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REFERÊNCIA: AMICUS CURIAE - INTIMAÇÃO DA CVM. INTERESSADOS: 1 â VARA CÍVEL DA COMARCA DE ITAPERUNA/RJ, EUZILENE VASCONCELOS MARREIROS, INTRA S/A CORRETORA DE CÂMBIO E VALORES MOBILIÁRIOS, BOLSA DE VALORES DE SÃO PAULO, CÂMARA DE LIQUIDAÇÃO E CUSTÓDIA S/A, TELECOMUNICAÇÕES BRASILEIRAS S/A - TELEBRÁS, TELECOMUNICAÇÕES DO RIO DE JANEIRO - TELERJ, ATUALMENTE TELEMAR E 23 9 OFÍCIO DE NOTAS - TABELIÃO GUIDO MACIEL - SUCURSAL TIJUCA ASSUNTO: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E PATRIMONIAIS N- 2002.026.007090-0 (EUZILENE VASCONCELOS MARREIROS X INTRA S/A CORRETORA DE CÂMBIO E VALORES MOBILIÁRIOS E OUTROS) EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DE OPERAÇÕES EM BOLSA DE VALORES. NEGOCIAÇÃO DE AÇÕES EM BOLSA MEDIANTE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTAÇÃO FALSA. RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE CORRETORA, BEM COMO DA COMPANHIA EMISSORA. RESOLUÇÃO CMN N Q 2.690, DE 28 DE JANEIRO DE 2000 E ARTIGOS 103 E 104, DA LEI N e 6.404/76. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 159, DO CÓDIGO CIVIL DE 1916, ATUAL ART. 927, DA LEI 10406/02. 1

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REFERÊNCIA: AMICUS CURIAE - INTIMAÇÃO DA CVM.

INTERESSADOS: 1â VARA CÍVEL DA COMARCA DE ITAPERUNA/RJ,

EUZILENE VASCONCELOS MARREIROS, INTRA S/A CORRETORA DE

CÂMBIO E VALORES MOBILIÁRIOS, BOLSA DE VALORES DE SÃO PAULO,

CÂMARA DE LIQUIDAÇÃO E CUSTÓDIA S/A, TELECOMUNICAÇÕES

BRASILEIRAS S/A - TELEBRÁS, TELECOMUNICAÇÕES DO RIO DE JANEIRO

- TELERJ, ATUALMENTE TELEMAR E 239 OFÍCIO DE NOTAS - TABELIÃO

GUIDO MACIEL - SUCURSAL TIJUCA

ASSUNTO: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E PATRIMONIAIS

N- 2002.026.007090-0 (EUZILENE VASCONCELOS MARREIROS X INTRA S/A

CORRETORA DE CÂMBIO E VALORES MOBILIÁRIOS E OUTROS)

EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DE OPERAÇÕES EM BOLSA DE VALORES. NEGOCIAÇÃO DE AÇÕES EM BOLSA MEDIANTE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTAÇÃO FALSA. RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE CORRETORA, BEM COMO DA COMPANHIA EMISSORA. RESOLUÇÃO CMN NQ 2.690, DE 28 DE JANEIRO DE 2000 E ARTIGOS 103 E 104, DA LEI Ne6.404/76. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 159, DO CÓDIGO CIVIL DE 1916, ATUAL ART. 927, DA LEI 10406/02.

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PARECER:

Inicialmente, cumpre informar que o opinamento ora apresentado

pela Procuradoria Federal Especializada/CVM não representa a posição definitiva

da Comissão de Valores Mobiliários - CVM acerca dos fatos objeto da presente

demanda, não possuindo efeito vinculativo no que tange ao entendimento a ser

adotado pelas demais áreas técnicas e pelo Colegiado desta Autarquia.

Importante mencionar que não encontramos nos registros desta

autarquia nenhum processo administrativo referente ao caso ora em análise,

entretanto, como os fatos narrados na presente demanda judicial merecem

atenção e análise por parte desta autarquia, desde já comunicamos que estamos

enviando cópia das peças processuais fornecidas para a área técnica competente

averiguar a suposta atuação irregular da corretora, bem como da TELEBRÁS -

Telecomunicações Brasileiras S/A.

I - DO OBJETO DA PRESENTE DEMANDA

Trata-se de ação de conhecimento, sob o rito ordinário, proposta

pela Sra. Euzilene Vasconcelos Marreiros em face de Intra Corretora de Câmbio e

Valores Mobiliários, Bolsa de Valores de São Paulo - BOVESPA, Câmara de

Liquidação e Custódia S/A, Telecomunicações Brasileiras S/A - TELEBRÁS e

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Telecomunicações do Rio de Janeiro S/A - TELERJ/RJ, atualmente TELEMAR,

objetivando, em síntese, a condenação das rés ao pagamento de perdas

patrimoniais, no valor de R$86.000,00 (oitenta e seis mil reais), e danos morais, no

valor de R$50.000,00 (cinqüenta mil reais), com fundamento no artigo 159, do

Código Civil de 1916, atual artigo 927, da Lei ne 10406/02.

Para tanto, alega a Autora que, em maio de 1997, procurou a

TELERJ em Itaperuna, a fim de se informar quanto aos procedimentos

necessários para a negociação de 40.547 ações ON e 26.497 ações PN da

TELERJ S/A, das quais era possuidora.

Naquela ocasião, foi informada de que as ações teriam sido

negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo - BOVESPA, perfazendo a

operação o total de R$8.600,00 (oito mil e seiscentos reais).

Foi, então, orientada por funcionário da TELERJ/ltaperuna a

escrever à TELEBRÁS, solicitando esclarecimentos quanto à venda das

mencionadas ações, recebendo em resposta a informação de que as ações

efetivamente haviam sido negociadas na BOVESPA, mediante a apresentação de

procuração lavrada em 21/04/1997 no 23Q Ofício de Notas - Tabelião Guido

Maciel - Sucursal Tijuca, Comarca da Capital, Rio de Janeiro/RJ, livro SF 322, f.

98 e de cópia de Carteira de Identidade em nome da Autora, sem a parte da

identificação, onde deveriam constar sua assinatura e seu retrato, os quais afirma

serem falsos.

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Destarte, a Autora entende que tem direito a indenização pelos

prejuízos sofridos, conforme lhe assegura o artigo 159, do Código Civil de 1916,

dispositivo mantido no atual Código.

II - DO PAPEL E DA IRRESPONSABILIDADE DA CÂMARA DE LIQUIDAÇÃO E CUSTÓDIA (CLC)

Inicialmente, parece necessário esclarecer que a Câmara de

Liquidação e Custódia - CLC somente prestava serviços no âmbito da Bolsa de

Valores do Rio de Janeiro e não na Bolsa de Valores de São Paulo - BOVESPA.

Além disso, e para uma melhor compreensão do tema em comento, torna-se importante conceituar alguns institutos e figuras que compõem o sistema de custódia fungível. Com efeito, ativos são títulos e valores mobiliários ou outros ativos financeiros elegíveis para depósito no serviço de custódia fungível da BOVESPA/CBLC e passíveis de liquidação física pelos agentes de compensação.

Agente de custódia (ou usuário de custódia), por sua vez, é a instituição financeira responsável pelo cadastro e pela administração das contas de custódia, que contratava a BOVESPA/CBLC para utilizar seu serviço de custódia fungível de ativos, in casu, a Intra S/A Corretora de Câmbio e Valores.

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Já as contas de custódia são todas as contas individualizadas em nome dos investidores na BOVESPA/CBLC, sob responsabilidade de um agente de custódia, onde se encontram registrados os títulos adquiridos pelos investidores.

Por outro lado, cliente de custódia é a pessoa física, jurídica ou entidade de investimento coletivo, titular de uma conta individualizada no serviço de custódia fungível da BOVESPA/CBLC através e sob a responsabilidade de um agente de custódia formalmente contratado.

Feitos esses esclarecimentos, insta acentuar que a BOVESPA/CBLC somente prestava - como a CBLC ainda o faz - serviços de custódia fungível a instituições financeiras previamente qualificadas como Agentes de Custódia. Para tanto, a BOVESPA/CBLC mantinha - tal como mantém, atualmente, a Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC) - sistema de contas individualizadas que assegurava a integridade e o total sigilo dos ativos custodiados.

Dessa forma, o serviço de custódia fungível compreendia, e compreende até hoje, a guarda dos ativos; o recebimento e distribuição de proventos, o exercício de direito, bem como a administração de outros rendimentos e direitos relativos aos ativos custodiados; o depósito, a retirada e a movimentação dos ativos por comando do Agente de Custódia, inclusive para fins de liquidação de operações.

A BOVESPA/CBLC possuía vínculo contratual exclusivamente com as Sociedades Corretoras e demais integrantes do Sistema de Distribuição de Títulos e Valores Mobiliários, mas não realizava negociação de valores mobiliários

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nem possuía qualquer relação jurídica com os clientes investidores. Observa-se, assim, a existência de duas relações jurídicas distintas: uma entre o investidor e o agente de custódia e outra entre este e a BOVESPA/CBLC.

O art. 41, parágrafo único, da Lei n- 6.404/76 e o art. 24, parágrafo único, da Lei ns 6.385/76, antes mesmo da reforma promovida pela Lei nQ

10.303/01, já deixavam claro que não havia qualquer vínculo jurídico entre a instituição prestadora do serviço de custódia de ações fungíveis, no caso, a BOVESPA/CBLC, e o investidor, capaz de viabilizar a responsabilização daquela entidade, uma vez que o serviço de custódia de ações fungíveis era prestado, única e exclusivamente, a usuários de custódia, previamente qualificados para tanto.

Neste diapasão, a Instrução CVM n2 115, de 11 de abril de 1990, que dispõe sobre a prestação de serviço de custódia fungível de ações nominativas, esclarece que qualquer movimentação de ativos custodiados somente poderá ser procedida por ordem do depositante que é, segundo reiterado posicionamento do Colegiado desta Autarquia, o próprio agente de custódia.

Desta forma, verifica-se que o agente de custódia era o único responsável pelo depósito, retirada, transferência e movimentações de ativos nas contas de custódia sob sua responsabilidade, haja vista que a BOVESPA/CBLC não efetuava qualquer operação que não fosse por ordem do mesmo (usuário de custódia) que era, repita-se, a instituição diretamente responsável por sua conta e subcontas dos respectivos clientes, quanto à regular circulação dos ativos entregues à custódia.

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Portanto, apenas nas hipóteses em que restasse comprovado o descumprimento das obrigações contratuais por parte da BOVESPA/CBLC, em que esta tivesse faltado com o necessário dever de diligência, poder-se-ia vislumbrar, com fundamento na teoria aquiliana, hipótese de responsabilidade pelos danos causados pela mesma. Frise-se, mais uma vez, que não existia vínculo jurídico entre a BOVESPA/CBLC e o acionista, na medida em que este, quando desejava obter serviços de custódia de ações fungíveis, contratava diretamente o agente de custódia, no caso, a Intra S/A Corretora de Câmbio e Valores.

Logo, constata-se que a entidade custodiante não pode ser responsabilizada por atos praticados, única e exclusivamente, em virtude de ordem emanada do Agente de Custódia, uma vez que a denominada responsabilidade civil por fato de terceiro, por se tratar de hipótese de responsabilidade indireta, é excepcional, somente restando configurada se expressamente prevista em lei. É neste sentido o entendimento do insigne jurista Sérgio Cavalieri Filho1:

"Os casos de responsabilidade indireta, como já

assinalado, são excepcionais, expressamente

enumerados no art. 1.521 do Código Civil (atual art.

932 do novo Código Civil), sendo, portanto,

limitativo o seu enunciado, numerus clausus, e não

enunciativo."

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Saliente-se, por outro lado, que os poderes outorgados à BOVESPA/CBLC para vender, ceder ou transferir as ações por meio da procuração falsificada jamais poderiam ser exercidos, porquanto esta transferência de titularidade de ações, conforme mencionado anteriormente, somente poderia ser realizada por ordem direta do agente de custódia, que, na hipótese, é a corretora.

Diante do exposto, conclui-se, que a BOVESPA/CBLC não pode ser responsabilizada no caso em análise, dado que, afora o fato de não manter vínculo jurídico com o acionista/investidor, o agente de custódia, como visto acima, responde integralmente por seu cliente perante a BOVESPA/CBLC, sendo responsável, ainda, pelo cadastro de seus clientes, bem como pela veracidade das informações nele contidas e pelo respectivo registro de ativos em contas individualizadas.

III - DO PAPEL E IRRESPONSABILIDADE DA BOLSA DE VALORES DE SÃO PAULO-BOVESPA

Segundo o disposto no Regulamente Anexo à Resolução n2 1.656, de 26 de outubro de 1989, atualmente revogada pela Resolução n2 2.690/00, as Bolsas de Valores deveriam ser constituídas como associações civis, sem finalidade lucrativa, que tinham como objeto social, dentre outros, a manutenção ou sistema adequado à realização de operação de compra e venda de títulos e valores mobiliários, em mercado livre e aberto, especialmente organizado e

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fiscalizado pela própria Bolsa, sociedades membros e pelas autoridades competentes.

As Bolsas de Valores exercem por delegação legal ação fiscalizadora e reguladora do mercado de capitais, atuando com órgãos auxiliares da Comissão de Valores Mobiliários (Lei n2 6.385/76, art. 17).

Com efeito, a BOVESPA é uma entidade de natureza privada, sob a forma de associação, cujos sócios são as sociedades corretoras. No seu recinto são realizadas, diariamente, operações com valores mobiliários, nas quais as corretoras atuam em nome de seus clientes, tanto na posição de compra quanto na de venda. A negociação em Bolsa de Valores é intermediada, necessariamente, por uma sociedade corretora autorizada para tanto pela Comissão de Valores Mobiliários.

Trata-se de um mercado secundário, pois em seu ambiente são negociadas ações que já estão no domínio dos acionistas. Tais negociações somente são admitidas mediante prévio registro de distribuição das pretendidas ações no mercado de bolsas, nos termos da Lei n2 6.404/76 e Lei n2 6.385/76 e legislação regulamentar editada pela Comissão de Valores Mobiliários.

Assim, temos que as Bolsas de Valores não realizam negócios jurídicos nem se responsabilizam pelas operações, de compra ou de venda, com títulos e valores mobiliários realizadas em seu recinto. Elas apenas oferecem um ambiente e sistema seguros para que os negócios se realizem, desenvolvendo suas atividades com o fim de servir ao interesse público, zelando pela liquidez das

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operações que nela se efetivam. As operações de compra e venda de valores mobiliários são feitas pelas sociedades corretoras em nome de seus clientes.

É cediço que as Bolsas de Valores devem manter um Fundo de Garantia com a finalidade de agilizar a reparação dos danos causados por corretoras, seus administradores, empregados ou prepostos, até o seu limite e observadas as disposições da Resolução CMN n- 1.656/89, vigente à época dos fatos e atualmente revogada pela Resolução CMN ns 2.690/00.

O Fundo tem o dever de ressarcir os prejuízos ocasionados aos investidores nos casos de ilegitimidade de procuração ou documento necessário à transferência de valores mobiliários, como na hipótese ora em análise. Entretanto, tal ressarcimento depende de requerimento expresso do investidor lesado e deve ser formulado dentro do prazo de 6 (seis) meses da ocorrência da ação ou omissão que tenha causado o prejuízo ou da data do conhecimento do fato (art. 42, §12 e §22, da Resolução CMN ne 1.655/89).

Desta forma, a autora poderia ter exercido esse direito de pleitear o ressarcimento pelo Fundo de Garantia da BOVESPA. Contudo, tendo a mesma optado por ingressar com ação judicial de ressarcimento de danos materiais e compensação por danos morais, não tem a BOVESPA legitimidade para integrar a demanda, pois não participou do negócio jurídico. Da mesma forma, o Fundo de Garantia não pode responder por essa indenização porquanto o ressarcimento deve se dar nas hipóteses, forma e prazo estabelecido na Resolução e não via Poder Judiciário.

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Saliente-se, por oportuno, que a Bolsa apenas oferece um ambiente onde as negociações são realizadas, zelando pela liquidez das mesmas, não sendo parte nos negócios jurídicos celebrados. Desta feita, os poderes outorgados via procuração para a transferência de titularidade de valores mobiliários não poderiam ser exercidos pela BOVESPA, posto que isso dependeria, obrigatoriamente, da interferência de uma sociedade corretora, que é, também, a quem incumbe fazer a análise da documentação necessária à transação.

IV - DO PAPEL E RESPONSABILIDADE DA SOCiEDADE CORRETORA

As sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários são instituições constituídas sob a forma de sociedade anônima ou sociedade limitada. Elas promovem a aproximação entre compradores e vendedores de títulos e valores mobiliários, proporcionando-lhes negociabilidade adequada por meio de operações realizadas no recinto das Bolsas de Valores.

A constituição, organização e o funcionamento das sociedades corretoras de valores mobiliários é disciplinada pelo Regulamento Anexo à Resolução CMN n2 1.655/89, cujo art. 11 dispõe sobre a responsabilidade das mesmas, in verbis:

"Art. 11 - A sociedade corretora é responsável, nas

operações realizadas em bolsas de valores, para com

seus comitentes e para com outras sociedades

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corretoras com as quais tenha operado ou esteja

operando:

I - por sua liquidação;

II - pela legitimidade dos títulos e valores mobiliários

entregues;

III - pela autenticidade dos endossos em valores

mobiliários e legitimidade de procuração ou

documentos necessários para a transferência de

valores mobiliários."

Neste mesmo sentido encontramos o disposto no art. 39, III, da Resolução n2 2.690, de 28 de janeiro de 2000, do Conselho Monetário Nacional.

Esse dispositivo vem firmar a responsabilidade da sociedade corretora pela legitimidade da procuração e dos documentos necessários à transferência de valores mobiliários, o que denota a obrigação de a corretora fazer uma verificação de forma ampla e detalhada, sob pena de arcar com as conseqüências patrimoniais que a responsabilidade encerrada no dispositivo regulamentar enseja.

Saliente-se que um exame amplo e aprofundado da documentação que suporta as negociações no mercado de valores mobiliários, inclusive acerca de suas fontes, serve não apenas para proteger o patrimônio dos clientes investidores, mas também para proteger a sociedade corretora de futuros eventuais prejuízos decorrentes de sua responsabilidade pela legitimidade de tais documentos.

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Assim, ao cadastrar um cliente, não deve a corretora se restringir exclusivamente ao formalismo dos documentos apresentados, principalmente quando encaminhados por procuradores, nem mesmo quando forem públicos, como no presente caso, pois o fato de a procuração ser pública não elide a responsabilidade do intermediário e nem o desobriga de certificar a existência do cliente e da legitimidade dos títulos.

Com efeito, é dever da sociedade corretora conhecer seu cliente, tanto que ela não está obrigada a aceitar e executar toda e qualquer ordem, podendo até recusar o seu cumprimento caso não sejam fornecidas todas as informações solicitadas, visando assegurar a credibilidade do mercado.

Cumpre ressaltar que a obrigação de cadastrar os clientes e identificá-los perfeitamente é uma imposição dos procedimentos estabelecidos pela Instrução CVM n9 220/94, em seus artigos 39, 49, inciso I, e 59 e Instrução CVM n9 382/03, artigos 8 a 11.

No caso ora em análise, verifica-se claramente que a corretora desconsiderou o princípio "conheça seu cliente", notório e amplamente consagrado no âmbito de nosso mercado. Assim, ainda que não tenha participado ativamente da fraude, nada fez para evitá-la, já que nenhuma irregularidade foi por ela detectada, tendo solicitado a transferência das ações reclamadas, atuando, inclusive, como usuário de custódia.

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Não obstante os deveres e responsabilidades previstos na legislação que regulamenta o mercado de capitais e normativos baixados pelo Conselho Monetário Nacional e Comissão de Valores Mobiliários, é seguro afirmar que as relações jurídicas surgidas entre investidores e prestadores de serviços de intermediação ensejam a incidência da Lei n2 8.078/90.

Ainda que se considere que a Lei n2 8.078/90 não incide sobre essas relações, ad argumentandum tantum, a disciplina trazida pelo Novo Código Civil acerca da responsabilidade civil acaba por garantir ao investidor lesado o benefício da responsabilização objetiva do prestador do serviço, nos termos do art. 927, parágrafo único.

Assim, está caracterizada a responsabilidade da sociedade corretora, seja pelo descumprimento da obrigação de verificar a legitimidade e autenticidade de procurações e documentos necessários à transferência de valores mobiliários imposta pela Resolução CMN n2 1.655/89 e pela Resolução CMN nQ 2.690/00, seja pela incidência dos princípios orientadores do Código de Defesa do Consumidor ou do parágrafo único do art. 927 do Código Civil.

V - DA RESPONSABILIDADE DA COMPANHIA EMISSORA

É cediço que a ação é um valor mobiliário que corresponde a uma fração do capital da sociedade, atributiva a seu titular da condição de acionista, do qual resultam direitos e deveres perante a sociedade.

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Desde a promulgação da Lei n2 8.021, de 12 de abril de 1990, foram excluídas da legislação brasileira as ações endossáveis e ao portador, persistindo, apenas, as ações nominativas, que são aquelas lançadas no livro de "Registro de Ações Nominativas" em nome de seu titular e desse registro resulta a propriedade, nos termos do disposto no art. 31, da Lei n2 6.404/76.

Entretanto, essas ações podem ser transferidas para a custódia de uma entidade prestadora do serviço de custódia, como ocorreu na presente hipótese.

Neste caso, as ações representadas por certificados são entregues pelo investidor à sociedade corretora, acompanhadas de documentação que permita a transferência de títulos para a empresa prestadora do serviço de custódia, que passará a ser proprietária fiduciária junto às companhias abertas emissoras dessas ações.

O custodiante gera o crédito na conta do agente de custódia, na quantidade de ações depositadas e encaminha o pedido de transferência para o seu nome à companhia emissora, ficando as ações bloqueadas até que ela execute de fato a transferência das ações para a propriedade fiduciária do custodiante.

Para que essa transferência se efetue, contudo, faz-se necessário que a companhia emissora verifique os documentos necessários à sua realização, nos termos do art. 103 da Lei das Sociedades por Ações, in verbis:

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"Art. 103 - Cabe à companhia verificar a

regularidade das transferências e da constituição de

direitos e ônus sobre os valores mobiliários de sua

emissão; nos casos dos arts. 27 e 34, essa atribuição

compete, respectivamente, ao agente emissor de

certificado e à instituição financeira depositária das

ações escriturais."

O art. 104 da referida lei, por sua vez, estabelece que a companhia é responsável pelos prejuízos que causar aos interessados por vícios e irregularidades verificados nos Livros de que tratam os incisos I a IV do art. 100, incluindo, pois, o Livro de Registro de Ações Nominativas.

Cabe ressaltar que, ainda que tenha sido terceirizado o serviço de emissão de certificado, a companhia emissora permanece responsável, segundo o disposto no art. 15 da Instrução CVM ne 89/88, diretamente perante os possuidores de valores mobiliários e interessados por erro e irregularidade na prestação do serviço de agente emissor de certificado e de ações escriturais, nos termos do art. 104 e § 3e do art. 34 da Lei n- 6.404, tendo direito de regresso contra a instituição prestadora do serviço. Frise-se que, nesses casos, os possuidores de valores mobiliários e terceiros interessados poderão acionar diretamente a instituição prestadora do serviço, nos termos do art. 159 do Código Civil de 1916 e art. 186 do Código Civil de 2002.

Assim sendo, não resta dúvida quanto à responsabilidade da companhia emissora das ações na hipótese de a transferência para a custódia da BOVESPA/CBLC ter sido realizada com base em documentos fraudados.

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VI - CONCLUSÃO

Em face de todo o exposto, não se vislumbra a possibilidade de responsabilização da Câmara de Liquidação e Custódia - CLC e da Bolsa de Valores de São Paulo, mas apenas da Sociedade Corretora que atuou como agente de custódia e intermediária e da Companhia Emissora das respectivas ações, na forma da fundamentação supra, além das pessoas físicas que participaram diretamente da fraude.

Rio de Janeiro, em 11 de junho de 2007.

LINA MARIA CONTINELLI Procuradora Federal Matrícula n2 99.236

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