re 791932 - 19490 - ibet.com.br · recorrente: contax s/a ... prova de dolo judicial e vinculação...
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Ministério Público Federal Procuradoria-Geral da República
19490 - OBF - PGR ARE 791.932-MG Relator: Ministro Teori Zavascki Recorrente: Contax S/A Recorrida: Tatiane Meire da Silva
Recurso extraordinário fundado no alegado desrespeito ao art. 97 da Constituição e da SV 1o do STF. Art. 94, ii, da Lei 9.472/1997.
Além dos casos evidentes de declaração expressa da inconstituci-onalidade de lei por órgãos fracionários, o art. 97 da CR, especi-almente na interpretação que lhe confere a SV 10, impede que ór-gãos fracionários de tribunais reconheçam, por meio velado, a in-compatibilidade de normas legais com as da Constituição.
Também é da jurisprudência do STF que a mera alusão a normas constitucionais, especialmente a seus princípios, no contexto de fundamentação de acórdãos, não configura a declaração encober-ta de inconstitucionalidade de leis.
Necessidade da determinação de critério equilibrado, por meio do qual se separem os julgados continentes de declaração disfarçada de invalidade de leis daqueles que apenas as interpretam, conside-rando sobretudo que a jurisdição constitucional do STF, exercida na via do recurso extraordinário e da reclamação, não se presta à revisão da interpretação do direito infraconstitucional, e que os tribunais inferiores devem obediência à norma de competência do art. 97 da CR.
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Múltiplas razões a impedir que se impute ao STF a tarefa de fixar o sentido definitivo de qualquer norma de direito infraconstitucio-nal com apelo à alegada transgressão da reserva de pleno: ausên-cia de norma de competência, óbice de violação indireta da Cons-tituição, inadequação funcional dessa tarefa à função e à estrutura da jurisdição constitucional, divisão de competência entre a juris-dição constitucional e a comum dos tribunais superiores, extinção da representação para interpretação no sistema de 1988, incapa-cidade hermenêutica de, num único caso, determinar-se o sentido definitivo de qualquer norma jurídica, ausência de espaço para a prova de dolo judicial e vinculação do Tribunal aos aspectos pos-tos em causa pelo aresto recorrido, mesmo no contexto da objeti-vação do recurso extraordinário.
Os limites de competência e funcionais da jurisdição constitucio-nal, ressaltados no direito comparado, aconselham o exame da ofensa do art. 97 da CR segundo critério negativo do qualificado erro metodológico, em sentido amplo, e objetivamente verificável, em decorrência de diversos fatores: a divisão de competência en-tre o STF e os demais tribunais, a ilicitude de se transformar qual-quer questão de ilegalidade em tema constitucional, nos termos da Súmula 636 do STF, e a impossibilidade lógica e jurídica de que a premissa de afronta de norma de direito processual redunde na determinação do sentido do direito material a ser versado em nova decisão pelo órgão competente.
Validade do acórdão impugnado até por se assentar em dois fun-damentos autônomos e suficientes (Súmula 283 do STF), dos quais um tem natureza exclusivamente legal.
Ausência de erro metodológico qualificado e objetivamente aferí-vel no raciocínio desenvolvido no aresto examinado: ao invés de se enredar nos defeitos da “jurisprudência dos conceitos”, ao su-postamente extrair a solução do caso dos termos “terceirização” e “atividades finalísticas e acessórias” das empresas, o acórdão re-corrido interpretou o art. 94, ii, da Lei 9.472/1997 em harmonia com os arts. 3º e 9º da CLT: o procedimento encontra apoio ex-
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presso no cânone hermenêutico do critério sistemático da inter-pretação, que recua a Savigny, ao passo que a imputação das con-sequências do ato fraudado tem seu antecedente expresso no Di-gesto, de modo que não pode ser qualificado de arbitrário.
As instâncias trabalhistas não declararam inválidos todos os con-tratos de prestação de serviço de atividade inerente cuja validade foi reconhecida pelo art. 94, ii, da Lei 9.472; apenas entendeu que essa espécie lícita de contrato não pode escamotear real contrato de emprego desenvolvido entre o trabalhador e a empresa toma-dora dos serviços, por meio de empresa interposta de contratação de mão de obra, com o fim de fraudar direitos dos operários.
A determinação de sentido diverso do atribuído pelo TST ao men-cionado conjunto de prescrições do direito ordinário já não recai-ria na competência da jurisdição constitucional de verificação de erro metodológico qualificado, por cujo meio se contorna o art. 97 da CR, mas representaria a determinação do sentido e do al-cance de leis, ou seja, a interpretação pura e simples do direito or-dinário.
Parecer pelo desprovimento do recurso extraordinário.
1. Introdução
Trata-se de recurso extraordinário com agravo interposto
contra decisão do TST sobre terceirização de serviços.
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2. Do caso
Empregada de central de atendimento ajuizou reclamação
trabalhista contra a Contax S/A e, subsidiariamente, contra a con-
cessionária de telecomunicações Telemar Norte Leste S/A. A auto-
ra narrou ter sido contratada para a função de atendente de centro
telefônico. Embora formalmente contratada pela empresa forne-
cedora de mão de obra, alegou ter prestado serviços apenas no in-
teresse e sob a fiscalização da empresa de telefonia. Daí que os
seguintes fatos autorizariam o reconhecimento do vínculo traba-
lhista entre a empregada e a empresa em cujo proveito laborou (f.
6-7):
É de se destacar que cabia à Telemar passar à primeira recla-
mada suas regras e diretrizes a serem seguidas pela autora.
Ainda para ter certeza que suas ordens estavam sendo segui-
das pela empresa Contax S/A e atendentes, a segunda ré moni-
torava as ligações e fiscalizava as células de atendimento, além
de realizar constantemente ligações se passando pela OI a fim
de fiscalizar o atendimento.
A segunda ré possui, até a presente data, uma sala dentre das
dependências da Contax S/A, para realizar de forma mais ze-
losa sua fiscalização, evidenciando a subordinação estrutural.
Realçando ainda mais a fraude perpetrada pelas Reclamadas,
cumpre destacar, em especial no tocante às empresas Contax
S/A e OI/Telemar, as mesmas pertencem ainda ao mesmo
grupo econômico, conforme documentação anexa, inclusive
com confissão de seus prepostos, valendo dizer que a criação
da primeira se deu com o objetivo primordial de redução de
gastos, sendo que seus funcionários foram flagrantemente to-
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lhidos do recebimento de diversos direitos (previstos nos ins-
trumentos coletivos celebrados pela Telemar), que só eram
pagos aos empregados contratados diretamente pela Telemar,
tais como participações nos lucros, vale-refeição, abonos, ces-
tas básicas, reajustes salariais mais vantajosos etc.
O primeiro grau julgou a demanda improcedente, por haver
entendido, em síntese, que o art. 94 da Lei 9.472/1997 admitiria a
espécie contratual em causa.
O TRT3 proveu o recurso ordinário para declarar ilícito con-
trato específico examinado, estabelecendo-se, consequentemen-
te, o vínculo empregatício direto com a concessionária. Determi-
nou o retorno dos autos à origem, para exame dos pedidos.
A ementa do acórdão do TST assim sumaria seu conteúdo:
Agravo de instrumento. Recurso de revista. Rito sumaríssimo. Terceirização ilícita. Aten-dente de call center. Reconhecimento do vín-culo de emprego com a empresa de telefonia tomadora de serviços. Ausência dos pressupos-tos de cabimento do recurso de revista.
Consignada pelo Tribunal Regional a terceirização de ativida-
de-fim da tomadora dos serviços, o reconhecimento do víncu-
lo de emprego entre o trabalhador terceirizado e a empresa
cliente não contraria a Súmula 331/TST. Ausência de demons-
tração de afronta direta e literal à Constituição Federal ou à
súmula da jurisprudência uniforma desta Corte, capaz de en-
sejar a revisão da matéria nesta instância extraordinária, nos
termos do art. 896, § 6º, da CLT.
Agravo de instrumento não conhecido e não provido.
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O TST impediu o seguimento do recurso extraordinário. Sus-
tentou que o STF negou repercussão geral ao tema. Considerou
não haver violação da reserva de plenário e que a ofensa às nor-
mas constitucionais, se ocorrente, seria reflexa. Assentou a inci-
dência das Súmulas 279 e 636.
O agravo de instrumento foi recebido pelo TST como agravo
interno e desprovido. Os autos vieram ao STF, em função da pro-
cedência da Reclamação 16.636, em que reconhecida usurpação
de competência do STF.
O em. Relator conheceu do recurso extraordinário, somente
pela alegada ofensa ao art. 97, da CR. O STF reconheceu a reper-
cussão geral da matéria, nos seguintes termos:
Constitucional. Recurso extraordinário com
agravo. Concessionárias de serviços de teleco-
municações. “Terceirização”. Ofensa ao princípio
da reserva de plenário. Não aplicação do art. 94,
ii, da Lei 9.472/97 pelo Tribunal Superior do Traba-
lho. Repercussão geral configurada.
1. Possui repercussão geral a questão relativa à ofensa ou não
ao princípio da reserva de plenário em razão da não aplicação,
pelo Tribunal Superior do Trabalho, a empresas de telecomu-
nicações, do art. 94, ii, da Lei 9.472/97, que permite, a con-
cessionárias de serviço público a “terceirização” de atividades
inerentes, acessórias ou complementares ao serviço.
2. Repercussão geral reconhecida.
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3. Da estrutura do recurso extraordinário
Importa, de início, recordar a estrutura do recurso extraordi-
nário a ser examinado.
A recorrente centra sua atenção na Súmula 331 do TST, em
que consagrada a tese fundamental de que o subterfúgio de con-
tratação de trabalhadores, por meio de pessoa interposta entre
eles e o empregador, gera vínculo regido pela CLT entre as verda-
deiras partes na relação laboral. Afirma-se ali que, “quando da
edição dessa Súmula, em 1992 [rectius, 1993], as novas regras a
respeito da terceirização ainda não existiam, [e] somente com a
privatização de vários setores da economia nova realidade sur-
giu”, à qual o TST “ainda não se adequou [...], mesmo depois de
revisar a Súmula 331, [... em] 2011”.
Ao ver da recorrente, o pacto discutido no processo contaria
com o abono do art. 25 da Lei 8.987/1995 e do o art. 94, ii, da Lei
9.472/1997. O art. 94, ii, dirigido às empresas de telefonia, auto-
riza: “no cumprimento de seus deveres, a concessionária poderá,
observadas as condições e limites estabelecidos pela Agência:
contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades ineren-
tes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a im-
plementação de projetos associados”. Daí a conclusão:
As normas legais citadas permitem a terceirização na ativida-
de-fim, pelo que a decisão recorrida violou o art. 94 da Lei
9.472/97, bem como o artigo 25 da Lei 8.987.1995 e, em con-
sequência, os artigos 5º, ii, e 170, iii, da Constituição Fede-
ral, como também confronta com a Súmula Vinculante nº 10
[...]”.
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A partir desse ponto, o recurso reproduz a distinção corrente
no foro trabalhista entre as atividades empresariais finalísticas e
as acessórias, inclusive mediante extensa transcrição de debates
havidos em audiência pública no TST alheia ao caso. Com auxílio
dessas categorias e do art. 60 da Lei 9.472, que define os serviços
de telecomunicação, a recorrente defende a conclusão da licitude
do contrato de trabalho celebrado, do qual decorreria a exonera-
ção de sua responsabilidade pelo inadimplemento de indeniza-
ções laborais.
4. Aspectos gerais do problema posto pela SV 10 do STF
Em especial por se tratar aqui do primeiro caso dotado de re-
percussão geral sobre a reserva de pleno, torna-se imprescindível
identificar com precisão a atividade do STF, no exame de recursos
extraordinários cujo fundamento seja o desrespeito do art. 97 da
CR ou da SV 10. Apenas o estabelecimento da característica muito
peculiar da atividade do STF nessa espécie de recurso, repetida
nas reclamações por ofensa da referida súmula, permitirá a solu-
ção da causa de acordo com as funções do Tribunal, nessas vias
processuais.
O tema não despertaria maiores indagações, se surgisse ape-
nas em casos simples, nos quais a desobediência da reserva de
pleno beira a inépcia de colegiados fracionários, que, por incúria,
exercem a competência de que não dispõem para a declaração da
inconstitucionalidade de leis1. Tais casos envolvem não mais do
1 Entram na mesma categoria os casos intencionais, nos quais se parte do
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que os aspectos procedimentais ou burocráticos do respeito à re-
serva de plenário. Resolvem-se, por conseguinte, com a mera
constatação do desrespeito da regra de competência do art. 97 da
CR, pormenorizada nos trâmites do art. 948 e segs. do CPC. Tal
conjunto de casos oferece escasso interesse, em decorrência do
automatismo imposto pelas normas mencionadas.
As coisas alteram-se drasticamente na outra espécie de casos,
abrangida pela SV 10 do STF – “viola a cláusula de reserva de ple-
nário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal
que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade
de lei ou ato e normativo do poder público, afasta sua incidência,
no todo ou em parte”. Mais analíticos do que o enunciado vincu-
latório, os precedentes que o geraram acrescentam algo relevante
na identificação do segundo conjunto de casos típicos da aplica-
ção do art. 97: “reputa-se declaratório de inconstitucionalidade o
acórdão que – embora sem o explicitar – afasta a incidência da
norma ordinária pertinente à lide para decidi-la sob critérios di-
versos alegadamente extraídos da Constituição”2. O problema es-
suposto de que a suscitação do incidente atrasaria a marcha do processo, da-
do o acúmulo de feitos nos plenos. Na linha intermédia, o argumento de que
se deixa de aplicar certa norma, “sob o argumento da ‘ilegalidade da lei’”,
qualquer que seja o sentido dessa expressão – AI 464.257 AgRg, rel. Min.
Teori Zavascki. 2 RE 240.096, rel. o Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 21.5.1999, p.
2.669. Confiram-se, ainda, os seguintes acórdãos, literalmente idênticos ao
citado, no ponto de interesse para a causa: AgRgAI 467.202, AGREsp
543.461, AGA 517.757, AGREsp 523.864, AGA 492.352, AGA 383.396, AGA
502.188, AGA 576.925, REsp 308.711, AGA 455.435, RE 435.871, RE
416.402, AGA 418.124, AGA 419.145, RE 397.943, RE 328.857, RE 222.477,
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tá, assim, na identificação daquilo que o STF qualificou, em casos
posteriores, como “forma indireta do reconhecimento da incons-
titucionalidade”3, como a maneira de “tacitamente”4 se repudiar a
lei ou como “juízo de inconstitucionalidade disfarçado”5 ou “dis-
simulado”6.
A jurisprudência do Tribunal já oferece alguns critérios pelos
quais se identifica a rejeição de lei com ofensa do art. 97 da CR. O
mais claro deles encontra-se na seguinte passagem de aresto do
Pleno: “se o juízo reclamado não declarou a inconstitucionalidade
de norma nem afastou sua aplicabilidade com apoio em funda-
mentos extraídos da Constituição, não é pertinente a alegação de
violação à Sumula Vinculante 10 e ao art. 97 da Constituição”7.
Em se tratando da eventual declaração escamoteada de invalidade
de lei, interessa sobretudo a vedação da invocação de fundamen-
tos constitucionais para não aplicar a lei ao caso, a ser entendida
em conjunto com outro precedente, no qual o Tribunal decidiu
que “o embasamento da decisão em princípios constitucionais
não resulta, necessariamente, em juízo de inconstitucionalida-
de”8. Portanto, haverá transgressão da SV 10, se o julgado recorri-
do lançar mão de normas constitucionais para negar a aplicação
AGA 311.369, AGA 227.163, RE 223.603, DJU de 21.2.2000, p. 153; RE
222.778, DJU de 29.11.1999, p. 190. 3 Rcl 15.724, 15.512, 13.703, e 13.523, rel. Min. Rosa Weber. 4 Rcl. 9.156, rel. Min. Rosa Weber. 5 Rcl. 13.514, rel. Min. Celso de Mello. 6 Rcl. 20.397 e 22.537, rel. Min. Teori Zavascki. 7 Rcl. 12.122, rel. Min. Gilmar Mendes. 8 AI 814.519-AgR-AgR e RE 575.895, rel. Min. Ellen Gracie.
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da lei no caso, mas não se apenas as considerar na solução da
causa.
Ao indicado campo de certeza da ilicitude do comportamento
dos tribunais corresponde o âmbito de igual segurança da valida-
de de seu comportamento, assim delineado em outros preceden-
tes da Casa: “a jurisprudência do STF é firme no sentido de que
não há que se exigir reserva de plenário para a mera interpretação
e aplicação das normas jurídicas que emerge do próprio exercício
da jurisdição, sendo necessário para caracterizar violação da cláu-
sula de reserva de plenário que a decisão de órgão fracionário
fundamente-se na incompatibilidade entre a norma legal e o Tex-
to Constitucional [...]”9. Nesse vasto campo de interpretação da
lei, há muitas razões pelas quais não se aplica determinada norma
em certo caso. Entre elas, merecem citação os motivos lícitos
mais correntes para o afastamento de certa norma do caso, alguns
dos quais já espelhados em arestos do STF: a “não subsunção da
previsão legal ao caso concreto”10; incidência de norma diversa da
invocada pela parte11; a “interpretação restritiva, após a apreciação
dos fundamentos infraconstitucionais incidentes à hipótese”12; a
“interpretação sistemática com o intuito de alcançar o verdadeiro
9 Rcl. 16.740 e 22.651, rel. Min. Edson Fachin; em sentido similar, decla-
rou-se a licitude de “aplicação das regras de hermenêutica no âmbito infra-
constitucional”, no ARE 862.685-AgR, rel. Min. Rosa Weber. 10 Rcl. 21.126. rel. Min. Roberto Barroso. 11 Rcl. 20.397, rel. Min. Teori Zavascki; Rcl. 22.714 e 22.210, 19.376 rel.
Min. Luiz Fux. 12 Rcl. 20.111, rel. Min. Luiz Fux.
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sentido da norma [...] da CLT”13; “a ausência de manifestação ex-
pressa sobre dispositivos legais suscitados pela parte não repre-
senta ofensa à súmula vinculante 10, se o acórdão reclamado de-
cidir a causa com fundamento em outras normas”14; “a simples
ausência de aplicação de uma dada norma jurídica ao caso sob
exame não caracteriza, tão-somente por si, violação da orienta-
ção” da SV 1015; o emprego da analogia16; a preferência da norma
especial sobre a aplicação de regra geral; a preponderância da lei
posterior sobre a anterior, a redução teleológica etc. Existe, por-
tanto, um amplo domínio no qual os tribunais inferiores se po-
dem movimentar licitamente, na interpretação da lei e na verifica-
ção dos resultados decorrentes da inter-relação entre várias nor-
mas editadas em diversos períodos. O simples fato de um tribunal
não aplicar ao caso a norma apontada pela parte não implica que
a repudiou, por inconstitucionalidade.
Em suma, a jurisprudência do STF acerca da SV 10 não se li-
mita a anular decisões nas quais a lei incidente no caso dele é
afastada por meio da invocação de norma constitucional, sem
que, todavia, seja declarada a incompatibilidade entre ambas. Ao
contrário, os julgados vão além e realizam, em muitos casos, um
teste de consistência mínima dos fundamentos do acórdão recor-
rido, mesmo que relativos ao direito ordinário. O Tribunal tem
analisado os recursos fundados em ofensa da reserva de pleno,
13 ARE 690.470, rel. Min. Roberto Barroso. 14 Rcl. 11.859, rel. Min. Teori Zavascki. 15 RE 278.710-AgR, rel. Min. Joaquim Barbosa; no mesmo sentido, AI
814.519-AgR-AgR, rel. Min. Ellen Gracie. 16 Rcl. 16.989, rel. Min. Gilmar Mendes.
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em termos da validade dos motivos concretos das decisões dos
tribunais inferiores17.
Sucede que esse ou qualquer outro critério de aferição da exis-
tência de rejeição dissimulada da lei regente do caso tem reper-
cussões de máximo relevo no funcionamento do sistema judiciá-
rio. Independentemente de outras consequências, o exame da va-
lidade dos fundamentos pelos quais não se aplicou a lei em certos
fatos traslada ao mais alto grau de jurisdição todas as espécies de
causa, com sua evidente sobrecarga. Em virtude desse aspecto
prático e sobretudo das questões de adequação dessa tarefa às
funções confiadas aos órgãos de cúpula de diversos sistemas judi-
ciários, o problema não se confina ao Brasil, apesar da forma pe-
culiar com que aqui aflora – a transgressão de regra de competên-
cia de plenos de tribunais.
Além da jurisprudência do STF acima inventariada, a experi-
ência estrangeira há mais tempo com o problema da revisão de
aplicação da lei por tribunais encarregados basicamente de temas
constitucionais tem reflexões capazes de auxiliar na resposta ao
problema de como se atribuir ao mais elevado órgão judicial de
um país o ônus de rever a aplicação até do direito ordinário, em
casos concretos, sem lhe inviabilizar a vida prática, nem lhe con-
trariar a função precípua para o qual criado.
17 A ausência de motivos é tema sobretudo para a aplicação de normas pro-
cessuais acerca dos requisitos das decisões judiciais e, excepcionalmente,
também para o recurso extraordinário, quando inexistentes.
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5. Dos defeitos do critério proposto pela recorrente para a solução do caso
Com base em motivos ligados fundamentalmente à Súmula
331 do TST e à discussão sobre as atividades finalísticas da em-
presa por oposição às instrumentais, que não foram tratados no
acórdão do TRT confirmado pelo TST, a recorrente pretende ver
reconhecida sua suposta irresponsabilidade por deveres trabalhis-
tas decorrentes do pacto regido pela CLT. Com auxílio de argu-
mentos gerais atinentes ao conteúdo apenas das regras de direito
ordinário em causa, a recorrente deseja demonstrar que o art. 94,
ii, da Lei 9.472 tem o sentido inequívoco de exonerá-la dos ônus
exigidos pela autora.
Diversos motivos de ordem funcional, processual, sistemática
e histórica – devidamente espelhados na jurisprudência do STF
sobre o art. 97 da CR – impedem o emprego do método de análise
e do critério sugeridos pela recorrente para se determinar a solu-
ção do caso, assim como vedam a concessão de pedido da nature-
za por ela formulado.
Em primeiro lugar, a determinação primordialmente do sen-
tido do direito ordinário não consta do rol da competência do STF
do art. 102, i, l, e iii, da CR. Ademais, a fixação – pelo STF – do
sentido de norma das normas legais destoa das funções da juris-
dição constitucional.
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Embora tenha reconhecido, que toda violação da lei redunda
em ofensa da constituição18, Kelsen excluiu da competência da ju-
risdição constitucional o exame da mera legalidade de atos, por-
que lhe cabe interpretar as normas da Constituição, como meio de
protegê-la, mas não lhe compete o exame da conformidade de
atos concretos com a lei ordinária. Idêntico motivo determina a
vigência da Súmula 636, pela qual o STF se recusa ao reexame da
interpretação da lei, para que dela ulteriormente se infira desres-
peito da garantia constitucional da legalidade. Como notou o em.
Min. Sepúlveda Pertence, “cuida-se de verdadeiro axioma da nossa
jurisprudência. Afirmou-o o Tribunal, sem vacilações, desde
quando, a partir da EC 16/65, se iniciou, nas áreas da Justiça Elei-
toral (onde os textos anteriores eram ainda mais restritivos; CF
34, art. 83, § 1º; CF 46, original, art. 120) e da Justiça do Traba-
lho, a tendência – universalizada pelo regime atual –, de circuns-
crever o recurso extraordinário à hipótese de contrariedade à
Constituição19. Também no direito comparado é corrente a afir-
mação doutrinária e jurisprudencial de que o Tribunal Constituci-
onal não pode ser visto como superinstância de revisão da aplica-
ção do direito ordinário20.
18 Kelsen, Hans. Wesen und Entwicklung der Staatsgerichtsbarkeit. In:
Veröffentlichungen der Vereinigung der Deutschen Staatsrechtslehrer (1929: Wien), Ber-
lin: Walter de Gruyter, 1929, Heft 5, p. 30-123 (39-40 e 59-60). 19 RE 147.684, rel. Min. Sepúlveda Pertence, com a transcrição da
ementa do RE 79.959. 20 Cf., por todos, em monografia dedicada ao tema, Alleweldt, Ralf.
Bundesverfassungsgericht und Fachgerichtsbarkeit. 1. Aufl., Tübingen: Mohr, 2006,
p. 43, 47 e, especificamente no controle da aplicação do direito ordinário, p.
278.
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Do ponto de vista funcional, a transferência da função aludida
atentaria contra a estrutura de tribunal composto por apenas onze
Juízes. Além disso, prejudicaria as atribuições inequivocamente
sujeitas à jurisdição do Tribunal, com enfraquecimento da defesa
das normas relativas aos bens constitucionais protegidos noutros
processos.
Ainda no aspecto funcional, a assunção pelo STF da compe-
tência para determinar, em última análise, o exato sentido de
normas legais implodiria o sistema de repartição de competência
entre ele mesmo e os restantes tribunais, em especial os superio-
res. Ainda que, como se verá, o controle da validade de decisões
judiciais, pela via do art. 97 da CR, permita ao STF algum exame
da atividade dos tribunais a respeito do direito infraconstitucio-
nal, não se pode chegar ao ponto da completa especificação do
sentido da norma legal, sob pena de os mencionados parâmetros
funcionais da jurisdição constitucional serem transgredidos.
A dimensão histórica das normas de competência do STF
demonstra a impossibilidade de se realizar, agora, o controle de
aplicação do direito ordinário, em julgamento cujo “resultado [...]
é fixar a única interpretação que o texto legal [...] pode ter”21. Sem
indagar se a representação para a interpretação de leis do art. 119,
i, l, da Carta de 1969 se predispunha a uma utopia – a demarcação
“em caráter definitivo”22 do sentido de normas –, havia norma
21 Voto do Min. Moreira Alves, na Rp. 1.273. 22 Silveira. José Néri da. O Supremo Tribunal Federal e a interpretação ju-
rídica com eficácia normativa. In: Arquivos do Ministério da Justiça, Brasília, n.
159, p. 7-29, jul-set. de 1981, p. 25. O próprio autor, agora na qualidade de
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constitucional a autorizar que o Tribunal o fizesse23. Sucede que
similar competência não foi reproduzida na Constituição de 1988,
de modo que parece anacrônico pretender-se, no atual regime que
o STF o faça, por meio de recurso extraordinário ou de reclama-
ção. Além da falta de norma de competência, avultam dois outros
motivos. Do ponto de vista histórico-sistemático, desapareceu a
razão pela qual se deferiu outrora ao STF a jurisdição menciona-
da, pois a criação do STJ veio a completar o processo iniciado ain-
da em 1965 de focar o STF no trato das matérias constitucionais.
Assim, carece de sentido devolver ao STF a determinação final do
conteúdo da legislação infraconstitucional, quando não lhe cabe
mais apreciá-lo com essa finalidade sistemática. Ademais, a inter-
venção do STF no tema em causa só se justifica em conexão com
alguma norma constitucional. Sucede que, mesmo no regime an-
terior, o Tribunal entendeu que normas constitucionais não eram
objeto idôneo à representação interpretativa, justamente para não
petrificar o direito constitucional:
E se o risco daquela imobilização do direito já foi considerado
temível quando atinge texto legal, que dizer da que alcança a
própria Constituição? É que a Constituição, feita para durar
por todo o sempre [...]. Por isso mesmo se há de recusar a in-
Juiz do STF, manteve tal compreensão, ao relatar a Rp. 1.325.
23 O art. 179 do RISTF então vigente autorizava: “o Procurador-Geral da Re-
pública poderá submeter ao Tribunal o exame de lei ou ato normativo federal
ou estadual, para que este lhe fixe a interpretação”. Segundo o art. 180 do
RISTF, entre as condições da representação estava a exposição dos “motivos
que justificam a interpretação” da lei, “bem como o entendimento que lhe dá
o representante”.
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terpretação em tese do texto constitucional, pelo risco redobra-
do e insanável de conferir efeito vinculativo a exegese que ago-
ra atende àquelas imposições da realidade, mas amanhã, ou
hoje mesmo, não serve à mantença da ordem e da paz social,
ante a mutação dos fatos que deve regular [...]24.
A superação do quadro da interpretação da lei pelo STF e ma-
nutenção dos motivos contrários à petrificação do direito consti-
tucional desaconselham o estímulo a todas as partes em litígio no
País a solicitar tal providência.
Intimamente ligado aos aspectos precedentes está a incapaci-
dade de qualquer ser humano, individual ou colegiadamente, de
determinar o sentido definitivo de qualquer objeto cultural. Em
direito, nenhum tribunal está em condição de precisar, numa só
decisão atinente a um único caso, todas as possibilidades de sen-
24 Rp. 1.273, rel. Min. Oscar Corrêa: “Representação para interpretação
de texto constitucionais (art. 119, i, l, da constituição federal). Inadmissibili-
dade. O texto constitucional autoriza ao procurador-geral da republica pedir a
interpretação de lei ou ato normativo federal ou estadual. Não lhe facultou
pedir a interpretação em tese de texto constitucional. Representação não co-
nhecida”. No mesmo sentido, o voto do Min. Moreira Alves, naquele pre-
cedente: “as Constituições visam perdurar o mais possível, e isso só é alcan-
çável – como se vê com relação à Constituição americana – graças à flexibili-
dade de seus textos a essa interpretação evolutiva, incompossível de conviver
com a interpretação autêntica. O Supremo Tribunal Federal é o guardião da
Constituição, e até por isso mesmo não pode retirar dela, imobilizando seu
texto, a flexibilidade que tem de amoldar-se às necessidades futuras”. Acerca
do perigo da interpretação do direito constitucional em termos estáticos, cf.,
por todos, Lepsius, Oliver. Die Maßstabsetzende Gewalt. In: Jestaedt,
Matthias; Lepsius, Oliver; Schönberger, Christof. Das entgrenzte Gericht.
Frankfurt a M: Suhrkamp, 2011, p. 159-280.
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19
tido de determinada norma, mesmo nas demandas cuja causa de
pedir seja aberta. As inumeráveis combinações de normas e as in-
contáveis configurações dos fatos geram sentidos novos para o
texto normativo. Por isso se tem sublinhado que, mesmo nos pro-
cessos abstratos de fiscalização de validade das leis não se con-
frontam puras normas, mas se figuram casos hipotéticos, com
cujo auxílio se examinam as normas controladas25. O próprio STF
já reconheceu o fenômeno, ao admitir, por exemplo, que as diver-
sas estruturas de casos novos forçam a particularização de deci-
sões demasiado genéricas tomadas no controle de constituciona-
lidade por omissão em mandados de injunção26. A técnica secular
25 Parece hoje indiscutível que mesmo o controle concentrado de constitu-
cionalidade não se desenvolve apenas no plano das abstrações normativas.
No quadro de teorias tradicionais de interpretação, já se nota que o controle
examina o tratamento legislativo de um problema, segundo o padrão consti-
tucional, como se vê, por exemplo, em Ehmke, Horst. Prinzipien der Verfas-
sungsinterpretation. In: Dreier, Ralf; Schwegmann, Friedrich [Hrsg.].
Probleme der Verfassungsinterpretation. 1. Aufl., Baden-Baden: Nomos Verlag,
1976, p. 164-210 (204) = VVDStRL 20, 1963, (95-96); Ossenbühl, Fritz. Die
Kontrolle von Tatsachenfeststellungen und Prognosenentscheidungen durch
das Bundesverfassungsgericht. In: STARCK, Christian [Hrsg.]. Bundesverfas-
sungsgericht und Grundgesetz: Festgabe aus Anlaß des 25jährigen Bestehens des
Bundesverfassungsgerichts. Tübingen: J. C. B. Mohr (Paul Siebeck), 1976, v.
458-518 (478-479). Já noutra visão, o próprio domínio regulado pela norma
co-determina seu sentido e extensão; aqui, cf. , por todos, Müller, Frie-
drich. Juristische Methodik. 7. Aufl. Berlin: Duncker & Humblot Verlag, 1997, p.
176, nº 235 e segs., e Strukturierende Rechtslehre, 2. Aufl., Berlin: Duncker &
Humblot, 1994, p. 162-163 26 MI 708, rel. Min. Gilmar Mendes, que bem resume o conjunto das três
decisões paradigmáticas do STF a respeito da greve no serviço público, em
cuja ementa se lê: “[...] 4.4. O sistema de judicialização do direito de greve
dos servidores públicos civis está aberto para que outras atividades sejam
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do distinguishing do direito anglo-americano também testemunha
essa necessidade. Assim, a validação incondicional das terceiriza-
ções, tal como postulado pela recorrente, pode desconhecer im-
plicações em sentido contrário. Embora esteja longe de ser espe-
cialista em direito do trabalho, parece-me líquido que o art. 94, ii,
da Lei 9.472 não impede, por exemplo, acordos e convenções co-
letivas de trabalho, nos quais se vede a terceirização. A referida
norma tampouco resolve todos os aspectos da sucessão de em-
presas, no campo específico. Fico a imaginar quantas outras hi-
póteses terão os versados na arte a opor ao reconhecimento, sem
mais, da licitude de todos os contratos de terceirização no setor
telefônico, para não dizer do direito do trabalho como um todo.
Razão de índole processual também desautoriza a discussão
do problema, em termos ilimitados, como pretendido pela recor-
rente. Nem toda a objetivação do recurso extraordinário consegue
pôr abaixo o fato de que os meios de impugnação judicial impõem
a pertinência entre os motivos declinados na decisão recorrida e a
questão posta sob o exame da jurisdição constitucional. A experi-
ência comparada de país de sistema concentrado de controle, no
qual também se desenvolveu a ideia da relativa objetivação mesmo
dos processos subjetivos, merece lembrança. O Tribunal Consti-
tucional Federal alemão aprecia os incidentes de inconstituciona-
submetidas a idêntico regime. Pela complexidade e variedade dos serviços
públicos e atividades estratégicas típicas do Estado, há outros serviços públi-
cos, cuja essencialidade não está contemplada pelo rol dos arts. 9o a 11 da Lei
no 7.783/1989. Para os fins desta decisão, a enunciação do regime fixado pe-
los arts. 9o a 11 da Lei no 7.783/1989 é apenas exemplificativa (numerus aper-
tus)”.
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21
lidade suscitados pelos tribunais, na proporção exata da necessi-
dade de decisão da causa. Entende-se lá que o exame do tema
constitucional deve ocorrer de modo tão inteiramente concreto
quanto necessário à solução de um processo pendente nas demais
instâncias, tal como ocorre aqui27. Nessa distinção de amplitude,
aliás, mostra-se a diferença entre os controles abstratos e difuso
de constitucionalidade28. Considerando-se, assim, que a decisão
recorrida prescindiu tanto do exame da Súmula 331 do TST como
da distinção entre atividades finalísticas e instrumentais das em-
presas, segue-se a impertinência de se colocarem em causa tais
aspectos do problema, porque irrelevantes, ao menos para a deci-
são deste caso. Lá como no Brasil, o incidente de inconstituciona-
lidade serve à “decisão de um processo pendente”, de modo que
não se deve avançar no tema, além do necessário à solução do ca-
so específico29.
Tudo considerado, redunda na impossibilidade de, mesmo
em tese, deferir-se o pedido da índole requerida pela interessada –
a improcedência da demanda, no que lhe diz respeito. Logo de
saída, há erro lógico na formulação do pedido no recurso. Uma
vez que o STF só admitiu à discussão uma única premissa consti-
tucional de natureza processual, é evidente que o julgamento a ser
proferido só pode conter conclusão de mesma natureza, ou seja,
27 Schlaich, Klaus; Korioth, Stefan. Das Bundesverfassungsgericht. 10.
Aufl., München: Beck, 2015, p. 122. 28 Schlaich e Korioth, ob. cit. na nota 27, p. 121-122. 29 Decisões do TCF alemão, em BVerfGE, v. 42, p. 42 (49); v. 74, p. 182 (198);
e v. 77, p. 259, (261), segundo indicações de Schlaich e Korioth, ob. cit.
na nota 27, p. 122, nota 214.
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relativa à competência de determinado órgão para eventualmente
reconhecer a invalidade de leis. Nunca, entretanto, essa premissa
de ordem meramente processual poderá originar conclusão de
direito material a respeito da procedência ou da improcedência da
causa.
Em síntese, diversos fundamentos impedem a adoção de téc-
nica de decisão que invista o STF no papel de intérprete final do
direito ordinário, pois esta função lhe cabe apenas quando pro-
move, “precipuamente, a guarda da Constituição”, nos termos do
caput do art. 102 da CR.
Se o STF quiser conservar sua jurisprudência, que não con-
temporiza a burla da legislação por meio de argumentos manifes-
tamente artificiais, mas se, em contrapartida, não se desejar in-
vestir na função de órgão judicial incumbido da última interpreta-
ção de todas as leis brasileiras, atraindo para si a sobrecarga para-
lisante de processos daí decorrente, deve rechaçar o critério alvi-
trado pela recorrente para a solução de casos atinentes à SV 10.
Aqui a jurisprudência e doutrina comparadas parecem boas con-
selheiras.
6. Do critério de análise de casos da SV 10
Estabelecido que o critério de demarcação absoluta do senti-
do da lei pelo STF não pode prevalecer, parece interessante recor-
rer a outros padrões tentados no direito comparado para o reexa-
me da aplicação do direito ordinário pela jurisdição constitucio-
nal.
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6.1. De padrões inviáveis do direito comparado
A determinação do parâmetro aludido pode iniciar-se pela re-
jeição dos pontos de vista alhures sugeridos para tanto, mas que
se mostram inviáveis. Longe de ser o exercício da gratuita derrisão
forense, o rápido inventário dessas ideias apontará, ao final, para
aquele que parece o norte a ser seguido no tema.
Deve-se descartar a pesquisa do elemento subjetivo dos juízes
dos tribunais inferiores. Além de a prova de determinado ânimo
ser impossível, no recurso extraordinário, em decorrência da Sú-
mula 279 do STF, a discussão nas conhecidas bases do desvio de
finalidade administrativo renderia muito pouco: em especial um
juiz inclinado a perverter, de propósito, determinada lei seria o
primeiro a disfarçar tal intento sob estratagemas de aparência le-
gal30. O critério só funcionaria em casos anedóticos. E, pior, o es-
forço do Tribunal no reexame do caso teria escassa, para não di-
zer nula, serventia, em razão de sua alta dependência dos pressu-
postos de fato da decisão, motivo pelo qual nele não se firmaria
nenhuma tese com repercussão geral, agora exigida pelo art. 102,
§ 3º, da CR. Logo, o critério de avaliação do caso deve ter natureza
objetiva, ou seja, independente do elemento subjetivo dos autores
da decisão impugnada31.
30 Lindeiner, Fabian von. Willkür im Rechtsstaat? Berlin: Duncker & Hum-
blot, 2002, p. 175. 31 Daí não se deve extrair a conclusão, a contrario sensu, de que as decisões
proferidas com a intenção subjetiva de perversão da ordem jurídica sejam vá-
lidas perante a Constituição. Apenas se observa, assim, que o problema susci-
tará a cassação do pronunciamento judicial com base em argumentos consti-
tucionais diversos da SV 10.
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A suposta injustiça da decisão submetida ao STF tampouco
serve de padrão, porque representaria apenas a substituição do
subjetivismo entre instâncias judiciárias, na medida em que exis-
tem diversas concepções da solução correta, além de que, em so-
ciedades democráticas, a preponderante vem fixada na lei32.
O critério da intensidade com que afetado determinado bem
protegido pela Constituição não se presta a definir a questão, por
dois motivos. Em primeiro lugar, as sanções jurídicas não são va-
riáveis em função de hipóteses de incidência atentas a tal critério,
como se fossem pressupostos gradativos de subsunção aos quais
correspondem consequências jurídicas por igualmente progressi-
vas. Ademais – e mais importante – assim se confundem coisas
bem distintas: o que a Constituição determina seja feito com o al-
cance do controle pela jurisdição constitucional33. Se a diferença
entre ambas as coisas é de fácil percepção na dicotomia entre
questões de fato e de direito, o mesmo não ocorre na discussão da
utilidade do parâmetro da intensidade da interferência do ato em
bem constitucional. A hipótese de conhecimento de recurso des-
taca-se dos motivos atinentes a seu mérito34.
32 Lindeiner, ob. cit. na nota 30, p. 175-176. 33 Cf., por todos, Jestaedt, Matthias. Verfassungsrecht und einfaches Re-
cht – Verfassungsgerichtsbarkeit und Fachgerichtsbarkeit. In: Das Deutsche
Verwaltungsblatt. 2001, Ausgabe 17, p. 1309-1322, p. 1.317. 34 Sobretudo agora, quando a própria jurisprudência do STF as distingue,
mesmo se em causa os pleitos apreciados com base no art. 102, iii, a, da CR e
afirma que conhecer do recurso não implica seu provimento.
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Tampouco se deve admitir a evidência da ilicitude como pa-
drão de conhecimento do recurso, por motivos bastante similares
aos antecedentes. Ao subjetivismo do critério e da confusão entre
a hipótese de conhecimento do recurso e de seu provimento,
acresce-se a insegurança linguística da ideia implícita na qualifi-
cação de algo como evidente35. O critério da mera evidência teria o
grave defeito adicional de agredir a isonomia, porque dependente
da formação de cada juiz do colegiado36. Notórios especialistas
em determinado domínio jurídico tendem a examinar decisões
nas áreas de conhecimento de sua predileção com mais acribia e
acirrado espírito crítico dos que os estudiosos de outros assuntos.
Tal defeito do critério da evidência aumenta de importância no
caso do STF, porque 90% de suas decisões são monocráticas, uma
característica muito peculiar entre seus homólogos.
6.2. Dos critérios de solução do problema
A origem do problema e simultaneamente as diretivas básicas
para sua superação encontram-se na interseção de duas premissas
normativas evidentes do sistema jurídico brasileiro: embora todos
os tribunais se sujeitem à Constituição, mesmo na atividade de
interpretar o direito ordinário, a jurisdição constitucional carece
de competência para fixar o sentido e o alcance da lei, porque isso
é tema de tribunais comuns, no exercício da jurisdição fundada
em normas infraconstitucionais. Há paralelismo na divisão de ta-
35 Lindeiner, ob. cit. na nota 30, p. 182. 36 Lindeiner, ob. cit. na nota 30, p. 182.
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refas entre o STF e os demais tribunais segundo o material inci-
dente no caso37.
Caso levada às últimas consequências, qualquer das premis-
sas indicadas produz incongruência no sistema, motivo pelo qual
tudo parece estar na definição da medida válida de adequação de
cada uma delas ao todo no qual inseridas. A proposta da recorren-
te esgarça o sistema, na medida em que transfere ao STF a fixação
do único sentido normativo possível à norma legal; de sorte que
deve ser substituído por outro critério, para se evitar o desequilí-
brio do sistema na outra ponta. Ainda que com intensidade ate-
nuada e até de maneira encoberta, os padrões da evidência, da in-
tensidade da ofensa, da justiça e dos motivos pessoais repetem o
defeito da alternativa precedente, a saber, entregam à jurisdição
constitucional atribuição que não lhe pertence e da qual não tem
como se desincumbir, dado o já superabundante volume de seus
afazeres. Sobretudo na modalidade alvitrada pela recorrente, na
da evidência e na da justiça, percebe-se a substituição dos juízos
das instâncias inferiores sobre a lei pelos órgãos da jurisdição
constitucional.
Quando bem analisadas, percebem-se duas características
comuns às cinco soluções a serem evitadas: todas baseiam-se em
critérios positivos e de direito material.
Todas elas desequilibram a harmonia do sistema em detri-
mento da jurisdição dos tribunais comuns. Além disso, surgem
outros aspectos negativos de tais soluções. A generalidade das
37 Lindeiner, ob. cit. na nota 30, p. 165.
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questões legais transforma-se em temas constitucionais (p. 136),
na linha do defeito apontado na Súmula 636, com o risco de que
toda a parte se sinta estimulada a tentar sua sorte no STF38.
Assim se criaria, ainda, uma pretensão constitucional de qua-
se completa aplicação perfeita da lei39. Pior, tudo redundaria num
rematado paradoxo: o art. 97 da CR garantiria uma jurisprudência
generalizada de correção na aplicação da lei, apesar de mera nor-
ma de competência dos plenos dos tribunais40. Não se entende
como norma processual poderia gerar critérios materiais de deci-
são positivos. Da premissa relativa ao poder de um órgão para
emitir certa declaração não se pode seguir conclusão sobre o con-
teúdo dela.
Tudo indica, portanto, a adoção de critério objetivo, negativo
e metodológico lato sensu de apuração da ofensa da SV 10, como
meio de se harmonizarem ambas as tendências opostas indica-
das.
O parâmetro negativo tem a grande virtude de não imputar às
normas constitucionais o conteúdo das leis e de não inserir artifi-
cialmente nas atribuições do STF a função de arbitrar o sentido
das leis. Além disso, ele se mostra consciente do fato epistemoló-
gico de que nenhum colegiado consegue, de antemão num só ca-
so, determinar todos os sentidos de certa norma, em todas as suas
38 Lindeiner, ob. cit. na nota 30, p. 85, sobre a situação alemã, com auxí-
lio até de dados estatísticos, em apêndice. 39 Lindeiner, ob. cit. na nota 30, p. 132. 40 Lindeiner, ob. cit. na nota 30, p. 118.
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conexões imagináveis com o restante do ordenamento jurídico.
Para encerrar, o critério de perfil negativo tem a vantagem de
poupar o STF de interferir no direito ordinário, até por não de-
terminar o conteúdo das decisões da jurisdição comum, mas ape-
nas ordenar que decidam o tema com a observância de método
adequado41. “Porque o Tribunal Constitucional, em todo caso,
não decide antecipadamente [a causa], trata-se aí primordialmen-
te de suspender uma decisão defeituosa, e não de ditar uma deci-
são correta”42. Portanto, o critério de decisão dos casos atinentes
à SV 10 deve ser negativo, ou seja, deve levar à cassação das deci-
sões atentatórias contra a Constituição, ao invés de por seu meio
se imporem supostos conteúdos constitucionais ao direito legal.
Até por se referir a uma norma de competência de órgãos ju-
diciários, parece sistematicamente válida a preponderância dos
aspectos metodológicos da decisão recorrida, entendidos em
termos amplos de coerência dogmática do raciocínio nelas desen-
volvido. Supera-se, assim, o paradoxo de norma processual de-
terminar o sentido material de sentenças. “O critério […] pelo
qual se mede a ofensa à proibição de arbitrariedade judicial é se a
decisão impugnada contém uma violação grave contra a metodo-
logia jurídica”, nota von Lindeiner43.
41 Lindeiner, ob. cit. na nota 30, p. 161. 42 Lindeiner, ob. cit. na nota 30, p. 162: “Weil das BVerfginaller Regel
nicht 'durchentscheidet', geht es hier primär darum, selbst eine richtige En-
tscheidung zu treffen”. 43 Lindeiner, ob. cit. na nota 30, p. 183: “Das Kriterium, an dem Vers-
töße gegen das dem Gleichheitssata zu entnehmende Verbot richterlicher
wilkür gemessen werden soll, ist, ob das angefochtene Urteil einen beson-
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Em razão de seus limites funcionais, o Tribunal Constitucio-
nal Federal alemão agrega terceiro critério pelo qual se repudiam,
na sua jurisdição, sentenças fundadas apenas no direito ordiná-
rio: a ausência absoluta de fundamentos racionais para sustentar-
se o acórdão examinado. Eis a diretiva básica da jurisprudência,
repetida desde os primórdios daquele tribunal:
O controle pela jurisdição constitucional da ofensa da proibi-
ção de arbitrariedade não se exercita em relação a qualquer er-
ro na interpretação e aplicação do direito ordinário material
ou processual pelos tribunais especializados. Deve-se, ao con-
trário, acrescer que a aplicação defeituosa já não seja mais
compreensível em apreciação à luz do pensamento dominante
da Lei Fundamental e, por isso, imponha-se a conclusão de
que repousa em consideração impertinente ao tema44.
Noutro precedente, o TCF alemão foi mais sintético, para de-
clarar-se competente para a revisão de decisões que “não se mos-
trem justificáveis sob nenhum ponto de vista”45.
ders schweren Verstoß gegen die juristisohe Methodenlehre enthält”.
44 BVerfGE, v. 4, p. 1 (7): “Die verfassungsgerichtliche Kontrolle der Ver-
letzung des Willkürverbots des Art 3 Abs 1 GG durch gerichtliche Entschei-
dungen greift also nicht bei jedem Fehler in der Auslegung und Anwendung
des einfachen materiellen und formellen Rechts durch die Fachgerichte ein.
Hinzukommen muß vielmehr, daß die fehlerhafte Anwendung des einfachen
Rechts bei verständiger Würdigung der das Grundgesetz beherrschenden
Gedanken nicht mehr verständlich ist und sich daher der Schluß aufdrängt,
daß sie auch sachfremden Erwägungen beruht”. Sobre a constância dessa
jurisprudência, cf., por exemplo, Alleweldt, ob. cit. na nota 20, p. 95. 45 BVerfGE v. 42, p. 237 (242), e Betz, Alexander. Die verfassungsrechtliche Absi-
cherung der Vorlagepflicht. Tübingen: Mohr, 2013, p. 90-91; similarmente, a de-
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A Argentina também conhece o problema aqui enfrentado e o
resolve de modo similar ao da Alemanha, apesar de a linha divisó-
ria entre sua Suprema Corte e os demais órgãos judiciais não ser
tão nítida, porque ela ainda continua competente para a revisão da
aplicação do direito ordinário, além do constitucional, nos termos
do art. 116 da Constituição. É tradicional a jurisprudência da Corte
Suprema platense acerca do “recurso extraordinário de sentença
arbitrária”, também admitido, no que interessa ao caso, com base
na “questão do método de interpretação”46, em sentido amplo.
Tal como no outro exemplo do direito comparado, o mais alto
Tribunal argentino, nessas hipóteses, não anula uma sentença
apenas por ser “simplesmente desacertada ou errônea”47, mas em
virtude de causa mais grave e excepcional: “ao decidir uma ques-
tão, o tribunal deixa de lado, sem dar razões plausíveis ou, às ve-
zes, sem dar razão alguma, textos legais que se referem direta-
mente ao caso”48.
Examine-se, portanto, a alegada ofensa do art. 97 da CR se-
gundo critério negativo do qualificado erro metodológico, em
sentido amplo, e objetivamente verificável.
cisão em BVerfGE, v. 29, p. 45 (49), como aponta Leisner, Walter. Urteilsver-
fassungsbeschwerde wegen Nichtvorlage bei Abweichung. In: NJW 1989, p.
2446-2450 (2448, em especial nota 42). 46 Fragmento de decisão da Suprema Corte argentina transcrito por Car-
rió, Genaro R; Carrió, Alejandro D. El recurso extraordinario por sentencia arbi-
traria. 3. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1987, v. 1., p. 32. 47 Carrió e Carrió, ob. cit. na nota 46, v. 1., p. 32. 48 Carrió e Carrió, ob. cit. na nota 46, v. 1., p. 177.
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7. Da aplicação do critério sugerido ao caso
O primeiro passo demandado por qualquer parâmetro de
controle da decisão recorrida consiste em se recapitular os fun-
damentos da decisão atacada no recurso extraordinário.
O TST não conheceu do agravo de instrumento, em recurso
de revista, por entender “que não se cogita, na hipótese, de decla-
ração de inconstitucionalidade de dispositivo de lei, e sim, de in-
terpretação sistemática das normas pertinentes à matéria, a afas-
tar a alegada contrariedade à Súmula Vinculante 10 do STF” (f.
789). Para assim concluir, o aresto do TST valeu-se basicamente
da transcrição do seguinte trecho do acórdão do TRT, quanto à
questão discutida no recurso extraordinário (f. 785-786):
Conquanto o art. 94 da Lei 9.472/97 permita a terceirização
dos serviços que lhe são essenciais, tal dispositivo não autori-
za a terceirização da atividade econômica principal, com frau-
de à legislação trabalhista.
No caso, a reclamante foi contratada para prestar serviços ex-
clusivamente à segunda ré, conforme confessou o preposto da
1ª reclamada, na audiência de f. 85.
Portanto, suas atividades estavam inseridas na dinâmica estru-
tural da empresa tomadora de serviços, o que revela a presen-
ça de subordinação, dado que aponta para a terceirização le-
vada a efeito.
Em situações como estas, em que o empregado presta serviços
exclusivamente a determinado tomador de serviços, na ativi-
dade econômica principal deste, a relação de emprego com a
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prestadora de serviços representa apenas a intermediação ir-
regular de ser mão de obra, com o intuito de evitar a obtenção
de direitos assegurados à categoria profissional dos emprega-
dos da tomadora, o que enseja tratamentos desiguais, gerando
situações repudiadas pela ordem juslaboral.
De fato, utilizar a terceirização de mão de obra para o único
fim de reduzir custos é desrespeitar os princípios constitucio-
nais fundamentais da pessoa humana, sobremodo os postula-
dos de tutela no direito do trabalho. Não se pode esquecer,
ademais, que o princípio básico da nossa ordem econômica é
a valorização do trabalho humano, o que também ocorre com
a nossa ordem social (artigos 170 e 193 da Constituição da Re-
pública).
A terceirização das atividades tratadas neste caso implica o
desvirtuamento de normas trabalhistas e violação do art. 9º da
CLT, que é parâmetro para a interpretação de qualquer outro
dispositivo infraconstitucional, incluindo-se a Lei 9.472/97.
Vale frisar que não se está a declarar a impossibilidade de a
tomadora terceirizar serviços, mas apenas a se ponderar que,
no caso específico dos autos, a terceirização não atendeu aos
princípios e normas de proteção efetiva ao trabalho humano,
fato que singulariza a presente contenda.
E a par da irregularidade da contratação – que já seria suficien-
te para o deferimento do pleito obreiro, - não se pode olvidar,
ainda, que o conjunto probatório constante dos autos revela a
presença de todos os elementos fático-jurídicos da relação de
emprego previstos no art. 3º da CLT, quais sejam: trabalho
prestado a um tomador, com pessoalidade, não eventualida-
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de, onerosidade e subordinação jurídica, essa última manifes-
tada na sua modalidade estrutural.
É certo que a decisão aludida faz menção, de passagem, a
normas constitucionais regentes de atividade econômica. Diver-
sos motivos, entretanto, impedem que se veja nisso uma declara-
ção velada de inconstitucionalidade do art. 94, ii, da Lei 9.472.
Em primeiro plano, o caso suscita a interpretação da SV 10,
em conexão com a Súmula 283, objeto de, ao menos, dois julga-
dos do Tribunal49. O acórdão só poderia ser reformado, se postos
abaixo ambos os fundamentos autônomos e suficientes nele lan-
çados. A principal – para não dizer, única – razão de decidir no
julgado em causa diz respeito à interpretação da Lei 9.472 e da
CLT. E, ao menos nos limites do conhecimento do recurso extra-
ordinário, a existência de dualidade de motivos para sustentar a
conclusão do aresto mencionado tem como consequência sua
manutenção. Noutras palavras, o hipotético provimento do recur-
so em causa redundaria apenas na anulação do alegado funda-
mento constitucional do julgado do TST. Subsistiria o de ordem
legal, como se vê nos referidos precedentes do STF50.
49 Rcl. 19.032, rel. Min. Teori Zavascki, e Rcl. 21.126. rel. Min. Roberto
Barroso. 50 Lê-se, no voto condutor da Rcl. 19.032: “Ademais, a decisão atacada sus-
tenta seu juízo sob outro fundamento autônomo e suficiente: o acórdão re-
clamado decidiu a causa, não com base em argumentos extraídos da Consti-
tuição, mas de acordo com a jurisprudência do STJ e do STF (= o reconheci-
mento de nulidade depende da comprovação de prejuízo), fundamento que
não foi infirmado pelo agravante”.
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Não bastasse o motivo antecedente, a própria jurisprudência
do STF acerca da SV 10 já notou que “o embasamento da decisão
em princípios constitucionais não resulta, necessariamente, em
juízo de inconstitucionalidade”51. Portanto, o fato de o julgado re-
corrido ter mencionado normas constitucionais não basta à carac-
terização da ofensa da SV 10. Tal conclusão parece tanto mais im-
positiva, ao se considerar a menção às normas constitucionais no
contexto geral da fundamentação do aresto trabalhista.
O fundamento no qual se apoia o acórdão do TST consiste na
intepretação do art. 94, ii, da Lei 9.472, em conjugação com os
arts. 3º e 9º da CLT. A apreensão do raciocínio desenvolvido ao
longo do julgado do TST parece facilitada por meio da transcrição
das três normas legais envolvidas, no que interessam ao caso:
Art. 3º [da CLT]. Considera-se empregado toda pessoa física
que prestar serviços de natureza não eventual a empregador,
sob a dependência deste e mediante salário.
Art. 9º [da CLT]. Serão nulos de pleno direito os atos pratica-
dos com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplica-
ção dos preceitos contidos na presente Consolidação.
Art. 94 [da Lei 9.472]. No cumprimento de seus deveres, a
concessionária poderá, observadas as condições e limites es-
tabelecidos pela Agência [Anatel]:
51 AI 814.519-AgR-AgR e RE 575.895, rel. Min. Ellen Gracie.
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ii - contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades
inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem co-
mo a implementação de projetos associados.
Vastas porções do recurso extraordinário dedicam-se à dis-
cussão das categorias doutrinárias das atividades finalísticas e as
instrumentais das empresas como suposto critério divisor dos
campos lícitos e ilícitos da contratação. Ao citado par conceitual,
acrescentou a ideia de terceirização. Como resultado, imputou-se
o acórdão recorrido uma equação do caso resumível como a in-
terdição de terceirização em atividades finalísticas da empresa.
Em consequência disso, pretende que o STF assevere que a lei or-
dinária autoriza o contrário.
Sucede que o acórdão recorrido não desenvolveu o raciocínio
descrito, decididamente marcado pelo erro da “jurisprudência dos
conceitos”, que pretende extrair de generalizações calcadas em
normas imperativos jurídicos. Ao contrário do que se lhe imputa,
o acórdão analisado separou estritamente a doutrina das fontes
do direito positivo52. Para ser exato, a decisão judicial recorrida
52 Jestaedt, Matthias, Die Verfassung hinter der Verfassung, Padernborn: Fer-
dinand Schöningh, 2009, p. 22. Daí ter Larenz objetado que as conclusões
extraídas da associação de conceitos doutrinários possuem “meramente o
valor de afirmações teóricas; por mais que se o preze, dele não se segue nada
em prol da validade dessas proposições como enunciados normativos”
(Methodenlehre der Rechtswissenschaft. 5. Aufl., Berlin: Springer Verlag, 1983, p.
27: “In der Tat ‘existieren’ die elementaren Rechtsbegriffe nicht so, wie
Rechtsnormen ‘existieren’ (idem sie ‘gelten’), sodern sie haben, mitsamt al-
len aus ihnen durch Schlußfolgerungen gewonnenen Sätze, lediglich einen
theoretischen Aussagewert; man mag diesen wie hoch immer einschätzen,
für eine Geltung dieser Sätze als Gebotsnormen ergibt sich daraus nichts”).
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nem se valeu de conceitos doutrinários como base de suas con-
clusões. Ao contrário, fundou-as apenas em normas do direito
ordinário. Daí cabe apenas testar a coerência do pensamento es-
boçado pelo tribunal recorrido, segundo o parâmetro de raciona-
lidade mínima indicado nos tópicos precedentes.
Em síntese absoluta, o acórdão recorrido entendeu que a Lei
9.472 deve ser interpretada em conjunto com as duas menciona-
das regras da CLT. Ao contrário do que afirma a recorrente, o jul-
gado do TST não afirmou que as empresas estejam proibidas de
confiar suas atividades – finalísticas ou não – à execução por outra
empresa. Tampouco nele se afirmou que os empregados das em-
presas prestadoras de atividade de qualquer índole em prol de ou-
tra manterão vínculo laboral com a empresa tomadora dos servi-
ços. O TST apenas afirmou que a Lei 9.472 há de ser compreendi-
da em harmonia com os arts. 3º e 9º da CLT, de sorte a impedir-se
o uso da espécie de contrato de objeto lícito da Lei 9.472 como
subterfúgio para ocultar a real contratação de trabalhadores por
meio de interposta pessoa. Analisando a prova do processo, as
instâncias especializadas competentes chegaram à conclusão de
que embora seja em tese válida, a espécie contratual regulada na
Lei 9.472 foi desvirtuada para encobrir verdadeiro contrato de
emprego entre o trabalhador e a empresa em cujo benefício seus
serviços revertem. O TST não decidiu que a modalidade de contra-
to em causa seja um mal em si, mas apenas que, nas circunstân-
cias do caso, foram mal empregadas, porque constatada, na práti-
ca, a presença dos elementos estruturais da relação de emprego
da CLT, de ocorrência agora indiscutível.
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O raciocínio desenvolvido no acórdão parece inspirado em
motivo plausível, para dizer o mínimo. O grau de racionalidade da
cadeia silogística nele levada a cabo parece mais do que suficiente
à aprovação no teste de coerência mínima da aplicação do direito
ordinário, a ser conduzido pela jurisdição constitucional. A viabi-
lidade do raciocínio sobre a incidência das várias normas do direi-
to ordinário no caso, por meio da recíproca harmonização de re-
gras para que componham um único sistema jurídico coerente é
procedimento tão clássico no direito, a ponto de contar com o
apoio expresso do autor apontado como o fundador da metodo-
logia jurídica – Savigny –, em texto de 1840:
O elemento sistemático [da interpretação] finalmente se refe-
re ao nexo interno, que torna todos os institutos e as regras ju-
rídicas uma grande unidade. Esse nexo, tanto como o históri-
co, também se apresentava ao legislador, e nós só reconhece-
remos por completo seu pensamento, se tivermos claro, qual
relação essa lei mantém com todo o sistema jurídico e como
ele deve influir eficazmente no sistema53.
Por sua vez, a imputação da consequência do art. 9º da CLT
ao contrato – concretamente – defraudador do art. 3º da CLT e da
53 Savigny, Carl Friedrich. System des heutigen Ro ̈mischen Rechts. Berlin: Veit
und Comp., 1840, v. 1, § 33, p. 214: “Das systematische Element endlich bezi-
eht sich auf den inneren Zusammenhang, welcher alle Rechtsinstitute und
Rechtsregeln zu einer großen Einheit verknüpft. Dieser Zusammenhang, so
gut als der historische, hat dem Gesetzgeber ebenfalls vorgeschwebt, und wir
werden also seine Gedanken nur dann vollständig erkennen, wenn wir uns
klar machen, in welchem Verhältnis dieses Gesetz zu dem ganzen Rechtssys-
tem steht und wie es in das System wirksam eingreifen soll”.
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própria Lei 9.472, que não vai ao ponto de autorizar a burla, é
providência ainda mais ortodoxa e antiga no direito, insuscetível
de ser tachada de arbitrária ou irracional.
Trata-se da velha fraude à lei, já conhecida no direito romano,
na definição de Paulo: “contra legem facit, qui id quod lex prohibet, in
fraudem vero, qui salvis verbis legis sententiam eius circumvenit”54. Desde
a Antiguidade, o direito romano articulou diversas formas de
combate à fraude, entre cujos figurinos mais corriqueiros estava a
pessoa interposta entre o credor ou o devedor de obrigações vari-
adas55. Já a Constitutio Theodosiana, de 429 d. C., estabeleceu direti-
va vigente até hoje: “as palavras da lei podem não cominar a nuli-
dade para o ato que ostensiva ou ocultamente a viola, todavia tal
sanção deve sempre considerar-se implícita no preceito jurídi-
co”56. Contemporaneamente, sabe-se que a consequência jurídica
da fraude à lei consiste na chamada “equiparação”, ou seja, na
imputação ao negócio jurídico que visa contornar a lei das conse-
quências da norma proibitiva57.
Nesse sentido, decisão do em. Relator em reclamação de te-
ma essencialmente similar ao presente não reputou desrespeitada
a SV 10, malgrado o acórdão lá em causa - diferentemente do aqui
54 Digesto, 1, 3, 29. 55 Benecke, Gesetzumgehung, p. 9. 56 Chamoun, Ebert. A fraude à lei no direito romano. Tese de concurso para o
provimento da cadeira de direito romano da Faculdade de Direito da Univer-
sidade do Brasil, 1955, p. 34. 57 Benecke, Martina. Gesetzumgehung im Zivilrecht. Tübingen: Mohr, 2004,
p. 97.
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examinado – se tenha valido da Súmula 331 do TST. A decisão
monocrática referida entendeu que a existência de lei em tudo
semelhante àquela discutida neste caso não foi contornada com
infração do art. 97 da CR; mereceu antes plausível interpretação
sistemática com o restante conjunto de normas trabalhistas:
O caso não revela ofensa aos termos da Súmula Vinculante 10,
tendo em vista que o TST, ao decidir pela validade da terceiri-
zação apenas quanto às atividades-meio, levou em conta os
arts. 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, não ha-
vendo juízo sobre a constitucionalidade ou não do art. 25, §
1º, da Lei 8.987/1995, mesmo quando consigna que o acórdão
regional está em consonância com a Súmula 331 do TST.
[...]
Ademais, considerando que a interpretação do art. 25, § 1º, da
Lei 8.987/1995 teve como parâmetro a legislação infraconsti-
tucional, é de se concluir que a menção ao item IV da Súmula
331 do STF, que não cuida do tema da terceirização, foi feita
pelo acórdão reclamado em situação de reforço de fundamen-
tação58.
A determinação de sentido diverso do atribuído pelo TST ao
mencionado conjunto de prescrições do direito ordinário já não
recairia na competência da jurisdição constitucional de verificação
de erro metodológico qualificado, por cujo meio se contorna o
art. 97 da CR, mas representaria a determinação do sentido e do
58 Rcl. 11.329, rel. Min. Teori Zavascki.
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alcance de leis, ou seja, a interpretação pura e simples do direito
ordinário.
Logo, o acórdão recorrido não ofende o art. 97 da CR nem a
SV 10 do STF, na medida em que passa, com folga, no teste da ra-
cionalidade da aplicação do direito ordinário e que não é tarefa da
jurisdição constitucional reexaminar a validade da atividade dos
tribunais comuns na interpretação do direito ordinário.
8. Conclusão
O Ministério Público Federal opina pelo desprovimento do
recurso extraordinário.
Brasília, 29 de setembro de 2016.
Odim Brandão Ferreira Subprocurador-Geral da República
Aprovo:
Rodrigo Janot Monteiro de Barros Procurador-Geral da República
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