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2012 - 1ed.
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REVISTA DE DIREITO DA ADMINISTRAO PBLICA
DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
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Ano 1 Agosto Dezembro de 2012
Fundadores e Diretores
Eduardo Manuel Val
Siddharta Legale Ferreira
Conselho Editorial
Publicao semestral de artigos, estudos de casos e outros assuntos de Direito.
Todos os direitos reservados.
Revista de Direito da Administrao Pblica da Universidade Federal Fluminense
Ano 1. V. 1. Niteri, 2012
134 p. ISSN xxxx-xxxx
1. Direito Peridicos. I. Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense.
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NDICE
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EDITORIAL Eduardo Manuel Val e Siddharta Legale Ferreira
ARTIGOS
1. DIREITO CONSTITUCIONAL ADMINISTRATIVO Lei de iniciativa popular: o cidado em cena
Autora: Naira Gomes Guaranho de Senna
Aspectos processuais do Mandado de Injuno e a sua ausncia de regulamentao:
anlise crtica dos projetos de lei existentes
Autor: Eric Baracho Dore Fernandes
2. DIREITO ADMINISTRATIVO Ao Direito de Inconstitucionalidade n 1923 e o debate sobre a constitucionalidade
das organizaes sociais
Autor: Alexandre Veronese
A necessidade de licitao pelo sistema S Autor: Lucas Pessa Moreira
3. DIREITO ADMINISTRATIVO INTERDISCIPLINAR Aplicao do Fator Acidentrio de Preveno: entre a interveno estatal e a livre
concorrncia e iniciativa
Autor: Raquel Almeida
4. ADMINISTRAO PBLICA, TRIBUTAO E ORAMENTO Imunidade tributria recproca: aplicabilidade quanto aos impostos diretos e indiretos
Autor: Andr Luiz Gonalves Vieira Nunes Da incidncia do IPTU sobre os bens imveis utilizados na concesso de servio
pblico
Autor: Camilla Messias Teixeira
5. OBSERVATRIO DAS AGNCIAS REGULADORAS Termo de ajustamento de gesto nas concesses
Autor: Flvio de Arajo Willeman
Anlise de Impacto regulatrio: o novo captulo das agncias reguladoras
Autor: Jos Vicente Santos de Mendona
6. OBSERVATRIO DE JURISPRUDNCIA Da competncia correicional do Conselho Nacional de Justia
Autor: Lucas Pessa Moreira
ADI 4103:Breve estudo da constitucionalidade da Lei Federal n11.705/08(Lei seca)
Autora: Clarisse Corra de Mattos
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EDITORIAL
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O lanamento da REVISTA DE DIREITO DA ADMINISTRAO PBLICA integra uma
iniciativa da nova coordenao do Curso de Direito da Administrao Pblica da Faculdade
de Direito da Universidade Federal Fluminense (CEDAP-UFF). Essa edio e as seguintes
tm um duplo objetivo: criar um canal que seja a memria acadmica de uma especializao
lato sensu que j conta com mais de 20 anos, bem como estimular a confeco de trabalhos de
qualidade ainda maior dotados de uma expertise tcnica do nosso corpo docente e discente.
Sem prejuzo desses objetivos, sero estimulados que autores externos publiquem agregando
conhecimento especializao.
MEMRIA DO CURSO. Com uma experincia vasta, o Curso de Especializao em
Direito da Administrao Pblica possui um corpo docente altamente qualificado com uma
produo acadmica e tcnica respeitada. Alm de tudo, os estudantes e profissionais cursam
disciplinas de metodologia e didtica para desenvolver habilidades de escrita e expresso oral,
fundamentais para o mercado e a academia. Para concluir o curso, os alunos devem apresentar
artigos especficos para as disciplinas de direito administrativo, constitucional e tributrio,
bem como uma monografia com cerca de 50 pginas. Tais trabalhos versam sobre temas
relevantes para a prtica da Administrao Pblica, mas que ainda precisam ter o devido
registro de sua memria tcnica e acadmica, o que justifica a criao de um peridico como
este.
APRIMORAMENTO DA PRODUO TCNICA E ACADMICA. Temos um corpo
docente, como dito acima, reconhecidamente qualificado. Nosso corpo discente interessado
e atua na Administrao Pblica ou na Advocacia. Temos uma experincia acumulada e
motivao. As oportunidades e caractersticas conduziram a um ponto inevitvel que precisam
ultrapassar a sala de aula e os arquivos do curso para alcanar o livre mercado de ideias. Nada
melhor do que uma Revista eletrnica para atingir tal finalidade e ir alm: motivar os alunos a
produzir numa linha terica consistente que, a um s tempo, sirva ao debate pblico e ao
aprimoramento das habilidades necessrias a um exerccio profissional de excelncia.
ESTRUTURAO DAS SEES E LINHA EDITORIAL. A revista ser semestral e contar
com 6 sees, seguindo mais ou menos os grupos de disciplinas que compem a espinha
dorsal do CEDAP-UFF. So elas: (i) Direito constitucional administrativo, dedicada a temas
como a constitucionalizao do direito administrativo, os princpios da Administrao, o
Poder Executivo e a governana; (iii) direito administrativo que se volta para temas clssicos
como licitao e contratos administrativos ou improbidade administrativa; (ii) direito
administrativo interdisciplinar, que objetiva registrar trabalhos sobre questes previdencirias,
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EDITORIAL
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urbansticas, processuais pblicas e da Fazenda Pblica em Juzo; e (iv) Administrao
Pblica, tributao e oramento.
SEES ESPECIAIS. Com objetivo de dedicar especial ateno a dois temas, que so
de grande interesse dos atuais ou futuros profissionais da Administrao Pblica que
compem o nosso corpo docente e discente, foram criadas duas sees. A primeira, intitulada
Observatrio das Agncias Reguladoras, que se dedicar tanto aos elementos tericos do
direito regulatrio, quanto a estudos prticos das condutas contemporneas das agncias
reguladoras, especialmente no Brasil. A segunda seo, Observatrio de Jurisprudncia,
dedica-se ao estudo de casos concretos e comentrios crticos jurisprudncia de tribunais
nacionais ou estrangeiros, bem como dos tribunais internacionais, tendo em conta o papel de
relevo que a jurisprudncia assumiu no direito atual seja para provas e concursos, seja como
guia da conduta dos agentes pblicos.
EDUARDO MANUEL VAL
SIDDHARTA LEGALE FERREIRA
CONSELHO EDITORIAL DA
REVISTA DE DIREITO DA ADMINISTRAO PBLICA DA UFF
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DIREITO CONSTITUCIONAL
ADMINISTRATIVO
ADMINISTRATIV
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Revista de Direito da Administrao Pblica Ano 2012, Ed. 1. SE O D E D I R E I T O CO N S T I T U CI O N A L AD M I N I S T R A T I V O
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Iniciativa popular de lei: o cidado em cena 1
Naira Gomes Guaranho de Senna2
Sumrio: 1. Introduo. 2. A democracia em crise e os obstculos
para o pleno exerccio da cidadania. 3. Iniciativa popular de lei: o
cidado e o palco legislativo. 3.1. Aspectos histricos. 3.2. Aspectos
gerais a respeito da iniciativa de proposio de leis. 3.3. Aspectos
procedimentais na Constituio de 1988 e na legislao especfica.
3.4. Aspectos atuais. 4. Parte Prtica estudo de casos. 4.1. Em mbito federal. 4.2. Em mbito estadual. 4.3. Em mbito municipal. 5.
Concluso. 6. Referencias Bibliogrficas.
1. Introduo
A lei (ou deveria ser) expresso da vontade popular. O Poder Legislativo, por isso,
constitui o Poder estatal mais prximo concretizao da vontade do povo, que procura satisfaz-
la e limit-la. A satisfao decorre da perseguio do atendimento do bem comum e da utilidade
pblica. J a limitao uma forma de garantir a liberdade contra a atuao da Administrao,
compatibilizar liberdade de uns contra a de outros e evitar que a vontade geral se converta em
caprichos individuais 3.
A democracia, exercida pelo poder do povo e para o povo, uma abstrao que se
concretiza na atividade legislativa, fundamentada no princpio majoritrio. A representao
popular passa a ser uma pea central para a democracia moderna. Sem representao popular, no
existe Estado Democrtico de Direito. Todavia, o Legislativo uma instituio composta por
1 O presente trabalho foi premiado pela Seo do Estado do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados Do Brasil no 38
Prmio Jurdico em homenagem a Augusto Boal, cujo tema era Cidado no aquele que vive em sociedade; aquele que a transforma Teatro Legislativo Exerccio Pleno da Cidadania e Processo Legislativo. 2 Mestranda em direito pela PUC-RJ. Bacharel em direito pela Faculdade de direito da Universidade Federal
Fluminense (UFF). Advogada. 3 Sobre o princpio da legalidade e as contradies da filosofia liberal que o explica. Cf. OTERO, Paulo. Legalidade e
administrao Pblica. Coimbra: Almedina, 2007, p. 45 e ss.
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homens e o legislador est sujeito a falhas. O sistema representativo est sujeito a crises, com o
afastamento desproporcional daquilo que espera a vontade popular.
As imperfeies e desconfianas que recaem nas instituies pblicas em geral e, em
particular no Legislativo, conduzem necessidade de repensar ou reinventar a representatividade.
nesse momento que o Estado Democrtico de Direito deve ser compreendido como a vontade do
povo, exercida por meio de representantes eleitos ou diretamente. Nesse ltimo modelo, a
democracia participativa, ou direta, exercida por meio de instrumentos previstos na constituio e
nas leis, significa fortalecimento da democracia e aproximao da verdadeira vontade popular.
Dentre esses instrumentos, destaca-se nessas linhas a iniciativa popular de lei.
As leis oriundas de projetos de iniciativa popular denotam a vontade do povo por ele
mesmo, enquanto as leis aprovadas regularmente pelo Parlamento revelam a vontade popular por
outrem: o grupo de representantes eleitos pelo prprio povo e em seu nome.
A conduo da sociedade, por caminhos mais igualitrios e justos, deve feita tambm pelo
cidado ou por grupos de cidados. A cidadania efetiva significa aperfeioamento da soberania
popular e a conduo do Estado por ns mesmos. Se quisermos uma sociedade diferente, temos
que entrar em cena, no palco legislativo.
Com intuito de estudar esse tema central para uma democracia representativa que abra um
espao efetivo para a realizao da vontade popular, foi traado o seguinte roteiro: (i) fundamentos
tericos sobre a democracia e cidadania como conceitos estreitamente relacionados iniciativa
popular; (ii) questes tcnicas, relativas ao procedimento e os limites para a aprovao de leis de
iniciativa popular no Brasil; e (iii) questes prticas com nfase na realidade brasileira que conta
com tmidas trs leis de iniciativa popular uma sobre a lei de crimes hediondos, outra sobre a
captao ilcita de sufrgio e, por fim, a lei da ficha limpa.
2. A democracia em crise e os obstculos para o pleno exerccio da cidadania.
Chama-se cidado4 quem participa da vida do Estado, sendo titular dos direitos polticos. A
cidadania, entretanto, constitui um conceito mais amplo (e difcil), que no se resume dimenso
4 Nacionalidade e cidadania so institutos dspares. Nacionalidade vnculo ao territrio estatal por nascimento ou
naturalizao. Cidadania um status ligado ao regime poltico. Nacionalidade o conceito mais amplo do que
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poltica. Cidado no apenas um participante, mas quem possui meios de intervir efetivamente
no processo poltico. Os estudiosos incluem na cidadania tambm toda uma gama de direitos
fundamentais (BOBBIO, 2004; CARVALHO, 2006;MARSHALL, 1967; WELTER, 2007;
BARBOSA, 2005).
Thomas Marshall (1967, p. 62 e ss.; LOBO TORRES, 2001, p. 243 e ss), socilogo
britnico, desdobra a cidadania em trs partes: (i) a cidadania civil5 que remete ao exerccio dos
direitos individuais; (ii) a cidadania poltica significa o exerccio dos direitos polticos6 e a (iii)
cidadania social7 consiste nos direitos sociais conferidos pelo Estado em direo a igualdade
substancial entre os cidados. O autor remonta, em sua obra, trajetria da consolidao da
cidadania na Inglaterra: os direitos civis surgiram em primeiro lugar no sculo XVIII; em seguida
vieram os direitos polticos no sculo XIX e, por fim, os direitos sociais, no sculo XX8. Foi um
longo caminho.
A abrangncia desses direitos, porm, no foi ampla no incio de cada perodo: a conquista
plena foi gradativa. Os direitos polticos, por exemplo, estavam ao alcance de poucos grupos
econmicos na Inglaterra do sculo XIX. Seu exerccio era um privilgio, do qual apenas homens
de certa classe econmica participavam. Aps reformas da lei eleitoral e a adoo do sufrgio
universal transferiu-se da base dos direitos polticos do substrato econmico para o status
pessoal9. Dessa forma, os direitos polticos tornaram-se um dos elementos da cidadania. Marshall
destaca o entrelaamento entre os direitos, principalmente entre os polticos e os sociais: a
participao permitiu a eleio de operrios e a criao do Partido Trabalhista, que foram os
responsveis pela introduo dos direitos sociais(CARVALHO, 2006, p. 11).
cidadania, e pressuposto desta, uma vez que s o titular da cidadania pode ser cidado. SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional. So Paulo: Malheiros, 2010, p. 345. 5 O elemento civil composto dos direitos necessrios liberdade individual liberdade de ir e vir, liberdade de
imprensa, pensamento e f, o direito propriedade e de concluir contratos vlidos e o direito justia.MARSHALL, Thomas Humphrey. Ob.cit., p. 63. 6 Por elemento poltico deve-se entender o direito de participar no exerccio do poltico, como membro de um
organismo investido da autoridade poltica ou como um eleitor dos membros de tal organismo. MARSHALL, Thomas Humphrey. Ob.cit., p. 63. 7 O elemento social se refere a tudo o que vai desde o direito a um mnimo de bem-estar econmico e segurana ao
direito de participar, por completo na herana social e levar a vida de um ser civilizado e de acordo com os padres
que prevalecem na sociedade. MARSHALL, Thomas Humphrey. Ob. cit., p. 63. 8 Os direitos fundamentais para T.H. Marshall so elementos formadores do conceito de cidadania, como veremos
mais a frente. Na verdade, os direitos no surgiram nestes sculos, mas se consolidaram nestes. Marshall afirma que
mesmo no sculo XIX pode ser visto algum avano no campo dos direitos sociais. MARSHALL, Thomas Humphrey.
Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967, p. 88. 9 Foi (...) prprio da sociedade capitalista do sculo XIX tratar os direitos polticos como um produto secundrio dos
direitos civis. Foi igualmente prprio do sculo XX abandonar essa posio e associar os direitos polticos direta e
independentemente da cidadania como tal. A lei inglesa de 1918 adotou o sufrgio universal na Inglaterra. MARSHALL, Thomas Humphrey. Ob. cit., p. 70.
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A transplantao dessa trajetria ao Brasil, feita por alguns autores, criticada pelo
socilogo brasileiro Jos Murilo de Carvalho. Para esse autor, no se pode falar em exerccio dos
direitos civis, polticos e sociais antes de 193010
. Ocorreu uma inverso da seqncia dos direitos
da cidadania11
. Foram os direitos sociais os primeiros providos na ditadura de Getlio Vargas,
atravs da legislao trabalhista, sobretudo. Os direitos polticos tambm possuem histrico
complexo, tendo em vista os dois perodos ditatoriais. Quanto aos direitos civis ainda hoje
continuam inacessveis maioria da populao (CARVALHO, 2006, p.220). O caminho torto
tomado pelo Brasil no significa que a cidadania no ser consolidada.
O conceito de cidadania apenas possui sentido no mbito de um Estado Democrtico. A
democracia o regime poltico adotado pela grande parte das Constituies no mundo, inclusive
pela Brasileira de 1988. Em seu ncleo, reside a soberania popular e no a de um grupo apenas,
como ocorre em Estados oligrquicos, despticos, etc.
importante lembrar-se da diviso entre democracia em direta e indireta. A democracia
direta pura tornou-se uma reminiscncia do passado12
. Significa a participao direta de todos os
cidados nas deliberaes e decises coletivas. A inviabilidade de seu exerccio clara devido
complexidade da sociedade atual. Alguns mecanismos de participao poltica direta so previstos
na Constituio de 1988: iniciativa popular de lei (art. 14, III e art. 61, 2), referendo popular (art.
14, II e art. 49, XV), plebiscito (art. 14, I), ao popular (art. 5 LXXIII) (AZUMA, 2009).
Norberto Bobbio afirma que a democracia direta sonhada por Jean Jacques Rousseau na
modernidade poderia levar a uma democracia totalitria, pois ela pressupe o cidado total,
conclamado a participar da manh noite para exercer os seus deveres13, eliminado de sua
esfera privada. Jean-Jacques Rousseau, na verdade, desacreditava na democracia representativa,
10
O ano de 1930 foi um divisor de gua na histria do pas. A partir dessa data, houve acelerao das mudanas sociais e poltica. (...) a mudana mais espetacular verificou-se no avano dos direitos sociais. Carvalho, Jos Murilo de Carvalho. Ob. cit., p. 87. 11
Foi, na verdade, uma estadania, uma cidadania tutelada pelo Estado para o cidado veio de cima para baixo. Seu momento principal foi na Era Vargas, atravs de legislao trabalhista e com forte noo paternalista. a preferncia
do Estado ao cidado, num sentido paternalista. 12
Sua origem a Grcia antiga, nas deliberaes pblicas das goras. A democracia direta foi defendida por Rousseau
na modernidade como forma legtima de governo, em detrimento a representao democrtica. Rousseau, Jean
Jacques. Do contrato social: Princpios do direito poltico. So Paulo: CD Editora, 2003. Alm do exemplo das
sociedades antigas gregas, podem ser citados: (i) as town meetings na Nova Inglaterra, no sculo XII, que eram
reunies para decidir assuntos locais; (ii) os Landsgemeinde (cantes suos), mas que praticamente j foram
substitudos por instituio de representao. Para uma melhor anlise do tema, ver: LEGALE FERREIRA, Siddharta.
Democracia Direta vs. Representativa: uma Dicotomia Inconcilivel com Algumas Reinvenes.Direito Pblico
(Porto Alegre), v. 18, p. 113-143, 2007. 13
O cidado total nada mais que a outra face igualmente ameaadora do Estado total. Significaria assim, a reduo de todos os interesses humanos ao interesse da polis (...). BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. 10 Ed. So Paulo: Terra e Paz, 2000, p. 55.
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pois o povo14
no poderia ser representado. Para ele, a verdadeira democracia a direta no
existiria nunca.
Se se tomar o termo a rigor da acepo, jamais existiu
verdadeira democracia, e jamais existir. contrrio ordem natural que o
grande nmero governe e que o pequeno (a minoria) seja governado. No
se pode imaginar que o povo fique continuamente reunido para cuidar dos
negcios pblicos (ROUSSEAU, 2003, p. 99).
A democracia indireta ou representativa consolida-se no Estado democrtico moderno
onde o poder pblico formado por pessoas do povo escolhidas por um eleitorado o mais
universalizado possvel. A representao foi a alternativa para o exerccio do poder estatal, devido
a impossibilidade de que todos decidam sobre tudo (BOBBIO, 200, p. 54) (democracia direta) e ao
fim do Estado monrquico absolutista ou desptico15
. Porm, pode-se discordar da tese de que a
representao foi uma boa alternativa para a democracia direta nas sociedades complexas, pois, de
fato, ela teria sido pensada, desde o incio, como uma forma de afastar a presena popular no
governo, reservando este apenas para uma elite que possui os meios de se eleger (MIGUEL, 2003,
p. 123-140).
A democracia representativa significa, de modo simplificado, que as deliberaes coletivas
no so tomadas diretamente pelos cidados eleitores, mas pelos os eleitos para tal mister
(BOBBIO, 2000, p. 56). Ento, so dois os sujeitos da representao democrtica: o representante
e o representado. Segundo Dworkin, seguir as regras elaboradas pelos representantes revela um
princpio de equidade (DWORKIN, 2005, p. 30).
A democracia representativa passa por uma crise de legitimidade, em vrios Estados que a
adotam. A baixa participao do povo no processo democrtico restrita ao momento do voto e a
perda da legitimidade dos rgos eleitos so os seus principais ingredientes. Formam-se algumas
teorias para explic-la.
Uma delas a da falncia do Estado do Bem estar social: o descumprimento das demandas
prometidas nos programas eleitorais para a efetivao dos direitos sociais pelo Legislativo e
14
Faz-se mister analisar o conceito de povo. Povo pode ser entendido sob trs sentidos: (i) o povo-ativo aquele que atua como sujeito de dominao, na medida em que por meio da participao indireta ou direta, promove a
formao do ordenamento jurdico (p.25); (ii) Instancia global de distribuio de legitimidade (p.26) e (iii) o povo o destinatrio das normas por ele mesmo produzido. Na doutrina de Paulo Bonavides, povo no sentido poltico
significa participao e consiste no corpo de eleitores; no sentido jurdico, significa cidadania e no sentido
sociolgico, nao formada por um conjunto de elementos ticos e culturais. MOREIRA, Marco Antonio Queiroz. Democracia participativa no municpio. So Paulo: Juarez de Oliveira, 2005, p. 25-28. 15
A escolha de um corpo de representantes em eleies livres, justas e peridicas e que incluam a todo o eleitorado adulto passou a ser algo que, sem esgotar a noo contempornea de democracia, firmou-se como sua pedra angular. MELO, Carlos Ranulfo. Corrupo eleitoral: ensaios e crticas.In.: AVRITZER, Leonardo... [et al.] (org.). Corrupo: ensaios e crticas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008, p. 373.
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Executivo. Outra explicao da crise da legitimidade o descompasso das decises tomadas com
o interesse geral da sociedade que prestigiam apenas de determinados grupos ou setores sociais
mais influentes.
Diversos fatores agravam a perda da legitimidade nos rgos representativos. A corrupo
eleitoral16
conduta difundida desde o Brasil Imprio e combatida at hoje, atravs de
mecanismos protetores da liberdade de escolha dos eleitores e da lisura do processo de escolha dos
representantes17
. A crise de representatividade ainda uma crise de moralidade que assola os
rgos eleitos, sempre envolvidos em escndalos polticos ou criminais (LIMA, 2006, p. 41-53).
A despeito da crise, poucos discutem a democracia representativa como regime e o seu
questionamento uma tarefa no muito popular. Alis, se admitimos a existncia da crise, o passo
seguinte o de pensar solues para super-la, na ausncia de propostas concretas e viveis para
sua substituio (HIRST,1992, p.30).
Um recurso muito vantajoso para o fortalecimento da democracia como regime poltico
consiste na participao ativa da sociedade e do recrudescimento dos mecanismos de democracia
direta como forma de controle poltico. Mas as instituies pblicas brasileiras so hermticas e
concedem pouco espao para a participao cidad cuja influncia na conduo dos negcios
pblicos quase nula. Em suma, de que as promessas da democracia representativa no so
realizadas (MIGUEL, 2003, p. 123-140).
Quando h alguma capilaridade democrtica, como o caso das audincias pblicas nas
agncias reguladoras ou do oramento participativo, a influncia popular praticamente
simblica, se que que existe alguma, seja pela captura das agncias, seja pelo percentual irrisrio
colocado para deliberao. Reinventar esse espao de representatividade e deliberao ser sempre
necessrio.
O autoritarismo histrico das instituies pblicas no o nico obstculo a ser
ultrapassado. preciso um movimento de baixo para cima, ou seja, a efetiva participao da
sociedade. Porm, estaria o sentimento democrtico plenamente consolidado no seio da
sociedade? Os cidados se enxergam como capazes de participar ativamente e de alterar os rumos
16
A corrupo eleitoral ou a reiterada incidncia de fenmenos capazes de desvirtuar o processo de constituio de um corpo de representantes sempre significou um problema para a democracia. MELO, Carlos Ranulfo de. Ob. cit., p.373. 17
A compra de votos e a fraude s eleies so as principais condutas caracterizadoras da corrupo eleitoral. So
condutas difundidas desde o Brasil Imprio e at os dias de hoje so combatidas. Algumas reformas eleitorais foram
necessrias: o voto adquiriu caracteres democrticos; criou-se a Justia Eleitoral, em 1932; a urna eletrnica foi
introduzida, entre outras. O combate captao ilcita do voto est estampado no recente art. 41- A da Lei Eleitoral.
BRANDO, Marcus Vincius Mascarenhas. O art. 41 - a da lei 9.504/97 e sua importncia como um dos mecanismos
de busca do fortalecimento da democracia. Paran Eleitoral, n70, out./dez.2008, p. 55-72.
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das decises pblicas? A primeira vista parece que no h difuso de uma cultura democrtico-
participativa. O cidado brasileiro estaria absolutamente em seu jardim e nem ao menos conhece a
praa.
A adoo de aportes da democracia direta para o resgate da crise da democracia
defendida por Norberto Bobbio, sem ter que adot-la de maneira geral. A passagem da democracia
representativa pura para uma democracia semi-direta ou participativa pressupe um processo de
democratizao. Um desses aportes, segundo o autor, seria um instituto de recall que possibilitaria
a revogao do mandato eletivo. Esse instituto seria adequado se o mandato fosse do tipo
imperativo18
. Em suas palavras:
Um sistema democrtico caracterizado pela existncia de representantes
revogveis , na medida em que se prev representantes, uma forma de
democracia representativa, mas aproxima-se da democracia direta na medida em
que admite que estes representantes sejam revogveis(BOBBIO, 2000, p. 64)-19.
Outro processo de democratizao que ocorre na Itlia, segundo o autor, a passagem da
democracia poltica para a democracia social. Nas relaes sociais ou em outros espaos, onde
imperava a burocracia ou a hierrquica, ocorre a substituio por mecanismos democrticos. O
advento da democracia social fortalece a legitimidade da democracia poltica estatal (BOBBIO,
2000, p. 68). O aprendizado do exerccio democrtico se d, primeiro, no espao privado e depois
no espao pblico.
No podemos falar em democracia participativa sem mencionar a Sua. No sistema
democrtico suo, a participao popular faz parte do cotidiano do processo legislativo seja
ordinrio seja de reforma constitucional. A tradio democrtica deita razes nas assemblias
populares, os Landsgemeinden. Nessas assemblias, que persistem em cantes menos populosos,
exercida certa democracia direta, a semelhana das extintas goras da antiguidade clssica. Os
suos ainda dispem de ampla iniciativa popular ao processo legislativo que pode mesmo resultar
em alterao, total ou parcial, da Constituio. Ao mesmo tempo, h um sistema de referendos de
18
Segundo Norberto Bobbio, o mandato imperativo prprio de representantes que representam determinadas classes,
por exemplo, de categorias profissionais. um representante de interesses particulares. Na maioria das democracias
representativas, regem-se pela proibio do mandato imperativo, pois os representantes, aps as vitrias eleitorais, se
tornam representantes de interesses gerais. Ele no age mais no interesse especfico de seus eleitores, mas no de toda a
sociedade. Bobbio, Norberto. Ob. cit. 19
Bobbio ainda cita dois mecanismos inerentes da democracia direta: a assemblia de cidados e o referendo. A
primeira a democracia direta vivida em Atenas e sonhada por Rousseau. Em relao ao referendum, Bobbio o encara
como extraordinrio. o nico instituto de democracia direta de concreta aplicabilidade e de efetiva aplicao na maior parte dos Estados de democracia avanada. Por outro lado, ningum pode imaginar um Estado capaz de ser governado atravs do continuo apelo ao povo. BOBBIO, Norberto. Ob. cit., p. 66. O referendo est previsto na Constituio da Repblica Brasileira, no art. 14, II.
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leis muito utilizado pelo Legislativo. A garantia de tais institutos em textos normativos no
apenas formalista, pois a participao popular constante e efetiva20
.
O resgate da importncia da participao popular na tomada de decises essencial para a
democracia. Afinal, democracia o governo do povo. As prximas linhas passam do pressuposto
ao objeto do texto propriamente: sero dedicadas ao estudo da iniciativa popular de Lei no Estado
Brasileiro. Ela consiste em um instrumento de democracia participativa direta pouco explorada
pela sociedade brasileira, seja em razo dificuldade em seu manejo ou em razo da descrena em
que mecanismos desse tipo possam efetivamente alterar os rumos das decises estatais.
No Brasil, outros obstculos impedem a participao social efetiva no processo de
deliberao pblica, para alm da ausncia de uma cultura democrtico-participativa. Nesse ponto,
importante discutir uma questo anterior: se diante da possibilidade da manifestao popular
direta nos rumos do Estado, todos os cidados estariam igualmente aptos a deliberar em p de
igualdade. A cidadania estaria ao alcance de todos ou uma parcela social est destituda de uma
cidadania material e plena?21
De incio uma questo de justia distributiva (ou redistributiva). Para que todos tenham voz
no exerccio democrtico direto, so indispensveis condies materiais mnimas garantidas. Sem
bens materiais mnimos, como renda, escolaridade e sade, no haver real interveno no
processo decisrio. Em segundo lugar, uma questo de reconhecimento. Existem outros tipos de
marginalizao que no a econmica, mas cultural grupos que foram historicamente hostilizados
e sofreram com preconceitos22
. Essas pessoas no se sentem suficientemente integrados
sociedade para defender suas demandas especficas; podemos citar o caso dos ndios23
.
Assim, indispensvel que haja um movimento de democratizao da democracia, em
direo integrao de todos os grupos sociais e de provimento do mnimo existencial. Todos
tero condies de atuar como verdadeiros cidados com voz efetiva na deliberao pblica e no
que aqui estamos tratando, em mecanismos de democracia participativa.
Alm da questo da justia substantiva, o processo de democratizao s ser concreto ao
mesmo tempo da organizao social efetiva. A formao de grupos de interesses, a organizao de
20
Em tom mais crtico diverso, LEGALE FERREIRA, Siddharta. Democracia Direta vs. Representativa: uma
Dicotomia Inconcilivel com Algumas Reinvenes. Direito Pblico (Porto Alegre), v. 18, p. 113-143, 2007. 21
(...) muitos indivduos livres e autnomos no so cidados, pelo simples fato de no poderem participar politicamente das atividades do Estado. (...) A cidadania no pode ser entendida somente como direito ao voto. VIEGAS, Weverson. Cidadania e participao popular. Doutrina Adcoas, n.22, nov. 2004, p. 438. 22
Sobre o tema, V. FRASER, Nancy. Da Redistribuio ao Reconhecimento? Dilemas da Justia na Era Ps-
Socialista. In.: SOUZA, Jess (Org.). Democracia Hoje: novos desafios para a teoria democrtica contempornea.
Braslia: EdUnB, 2001, pp.245-282. 23
Ou mesmo o de negros e alguns nordestinos que migram para estados e que no so efetivamente excludos nesses.
As minorias no Brasil geralmente so maiorias historicamente desorganizadas.
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grupos minoritrios e o recrudescimento de movimentos sociais srios so parte do exerccio da
cidadania, no mbito privado, cujos resultados so reivindicaes mais fortes e amplas diante das
instncias de poder24
. A reivindicao coletiva muito mais efetiva do que a individual.
Apesar da apatia da sociedade de participar mais ativamente da democracia, alguns casos
podem representar um prenncio otimista de mudana. Duas leis federais sobre reforma poltica
foram editadas por meio de iniciativa popular de lei: uma sobre a compra de votos e a outra a
respeito da inelegibilidade de candidatos ficha suja. O objeto das prximas linhas estudar a
iniciativa popular de lei como um instrumento de democracia participativa no mbito legislativo.
O cidado no deve ser apenas mero espectador do Teatro da feitura das leis25
. Deve entrar em
cena.
3. Iniciativa Popular de Lei: o cidado e o palco legislativo.
3.1. Aspectos histricos
A iniciativa popular de lei pode ser entendida como um dos instrumentos de concretizao
da democracia participativa. A sua previso na Constituio significa maturidade democrtica do
Estado ao permitir a contribuio popular direta no processo de elaborao legislativa. Seu
exerccio ocorre de diferentes maneiras e evoluiu de modo peculiar em cada Estado.
O Brasil conheceu o instituto na Constituio de 1988. Mesmo outros mecanismos26
de
democracia participativa no possuem uma tradio consistente histria constitucional brasileira.
24
importante conservar o dilogo entre os grupos de interesse para evitar conflitos, conhecer reivindicaes comuns
e cultivar a tolerncia. O ncleo local o principal na transformao de valores e de realizao da justia social e econmica. Simultaneamente, este ncleo local deve estar em comunicao permanente com outros ncleos
(organizaes socais, ONGs, municpios, comunidades de bairro, rdios, jornais, televises comunitrias, etc.) de todo
o mundo. MAGALHAES, Jos Luiz de Quadros. In.: MAGALHAES, Jos Luiz Quadros de [et al.] (coord. O municpio e a constituio da democracia. Belo Horizonte: Mandamentos, 2006, p. 38. 25
BOAL, Augusto. Teatro Legislativo verso beta. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1996, p.46. O
movimento teatro Legislativo encabeado por Augusto Boal concretiza um processo educativo de democracia. Atravs de apresentaes populares conduzia o pblico para dentro da atividade legislativa municipal. Com a
candidatura de Boal a vereador do Rio de Janeiro, vrios projetos de lei foram aprovados em beneficio da populao
local. A Inteno do teatro era transformar o espectador, o cidado, em um agente capaz de opinar, discutir no
processo de tomada de deciso popular. 26
Alm da iniciativa popular de lei, podemos citar como institutos tradicionais de participao democrtica o
referendo, o plebiscito e o recall. Os dois primeiros esto inseridos na Constituio de 1988, art. 14. No plebiscito,
que significa uma consulta popular sobre assuntos relevantes. O mais antigo exerccio de plebiscito ocorreu, no Brasil,
durante a vigncia da Constituio de 1946 sobre o sistema de governo. J o referendo h uma confirmao popular
sobre um assunto j disciplinado. O recall a manifestao da populao sobre a cassao de mandato de um
parlamentar. V. FERREIRA FILHO, Manuel Gonalves. Do processo legislativo. 6ed. So Paulo: Saraiva: 2007;
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Porm, aps o fim da ditadura militar e com a redemocratizao do Estado, a iniciativa popular de
lei recebeu status de direito fundamental poltico, inserido no ttulo II Dos Direitos e Garantias
Fundamentais mais precisamente, no art. 14, III da Constituio Federal. Embora esteja restrito
para a edio de leis infraconstitucionais, o ante-projeto de Constituio elaborado por Fabio
Konder Comparato previa a iniciativa popular para a elaborao de leis e de emendas
Constituio (DUARTE NETO, 2005, p.95).
Durante a fase constituinte, vislumbrou-se o primeiro exerccio de iniciativa popular
atravs da possibilidade de apresentao de emendas populares ao Projeto de Constituio, de
acordo com o art. 24, do Regimento Interno da Assemblia Constituinte27
. Algumas emendas
foram apresentadas sobre o tema da participao popular no processo legislativo, no sentido de
estend-la para a reforma constitucional, mas no obtiveram sucesso.
Saindo da histria nacional, o desenvolvimento de mecanismos de participao
democrtica direta guarda sua origem em pases da Europa e nos Estados Unidos. Nesse ltimo, a
Constituio no disps sobre a iniciativa popular de lei, mas vrias das Constituies Estaduais o
fizeram. O Estado de Dakota do Sul, por exemplo, adotou a iniciativa popular e o referendo em
1896, seguido por outros tantos. Como o federalismo norte-americano dispensa boa parte das
competncias legislativas para o nvel estadual, o instituto pode influenciar sobremaneira os rumos
do Estado-membro.
Em grande parte dos estados norte-americanos, h a possibilidade de reviso constitucional
por meio de iniciativa popular. Em alguns deles, o processo de reviso no passa pelo Poder
Legislativo, como o caso do Estado de Massachusetts. Aps a apresentao do projeto, ele fica
inativo por um prazo no qual o debate social promovido para provocar, ou no, a verdadeira
adeso popular em torno dele. Posteriormente, h a necessidade de referendo obrigatrio sobre a
alterao. Alm da iniciativa popular constitucional, alguns dos Estados (em maior nmero, na
verdade) tambm estabelecem a iniciativa popular legislativa ordinria, com peculiaridades
variadas.
Na Europa Continental, cita-se a Constituio Italiana de 1948 que estabelece a
participao popular na elaborao legislativa infraconstitucional. Nesse pas, a iniciativa
indireta, ou seja, a proposta deve ser endereada a uma Casa Legislativa e o Parlamento pode
LEGALE FERREIRA, Siddharta. Democracia Direta vs. Representativa: uma Dicotomia Inconcilivel com Algumas
Reinvenes. Direito Pblico (Porto Alegre), v. 18, p. 113-143, 2007. 27
Exigia-se que fosse subscrita por trinta mil ou mais eleitores brasileiros, em listas organizadas por no menos de trs entidades associativas, legalmente constitudas, e que estariam responsveis ela idoneidade das firmas lanadas.
(...) No podiam os eleitores subscrever mais do que trs emendas diferentes, devendo cada qual guardar um assunto
somente (art. 24, VIII). DUARTE NETO, Jos. Ob. cit., p. 97.
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rejeitar ou aprovar o projeto. A constituio ainda permite que uma parcela do eleitorado provoque
a realizao de um referendo para a revogao total ou parcial de uma lei. Segundo Manuel
Gonalves Ferreira Filho, em toda a histria da constituio italiana o parlamento apenas aprovou
uma lei, dada a exigncia 500 (quinhentos) mil assinaturas para a formalizao do pedido.
(...) a coleta popular de assinaturas e, muitas vezes iniciada, mas como
meio de presso sobre o Parlamento, visto que serve para provocar sempre
movimentao da opinio pblica.
A Constituio Espanhola de 1978 permite projeto popular de lei a ser endereado ao
Poder Legislativo. Caso o aprove, passa-se ao recolhimento das assinaturas durante o prazo de seis
meses, sob pena de perda do projeto. As matrias passveis dessa iniciativa so restritas. Algumas
so excludas do seu alcance, como, por exemplo,
aquelas que se refiram ao desenvolvimento de direitos fundamentais e
liberdades pblicas e aquelas que aprovem os Estatutos de Autonomia e o
Regime Eleitoral geral. Igualmente excludas se encontram as leis
tributrias e os tratados internacionais, e a atribuio para a concesso de
graa, que exclusiva do rei (DUARTE NETO, 2005, p.81).
Destaque deve ser dado Sua quando se trata de mecanismos de participao direta nos
rumos do Estado. A Constituio desse Estado pode ser emendada por meio de iniciativa popular.
A reforma popular da Constituio ser total ou parcial, por meio de subscrio popular. No caso
da reforma total, a sua proposta ser encaminhada consulta popular e se, por sua vez, for
admitida, novos membros sero eleitos para uma assemblia especial que modificar as normas
constitucionais no teor da proposta.
No que tange a reforma parcial dessa Constituio, poder ser simples ou formulada. A
primeira consiste na apresentao de uma idia apresentada ao Poder Legislativo que pode ser
rejeitada ou aprovada. Caso seja rejeitada, ser levada consulta popular na qual o povo ser
chamado a se manifestar em definitivo. A reforma parcial formulada, por sua vez, consiste na
apresentao de um projeto de alterao escrito aos representantes eleitos. Este projeto tambm
ser enviado a consulta dos eleitores e dos Cantes divises administrativas do pas. O Poder
Legislativo (Assemblia Federal), ao invs de rejeit-lo, poder apresentar um projeto contrrio
em oposio para que a populao e os Cantes escolham entre eles. Algumas ressalvas cabem
quanto a esse procedimento: (i) em caso de empate, no haver modificao; (ii) s haver
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modificao com a aprovao em referendo obrigatrio; (iii) as propostas de reforma s podem se
ater a apenas uma matria especfica e (iv) no podem contrariar normas de direito internacional.
Alm da iniciativa popular, outros mecanismos de participao direta so exercidos
constantemente pelos cidados suos. Eles se desenvolveram ao longo da histria de seus
Cantes, para que o povo participasse ativamente das decises governamentais. As assembleias
populares landsgemeinden funcionam em alguns cantes, em sesses ao ar livre, onde os
cidados votam sobre questes pblicas28
.
A Amrica Latina enfrentou longas ditaduras e possui passado (e o presente) marcado pelo
autoritarismo estatal. Mesmo assim, alguns Estados estabeleceram a iniciativa popular. A
Constituio do Uruguai, por ex., a previu para a elaborao de normas constitucionais e
infraconstitucionais. A Colmbia inova no trato do instituto ao permitir que uma pessoa indicada
pelos cidados proponentes tenha direito de voz em todas as etapas do trmite do projeto no
Parlamento conferindo maior garantia da manuteno inicial da inteno popular na aprovao
do projeto.
3.2. Aspectos gerais a respeito da iniciativa de proposio de leis.
A iniciativa popular de lei vincula-se ao estudo do processo legislativo. O processo
Legislativo pode ser conceituado sobre primas diferentes. Sociologicamente, o processo de
elaborao de leis volta-se para o estudo de identificao e anlise das
diversas ocorrncias presentes no decorrer da formao das leis, como a presso
popular, a mdia, os grupos de presso, os ajustes poltico-partidrios, as troca de
favores do Governo com os parlamentares, e outros tantos fatores que circundam
a elaborao das leis (TAVARES, 2006, p. 1068).
O sentido jurdico do processo legislativo o conjunto de normas que disciplina a criao
das espcies legislativas previstas na Constituio da Repblica. Nesse sentido, Alexandre de
Moraes assevera:
Juridicamente, consiste no conjunto coordenado de disposies que disciplinam o
procedimento a ser obedecido pelos rgos competentes na produo de leis e
atos normativos que derivam diretamente da prpria constituio, enquanto
sociologicamente podemos defini-lo como o conjunto de fatores reais que
impulsionam e direcionam os legisladores a exercitarem sua tarefa.29
28
Geralmente tratam de: reviso da Constituio Cantonal, aprovao e discusso de projetos legislativos, concesso de cidadania e autorizao dos decretos do Conselho Executivo Cantonal que comportem certas despesas. 29
MOARES, Alexandre. Direito constitucional. So Paulo: Atlas, 2006, p. 578. No mesmo sentido, Celso Ribeiro de
Bastos: Entende-se por processo legislativo o conjunto de atos de disposies constitucionais que regula o
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Um dos pressupostos do processo legislativo a existncia de uma proposta legislativa
vlida que deflagrar as demais fases do processo legislativo, resultando num diploma legal. O
proponente , portanto, figura essencial do processo legislativo30-31
. Ele titular do poder de
proposio ou iniciativa do incio do processo de formao de leis. O proponente deve possuir
legitimidade constitucional para indicar determinado projeto de lei, ou seja, deve ser o real titular
do poder de iniciativa, segundo as normas estabelecidas pela Constituio da Repblica. Segundo
Jos Afonso:
Historicamente foi o governo que comeou a apresentar, s Cmaras, pedido de
consentimento para tomar certas medidas, sobretudo de carter financeiro; o
direito de iniciativa dos membros da Cmara (...) uma conquista posterior;
depois esse poder ou direito foi estendido para a outros rgos.
O art. 61 da Constituio da Repblica estabelecesse a iniciativa de leis complementares e
ordinrias. O art. 60, das emendas constitucionais e o art. 62, das medidas provisrias. Os decretos
Legislativos e as resolues so espcies legislativas prprias da Cmara dos Deputados e do
Senado Federal. Dentro desse sistema de iniciativas, destaca-se aquelas que so exclusivas (ou
reservadas ou privativas) de um determinado rgo que detm o monoplio da apresentao de
projeto de lei sobre determinada matria. Um exemplo a iniciativa reservada ao Presidente da
Repblica pelos incisos do art. 61,1.
A iniciativa poder ser concorrente quando conferida a mais de um legitimado. O exemplo
a concorrncia de iniciativa legislativa entre o Presidente da Repblica e o Procurador-Geral da
Repblica, no caso de elaborao de lei complementar, destinada a organizar o Ministrio Pblico
da Unio, Distrito Federal e dos Territrios (CF, art. 61, 1, II, d c/c o art. 128 5) (BULOS,
2007, p. 944).
Quanto a natureza da iniciativa legislativa, h quem afirme que a iniciativa no
propriamente uma fase do processo legislativo, mas sim o ato que o desencadeia. Em verdade,
juridicamente, a iniciativa o ato por que se prope a adoo de direito novo.(FERREIRA
procedimento a ser obedecido pelos rgos competentes, na produo dos atos normativos que derivam diretamente
da prpria Constituio. dizer que regula a produo, criao ou revogao de normas gerais. O processo legislativo
estabelece quem participa, e como deve participar, na formao dos atos legislativos. BASTOS, Celso Ribeiro de. Curso de direito constitucional. So Paulo: Saraiva, 1999, p.366 30
Segundo pressuposto do processo legislativo a proposio legislativa, devidamente fundamentada por justificao escrita ou oral; no haver processo legislativo sem proponente. Numa situao anloga ao processo
judicial, poderamos dizer que no h legislao sem proponente no regime de representao popular. SILVA, Jos Afonso da. Formao constitucional de Formao das leis. So Paulo: Malheiros, 2007, p. 49. 31
(...) a iniciativa legislativa PE um ato fundamental para ativar o processo de formao das leis Poderamos imitar dizendo: Nemo legifer, sine proponente. SILVA, Jos Afonso. Ob. cit., 2007.
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FILHO, 2007, p.206) Assim, ela pertenceria a um campo poltico anterior ao processo legislativo.
Na doutrina lusitana, Jorge Miranda distingue dois momentos: o primeiro externo ao processo
legislativo, de discusso social e preparo para a deflagrao do processo legislativo e o segundo,
interno com a concretizao de sua primeira fase (DUARTE NETO, 2005, p.116).
A iniciativa popular vista como participao popular exerccio do poder poltico, segundo
Carlos Ayres de Brito. O Brasil forma um Estado Democrtico de Direito o que significa que a
produo normativa se d pelo povo, diretamente ou representado. Quando o povo quem participa
por si prprio, temos o exerccio direto do poder poltico poder mximo dentro do Estado.
igual a dizer: com a pessoa privada influindo constitutivamente na vontade normativa do Estado,
que assim que se desempenha o poder poltico32.
3.3. Aspectos procedimentais na Constituio de 1988 e na legislao especfica.
Neste ponto, analisa-se o processo legislativo no momento de sua deflagrao por meio de
um projeto de iniciativa popular de lei. Prevista no art. 14, da CF/1988, a iniciativa popular de lei
consiste na fase deflagradora do processo legislativo de leis ordinrias ou complementares. Seu
exerccio se concretiza com a apresentao de um projeto de lei Cmara Legislativa. Nessa Casa,
o processo corre como um projeto de lei comum, passando pelas fases de discusso e votao com
a posterior reviso pelo Senado Federal. Como um projeto de lei qualquer nessas fases, o texto
original poder ser aprovado, rejeitado ou mesmo alterado33-34
.
Uma crtica possvel quanto a emendas a projeto de lei de iniciativa popular a
desnaturao da demanda original dos cidados. No projeto popular residir a escolha em relao
aos interesses a serem tutelados pela lei. Como os cidados no tero direito de voz e voto nas
demais fases do processo legislativo, a crtica se agrava. Afinal, conforme assevera Jos Afonso da
Silva,
32
Segundo o autor, poder poltico o poder de definir e gerir os interesses gerais. Segundo Marcelo Caetano, cuida-se de autoridade da coletividade sobre cada um dos seus membros, traduzida pela imposio e um direito comum a que todos, quer queiram quer no, tem de se submeter. BRITTO, Carlos Ayres de. Distino entre controle social do poder e participao popular. In.: Revista de Direito Administrativo. n. 189, jul/set 1992, p. 119. 33
(...) teramos que aos cidados dado dispor sobre o impulso legislativo, sendo-lhes alheios os destinos da iniciativa. Pelo menos nos termos da legislao ptria, que, diferentemente de outras, no cona com recurso algum
para impor a seus representantes a obrigatoriedade de acolher anteprojeto por ele feito. DUARTE NETO, Jos.Op. cit., p. 116. 34
A alterao do projeto de lei por meio de emendas parlamentares pode desvirtuar o esprito da mobilizao social
em torno do projeto. A Lei da ficha limpa, que veda a candidatura a condenados por um colegiado de juzes, foi
alterada pelo Congresso Nacional, restando muito diferente do projeto original proposto pelo MCC (Movimento de
Combate Corrupo). V. www.mcc.org.br.
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ao exercer o poder de iniciativa, o titular pretende exatamente isso: que a
matria e os interesses configurados no projeto apresentado recebam
regulamentao legislativa na forma especfica indicada na proposta; que,
enfim, se promulgue uma lei, regulando aquela dada matria e os
interesses ligados a ela na forma pretendida e contida na
proposio.(SILVA, 2007, p. 188)
A diferena dos projetos iniciativa popular para projetos apresentados pelos demais
competentes, para a deflagrao do processo legislativo, encontra-se apenas nessa fase inicial.
Entretanto, o exerccio desse direito fundamental de participao democrtica restringido por
outras normas constitucionais e infraconstitucionais. Os limites constitucionais so (i) quantitativo
ou numrico, o (ii) qualitativo e (iii) em razo da matria. Analisamos cada uma.
O primeiro limite quantitativo, previsto no art. 62,2, ao estabelecer que a proposta
deve estar subscrita por no mnimo, um por cento do eleitorado nacional, distribudo pelo menos
por cinco Estados, com no menos de trs dcimos por cento dos eleitores de cada um deles.
Tendo em vista da amplitude do corpo de eleitores brasileiros e da extenso territorial do pas,
conseguir a quantidade de assinaturas exigidas uma tarefa exaustiva ou mesmo, herclea.
Muitos criticam o rigor da restrio imposta pelo constituinte que teria transformado o
instituto democrtico-participativo em um enfeite intil35
. O pouco uso da iniciativa popular, em
mbito federal cujo histrico de quatro projetos aprovados no confirma a inviabilidade, mas
a dificuldade em seu manejo. Por outro lado, a rigidez do instituto pode significar a cautela do
constituinte com o consenso social e ainda com sua banalizao futura. Dessa forma, apenas um
posicionamento fortemente compartilhado por uma parcela considervel da sociedade poder
alcanar sucesso atravs do processo legislativo deflagrado por iniciativa popular.
O segundo limite qualitativo. Refere-se s espcies legislativas passveis de proposta de
lei popular. As espcies legislativas foram estabelecidas nos incisos do art. 59, da CRFB/1988. A
iniciativa popular apenas pode originar leis ordinrias ou leis complementares (LENZA, 2010, p.
455). As demais espcies leis delegadas, medidas provisrias, decretos legislativos e resolues
por suas prprias naturezas e pela disciplina constitucional no comportam a iniciativa popular
de lei. Quanto possibilidade de projeto de iniciativa popular para emenda a constituio, existe
controvrsia doutrinria.
35
Sendo rigorosas essas exigncias, no ser fcil que sejam apresentados projetos de lei de iniciativa popular. trata-se de instituto meramente decorativo. FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Do processo legislativo. 6 ed. So Paulo Saraiva, 2007, p.208. No mesmo sentido: DUARTE NETO, Joo. Ob. cit.,p. 128 e CRETELLA JUNIOR, Jos.
Elementos de Direito Constitucional. 2 ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
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A legitimidade para emendar a Constituio pertence ao Poder Constituinte derivado
atravs da manifestao de trs quintos dos votos dos respectivos membros do Congresso
Nacional. J a elaborao da proposta de emenda constitucional conferida pelos incisos I, II e III
do art. 60. A legitimao popular no foi prevista. Pela leitura do referido artigo e do art. 61,2, a
interpretao mais literal confirma a impossibilidade de alterao da Constituio por meio de
projeto de emenda de iniciativa popular. Aproximando-se de uma interpretao sistemtica e
teleolgica, Jos Afonso da Silva36
, por sua vez, advogava pela viabilidade de projeto popular de
emenda constitucional, antes da entrada em vigor da Lei n. 9.709/199837
.
A despeito do uso da interpretao constitucional, uma forma mais segura e defensvel de
legitimar a iniciativa popular para a propositura de emenda Constituio seria a edio de uma
emenda constitucional anterior, supressora da omisso do constituinte originrio, concedendo esse
poder a uma parcela do eleitorado38
. Tal evento no atingiria algum limite ptreo de reforma,
porque, se a capacidade para a propositura de emenda constitucional, previstas nos incisos I, II e
III, do art. 60, for entendida como uma clusula ptrea, no ter sido atingida em seu ncleo
fundamental, pelo contrrio a alterao ser para aumentar o rol de legitimados e no para
diminu-lo39
. O que foi vedado pelo constituinte originrio a restrio que atinja o ncleo da
clausula ptrea e no a sua otimizao.
Um posicionamento mais radical encontrado na doutrina portuguesa de J.J. Gomes
Canotilho. Sua tese compreende como normas de estatura constitucional aquelas originadas por
projeto de iniciativa popular de lei(CANOTILHO, 2003, p.295; LENZA, 2010, 453). A concluso
do autor lgica, at certo ponto: se a soberania popular foi exercida atravs da iniciativa popular
e ela expresso do poder constituinte originrio, cuja titularidade pertence ao povo, logo, no h
36
Nesse mesmo sentido, LENZA, Pedro. Ob. cit.,p. 455. 37
A iniciativa popular [para proposta de emenda] seria possvel se a lei que regulou os incs. I, II e III do art. 14 da CF tivesse disposto nesse sentido. SILVA, Jos Afonso. Processo constitucional de formao das leis. 2 ed. So Paulo: Malheiros, 2007, p. 310. 38
Segundo Joo Duarte Neto, a tese explicitamente defendida por Fbio Konder Comparato. J Mauricio Antonio
Ribeiro Lopes afirma ser possvel, desde que se aumentasse o quorum de subscrio dos eleitores para 5% (cinco por
cento). Esse percentual seria equivalente a representao de um tero dos Deputados Federais o qual possui legitimidade para deflagrar processo de emenda constitucional no art. 60, I. Caso fosse exigido apenas 1% (um por
cento) do eleitorado, isso corresponderia a apenas cinco deputados. V. DUARTE NETO, Jos. Ob. Cit., p. 119. 39
O art. 60,4, afirma que no ser objeto de deliberao a proposta de emenda tendente a abolir: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e peridico; a separao dos Poderes; os direitos e garantias
individuais. Isso demonstra que pode haver modificao para otimizar os princpios constitucionais ou mesmo para
restringi-los sem a abolio de seu ncleo essencial. A extenso da legitimidade para deflagrar o processo de emenda
constitucional (entendida como limite procedimental de restrio do Poder Reformador) seria a otimizao do
principio democrtico. Sobre o tema, V. BRANDO, Rodrigo. Direitos fundamentais, democracia e clusulas
ptreas. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
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ningum mais legitimado do que o prprio constituinte originrio (povo) para modificar a
Constituio.
Um terceiro limite deflagrao do processo legislativo por meio de projeto iniciativa
popular decorre em razo da matria. No qualquer tema passvel de ser disciplinado por
projeto de iniciativa popular. As matrias reservadas s espcies normativas vedadas, como o caso
das resolues, esto fora da esfera do alcance da iniciativa popular. Igualmente no possvel
que a iniciativa popular deflagre o processo legislativo de matrias reservadas de outros
legitimados, como, por ex., nos casos do art. 61,1, CF/1988, que estabelece a iniciativa
exclusiva do Presidente da Repblica.
Um caso concreto ps em dvida a impossibilidade de tratamento de matrias reservadas.
A Lei n. 11.124/2005, proveniente de um projeto de iniciativa popular, pode ter invadido a
competncia reservada do art. 61, 1, II, a e e, CRFB/1988. O tema fora discutido pela
Comisso de Constituio e Justia, mas o Congresso Nacional negou tal afirmao e o STF no
teve oportunidade para se pronunciar sobre o tema(LENZA, 2010, p. 456). Na doutrina Jos
Afonso da Silva, nega iniciativa popular a capacidade de invadir matrias reservadas (SILVA,
2007, p. 161; AGUIAR, 2009, p. 133).
Alm das restries constitucionais, a Lei n. 9.709/1998 traz outras restries, bem como o
Regimento Interno da Cmara dos Deputados (R.I.C.D.). A referida Lei no trouxe grandes
novidades disciplina constitucional. Determinou, em primeiro lugar, que o projeto no trate de
assuntos diversos, mas apenas de um nico tema (art. 131). Essa regra traz duas facilidades: a
melhor apreciao e compreenso pelos eleitores do projeto e a aplicao correta da norma pelo
intrprete (DUARTE NETO, 2005, p. 133). O R.I.C.D. traz outras regras estritamente
procedimentais, ao disciplinar, por exemplo, a coleta de assinaturas e o procedimento de
destinao do projeto ao rgo da Cmara, etc. Podemos dar destaque norma do art. 252,IX,
R.I.C.D., que probe a rejeio de emenda por vcios de linguagens e de tcnica legislativas que
devero ser corrigidos pela Comisso de Constituio e Justia e de Redao.
O exerccio incorreto da iniciativa popular de lei pode levar a sua inconstitucionalidade por
vcio formal. O procedimento estabelecido pelo constituinte tambm envolve uma escolha
democrtica que limita o exerccio desse direito fundamental, por isso, a iniciativa popular deve se
manter dentro das restries constitucionais e legais estabelecidas.
3.4. Aspectos Atuais
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A dificuldade do uso do instituto no gera a sua inutilidade, pois como veremos algumas
leis em mbito federal j foram aprovadas. Mas a necessidade de se repensar o processo
legislativo da iniciativa popular para facilitar o seu uso e regat-lo da crtica que o relega a um
instituto decorativo pode ser uma demanda moderna de autodeterminao da cidadania. O
instituto pode ser aprimorado atravs de aportes das Constituies aliengenas.
So sugestes de aperfeioamento: (i) o acompanhamento da sociedade nas demais faces
do processo deflagrao como ocorre na constituio da Colmbia; (ii) a consulta popular atravs
do referendo, caso o projeto popular tiver sido substancialmente alterado pelas Casas do
Congresso nacional; (iii) afirmao da constitucionalidade do experimentalismo da iniciativa
popular em mbito estadual e municipal.
Na Cmara dos Deputados tramita um projeto de emenda constitucional (PEC n. 477/10)
para acrescentar o art. 14-A Carta Constitucional que instituir a possibilidade de iniciativa
popular de lei para a (i) revogao de leis ordinrias, complementares, delegadas, emendas
constitucionais e decretos do Poder Executivo, no prazo mximo de 8 (oito) anos a contar de sua
publicao; (ii) decretao de perda de mandato de prefeito, senador e governador que tenha
praticado, no exerccio da funo pblica, ato de improbidade administrativa, de malversao e
desvio de recursos pblicos, incompatveis com o exerccio responsvel, tico e transparente da
funo pblica e contrrios aos princpios constitucionais republicanos40
.
O projeto de Lei n. 4805/2009, igualmente em trmite na Cmara dos deputados, visa
acrescentar a permisso de subscrio de projetos de lei de iniciativa popular de lei, por meio
eletrnico, via internet. O percentual de eleitores continuaria o mesmo, mas o uso da internet
facilitaria a coleta de assinatura e, por fim, o uso da iniciativa popular de lei41
.
O aperfeioamento do instituto da iniciativa popular de lei servir ao ideal democrtico de
autogoverno [que] exige que a iniciativa seja estendida, para que todos possam, na medida de seu
interesse e capacidade, colaborar na gesto da coisa pblica (FERREIRA FILHO, 2007, p.146).
Porque no criar outras formas do exerccio da democracia direta por meio do aperfeioamento e
da ampliao do instituto da iniciativa cidad? O constituinte originrio teria encerrado o tema?
Segundo Carlos Ayres de Britto, a participao popular como exerccio do poder poltico
de tomada de decises legislativas no significa a quebra do monoplio da produo do direito,
pois como vimos a democracia direta invivel. A Iniciativa popular de lei uma forma de
40
Cf. http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=472552 41
Cf. http://www.camara.gov.br/internet/deputado/Dep_Detalhe.asp?id=523094
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parceria entre os cidados e o Estado. Essa parceria pode ser o caminho para uma sociedade mais
democrtica, igualitria e justa (BRITTO, 1993, p. 121-122).
Antes de finalizarmos o tpico, cabe aqui um adendo. A participao popular na criao do
direito deve ser praticada, no Estado democrtico-participativo, no apenas no momento de
criao das normas, mas tambm no momento de sua aplicao pela Administrao ou pelo
Judicirio. A interpretao do direito no feita por mquinas, mas por juzes e administradores
que tambm esto sujeitos a falhas. Por isso, a cidadania tambm deve ser exercida no momento
da interpretao do direito, conferindo espao para a sociedade como interprete das normas. A
democracia participativa deve ser exercida igualmente nos demais poderes do Estado (HBERLE,
KRAMER, 2009; STAMATO, 2009).
Essa ressalva ainda mais importante no mbito de judicializao da poltica, na qual o
ativismo judicial assume a ltima palavra em casos controversos para a sociedade, por exemplo,
sobre a legalizao do aborto, a permisso de pesquisas com clulas-tronco, o casamento entre
pessoas do mesmo sexo, etc. Num sentido mais amplo, a participao popular no deve ficar
restrita a seara legislativa, mas estar presente onde as decises polticas so tomadas.
4. Parte Prtica estudo de casos.
A parte prtica dessa monografia se prope a analisar alguns casos de lei de iniciativa
popular na esfera federal. A maioria revela demandas sociais urgentes em campos diversos, como
no direito a moradia, direito polticos, entre outros. Em mbito federal, algumas dessas leis foram
questionadas perante o Supremo Tribunal Federal, sobre suas constitucionalidades, e podemos
perceber uma maior deferncia em relao a permanncia das leis populares no ordenamento pela
Corte. Alm disso, analisa-se a iniciativa popular nos mbitos Estadual e Municipal.
4.1. Em mbito Federal.
Lei do Sistema financeiro de habitao
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A Lei que institui o fundo nacional de habitao de interesse social foi a oriunda do
primeiro exerccio de iniciativa popular. A Lei n. 11.124/2005 foi editada aps 13 (treze) anos de
discusso no Congresso Nacional. O projeto de iniciativa popular colheu mais de 1 (um) milho
de assinaturas em 1991. O diploma Legislativo tem como objetivo o direito fundamental
moradia de famlia de baixa renda. A lei tambm institui mecanismos de participao democrtica
na gesto do fundo, tendo como um de seus princpios democratizao, descentralizao, controle
social e transparncia dos procedimentos decisrios (art. 4, I, d, Lei n. 11. 24/005).
Lei de alterao aos Crimes Hediondos
A Lei de crimes hediondos Lei n. 8.072/1990 foi alterada em 1994 pela Lei n. 8.930 em
meio a grande comoo social devido a onda de violncia42
disseminada principalmente na cidade
do Rio de Janeiro. A sociedade e os meios de comunicao se mobilizaram em campanha contra a
violncia urbana, tendo como bandeira o fortalecimento da punio da lei de crimes hediondos e a
insero de novos tipos penais (FRANCO, 2000, p. 75-103; GOMES, 2000).
A iniciativa da Lei n. 8.930/1994 foi popular, mas o projeto foi subscrito pelo Presidente
da Repblica, tendo sido encaminhado ao Congresso por meio da Mensagem n. 571/1993. O pano
de fundo para a mobilizao popular foi o Movimento da Lei e da Ordem43
. Essa corrente poltico-
criminal defende que a nica maneira para a pacificao social a eliminao da criminalidade, do
crime e do criminoso. Tal objetivo poderia ser alcanado com a edio de leis punitivas mais
severas.
A constitucionalidade da Lei de crimes hediondos foi debatida no STF, quanto a
impossibilidade de progresso do regime na condenao desses crimes44
. Mas quanto a insero
dos tipos penas, pela lei de iniciativa popular, no houve discusso no Tribunal Superior, apesar
42
A onda criminosa comeou com a chacina da candelria e de vigrio geral no Rio de Janeiro e teve como pice o
homicdio cruel da atriz Daniela Perez. 43
Segundo Alberto Silva Franco, o Movimento da Lei e da Ordem uma corrente poltico-criminal, surgida na dcada de setenta e com ampla ressonncia at mais da metade da dcada de oitenta. Afirma, ainda, que o Movimento da Lei e da Ordem compreende o crime como o lado patolgico do convvio social, a criminalidade como
uma doena infecciosa e o criminoso como um ser daninho. FRANCO, Alberto Silva. Ob. cit., p. 78 e 82. Muitos autores criticam as premissas e os objetivos desse movimento, sobretudo quando o referido movimento defende leis
violadoras de garantias penais constitucionais, como a individualizao da pena e no exagero da elevao da pena. V.
GOMES, Luiz Flvio. Legislao Penal Emergencial e seus Limites constitucionais. In.: Revista IOB de Direito
Penal e Processual Penal. Porto Alegre: Sntese, v.1, n,1, abr/mai 2000. 44
STF. Tribunal Pleno. HC 82959-7. DJU 23 fev.2006. Rel. Min. Marco Aurlio.
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de uma parte da doutrina defensora de um direito penal mnimo desaprovar o recrudescimento de
tipos penais45
.
Lei da compra de Votos
A Lei da compra de votos ou da captao ilcita de sufrgio, Lei n 9.840, de 28 de
setembro de 1999, alterou a Lei das Eleies (Lei n. 9.504/1997), com introduo do art. 41-A.
Tal dispositivo consiste num reforo a corrupo eleitoral e a compra de votos. Estes so males
que enfraquecem a democracia brasileira, atingido a liberdade de escolha do eleitorado num dos
momentos mais importantes da participao poltica nos rumos do Estado. A modificao
legislativa partiu do seio da sociedade, pois a iniciativa da lei foi popular. O movimento de coleta
de assinaturas e elaborao do projeto foi encabeado pela Conferncia Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB) e por sindicatos de trabalhadores.
A captao ilcita de sufrgio tornou-se um instrumento clere para a Justia Eleitoral
afastar o candidato do pleito. Sua sano especfica a cassao de registro de candidatura e no
a inelegibilidade do candidato. Esta ltima demanda o trnsito em julgado da ao judicial
eleitoral para retirar o candidato da disputa46
. Deste modo, o candidato incidente na conduta de
doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou
vantagem pessoal de qualquer natureza (art. 41-A) tem seu registro cassado e desde j est
impedido de concorrer ao pleito eleitoral.
45
Um desses defensores Rogrio Greco que defende um direito penal equilibrado e proporcional na aplicao das
sanes: Na concepo que podemos chamar de equilibrada situa-se o Direito Penal Mnimo. O seu discurso, mais coerente, permissa vnia, com a realidade social, apregoa, em sntese, ser a finalidade do Direito Penal a proteo to-
somente dos bens necessrios e vitais ao convcio em sociedade. Aqueles bens que, em decorrncia de sua
importncia, no podero ser somente protegidos pelos demais ramos do ordenamento jurdico. GRECO, Rogrio. Direito penal do equilbrio: uma viso minimalista do direito penal. Niteri: Impetus, 2006, p.30. V. Cf. LEGALE
FERREIRA, Siddharta e GALVO, Joo Marcos de Oliveira. Suspenso de efeitos pelo Senado: mutao
constitucional ou mecanismo obsoleto? In.:Revista de Direito dos Monitores n.1, 2008. Disponvel em:
www.uff.br/rdm. Acesso em: 29/10/2010. 46
Antes do advento da figura da captao ilcita de sufrgio com a respectiva sano de cassao do registro de
candidatura, outros mecanismos podiam ser utilizados a fim de afastar o candidato corrupto do pleito eleitoral. Uma
das aes usadas era a de impugnao de registro de candidatura. O problema que a deciso dessa ao s produz
efeitos aps o trnsito em julgado, conforme dispe o art. 15, Lei Complementar 64/90. Com a exigncia do
esgotamento de todos os recursos cabveis (e a sabida demora na prestao da tutela jurisdicional) o candidato podia
concorrer ao mandato e, muitas vezes, obtinha sucesso nas urnas. J no caso da captao Ilcita de sufrgio, como a sano no a inelegibilidade, mas a cassao do registro do candidato, no incide o art. 15, da LC 64/90, ou seja, sua
execuo imediata, incidindo a regra geral do art. 257, do Cdigo Eleitoral, para recursos eleitorais, segundo a qual
os recursos eleitorais no possuem efeito suspensivo. STF. Tribunal Pleno. ADI 3592/DF. DJU 02 fev 2007. Rel. Min. Gilmar Mendes.
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A referida lei popular foi questionada, quanto a sua constitucionalidade, perante o Supremo
Tribunal Federal47
. A tese da inconstitucionalidade considerou a captao ilcita de sufrgio como
norma de inelegibilidade. As inelegibilidades, segundo a Constituio Federal, devem vir
disciplinadas em Lei complementar art. 14,9. Como a lei tramitou como lei ordinria, seria
inconstitucional. Porm, a Corte, seguindo a jurisprudncia do TSE, consolidou o entendimento de
que a sano de cassao de registro ou diploma uma sano especfica, no configura, assim,
uma inelegibilidade.
Essa uma das possveis interpretaes. Percebe-se que o esforo interpretativo dos
Tribunais para salvar a constitucionalidade do art. 41-A, configurando uma postura ativa adotada
que se coadunou com o sentimento da sociedade de repudiar esse tipo de prtica, conferindo um
reforo a vontade do eleitor com a celeridade necessria para a retirada do candidato da disputa
eleitoral no caso da compra de votos.
Lei da ficha limpa
A Lei Complementar de iniciativa popular n. 135/2010, que ficou conhecida como ficha
limpa, trouxe modificaes a Lei Complementar n. 64/1990. Este diploma disciplina o art.
14,9, da Constituio, prevendo os casos de inelegibilidade. As principais alteraes foram: (i)
aumentar o perodo da inelegibilidade para 8 (oito) anos; (ii) ampliar o rol de crimes que ensejam
essa restrio ao exerccio da candidatura; e (iii) prever a inelegibilidade dos que forem
condenados, em deciso transitada em julgado ou proferida por rgo judicial colegiado, nos
crimes previstos pela Lei. Este ltimo foi a principal demanda dos movimentos sociais engajados
na alterao legislativa.
A Lei da ficha limpa foi fruto da organizao dos mesmos movimentos que elaboraram o
projeto da lei popular da captao compra de votos. As alteraes promovidas significaram uma
reao popular contra o minimalismo judicial48
adotado pelo TSE e STF. Isso porque a tentativa
47
STF. Tribunal Pleno. ADI 3592/DF. DJU 02 fev 2007. Rel Min Gilmar Mendes. No mesmo sentido: TSE. Tribunal
Pleno. ADI 3305/DF. DJU 24 nov 2006. Rel. Min. Eros Grau. 48
O termo de Cass Sunstein, ao se referir ao minimalismo decisrio (decisional minimalism) que envolve o uso constitutivo do silncio pelos juzes. A postura minimalista de auto-conteno frente s decises democrticas, por
reconhecer a legitimidade democrtica dos rgos eleitos na definio das questes profundas e controversas no seio
da sociedade. SUNSTEIN, Cass. One case at a time: judicial minimalism on the supreme court. Harvard
University Press, 1999, p. 5.
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de impedir que candidatos ficha suja49 concorressem ao pleito vinha sendo feita por juzes
eleitorais, com esteio na aplicabilidade imediata do art. 14,9, CF, porm, os Tribunais referidos
se manifestaram contra essa interpretao ao afirmar que apenas o legislador possui competncia
para estabelecer normas sobre elegibilidade.
O transito em julgado da sentena conduz o candidato perda ou suspenso dos diretos
polticos e, conseqentemente, inelegibilidade, conforme dispe o art. 15, III, CF. Porm, a
grande quantidade de recursos processuais somada a morosidade da tutela judicial facilita o acesso
de candidatos que por anos respondem a processos criminais, eleitorais ou de improbidade
administrativa. Assim, o objetivo de barrar a candidatura daqueles que obtiveram uma
condenao por rgo colegiado, mas antes da condenao definitiva, dignifica preservar os
princpios da probidade administrativa, da moralidade para exerccio de mandato e da normalidade
e legitimidade das eleies, previstos no art. 14,9, CF.
A referida Lei alvo de discusses recente quanto sua constitucionalidade. Os principais
discusses quanto a sua constitucionalidade referem-se aplicao da norma as eleies do ano de
sua edio, diante do princpio da anualidade eleitoral (art. 16, CRFB/1988), e da dvida de sua
incidncia casos de candidatos com condenaes no passado ou apenas s futuras condenaes
aplicao a casos passados. Espera-se a deferncia da Corte quanto constitucionalidade da lei
que encerrou uma demanda urgente da lisura do pleito eleitoral. Afinal, no apenas a Corte, mas
tambm e principalmente o povo o interprete da Constituio.
4. 2. Em mbito estadual
49
Os candidatos ficha suja so os que possuem no mnimo uma condenao criminal ou de improbidade administrativa com o trnsito em definitivo da sentena ou, ao menos, uma condenao por rgo colegiado. Os casos
de inelegibilidade por ficha suja esto estabelecidos na LC n. 64/1990, modificada pela lei de iniciativa popular. So exemplos: os que tenham contra sua pessoa representao julgada procedente pela Justia Eleitoral, em deciso transitada em julgado ou proferida por rgo colegiado, em processo de apurao de abuso do poder econmico ou
poltico (art. 1, I,d) e, ainda, os que forem condenados, em deciso transitada em julgado ou proferida por rgo judicial colegiado por diversos crimes previstos na lei (art. 1, I, e). Essas restries podem ser entendidas como um pequeno passo em direo moralizao do exerccio do mandato eletivo.
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A Constituio de 1988 estabelece a possibilidade de iniciativa popular no processo
legislativo Estadual, sendo o seu exerccio regulado por lei50
art. 27,4. A maioria dos Estados-
membros abraou a iniciativa popular, com caractersticas variadas. Ao analisarmos algumas das
constituies estaduais, percebe-se um experimentalismo na disciplina do instituto que no se
limita a uma mera cpia do texto constitucional federal.
No Estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, a iniciativa popular pode ser exercida para
apresentao de projeto de lei, de proposta de emenda Constituio Estadual e, ainda, emenda a
projeto de lei oramentria, de lei de diretrizes oramentrias e de lei de plano plurianual. A
incluso da iniciativa popular para a deflagrao do processo de emendas Constituio Estadual
realizada em outros Estados, so eles: Acre, Amap, Alagoas, Amazonas, Bahia, Esprito Santo,
Gois, Par, Pernambuco, Roraima, Santa Catarina e Sergipe.
Na a Carta Gacha, o art. 68,3 prev a convocao de referendo popular sobre os
projetos de lei populares quando rejeitados pela Assembleia Legislativa, se 10 (dez)% do
eleitorado o requerer. O resultado do referendo ser promulgado pelo Presidente da Assemblia
Legislativa (art. 68,4).
As Constituies Sergipana e Paulista tambm inovam ao permitirem que um dos
subscritores do projeto possa defend-lo perante as Comisses da Assembleia Estadual. Em
Sergipe, caso haja adversrio da proposta, esse tambm ter direito a voz no Plenrio.
A tendncia do Supremo Tribunal Federal declarar a inconstitucionalidade do
experimentalismo estadual quanto ao processo legislativo, com base na construo do princpio da
simetria. A interpretao mais formalista da Corte impede o constituinte estadual de se distanciar
da equivalncia das normas federais o que pode levar, em alguns casos extremos, a violao da
autonomia do Estado-membro. Ainda no houve, pronunciamento a respeito da
constitucionalidade das peculiaridades estaduais sobre a iniciativa popular.
4.3. Em mbito Municipal
50
Seguindo Pinto Ferreira, Jos Duarte Neto afirma que a lei que dever disciplinar a iniciativa popular a lei estadual (e no a federal), visto que os Estados federados tm capacidade de auto-organizao, desde que respeitem os
princpios previstos na lei fundamental do Pas. DUARTE NETO, Jos. Op. cit., p. 144.
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O municpio o melhor mbito para o exerccio efetivo da cidadania e da democracia
participativa. Os problemas locais so os que mais atingem o cotidiano da populao e os poderes
municipais so os que tomam as decises mais prximas da comunidade. Alm disso, a reduo
do nmero de cidados que integram municpio resulta num maior poder de interveno nas
decises polticos desse mbito. Um exemplo atinente participao popular municipal na gesto
da administrao pblica o oramento participativo (VIEGAS, 2004, p. 437-441). O Estatuto da
Cidade Lei n. 10.257/2001 garante participao na elaborao do oramento municipal como
uma ferramenta de planejamento e, ainda, audincia, consulta e debates pblicos obrigatria para
aprovao.
No mbito Legislativo, a participao popular no municpio tem como instrumento a
iniciativa popular de lei. A Constituio Federal a previu no art. 29, XIII, diante de projeto
assinado por, pelo menos cinco por cento do eleitorado do municpio, e desde que seja do interesse
do local dos municpios, da cidade, dos bairros. Segundo Joaquim Castro Aguiar, a iniciativa
popular municipal no ser aplicvel s matrias objetos de reservadas, como das resolues e as
iniciativas privativas do prefeito que guardam equivalncia com a disciplina da Constituio
Federal (AGUIAR, 2008, p. 133; MAGALHES, 2006). O projeto de lei ser submetido
Cmara dos Vereadores, para tramitar respeitando as regras do processo legislativo municipal.
A lei municipal j foi entendida como lei de menor importncia ou apenas como lei
material (AGUIAR, 1973 p. 51). Mas diante da diviso de competncias constitucionais, as leis
estaduais e federais no podem invadir a atribuio legislativa municipal, sob pena de
inconstitucionalidade. Embora o federalismo brasileiro tenha uma tendncia centralizadora,
conferindo destaque para as competncias da unio, o Estado-membro e o municpio possuem o
seu campo de atuao.
5. Concluso
Para que serve a Iniciativa Popular de Lei se os representantes eleitos tomam as decises
polticas em nome do povo? Por que o cidado deve atuar no espao pblico e no espao estatal,
se h quem o faa por ele? O cidado mero espectador ou deve entrar em cena?
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Democracia no significa apenas representao, mas tambm participao. Nada garante
que a representao ser bem exercida, se no houver controle social e, principalmente,
participao direta nos rumos da sociedade. Prover os cidados dos instrumentos necessrios e
efetivos para o exerccio desse poder, ou seja, concretizar a cidadania. Entrar em cena significa
uma demanda moderna da democracia rumo a uma sociedade mais justa.
6. Referncias Bibliogrficas
AGUIAR, Joaquim Castro. O municpio e o processo legislativo. Rio de janeiro: IBAM, 2009
____________________. Processo legislativo municipal. Rio de Janeiro: Forense, 1973
AZUMA, Joo Carlos. Democracia Participativa: uma dimenso interpretativa concretizadora.
Revista de Direito Constitucional e Internacional. v. 17 , n.68,p. 86-110, jul./set. 2009.
BARBOSA, Ana Paula. A Fundamentao do conceito de cidadania e sua aplicao no espao
pblico brasileiro. Revista Forense. n. 382, nov/dez 2005. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
BASTOS, Celso Ribeiro de. Curso de direito constitucional. So Paulo: Saraiva, 1999.
BOAL, Augusto. Teatro Legislativo verso beta. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1996.
BOBBIO, Norberto. A era dos