re-africanização do candomblé brasileiro
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7/31/2019 Re-africanizao do Candombl brasileiro
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CIEA7 #30:
RUM,RUMPI E LE: SOB FOGO CRUZADO DA INTOLERNCIA RELIGIOSA NA
CONTEMPORANEIDADE.
Elizabeth Firmino Pereira
Il Ax Oduduwa:
o processo de re-africanizao do candombl no Brasil. Um estudodos elementos formais e estticos
A organizao do candombl como se conhece hoje no Brasil, remonta do sculo XIX,
segundo Renato da Silveira, com a formao do Candombl da Barroquinha e,
posteriormente, a Casa Branca do Engenho Velho, ambos tendo como fundadora,
entre outros, Iy Nass.
Dessa primeira fundao se tem hoje a ordem do xir, as vestimentas e cerimoniais
que se entenderam para outras casas, inclusive de outras naes, demarcando os
locais de culto e os elementos estticos, tais como as danas, a msica, as roupas e
os objetos, de grande importncia ritual.
O processo de re-africanizao se caracteriza pela aproximao aos elementos rituais
de uma frica moderna, que se manifestam tambm esteticamente. O Il Ax
Oduduwa uma casa africana situada em So Paulo e em Mongagu-SP, criada e
dirigida pelo pesquisador e sacerdote nigeriano Dr. Sikiru Salami (Prof. King),
originrio de Abeokut. Esta casa foi pioneira do Culto de If no Brasil.
Re-africanizao, Candombl, Etnocenologia.
Universidade Rei Juan Carlos Madri, Espanha.
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Elizabeth Firmino Pereira 2INTRODUO
Este trabalho tem como base a pesquisa de campo realizada pela autora na
casa Il Ax Oduduwa, que tambm funciona como Centro Cultural Oduduwa e
pertence ao mesmo grupo da Editora Oduduwa, em So Paulo-SP e em Mongagu-
SP, no litoral paulista. A pesquisa teve inicio em 1998 e prossegue at a atualidade.
Cabe ressaltar que no h nenhum trabalho publicado sobre esta casa e as fontes
para a investigao derivam da observao participante, desde dentro, e da entrevista
a seu fundador, Sikiru Salami e outros membros da comunidade. Porm, existe uma
bibliografia de referncia, no especificamente sobre a casa, mas sobre o culto dos
Orixs e o culto de If, publicada por Salami atravs da Editora Oduduwa, o que de
grande importncia por apresentar mitos e cnticos que so parte da realidade
cotidiana da casa.
Neste trabalho esto presentes como bases tericas, a Etnocenologia, cincia
criada em 1995 em Paris por Armindo Bio, Jean-Marie Pradier e Chrif Khaznadar,
que integra as linhas de investigao em Artes Cnicas na Universidade Federal da
Bahia e na Universidade Paris 8. Esta cincia permite a abordagem esttica de
fenmenos culturais, no seu carter espetacular, livre do olhar etnocntrico dos
cnones estticos ocidentais. Tambm se utiliza como referncia a teoria dos Motivos
e Estratgias, formulada por Angel Berenguer, que estuda as reaes criativas do Eu(individual ou transindividual) a um entorno opressor e limitante, servindo-se para a
anlise de trs formas de mediao: histrica, estticae psicosocial. O que se entende
por Eu Individual e Eu Transindividual justamente o sujeito ou ator social, seja
como individuo ou como coletivo.
Utilizando a Etnocenologia e a teoria dos Motivos e Estratgiascomo base se
pretende ampliam o campo de viso e favorecer o recorte e o aprofundamento, pois
so bastante complementares.
Cabe ressaltar que os elementos espetaculares que sero analisadosrepresentam uma parte substancial dos cultos afro-brasileiros e correspondem a
valores com um significado mais profundo que o puramente esttico. Porque os atos
litrgicos esto impregnados do elemento ldico, o que fundamental para as
evocaes. Igualmente, se pode pensar que os elementos estticos guardam em si
informaes valiosas sobre o modo de pensar e de atuar da comunidade religiosa,
servindo para compreender melhor o contexto em que so gerados.
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Il Ax Oduduwa3MEDIAO HISTRICAA FORMAO DO CANDOMBL NO BRASIL: A CRIAO DE UMA TRADIO
A origem do candombl como se conhece hoje no Brasil, remonta do sculo
XIX, com a fundao do Candombl da Barroquinha, ou Il Ax Iy Nass, depoistransladado ao Rio Vermelho e hoje conhecido como Casa Branca do Engenho Velho,
que se converte na origem do Il Ax Opo Afonj e do Gantois, duas casas de
prestgio que deram origem a outras (Silveira, 2007; Verger, 1981).
Se pode afirmar que o culto a Orixs, a Inkices e a Vodum no Brasil anterior
a esta data, porm, a unificao dos distintos cultos de Orixs e a organizao do xir
e do cerimonial se deve a Iya Nass e suas companheiras, Iy Det e Iy Kal e
demais colaboradores. de conhecimento comum que os cultos de Vodum e de
Inkices, de nao jeje e angola, seguiram a mesma estrutura de xir, de cerimonial, devestimenta etc., guardando suas diferenas. Desse modo o candombl no Brasil, com
todas as variaes existentes entre as principais naes, nago/ioruba; jeje/fon e
angola/banto ou, entre uma casa e outra, se constitui em uma manifestao religiosa e
cultural genrica; que pode ser distinguida da umbanda, da quimbanda e da unio do
vegetal, que igualmente possuem uma raiz africana e se formaram no Brasil. E, sem
entrar na particularidade dos rituais privados, muitos dos signos que distinguem essas
manifestaes so estticos.
Com a unificao dos cultos, atravs do xir, o candombl surge em Brasil
como algo moderno, adaptado nova realidade, em resposta s necessidades de
muitos iniciados que se encontravam em situao de escravido, provenientes da
desestruturao da sociedade ioruba com a queda do Reino de Oy, em 1830.
Segundo Silveira (2007), em 1850 os iorubas correspondiam a 70% da mo-de-obra
escrava na Bahia. O que levou Bahia a ser considerada em um novo pacto, segundo
Silveira (2007), sendo enviadas para tal Iy Nass, que era princesa e servia
diretamente ao Alafin de Xang. Desse modo, o culto aos Orixs surge nesse contexto
como algo necessrio, que garantiu a sobrevivncia e a integridade dos africanos.
Apesar da represso policial que sofriam, pois o candombl, assim como a capoeira,
era alvo da ao policial, havendo vrios relatos de prises de seus integrantes e
apreenses de objetos de culto (Verger, 1981:29).
A partir da Casa Branca do Engenho Velho, se formaram o Il Ax Op Afonj
e o Gantois, que so a origem de muitas das casas que se conhecem hoje. O
candombl se expandiu para o sul devido ao processo de industrializao do Brasil,
que requisitava mo-de-obra e, como muitos dos que imigraram eram iniciados nos
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Elizabeth Firmino Pereira 4cultos aos Orixs, com o tempo se abriram novas casas principalmente em So Paulo
e Rio de Janeiro.
O PROCESSO DE RE-AFRICANIZAO, A QUESTO DO IMAGINRIO:
DILOGOS E CONTRADIES
O processo de re-africanizao algo latente que existiu desde o incio do
candombl, pois era freqente que muitos africanos retornassem a frica e depois
voltassem ao Brasil, trazendo na bagagem mais conhecimentos, como o exemplo
Me Marcelina Obatossi, que aps uma permanncia de sete anos em Keto com sua
filha Madalena, retornou com duas crianas mais e uma terceira que nasceria no
Brasil, Claudiana, que ser a me de Maria Bibiana do Esprito Santo, a Me Senhora
(Verger, 1981:28-29).Esse processo se torna mais visvel justamente pela influncia de Verger e de
Bastide, que empreendem viagens a frica e tramitam informaes entre os dois
continentes. As fotos de Verger causam grande impacto nesse sentido e nos
aproximam de cultos que no Brasil no se desenvolveram plenamente, como o culto
de If, ao qual Verger iniciado na frica recebendo o nome Fatumbi (renascido
pelas graas de If). Essas informaes favorecem que muitos sacerdotes realizem
viagens ao continente africano em busca de suas razes.
Desse modo, frica representa para o imaginrio do candombl um continente
idlico e complementar. Porm, o Brasil para muitos africanos tem o mesmo
significado, como se pode notar pelo documentrio de Barbieri e Leonardi1, porque, ao
que parece, os trezentos anos da dispora africana produziram uma sensao de
incompletude, de no se estar intero em nenhum lugar.
Essa sensao de que algo nos falta pode ser explicada pelo fato de que
muitos cultos que existiam em frica no se proliferaram no Brasil, ao passo que
muitos cultos que prosperaram em terras brasileiras, praticamente haviam
desaparecido ali, como o culto de Oxosse, segundo afirmam vrios autores, inclusive
Verger.
Esse processo alimentou a atrao e o desejo entre os dois continentes e
tornou impossvel a indiferena, de modo que e o Brasil visivelmente um pas de
identidade profundamente africana, tanto que os signos culturais que nos diferenciam
passam pelos valores estticos africanos. Por outro lado, no Brasil, frica se re-
inventou.
1 Barbieri, Renato e Leonardi, Victor (1998). O Atlntico negrona rota dos Orixs. 75min. Instituto ItaCultural / Videografia. Brasil.
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Il Ax Oduduwa5Paralelamente, no podemos ignorar que a dispora africana foi permeada por
lutas religiosas, como a queda do Reino de Oy em 1830, que se deve ascenso do
Califado de Sokoto (Silveira, 2007; Verger, 1981) e expanso muulmana, que j
existia em terras africanas, muitos sculos antes. Assim como, a presena de
missionrios catlicos remonta do sculo XI - XIII, com as Cruzadas religiosas que seestenderam at o norte de frica. Segundo Molinier (1879)2 as Cruzadas foram oito:
quatro na Palestina, duas no Egito, uma em Constantinopla e uma na frica do Norte.
Esses fatos serviriam para disseminar outras crenas em frica, porm, se por
um lado a religiosidade africana no excludente, por outro, to pouco impermevel,
de modo que tambm serviram para fortalecer o sincretismo religioso com a Igreja
Catlica, que seria reforado no perodo colonial. Por isso a fundao do candombl
no Brasil passa pelas Irmandades Religiosas dos Homens Pretos, que se formaram
em torno de igrejas como a Barroquinha, que mantiveram vivos os cultos e as
sociedades secretas africanas no Brasil e viu nascer o Candombl da Barroquinha, ou
Il Ax Iy Nass, mais tarde conhecido como Casa Branca do Engenho Velho,
como j foi comentado3. Cujos resqucios esto to arraigados na tradio afro-
brasileira, como, para citar apenas um exemplo, na Festa do Senhor do Bonfim da
Bahia.
Logicamente, o processo de re-africanizao busca uma frica idealizada que
j no existia mais na realidade, sequer, na poca dos antigos africanos que vieram a
Brasil a partir do sculo XVI. Se pode afirmar que dispora contribuiu para esse
processo de idealizao, pois frica, como qualquer outro lugar est tambm sujeita
dinmica histrica, de mudanas e transformaes, mesmo que a tradio se
mantenha viva pelos rituais e pela lngua litrgica, sempre arcaica em relao
contemporaneidade, as mudanas so inevitveis.
Se supe que os que foram capturado e vendidos como escravos, eram os
derrotados, que representavam os valores da ordem anterior, assim como se pode
afirmar que na frica tambm se mantiveram focos de resistncia, como as cidades deAbeokut, , Ibadan4 Oxob e Il If. Esse fator importante de ser ressaltado, porque
permeia as relaes entre o imaginrio de pessoas dos dois continentes, produzindo
aproximaes e estranhamentos.
2
Molinier, Auguste (1879). Itinera Hierosolymitana et terrae sanctae descriptiones Bellis sacris anteriora.Ed. con Tito Tobler. Paris.3 Silveira, 2007; Verger, 1981.4 Silveira, Verger (op cit).
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Elizabeth Firmino Pereira 6NOVOS PARADIGMAS: O NOVOQUE VEM DE FRICA
O processo de re-africanizao questiona o sincretismo e busca a aproximao
com frica, atravs de viagens e contatos. Paralelamente, chegam ao Brasil
estudantes universitrios africanos, que aqui encontram no ambiente religioso afro-
brasileiro a identificao com sua origem, trazendo memria os cultos familiares de
seus antepassados.
Muitos estudantes, pelo prprio processo educacional, j se encontravam
imbudos da cultura ocidental, em detrimento da tradicional, ocorrendo um processo de
aproximao com a sua prpria cultura em uma terra estrangeira, como pude observar
pelo contato que tive com alguns sacerdotes que vieram ao Brasil estudar e que
deram outro significado a suas vidas, formando hoje uma linhagem de novos
sacerdotes que servem de ponte entre os dois continentes. Fato bastante comum, que
pode ser observado nos grandes centros urbanos, como So Paulo, Rio de Janeiro,
Salvador e Braslia.
Essa nova gerao de sacerdotes tem, por um lado, as tradies familiares, o
domnio da lngua e da cultura tradicional e, por outro lado, o conhecimento da cultura
ocidental e um excelente nvel de erudio e de formao acadmica o que lhes
facilita o trnsito entre um universo e outro, medida que podem expressar suas
prprias opinies. Esses fatores constituem algo bastante distinto do momentohistrico em que ocorreu a formao do candombl no Brasil, que contava com
pessoas altamente preparadas, mas em uma realidade social completamente adversa.
Porm, cabe lembrar que a frica de hoje, mesmo a tradicional que guarda
bem os segredos dos cultos, sofreu transformaes ou apresenta outras
interpretaes, diferente das formas que no Brasil se converteram em tradio, de
modo que essa viso produziu certo estranhamento em muitos sacerdotes e adeptos
do candombl brasileiro. Fato que pude constatar quando realizei as pesquisas de
campo diferentes casas de cultos em So Paulo, em 2002/ 2003, para a pesquisarealizada com bolsa de iniciao cientfica da FAPESP5, pois notei certa resistncia
aos africanos.
Entretanto, a casas africanas no Brasil mesmo sendo um fenmeno recente,
correspondem a uma realidade concreta, constitudas desde a dcada de 80, com um
grande nmero de adeptos. De modo semelhante, tambm esto presentes no Brasil
diversos sacerdotes cubanos.
5 Firmino Pereira, Elizabeth (2002/2003). Ritual e arte: um estudo dos elementos cnicos presentes nasliturgias dos cultos afro-brasileiros e sua relao com o teatro ocidental. Orientador: Dr. ReynuncioNapoleo de Lima, co-orientadores: Dr. Sikiru Salami e Dr Flavio Calazans. Instituto de Artes, UNESP,So Paulo. Relatrios: 3 e 4.
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Il Ax Oduduwa7Estas presenas foram bastante evidenciadas no IX Oris WorldCongresso
Internacional de Tradio e Cultura Yorub, presidido por Wande Abimbol
(Universidade de Boston), coordenado por Robson Cruz (UFRJ), realizado na
Universidade Federal do Rio de Janeiro em 2005; do qual participei com apresentao
oral de um trabalho no Painel O igual diferente: representando os orixs na artecontempornea e na dispora africana, coordenado por Babatund Lawal
(Universidade da Virginia).
Os painis e os participantes estavam divididos em trs blocos: afro-brasileiro;
afro-cubano e africano; aberto a pesquisadores e a sacerdotes6 e estava claro que,
mesmo partindo das mesmas origens, constituam-se em grupos separados. O que,
tendo em vista os ataques s religies de origem africana no mundo todo, uma
situao bastante lastimvel, pois cada vez mais se torna necessria a unio e o
trabalho conjunto por objetivos comuns.
Tomando como base a teoria de Motivos e Estratgias, de Berenguer, se pode
afirmar neste caso o Eu Transindividual, que deveria constituir-se em uma unidade
coesa, est seccionado e que esta ciso o ponto mais dbil e vulnervel das
religies afro-brasileiras, o que deixa a porta aberta a outros ataques.
Porm, se compreende que este isolamento fruto de sculos de represso e
que esforos devem ser feitos no sentido de dissolver essas diferenas, talvez esse
seja um fator determinante para a preservao da tica e do respeito em relao ao
candombl e as demais religies de origem africana no Brasil. Em suma, para
preservar-nos devemos nos unir.
O processo de re-africanizao dos cultos afro-brasileiros um tema que
merece muitos estudos, dada a escassez de publicaes a respeito, por este motivo,
me atenho ao estudo da casa Il Ax Oduduwa, qual tenho acesso desde 1998, pois
a base dessa pesquisa so as fontes primrias j citadas.
IL AX ODUDUWA: UMA CASA AFRICANA EM SO PAULO
Esta casa foi formada em So Paulo em meados dos anos 80, por Sikiru
Salami, conhecido como Prof. King, natural de Abeokut, Nigria. Salami foi a Brasil
para completar seus estudos, concluindo Mestrado e Doutorado em Sociologia, no
Dpto. FFLCH/ USP, tendo como rea de investigao a cultura iorub.
Juntamente com a casa, que se desenvolveu ao longo dos anos, foi criado o
Centro Cultural Oduduwa, que realiza projetos de educao e formao relacionados
com a religio iorub, o que em si j representa uma mudana substancial na forma de
6 Ver programao do evento: http://www.cepuerj.uerj.br/insc_online/yoruba/PROGRAMA_ATUAL.pdf
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Elizabeth Firmino Pereira 8transmisso do conhecimento religioso, aportando um carter mais aberto e espao
para o questionamento e a reflexo; sem menosprezar a prtica, presente na vida
cotidiana de uma casa de Orixs.
Igualmente, foi fundada a Editora Oduduwa, especializada na temtica
religiosa, que publicou muitas de suas pesquisas e tambm de outros autores. A casase formou com esforos na produo e na propagao do conhecimento e foi se
desenvolvendo ao longo do tempo.
A princpio reunia grupos de pessoas que empreendiam viagens de indicao a
frica, segundo o relato de muitos filhos antigos, que presenciaram essa poca.
Depois, ainda em meados dos 80, as iniciaes passaram a ser realizados na casa,
com a presena do Babalawo Fabunmi Sowunmi que realizava as iniciaes em If e
a presena de uma Iyalorix, que realizava as iniciaes em Orix. Ambos os
sacerdotes eram provenientes de Abeokut e passavam temporadas anuais de trs
meses no Brasil, tempo em que se realizavam as iniciaes. Aps esse perodo, as
pessoas estavam aos cuidados de King, que por sua vez, era Pai Pequeno na casa da
Iyalorix na frica, onde passava temporadas de investigao.
O meu primeiro contato com a casa remonta de 1998, quando a casa
funcionava ainda em So Paulo, em uma casa muito pequena, mas com um quintal
espaoso, de modo que muitos atos ocorriam fora, mas contava j com uma grande
quantidade de filhos de santo. A maioria provinha de outras casas e j tinham muitos
anos de iniciao, alguns com suas prprias casas de Orixs abertas, porm, haviam
outros que foram iniciados diretamente na casa. Os freqentadores eram pessoas de
todas as idades e, sobretudo, famlias.
Em 2001 eu me iniciei em If, com o Bab Fabunmi, que na poca tinha mais
de 80 anos e que viria a falecer em 2003, pouco antes da mudana da casa para
Mongagu, onde est hoje instalada, em um espao de mil metros quadrados. A
Iyalorix, tambm muito idosa, veio a falecer em 2005. Ambos foram sucedidos por
sacerdotes de Abeokut, igualmente versados nos conhecimentos sagrados, porm,nessa fase de transio bastante dura, entre uma casa e outra, coincidindo com as
perdas pessoais, se pode notar que Sikiru Salami passa a dedicar-se quase
exclusivamente casa de Orix, assumindo um papel mais atuante; recebendo grupos
de pessoas para iniciaes, do Brasil e do Exterior.
Igualmente, nos ltimos anos tem incio uma nova fase na casa, com os filhos
de santo que passam a sacerdotes. Estes trazem casa seus filhos, para realizarem
iniciaes, sempre com o Babalawo e a Iyalorix, complementando eles mesmos os
cuidados posteriormente. Em funo desse sistema, que promove a descentralizao,a casa experimenta uma grande expanso, como pude observar pessoalmente na
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Il Ax Oduduwa9Festa Anual de If, em 2009, qual presenciei e que contava com mais de 600
participantes, todos iniciados em If e, segundo me informaram, no compareceram
todos os iniciados em If.
Em concluso, o Il Ax Oduduwa, que surgiu aos poucos, hoje encontra-se
consolidado e consiste em um novo paradigma, porque em sua concepo, na suaforma e nos elementos estticos, como veremos a seguir e, que aqui so estudados
sempre como indcios de valores mais profundos, representa inovaes,
questionamento e mudanas substanciais no modo de pensar a religio.
MEDIAO ESTTICA
Na Mediao Esttica, fazemos uso terico da Etnocenologa, no sentido de
definir como elementos espetaculares, as manifestaes culturais do culto aos Orixs
que, mesmo pertencendo ao mbito do sagrado, correspondem, ainda, a
manifestaes estticas e esto embuidas de arte. Cabe ressaltar que o elemento
sagrado, alm de despertar o mais profundo respeito, constitui objeto de grande
interesse para os estudos cnicos e ao trabalho artstico que deriva desses estudos;
sendo por isso, de grande relevncia para artistas pesquisadores como Grotowski
(2009) e Burnier (2001) ou, para o pesquisadores em arte, como Lawal (1997).
Os elementos estticos que sero apresentados em quadros comparativos
entre o candombl afro-brasileiro de conhecimento comum e o Il Ax Oduduwa
(menos conhecido), dizem respeito aos hbitos e costumes de um uma casa de Orixs
e pretendem apenas demonstrar as semelhanas e particularidades em cada caso;
no correspondendo, em nenhum sentido, a um julgamento de valores.
Para favorecer a visualizao, o estudo est divido os trs quadros: Elementos
estticos e espetaculares, que correspondem s manifestaes mais claramente
artsticas e envolvem campos diversos como artes visuais, msica, dana e teatro. Os
Elementos litrgicos, mais voltados ao aspecto sagrado e religioso, aos costumes etradies dos rituais. Os Elementos de sociabilizaro mostram os espaos e os
momentos em que ocorrem as trocas, as relaes; aportam o carter subjetivo da
educao pela convivncia; contribuem criao de uma identidade e a uma memria
comum; despertam o sentido de grupo e de pertenecimento.
Ao final de cada quadro realizaremos aportaes complementares.
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ELEMENTOSESTTICOS E
ESPETACULARES
CANDOMBL AFRO-BRASILEIRO
IL AX ODUDUWA(CASA ORIGINRIA DE
ABEOKUT)Ritmos musicais Utilizao de tambores e agog
com diferentes ritmos para cada
Orix. So cantados diferentescnticos aos Orixs.
No apresenta grande variaonos ritmos, nem nos
instrumentos, o que mudam soos cnticos, utilizando os que secantam na atualidade em frica,havendo alguns que se repetem,como Ob Kos(para Xang) eoutros diferentes.
Danas dos orixs: mitos,gestos e movimentos
Movimentos bastante codificadose representao dos mitos.
Representao dos mitos,movimentos mais livres, menoscodificados.
Cdigo cromtico: alinguagem das cores
Cores para cada Orix, emvestimentas, adereos e colares.Pintura ritual colorida.
Cores para cada Orix, emvestimentas, adereos ecolares. Pintura ritual: efun,pupa e dundun.
Vestimenta litrgica No cotidiano se utilizam emgeral roupas brancas.Nas festas, as mulheres utilizama baiana, com pano da costa etorso na cabea. Os homenstambm utilizam torso e a roupa composta por cala e umacamisa ou bata, preferivelmentebrancas ou com estampas emaluso ao Orix da pessoa.
No cotidiano se utilizam emgeral roupas brancas.Nas festas, no se utiliza a
baiana, as roupas so no estiloafricano, com pano da costa etorso (opcional). Na FestaAnual de If, a mais importantedo calendrio da casa, soconfeccionada roupas paratodos com o mesmo tecido como costume em frica, paradiferencias os que pertencem auma mesma famlia.
Vestimenta de Orix Os Orixs saem ricamentevestidos na festa de sada.
No se utilizam roupas deOrixs, estes saem pintados nomomento da iniciao, em umacerimnia reservada. No serealizam as ditas sadas.
Ferramentas de Orixs Nas sadas e nos assentamentosdos Orixs (ibs) so utilizamvarias ferramentas, objetos queos distinguem e que informamsobre seu carter: espadas,leques, arco e flecha etc.
Como no se realizam sadas,no se utilizam ferramentas nomomento das danas. Todas asferramentas ficam nos ibs dosOrixs.
Luz Utiliza-se a luz eltrica e velas; a
maioria dos rituais e festas realizada noite.So utilizadas velas parailuminar os ibsde Orixs e emrituais.
No se utilizam velas em
nenhum momento, se utiliza aluz natural e a luz eltrica; amaioria dos rituais e das festas realizada de dia.
Em relao aos elementos estticos no processo de re-africanizao, me
chama a ateno a questo da vestimenta, pois o candombl tem na baiana a sua
vestimenta caracterstica e isso uma demonstrao da forte influncia do momento
histrico em que esta religio foi constituda no Brasil. D provas da criatividade e da
inventividade dessas pessoas, que souberam adaptar a roupa colonial aos padresafricanos, introduzindo o pano-da-costae o torso na cabea. Tambm leva a pensar
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Il Ax Oduduwa11o quanto da tradio que herdamos foi gerada mais em funo de tais circunstancias
histricas e sociais e, da necessria adaptao, que da tradio dos antepassados.
ELEMENTOSLITRGICOS CANDOMBL AFRO-BRASILEIRO IL AX ODUDUWA(CASA ORIGINRIA DEABEOKUT)
Corpus literrio e tradiooral
Uso da palavra cantada e falada:rezas (adur), cnticos (orin),mitos e evocaes (oriki).
Uso da palavra cantada efalada: rezas (adur), cnticos(orin), mitos e evocaes (oriki).*Presena do corpus literrio deIf (Itan).
Sistema divinatrio Merndilogum (16 bzios), Obi. Merndilogum (16 bzios), Obi,Opel-If, Ikin-If.
Transe: variao daenergia corporal eanmica
Apenas os Ogas e Ekedes noentram em transe, de mododiferente dos demais iniciados
em Orixs.
O transe est condicionado aoculto que se realiza, pois noculto a If as pessoas no
entram em transe, mesmo quesejam iniciadas em outrosOrixs e que experimentem otranse em outras ocasies.
Tipos de iniciao Se inicia em Orix, como muito,os trs primeiros Orixs dapessoa (dependendo da casa),mesmo que tenha um enredocom mais Orixs assentado.
Se inicia primeiramente em If.Se pode iniciar em vriosOrixs, assentando Ib evivenciando o transecorrespondente. Essasindicaes so dadas por If, nomomento da iniciao.Se iniciam em outros cultos: IyaMi Oxoronga, Bab Egun, Egb,segundo as indicaes de If.
Ibsou assentamentos deOrixs elementosmgicos e estticos,combinaes simblicasdos atributos dos Orixs.
composto por elementosmgicos e estticos.
Permanecem na casa at que ofilho-de-santo complete os seteanos de iniciao e realize aobrigao correspondente, que quando toma posse de seusdireitos e se converte emEgbomi.
composto por elementosmgicos e estticos.
Permanecem em poder do filho-de-santo, desde o momento emque faz a iniciao, este devercuid-lo em sua casa, trazendo-o casa de Orix apenas nosmomento das obrigaes anuaise levando-o de volta consigo.
Plantas, vegetao Aspecto de fundamentalimportncia para os cultos epara a ornamentao, diz-secom muita propriedade: semfolhas no h Orix.
Elemento de igual importncia efundamento nos rituais e naornamentao.
Pode-se afirmar que uma das contribuies mais importantes do processo de
re-africanizao no Brasil, foi a introduo do Culto de If, que em Cuba resistiu e se
proliferou, porm no seguiu adiante nas terras brasileiras. O que d ao candombl
afro- brasileiro caractersticas mais femininas, segundo alguns autores, como Landes
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Elizabeth Firmino Pereira 12(2002)7, devido maior quantidade de mes-de-santo que haviam, sobretudo, antes.
Hoje a relao entre sacerdotes do sexo masculino e feminino est mais equilibrada,
porm, ao prescindir da figura do babalawo, o poder, as decises e inclusive o uso do
orculo, se centram em uma nica pessoa e se limita ao orculo merndilogum. Desse
modo, se perde muito em termos de conhecimento tradicional, porque os Itan (ocorpus literrio de If), abordam o conjunto do conhecimento tradicional africano,
desde a historia, frmulas medicinais, rituais, mitos e Orixs.
ELEMENTOS DESOCIABILIZAAO
CANDOMBL AFRO-BRASILEIRO
IL AX ODUDUWA(CASA ORIGINRIA DE
ABEOKUT)Obrigaes de ano Alm da iniciao, ou feitura,
so realizadas as obrigaes de
um ano; de trs anos, decinco anos, de sete anos (umadas mais importantes, pormarcar a transio de iyawo aegbomi), de catorze anos (emalgumas naes, no em todas)e de vinte e um anos quetambm marca uma transio.
As obrigaes e as novasiniciaes podem ser realizadas
todos os anos, no havendonecessidade de que figurempara contar o tempo deiniciao.No se estabelece a posio deiyawo para os novos iniciados,que so tratados com igualdadee tm acesso ao culto em quese iniciaram, podendo participardos rituais.
Comida Elemento fundamental, comocomida votiva, conhecida comocomida de Orix e comocomida de festa. Est presenteem todos os rituais.A carne dos animais sacrificados compartilhada com os demais,na comida que servida nafesta, com o propsito decompartilhar as bnos.
Funciona de modo semelhante,porm com nfase no ato decompartilhar a alimentao, queconsiste no ritual do sar,realizado periodicamente, naocasio do os, que omomento em que se oferecemas comidas aos Orixs, nosentido de compartilhar asbnos entre os membros dacasa.
Espao Composto pelo barraco, espaopblico; a cozinha, o quarto deiniciao e o quarto de Orixs,espaos privados e, a parte
externa da casa, onde sorealizados os atos quenecessitam mais espao, certosassentamentos e as plantas.As festas e os rituais sorealizados exclusivamente nasdependncias da casa de Orix,salvo raras excees, como aFesta de Iemanj (na praia).
Est organizado de modosemelhante, porm comalgumas diferenas. O quarto deOrix corresponde aos Orixs
da casa, coletivos, por issoesto em um salo que todostm acesso.Na Festa Anual de If, alm doespao da casa de Orix, seutiliza a rua para uma procisso,resgatando o costume africanode ocupao do espao pblico,que em Salvador permanecevivo na Festa do Senhor doBonfim e no restante do Brasilest praticamente perdido.
7 Publicao original de 1947: Landes, Ruth (1908-1991). The city of women.
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Il Ax Oduduwa13Pblico Separao entre o pblico e o
ritual, ao pblico est reservadaa assistncia
No momento das festas, noexiste separao entre o pblicoe o ritual, todos os presentespodem participar da dana.
Hospitalidade Elemento de grande importnciana sociedade africana e no
candombl de modo geral, semanifesta no ato receber aspessoas para as iniciaes, queduram dias e, para as festas,tanto os convidados, como osmembros da casa.
A hospitalidade tem especialnfase nesta casa, pois a
maioria dos adeptos vive fora deMongagu, onde est situada eem ocasio das festas anuais eem temporadas de iniciaes, alipermanecem grandes grupos depessoas; alm dos gruposprovenientes de outras partesdo mundo.
Neste item cabe ressaltar um fato que me chamou muito a ateno quando,
depois de anos fora do Brasil, retornei casa de Orix para participar de Festa de If
em 2009, foi justamente a procisso realizada nas ruas de Mongagu com as pessoas
cantando e bailando. Pareceu-me algo muito bonito, vibrante e emocionante; levou-me
a pensar o quanto o processo de represso e segregao religiosa nos conduziu ao
isolamento das portas fechadas.
Porque sabemos que algo prprio da cultura africana a ocupao do espao
pblico, a vida nas ruas, os mercados, as relaes de troca e o convvio no espao
urbano. Devemos lembrar que a religiosidade tambm est presente na vida cotidiana
africana, ento, a manifestao religiosa nas ruas parece algo perfeitamente
naturalmente. Tanto assim, que estas tradies comearam com os antigosafricanos e permanecem vivas at os dias de hoje na cidade de Salvador BA, com a
Festa do Nosso Senhor do Bonfim, por exemplo. Porm, parece ser que no processo
de imigrao do candombl ao Sul estes costumes foram se perdendo, provavelmente
pela ausncia de um entorno favorvel e a mudana a um meio mais hostil e frio.
Dessas festas pblicas, restam alguns resqucios, como a Festa de Iemanj e
poucas outras mais, porm, na maioria dos casos a manifestao religiosa do
candombl na regio Sudeste limitada ao espao fechado. Esse fato um indicio do
quanto foi efetiva a represso s religies afro-brasileiras e pode ser uma indicao dealgo que deva ser transformado, para reivindicar o espao social que se tem o direito
de ocupar.
MEDIAO PSICOSOCIAL
A Mediao Psicosocial pretende mostrar como o conflito de vontades entre
Eu, Individual ou Transindividual, e um entorno hostil produz estratgias criativas
de superao, compreendendo o conceito de criatividade em sua extenso mais
ampla. Essas estratgias visam sempre sobrevivncia, porm, em muitos casos,
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Elizabeth Firmino Pereira 14superam enormemente todas as expectativas, igualmente, em outras vezes produz
resultados surpreendentes ou inesperados.
No caso do candombl, se torna evidente o esforo no sentido de resgatar a
identidade de uma sociedade desestruturada pelas guerras, pela dispora e pela
situao de escravido em que se encontravam no Brasil. Considerando o fato de queos iniciados no culto aos Orixs e, em outros cultos secretos, representavam o extrato
mais elevado da sociedade iorub, de modo semelhante ao que ocorria em outras
partes de frica, esse resgate de identidade passa pela religio. Por isso a estrutura
que conhecemos hoje do candombl no Brasil partiu deu uma pessoa da envergadura
de Iy Nass, princesa iorub e encarregada dos cuidados do culto de Xang, que
servia ao prprio Alafin (rei) de Oy.
Neste contexto, o comentrio do pesquisador Renato da Silveira (2007), citado
por Firmino Pereira (2002/2003: 14-15)8, algo que chama ateno, ao afirmar que
devido ao enorme contingente iorubas em Salvador entre 1830 e 1850, o Brasil foi
considerado em um novo pacto para a conservao da religio e da tradio iorub,
sendo para isso enviada ao Brasil Iy Nass. Isso leva a supor que, apesar da posio
de desigualdade e de injustia a que estavam sujeitos, alguns africanos conseguiam
burlar esse sistema na tentativa de restabelecer certa ordem social, porque a dispora
e o trfico de escravos apenas uma parte da desestruturao que ocorreu na frica,
em funo de guerras internas e interesses econmicos, que persistem ainda hoje; o
que d mostras da grande inteligncia, da capacidade de planejamento e de
mobilizao desses africanos, que conseguiram se agrupar (eu transindividual) para
interferir no que seria seu destino.
Essa uma histria muitos matizes, com atores sociais de gama muito variada,
que chegaram a deter muito poder e inclusive, colocar em risco a Coroa Portuguesa,
como na Revolta dos Mals (Reis, 2003), em 1835, porm, os frutos dessa
resistncia se fizerem notar mais no mbito da cultura que do poder; de modo que se
pode afirmar que os signos culturais que melhor definem a cultura brasileira so deorigem africana.
E, o candombl pode ser considerado como o grande responsvel por esse
fenmeno, como guardio dos conhecimentos, dos costumes, dos valores culturais e
estticos, mais tarde extrapolando seus prprios limites do sagrado e do privado ,
passando ao profano, sociedade e festa. provvel que, por esse motivo, nos
desfiles de escolas de samba brasileiras, conhecidas mundialmente, uma das
8 Este comentrio foi anotado por esta pesquisadora em palestra proferida por Silveira em 27/11/2002, naPUCSP, em evento coordenado por Teresinha Bernardo, quando adiantou sobre a pesquisa que vinharealizando j h vinte anos sobre o Candombl da Barroquinha, que foi publicada em 2007.
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Il Ax Oduduwa15principais alas , justamente, a ala das baianas, homenagem clara a estas mulheres
que preservaram a cultura africana no Brasil.
Essa transmisso dos valores culturais, que Freyre (1942) atribui s mulheres
que amamentavam e cuidavam aos filhos dos poderosos, amaciando o portugus e
acrescentando afetividade s relaes de senhor - escravo. Muitos desses jovensmais tarde seriam abolicionistas, pois estes, em sua maioria, eram filhos de famlias
abastadas. Estas so mostras do valor e da fora da cultura e das relaes efetivas de
aproximao e de troca, s quais no podem estar indiferente nenhuma das duas
partes.
Porm, os avanos obtidos no sentido da transmisso da cultura e na criao
de um entorno menos hostil, chocam-se sempre com reaes contrrias e, o que hoje
se poderia chamar de hegemonia cultural africana no Brasil, algo que carece de
elementos substanciais, como o reconhecimento aos valores e aos direitos, sendo a
religio, igualmente, alvo de perseguies e vexaes mesmo sendo amparada pela
lei que garante a liberdade de culto. De certo modo, se pode afirmar que muito foi
tomado da cultura africana e pouco foi restitudo, porque a populao mais negra
tambm , ainda hoje, a mais pobre e a com menos acesso a cultura, educao e
saneamento bsico no Brasil.
O processo de re-africanizao aponta novas formas de relao com frica e
com os cultos africanos, porm formam parte do mesmo caudal de religies afro-
brasileiras que hoje so vitimas da intolerncia religiosa. Cabe reiterar que isso se
deve, em grande parte, aos processos de ciso, de isolamento e tambm de
intolerncia interna, pois o conjunto das religies afro-brasileiras apresenta grande
variedade de propostas e falta que todas elas sejam reconhecidas e respeitadas entre
si, para que se possa organizar um discurso nico, que seja forte e coeso. Uma vez
alcanada a unio interna entre as muitas vertentes da religio afro-brasileira, se
obtm a proteo e o respeito necessrio aos avanos sociais que todos anseiam.
Por tanto, este o momento adequado para que sejam geradas novasestratgias que colaborem com a criao de uma sociedade mais justa e equilibrada,
que seja orientada ao respeito dos valores do outro.
CONCLUSO
Compreende-se que o recente desenvolvimento da re-africanizao no Brasil
algo vivo e dinmico, que apenas est comeando, podendo ter muitos
desdobramentos num futuro prximo, por isso constitui-se em um processo aberto,no se pode ter uma concluso concreta.
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Elizabeth Firmino Pereira 16O que sim, se pode afirmar, que representa um fenmeno relevante para a
atualidade e que foi gerado aos poucos, alimentado pelo desejo de retorno a uma
frica mais mtica do que real. E, como se pode esperar, tem o seu prprio
desenvolvimento e comea a ganhar visibilidade.
Por este motivo, torna-se importante a realizao de estudos nesse campo,pois representa algo novo, do qual se tem poucas informaes. Em geral as casas
africanas no Brasil vm contribuindo para a renovao dos conceitos do candombl,
pois muitas vezes vm aliadas a esforos na rea de formao, oferecendo inmeros
cursos que so freqentados por iniciados do candombl afro-brasileiro, produzindo
seu prprio material didtico. Todos esses fatores levam a pensar que influem tambm
no entorno em que esto instaladas, ou seja, em outras casas de candombl, alm de
criarem as suas prprias casas.
Todos esses fatores levam a identificar a formao recente de um novo
paradigma no mbito das religies afro-brasileiras, aportando novidades e frescor,
algo que merece ser mais estudo futuramente, sobre tudo, no sentido de averiguar as
possveis influencia que ter na mentalidade dos novos sacerdotes.
Os elementos espetaculares, elementos litrgicos e elementos de
sociabilizao, oferecem indcios de campos que se podem ser aprofundados em
estudos diversos, alm de oferecer pistas de elementos que podem ser relevantes
para pesquisas e criaes artsticas, pois utilizam conceitos e formas que pertencem
tambm a outros universos e que podem servir para a revitalizao tambm da arte.
Como puderam perceber muitos criadores que viram no candombl e na cultura
africana a inspirao para suas obras e questionamentos (Maura, 2008).
Tendo em vista que a religio um processo vivo e dinmico, que tambm
necessita a renovao e a criatividade para seguir existindo, de se esperar que a
resposta intolerncia seja uma revitalizao dos conceitos, aliada unio e
organizao de grupos e de propostas que almejem a objetivos mais altos.
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