reflexões e intertextualidade entre o filme “a pele que habito” de pedro almodóvar e as obras...

7
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO Gabriela Moreira Miranda Gabriela Vieira da Silva Reflexões e intertextualidade entre o filme “A pele que habito” de Pedro Almodóvar e as obras da artista francesa Louise Bourgeois. Prof. Dr. João Eduardo Hidalgo Arte e Tecnologia BAURU 2014

Upload: gabriela-moreira

Post on 12-Dec-2015

24 views

Category:

Documents


11 download

DESCRIPTION

Reflexões e intertextualidade entre o filme “A pele que habito” dePedro Almodóvar e as obras da artista francesa Louise Bourgeois.

TRANSCRIPT

Page 1: Reflexões e intertextualidade entre o filme “A pele que habito” de Pedro Almodóvar e as obras da artista francesa Louise Bourgeois

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO

Gabriela Moreira Miranda

Gabriela Vieira da Silva

Reflexões e intertextualidade entre o filme “A pele que habito” de

Pedro Almodóvar e as obras da artista francesa Louise Bourgeois.

Prof. Dr. João Eduardo Hidalgo

Arte e Tecnologia

BAURU

2014

Page 2: Reflexões e intertextualidade entre o filme “A pele que habito” de Pedro Almodóvar e as obras da artista francesa Louise Bourgeois

Introdução

O filme “A pele que habito” do diretor Pedro Almodóvar nos faz pensar em questões variadas entre o psicológico e a memória, e nos envolve na trama de problemáticas psiquicas ligadas dentre outros pormenores, principalmente à sexualidade e identidade de gênero. Os acontecimentos ao mesmo tempo que dão uma pista sobre os personagens principais, num mesmo diálogo deixam as percepções mais aguçadas para que o espectador fique atento a todas as outras passagens. O estopim para os ensejos decorrentes apresentados no filme vem sempre de traumas do passado das personagens (assim como é o pano de fundo das obras de Bourgeois que não diferia corpo de psique), começa pela esperança de Robert Legard em corrigir as falhas na pele de sua mulher que suicidou-se (por ter visto seu semblante coberto por queimaduras causadas por um acidente de carro) o fez persistir nos estudos avançados em peles. Norma, sua filha, por sofrimento e falha do destino acabou no mesmo caminho que a mãe, mas antes da tragédia, o filme nos mostra como lembrança o momento em que ela aparece sob efeito de antidepressivos em uma festa de casamento acompanhada de seu pai, Robert. A menina acaba se distanciando da festa com Vicente; Porém nada acontece entre os dois por conta de um surto da jovem, e o rapaz em desespero a deixa desacordada. Esta situação logo planta a incógnita de quem estuprou Norma, pois a menina reconhece o pai como o estuprador, e Robert por sua vez reconhece Vicente como tal. Este acontecimento faz referência ao asco/admiração de Louise ao órgão sexual masculino, e dentre outras obras, como “Desconstrução do pai” e “Filette”. Esta situação foi o ponto de partida para Legard dar inicio em seu longo procedimento de revolta, angústia, horror e desejo. As referências e inspirações de fundamentação artística em que Almodóvar

buscou repassar através da película, e cuja intertextualidade discutiremos

neste artigo, é fortemente pautada na obra da artista Louise Bourgeois.

Page 3: Reflexões e intertextualidade entre o filme “A pele que habito” de Pedro Almodóvar e as obras da artista francesa Louise Bourgeois

Desenvolvimento

O sempre presente trânsito entre gêneros, mais especificamente, transgênese

que permeia todo o filme de Almodóvar, logo planta uma incógnita e um

incômodo acerca dos personagens principais (Robert e Vicente). E que explica

o envolvimento e inspiração da trama tão fortemente envolta na obra de Louise

Bourgeois. Não por acaso, o conflito masculino-feminino é amplamente

explorado no filme. O desenrolar desse conflito, acompanhamos no personagem

de Vicente (que logo se torna Vera), e da relação obsessiva que Robert constrói

em torno além de Vera, também primeiramente em torno de sua falecida esposa

Gal e sua (após algum tempo também falecida) filha Norma.

A obra de contexto feminista de Louise, causada pelo reconhecimento da

opressão sofrida pelo patriarcado, demonstrada em forma de escultura sempre

representa o masculino com um “quê” de superioridade, porém, com raiva e

angústia. Nas palavras da artista: “Quando quero representar algo bom faço um

pequeno pênis”. Parte importante dessa frustração é adjunta de sua relação com

seu pai. Louise afirmou que desde do momento de seu nascimento foi

indesejada, pois seu pai queria um filho de sexo masculino. Essa mesma

superioridade masculina imposta podemos observar no personagem de Robert

Legard. Vera é constantemente oprimida por Robert que ao mesmo tempo é sua

única fonte de contato com o externo e, contraditoriamente, sua prisão.

As referências à obra de Bourgeois são constantemente inseridas na película,

desde a primeira cena onde temos a prima visão da personagem Vera,

praticando yoga em uma contorção corporal que remete à obra “Arco da

Histeria”.

Essa ligação da personagem com as obras da artista, aparece quase como que

um conforto, uma fuga (assim como a prática da yoga, em que, zapeando pela

TV a personagem descobre que é uma maneira de

mergulhar dentro de si e sentir-se livre).

Vera começa a reproduzir bonecos de pano como os

que Louise fazia, escreve por toda a parede e

podemos notar também o desenho “Mulher Casa”

que arrisco-me a fazer a leitura dessa obra ligada à

personagem como “minha mente, minha casa”. Ou

seja, mais uma vez vemos a tentativa de fuga; tanto

da vontade de fuga física, como a vontade de

liberdade daquele corpo erótico que lhe foi a

contragosto submetido.

Mulher Casa.

Page 4: Reflexões e intertextualidade entre o filme “A pele que habito” de Pedro Almodóvar e as obras da artista francesa Louise Bourgeois

Arco da Histeria, 1993, Bronze, pátina polida, peça suspensa.

A violência psicológica em que o masculino (Robert) submete as figuras

femininas ao seu redor (Norma, Gal, Vera, Marília) é um feminicídio que corrói

tanto as vítimas como Robert em si. Sua busca por uma mulher que lhe sirva

como o acessório perfeito (tem a aparência da antiga esposa, mas não suas

falhas, e permanece sob seu “cuidado” em tempo integral como não pôde fazer

com sua filha) é visceral e doentia. Mais uma vez, o fálico vem como um

instrumento de açoite, que retirado da personagem principal, lhe deixa às

margens das torturas de Legard. Agora que é mulher, sofre as dores de uma.

Assim como Louise, Vera faz de sua arte registro de suas lembranças,

dificuldades e traumas. Sobre a obra “Desconstrução do Pai” Bourgeois afirmou:

“(...)É uma peça muito assassina, um impulso que surge quando alguém está sob grande tensão e se volta contra aqueles que mais ama”

A DESTRUIÇÃO DO PAI, 1974, Gesso, látex, madeira, tecido e luz vermelha

Page 5: Reflexões e intertextualidade entre o filme “A pele que habito” de Pedro Almodóvar e as obras da artista francesa Louise Bourgeois

Sobre esta obra Bourgeois fala da figura paterna sempre colocada em destaque,

sempre ao centro da mesa, até que a família revoltada o esquarteja e come. A

desconstrução do homem, mais especificamente, da figura paterna é feita por

Louise assim como é feita em Robert. E assim como ele tenta fazer em Vicente,

tornando-o Vera, na tentativa de torna-lo fraco. Como se a presença do feminino

fosse um símbolo de submissão.

Todas as mulheres da vida de Robert o desapontaram, e a tentativa de construir

um verdadeiro modelo de mulher, uma Vera, acaba ainda mais falha.

Cena do filme “A pele que habito”.

Janus-Fleuri, 1968.

Page 6: Reflexões e intertextualidade entre o filme “A pele que habito” de Pedro Almodóvar e as obras da artista francesa Louise Bourgeois

Conclusão

Os corpos soltos e híbridos de Louise são traduzidos em “A pele que habito”

como a insatisfação da personagem Vera com o seu próprio corpo. Aquilo para

ele é um corpo disforme, um conjunto que não lhe faz jus. É a negação do

feminino. Assim como nas obras de Louise, Vera encontra força naquele corpo

erotizado e vitimado. Ela o faz principalmente porque ainda é Vicente, nunca

deixou de ser. Vera é o fálico que Louise nunca teve. Ou seja, encontra forças

no seu íntimo masculino. A temática feminista recai sobre esta afirmação, pois

prova como para se sentir forte a mulher tem de buscar a simbologia masculina,

aquela mesma que a destrói.

A forma brusca na transparência do resultado final do filme, soa como se fosse

um presente deixado. Além de suas obras terem parte com o objeto plástico, o

diretor fez alusão a essas várias esculturas de Louise, que se forem analisadas

uma a uma estariam diretamente ligadas a tão visceral e intenso tributo. Se a

artista vivesse infinitamente como suas próprias criações certamente seria a

metalinguagem genial de “A pele que habito”.

.

Sete em uma cama.

Filette, 1968

Page 7: Reflexões e intertextualidade entre o filme “A pele que habito” de Pedro Almodóvar e as obras da artista francesa Louise Bourgeois

Referências

COELHO, Maria Thereza Ávila Dantas. Fazendo Gênero – UFSCAR. Violência simbólica, testemunho e reinvenção de si: A questão da identidade de gênero a partir de Louise Bourgeois. São Carlos. 2010. PASQUA, Leonardo Della. Cinema e Psicologia - Sociedade de Psicologia do

Rio Grande do Sul. O mundo onírico no filme “A pele que habito”. Rio

Grande do Sul. 2012.

BUTLER, Judith. Feminist Filme Theory: A reader. Gender is burning:

Questions of appropiation and subversion. New York. 2006

http://ocorpodaarte.com/2011/11/27/louise-bourgeois-depois-do-trauma/ http://www.artecapital.net/exposicao-154-louise-bourgeois-louise-bourgeois http://www.moma.org/explore/collection/lb/about/biography http://www.cinema.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1219 http://www.revistacinetica.com.br/apelequehabito.htm http://corpoesociedade.blogspot.com.br/2011/10/louise-bourgeois-mulher-casa.html http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI245679-15220,00-LOUISE+BOURGEOIS+A+MULHER+QUE+ESCULPIA+TRAUMAS.html http://culture-se.com/noticias/707/louise-bourgeois-o-retorno-do-desejo-proibido http://www.svlstg.com/focus-of-the-week-artist-louise-bourgeois/