rbm23-1.pdf

208

Upload: danilo-ornelas

Post on 16-Dec-2015

135 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • Revista do Programa de Ps-graduao da Escola de Msica da Universidade Federal do Rio de JaneiroRio de Janeiro - Abril de 2010

  • ISSN 01037595

    Programa de Ps-graduao da Escola de MsicaUniversidade Federal do Rio de Janeiro

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROAloisio TeixeiraReitorSylvia da Silveira Mello VargasVice-reitora

    CENTRO DE LETRAS E ARTESLeo SoaresDecano

    ESCOLA DE MSICAAndr CardosoDiretorMarcos Vincio NogueiraVice-diretorRoberto MacedoDiretor Adjunto de Ensino de GraduaoErmelinda A. Paz ZaniniCoordenadora do Curso de LicenciaturaEduardo BiatoDiretor Adjunto do Setor Artstico CulturalMiriam GrosmanDiretora Adjunta dos Cursos de ExtensoMarcos NogueiraCoordenador do Programa de Ps-graduao

    Editor chefe: Marcelo Verzoni

    Comisso executiva: (membros da Comisso Deliberativa do Programa de Ps-graduao) Marcos Nogueira, Rodrigo Cicchelli (UFRJ, Rio deJaneiro, Brasil), Marcelo Fagerlande (UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil), Srgio Pires (UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil) e Fbio de S (UFRJ, Rio deJaneiro, Brasil)Produo e entrevista: Maria Celina MachadoReviso musicolgica: Andr CardosoEditorao musical: Srgio di Sabbato e Marcos NogueiraReviso: Mnica MachadoTraduo/reviso de lngua inglesa: Tatiana Santos Peixoto de Macedo (Apresentao e Editorial)Projeto grfico, editorao e tratamento de imagens: Mrcia CarnavalCapa: Homenagem a Max Bill, 2010, pastel crayon finalizado em Photoshop (CS4), Mrcia Carnaval

    A REVISTA BRASILEIRA DE MSICA um peridico semestral, arbitrado, de circulao nacional, dirigido a msicos e profissionais de reas afins,professores, pesquisadores e estudantes.A Revista pretende ser um instrumento de divulgao e de disseminao de produes atuais e relevantes do ensino, da pesquisa e extenso, nombito da msica e de reas afins, atravs da publicao de artigos, ensaios tericos, pesquisas cientficas, resenhas de livro, comunicaes, relatriosde pesquisas cientficas e informes.

    Endereo para correspondncia: Programa de Ps-Graduao da Escola de Msicada Universidade Federal do Rio de JaneiroRua do Passeio, 98, Lapa, Rio de Janeiro _ RJCEP: 20221-090

    Tel.: (21) 2240-1391E-mail: [email protected]

    Tiragem: 500 exemplaresCatalogao: Biblioteca Alberto Nepomuceno/EM/UFRJ

    Revista Brasileira de Msica / Universidade Federal do Rio deJaneiro, Escola de Msica Vol 1, n 1 (mar 1934) Rio deJaneiro : EM/UFRJ, 1934-

    Trimestral: 1934-1938 (v 1 - v 5)Anual: 1939 (v 6)Trimestral: 1940/1941 (v 7)Anual: 1942-1991 (v 8 - v 19)Irregular: 1992 2002 (v 20 - v 22)Semestral: 2010 (v 23)ISSN: 0103-75951 Msica Peridicos I Universidade Federal do Rio deJaneiro Escola de Msica

    CDD - 780 5

    R454

  • CONSELHO EDITORIALFausto Borm (UFMG)

    Martha Tupinamb Ulha (Uni-Rio)Omar Corrado (Universidade Catlica Argentina)

    Paulo Ferreira de Castro (Universidade Nova de Lisboa)Rogrio Budasz (Universidade da Califrnia, Riverside)

    Srgio Figueiredo (UDESC)Silvio Ferraz (UNICAMP)

    COMISSO EDITORIALMarcos NogueiraMarcelo VerzoniRodrigo Cicchelli

    Marcelo FagerlandeSrgio PiresFbio de S

    ISSN 01037595

    Programa de Ps-graduao da Escola de MsicaUniversidade Federal do Rio de Janeiro

  • SUMRIO

    ...................................................................APRESENTAO

    ................................................................................EDITORIAL

    ARTIGOSO conceito de autoria no Ocidente e seus reflexos na msica........................................................ Carlos Alberto Figueiredo

    O Te Deum (em l menor) de Lobo de Mesquita (1746?-1805):edio crtica e notas para uma performance historicamenteinformada ............................................................. Srgio Pires

    A msica dramtica de Marcos Portugal no Rio de Janeiro:contextualizao e novos dados ..................... David Cranmer

    A civilizao como misso: o Conservatrio de Msica noImprio do Brasil .......................................... Antonio Augusto

    Glauco Velasquez: uma conferncia de Darius Milhaud ................................................................... Manoel Corra do Lago

    Valsas de Radams Gnattali: um estudo histrico-analtico .............................................................................. Nadge Breide

    11

    67

    15

    21

    39

    55

    93

    107

  • O universo musical cotidiano e o processo de socializaomusical primria na perspectiva scio-histrica de Berger& Luckmann .......................... Ktia Benedetti & Dorota Kerr

    MEMRIAO legado de Gerard Bhague (1937-2005) ................................................................................................... Maria Alice Volpe

    O legado de Cleofe Person de Mattos (1918-2002)............................................................................................... Rgis Duprat

    ENTREVISTAMercedes Reis Pequeno, pioneira na biblioteconomia musicaldo Brasil .............................................. Maria Celina Machado

    ARQUIVO DE MSICA BRASILEIRARomanza ..................................................... Henrique Oswald

    ................................................................ SOBRE OS AUTORES

    .............................................................. NORMAS EDITORIAIS

    147

    167

    175

    181

    191

    199

    202

  • CONTENTS

    ......................................................................... FOREWORD

    ...........................................................................EDITORIAL

    ARTICLESThe Western concept of authorship and its reflections inmusic ............................................. Carlos Alberto Figueiredo

    The Te Deum in A minor by Lobo de Mesquita (1746? -1805):critical edition and notes for a historically informed perfor-mance ................................................................... Srgio Pires

    The dramatic music by Marcos Portugal in Rio de Janeiro:context and new data ..................................... David Cranmer

    The civilizing mission: the Conservatory of Music in ImperialBrazil ............................................................ Antonio Augusto

    Glauco Velasquez: a conference by Darius Milhaud ....................................................................... Manoel Corra do Lago

    Radams Gnattalis Waltzes: a historical-analytical study .............................................................................. Nadge Breide

    11

    67

    15

    21

    39

    55

    93

    107

  • Music in everyday life and the process of first musical socia-lize from the social-historical perspective of Berger & Luck-mann ..................................... Ktia Benedetti & Dorota Kerr

    MEMORYThe legacy of Gerard Bhague (1937-2005) ................................................................................................. Maria Alice Volpe

    The legacy of Cleofe Person de Mattos (1918-2002)............................................................................................. Rgis Duprat

    INTERVIEWMercedes Reis Pequeno, a pioneer in musical librarianshipin Brazilian Music Archive .................. Maria Celina Machado

    BRAZILIAN MUSIC ARCHIVE

    Romanza ..................................................... Henrique Oswald

    ...................................................................... CONTRIBUTORS

    ........................................................... EDITORIAL GUIDELINES

    147

    167

    175

    181

    191

    199

    202

  • 11

    REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    APRESENTAO

    A Revista Brasileira de Msica marcou uma poca. Criada em 1934,foi o primeiro peridico de musicologia em nosso pas. A ideia deuma revista cientfica dedicada msica foi consequncia natural dainsero do ento Instituto Nacional de Msica na estrutura da pri-meira universidade pblica brasileira, a Universidade do Rio de Janei-ro, criada em 7 de setembro de 1920. Sem perder suas caractersticashistricas de centro de formao de msicos, o Instituto Nacional deMsica, a partir de ento, abriu espao para novas reas do conhe-cimento musical, especialmente aps o fim da Repblica Velha e astransformaes modernizantes decorrentes da nova ordem polticaestabelecida no Brasil com a chamada Revoluo de 1930.O Decreto n 19.852, de 11 de abril de 1931, do ministro FranciscoCampos, estabeleceu a reforma do ensino universitrio. No INM, areforma curricular foi elaborada por uma comisso formada por Lu-ciano Gallet, S Pereira e Mrio de Andrade. Entre as inmeras pro-postas, a implementao de novas disciplinas como Histria da M-sica e Folclore Nacional. Estavam lanadas, portanto, as bases para acriao da Revista Brasileira de Msica.Em maro de 1934, foi lanado o primeiro nmero, tendo como editoro musiclogo Luiz Heitor Correa de Azevedo. Em seu texto de apre-sentao o ento diretor, o pianista Guilherme Fontainha, dizia quefaltava ao INM um rgo de publicao onde o aluno pudesse acom-panhar todos os passos do progresso musical. Para articulistas havianomes como Ayres de Andrade, Francisco Mignone, S Pereira e M-rio de Andrade.

  • REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    12

    At 1945, a RBM foi publicada ininterruptamente, lanouvinte e cinco nmeros em dez volumes. Em 1946, curiosa-mente aps a redemocratizao do pas, ao fim da ditaturade Getlio Vargas, a RBM deixou de ser publicada. Foram 37anos de silncio.Em 1980, a Escola de Msica da UFRJ criou seu primeiroprograma de ps-graduao e a publicao da RBM foi reto-mada em periodicidade anual. A regularidade de sua publi-cao, entretanto, sempre dependeu do interesse de seuprincipal responsvel, aquele que regimentalmente o edi-tor da RBM: o diretor da Escola de Msica. O ltimo nmerofoi publicado em 2002, durante a gesto do prof. Joo Gui-lherme Ripper. com grande satisfao que lanamos agora mais um nme-ro da RBM. Por proposta da Direo e deciso da Congre-gao da Escola de Msica, a revista passou para a responsa-bilidade do Programa de Ps-graduao. Diante da necessi-dade do programa ter um peridico, por que criar um novoe abrir mo da marca e da histria da Revista Brasileira deMsica? A RBM faz parte da histria da Escola de Msica ecertamente ser fundamental para a construo de seu fu-turo. Que tenha vida longa.

    Andr CardosoDiretor da Escola de Msica da UFRJ

  • 13

    REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    FOREWORD

    Revista Brasileira de Msica (Brazilian Journal of Music) was ground-breaking in its day. Founded in 1934, it was the first journal of musi-cology in our country. The idea of a scientific periodical dedicated tomusic was a natural consequence of the Instituto Nacional de Msica(National Institute of Music), which was instituted, at that time, inthe building as the first public university in Brazil, named Universidadedo Rio de Janeiro (University of Rio de Janeiro), which was foundedon September 7, 1920. Preserving all its historical characteristics asa school of music, the Instituto Nacional de Msica (INM) made theculture of newer fields of knowledge of music possible, especiallyafter the end of the Repblica Velha (1889-1930) and the modernizingtransformations caused by the new political order and the Revolutionof 1930 in Brazil.The decree n 19.852, dated April 11, 1931, by Francisco Campos, aminister then, brought in university reform. In INM, the curricularreform was elaborated by a commission composed of Luciano Gallet,S Pereira and Mrio de Andrade. Among the innumerable proposalsmade, there was the implementation of new disciplines like Historyof Music and National Folklore. With this, the seeds for the RevistaBrasileira de Msica (RBM) were also planted.In March 1934, the first issue of the journal was published, edited bythe musicologist Luiz Heitor Correa de Azevedo. In his presentation,as a director then, the pianist Guilherme Fontainha said: INM lacksa publishing organization where students can follow all the steps ofthe musical progress. As for contributing writers, there were thenames like Ayres de Andrade, Francisco Mignone, S Pereira and M-rio de Andrade.

  • REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    14

    Until 1945, the RBM had been published uninterruptedly, with twentyfive numbers in ten volumes. Curiously enough, the journal stoppedbeing active in 1946, after the re-democratization of Brazil and theend of the Getlio Vargas dictatorship. This silence continued forthirty seven years.In 1980, the School of Music at UFRJ launched its first Graduate Pro-gram and resumed the publication of the journal, but as an annualnumber. Its regularity, however, always depended on the interestsof its chief editor, who was responsible for it: the director of theSchool of Music. The last issue came out in 2002, under the manage-ment of prof. Joo Guilherme Ripper.We are happy to bring to your attention yet another RBM publication.As a proposal from the board of directors and a decision of the con-gregation of the School of Music, the Graduate Program is in chargeof this journal. Given the need for a periodical, we ask: why shouldwe start a new one and give up the historical Revista Brasileira deMsica? The RBM is part of the history of the School of Music andwill certainly be essential for the edification of its future. May it livelong and prosper.

    Andr CardosoDirector of the UFRJ School of Music

  • 15

    REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    EDITORIAL

    Temos a alegria e a honra de anunciar o retorno da Revista Brasileirade Msica que, a partir deste momento, volta a circular com perio-dicidade semestral, agora como peridico do Programa de Ps-gra-duao em Msica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ao as-sumir a Revista, estamos nos incluindo numa prtica que vem se con-solidando nos ltimos anos juntos aos Programas de Ps-graduao,no sentido de manter publicaes cientficas regulares.Nosso Programa foi criado em 1980 e, desde ento, vem oferecendoininterruptamente um curso stricto sensu no formato de MestradoAcadmico. Durante 20 anos mantivemos em funcionamento duasreas de Concentrao Prticas Interpretativas e Composio e,a partir de 2000, expandimos o espectro com a abertura da rea deConcentrao em Musicologia. Em 2009, nosso Programa foi conso-lidado com a criao da rea de Concentrao em Educao Musical.Assim sendo, no momento oferecemos formao musical acadmicanas quatro principais reas em funcionamento no mbito dos Pro-gramas de Ps-graduao em Msica. At aqui, o PPGM da UFRJ for-mou mais de 320 Mestres, cujas dissertaes encontram-se dispo-nveis na Biblioteca Alberto Nepomuceno.Neste momento, ao assumir a Revista Brasileira de Msica, nossaproposta principal alimentar um canal de reflexo sobre o estadoatual de pesquisa em msica no Brasil, atendendo assim s demandasda comunidade acadmica, sem no entanto perder de vista a longatradio da RBM como peridico dirigido tambm a um pblico maisamplo, formado por todos aqueles que eventualmente se interessempor assuntos musicais. A partir de agora, far parte de nossos obje-tivos a ideia de intensificar o dilogo com pesquisadores da comuni-dade internacional.

  • REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    16

    A retomada da Revista Brasileira de Msica fruto do exce-lente entendimento que o Programa vem tendo com a Dire-o da Escola de Msica e representa para ns um novo de-safio. A partir do prximo nmero, o peridico ter comoeditora a docente-pesquisadora Maria Alice Volpe que, comsua competncia amplamente conhecida, saber fazer comque a RBM volte a fazer parte do dia a dia daqueles que seinteressem por msica.

    Marcelo VerzoniEditor

  • 17

    REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    EDITORIAL

    We have the pleasure and honor in announcing that RevistaBrasileira de Msica (Brazilian Journal of Music) has madea comeback and, as a communication channel of the UFRJGraduate Program in Music, it is to be published biannuallyfrom this moment onwards. Since we are currently in chargeof the journal, we have initiated an activity which has latelybeen consolidated in connection with Graduate Programs,that is to maintain regular scientific publications.Our Program was launched in 1980 and, since that time, wehave offered a stricto sensu course without interruption,which is an Academic Masters. Throughout the past twentyyears, we have concentrated on two fields Compositionand Performance Studies and, since 2000, we have expan-ded our horizon with a new one, Musicology. In 2009, ourProgram was strengthened by the creation of another field,which is Music Education. With this, we currently offer cour-ses in the four main available fields within the scope of MusicGraduate Programs. Until now, the PPGM (Graduation Pro-grams in Music) of the UFRJ has granted Masters degree tomore than 320 students, whose dissertations are availableat the Alberto Nepomuceno library.At the present moment in which we are responsible for theRBM, our proposal is to foster a communication channelfor reflection on the status of current music research in Brazilso as to meet the demands of the academic community. Itwill, however, preserve the RBM tradition as a journal di-rected toward a wider target audience, consisting of all those

  • REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    18

    who are interested in music. From this point on, one of ouraims is to intensify the dialogue with researchers from theinternational community.The re-launching of Revista Brasileira de Msica is the fruitof the excellent interaction that the Program has been ha-ving with the Board of Directors, and it also represents anew challenge. Beginning with the next issue, Maria AliceVolpe who is a renowned professor and researcher willbe the editor-in-chief, and she knows how to bring the RBMback to the daily routine of those who are interested in lite-rature on music.

    Marcelo VerzoniEditor

  • 21

    REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    O conceito de autoria no Ocidentee seus reflexos na msica

    Carlos Alberto Figueiredo

    ResumoO presente artigo aborda o surgimento e o desenvolvimento do conceito de autoria no Ocidente, daIdade Mdia aos nossos dias, e de suas ramificaes na msica. Aponta a importncia desse conceitoe seus reflexos em aspectos to diversos quanto o status social do compositor, as transformaesdos processos composicionais, a questo do direito autoral, o impacto da internet, as edies demsica, a histria da msica, a crtica gentica e a ideia do compositor como gnio e poeta.Palavras-chaveAutoria msica ocidental composio.

    AbstractThe present article deals with the raise and the development of the concept of autorship in the Westand its ramifications in the music, from the Middle Ages to our days. It points to the importance ofthis concept and its reflexes in so different aspects like the social status of the composer, the changesin compositional processes, the question of copyright laws, the impact of internet, music editions,the history of music, genetic criticism and the idea of the composer as a genius and a poet.KeywordsAuthorship western music composition.

    O termo autor vem do verbo latino augere, produzir a si mesmo, crescer, levan-do significao genrica de aquele que faz crescer, que faz surgir, que produz(HANSEN, 1992, p. 16). Castro (1982, p. 107) coloca, ainda o significado de celebrar,entendendo essa palavra como acontecer. tambm na Antiguidade clssica que anoo de autoria vai sendo associada com a de auctoritas (autoridade), a partir dareatualizao dos efeitos verossmeis dos discursos, empreendida, principalmente,

  • REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    22

    por Aristteles (CASTRO, p. 23). Segundo os princpios da Retrica, os autorespossuem autoridade devido a sua virtude, fornecendo exemplos que devem serseguidos pela emulao (CASTRO, p. 24).

    Para a experincia cotidiana atual, a noo de autor se manifesta atravs daformulao de algumas perguntas recorrentes, conforme sumariadas por MichelFoucault (1992, p. 70):

    1) Quem que falou realmente?2) Foi ele mesmo e no outro?3) E o que ele exprimiu do mais profundo de si mesmo no seu discurso?4) Com que autenticidade ou com que originalidade?

    A preocupao colocada pela primeira pergunta implica um contexto cultural noqual a obra no pode ser recebida se no tiver explicitado o seu autor, sendo oanonimato artstico algo apenas suportvel a ttulo de enigma (FOUCAULT, 1992, p. 49),principalmente a partir do sculo XVIII.

    Quando paira a dvida sobre a autoria, conforme o problema trazido pela segundapergunta, torna-se necessria uma pesquisa, j que a autoria d certo status aodiscurso (FOUCAULT, 1992, p. 45) e o valor material atribudo autoria afeta, inclusi-ve, a importncia cultural da obra de arte (TARUSKIN, 1984, p. 3). So Jernimo, naalta Idade Mdia, apresentava quatro critrios para a investigao sobre a autoria,conforme sintetizados por Foucault (1992, p. 52) e que, segundo ele, so os mesmosadotados at hoje pela crtica moderna (1992, p. 53):

    1) o autor definido por um certo nvel constante de valor;2) o autor como um certo campo de coerncia conceitual ou terica;3) a unidade estilstica do autor;4) o autor como elemento caracterizador de um momento histricodefinido e ponto de encontro de certo nmero de acontecimentos.

    A terceira questo enfatiza a importncia da presena dos indivduos em suasobras, processo acentuado com o movimento Romntico alemo do Sturm undDrang, cuja esttica de expresso tratava o compositor como sujeito dando voz aseus prprios pensamentos, tornando-se objeto primrio do processo deentendimento da msica (DAHLHAUS, 1995, p. 21).

    A quarta questo, finalmente, remete novidade posta em circulao no sculoXVIII: o artista como originalidade de autor; levada pela concorrncia a ultrapassara si mesma em cada momento, a originalidade fundamenta a noo do autor comoilimitao da experincia (HANSEN, 1992, p. 18).

    O conceito de autoria no Ocidente e seus reflexos na msica _ FIGUEIREDO, C. A.

  • 23

    REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    Segundo Elliot, nossa tendncia insistir, quando elogiamos um poeta, sobreos aspectos de sua obra nos quais ele menos se assemelha a qualquer outro. [...]Salientamos com satisfao a diferena que o separa poeticamente de seusantecessores, em especial dos mais prximos (1989, p. 38).

    No dispositivo do autor e autoria, como presena e originalidade, apaga-se aprodutividade da techn ou ars, que caracteriza, genericamente, a concepo antigado artefato como artifcio (HANSEN, 1992, p. 19). Tal situao o oposto daquelada Idade Mdia, quando a obra era definida pelo contrrio da originalidade, j quenessa poca, como veremos adiante, o autor apenas transmite a palavra divina ouse limita a desenvolver aquilo que j est presente na tradio (CHARTIER, 1998, p. 31).

    Para Foucault, a noo de autor constitui um momento forte da individualizaona histria das ideias, dos conhecimentos, das literaturas, na histria da filosofiatambm, e na das cincias (1992, p. 33). Mas tal funo autoral no , apenas, aatribuio de um discurso a um indivduo, mas uma operao complexa que constroicerto ser racional a que chamamos o autor (1992, p. 50) e

    o que no indivduo designado como autor (ou o que faz do indivduoum autor) apenas a projeo mais ou menos psicologizante do trata-mento a que submetemos os textos, as aproximaes que operamos, ostraos que estabelecemos como pertinentes, as continuidades que ad-mitimos ou as excluses que efetuamos (1992, p. 51).

    Pretendemos, assim, discutir alguns aspectos dessa operao complexa quefaz do indivduo um autor, no Ocidente, com nfase na msica de tradio escrita eno compositor como o autor.

    CRIAO E AUTORIANa Idade Mdia, considerada a Msica uma arte liberal, fazendo parte do

    chamado Quadrivium, que engloba ainda a Aritmtica, a Geometria e a Astronomia.Dentro desse contexto, os tericos tm, assim, mais destaque que os compositoresou executantes (LOWINSKY, 1964, p. 476). Bocio, no sculo VI, constata que ocompositor levado composio pelo instinto natural e no pela razo ouespeculao (LOWINSKY, 1964, p. 478), afirmao, no entanto, desdenhosa, j queo instinto natural visto como suspeito na Idade Mdia quando a contemplatioest acima da operatio (DAHLHAUS, 1966, p. 112).

    As concepes teolgicas a respeito do ato da criao so decisivas para en-tendermos a posio de um autor na Idade Mdia. J Regino vom Prm, em cercade 900, afirma que aquilo que feito pelo homem, o artificium, no se apresenta

    O conceito de autoria no Ocidente e seus reflexos na msica _ FIGUEIREDO, C. A.

  • REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    24

    como finalidade, mas como simples meio para representar de maneira compreen-svel aquilo que foi dado ou previsto por Deus para a Natureza (DAHLHAUS, 1966,p. 112). So Toms de Aquino afirma que criar significa produzir algo do nada eque apenas Deus cria, ou seja, nenhum ser mortal pode criar (apud LOWINSKY,1964, p. 477). A noo de Deus como o Auctor por excelncia faz com que, no do-mnio literrio, por exemplo, os poetas contemporneos da Escolstica, no sculoXIII, tivessem que se conformar a tal princpio autoral de discursividade, produzindotextos como contribuio glria do Auctor, sem pretenses verdade, autoria ouoriginalidade (HANSEN, 1992, p. 24). Ainda, em 1481, j em plena Renascena, colocaCristoforo Landino que os gregos derivam poeta da palavra piin, que est a meiocaminho entre criar, que prprio de Deus quando produz algo do nada, e fazer,que prprio dos homens, em qualquer arte, quando compe a partir da matriae da forma (apud BLACKBURN, 1984, p. 264).

    A noo de materia prejacens vai se manifestar na composio medieval com oemprego do chamado cantus firmus, a partir do qual so geradas as obras polifni-cas.

    Ainda o forte ambiente teolgico faz com que um autor s o seja como intermedirioda divindade. o caso de So Gregrio, cuja conhecida iconografia medieval o retrata re-cebendo o corpus do chamado Canto Gregoriano atravs de uma pomba, ou seja, poruma comunicao privilegiada com a divindade, levando constante exegese crist quealegava a santidade do autor, quando pretendia provar o valor de um texto (HANSEN,1992, p. 14). Podemos encontrar um paralelo dessa situao em outra esfera religiosa, noXang de Recife, no qual uma nova cantiga no considerada como composta pelo fiel,mas pelo santo que ele recebe em possesso (SEGATO, 1993, p. 15).

    A Renascena, com um ambiente filosfico humanista, que ressalta o homem esua ao no mundo, adota a postura de que criar fazer algo novo, algo que omundo no tenha visto antes, algo fresco, original e pessoal (LOWINSKY, 1964, p.494). A emoo e a imaginao livre se sucedem Matemtica e Teologia (p. 479).

    O COMPOSITOR E A GENIALIDADEO terico Johannes Grocheo afirma, em cerca de 1300, que o compositor to

    arteso quanto o sapateiro (apud LOWINSKY, 1964, p. 478).O conceito latino de ars, traduo do termo grego techn, implica numa atividade

    humana qualificada por uma habilidade especfica adquirida por exerccio ou poremulao (HANSEN, 1992, p. 16). Na Roma clssica, auctor aquele que tendo aposse de uma tcnica (ars) exercita sua arte como artifex (arteso). Assim sendo, asnoes de arteso e autor, na Antiguidade, esto ligadas a qualquer fazer, e no sedistinguem entre si.

    O conceito de autoria no Ocidente e seus reflexos na msica _ FIGUEIREDO, C. A.

  • 25

    REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    Contrariamente ideia de Hansen de que com a concepo de autor-presenado sculo XVIII que so separados o arteso e o autor-artista (HANSEN, 1992, p. 19), jencontramos tal diferenciao na Renascena. A postura de Glareanus, terico dosculo XVI, ao estabelecer uma clara diviso entre o talento, que imita, e o gnio,que cria (apud LOWINSKY, 1964, p. 493), pode servir como exemplo dessa nova si-tuao. No final desse mesmo sculo, Giovanni Battista Doni (apud LOWINSKY, 1964,p. 339), contrape os exemplos, segundo ele, de um arteso, Francesco Soriano (1549-1621) e de um gnio, Gesualdo, prncipe de Venosa (1560-1613). A partir dessesdois depoimentos anteriores vemos surgir, assim, a noo que ope o arteso ao gnio-artista, noo essa que vai percorrer a histria da msica e das artes em geral, apartir da, associando criao com genialidade.

    Quais so as ideias que caracterizam o autor-gnio?Inicialmente, o instinto ou impulso natural para o ato de compor, to desde-

    nhado por Bocio, passa a ser valorizado como atributo do criador. Adrian PetitCoclico, ao se recordar de seu mestre Josquin Desprez, em 1552, diz que eleno considerava todos seus alunos dotados para o estudo de composio, e de-cidia que s deveriam ser ensinados aqueles que fossem levados por um mpetonatural singular para a mais bela das artes... (apud LOWINSKY, 1964, p. 491).

    Ainda para Coclico, importante que um compositor seja impelido a comporpor um grande desejo, por certo mpeto natural que comida nem bebida possamdar-lhe prazer antes que tenha terminado sua obra musical (apud LOWINSKY,1964, p. 492).

    A habilidade na licena potica, ou seja, na transgresso das regras estabe-lecidas em nome da expressividade, outro atributo do gnio-autor. Para Foucault, sintomtico que os textos, os livros, os discursos, comearam a ter autores [...]na medida em que o autor se tornou passvel de ser punido, isto , na medida emque os discursos se tornaram transgressores (FOUCAULT, 1992, p. 47). A respeitoda transgresso em msica e sua associao com a genialidade, o mesmo Donij mencionado, ao comparar outros dois compositores italianos da poca, cons-tata que essa a razo pela qual Monteverdi procura mais as dissonncias, en-quanto Peri dificilmente se afasta das regras convencionais (apud LOWINSKY,1964, p. 340). Giovanni Spataro afirma, numa carta de 1529, que as regras es-critas podem ensinar perfeitamente os primeiros rudimentos do contraponto,mas elas no fazem o bom compositor, na medida em que bons compositoresassim o nascem, da mesma forma que os poetas (apud LOWINSKY, p. 481).Ainda Doni, na sua exaltao da genialidade de Monteverdi, afirma que deve-se recomendar o julgamento de Monteverdi que, deixando para trs essas regrassupersticiosas, soube muito bem como variar a diversidade de cadncias no in-cio de Arianna (apud LOWINSKY, 1964, p. 340).

    O conceito de autoria no Ocidente e seus reflexos na msica _ FIGUEIREDO, C. A.

  • REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    26

    A oposio entre criao, ato instantneo, primeiro, e o ato de elaborao a par-tir de uma ideia inicial est tambm ligada ideia do gnio, do poeta. O tericoLampadius, em 1537, diz que

    da mesma maneira como os poetas so levados por um impulso na-tural a escrever seus versos, tendo em mente as coisas que devemser descritas, assim o compositor deve primeiramente criar em suamente as melhores melodias devendo avali-las judiciosamente paraque uma nota no venha a prejudicar a melodia inteira e enfadarseus ouvintes. Deve ele, ento, proceder elaborao, isto , devedistribuir as melodias criadas numa certa ordem, usando aquelas queforem mais adequadas (apud LOWINSKY, 1964, p. 489).

    Glareanus, em 1547, polemiza sobre o mesmo ponto ao levantar a questo seno deveramos considerar aquele que inventou a melodia do Te Deum ou doPange lingua mais genial que aquele que, mais tarde, comps uma Missa sobreeles? (apud LOWINSKY, 1964, p. 479).

    Por outro lado, tambm as questes pessoais e psicolgicas de um compositorcomeam a emergir como fonte de caracterizao de sua genialidade. Aspectos dapersonalidade de Josquin, Lassus e Gesualdo, so fartamente comentados por te-ricos e msicos da poca. Para Antonfrancesco Doni, em 1544, msicos, poetas,pintores, escultores, e outros tais, so gente de verdade, atraentes, geralmentealegres, embora s vezes excntricos quando cismam (apud LOWINSKY, 1964, p.486).

    O conceito de gnio vai se desenvolvendo nos sculos seguintes. Immanuel Kant,na sua Crtica da Faculdade do Juzo, afirma que gnio o Talento (dom natural)que d regras para a arte e que todos concordam que gnio deve ser opostocompletamente ao esprito de imitao (apud LOWINSKY, 1964, p. 328). Observe-mos aqui a mudana de entendimento do termo imitao, quando comparado comseu uso na Renascena. A associao da genialidade com a criao musical podeser observada, por exemplo, no verbete Gnio, que passa a figurar em dicionriosde Msica, tais como o de Rousseau (1768), o de Lichtenthal (1826) e o de AugustGathy (1840), entre outros. Autores do Romantismo alemo, tais como Johann GottfriedHerder e Friedrich Schubart (Do Gnio Musical, de 1784), discutem intensamente agenialidade do compositor (apud LOWINSKY, 1964, p. 325). Ludwig Tieck afirma, noincio do sculo XIX, ao comentar sobre Mozart, que nessa sagrada loucura criarame fizeram poemas todos os gnios. Sim, criaram, como Deus, do nada (apud FEDER,1987, p. 80). Alis, segundo DE NORA (1995, pp. 16-8), o mito da genialidade, criadoem torno do imortal Mozart, depois de seu precoce desaparecimento, em 1791,

    O conceito de autoria no Ocidente e seus reflexos na msica _ FIGUEIREDO, C. A.

  • 27

    REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    tornou toda associao com seu nome uma maneira de articular reivindicao destatus de grande talento, conforme demonstra a autora a partir de vrios depoimen-tos de poca.

    No Brasil do sculo XIX, encontramos o conceito de gnio firmemente esta-belecido, conforme podemos ver no necrolgio escrito para Jos Maurcio em 1830por Janurio da Cunha Barbosa (1983, p. 31). Nesse pequeno texto, a palavra gnio empregada trs vezes com relao ao compositor carioca, como, por exemplo:J no existe o Padre Jos Maurcio Nunes Garcia [...]; a Musica perdeo nelle humdaquelles Genios, que lhe conservo os seus encantos, e hum dominio indisputavelsobre os coraoens ainda os mais duros.

    O COMPOSITOR E O POETAO conceito de autor, em geral, e em msica, especificamente, vai sendo, desde a

    Idade Mdia, como j pudemos constatar nos depoimentos anteriores, associadoao de poeta. O gramtico Papias, no sculo XI, diz que o poeta um inventor, dogrego , que significa fazer, inventar, como o inventor de uma cano, e suaobra potica chamada poema (apud BLACKBURN, 1984, p. 264).

    No sculo XVI, passa o termo potica musical a ser empregado como sinnimodo ato de compor (DAHLHAUS, 1966, p. 110) e o terico Pietro Aron, em 1545, dizque o compositor um poeta (apud DAHLHAUS, 1966, p. 112). Da mesma maneira,Herbst, ainda no sculo XVI afirma que Musicus poeticus ou compositor aqueleque sabe fazer uma nova obra (apud DAHLHAUS, 1966, p. 113).

    A associao do termo poeta ao de compositor vai-se estendendo pelo sculoXVII. Em 1745, afirma Scheibe que um compositor merece o nome de poeta seconsegue compor de maneira tocante e expressiva (apud DAHLHAUS, 1966, p.117). No sculo XIX, o termo potica musical definido como aquilo que no po-de ser aprendido (apud DAHLHAUS, 1966, p. 111).

    O STATUS SOCIAL DO AUTOR-COMPOSITORApesar dos conceitos de genialidade e originalidade que vo sendo associados

    aos autores, no podemos esquecer a real posio ocupada pelos compositoresat o sculo XIX. So msicos empregados por cortes e igrejas, assalariados e semautonomia, cuja criao de um produto artstico exige que a fantasia pessoal sesubordine a um padro social de produo artstica, consagrado pela tradio e ga-rantido pelo poder de quem consome arte (ELIAS, 1994, p. 49).

    Um exemplo desse tipo de relao a subservincia dos autores, simbolizadapela prtica da dedicatria e pela constante atribuio da origem de uma deter-

    O conceito de autoria no Ocidente e seus reflexos na msica _ FIGUEIREDO, C. A.

  • REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    28

    minada obra a seu patro ou patrocinador, fazendo com que o prncipe recebaaquilo de que, no fundo, virtualmente o autor (CHARTIER, 1998, p. 41). Exemplosdessa prtica encontramos na Oferenda Musical, escrita por J. S. Bach sobre tema ofe-recido por Frederico o Grande, da Prssia, em 1747 (apud SCHWEITZER, 1955, p. 418),ou num Stabat Mater de Jos Maurcio, de 1809, feito a partir do motivo cantado porSua Alteza Real, D. Joo (MATTOS, 1970, p. 232). ELIAS (1994, p. 45) estabelece umadiferena entre tais autores, a que chama de artesos, e os artistas que, no decorrerdo sculo XIX, vo se tornando autnomos, escrevendo msica para um mercadoannimo, com muito mais espao para a experimentao e a improvisao autor-regulada, individual (ELIAS, 1994, p. 50). Para Hansen (1992, p. 19), o artista designauma atividade profissional diferenciada do artfice pelo seu desinteresse.

    Tal aspecto profissional vai sofrer uma grande modificao no incio do sculo XIX,com a mudana das relaes entre audincia e compositores permitindo o surgimentode um artista independente como Beethoven, que encontrou as condies maduraspara tal, na Viena da passagem dos sculos XVIII para XIX, conforme estudado porTia de Nora (1995), o que no ocorreu com Mozart ao tentar dar o mesmo passo nomomento ainda inadequado, conforme amplamente discutido pelo mesmo Elias(1994).

    ASPECTOS COMPOSICIONAIS E SUA RELAO COM A AUTORIAAs modificaes ocorridas nos processos e mtodos composicionais esto dire-

    tamente ligadas emergncia do conceito de autoria em msica. Na Idade Mdia,e at o final do sculo XV, predominou a criao de msica com a utilizao do can-tus firmus, a partir do qual eram contrapontadas outras melodias, segundo as regrasde consonncia e dissonncia vigentes em cada momento. O mtodo de composioera sucessivo, ou seja, cada voz era construda integralmente em contraponto aocantus firmus, passando-se ento para a prxima, e assim por diante. Uma das con-sequncias desse mtodo de compor gerar a possibilidade de incluso ou exclusode vozes pelo prprio compositor ou qualquer outro, o que leva discusso sobrea integridade da obra, na verdade uma obra aberta e na qual, consequentemente,o papel do compositor se revela secundrio.

    Outra caracterstica da msica dessa poca o princpio da varietas, que consiste emque cada linha meldica apresente um contorno totalmente no motvico (MOTTE,1981, pp. 31-3), somando-se a isso a tendncia estilstica de no haver qualquer ti-po de imitao entre as vozes.

    No final do sculo XV, vrios fatos se articulam, no que diz respeito a mudanasnos processos e mtodos composicionais: o cantus firmus vai caindo em desuso, oprincpio da varietas vai se tornando anacrnico, dando lugar predominncia

    O conceito de autoria no Ocidente e seus reflexos na msica _ FIGUEIREDO, C. A.

  • 29

    REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    motvica; e a polifonia imitativa passa a ser o meio de expresso por excelncia. Anecessidade de um bom planejamento, ocasionado por uma polifonia imitativa, fazcom que a composio se torne simultnea, gerando um tipo de produto que nomeado diferentemente por tericos da poca tais como Tinctoris, no sculo XV,com os termos res facta e compositio (BLACKBURN, 1987, passim) e Listenius, nosculo XVI, com seu opus perfectum et absolutum (DAHLHAUS, 1966, p. 113). Assim,o velho costume de adicionar vozes ad libitum a composies a duas, trs, quatroe cinco vozes vai lenta, mas seguramente morrendo (LOWINSKY, 1948, p. 21). No por acaso que nesse momento, na passagem para o sculo XVI, que o conceitode autor, em msica, vai se solidificando, associado com o prprio conceito de umaobra musical estabilizada e identificvel.

    A PRESENA DA AUTORIA NOS DOCUMENTOS MUSICAISA msica ocidental estabeleceu como mtodo preferencial de conservao e

    transmisso das obras o meio escrito, manuscrito e impresso. Os documentos ma-nuscritos costumam ser divididos em autgrafos e cpias. O manuscrito autgraforevela a presena da autoria de forma decisiva, por ser gerado pelo prprio compo-sitor, seja no ato da criao, da cpia ou da refaco. O termo autgrafo, hoje delarga difuso, s passou a ser utilizado a partir do sculo XVIII, tendo sido empregadaspara esse tipo de documento, nos sculos XV e XVI, expresses tais como de manusua ou manu sua scribeat e, no sculo XVII, manu propria, expresso encontradaainda em manuscritos de Schubert, em pleno sculo XIX (LUTHER, 1951, passim).

    sintomtico constatarmos que no h praticamente registro de manuscritosautgrafos at o final do sculo XV. Esse fato est, sem dvida, estreitamente rela-cionado com o mtodo de composio sucessiva apresentado antes aqui, mas tam-bm com o recurso tecnolgico utilizado, provavelmente, pelos compositores dessapoca para grafar suas obras: a discutida tabula compositoria. Esse aparato consistiaem tabletes separados, feitos de material que permitia apagar a escrita, podendo,assim, serem usados mais vezes (LOWINSKY, 1948, p. 19). Esses tabletes eram apre-sentados em duas verses: com um sistema de 10 linhas ou de 5 linhas (HERMELINK,1961, p. 223). A partir de 1500, passam os compositores a utilizar partituras escritasem papel, material bem mais caro, por s poder ser usado uma vez (LOWINSKY, 1948,p. 19).

    A nova perspectiva aberta no sculo XVI, no que diz respeito a mtodos compo-sicionais e tecnolgicos, torna possvel que a quantidade de manuscritos autgrafosdisponveis, a partir dessa poca, v aumentando consideravelmente. somenteno sculo XVIII que um maior destaque ser dado aos autgrafos, sendo exemplar,nesse aspecto, uma carta de Leopold Mozart, de 1755, em que diz: no melhor

    O conceito de autoria no Ocidente e seus reflexos na msica _ FIGUEIREDO, C. A.

  • REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    30

    ter essa pea a partir da escrita do prprio autor e sem erros? (apud LUTHER,1951, p. 881).

    Com o surgimento da imprensa, no final do sculo XV, e com as primeiras coleesimpressas de msica, lanadas por Petrucci, em 1501, passa esse novo meio a trans-mitir obras polifnicas sem que, no entanto, a produo de manuscritos deixassede existir. bastante comum a presena do autor ao controlar a edio impressa desuas obras, inserindo, inclusive, modificaes importantes nas chapas a serem uti-lizadas na impresso.

    As chamadas Obras Completas de um compositor, tendncia que se desenvolveuenormemente, durante o sculo XX, representam mais um passo significativo nodestaque dado autoria. J no distante sculo XIV, encontramos Machault cuidandoda compilao de grandes volumes contendo os manuscritos de suas poesias e com-posies (EARP, 1989). O Codex de Squarcialupi apresenta tambm uma organizaopor autores do sculo XIV, e outras compilaes do gnero ocorrem por iniciativade compositores, como L Escurel, Adam de la Halle, Constanzo Festa e HeinrichIsaac (BOORMANN, 1980, p. 992). Em 1502, publica Petrucci o primeiro volume im-presso de obras de um nico compositor: Missas de Josquin Desprs, seguindo-se,seis meses depois, outro contendo, apenas, Missas de Obrecht (NOBLITT, 1995, p.130). Durante o sculo XVI, tal tendncia editorial permanece, haja vista os volu-mes dedicados a Monteverdi, Gesualdo e outros compositores do perodo.

    Por trs do conceito de opera omnia, podemos entrever a ideia de FOUCAULT (1992,p. 44) de que o nome do autor assegura uma funo classificativa; um tal nomepermite reagrupar um certo nmero de textos, delimit-los, selecion-los, op-losa outros textos, fazendo com que os textos se relacionem entre si. A ideia da relaoentre os textos est presente no costume de se considerar o conjunto das criaesde um compositor como um todo indivisvel, constituindo o contexto primrio sobreo qual se pode compreender as criaes isoladamente (DAHLHAUS, 1995b, p. 73).Para ele, a teoria de Dilthey sobre a vitalidade espiritual serve de embasamentopara a concluso de que as opera omnia de um compositor aparecem como a obrade uma vida inteira, da qual no se subtrai coisa alguma, na medida em que mesmoos trabalhos artisticamente menos significativos pretendem o seu lugar enquantodocumentos da biografia interna.

    O no se subtrair qualquer coisa questionado por Foucault, ao perguntarcomo definir uma obra entre milhes de vestgios deixados por algum depois damorte? (1992, p. 38). A questo premente, principalmente no domnio literrio,onde se poderia indagar, por exemplo, se um rol de roupa escrito por Nietzsche nodeveria constar de suas obras completas (1992, p. 38). Porm, mesmo em msica,o problema existe, bastando levarem-se em considerao os esboos, anotaes,ou mesmo verses diferentes de uma mesma obra de um compositor. Deveriam

    O conceito de autoria no Ocidente e seus reflexos na msica _ FIGUEIREDO, C. A.

  • 31

    REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    entrar nas suas obras completas? O problema aqui , segundo ainda Foucault (1992,p. 38), a inexistncia de uma teoria da obra para dar um embasamento a tais decises.

    O destaque dado a determinados compositores em obras completas apresentaainda a suspeita relao com a ideologia poltica de um pas, j subjacente nosDenkmler (DAHLHAUS, 1995b, p. 72). O processo de publicao das obras completasde Bach, no sculo XIX, conforme discutido por Schweitzer (1955, pp. 250-4), o pri-meiro grande empreendimento editorial do gnero, nos oferece um bom exemplodessa relao, se considerarmos a exortao de Schumann, em 1837, sobre se noseria oportuno e til se a nao alem decidisse publicar as obras completas deBach (apud SCHWEITZER, 1955, p. 251).

    O DIREITO AUTORALO surgimento da imprensa um fator importante na multiplicao dos exemplares

    das obras dos compositores. Vai surgindo, com isso, o problema da caracterizaodo direito autoral.

    Segundo Seeger, os aspectos legais da atividade artstica em geral constituemum foco de elaborao cultural das sociedades modernas, to importante quanto mi-tologias e cosmologias das sociedades tradicionais (apud TRAVASSOS, 1999, p. 6).Por outro lado, o pressuposto da criao como feito individual que subjaz legislaoda propriedade intelectual tambm uma particularidade cultural (apud TRAVASSOS,1999, p. 13). O nome do autor passa, assim, a classificar uma identidade civil-pro-fissional: identificando um proprietrio, regulando direitos autorais sobre a origina-lidade de seu eu exposta s apropriaes diferenciadas e diferenciadoras de seu va-lor (HANSEN, 1992, p. 11).

    Segundo Foucault (1992, p. 47), a instaurao dos direitos do autor fez com queesse passasse a praticar sistematicamente a transgresso, assumindo riscos, desdeque lhe fossem garantidos os direitos de propriedade e, antes mesmo que fossereconhecido esse seu direito sobre sua obra, manifesta a primeira afirmao de suaidentidade na ligao com a censura e a interdio dos textos tidos como subversivospelas autoridades religiosas ou polticas (CHARTIER, 1998, p. 23). Tal fato pode serobservado no fato de que as primeiras sistematizaes de nomes de autores, or-denados alfabeticamente, encontram-se nos ndices de livros e autores proibidospela Igreja, no sculo XVI (CHARTIER, 1998, p. 34).

    Levemos em considerao que essa prtica transgressiva est muito mais ligadaa textos literrios, potencialmente mais subversivos, do que a textos musicais, em-bora no possamos deixar de levar em conta que toda msica at o sculo XVI sempre feita a partir de textos. Algumas situaes especficas tais como uma Bulapapal do sculo XIII proibindo o uso de musica ficta, sob pena de excomunho, ou

    O conceito de autoria no Ocidente e seus reflexos na msica _ FIGUEIREDO, C. A.

  • REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    32

    as decises do Conclio de Trento sobre o tipo de msica a ser adotada pela Igreja,sendo bastante conhecida a importncia de Palestrina nesse processo exempli-ficam a questo da transgresso no domnio da msica.

    O Ttulo III da Lei de Direitos Autorais brasileira, de 1998, ora vigente, especificaos direitos do autor: morais e patrimoniais. Entre os direitos morais, encontramoso Artigo 25/IV, que assegura a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modi-ficaes [...] que possam prejudic-la [...] (CONGRESSO NACIONAL, 1999, p. 16).

    Segundo Richard Posner, a teoria dominante de criatividade literria, nos temposclssicos e medievais, era a da imitao criativa: o imitador tinha a liberdade deusar textos de outros, desde que ele adicionasse algo aos mesmos (GANDELMAN,1997, p. 48). Tal ideia est diretamente ligada, em msica, ao exposto por ns,antes, no que diz respeito aos processos composicionais vigentes, at o final do s-culo XV. A integridade de uma obra, conforme a proposta do artigo da referida Lei,s faz sentido a partir da noo de opus perfectum et absolutum, que caracterizauma obra musical a partir do sculo XVI.

    O Artigo 28 da mesma Lei, ao discutir os direitos patrimoniais do autor, diz quecabe ele o direito de utilizao e fruio de sua obra e o Artigo 29 especifica as si-tuaes em que o autor pode dar a permisso de utilizao ou fruio a terceiros(GANDELMAN, 1997, p. 17).

    No sculo XVI, os privilgios com relao impresso de msica cabiam aos edi-tores e no aos autores (GANDELMAN, 1997, p. 28) Algumas leis inglesas regula-mentaram esse privilgio, tais como o Licensing Act de 1662 e o Copyright Act de1709 (GANDELMAN, 1967, p. 29). Outras leis do mesmo tipo foram surgindo na Eu-ropa: na Dinamarca, em 1741, na Alemanha, em 1773, na Espanha, no final do s-culo XVIII, e no Imprio Austraco, j no sculo XIX (SANTIAGO, 1946, p. 14).

    Um importante embate, travado no sculo XVIII, diz respeito questo da obraem si versus sua materializao. Se, inicialmente, o editor considerado proprietrioapenas do manuscrito que contm a obra, vai se definindo o conceito de que oobjeto do direito seja, na verdade, o prprio texto, definido de maneira abstratapela unidade e identidade de sentimentos que a se exprimem, do estilo que tem,da singularidade que traduz e transmite (CHARTIER, 1998, p. 67).

    No final desse mesmo sculo, em Viena, possvel constatar a prtica de se daruma generosa soma a Haydn cada vez que obras suas eram executadas na Gesell-schaft der Associierten Cavaliere (DE NORA, 1997, p. 25). Encontramos a, talvez,um primeiro esboo de recolhimento de direitos autorais, procedimento esse nofundamentado em leis, mas numa generosidade dos mecenas.

    com a Revoluo Francesa que surge uma legislao especfica que passa a de-fender o autor, o chamado droit dauteur (GANDELMAN, 1997, p. 30), processo esseque, segundo Chartier, se deve menos iniciativa dos autores do que dos livrei-

    O conceito de autoria no Ocidente e seus reflexos na msica _ FIGUEIREDO, C. A.

  • 33

    REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    roseditores (1998, p. 64). Uma das peculiaridades dessa legislao est no conceitode domnio pblico, ou seja, no estabelecimento de um prazo mximo no qual osautores, ou seus herdeiros, gozam de seus direitos. Para CHARTIER (1998, p. 66),essa concepo do domnio pblico, de um bem que volta a ser comum depois deter sido individual, herdeira direta da reflexo revolucionria.

    A partir de seu surgimento na Frana, o direito do autor se estende para o mundo,de forma irregular. Algumas convenes internacionais passam a reger o assunto eseus desdobramentos, sendo o primeiro esboo de tal tipo de acordo a Convenofirmada entre o Reino da Sardenha e o Imprio Austraco, em 1840 (SANTIAGO,1946, p. 17). , entretanto com a de Berna, de 1886, revista em 1971 (GANDELMAN,1997, p. 33), que o assunto ganha foro internacional definitivo. Na Amrica Latina,vrios pases regulamentaram o assunto, durante o sculo XIX: Chile, em 1834, Ve-nezuela, em 1837, Peru, em 1849, Bolvia e Guatemala, em 1879 (SANTIAGO, 1946,p. 17). No Brasil, o Cdigo Criminal de 1830 pune apenas a contrafao, ou seja, areproduo no autorizada. H trs tentativas frustradas de se regulamentar a ques-to: em 1856, em 1875, tendo frente Jos de Alencar e, em 1889, no apagar dasluzes da Monarquia (SANTIAGO, 1946, p. 48). a partir da Constituio de 1891,que se passa a garantir o direito dos autores, tema esse, mais tarde, regulamentadopelo Cdigo Civil de 1917 (GANDELMAN, 1997, p. 32). Finalmente, temos a Lei doDireito Autoral de 1973, modificada pela Lei 9610, de 1998, agora em vigor.

    Mencionem-se, ainda, as tentativas dos autores de se organizarem em sociedadesarrecadadoras e defensoras de seus direitos. O primeiro exemplo acontece na Frana,em 1791, com o Bureau Dramatique (SANTIAGO, 1946, p. 97), seguindo-se, em 1829,a Socit des Auteurs et Compositeurs, e, em 1851, a Socit des Auteurs, Com-positeurs et Editeurs de Musique (SANTIAGO, 1946, p. 99). Essa tendncia associativase espalhou pelo mundo, sendo fundadas sociedades na Itlia, Espanha, Polnia,Portugal e Inglaterra, entre outros pases, no final do sculo XIX (SANTIAGO, 1946,p. 102). No Brasil fundada, em 1917, a primeira sociedade desse tipo: a SociedadeBrasileira de Autores Teatrais, a SBAT.

    A HISTRIA DA MSICA E AUTORIAUm dos sentimentos mais difundidos consiste na convico de que o autor pre-

    existe obra e dela tem a chave do significado (CASTRO, 1982, p. 106). QuandoDAHLHAUS (1995a, p. 33) pergunta o que um fato para a histria da msica, uma dasrespostas possveis, segundo ele, diz respeito s questes que esto em torno docompositor que as comps [as obras] e sua inteno ao comp-las, ou seja, po-tica que est por detrs do seu trabalho (DAHLHAUS, 1995a, p. 33). Assim, tem dado a His-tria da Msica grande nfase aos compositores como fio condutor em suas narrativas.

    O conceito de autoria no Ocidente e seus reflexos na msica _ FIGUEIREDO, C. A.

  • REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    34

    Castro constata, ironicamente, que

    o literrio da obra ser julgado e explicado pela vida do autor. [...]Analisa a educao na infncia, a hereditariedade, o fsico, o ambiente,ou ainda experincias importantes. Mas no s, at os ancestrais doautor podem ser considerados. Deve ser enfocado o comportamentodo autor em relao religio, natureza, s mulheres etc. Chega areproduzir anedotas ou mesmo bisbilhotices sobre a vida cotidianado autor (CASTRO, 1982, p. 85).

    Em torno do encadeamento de compositores, tem se tornado soberano o con-ceito de influncia, baseado, principalmente, na ideia de evoluo, associada coma premissa dos estudos histricos, de que cada estgio num desenvolvimento uma soma dos estgios precedentes (TREITLER, 1969, p. 10). Isso leva tambm formao de linhas dinsticas em msica, tal como, na msica alem, a sequnciaBach, Hndel, Haydn, Mozart e Beethoven.

    Outra abordagem difundida consiste na associao dos compositores com sur-gimento de gneros (Monteverdi, o fundador da pera), ou seu apogeu (Bachlevando a Fuga s ltimas consequncias), o surgimento de um estilo (Beethoveninaugurando o Romantismo), um impasse (as opes com que se confrontavamos compositores logo depois de 1900 podem ser convenientemente polarizadasem torno de Wagner e Debussy) (CROCKER apud TREITLER, 1996, p. 37), ou umarevoluo nas tcnicas composicionais (Webern e a Msica Nova), etc.

    Um impasse nesse tipo de Histria da Msica, centrada nos compositores, ocorrena constatao de que, embora parea ser bvia a importncia dessa nfase emmsica dos sculos XVIII ou XIX, ela se torna inadequada, por exemplo, naquela dosculo XV (DAHLHAUS, 1995a, p. 38), quando as prprias noes de obra e autoriaainda no esto definidas, conforme vimos anteriormente.

    A NOO DE AUTORIA NOS SCULOS XX E XXI E SEUS DESDOBRAMENTOSA noo de autoria passa por uma grande transformao, no decorrer do sculo

    XX, oscilando entre vrios plos, com reflexos no domnio da msica. Ela foi atacada,principalmente, no domnio da crtica literria e da filosofia, ao realarem o desapare-cimento ou a morte do autor (FOUCAULT, 1992, p. 37). Ideias tais como o autorcomo passado de seu texto (BARTHES apud HANSEN, 1992, p. 31), ou a marca doescritor no mais do que a singularidade de sua ausncia (FOUCAULT, 1992, p. 36),comprovam a nova perspectiva. Duas correntes principais representam tal tendncia:o textualismo e a Esttica da Recepo.

    O conceito de autoria no Ocidente e seus reflexos na msica _ FIGUEIREDO, C. A.

  • 35

    REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    O Textualismo, desenvolvido com nuances diversas pelo Formalismo russo, pelaEstilstica e pela Nova Crtica americana, passa a centrar suas anlises na estruturado texto, suas relaes internas, sua organizao. O termo escritura, passando a re-presentar essa viso formalista da obra, deixa a ideia do autor como presena seria-mente comprometida. Em msica, essa tendncia se manifesta no primado da An-lise Musical, com suas vrias correntes e enfoques (KERMANN, 1987, pp. 75-150). Apreocupao com a estrutura das obras faz com que a inteno do compositor entendido como parte do passado ao comp-las, e sua natureza temporal, sejamtotalmente descartadas (DAHLHAUS, 1995a, p. 37). A inconvenincia da presenado autor, expressando assuntos desde os surgidos de sua sensibilidade a impressesnascidas dele mesmo, surgida com o Romantismo alemo (HANSEN, 1992, p. 18),pode ser exemplificada por T. S. ELIOTT (1989, p. 45) que, abordando a questo empoesia, diz que impresses e experincias que so importantes para o homem po-dem no ocupar nenhum lugar na poesia, e as que se tornam importantes na poesiapodem no representar quase nada para o homem, para a personalidade.

    A Esttica da Recepo, corrente de pensamento surgida no seio da cincialiterria, no final da dcada de 1960, com as teses de Jauss, Iser e Gumbrecht,tem por objetivo propor um deslocamento da ateno do plo da produo, en-globando obra e autor, para o da recepo. Para Gumbrecht, a Esttica da Re-cepo perde de vista o autor, a produo do texto, como objetos da cincia da lite-ratura (apud LIMA, 1979, p. 12). A nfase passa a estar no leitor e em sua interpre-tao.

    No extremo oposto da negao da presena do autor, encontramos a hiperau-toria, na abordagem de FOUCAULT (1992, p. 57) sobre a funo transdiscursiva dedeterminados autores. So eles no apenas os autores de suas obras, dos seus livros,mas produzem alguma coisa a mais: a possibilidade e a regra de formao de outrostextos, abrindo o espao para outra coisa diferente deles e que, no entanto, pertenceao que eles fundaram (FOUCAULT, 1992, p. 60). possvel incluir nessa categoriacompositores tais como Schnberg ou Webern.

    A nfase na recepo das obras, apontada acima, traz para a discusso a questoda interpretao. Segundo o filsofo italiano Luigi Pareyson (1989, p. 167), a inter-pretao o encontro de uma pessoa com uma forma. No entanto, a primeira coisaque salta vista no fenmeno da interpretao a sua infinidade em nmero e pro-cesso.

    A tentativa de dar uma fundamentao variedade de interpretaes sobre umaobra estabelece, como um dos critrios, o chamado princpio da autoridade, queenfatiza a inteno do compositor (DAHLHAUS, 1995a, p. 159). Segundo Cone (1981,p. 9), certamente a percepo de um compositor de sua prpria obra, sua concep-o de sua execuo, o nico padro de autoridade. Enfatiza esse autor ainda a

    O conceito de autoria no Ocidente e seus reflexos na msica _ FIGUEIREDO, C. A.

  • REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    36

    importncia do conhecimento autobiogrfico do compositor sobre sua obra, bemcomo sua percepo da obra terminada (CONE, 1981, p. 10).

    O dogma da Autenticidade, ideologia reinante na execuo da chamada MsicaAntiga, no sculo XX, est totalmente imbudo desse princpio da autoridade, preten-dendo recriar o som das obras da maneira como o compositor as teria ouvido, eliminan-do, com isso, toda e qualquer subjetividade na execuo musical (DREYFUS, 1983).

    A crtica gentica teve seu grande desenvolvimento na Frana e, a partir da d-cada de 1970, retoma a importncia do papel do autor. Essa cincia tem como obje-tivo estudar as vrias fases de elaborao de um texto nas mos de um compositor,privilegiando suas transformaes de contedo. Seu interesse fundamental estvoltado para o processo criativo artstico, tentando discutir esse processo de criao(SALLES, 1992, p. 19). Tal estudo feito a partir dos vestgios documentais existentesdo processo: rascunhos, sketches, manuscritos autgrafos, cartas etc. A crtica gen-tica desloca o eixo da ateno da obra acabada para o ato de sua produo. Seu de-senvolvimento tem se dado principalmente no domnio literrio, mas tem se expan-dindo para outras reas cada vez mais, com destaque para a msica.

    Uma forma especial de interpretao est na questo editorial, ou seja, no estabe-lecimento dos textos musicais para publicaes. Os vrios tipos de edio surgidosou consolidados no decorrer do sculo XX (FIGUEIREDO, 2004), ao reproduzirem emultiplicarem os textos dos autores, lidam com a questo da autoria de forma diver-sificada. Num extremo temos a edio crtica, que questiona, investiga e registra demaneira acurada a inteno de escrita do compositor, seja a partir de fontes au-torais ou de tradio. A edio gentica pretende apresentar o processo composi-cional, conforme vimos acima. No outro extremo, temos a edio prtica, que notem preocupao com fidedignidade quanto ao texto gerado, destacando o papelda recepo enquanto execuo, e a edio aberta, que tem por objetivo registrara histria da recepo da obra em todas as suas instncias grficas.

    Finalmente, uma das questes mais cruciais quanto autoria no sculo XXI estno impacto da Internet e a consequente ampliao infinita da universalidade e dainteratividade geradas pelo texto eletrnico. Com essa revoluo as possibilidadesde participao do leitor, mas tambm os riscos de interpolao, tornam-se tais,que se embaraam a ideia de texto, e tambm a ideia de autor (LEBRUN apudCHARTIER, 1998, p. 24).

    Uma das reas mais afetadas pelo cyberespao a do direito autoral, questoessa que vem provocando debates entre juristas de todo o mundo, ocasionando osurgimento de leis e acordos, que tentem definir responsabilidades e redefiniesde autoria, (GANDELMAN, 1997, pp. 150-64). O impacto da Internet um dos fatoresque trazem perspectivas imprevisveis para a questo da autoria no decorrer destesculo XXI.

    O conceito de autoria no Ocidente e seus reflexos na msica _ FIGUEIREDO, C. A.

  • 37

    REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    BARBOSA, Janurio da Cunha. Necrolgio. In Estudos Mauricianos. Rio deJaneiro: Funarte, 1983 (31-33).BLACKBURN, Bonnie J. On Compositional Process in the Fifteenth Century.Journal of the American Musicological Society, 40/2, 1987 (210-284).BOORMAN, S. Sources. In Stanley Sadie (ed.) The New Grove Dictionary ofMusic. Londres: Macmilan, v. XVII, 1980 (590-607).CASTRO, Manuel A. de. O acontecer potico: a histria literria. Rio de Janeiro:Antares, 1982.CHARTIER, Roger. A aventura do livro do leitor ao navegador. So Paulo: UNESP, 1998.CONE, Edward T. The Authority of Musical Criticism. Journal of the AmericanMusicological Society, 34, 1981 (1-18).CONGRESSO NACIONAL. Nova Consolidao das Leis Sobre Direitos Autorais. Riode Janeiro: Auriverde, 1999.DALHAUS, Carl. Musica poetica und musikalische Poesie. Archiv frMusikwissenschaft, 23, 1966 (110-124).DALHAUS, Carl. Foundations of Music History. Trad. J.B.Robinson. Cambridge:University Press, 1995A.DALHAUS, Carl. I principi delle edizioni musicali nel quadro della storia delleidee. In CARACI VELA, Maria (org.) La critica del testo musicale: Metodi e pro-blemi della filologia musicale. Lucca: Libreria Musicale Italiana, 1995B (63-73).DE NORA, Tia. Beethoven and the Construcion of Genius. Musical Politics inVienna, 1792-1803). Berkeley: University of California Press, 1995.DREYFUS, Laurence. Early Music Defended against its Devotees: A Theory ofHistorical Performance in the Twentieth Century. The Musical Quarterly, LXIX/3,1983 (297-322).EARP, Lawrence. Machaults Role in the Production of Manuscripts os hisWorks. Journal of the American Musicological Society, XLII/3, 1989 (461-503).ELIAS, Norbert. Mozart Sociologia de um Gnio. Trad. Srgio Ges de Paula. Riode Janeiro: Zahar, 1994.ELLIOT, T. S. Ensaios. Trad. Ivan Junqueira. So Paulo: Art, 1989.FIGUEIREDO, Carlos Alberto. Tipos de Edio. Debates Cadernos do Programade Ps-graduao em Msica. Rio de Janeiro: UNIRIO, 2004 (39-55).FOUCAULT, Michel. O que um autor. In MIRANDA, Jos A. Bragana eCASCAIS, Antnio Fernando (ed.). Michel Foucault o que um autor? Lisboa:Vega, 1992 (29-87).

  • REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    38

    GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg Internet Direitos Autorais na EraDigital. Rio de Janeiro: Record, 1997.HANSEN, Joo A. Autor. In JOBIM, Jos L. Palavras da Crtica. Rio de Janeiro:Imago, 1992 (11-43).HERMELINK, Siegfried. Die Tabula compositoria. In Festschrift H.Besseler, 1961(221-230).KERMANN, Joseph. Musicologia. So Paulo: Martins Fontes, 1987.LIMA, Luiz Costa (org.). A Literatura e o Leitor: Textos de Esttica da Recepo. Riode Janeiro: Paz e Terra, 1979.LOWINSKY, E. E. On the Use of Scores by Sixteenth-Century Musicians. Journalof the American Musicological Society, I, 1948 (17-23).______. Musical Genius Evolution And Origins os a Concept. Musical Quar-terly, 50, 1964 (321-340, 476-495).LUTHER, Wilhelm-Martin. Autograph. In Die Musik in Geschichte undGegenwart. Kassel; Brenreiter, v.1, 1951 (878-890).MATTOS, Cleofe Person de. Catlogo Temtico das Obras do Padre Jos MaurcioNunes Garcia. Rio de Janeiro: MEC, 1970.MOTTE, Diether de la. Kontrapunkt: Ein Lese-und Arbeitsbuch. Kassel: Brenreiter,1981.NOBLITT, Thomas. Problemi di trasmissione nella Missa Je ne Demande diObrecht. In CARACI VELA, Maria (org.) La critica del testo musicale: Metodi eproblemi della filologia musicale. Lucca: Libreria Musicale Italiana, 1995 (129-140).PAREYSON, Luigi. Os problemas da esttica. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1989.SANTIAGO, Osvaldo. Aquarela do Direito Autoral. So Paulo: Mangione, 1946.SALLES, Ceclia Almeida. Crtica Gentica Uma Introduo. So Paulo: EDUC,1992.SCHWEITZER, Albert. J. S. Bach. Nova York: Macmillan, 1955.SEGATO, Rita Laura. Okaril: uma toada icnica de Iemanj. Latin-AmericanMusic Review, 14/1, 1993 (1-19).TARUSKIN, Richard. The Limits of Authenticity: A Discussion. Early Music, 12,1984 (3-12).TRAVASSOS, Elizabeth. Repente e msica popular: a autoria em debate.Brasiliana, 1, 1999 (6-15).TREITLER, Leo. The Present as History. Perspectives of New Music, 7, 1969 (1-58).

  • 39

    REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    O Te Deum (em l menor) de Lobo deMesquita (1746?-1805): edio crtica e

    notas para uma performancehistoricamente informada

    Srgio Pires

    ResumoEste artigo trata da primeira edio crtica do Te Deum (em l menor) do compositor colonial brasileiroJos Joaquim Emerico Lobo de Mesquita (1746?-1805). O texto menciona a transcrio da obra reali-zada por Curt Lange, que no utilizou os manuscritos autgrafos como fonte, e as gravaes existentesbaseadas em sua transcrio. So descritas as fontes manuscritas disponveis atualmente e os critriosadotados para a escolha daquelas que serviram de base edio crtica; tambm so discutidos, emdetalhe, os princpios editoriais adotados. Adicionalmente, so includas sugestes para a performancehistoricamente informada da obra.Palavras-chaveLobo de Mesquita msica colonial mineira Te Deum edio crtica.

    AbstractThis article focuses on the first critical edition of the Te Deum (in A minor) by the brazilian colonialcomposer Jos Joaquim Emerico Lobo de Mesquita (1746?-1805). The article comments the non-au-tograph based transcription of this work by Curt Lange, and the recordings based on his transcription.It describes the manuscript sources currently available and explains the criteria adopted for the choiceof the sources used in the critical edition; the editorial principles are also discussed in detail. In addi-tion, it provides suggestions for a historically informed performance of the work.KeywordsLobo de Mesquita Brazilian colonial music Te Deum critical edition.

    O Te Deum em l menor, nmero 134 do Catlogo Temtico do Acervo de Ma-nuscritos Musicais (Coleo Francisco Curt Lange) do Museu da Inconfidncia deOuro Preto,1 uma das trs obras compostas por Jos Joaquim Emerico Lobo deMesquita (1746?-1805)2 sobre esse hino de ao de graas. o nico Te Deum destecompositor a ter sido apresentado recentemente em salas de concerto e tambm onico a ter sido gravado. Esta obra foi escrita para coro ou quarteto vocal SATB, pri-meiro e segundo violinos, viola, trompas e baixo contnuo; est dividida em 14 mo-vimentos alternados com cantoches.3___________________________________________________________________________________________________

    1 Duprat, Regis (coord. geral). Acervo de manuscritos musicais: Coleo Francisco Curt Lange: Compositores Mineiros dosSculos XVIII e XIX. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1991 (p. 94). Deve-se chamar ateno para a troca de incipts musicaise informaes sobre os trs Te Deums do autor, a ser corrigida na prxima edio do catlogo, segundo nos informou amusicloga Mary Angela Biason do Museu da Inconfidncia.2 Sobre a polmica data de nascimento do compositor, ver a cronologia ao final desse artigo.3 Um breve comentrio sobre os outros dois Te Deum pode ser encontrado em meu artigo A edio crtica do Te Deummais conhecido de Lobo de Mesquita, publicado nos anais do 7 Colquio de Pesquisa do Programa de Ps-graduao emMsica da UFRJ.

  • REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    40

    As execues da obra, nas ltimas dcadas, e as duas gravaes existentesbasearam-se numa restaurao feita por Francisco Curt Lange na dcada de 1950,considerada bastante questionvel de acordo com os padres atuais de edio deobras antigas, visto que corrige notas e inclui indicaes de dinmica, intensidadee, at, arcadas, sem mencionar que foram alteraes do revisor.4

    Alm dos problemas editoriais, o uso de somente um conjunto de manuscritoscopiados no sculo XIX como fonte da transcrio, conforme declarado pelo prprioLange, na capa, reduziu a possibilidade de se obter um retrato mais fiel s intenesdo compositor. Como se ver a seguir, algumas partes vocais e instrumentais dessaobra, escritas de prprio punho por Lobo de Mesquita, assim como outros conjuntosde manuscritos, foram coletados mais tarde pelo prprio Lange e esto hojedepositadas no acervo do Museu da Inconfidncia de Ouro Preto.

    Outro fato a destacar que no ano de 2006 uma edio amplamente baseadanessa transcrio de Curt Lange foi realizada por Mrcio Miranda Pontes e lanadapor sua editora, na coleo Ouro de Minas. Pontes reproduziu maciamente as in-dicaes de dinmica, intensidade e arcadas propostas por Lange e sequer teve ocuidado de citar a transcrio do musiclogo teuto-uruguaio como base.

    Dada a importncia deste Te Deum para o conjunto da obra de Lobo de Mesquitae para a msica colonial brasileira, surgiu a ideia de realizar uma edio crticabaseada nos autgrafos e em outras fontes no utilizadas anteriormente juntamentecom as cpias utilizadas por Lange. Essa nova edio fez parte de minha tese dedoutorado Sources, Style and Context for the Te Deum of Jos Joaquim EmericoLobo de Mesquita (1746?-1805): a critical edition, apresentada Boston Universityem maio de 2007. O presente artigo amplamente baseado no quinto captulo dareferida tese.

    FONTES MANUSCRITASO exame dos principais catlogos temticos dos acervos de msica mineira e da

    bibliografia sobre o compositor indicou que s havia manuscritos dessa obra noMuseu da Inconfidncia de Ouro Preto. Partiu-se, ento, para a realizao dasfotocpias digitais dos oito conjuntos de manuscritos l existentes.

    Alguns conjuntos de manuscritos eram datados e outros no. No segundo caso,a equipe musicolgica do museu lhes atribuiu um perodo aproximado com basenos tipos de papel, marcas dgua e estilos de grafia. As oito fontes ou conjuntos demanuscritos l encontrados so descritos a seguir:

    ___________________________________________________________________________________________________

    4 Para outros detalhes, ver o artigo A edio crtica do Te Deum mais conhecido de Lobo de Mesquita, da nota anterior.

    O Te Deum (em l menor) de Lobo de Mesquita (1746?-1805):edio crtica e notas para uma performance historicamente informada _ PIRES, S.

  • 41

    REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    1) autgrafos das partes de contralto, tenor, primeiro e segundo violinos;embora no haja a assinatura do compositor nestas partes, a auten-ticidade pode ser facilmente comprovada a partir da comparao comoutros manuscritos assinados por Lobo de Mesquita,2) partes de primeira e segunda trompas, por copista annimo do sculoXVIII,3) parte de viola, por copista annimo da primeira metade do sculo XIX,4) parte de baixo instrumental, por copista annimo da segunda metadedo sculo XIX,5) partes de soprano, contralto, tenor, baixo vocal, violino I, violino II,viola, baixo instrumental, segunda trompa, trompete e saxhorn, copiadaspor Joo Nepomuceno Ribeiro Urcini na cidade do Serro, Minas Gerais, emoutubro de 1878; obviamente, as partes de trompete e saxhorn foramacrscimos oitocentistas motivados pela vontade ou necessidade deutilizar outros instrumentos na performance da obra; o ttulo The Deum/por Joz/Joaqm Emerico Loubo de Misqta aparece no alto da parte desegundo violino desse conjunto de manuscritos,6) parte de baixo vocal, por copista annimo da primeira metade dosculo XIX,7) parte de primeira trompa copiada por Joo Nepomuceno Ribeiro Urcini,em Diamantina, em 23 de janeiro de 1907;8) pequeno fragmento do quarto movimento (Te Gloriosus) da parte detenor.

    A maioria das folhas dos autgrafos sofreu danos ao longo do tempo, devidos umidade, especialmente na parte de cima do papel. Tambm as partes de trompado conjunto nmero 2 apresentavam trechos danificados em sua parte superior.Felizmente, porm, a maioria dos outros manuscritos apresenta apenas pequenosdanos, sendo que o conjunto copiado por Urcini, em 1878, est legvel em suatotalidade. Atualmente os manuscritos esto preservados adequadamente com ouso de equipamento que controla a temperatura e a umidade, embora as condiesde segurana do local no sejam as ideais.

    A comparao entre as cpias de Urcini, utilizadas na transcrio de Lange, e osautgrafos, indica que nas partes vocais h mais semelhanas que diferenas. Jnas partes dos violinos, apesar da grande semelhana nas melodias, h considerveisdiferenas de articulao entre os dois conjuntos de manuscritos, sendo osautgrafos muito mais ricos nas indicaes de articulao do que as cpias de Urcini.Isso particularmente importante, tendo em vista que os violinos tm, em geral, opapel mais destacado do tecido musical desse compositor, apresentando os prin-

    O Te Deum (em l menor) de Lobo de Mesquita (1746?-1805):edio crtica e notas para uma performance historicamente informada _ PIRES, S.

  • REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    42

    cipais motivos meldicos e, atravs da recorrncia, so responsveis pela unidadeestrutural das obras.

    Tendo em vista o fato de que os vrios conjuntos de partes cavadas foram copiadosem pocas diferentes, ao longo de mais de cem anos, provvel que a obra tenhapermanecido durante bastante tempo no repertrio de certas corporaes musicaismineiras. Esse fato pode ter contribudo para que o texto musical original no tenhasofrido grandes alteraes mesmo por parte dos copistas do final do sculo XIX,exceto no que tange s articulaes.

    Na elaborao da edio crtica foram utilizados, alm dos autgrafos (fontenmero 1), outros quatro conjuntos de manuscritos. O uso de fontes secundriasfoi necessrio tendo em vista o fato de que os autgrafos encontram-se incompletose apresentam trechos ilegveis. As outras fontes utilizadas foram as de nmero 2, 3,4 e 5 de nossa lista. Elas foram escolhidas aps um cuidadoso exame comparativodos manuscritos, sempre tendo em vista a maior proximidade com os autgrafosno que tange s alturas das notas, s elaboraes rtmicas e s articulaes.

    No caso das trompas, dada a diferena substancial entre as fontes, foi escolhidoo conjunto 2 em virtude de sua maior semelhana com a escrita de Lobo de Mesquitapara este instrumento em outras obras. A tabela seguinte mostra, ao lado de cadaparte, a fonte principal utilizada na edio, ainda que tenha sido consultadaeventualmente uma segunda fonte. exceo da parte de soprano, includa somenteno conjunto nmero 5, as demais partes sobreviveram em dois manuscritos dife-rentes, embora, no caso das trompas, no houvesse semelhana entre as fontesque possibilitasse o uso de uma segunda fonte quando a comparao era necessria.Essas segundas fontes foram consultadas nos casos em que a fonte principal estavailegvel ou apresentava grandes incoerncias num determinado trecho.

    O Te Deum (em l menor) de Lobo de Mesquita (1746?-1805):edio crt ica e notas para uma performance historicamente informada _ PIRES, S.

  • 43

    REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    PRINCPIOS EDITORIAISAlgumas intervenes editoriais foram feitas com o objetivo de deixar a partitura

    pronta para a performance. Foi necessria a correo de pequenas falhas de grafiae de incoerncias presentes nas fontes principais de cada voz e instrumento. Porexemplo: as partes de trompa apresentavam alguns trechos ilegveis e algumas notasmusicais que estavam fora da harmonia proposta no restante das vozes. Nessescasos, completaram-se ou corrigiram-se as notas a partir da analogia com outrosfragmentos. Todas estas intervenes foram mencionadas no aparato crtico anexo edio.

    Esse aparato no contm referncias ao uso de uma segunda fonte para com-pletar essas eventuais falhas, mas menciona as passagens onde a fonte principalestava ilegvel ou incorreta. Como dito, a extrema semelhana das duas fontes dis-ponveis para quase todas as vozes e instrumentos contribuiu para a deciso de seadotar a segunda fonte para as correes.

    O aparato crtico tambm traz as diversas uniformizaes de ritmo, articulao,dinmica, andamento e texto. Feitas com o objetivo de produzir uma edio ade-quada para uma performance historicamente informada da obra, essas unifor-mizaes mantm, sempre que possvel, o referencial dos autgrafos.

    Nesta edio, a obra foi dividida em 14 movimentos em vez dos 15 em que CurtLange havia dividido a pea em sua partiturao. Trs razes foram levadas emconta para essa diviso: 1) a ausncia de cantocho entre o Fiat misericordia e oNon confundar; 2) a ausncia de barra dupla entre esses movimentos e de nova in-dicao mtrica para o Non confundar na parte autgrafa do segundo violino; 3) ofato de que o Fiat misericordia termina em um acorde de dominante, preparandodessa forma o ataque do Non confundar.

    O uso de claves modernas para todas as vozes e de ritmo livre para os cantochesso alguns dos princpios de notao adotados. A verso Juxta Morem Romanum (maneira romana) do cantocho Te Deum, tal como aparece no Liber Usualis,5 foi aescolhida, por ser, ao que parece, a mais utilizada em Portugal e no Brasil, no sculoXVIII. No havia nada que indicasse o uso de um dos dois outros tons possveis, oTonus solemnis ou o Tonus simplex.

    Eventuais erros ou descuidos de conduo vocal, tais como o uso de quintase oitavas paralelas, foram mantidos na edio. H duas maneiras de interpretaresses possveis descuidos: 1) poderia ser fruto da composio diretamente em partesou mesmo da pressa de entregar a obra encomendada; 2) poderia se dever a um

    ___________________________________________________________________________________________________

    5 Liber Usualis. Tournai: Descle & Co., 1974 (pp. 844-7).

    O Te Deum (em l menor) de Lobo de Mesquita (1746?-1805):edio crt ica e notas para uma performance historicamente informada _ PIRES, S.

  • REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    44

    relaxamento no controle dessa conduo de vozes, indicando uma menor obser-vncia das regras de harmonizao por parte do compositor; ou, o que menosprovvel, poderia refletir simplesmente a vontade do compositor.

    De qualquer modo o efeito que esses paralelismos provocam acaba, sem querer,contribuindo para uma sonoridade diferente da msica que lhe servia de modelo, amsica europeia ps-barroca, particularmente as msicas sacras napolitana e por-tuguesa.

    Outro princpio editorial foi o de colocar colchetes em torno de todas as notasou ritmos que foram alterados em relao aos que apareciam nos manuscritos.Esse procedimento de colocar colchetes na partitura, que alguns musiclogos con-sideram desnecessrio quando a edio acompanhada de aparato crtico, torna,em minha opinio, o prprio uso do aparato mais efetivo, na medida em que expeno texto musical as alteraes que foram realizadas.

    As poucas alteraes rtmicas feitas para dar mais coerncia partitura geraltiveram como referencial os autgrafos. No caso dos autgrafos que tambm apre-sentaram pequenas diferenas, levou-se em conta a inflexo rtmica do texto e aanalogia com outras partes vocais ou instrumentais.

    Somente as indicaes de solo, duo e tutti contidas nos autgrafos foram assi-naladas na partitura. Presumindo-se que o tutti indicado nas partes autgrafas decontralto e tenor servisse para todas as partes vocais, a edio trouxe a indicaosomente acima da parte de soprano apesar de no haver autgrafo dessa parte.Optou-se por no colocar indicaes em todas as vozes para evitar o excesso desinais na partitura. Sobre a interpretao destas indicaes, ver a seo Notas parauma performance historicamente informada.

    Suprimiu-se a letra C que Lobo de Mesquita coloca sistematicamente em seusoriginais entre a clave e a frmula de compasso, seja 2/4, 3/4 ou outra. Os autgrafosde outras obras de Lobo de Mesquita tais como, por exemplo, a antfona Salve Re-gina e do Ofcio de Defuntos de 1798, tambm trazem essa curiosa notao. Talveza letra C antes da frmula de compasso seja simplesmente uma abreviao decompasso.

    Quanto s indicaes de andamento, percebe-se que nos manuscritos autgrafosnem todos os movimentos aparecem com indicao. Nesses casos, repetiu-se o an-damento do movimento anterior, no sem antes verificar que essas repeties deandamento eram indicadas nas fontes alternativas.

    Todas as ligaduras e staccati contidos nos autgrafos foram transcritos na edio.Esses sinais dos autgrafos serviram de base para as uniformizaes de articulaopropostas na edio no sentido de dar mais consistncia interpretativa. No casodas ligaduras, os acrscimos foram desenhados com linhas tracejadas. J no caso dosstaccati optou-se por colocar simplesmente os pontos sem a preocupao de assi-

    O Te Deum (em l menor) de Lobo de Mesquita (1746?-1805):edio crtica e notas para uma performance historicamente informada _ PIRES, S.

  • 45

    REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    nal-los de forma diferente. O aparato crtico deve ser consultado em caso de dvidasobre o acrscimo de staccati.

    Eventuais sinais de articulao encontrados nas partes no autgrafas de viola ebaixo instrumental foram tambm includos na edio sempre que esses pareciamem acordo com as partes autgrafas de primeiro e segundo violinos. Trinados acres-centados por analogia com os autgrafos foram colocados entre colchetes. Estasuniformizaes de articulao deram mais consistncia seo de cordas, que surgefrequentemente no primeiro plano do discurso musical de Lobo de Mesquita.

    A ausncia de uma proposta clara em termos da diviso silbica do texto latinoa ser cantado foi um dos problemas editoriais encontrados. Palavras como potestates,devicto, aperuisti e custodire aparecem divididas de maneiras bem diferentes emimportantes fontes bibliogrficas tais como o Liber Usualis e o livro de Ron Jefferssobre textos latinos do repertrio coral,6 alm de outros livros e partituras con-sultados. Optou-se por tomar como base a diviso silbica que aparece no livro deJeremy Yudkin sobre a msica medieval europeia.7

    Somente as indicaes de dinmica presentes nos autgrafos foram preservadasna edio. Entretanto, no sentido da uniformizao da dinmica, as indicaes dosautgrafos foram acrescentadas a todas as partes instrumentais e vocais nos trechoscorrespondentes, utilizando-se uma fonte grfica de tamanho menor para deixarclaro que esses so acrscimos editoriais.

    As poucas cifras que aparecem na parte de baixo instrumental foram transcritasna edio somente guisa de comprovar a inteno do intrprete da poca emusar um instrumento harmnico para acompanhar a performance. Foi includaapenas uma linha de baixo, nomeada de baixo contnuo para evitar presunessobre que instrumentos deveriam ser utilizados.

    Nos manuscritos no h indicao de que instrumento fazia a parte do baixo ins-trumental; l-se simplesmente baixo. Porm, dadas as indicaes do uso do vio-loncelo e do rgo em autgrafos de outras obras de Lobo de Mesquita, poder-se-ia presumir que estes tivessem sido os instrumentos empregados. Mas no se deveesquecer que este compositor atuou em diferentes cidades, e irmandades; e podeter tido disposio diferentes instrumentos. Sem contar os registros frequentes,na msica colonial mineira, do uso do cravo e da harpa como acompanhadores e docontrabaixo e do fagote na linha do baixo.

    Na fonte usada para o baixo instrumental nesta edio, aparecem somente quatrocifras em toda a obra, e somente no Fiat misericordia, antes da primeira fermata

    ___________________________________________________________________________________________________

    6 JEFFERS, Ron. Translations and Annotations of Choral Repertory, vol. 1: Sacred Latin Texts. Corvallis, Oregon: Earthsongs,1988.7 YUDKIN, Jeremy. Music in Medieval Europe. Englewoods Cliffs, New Jersey: Prentice Hall, 1989 (pp. 194-7).

    O Te Deum (em l menor) de Lobo de Mesquita (1746?-1805):edio crt ica e notas para uma performance historicamente informada _ PIRES, S.

  • REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ PROGRAMA DE PS-GRADUAO _ ESCOLA DE MSICA DA UFRJ _ v. 23/1 _ 2010

    46

    (cc. 16-19). Na fonte alternativa do baixo instrumental a cpia de Urcini h cifrasnos mesmos compassos e algumas poucas a mais no mesmo movimento. Essacoincidncia pode significar que as cifras foram colocadas pelo compositor, copistaou intrprete para avisar sobre a sequncia de acordes invertidos no trechomencionado, que representa um momento bastante dramtico da pea, a suspensona dominante que antecede o Non confundar final.

    Alm dessas cifras j mencionadas, a cpia de Urcini traz cifras em dois outrosmovimentos: Patrem Immensae (c. 11) e Te ergo (c. 17). Nos manuscritos, as cifrasaparecem acima dos pentagramas, como na prtica setecentista, mas h cu-riosidades como a grafia da 3 inverso do acorde de dominante que grafado 2/4#ao invs de 4/2 como se esperaria.

    Em 2005, poca de minha ida Ouro Preto para fotografar os manuscritos, emcuja tarefa contei com a ajuda da musicloga Mary Angela Biason, do Museu da In-confidncia, as partes de trompa, posteriormente usadas nesta edio, estavamcolocadas na pasta dos autgrafos junto s partes de contralto, tenor e violinos.

    Um exame desses manuscritos e sua comparao com outros autgrafos de Lobode Mesquita levam a descartar a hiptese dessas partes de trompa serem autgrafas,como j havia notado Maria Ins Guimares (1996), que no incluiu essas partescomo autgrafas no catlogo temtico anexo sua tese sobre o compositor.8 Porexemplo, a caligrafia da clave de f difere daquela de Lobo de Mesquita em obrastais como a Salve Regina, o Tercio e o Ofcio de Defuntos de 1798. Essas partes tam-bm no apresentam o j mencionado C antes da indicao do compasso, presentenas partes de contralto, tenor e violinos e em outras obras autgrafas. Alm disso,as partes de trompa trazem uma indicao de allegro antes do Non confundar final,enquanto as partes autgrafas trazem a indicao de vivace.