por quase três décadas de elevados gastos com subsídios e empresas estatais aliados à pouca disciplina fiscal força-ram a busca pelo equilíbrio macroeconômico, com re-dução no foco em políticas industriais a partir de então.

As medidas de política industrial adotadas no período se restringiram a atuações pontuais, como o apoio estra-tégico à posição competitiva da Embraer ou mesmo a reformulação da Lei de Informática (Nassif, 2003). Ao mesmo tempo, instrumentos multilaterais de defesa co-mercial como as medidas antidumping e salvaguardas, que haviam sido recentemente adotados pelo Brasil 4, passaram a ser utilizados para poupar alguns setores dos “malefícios” da ampliada concorrência externa. Como veremos a seguir, tais medidas não apenas se mostraram inócuas como contribuíram para o aumento da lacuna tecnológica entre o Brasil e o restante do mundo.

A assinatura do Acordo com o FMI em 1983 impôs maior disciplina fiscal ao Brasil, acelerando a trajetória de queda nos subsídios setoriais, que passaram de 3,8% do PIB em 1980 para 0,3% em 2001. A exceção a este

período foram os três anos subsequentes à abertura co-mercial realizada no governo Collor, na década de 1990, com os subsídios totais representando 1,8% do PIB, em 1992. Tal aumento decorreu da necessidade de se ampa-rar os setores mais afetados pela crescente concorrência externa pós-abertura, especialmente os intensivos em mão de obra, como vestuário, calçados e brinquedos.

Por sua vez, os investimentos estatais subiram de 2,3% do PIB, em 1980, para 3,2%, em 1994, como consequência da incorporação pelo BNDESPAR de empresas inadim-plentes para saneamento financeiro e posterior privati-zação (Araújo, Costa e Melo, 2015). A implementação de uma estratégia consistente de privatizações somente veio a acontecer no governo Fernando Henrique Car-doso. Ainda assim, em 2001, os investimentos estatais em FBKF representaram 2,4% do PIB, valor superior ao observado em 1980. O Gráfico 3 mostra a evolução da concessão de subsídios e dos investimentos estatais ano longo do período de 1980 a 2001.

Ainda que as políticas de substituição às importações tivessem perdido fôlego a partir da redemocratização do país e que os governos Collor de Mello e FHC tenham sido marcados pela concepção de que uma política eco-

GRÁFICO 4DÉFICIT E SUPERÁVIT PÚBLICO BRASILEIROPARTICIPAÇÃO PERCENTUAL NO PIB, 1980-2001

Fonte: IBGE. Estatísticas do século XX. Disponível em: <https://seculoxx.ibge.gov.br/economicas>. Acesso em 24/09/2018. ............................................................................

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nômica que promovesse a estabilidade era a melhor for-ma de o governo fomentar o setor industrial, a reversão do déficit público somente ocorreu a partir do final da década de 1990. O Gráfico 4 evidencia a trajetória das contas públicas no período de 1980 a 2001.

No geral, as reformas orientadas para o mercado lan-çadas e implementadas entre 1990 e 2002 foram um ponto de partida fundamental para um novo modelo de desenvolvimento no Brasil. O eixo da estratégia não era simplesmente retirar o Estado do seu papel anterior de dirigir diretamente a economia privada; especialmente depois de 1994, foi também capacitar novas agências e órgãos reguladores para que a meta de crescimento so-cialmente inclusivo pudesse ser alcançada.

• A retomada das políticas desenvolvimentistas: 2003 a 2014

O retorno da política industrial enquanto instrumento voltado para o desenvolvimento econômico ocorreu a partir de 2003, na primeira gestão de Luiz Inácio Lula da Silva. Entre 2003 e 2013, foram lançadas três polí-ticas industriais: Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) em 2004; Política de De-senvolvimento Produtivo (PDP), em 2008 (segundo governo Lula); e o Plano Brasil Maior (PBM), em 2011 (primeiro Governo Dilma).

A PITCE foi concebida tendo como pano de fundo as preocupações de vulnerabilidade externa demonstradas durante a crise de 1999. Foi dada grande relevância ao papel da inovação, da agregação de valor às exportações, das micro e pequenas empresas e dos custos de bens de capital. A Lei do Bem, a Lei de Inovação e o Estatuto da Micro e Pequena Empresa remontam a esse período. Por sua vez, a PDP foi formulada num contexto macro-econômico mais favorável, com melhora da balança co-mercial e crescimento do setor industrial. Ela manteve alguns dos elementos da política anterior, como a ino-vação, mas ampliou o foco em alavancar o investimento. No entanto, com a crise financeira, ela acabou se trans-formando em uma política de caráter anticíclico.

A primeira reação do governo à crise de 2008 foi a ex-pansão do crédito. Com o aprofundamento da crise e aumento das importações, cresceram, ao longo de 2011,

as pressões por proteção ao setor industrial. O Plano Bra-sil Maior foi concebido e lançado nesse contexto. Entre suas principais medidas estavam: desoneração da folha de pagamento, redução do IPI sob bens de capital, extensão do programa de sustentação dos Investimentos (PSI), criação de várias linhas de financiamento pelo BNDES, criação de um regime especial automotivo, ampliação do financiamento à inovação entre outros. Tratava-se de uma política de substituição das importações com uma cara nova, mas que apostava na mesma receita: restrição às importações, exigência de conteúdo nacional nos pro-dutos,escolha de campeões nacionais e renúncias fiscais a determinados setores. Segundo análise da consultoria do Senado Federal (Mattos, 2016), das 287 medidas seto-riais do PBM, 40 (13,9%) tinham viés protecionista.

Ainda que cada uma dessas políticas tenha sido lançada em contextos e com objetivos diferentes, todas tinham em comum – pelo menos na concepção dos formulado-res – o objetivo de ampliação da competitividade e da produtividade. Foram utilizados instrumentos de políti-ca industrial correspondentes a todas as tipologias apre-sentadas no Quadro 1, no início deste artigo. Merecem destaque, todavia, as políticas de conteúdo local, os in-vestimentos estatais em setores estratégicos (petróleo e gás e naval, por exemplo) e a concessão de subsídios para determinados setores da economia.

A retomada da visão do Estado como indutor do pro-cesso de crescimento econômico levou a uma ampliação dos gastos tributários5 com a política industrial (Curado e Curado, 2016). Como mostra o Gráfico 5, eles cor-respondiam a 0,7% do PIB, em 2004, e passaram para 1,6%, em 2013. Por sua vez, os investimentos estatais em FBKF oscilaram entre 2,1% do PIB, em 2004, e 2,7%, em 2013, com um pico de 3,2%, em 2010, refletindo a expansão do Programa de Sustentação de Investimentos (PSI) e a crescente participação societária do BNDES nas chamadas “campeãs nacionais”. A combinação des-tes instrumentos fez com que o total de gastos governa-mentais voltados para o desenvolvimento industrial no Brasil chegasse a 4,3% do PIB, em 2013.

Apesar do aumento nos gastos governamentais com os programas desenvolvimentistas entre 2004 e 2013, o resultado primário permaneceu superavitário durante todo o período, como mostra o Gráfico 6. O boom in-

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Política Industrial e Comercial

5 De acordo com a Receita Federal do Brasil (RFB), “gastos tributários são gastos indiretos do governo realizados por intermédio do sistema tributário, visando atender objetivos econômicos e sociais.” A lista de tributos objeto das desonerações tributárias das políticas industriais listadas neste artigo inclui o Imposto de Importação (II), o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI, tanto para operações internas quanto paras as vinculadas à importação), o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), a contribuição social para o PIS/Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a Cofins.

Page 10: RBCE Revista Brasileira de Comércio Exterior 137 · 2019. 2. 13. · Dezembro de 2018 RBCE 137 Revista Brasileira de Comércio Exterior ARGENTINA Macroeconomia sob ... Rebeca Gouget

1 5Nº 137 - Outubro/Novembro/Dezembro de 2018

RBCE - A revista da

GRÁFICO 5GASTOS TRIBUTÁRIOS E INVESTIMENTOS ESTATAIS EM FBKFPARTICIPAÇÃO PERCENTUAL NO PIB, 2002-20131

Fontes: Contas Nacionais do IBGE; Curado e Curado (2016).

Nota: 1. Para a análise dos gastos governamentais com políticas industriais no período 2002-2014 optou-se por utilizar os dados da Receita Federal do Brasil apresentados por Curado (2016), em função de sua maior precisão. Desta forma, o Gráfico 5 utiliza o conceito de “gastos tributários” e não “subsídios”. Não foi possível utilizar a mesma metodologia para os dois períodos anteriores em função da indisponibilidade desses dados desagregados antes de 2004.

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GRÁFICO 6DÉFICIT E SUPERÁVIT PÚBLICO BRASILEIRO - PARTICIPAÇÃO PERCENTUAL NO PIB, 2004-2017

Fonte: Ipea.

ternacional das commodities colaborou para esse resul-tado, gerando crescimento e receitas fiscais adicionais para o Brasil à época. Somando-se a isso os efeitos po-

sitivos do ajuste orçamentário promovido por Fernando Henrique Cardoso em sua segunda gestão, e a reforma da Previdência de 2003, tinha-se um quadro em que o

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GRÁFICO 7INDICADOR DE CUSTOS INDUSTRIAIS NO BRASIL, 2006-2014 - DESSAZONALIZADO (2006 = 100)

GRÁFICO 8PRODUTIVIDADE TOTAL DOS FATORES (PTF) NO BRASIL, 2003-2014

GRÁFICO 9EMPREGO INDUSTRIAL NO BRASIL, 2003-2014 - DESSAZONALIZADO (2001 = 100)

GRÁFICO 10PARTICIPAÇÃO DOS PRODUTOS INDUSTRIAIS DE MÉDIA-ALTA E ALTA TECNOLOGIA NAS EXPORTAÇÕES TOTAIS BRASILEIRAS, 2003-2014

Fonte: CNI. Fonte: Penn World Table.

Fonte: IBGE. Elaboração própria. Fonte: Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC).............................................................................

Política Industrial e Comercial

aumento dos gastos governamentais com programas de-senvolvimentistas aparentava ser não apenas viável, mas necessário para a continuidade do crescimento do país. No entanto, a insustentabilidade das políticas lançadas pela Nova Matriz Econômica, em 2011, tornou-se ine-quívoca a partir de 2014, quando o Brasil entrou em sua pior recessão desde os anos 1990 (Barbosa Filho, 2017).

Além da deterioração de indicadores macroeconômicos, outra implicação do conjunto de políticas desenvolvimen-tistas praticadas no Brasil foi a redução da competitividade internacional da indústria doméstica. Ao promover pro-gramas ancorados em instrumentos de política comercial voltados à proteção da indústria nacional, por meio da im-posição de barreiras tarifárias e não tarifárias, criou-se um ambiente de negócios com as seguintes características:

• fraca concorrência entre firmas e setores produti-vos, gerando desestímulo à inovação e à busca por ganhos de produtividade;

• altos custos de produção, decorrentes da combina-ção entre insumos caros e baixa produtividade;

• fortalecimento de grupos de interesse focados na bus-ca contínua por mais proteção contra a concorrência externa via instrumentos de política comercial ou re-gulação doméstica impeditiva ao capital estrangeiro;

• isolamento da economia brasileira das cadeias glo-bais de valor, dificultando substancialmente o aces-so da indústria nacional ao estado-da-arte da tecno-logia disponível internacionalmente;

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RBCE - A revista da

• fraco desempenho exportador, decorrente da com-binação de todos os fatores acima.

Alguns indicadores econômicos evidenciam os efeitos descritos, como, por exemplo: custos industriais:6 a produtividade total dos fatores (PTF); 7 a participação de produtos industriais de média-alta e alta tecnologia8 nas exportações totais; e o nível de emprego industrial no Brasil. Ao analisar a evolução desses indicadores – que são apresentados nos Gráficos 7 a 10 – observa-se a deteriora-ção da competitividade da indústria brasileira nos últimos anos,9 a despeito de todos os instrumentos de apoio ofere-cidos pelo governo e descritos anteriormente.

Para além dessas evidências preliminares, estudos recentes do Banco Mundial (World Bank, 2017), do BID (IDB, 2017) e do Ipea (Curado e Curado, 2016) demonstram que as diferentes políticas industriais implementadas ao longo dos últimos anos não causaram os impactos espe-rados na indústria e na economia brasileira. Especifica-mente com relação ao Inovar-Auto, pesa ainda o fato de o programa ter sido condenado pela OMC por discriminar produtos importados em favor da indústria local brasi-leira. Outra característica dessas políticas, destacadas nos estudos referenciados, é o processo de “empilhamento” de incentivos para a indústria. Novas desonerações são acrescentadas a um estoque previamente existente, geran-do uma trajetória de expansão contínua dos gastos tribu-tários sem resultados efetivos para a economia.

Todos esses fatores, somados ao cenário de austeridade fiscal que se impõe, indicam a premência de se pensar em um novo modelo de desenvolvimento industrial, em que a política comercial exerça corretamente o seu papel de vetor de crescimento promovendo maior integração do Brasil à economia global, estimulando a concorrência, a inovação e a competitividade da indústria nacional.

O PAPEL DA POLÍTICA COMERCIAL NO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO RECENTE

Por política comercial entende-se o conjunto de medi-das e ações, em geral públicas, que afetam as transações comerciais de um país com o resto do mundo. Essas ações podem se dar por meio da imposição de tarifas, cotas, barreiras não tarifárias, subsídios etc. Dessa for-ma, a política comercial de um país afeta diretamente tanto os resultados de suas exportações e importações, quanto os níveis de atividade e de emprego domésticos, na medida em que modifica o grau e o tipo de exposição da indústria nacional à economia mundial.

Instrumentos de política comercial e industrial podem ser combinados de forma defensiva, em que os objetivos de desenvolvimento econômico do país presumem a prote-ção da indústria nacional da concorrência externa, e ofen-siva, em que a consecução de tais objetivos depende da maior integração da economia ao mercado internacional e às cadeias globais de valor. Como exemplo de combina-ções defensivas, pode-se citar as políticas de substituição de importação; a utilização de barreiras tarifárias e não ta-rifárias para proteger setores da economia; e exigências de conteúdo local mínimo em processos de compras gover-namentais. Com relação às combinações ofensivas, temos como exemplo a promoção de exportações para setores estratégicos; estratégias de atração de IED visando à inte-gração da economia doméstica a cadeias globais de valor; e cláusulas específicas em acordos bilaterais de comércio delimitando o state aid policy space.10

Ao longo das décadas em que o modelo de substituição de importações esteve vigente no Brasil, a política de comércio exterior manteve-se vinculada aos objetivos

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6 Elaborado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), esse indicador é composto pelos gastos com pessoal; matérias-primas e componentes (pro-dutos intermediários); tributos; energia (combustíveis e energia elétrica); além das despesas financeiras (capital de giro).

7 De acordo com a publicação Prioritizing Productivity do The Conference Board (2015), a PTF representa a eficiência geral do sistema produtivo de um país.

8 De acordo com a classificação ISIC, da OCDE, indústrias de transformação de média-alta tecnologia correspondem a produtos químicos; máquinas, aparelhos e materiais elétricos; máquinas e equipamentos veículos automotores, reboques e carrocerias; veículos ferroviários e equipamentos de transpor-te; veículos militares de combate. A indústria de transformação de alta tecnologia corresponde a produtos farmoquímicos e farmacêuticos; equipamentos de informática; produtos eletrônicos e ópticos; aeronaves.

9 A fim de harmonizar o período temporal das análises, foram utilizados indicadores do período 2003-2014, à exceção do Indicador de Custos Industriais, cujo primeiro ano disponível é 2006.

10 De acordo com Bourgeois, Dawar e Evenett (2007), a inclusão de cláusulas relativas ajuda governamental (state aid) nos acordos regionais e bilaterais de comércio reflete uma maior preocupação com o potencial de práticas anticompetitivas para minar os benefícios da liberalização do comércio, e a con-sequente necessidade de medidas para enfrentar tais práticas.

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da política industrial e às restrições externas enfrenta-das pelo Brasil. Três foram os principais mecanismos utilizados: proteção tarifária e não tarifária, controle de câmbio e desvalorizações cambiais. A proteção foi utilizada como instrumento para atingir o objetivo de desenvolver a indústria nascente e, teoricamente, gerar desenvolvimento econômico.

Ainda que a partir da década de 1960, o objetivo da política comercial tenha sido de aumentar e diversificar as exporta-ções – ou seja, ofensivo – as barreiras às importações não foram alteradas. Os incentivos fiscais e creditícios passaram a ser um importante instrumento de estímulo às exporta-ções. No entanto, com os problemas macroeconômicos da década de 1980, os instrumentos utilizados até então foram aos poucos sendo desativados, assim permanecendo ao lon-go da década de 1990 (Bonelli, Veiga e Brito, 1997).

A partir dos anos 1990, verificou-se uma guinada na forma como a política de comércio exterior era condu-zida, em direção a um posicionamento mais ofensivo. No governo Collor, houve a liberalização unilateral, com redução gradual das tarifas aduaneiras, a extinção da Cacex (que era responsável pela condução da políti-ca de incentivo às exportações) e a eliminação de alguns programas de subsídios e incentivos fiscais. Com o foco na estabilização macroeconômica, as políticas industrial e de comércio exterior ficaram em segundo plano.

No governo FHC (1995-2002), a política de comércio exterior foi aos poucos sendo reestruturada. Foi criada a Câmara de Comércio Exterior (Camex), com a missão de formular as políticas e coordenar as atividades rela-cionadas ao comércio exterior. Dando continuidade à política comercial ofensiva adotada no período Collor, foram reintroduzidos alguns mecanismos de desonera-ção tributária das exportações, para mitigar o viés an-tiexportador criado a partir de 1998. Também foram reforçados os mecanismos públicos de financiamento e seguro às exportações (Ramos, 2018).

No decorrer das décadas de 1990 e 2000, ganharam relevância as negociações comerciais. No âmbito mul-tilateral houve a criação da OMC, enquanto no âmbito regional foi criado o Mercosul. A participação do Brasil nesses fóruns esteve relacionada aos objetivos de políti-ca externa, contidas no novo paradigma de “autonomia pela integração”. Três foram os vetores de atuação: as ne-gociações multilaterais, a integração regional na Amé-rica Latina e a realização de acordos com países de fora da região. Seguindo a tradição da política externa brasi-leira, a prioridade foi a estratégia de atuação no regime multilateral de comércio (Oliveira, 2012).

Durante os governos Lula, a política de comércio exte-rior brasileira foi parte integrante das políticas indus-triais (PITCE e PDP) e voltou a apresentar forte caráter defensivo. A PITCE ainda contemplou instrumentos ofensivos para a ampliação das exportações, com di-versificação de mercados, produtos e empresas. O Pro-grama Brasil Exportador continha as ações de inserção externa dos produtos e serviços brasileiros. A ampliação da participação do Brasil nas exportações mundiais era uma das metas também da PDP. Com vistas a alcançar essa meta, foi lançada a Estratégia Brasileira de Comér-cio Exterior (Brasil, 2008).

No campo da política comercial externa, o período foi marcado pela manutenção da prioridade no fórum mul-tilateral – com relevante participação do Brasil nos temas relacionados à temática desenvolvimentista – e reforço na agenda de integração regional – com foco em temas sociais e institucionais no Mercosul. À medida que as ne-gociações comerciais com os países desenvolvidos (Alca e União Europeia) demonstravam esgotamento, o foco passou a ser nos países em desenvolvimento. Foram assi-nados acordos com Índia, SACU, Egito, Israel e Palestina.

Os instrumentos defensivos visando a proteção à indús-tria nacional voltaram a ganhar força a partir de 2010, como resposta à crise financeira internacional. Entre as políticas adotadas encontravam-se elevações tarifárias, ampliação do uso de medidas de defesa comercial, mar-gens de preferência para produtos nacionais em com-pras públicas e exigências de conteúdo local para acesso a benefícios fiscais e creditícios. Como forma de estimu-lar as exportações, foram adotadas também medidas tri-butárias, a exemplo do Reintegra.

O Plano Brasil Maior, embora contemplasse medidas de comércio exterior, tinha caráter inerentemente defensi-vo, concentrando-se no estímulo à produção doméstica e em evitar o processo de desindustrialização. Para tan-to, contemplou uma série de instrumentos de política comercial vinculados às metas de desenvolvimento pro-dutivo. As iniciativas de comércio exterior instituídas no âmbito do plano incluíam a concessão de isenções tributárias e crédito para estimular as exportações bra-sileiras, a facilitação de acesso a mecanismos públicos de financiamento, medidas de redução de custos ad-ministrativos e ações de defesa voltadas contra práticas supostamente desleais e ilegais de importações. Interes-sante notar que, nas duas políticas anteriores (PITCE e PDP), a política de comércio exterior, embora fosse par-te da política industrial, tinha suas próprias estratégias. O mesmo não aconteceu no caso do PBM.

Política Industrial e Comercial

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RBCE - A revista da

De fato, entre 2011 e 2014, houve um aumento expres-sivo no número de pedidos e no uso de medidas anti-dumping – o que não surpreende dado que a aplicação de medidas de defesa comercial figurava no PBM como um dos vetores para o desenvolvimento produtivo do país. No entanto, esse expediente não foi suficiente para garantir um bom desempenho das indústrias no perí-odo, e a esperada manutenção do emprego tampouco foi observada. Além disso, como mostram Kannebley, Remédio e Oliveira (2017), o uso de tais medidas tem contribuído para o ambiente de redução da produtivi-dade da indústria, junto com o aumento do poder de mercado das firmas por elas diretamente beneficiadas.

Como mostra o Gráfico 11, os setores que mais solici-taram a aplicação de medidas antidumping foram os re-lacionados a metalurgia e siderurgia e química, setores tradicionalmente concentrados e tradicionais usuários de medidas de defesa comercial no Brasil. É interessante observar, ademais, que tais setores são produtores de insumos industriais. Dessa forma, as aplicações de sobretaxas repercutem nas cadeias a jusante, elevando os custos industriais e diminuindo a competitividade para praticamente toda a indústria nacional.

Com o término do Plano Brasil Maior, foi lançado o Pla-no Nacional de Exportações (PNE), em 2015, com caráter um pouco mais ofensivo do que seu predecessor. O contex-

to de lançamento desse novo plano se diferenciava daquele que o antecedeu. À medida que o consumo interno deixava de sustentar o crescimento do PIB e a balança comercial se deteriorava, as exportações ressurgiram como a válvula de escape da indústria brasileira e a nova fonte de retomada do crescimento. Uma análise mais detida do plano mos-tra, no entanto, que grande parte das medidas elencadas já estavam em andamento. Ou seja, o plano não trouxe um novo conjunto de medidas de estímulo às exportações, o que, como destacou Pereira (2015), poderia ser inclusive um ponto positivo sob a perspectiva de contenção dos gas-tos tributários. Na área de acesso a mercados, por exemplo, o plano não propunha novas negociações, não impondo, portanto, uma agenda mais ofensiva para a integração da economia brasileira ao restante do globo.

A partir da análise do conjunto de programas e políticas de comércio exterior lançados ao longo do período ana-lisado nesta seção, observa-se a prevalência de sua utili-zação com objetivos defensivos em prol de um suposto desenvolvimento industrial brasileiro. A exceção se deu apenas na década de 1990, quando a política de comér-cio exterior em um primeiro momento foi usada como instrumento para viabilizar a estabilização macroeconô-mica. No entanto, com a retomada do estado desenvol-vimentista, a política de comércio exterior voltou a ser subordinada aos objetivos de política externa e de defesa do desenvolvimento da indústria nacional.

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GRÁFICO 11NÚMERO DE PEDIDOS DE ANTIDUMPING ANALISADOS POR ANO E SETOR DA ECONOMIA, 2003-2015

Fonte: MDIC. Elaboração própria.

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A análise das evidências empíricas indica que tais medi-das geraram resultado oposto ao pretendido: ao inibir a concorrência internacional, não houve estímulo merca-dológico para a inovação e a adoção de novos padrões tecnológicos, resultando em substancial perda de com-petitividade da indústria nacional. Tampouco houve melhora de performance no setor externo. A crescente participação observada do Brasil nas exportações e im-portações mundiais a partir de 2002 pode ser credita-da ao boom das commodities. No entanto, à medida que houve retração dos preços desses produtos, registrou-se uma queda dessa participação. Segundo dados da OMC (WTO, 2016), em 2015, a participação do Brasil nas exportações totais de bens foi de 1,2% e de 1,1% nas importações. No setor de serviços, tais participações fo-ram de 0,7% e 1,5%, respectivamente. Ademais, apesar do tamanho de sua economia, o Brasil não figura entre os principais importadores e exportadores de produtos manufaturados, nem mesmo no setor automotivo. Ou seja, embora tenha figurado como meta em praticamen-te todas as políticas adotadas nas últimas décadas, a par-ticipação do Brasil nos fluxos comerciais mundiais não aumentou de maneira significativa.

Percebe-se, da revisão das políticas industriais e comer-ciais adotadas ao longo das últimas décadas, que ambas estiveram voltadas a garantir o desenvolvimento e a consolidação de uma estrutura industrial verticalizada e diversificada. O papel da política industrial foi esti-mular essa indústria por meio dos mais diversos tipos de incentivos, enquanto coube à política comercial pro-teger essa indústria da concorrência estrangeira (Veiga e Rios, 2015). Essa dinâmica permaneceu independente e alheia às mudanças ocorridas mais recentemente no contexto internacional. A lógica mercantilista – e, em alguns casos, até mesmo autárquica – se perpetua nas políticas e no mindset dos policymakers e impede o de-senvolvimento de instrumentos mais adequados para lidar com o atual cenário doméstico e internacional.

UM NOVO CONTEXTO: POLÍTICAS INDUSTRIAIS E COMERCIAIS PARA A INDÚSTRIA 4.0

O pensamento dominante sobre políticas industriais evoluiu ao longo do tempo. Nos últimos anos tem-se vivenciado uma nova onda de adequações do conceito

de política industrial, tendo em vista as novas condições dos mercados mundiais e as tendências futuras para a indústria. Entre as mudanças sistêmicas que têm sido observadas estão: a crescente participação dos países em desenvolvimento no comércio mundial; o aumento da concorrência entre países; o crescimento das cadeias re-gionais e globais de valor; o surgimento de tecnologias disruptivas com grande impacto econômico; a impor-tância crescente do desenvolvimento sustentável e dos padrões e certificações privados; o aumento de sobrepo-sições e interligações entre bens, serviços e investimento (Singh, 2016).

A estreita interação entre comércio, investimento e ca-deias de valor domésticas e globais ampliou o alcance da política comercial para além das medidas de fronteira. As políticas comerciais agora operam cada vez mais “por trás da fronteira”, por meio de instrumentos como regulamen-tação e padrões. Ou seja, estão cada vez mais interligadas às políticas industriais, buscando potencializar seus re-sultados sem, no entanto, se confundir com práticas con-denáveis nos fóruns político-econômicos internacionais, principalmente na OMC. Como consequência, os trata-dos internacionais relacionados a comércio cada vez mais regulamentam e restringem o espaço para a aplicação de políticas públicas (Bohanes, 2015).

É de se esperar, portanto, que a recente intensificação da agenda negociadora do Brasil, caso seja bem-sucedida, tenha consequências para a condução da política comercial e industrial do Brasil. Uma série de instrumentos historicamente viáveis para a política industrial pode não estar mais disponível. Este novo contexto exigirá a modernização dos instrumentos de política industrial e comercial tradicionalmente adotados pelo Brasil e atenção dos policy-makers para que questio-namentos como os ocorridos recentemente no âmbito da OMC sejam evitados.11

O conceito de indústria, por sua vez, tem continuamente evoluído. Passamos agora por uma nova revolução, com a incorporação da digitalização à atividade industrial. A isso tem-se convencionado chamar de indústria 4.0, ou seja, a indústria da quarta revolução industrial. A incorporação dessas novas tecnologias à manufatura é uma mudança de paradigma em relação à forma como as fábricas produzem hoje. Internet das coisas, big data, cloudcomputing, nano-tecnologias, neurotecnologias, robôs, inteligência artificial, biotecnologia, sistemas de armazenamento de energia, dro-

11 Dois painéis foram abertos na OMC questionando políticas industriais adotadas pelo Brasil: um pela União Europeia (DS472), em dezembro de 2013, e outro pelo Japão (DS497), em julho de 2015. Ambos se tornaram emblemáticos por sua abrangência: questionam diversos programas que englobam vários setores. Os programas questionados foram: Inovar-Auto, a Lei de Informática, o Padis (semicondutores), o PADTVD (TV digital), PID (Programa de Inclusão Digital), Recap e PEC.

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Política Industrial e Comercial

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RBCE - A revista da

nes e impressoras 3D, essas são algumas das novas tecnolo-gias que têm transformado a indústria.

Segundo o relatório da International Federation of Ro-botics de 2017, o mercado mundial de robôs industriais totalizou 294.312 unidades em 2016, com 74% do vo-lume concentrado em cinco mercados: China (30%), Coreia do Sul (14%), Japão (13%), Estados Unidos (11%) e Alemanha (7%) (IFR, 2017, p. 16). A defasa-gem do Brasil é imensa neste quesito: adquirimos 1.207 unidades em 2016, representando menos de 0,5% da demanda mundial, sendo que o país possui 10 robôs/10 mil empregados, contra 71 robôs/10 mil empregados na média mundial, existindo casos de países com 550-650 robôs/10 mil empregados. Ainda que recentemente a alíquota do imposto de importação para robôs indus-triais tenha sido zerada no Brasil, todo o ecossistema in-dustrial no qual esses equipamentos se inserem continua significativamente protegido e regulado por regimes es-peciais como o ex tarifário, o que aumenta os custos de transação para as empresas nacionais.

Como foi descrito, com exceção da década de 1990, as políticas industriais e comerciais no Brasil foram forte-mente influenciadas pelas políticas desenvolvidas nos anos 1950-1970, baseadas no modelo de substituição de importações, com o Estado criando grandes empre-sas, atraindo IED, protegendo o mercado interno da concorrência internacional e oferecendo um conjunto de incentivos. A crise dos anos 1980 colocou o mode-lo em xeque, mas a crise de 2008 acabou por trazê-lo novamente à tona, com o uso de medidas de proteção comercial e de política industrial voltadas para o “aden-samento” dos elos domésticos das cadeias de valor.

As novas condições do mercado internacional impõem novos desafios à elaboração de políticas industriais. Para que essas políticas sejam bem-sucedidas, é importante considerar as interações e sobreposições entre os vários segmentos de atividades econômicas de comércio, inves-timento, cadeias de valor (nacionais e globais), serviços, capacidades tecnológicas e padrões. Elas também devem ser focadas em áreas que não são limitadas por acordos comerciais de terceira geração e devem estar em confor-midade com as novas condições do comércio internacio-nal. Por fim, devem ter em vista as transformações pelas quais passa a indústria e quais as tendências para o futuro.

Se por um lado, a derrota do Brasil nos recentes painéis da OMC demonstra a inadequação das políticas adota-das a esse novo contexto, por outro pode ser vista como oportunidade para se repensar as medidas adotadas. Replicar as ações utilizadas nas décadas passadas além

de não gerar os efeitos almejados, ainda pode causar constrangimentos pela inadequação aos tratados inter-nacionais. Copiar as novas políticas voltadas à Indústria 4.0 de outros países também não é a melhor alternati-va. É preciso adaptar essas políticas para adequá-las ao contexto brasileiro, ou mesmo criar novos mecanismos condizentes com as potencialidades da nossa indústria.

Mudanças econômicas nos países implicam também mudanças em suas políticas industriais. Ao desvestir-se da lógica desenvolvimentista, deixando de ser o respon-sável pelo fornecimento direto de uma série de bens e serviços tangíveis para empresas e consumidores, o Es-tado precisará fornecer mais bens e serviços públicos intangíveis, como sistemas, regras e políticas focados em aumento da eficiência da produção; promoção da con-corrência; facilitação da especialização do setor privado em suas melhores competências; aumento da eficiência da alocação de recursos e; redução de riscos e incertezas.

Considerando ainda o cenário de austeridade fiscal que se impõe sobre a economia brasileira, a oferta de crédito é extremamente relevante para a modernização do parque industrial brasileiro. É necessário buscar formas de dimi-nuir a concentração no setor bancário, liberalizando-o para a entrada de novas instituições, em especial fintechs que possam competir. O avanço tecnológico junto com a abertura do setor bancário permitirá maior oferta de cré-dito para as empresas que buscam se modernizar.

A ênfase não deve ser apenas no fortalecimento do mercado interno ou da indústria, mas principalmente em como desenvolver melhores conexões com os mer-cados internacionais, para aumentar as oportunidades de negócios por meio de comércio e investimentos, e com cadeias de valor que incorporem bens e serviços.

É necessário buscar formas de diminuir a concentração no setor bancário,

liberalizando-o para a entrada de novas instituições, em especial fintechs que possam competir. O avanço tecnológico junto com a abertura do setor bancário permitirá maior

oferta de crédito para as empresas que buscam se modernizar

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A qualidade do produto, a resposta rápida às exigên-cias comerciais e a conexão com as novas tecnologias disponíveis internacionalmente também se tornam importantes objetivos da política industrial do século XXI. Neste sentido, as políticas industriais tendem a se fundir com as políticas de inovação, permitindo que as novas tecnologias presentes na 4ª Revolução Industrial sejam desenvolvidas e implementadas nos contextos de produção e distribuição de bens e serviços, exigindo um repensar das suas conexões com as políticas comerciais.

Ao mesmo tempo, a fragmentação da produção e a for-mação de cadeias de valor exigem políticas voltadas a reduzir os custos do comércio, especialmente de bens intermediários; a diminuir divergências regulatórias em normas e regulamentos técnicos; a estimular uma maior participação de serviços na produção; a dar maior foco em segmentos e atividades e não em setores. A tão deseja-da e propagada participação nas cadeias globais de valor implica reconhecer que os produtos não serão totalmente produzidos no Brasil e evitar políticas que tenham como objetivo fomentar indústrias domésticas completas e au-tossuficientes, com o maior grau de nacionalização do processo produtivo possível, como tem sido feito.

O foco nas políticas ativas de pesquisa, desenvolvimento e inovação, em conjunto com a visão sistêmica de incen-tivos de produção e comércio exterior, deve ser a priori-dade para uma nova política industrial do Século XXI. Agregação de tecnologia, desenvolvimento modular, cadeias de produção conectadas globalmente, adoção de novas tecnologias e recursos humanos qualificados passam a ser os elementos fundamentais para uma nova política industrial, em contraposição a estímulos fiscais de produção isolados no âmbito da firma.

É preciso formular políticas industriais e comerciais que não visem proteger, mas sim estimular a competitivida-de em um novo cenário de economia mais aberta. Estas precisarão estar cada vez mais harmonizadas, atuando de forma horizontal em toda a economia brasileira e conver-gindo para objetivos ofensivos no mercado internacional. É fundamental também que estejam focadas em resulta-dos que encorajem a inovação, a tecnologia, a agregação de valor e a maior integração à economia internacional, incorporando o que será o futuro da indústria.

Política Industrial e Comercial

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