reflexões sobre a «via pacífica para o socialismo» · capitalista, europeu, aliás união...
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Reflexões sobre a «via pacífica para o socialismo»
Georges Gastaud*
(7 de Novembro de 2006, aniversário da revolução proletária de Outubro de
1917*)
Aviso: este não é um texto acabado. Trata-se de um primeiro esboço que
procura apenas iniciar uma discussão: o ano de 2007 foi sem dúvida um ano
quente em França, infelizmente não no bom sentido: em Dezembro de 95, em
Maio de 2003, em Abril de 2003, as massas populares foram reprimidas com
força e namoraram a violência revolucionária; é portanto necessário reflectir
muito seriamente sobre o problema da violência: o facto das relações das
forças actuais colocar provisoriamente o proletariado na defensiva, não deve
ser uma objecção para relançar uma reflexão sobre a revolução: pois não se
pode sequer defender se não se abrir uma perspectiva. Lenine dizia que não se
pode dar um passo se tivermos medo de ir para o socialismo. Acrescento que
não podemos defender-nos, nem sequer recuar em boa ordem se recearmos
reflectir sobre as condições da marcha para o socialismo.
Via pacífica e via armada na marcha para a revolução socialista
«…todas estas coisas eram igualmente ilegais, tão ilegais como a Revolução, como a
queda do trono e da Bastilha, tão ilegais como a própria liberdade»
Maximilian Robespierre, discurso de Novembro 5 de 1792
«é pela violência que se deve estabelecer a liberdade, e chegou a hora de organizar
momentaneamente o despotismo da liberdade para esmagar o despotismo dos reis».
Jean-Paul Marat
Desestalinização, desalinização e teoria krutchoviana da via pacífica.
O 20.o congresso do PCUS não se contentou em oficializar a «destalinização» sem nuances de
Estaline e os seus métodos. Impulsionado por Nikita Krutschov, a «desestalinização» fez-se
pela direita, iniciando uma verdadeira «desalinização» conseguindo adoçar as concepções
marxistas-leninistas (não é à toa que os actuais liquidadores do Movimento comunista
internacional, de Gorby a Hue passando por D’Alema, se reclamam do «degelo» iniciado
por Krutchov.
No que diz respeito à construção do socialismo, a nova direcção soviética acentua a
rentabilidade contabilística das empresas socialistas (reformas Liberman) em risco de viciar a
lei principal do desenvolvimento socialista, que é a satisfação crescente das necessidades do
povo pelo desenvolvimento harmonioso de uma economia científica e democraticamente
planificada. A passagem da URSS socialista para o modo de produção comunista (então
anunciada para os anos 80) era então essencialmente concebida como um assunto técnico, o
da modernização, do alcance e ultrapassagem das forças produtivas dos grandes países
capitalistas. Quanto ao conteúdo de classe do Estado socialista, estava fortemente atenuado já
que o PCUS definia o Estado socialista, já não como o dos operários e camponeses, mas como
o «Estado de todo o povo.»
Sobre a marcha do socialismo nos países capitalistas, a equipe krutchoviana teorizava a ideia
de uma «via pacífica» para o socialismo; com a ligação mundial das forças criada pela
extensão do campo socialista, tornava possível afirmavam os novos dirigentes soviéticos
«conquistar uma sólida maioria parlamentar»; na condição de se apoiar num largo movimento
de massas dirigido pela classe operária, o partido comunista poderia pensar em construir o
socialismo sem «guerra civil» em muitos países. Esta concepção pacífica da marcha do
socialismo ia a par de uma insistência um pouco unilateral sobre a coexistência pacífica entre o
mundo capitalista e países socialistas. Estas ideias sedutoras foram lançadas no Ocidente,
principalmente pelos dirigentes do PC italiano, com Togliattti à frente: endurecidas e
sistematizadas por E. Berlinguer (secretário-geral do PCI) e por S. Carrillo, o cínico líder do PC
de Espanha, estas concepções levaram rapidamente o PC italiano e espanhol) durante um
tempo seguidos pelo PC francês de Marchais, a dar o golpe de misericórdia ao Movimento
comunista internacional no fim dos anos 80, quando George Marchais
e Maxime Gremetz declararam que o PCF não participaria numa conferência mundial ou
regional dos partidos comunistas… Paralelamente a esta tomada de distância ostensiva para
com a URSS, uma ficção, ou talvez uma cisão, direitista, europeísta e anti-soviética, emergia
do Movimento comunista internacional sob o nome eloquente de eurocomunismo»: comunismo
em palavras e europeísmo de facto, pois se examinarmos os resultados reais da história, o
comunismo está hoje quase a ser criminalizado pela Europa supranacional1 já que o império
capitalista, europeu, aliás União europeia, anexou os países socialistas da Europa de Leste,
desarticulou a Checoslováquia socialista, desmembrou a Republica socialista federativa da
Jugoslávia, desagregou os PCs de massa de França, de Espanha e de Itália, abafou o
sindicalismo de classe desses países e absorveu uma parte da URSS (os países bálticos)
esperando satelitizar a Ucrânia, a Geórgia… e a Bielorrússia de Anatole Loukachenko…
Mas não caricaturemos o passado confundindo o oportunismo de Krutchov, reformismo no
poder, e o reformismo realizado dos actuais dirigentes abertamente «mutantes», anti-leninistas
e liquidadores: Krutchov não era Gorby e serão precisos 30 anos (que seria da história sem o
tempo?) para que o oportunismo inconsequente de Krutchov se transforme em
liquidação gorbachoviana. Assim o senhor K» esforçou-se não sem incoerência, em manter a
revolução e Fidel Castro (o qual se opôs veementemente a Krutschov no caso dos mísseis de
Cuba, mas foi o primeiro a reconhecer a divida do povo cubano para com o povo soviético e
seus dirigentes de então). Krutschov também ajudou o Egipto nacionalista de Nasser a
contrariar a expedição neocolonial montada em Paris, Londres e Tel Avive para impedir a
nacionalização do canal de Suez (1956); finalmente, Krutschov impediu a tentativa
de putsch contra-revolucionário em Budapeste (também em Outubro de 56). Quanto ao PCF
de Thorez, Duclos, Frachon e W. Rochet, ficara um grande partido operário de massas,
sinceramente ligado a URSS, à Revolução de Outubro e ao marxismo-leninismo ainda que
fosse historicamente o primeiro, através da entrevista dada ao Times por M. Thorez (1946) a
explorar a pista das «vias pacíficas para o socialismo» na época em que o PCF estava no
governo de união patriótica brevemente presidido por De Gaulle.
O PCF, da «via pacífica» para o socialismo à liquidação dos objectivos revolucionários
Assim, durante todo o período que precedeu o funesto 22.o Congresso de 1976 (em que a
ditadura do proletariado foi rejeitada numa caricatura de debate) o PCF recusou confundir «via
pacífica» e «via parlamentar».
Mesmo no Manifesto de Champigny para uma democracia avançada, para uma França
socialista (68) o PCF, privilegiando a hipótese «pacífica» continuava a referir-se em segunda
instância à possibilidade de uma revolução armada no caso da grande burguesia francesa
tomar a iniciativa de uma contra-revolução violenta. Mas a procura a todo o preço de um
programa comum com Mitterrand e a concorrência eleitoral desabalada com o PCF e o seu
aliado socialista puxaram irresistivelmente o PCF para a direita; de congresso em congresso, o
revisionismo anti-leninista e anti-marxista tornou-se cada vez mais visível e reivindicado: 1976,
abandono da ditadura do proletariado; 1979, abandono da referência estatutária do marxismo-
leninismo e ao internacionalismo proletário em proveito da utopia «avançar passo a passo para
o socialismo autogestionado» (sic) … Estes abandonos teóricos concretizaram-se por duas
vezes (81/84, governo Mauroy, com os «ministros comunistas» Fitterman, Le Pors,
Ralite e Rigout; 95/2002, governo Jospin com os ministros «comunistas
Gayssot, Buffet e Demessine) pela participação sem princípio do PCF em governos de gestão
leal do sistema capitalista; para acabar, o PCF liquidou qualquer traço de comunismo com a
«mutação» (1994), abandono da referência ao socialismo, ao marxismo, à classe operária e ao
centralismo democrático; 1997, abandono do «antecedente» da ruptura com o tratado de
Maastricht para autorizar uma participação ministerial num governo socialista; finalmente
rejeição da ideia de socialização dos meios de produção em proveito da «economia
mista público-privada de predomínio social» mista de «critérios» de gestão social do
capitalismo e outras regressões para o socialismo utópico, tudo apresentado como tantos
outros «avanços». O PCF chegou hoje irreversivelmente à última fase da sua liquidação como
partido comunista com a proposição de criar um «pólo de radicalidade antiliberal» represente
ou não a sr.ª Buffet o movimento antiliberal às presidenciais de 2007, garantiu que ninguém
representa o PCF melhor que ela.
Uma resposta falhada ao revisionismo: a crispação maoista
Face ao «revisionismo kruchoviano» levantaram-se nos anos 60 os dirigentes do PC chinês e
albanês, Mao e Hoxha. Estes continuavam a referir-se a Estaline, cuja difamação
desmedida post mortem ameaçava desestabilizar e deslegitimar o conjunto do campo
socialista; os dirigentes chinês e albanês não iam ao ponto de perguntar se uma crítica leninista
de abuso de poder, praticas inquisitoriais e repressão cega dos anos 50 não poderia opor-se ao
anti-estalinismo destruidor de direitistas; ao faze-lo, abandonavam involuntariamente ao
trotskismo a pretensão (infundada) de produzir uma crítica leninista, não de direita e não de
social-democracia das deformações da democracia socialista. Assim a resistência legítima e
meritória dos dirigentes chineses no novo curso direitista de Krutschov não tardou a tomar
laivos de esquerdista, cisionista e … anti-soviética, que não lhe permitiu vencer os novos
rumos direitistas iniciados por Krutchov. Quem podia realmente acreditar, por exemplo, que,
apenas porque a sua direcção se inclinava então para o «revisionismo», a URSS se tornava
repentinamente um país «social-imperialista», um «capitalismo de Estado» dirigido por «novos
czares»? Era de uma análise materialista de relações de produção socialistas predominantes
na URSS (embora de modo mais ou menos deformado segundo os períodos históricos),
mesmo sob Krutschov, Brejnev e Andropov: a propriedade socialista claro que não
desaparecera na noite que se seguira ao 20.o congresso, mesmo que os elementos de
gestão anti-socialistas tivessem sido introduzidos na economia do país que permitiam a uma
burocracia proveitosa proliferar na sombra e preparar a época abençoada em que, tomando
consciência de si própria, podia transformar-se em burguesia capitalista e restabelecer as
relações de produção capitalistas. Desmentindo a crítica idealista do «social-
imperialismo soviético» pelo PC chinês, os imperialistas ocidentais não se enganaram ao
escolher a URSS para seu inimigo principal, construindo até uma aliança de reverso com a
China de Zhou En Lai para fazer a guerra ao Vietname socialista, aliado de Moscovo, em 79
(lembramos a espectacular reaproximação sino-americana dos anos 80 e o apoio dos
Ocidentais e de Pequim ao regime sangrento e anti-soviético de Pol Pot). Lembramos que no
fim dos anos 70 e no início dos anos 80, a direcção chinesa apoiava, por anti-
sovietismo desvairado, qualquer regime contra Moscovo, indo ao ponto de renovar relações
com a Africa do Sul racista ou com o Chile de Pinochet, denunciando a tentativa de construir
um Afeganistão laico e popular, etc. Esse tipo de comportamento, que qualificaria de «sem
princípios em nome dos princípios» não fez pouco para desacreditar a referencia ao marxismo-
leninismo» tornado para muitos sinonimo de dogmatismo, de sectarismo e de fuga para a frente
(mesmo a China, onde os excessos de aventureirismo da revolução cultural produziram em
definitivo o que queriam conjurar: o golpe à direita de Deng Xiaoping e a entrada da China na
via do pretenso «socialismo de mercado» e por fim, o revisionismo de esquerda.
Não confundir Thermidor e a restauração capitalista
Na realidade o thermidor kruchoviano era apenas o prelúdio, no quadro do socialismo, da
futura restauração da propriedade capitalista na URSS; está só chegou à maturidade trinta
anos mais tarde, em 86/91, com Gorbatchov e Ieltsine (as últimas palavras do livro assinado
por este último, «até ao fim», eram significativamente… «propriedade privada»); esta teve lugar
após um intenso braço de ferro político-militar entre o Leste e o Ocidente (cruzada
de Reagan para implantar os seus euromísseis na Europa, a poucos minutos de tiro de
Moscovo, preparativos muito concretos de guerra nuclear anti-soviética contra o «Império do
Mal», encontro de Bitburg em 84, num cemitério com os túmulos dos SS
entre Reagan, Thatcher, Kohl e Mitterrand, com forte tonalidade guerreira e anti-soviética); é
em 1985 que Gorbatchov, que se apresentava como o homem do «desarmamento unilateral» e
da paz a qualquer preço, foi levado ao poder em Moscovo numa atmosfera político-militar
opressiva marcada pela preparação efectiva da guerra nuclear pelos Estados Unidos e o
isolamento crescente da URSS no cenário internacional; o oportunismo descabido da equipe
de Gorbatchov, os seus recuos de tipo neo-munique perante o imperialismo em nome do «novo
pensamento político» (que dizia «preferir os valores universais da humanidade aos interesses
de classe do proletariado») levaram a um intenso choque de classes entre entusiastas e
adversários do socialismo, e isso mesmo dentro da direcção do PCUS; a crise contra-
revolucionária encontrou o seu desfecho trágico no Verão de 1991, quando o braço de ferro
entre partidários (inconsequentes) do socialismo e adeptos da restauração capitalista levou à
falência dos primeiros, incapazes de apelar à classe operária, e à vantagem dos segundos,
apoiados por toda a reacção mundial.
A vitória do grupo anticomunista e mafioso dirigido pelo grosseiro Ieltsine traduziu-se
imediatamente pela morte do Estado soviético, o desmembramento da URSS, a privatização da
propriedade do Estado após as quintas colectivas, e por fim, pelo bombardeamento do Soviete
da Rússia em Outubro de 19932. Julgar-se, como fizeram os dirigentes maoistas durante três
decénios, que a URSS de Krutschov se tornara subitamente «capitalista» e «social-
imperialista» era um grave erro idealista que acabava por confundir um desvio ideológico com o
que para um marxista seria sempre o ponto essencial: o estado real das relações de produção.
Um pouco como se pensassem no Thermidor de 1795 (pelo qual a ala direita da revolução
burguesa francesa, dirigida por Fouché e Tallien, se transformara na ala
esquerda robespierriana e «sans cullote») como a Restauração do Antigo Regime feudal! Ora,
como já demonstramos num outro artigo não há passagem contínua»., «progressiva» do
capitalismo para o socialismo, nem há passagem progressiva e insensível do socialismo para o
capitalismo: para passar do capitalismo ao socialismo, é necessário uma revolução, para
percorrer o caminho inverso, é necessária uma contra-revolução. Se bem que a
critica maoísta do revisionismo (real) da nova direcção soviética estivesse profundamente
marcada, por mais paradoxal que possa parecer aos olhos destes camaradas subjectivamente
muito revolucionários, pelo idealismo e pelo reformismo!3
Uma saída catastrófica da destalinização
Ao contrário dos PCs que ficaram fieis à URSS, que derivaram numa maioria para concepções
oportunistas, eleitoralistas, e por fim, liquidadoras, os partidos «marxistas-leninistas» criados
por admiradores ocidentais de Mao e/ou de Hoxha, idealizavam a «luta armada» sobretudo
depois do grande choque de classes de Maio de 68. A ideia de uma larga maioria popular
unida contra os monopólios capitalistas, de uma grande aliança de classes antimonopolista
integrando camponeses, artistas, pequenos comerciantes, parecia de essência revisionista aos
émulos europeus da «revolução cultural». Alguns grupúsculos» tipo «M.L.» enfraqueciam a
luta de massas, lançavam no aventureirismo esquerdista, as Brigadas vermelhas italianas
de Acção Directa, em risco de favorecer o endurecimento do Estado policial e a sua «estratégia
da tensão» de Roma a Paris passando por Bona. O movimento marxista-leninista ocidental
teve de resto grande dificuldade em subsistir quando a China fez um volte face e apanhou os
seus seguidores ocidentais de surpresa: isso aconteceu quando os elementos direitistas e
«pragmáticos» reagrupados em volta de Deng Xiaoping afastaram os maoistas como o «Bando
dos Quatro» chefiados pela viúva de Mao, para instaurar uma política económica em
comparação com a qual as reformas Liberman relevavam o marxismo mais ortodoxo!
A saída do período estalinista efectuou-se globalmente de modo caótico e catastrófico e o
conselho leninista de assimilar de maneira critica a herança histórica foi tão respeitado na
morte de Estaline como acontecera com o testamento político na morte de Lenine4 (5). É
apenas uma profunda rectificação leninista que se impõe na morte de Estaline: com efeito,
nada há de herético a fazer o balanço crítico em contraste com o grandioso e trágico período
estalinista: esse viu simultaneamente as ligações de produção socialistas consolidarem-se na
Rússia (colectivização das terras), a derrota pseudo-revolucionária de Trotsky e a sua
impossível «revolução permanente» a invencível Wehrmacht explodir em Stalinegrado diante
do exercito vermelho, o campo socialista emergir à escala mundial, a descolonização tomar o
seu lugar planetário na sequência de Outubro 17… E também o dogmatismo mais assustador,
o culto delirante da personalidade, a arbitrariedade policial, o regulamento repressivo das
contradições no partido, o seguidismo quase-religioso e o monolitismo de principio, o
abafamento da democracia predominar no partido e os sovietes em risco de despolitizar
profundamente a classe operária e os partidos comunistas no poder: pois «a contradição é a
raiz de todo o movimento (Hegel)5.
Lenine e Estaline, regresso a um testamento sem herança
Já Lenine, gravemente doente, ferido e velho, tinha tentado «rectificar o tiro» pouco antes de
morrer pedindo no seu célebre testamento que o demasiado brutal Estaline politicamente
acusado por Lenine de se comportar como o «grande polícia russo» para com as
nacionalidades não russas) fosse retirado do posto de secretário-geral; Lenine propunha
também que se acentuasse a «cooperação» agrícola acima da colectivização forçada, e que a
industrialização do país se fizesse à custa do desengorduramento do aparelho de estado
administrativo e não às custas dos camponeses: preconizava que a inspecção operária e
camponesa actuasse como contrapoder para controlar o Estado e o partido único. Contra toda
a russificação propunha maior facilidade nas relações entre as repúblicas federadas da URSS;
para compensar as distorções politica impostas à URSS para o projecto incontornável de
edificar o «socialismo num único país», (ou seja, tendo sido tragicamente cortada, pelo
esmagamento do spartakismo alemão, da produção ocidental de ponta, do proletariado
ocidental com a chave num enorme esforço de defesa sobrecarregando pesadamente o estado
soviético), apelava ao desenvolvimento pela internacional comunista, à entrada massiva de
operários na produção no Comité Central bolchevique; militava num sentido contrário ao
de Mao (esse combatia os esquerdistas do Proletariado que com Bogdanov, rejeitavam
puerilmente as velharias do património cultural nacional em proveito de uma cultura proletária
de pacotilha: Lenine pelo contrário preconizava uma autentica revolução cultural elevando
massivamente o nível escolar técnico, científico e político do país dos Sovietes). Em resumo,
voltamos a dizer nada há de iconoclasta em si para um leninista criticar as graves estreitezas e
os impasses do período estalinista: contanto que se proceda de maneira construtiva, prudente,
responsável e comunista, na condição de recusar toda a criminalização da primeira
experiência socialista da história, na condição de ter em vista, não o consenso eleitoral com
os latidores soviéticos, mas os interesses do futuro do socialismo; desde que se evite
simultaneamente o enfraquecimento revisionista do marxismo e a idealização dogmática do
passado; na condição também de reconhecer IGUALMENTE, sem complexo nem
autoflagelação (mas pelo contrário com gratidão e orgulho), as imensas realizações de
vanguarda do povo soviético sob a direcção de José Estaline; na condição enfim de entender
que as graves distorções do socialismo e da democracia socialista que aconteceram não foram
produto do sistema nem do modelo bolchevique, nem da maldade de Estaline mas que se
desenvolveram nas condições concretas objectivamente terríveis: a Rússia arruinada pela
guerra imperialista, a guerra civil e a intervenção estrangeira, o aumento do fascismo na
Europa e no Japão, depois a guerra fria, «equilíbrio à beira do abismo» e corrida às armas
nucleares imposta sem cessar por Washington, mesmo durante o período de détente (nunca
houve tratado de desarmamento soviético-americano, até durante os anos 70, só tratados de
«limitação» da corrida aos armamentos.)
Assim não é esta linha de rectificação leninista que prevaleceu na análise do período dito
estalinista e com a excepção de alguns teóricos como Michel Verret6, a análise materialista e
dialéctica cedeu o passo a um movimento duplo e simétrico de niilismo culpabilizado e de
idealização sem moderação; assim o movimento comunista cindiu-se permanentemente entre
os que «deitavam fora o bebé com a água do banho (revisionismo de direita) e que, atrás do
anti-estalinismo escondiam cada vez menos o anticomunismo e os que (esquerdismo)
idealizavam em bloco o passado, guardavam a agua suja ou melhor ainda o inebriante vinho de
missa do dogmatismo, sem se preocupar com o futuro do bebe socialista: terrível desperdício
histórico pois a divisão do Movimento comunista e do campo socialista em
estalinismo maoizante, mobilizando e pervertendo o epíteto de «marxistas-leninistas» e «anti-
estalinistas, combatendo ou deformando esse mesmo marxismo-leninismo, facilitou
imensamente o contra-ataque imperialista, logo de início cm a demolição dos feitos
de Stalinegrado e da Revolução de Outubro.
Tentamos de resto (felizmente não fomos os únicos) indicar a largos traços como seria possível
sair por cima da crise da desestalinização7. Mas que aconteceu, depois da experiência
concluída e do recuo histórico a ajudar, da polémica histórica entre os seguidores da «via
pacífica» e os seguidores da «via armada» que separou tantos comunistas nos anos 60/70?
Esterilidade histórica e derivados oportunistas da «via pacífica»
Em parte alguma, em meio século, da «via pacífica» nasceu de uma sociedade socialista. A
experiência mais significativa, a da Unidade popular chilena, saldou-se por um banho de
sangue, os comunistas, esquerdistas (MIR) e socialistas chilenos sendo então entregues
indefesos aos torcionários de Pinochet dirigido por Kissinger.
Em França, o pretenso «avanço passo a passo para o socialismo que devia em teoria
encontrar um início na concretização com a participação de ministros comunistas no governo
de Miterrand-Mauroy dos anos 81/84, traduziu-se por uma terrível inversão de circuitos: o PCF
desacreditou-se junto das massas operárias decepcionadas, o PS de Mitterrand acelerou o
«passo a passo» para a «construção europeia» neoliberal. Com uma política orientada para o
«franco forte» (pai do euro) o desemprego em massa, a precarização do trabalho e a
austeridade salarial: o recuo passo a passo, aguardando a «ruptura sarko-royal do capitalismo
«com freio» do após guerra para o aberto neoliberalismo actual. Assim a «excepção francesa»
nascida do tête-a-tête galo-comunista dos «Trinta gloriosos» morreu sob os nossos olhos,
enquanto as sociedades capitalistas temperadas de social-reformismo do norte da Europa
agonizam agora que os países socialistas do Leste foram anexados à EU, e que os capitalistas
ocidentais já não têm a menor alternativa de sociedade real.
Em parte alguma, o capitalismo aceitou uma transição democrática, «pluralista» para uma
sociedade sequer tinta de socialismo: a Nicarágua sandinista, que deixava subsistir livremente
uma oposição legal de direita atrás da riquíssima Violeta Chamorro, foi varrida por um
terrorismo contra-revolucionário notoriamente pago e planificado por Washington. Por mais
simpático que seja comparado com o que o precedeu, o regime do brasileiro Lula só tocou pela
rama a sorte dos mais desfavorecidos e não se mantém porque no essencial, o governo do PT
segue à letra as instruções do FMI dinamitando as pensões dos funcionários brasileiros,
criando dificuldades a Evo Morales (o presidente boliviano que quer nacionalizar
os hidrocarbonetos) e desmontando peça a peça o sector publico e nacionalizado.
O caso Chávez, uma excepção que contraria a regra?
Fica o caso da Venezuela de Hugo Chávez onde se desenha segundo alguns comentaristas
não comunistas uma «marcha pacífica para o socialismo e sem ditadura do proletariado», sem
chegar ao pluralismo nem à utilização da repressão contra a oposição de direita. Talvez haja
muitas ilusões nessa visão idílica de uma Venezuela que faz sonhar uma parte dos anti-
imperialistas: enfim a capacidade de criar um modelo de transição que escape às duras leis da
revolução ditadas não há muito pelo marxismo-leninismo «ortodoxo». Por um lado, o processo
de transição para o socialismo está apenas no início na Venezuela e já conheceu um obstáculo
muito violento já que a «contra» grosseiramente apoiada por Bush, tentou com
um putsch afastar Chávez substituindo-o pelo presidente do patronato venezuelano: foi
necessário que milhões de habitantes de Caracas descessem às ruas, e também que parte leal
do exército mostrasse os dentes para que a ordem constitucional fosse restabelecida. Claro
que Chávez não derrotou a oposição e a imprensa reaccionária, que não se coíbe de apelar
diariamente ao assassinato do «tirano» e à guerra civil; mas Chávez dispõe de uma arma
pouco comum que permite para já à Venezuela bolivariana adiar a «luta final», fazer
amadurecer lentamente a ideia do socialismo, preparar as massas para o socialismo
desenvolvendo a democracia participativa para construir por baixo os órgãos do futuro poder
proletário e popular: essa arma, com a qual os revolucionários de ontem e de amanhã não
podem contar a não ser em circunstâncias muito especiais, é … o dinheiro do petróleo, que
permite ao governo venezuelano iludir e adiar (inteligentemente) o choque final com a grande
burguesia investindo maciçamente no desenvolvimento popular sem expropriar para já a
grande burguesia, sem taxar duramente a media burguesia, sem desmontar essencialmente o
velho aparelho de estado burguês; instaura-se assim uma dupla Venezuela cuja coexistência
não será, temos a certeza, eternamente pacífica; e se os preços do petróleo acabassem por
baixar ou se Washington reunisse as condições político-militares que lhe permitissem intervir
militarmente com sucesso para impedir o vírus chavista de infectar toda a América latina!
Cedo ou tarde, a escolha surgirá: quem levará para Caracas o capitalismo ou o socialismo, a
burguesia ou o proletariado? E então a necessidade de uma conquista plenária do poder (que,
por natureza não se partilha… ou quem desaparecerá quer como poder, ou como ditadura de
uma classe ou de outra, se partilharem…) e o problema da ditadura do proletariado e dos seus
aliados surgirá na Venezuela sob uma forma que podemos esperar seja a mais democrática e
a mais «pluralista» mas principalmente a mais eficaz possível. Chávez está tão consciente
disso que se esforça por construir o equivalente a um partido revolucionário de massas e,
sobretudo, em ter As ARMAS que ele põe à disposição do povo para dissuadir o inimigo de
classe e, se não o dissuadir para o combater e o vencer no momento certo! Já ninguém pode
esquecer, e honra seja feita a Chávez que o presidente venezuelano ouve os conselhos doutos
do «sábio» latino-americano da Revolução: Fidel Castro, se bem que nem falte à experiência
venezuelana, se olharmos de perto, o aporte de uma teoria revolucionária que não precisa de
ser directamente elaborada em Caracas, para ter todas as esperanças «indígenas» da nossa
América, como diziam Bolívar, Marti e Che! Não há uma excepção venezuelana, nenhuma
entorse às leis objectivas da Revolução estudada por Marx e Lenine… mas apenas as que
confirmam a regra: as premissas de guerra civil que ameaçam actualmente a Bolívia
de Evo Morales à iniciativa da reacção boliviana, e que obrigam a navegar à vista, mas sem
perder o cabo, sobre a nacionalização dos hidrocarbonetos, mostram-no de modo
angustiante…
Da via pacifica à liquidação do PCF passando pelo eurocomunismo
Mais gravemente ainda, sob a capa de conformar toda a sua política e toda a sua teoria à via
pacífica que os PCs eurocomunistas do Ocidente mudaram (mantém formalmente o nome mas
abandonam tudo o que fixa a diferença entre o comunismo e a social-democracia), ou
simplesmente desaparecem como na Itália. No que respeita ao PCF, é no congresso de ruptura
de 1976 (abandono da ditadura do proletariado pela via democrática para o socialismo) que o
partido renunciou a ter dois ferros no fogo e que abandonou definitivamente a própria
possibilidade de uma via armada para o socialismo. Nessas condições, é claro que só resta ao
partido fazer seja o que for para ganhar as eleições a qualquer
preço. Aragon, Garaudy e Kanapa, que foram os grandes pais franceses do culto estalinista
nos anos 50, transformaram-se então em anti-estalinistas ferozes segundo o velho princípio
religioso ilustrada já por S. Paulo «queima o que adoraste» Assim Aragon proclama com uma
ingenuidade desarmante perante o histórico comité central de Argenteuil de 1966, tornado
maior na consolidação do novo curso direitista: é preciso fazer tudo para adequar a teoria do
partido à sua política de união a qualquer preço com o PS ou seja se necessário rever a teoria
marxista e alinhar nas exigências eleitorais (e com a baixa da maioria de De Gaulle e o facto
que ele não tinha mais de 6% entre um e outro (Miterrand, NDLR), tínhamos a perspectiva, que
temos agora, e que não é uma perspectiva filosófica nem está mesmo verdadeiramente longe
de alcançar, esperemos, para as eleições legislativas, uma maioria para a esquerda. Esta
questão não é uma questão filosófica e para mim ela comanda as questões filosóficas e não o
contrario» (em Aragon e o Comité Central de Argenteuil», pg. 136/137, Anais da Sociedade
dos Amigos de Aragon e de Elsa Triolet, 2000)
Em momento algum Aragon duvidou da natureza de classe do PS, dos fins estratégicos
de Mitterrand, do conteúdo de classe de mudança, da diferença entre o PCF e a Federação da
Esquerda…) não, Mitterrand, então grande vedeta dos «dias de diálogo» organizados
por Garaudy, que ganhava no próprio seio do PCF por intermédio dos seus intelectuais mais
prestigiados, e isso em nome das «vias pacíficas para o socialismo» grosseiramente abatidas
pelo eleitoralismo mais raso e mais ingénuo! Ou, conformar os seus ideais e a sua teoria às
necessidades imediatas e aos êxitos eleitorais mais efémeros, é a própria essência do
oportunismo e vemos hoje os óptimos resultados: não só o povo francês está em desespero,
não só a perspectiva de uma mudança se tornou quase invisível, mas o PCF que seguiu à letra
todos os conselhos eleitoralistas de Aragon está às portas do desaparecimento eleitoral e da
liquidação organizacional.
Claro que esta absolutização da via pacífica não estava prescrita pela adaptação do PCF às
teses kruchovianas, e no início, esta orientação estava ainda mais ou menos equilibrada pela
ideia que uma via armada era sempre possível, pelo menos em princípio (mesmo que o PCF
nada tenha feito pelo menos com meu conhecimento durante estes anos para preparar,
TAMBÉM!); a via armada ficava, se ouso dizer, «em reserva na revolução», e isso nada era:
como a menção persistente da ditadura do proletariado nos estatutos do partido, isso bastava
para dar ao PCF um aspecto inquietante em poder para a burguesia… e atractivo para o
proletariado e a juventude revolucionária. De resto é o próprio Lenine quem, entre Fevereiro e
Novembro de 17 insistiu na possibilidade («extremamente rara») acrescentou, mostrando
assim que não se podia tratar de uma linha estratégica, menos ainda de um «principio político»
de passar ao socialismo «sem revolução violenta»; bastaria então que a maioria dos sovietes,
que se reclamavam do socialismo (SR, bolcheviques, mencheviques, trabalhistas…) tomasse o
poder, e os bolcheviques, mesmo que minoritários no início do processo, decidissem manter de
maneira trágica o processo pacífico de ruptura com o capitalismo. Mas os kruschovianos dos
anos 60 que alegavam o exemplo de Lenine para fundar a sua «via pacífica», esqueciam-se
em geral de dizer que, ao mesmo tempo, o partido bolchevique tinha «dois ferros ao fogo» e
que continuava a armar as massas, a revolução russa de Fevereiro de 17 tinha
espontaneamente conseguido pôr no lugar um «duplo poder» a fazer emergir sovietes
operários e camponeses dispondo de uma força armada já que uma grande parte do exército
tinha passado com as armas para o lado do povo!
Sem se aperceberem, os teóricos da «via pacífica» perderam o seu principal argumento
Não podemos deixar de constatar até hoje a esterilidade total das teorias que procuram a «via
pacífica». Mas dirão, não se pode insultar o futuro e não seria científico deduzir «o que será,
será» Em princípio, concordo, embora não seja muito provável que o que não funcionou
durante cinquenta anos de repente vá funcionar no futuro. (TODAS as revoluções sociais
desde a Comuna foram pelo menos em parte violentas: Rússia, revolução espartaquista,
democracias populares do após-guerra tornadas possíveis pela derrota militar de Hitler,
revolução chinesa, revolução cubana, vitória do Vietname socialista, revoluções nacionais no
Egipto, Argélia, Etiópia, e até a revolução dos Cravos de Portugal, que saiu directa da
revolução militar do «Movimento das Forças Armadas», mas lembro a todos os que são
capazes de raciocinar e de curvar-se perante uma demonstração que as razões que ontem
motivaram, na verdade, a possibilidade formal de uma passagem pacífica para o socialismo,
acabaram há muito. Desde 1946, na sua muito controversa entrevista
ao Times, Maurice Thorez (precursor da «via pacífica») fundamentou a sua ideia de uma
transição pacífica, «à francesa» para o socialismo (como se a França não fosse também tanto
como a URSS país de conflitos agudos e armados entre as classes sociais…) pelo novo poder
do campo socialista que tornava mais difíceis as intervenções imperialistas contra um país que
se dirigisse para o socialismo. Krutschov no 20.o Congresso do PCUS, Marchais no
20.o congresso do PCF, retomaram esse argumento geopolítico que repousava sobre o poder
do campo socialista. Se os dirigentes do PCF tivessem memória e a mínima consciência
teórica em vez de navegarem à vista sem memória, sem teoria e sem projecto, seriam desde
logo os primeiros a contestar a «via pacífica» já que… o campo socialista não existe, o
capitalismo, se remundializou após a decomposição da URSS, a direita está ao ataque como
nunca em França e a nível mundial. Se a relação de forças é cada vez mais favorável ao
socialismo» como afirmava Krutschov em 56 mudou em relação a forças cada vez mais
favoráveis ao Capital desde o triunfo da contra-revolução de Leste, há cada vez menos bases
objectivas para a possibilidade de uma revolução pacífica, economizando toda a violência
armada.
Pacificadas, a sociedade francesa e as sociedades capitalistas desenvolvidas?
É cada vez maior a ligação das forças políticas e militares dentro da França e da maior parte
dos países capitalistas europeus, e mais degradada. No plano político, navegamos
de Charybde a Scylla, com segundas voltas presidenciais contra a peste da cólera,
dos Chiracs aos Le Pen, dos Sarko a Royal e de novo ao Le Pen! No plano militar, o exército
de circunstância desapareceu. A grande burguesia está sossegada, sem a menor oposição do
PCF e dos revolucionários de barba rala do LCR e do LO um exercito profissional europeu de
natureza imperial, dispondo de meios para esmagar militarmente revoltas populares: apesar da
forte oposição dos povos «não» dos povos francês e holandês à constituição europeia
em Maio-Junho de 2005), NENHUMA força de esquerda representada no parlamento e visível
mediaticamente pôs em causa a sacrossanta «construção europeia» de um novo império do
capital, verdadeira santa aliança dos burgueses europeus contra as suas respectivas classes
trabalhadoras.
Pior, a extrema-direita sobe por toda a Europa. A extrema-direita, ou seja a parte da reacção
que está ávida por esmagar pelo sangue o movimento operário. Mais ainda, essa extrema-
direita «detém» e dirige até uma parte crescente da «direita civilizada» (sic) torna-se fascista à
vista desarmada, como é o caso de Sarkozy de Nagy-Bocsa em França ou de Bush nos
Estados Unidos (por iniciativa do qual é agora legal torturar um prisioneiro suspeito de
terrorismo) ou do trabalhista Blair (qualquer estrangeiro pode ser preso sem julgamento e por
quanto tempo a polícia decida se for suspeito de terrorismo!) Leis anti-emigração, seguem os
«pré-delinquentes «desde a escola maternal, caça aos sindicalistas vermelhos nas fábricas e
nos serviços públicos., quadrilha totalitária dos media na campanha para a constituição
europeia já deu um vislumbre, retorno em força do clericalismo religioso na escola e nas
instituições, formação da polícia na luta antimotins, violações sistematicamente impunes do
código de trabalho pelo patronato, condenação à cadeia de manifestantes anti-CPE pela
«Justiça», utilização desproporcional do estado de emergência contra os bairros populares
em Novembro-Dezembro de 2005, recurso ao exército para acabar com o conflito marítimo da
SNCM na mesma época, brutalidade policial repetida, violação grosseira de poderes pelo
Ministro da Polícia (que é o principal presidenciável da burguesia, que se permite dar
instruções aos juízes, nomear procurador da República que é o chefe de gabinete… do ministro
da Justiça, desprezo total pelo poder UMP para todos os escrutínios que negaram
massivamente (regionais, europeus, constituição europeia, referendos na Córsega e
Antilhas…) passagem em força do poder UMP sobre o Gás de França apesar da promessa
solene feita pelo numero 2 do governo de jamais privatizar a energia francesa… mesmo que
viva no coração vermelho do povo trabalhador, a república é apenas uma efígie nos frontões
dos edifícios públicos, o regime vai-se fascizando à vista desarmada (e será fácil de mostrar
que o mesmo acontece na RFA, na Itália, na Grã Bretanha e nos Estados Unidos…) Para já
não falarmos do crescente domínio da classe capitalista sobre os media, audiovisual, publico e
privado, grandes jornais nacionais dominados pelos senhores das armas, «gratuitos»
monopolizados pelos grupos financeiros do tipo Bolloré, etc.
O plano oculto desta fascização crescente é fácil de pôr em evidência: é a política única da UE,
posta em música tanto pela direita como pelo PS, é o pensamento único totalitário levado pelos
media audiovisuais, os jornais grátis, a grande «imprensa» nacional e local possuída
por Dassault, Rothschild, Bouygues, Pinault e Lagardère, uma política que é preciso IMPOR
TOTALITARIAMENTE já que sempre que pode (grande movimento social, escrutínio…), o povo
diz NÃO por todos os meios disponíveis. Se amanhã Sarkozy (ou o seu duplo
selvagem, Le Pen, ou a sua sombra grácil Royal…) chegarem ao poder, como imporão a
quebra dos regimes especiais de reforma (EDF, RATP, SNCF, GDF), a demolição do estatuto
da função pública, o fim da carteira escolar, a integração forçada da França na constituição
europeia, o fim do CDI para o contrato único precário do UMP, a interdição da greve nos
transportes, senão marchando literalmente sobre o ventre do povo e da juventude? E este irá
eternamente deixar? Às portas da ruptura Thatcher-Berlusconi desejada por Sarkozy e pelo
MEDEF (ou a sua variante suave, a ruptura bairrista de Royal), o nosso povo será literalmente
confrontado pela questão de ser ou não ser, pois tratar-se-á de TUDO, da República e
definitivamente da própria existência da nação. Em resumo, os grandes choques de classes
entre o povo trabalhador (operários, assalariados, quadros médios, engenheiros, professores e
técnicos, licenciados e estudantes, mas também artesãos, pequenos comerciantes e
camponeses trabalhadores) e grande capital maastrichiano são para amanhã. Já, com o seu
ideólogo mais claro e mas fascizante, o cínico «historiador» patronal Jacques Marseille, a
burguesia sarkoziana coloca publicamente a questão: «será necessário que o sangue corra
para que a França se reforme»? A resposta fala por si. E para nós? É que nunca é a classe
dominante que toma a iniciativa da luta de classes mais feroz contra as benesses concedidas à
classe dominada na época em que ela dispunha de um partido comunista poderoso, combativo,
organizado e marxista-leninista!
O povo de França não dá a face esquerda!
Mas temos a certeza: o povo trabalhador, já brutalizado de mil maneiras pela política do trio
UMPS/MEDEF/UE, humilhado pelo desprezo de ferro do UMPS sobre o sufrágio universal,
dolorido pelo assassinato programado da nação, da sua soberania, da sua língua e da sua
cultura, numa Europa e numa mundialização neo-liberal que rejeita cada vez mais, esse povo
reage de modo cada vez menos pacífico e toma cada vez mais medidas de autodefesa
espontânea, mesmo que se constate pelo seu lado uma parte crescente de abatimento e
mesmo de desespero, tantas vezes já foi traído e traído de novo. Mas o essencial não é o
abatimento: já na primavera de 2003 depois da recusa das confederações sindicais em entrar
na greve geral para salvar as reformas, os jovens professores em greve dura, auxiliados por
outros assalariados, tinham multiplicado as «operações choque», contra os cercos do MEDEF,
as permanências UMP, os homens do poder. Por sua vez, os intermitentes do espectáculo
espoliados pelo MEDEF utilizaram métodos análogos e às vezes, as pessoas do EDF fizeram o
mesmo. Em Novembro de 2005, uma massa de jovens espoliados dos arredores demonstrou o
seu ódio de maneira selvagem incendiando aqui e ali milhares de carros (o que coloca em
primeiro lugar o problema da falta de vanguarda política, de autodestruição do partido
comunista que deixou esses bairros sem qualquer «bússola» política: abandonada a si própria
a parte desclassificada do proletariado e do sub-proletariado queima os autocarros e as
escolas maternais e revolta-se com a parte organizada da classe trabalhadora em vez de
atacar o capital). De modo incomparavelmente mais consciente e política, os alunos de liceu e
os estudantes também usaram a contra-violência de classe. Principalmente utilizando
«operações-choque», mobilizações instantâneas, e piquetes de greve (greve é: não passam,
não trabalham) dirigindo aos poderosos AG democráticos, premissas de uma verdadeira
democracia popular de luta. Ao dizer não convidamos os trabalhadores e os jovens a partir de
flor na espingarda, a lançarem-se sobre as baionetas inimigas; observamos uma tendência
histórica, a da subida aos extremos num período de intensa guerra de classe que só poderá
acabar na derrota total de um ou de outro campo, como aconteceu na Inglaterra depois da
terrível derrota sofrida pelos mineiros em 1984 perante Thatcher. Quando uma luta é inevitável
por iniciativa do inimigo de classe, os que se ocultam, os que recusem a vê-la chegar e a
preparar-se estão perdidos; os que se prepararem têm pelo menos uma oportunidade de
resistir, manter-se e ganhar: «se não tomares parte no combate» prenuncia Brecht, «vais
partilhar a derrota.»
Pacificação e social-traição
É verdade que a grande burguesia pode ainda apostar nos estados-maiores políticos e
sindicais da falsa esquerda para deter a violência popular e … deixar aos dominadores o
monopólio invisível (pois não denunciado, ou seja incensado pelos media) da violência de
classe. A «esquerda plural» PCF, LO e LCR incluído, foi assim incapaz de recuperar após a
imensa vitória do Não a 29 de Maio de 2005. Quem, para além do PRCF, apelou a organizar
uma grande manifestação nacional em Junho para exigir a saída do tratado de Maastricht,
indirectamente rejeitado pelos eleitores (o seu conteúdo era a famosa parte III da constituição
chumbada) a demissão do presidente (Chirac assinou a constituição em nosso nome e nunca
retirou a sua assinatura!) e a demissão do grotesco parlamento UMPS que votou 92% a
constituição recusada a 55% pelo povo que os deputados «parecem» representar! Após a
queda do CPE, que fizeram os estados- maiores do «sindicalismo reunido» (após o amarelo
Cherèque) para utilizar o entusiasmo da vitória organizando uma acção de massas para a
retirada total da lei Borloo, a abrogação do CPE e de todas as contra-reformas UMP? A única
«saída da crise», foi a negociação forte dos sindicalistas com os deputados secundários UMP
(o ridículo Acoyer) já que Chirac, chefe do executivo, ditava abertamente a nova redacção da
lei legislativa «independente em virtude da separação dos poderes»: grotesca comédia em que
TODOS os estados-maiores se comprometeram a auxiliar o poder a desrespeitar a
constituição! E que acção nacional de TODOS os sindicatos para tirar da prisão os jovens anti-
CPE e os milhares de sindicalistas reprimidos pelo patronato nas fábricas porque ousam ainda
defender os interesses dos trabalhadores em vez de seguir docilmente os
Thibault, Aschieri, Mailly e Cie (Chereque não vale a pena nomear) que diluem o sindicalismo
da luta francês nas redes da Confederação Europeia dos Sindicatos e da Internacional sindical
amarela constituída a 30 de Outubro pela fusão do sindicalismo CISL (filho da CIA) e do
«sindicalismo» cristão, pilotado durante cinquenta anos pelo Vaticano! Até quando os
assalariados franceses, que contrariamente aos sindicatos nacionais permanentes, tinham tudo
a perder para eles e os filhos nessas manigâncias, seguirão eles tais guias?
Até quando a revolta não atingirá os próprios lideres sindicais, como em Dezembro de 95,
quando Notat, verdadeira iniciadora do plano Juppé, teve de ser protegida contra os
manifestantes do seu próprio sindicato, pelos membros do seu serviço de ordem?
Não absolutizar os meios necessários para passar ao socialismo
Isso significa assim que é necessário passar de um extremo a outro absolutizando a via
armada? Esta, como já vimos, tem êxitos históricos de primeiro plano no seu activo. Sem
triunfar totalmente, as FARC da Colômbia estão vitoriosas há trinta anos e até administram de
modo sagaz um grande território da Colômbia. A guerrilha maoista do Nepal acabou por
desestabilizar o carunchoso poder real de Katmandu abrindo a via a uma transição democrática
cujo futuro não está escrito. As grandes lutas que se anunciam no México entre a esquerda
popular e o poder pró US foram preparadas pelas revoltas armadas de Chiapas (ainda que o
seu porta voz, o subcomandante Marcos, quase as esterilizasse proibindo-as de entrar na luta
pelo poder central), e agora pela luta armada dos proletários urbanos e camponeses
de Oaxaca. Ao mesmo tempo, a absolutização dessa luta não se revelou como uma panaceia;
acabou por se transformar num pesadelo; o Caminho Luminoso não deu a vitória ao povo
peruano e deixou muito más recordações a muitos camponeses e aproximou-se da reacção
fascista; não falemos do poder sanguinário de Pol Pot que levou até ao absurdo o princípio
insustentável que «os fins justificam os meios». Em Itália, os desesperados das «brigadas
vermelhas» facilitaram na realidade a social-democratização do PCI e a liquidação do regime
parlamentar em proveito do regime semi-bonapartista actual, na realidade inscreveram-se na
«estratégia da tensão» desejada por Washington e a Democracia cristã para dar lugar à
influencia de massas, tão confusa que ideologicamente acabou com o partido comunista
italiano.
Embora seja provável, nas condições actuais, que uma via puramente pacífica seja apenas
uma via do espírito para um longo período, é preciso primeiro pôr a questão em termos de
princípios, em geral. Ou, politicamente, o que é o mais provável8, é uma combinação das duas
vias, dos dois métodos, uma a vencer temporariamente a outra segundo as circunstancias e a
relação das forças desde que o objectivo não seja nunca perdido de vista na teoria como na
prática: a revolução socialista, a conquista do poder de Estado pela classe dominante, o
armamento do povo e o desarmamento da reacção, a defesa resoluta das transformações
sociais (a ditadura no sentido estrito), a mobilização e a ofensiva permanentes do povo em
formas ajustadas às etapas e aos graus do choque de classes.
O problema da violência nos choques de classes
Para sermos concretos, examinemos a situação francesa a meio termo (a curto prazo estamos
na defensiva e o problema n.o1 que nos é colocado é a resistência… mas a resistência não vai
longe se não se acreditar numa alternativa!) O problema não é como poderíamos pensar
esquematicamente nos anos 70, «vitória eleitoral da esquerda com um bom conteúdo» ou «luta
armada». Primeiro porque «a esquerda» hoje é o PS e a social eurocracia tecida em mil fios
pela união europeia e o seu pilar «esquerdo» o PS europeu (que dirige a comissão de
Bruxelas, o parlamento europeu a que preside a OMC, desculpem, pelo extremista do
«socialista» francês Lamy) e que esse partido, não só não tende para a esquerda (em comum
com a Holanda e Allende, Strauss-Kahn e Jaurès?) mas deriva rapidamente para o centro-
direita e o bairrismo como atesta o sucesso da muito reaccionária Royal. Depois porque
mesmo a pequena esquerda «antiliberal» o PCF incluído, não põe em questão a entrada da
França no tratado de Maastricht, santifica a «construção europeia», ilude o problema da OTAN
e do exercito europeu, aceita o euro, e principalmente não põe em causa a propriedade privada
dos grandes meios de produção. Quanto à própria via armada hoje, o
conselheiro ex abrupto (esta expressão latina importa) significaria nas relações das forças
actuais, não só enviar para a morte ou à prisão perpétua os desgraçados que se lançarem em
primeiro lugar contra um aparelho de estado mais poderoso e agressivo que nunca, mas ajudar
os governos a fascizar o Estado e as instituições invocando a «segurança pública» e a «paz».
Primeiro, a estratégia revolucionária
Na realidade, a questão que nos foi colocada é a de reunir uma ampla Frente de Resistência e
de Alternativa Popular (FRAP) em volta dos trabalhadores assalariados e da
juventude precarizada, o conjunto de vítimas do grande capital maastrichiano, mesmo uma
parte das «camadas médias» assalariadas e não assalariadas, oprimidas e destinadas à ruína
pelo grande capital e sua Europa. Nada tem a ver com o reagrupamento simples, caro
a Mme Buffet, da «esquerda» contra «a direita». Potencialmente, o bloco social anti-Maastricht,
progressista e republicano é largamente majoritário como vimos no 29 de Maio
(potencialmente, porque também teve vozes fascistas entre os eleitores do não) e também na
luta contra o CPE, mesmo que os contornos dos dois blocos (o primeiro estava infectado pela
direita nacionalista mas desligada da social-democracia, o segundo reinvestido pela esquerda
europeísta mas desligada da direita fascizante) não coincidem ainda. Para os fazer coincidir em
bases progressistas, são necessárias condições ideológicas: a aliança da bandeira vermelha
com a foice e o martelo (que simbolizam a luta mundial do proletariado contra a exploração
capitalista) e da bandeira tricolor com o barrete frígio (que simboliza o patriotismo republicano e
laico); pois o que esteriliza hoje a «pequena esquerda antiliberal» dominada pelo trotskismo e
a altermundialização (O PCF já não tem prato ideológico próprio) e a sua capacidade congénita
em defender a nação e a república laica e sua ancoragem social-imperialista na «construção
europeia» que será necessário, ilusoriamente, «reorientar num sentido progressista». Assim,
deixam para Le Pen, Sarkozy, De Villiers e até Royal, a bandeira vermelha da Revolução
francesa, da independência nacional e da Republica à qual os operários e camponeses estão
legitima e fortemente ligados. Pelo contrário, os «republicanos» que defendem abstractamente
«a» nação e «a» república são incapazes de trazer as aspirações progressistas e sociais dos
explorados e não conseguem soltar-se (a grande burguesia sendo maciçamente antinacional e
desdenha copiosamente «a excepção francesa») da empresa da direita europeísta… ou do
nacionalismo fascista.
No plano político, é um programa de ruptura com a UE, de reconstituição do sector público do
Estado, de re-industrialização planificada do país, de relance e de alargamento do que se
adquiriu em 1945, de novos tratados internacionais progressistas e ultrapassando o ar
Europeu, de democratização em profundidade do país que deve ser proposta. E para isso, não
por nostalgia do grande PCF mas porque sem ele não há agente proletário de massas,
pela vanguarda popular empunhando as duas bandeiras, é necessário reconstituir um
verdadeiro partido comunista totalmente emancipado da social-democracia.
Maioria de unidade popular não significa passeio parlamentar
Dizer apenas que a FRAP é potencialmente muito maioritária, não nos deve levar a recair nos
erros que foram os do PCF dos anos 70; constatando que os defensores autorizados dos
grandes monopólios capitalistas não eram mais que poeira humana face às
«camadas antimonopolistas» defendidos pelo programa comum PC/PS, o PCF deduzindo a
inutilidade da ditadura do proletariado viu que não há necessidade de pegar num martelo-
pilão para esmagar uma mosca! Quanto ao pluralismo político, havia a certeza de defender a
100% contra o mau «modelo soviético» pois bastaria impedir os fascistas e garantir a liberdade
política a todos os que respeitassem a lei socialista e democraticamente votada. Que absurdo!
Na verdade, esta repartição simplista ignora várias realidades politicamente decisivas:
a) espontaneamente, em toda a sociedade dividida em classes sociais, «os pensamentos
dominantes são os da classe dominante» (Marx-Engels); em resumo uma boa parte dos
membros da classe dominada não se reconhece espontaneamente nos partidos que lutam por
eles; muitos escravos inconscientes, embrutecidos pela sua educação e hoje pelos media,
defendem os seus senhores; assim muito poucos senhores se enganarão de campo nos
momentos decisivos! Se Marat e Robespierre não combatessem alguns milhares de
aristocratas e não as centenas de milhares de camponeses vendados, nunca se teria recorrido
ao Terror!
b) o aparelho de estado burguês não é neutro; está ligado por mil laços (veja-se Pinochet que
os reformistas chilenos apresentavam com «um militar profissional respeitador das leis») à
classe dominante e que iria defende-la com tanto mais facilidade que só teve de chamar o
contingente nos exércitos) as partes «civilizadas» da burguesa fascizam-se muito rapidamente
em períodos de crise; no Chile o democrata-cristão Eduardo Frei tornou-se rapidamente um
apoiante de Pinochet antes de afastar-se dele quando a ditadura militar se tornou embaraçosa
devido à sua imagem internacional terrível; ora, todos vêm bem hoje que a UMP se fasciza,
se lepeniza a olho nu, a começar pelo seu presidente, o mini-bonaparte Sarkozy; quanto à
social-democracia, mesmo que nunca se deva cometer o erro de rejeitar os seus militantes em
massa, segue espontaneamente o movimento de fascização (Royal rivaliza com Sarkozy em
todos os temas de seguranças, policiais, anti-juventude, anti-sindicato, etc.; a SD não se torna
antifascista se o movimento popular não a obrigar;
d) a estrutura económica dos grandes países capitalistas é extremamente deformada
pela desindustrialização e pela subida em flecha do parasitismo financeiro; já Lenine mostrava
no «imperialismo estado superior do capitalismo» (1915) que o capitalismo monopolista, cuja
actividade central é a exportação de capitais e a acumulação do superavit imperialista, significa
a exportação de actividades produtivas e a subida em flecha do parasitismo: sector financeiro e
serviços não produtivos socialmente entregues às classes privilegiadas; incluindo entre os
assalariados, uma boa parte dos «frágeis» (publicitários, financeiros,
comunicadores, mediocratas, etc.) está objectivamente dependente do grande capital, embora
uma grande parte dos quadros superiores e a parte mais elevada dos «quadros médios»
capitaliza e tem acções, o que a liga financeira e ideologicamente ao grande capital: vê-se bem
numa sala de profs!
e) quer se queira quer não, toda a revolução, por mais democrática que seja, traz perturbações,
problemas de aprovisionamento, rupturas de hábitos, modificações do «estatuto» social dos
indivíduos, etc.; pois não se pode passar de maneira totalmente ordenada e previsível de uma
estrutura a outra (ou a revolução é trans-estruturação); fatalmente pessoas, incluindo pessoas
pequenas são «perturbadas» pela revolução e aspiram à ordem.
f) é ainda mais verdadeiro na nossa época em que muitas pessoas, incluindo as de baixo são
alienadas, embotadas pelo consumo mais desvairado, a gadgetização da vida»,
o infantilismo débil do «capitalismo da sedução» como afirma S. Clouscard;
g) é preciso aguardar uma intervenção coordenada da Europa capitalista contra os
assalariados em greve, incluindo até a utilização do exército europeu, se um dia a França for
bloqueada pelos trabalhadores dos transportes; a França é um corredor de estradas,
de ferrovias, de rotas marítimas, a greve geral num país que não tem enormes usinas (de aço,
minas, têxteis….) passa pela união dos camionistas, dos ferroviários, dos assalariados da
estrada, dos assalariados dos aeroportos, das docas, os marinheiros, etc.; seria preciso sermos
ingénuos para acreditar que os Blair, Seillère (UNICE),Merkel, etc. o permitiriam! Já
sob Jospin, Blair tinha ameaçado a França se o frete de rodovias não fosse «liberado»! Ao
mesmo tempo, a contra-violência poderia ter o apoio do orgulho nacional; fora o exército de
ocupação de Merkel e Blair!
Por todas estas razões, num grande país imperialista como a França, (declinando no cenário
internacional e numa crise grave a nível nacional) não devemos esperar que a via do
socialismo esteja atapetada de rosas; não é portanto necessário afastarmo-nos receosamente
do socialismo pois o que nos é proposto não é estagiar num capitalismo tipo «trinta gloriosos»
ou correr a aventura da revolução: é de lutar pela revolução, com uma possibilidade de ganhar
e no mínimo guardar ou alargar as nossas aquisições (as reformas são uma queda da luta
revolucionária, Lenine) ou de correr a aventura degradante da «ruptura» thatcheriana, as suas
humilhações para os assalariados, a sua violência destrutiva do quotidiano, de todas as
maneiras, surtos de violência contra-revolucionária e surtos de contra-violência desesperados
abertos, tipo «Novembro de 2005».
Retorno à experiência de lutas
Concretamente, como se coloca o problema da violência em França se partirmos da
experiência política e social dos dez últimos anos?
O coração da FRAP, é «todos juntos» trabalhadores assalariados e a juventude, é a construção
da greve geral e esta é impensável sem a generalização de bloqueios de estrada, piquetes de
greves, de «zonagem» como é praticada pelos sindicalistas belgas (veja-se o bloqueio de
camiões, como o transporte rodoviário constitui um sector nevrálgico da produção capitalista
europeia de fluxo tenso, onde a França é um corredor incontornável. Não é à volta de
comandos grupusculares de tipo de «acção directa» que poderá construir-se a contra-violência
revolucionária pois a violência, para os comunistas, não pode ser o substituto da luta
democrática de massas (não somos blanquistas, partidários das minorias de acção mas um
meio de relançar o movimento de massas, de o defender, de lhe dar confiança, de desarticular
as forças adversas semeando a dúvida sobre a sua invencibilidade. O problema é
então construir serviços de ordem disciplinados, dissociativos o mais possível, para fazer subir
o nível qualificativo de manifestações de trabalhadores (que devem cada vez menos ser
passeios festivos e mais ou menos infantis: é debilitante ver quadragenários tocar os tambores
em ar de rumba enquanto se manifestam para salvar a Segurança, o direito a uma reforma
decente! É preciso que os revolucionários reaprendam a escandir slogans defensivos, a
interpelar as pessoas que passam, etc.; não digo mais.
A questão politica é de pôr na ordem os AG soberanos, coordenados entre si inter-
profissionalmente, por zona de actividade, cidade, departamento, nação e mesmo se possível
internacionalmente e fazer respeitar na empresa, o voto maioritário: «não passam!» Não só
isso dissolverá o papel das organizações politicas e sindicais de classe, mas é nesse contexto
que os sindicalistas de classe, cada vez mais combatidos pelas grandes confederações
nacionais e internacionais (CES, CIS) têm oportunidade de se fazer ouvir e de conseguir
influenciar para dirigir.
A questão é assim que os «fortes» os sectores mais combativos, ajudam os «fracos» a
começar a greve, a ocupar a fábrica, o campo, o troço de auto-estrada. O problema é mandatar
direcções de greve, o mais «inter-pro» possível. E se as coisas se generalizarem, o problema é
ripostar ofensivamente, segundo principio da resposta graduada e sem aventureirismo, velando
sempre para que a contra-violência revolucionaria seja um factor politico de mobilização e não
um substituto da mobilização ou um factor de desmobilização. Isso exige também um trabalho
de junção política e «militar» entre as empresas (assalariados activos) os liceus
e facs (assalariados futuros) e os bairros populares (assalariados no desemprego, jovens
desclassificados que não se devem abandonar a fascistas, aos traficantes e aos fanáticos
religiosos). O que afirmo, não o invento, é a experiência dos movimentos combativos de massa
dos últimos anos.
Bem evidentemente, tudo isso reclama também um trabalho discreto, ou não segundo os
momentos em direcção das forças de repressão onde há também ao lado de elementos
irremediavelmente fascistas, carreiristas e primitivos, filhos de proletários e progressistas que
procuram sair da miséria entrando na polícia, pessoas sensíveis aos valores republicanos, etc.
Mas, para já é preciso militar para que o serviço militar universal volte a ser a lei em
França com grandes direitos democráticos para os chamados pois enquanto o exército for
inteiramente composto por mercenários, a eficácia do trabalho para os engajados será
extremamente limitada.
Para já, do lado das organizações revolucionárias, a perspectiva da violência e da contra-
violência reclama medidas preventivas de securização face à fascização e às ameaças de
interdição fascista e euro-macartista, veja-se o exemplo checo (interdição da JC) prova-nos que
não há nenhuma paranóia nesse tipo de preocupação.
Conclusões provisórias
De modo geral, é preciso aguardar que os choques de classes no futuro combinem e/ou
alternem fases violentas e fases não violentas de revolução e contra-revolução. Mesmo que, no
seu todo, toda a revolução como toda a dominação de classe, é essencialmente violenta. O
problema decisivo é sempre político e não militar: é o da consciência popular é a partir daí que
se decide o uso ou não da violência de massas; nas condições dadas, ajude ela ou não a
aumentar a consciência de classe, a guardar ou a retomar a iniciativa politica, é preciso que as
massas entendam ou possam a pouco e pouco entender, pois por vezes é necessário partir
sem as massas: como no golpe do coronel Fabien no metro de Charonne, ou do mineiro
FTP Charles Debarge em Pont Cesarine de Lens que deram o sinal da luta comunista armada
contra os nazis) que esta ou aquela forma de violência seja legitima, que ela releve da
autodefesa do movimento popular, ou seja da sua legitima defesa… até que os trabalhadores
digam na sua massa e experiência que a melhor defesa é o ataque9 (10) é precisar regularizar
o problema da dominação de classe de uma vez por todas, e que «quando o governo viola os
direitos do povo, a insurreição é para o povo e para cada fracção do povo, o mais inviolável
dos direitos e o mais imperioso dos deveres.»
(Constituição da Republica Francesa, Ano II)
1 É o artigo Linblad votado pela Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa em Junho de 2005, e também posto
em causa na Albânia por medidas diversas de interdição e de criminalização das organizações e ideias comunistas.
2 Assim como a via «pacífica» de destruição do socialismo também teve um fim sangrento. Foi também o caso na
Roménia e na Jugoslávia. Estudei a experiência histórica da contra-revolução provando que ela passava ao contrário o
filme da revolução confirmando como na paragem (mas claro invertendo-o) as leis da revolução estudadas por Lenine.
A contra revolução a leste, por mais pacífica que parecesse (falou-se no caso da Checoslováquia de «contra-revolução»
de veludo».) Foi possível pela enorme pressão militar dos Estados Unidos e pela segunda guerra-fria dirigida
por Reagan, que preparou abertamente uma guerra nuclear contra a URSS; e ela acabou com milhares de mortos,
deputados russos abatidos no Soviete de Moscovo, milhares de mortos na «revolução» da Roménia, guerras civis
contra revolucionárias do Cáucaso e da guerra da Jugoslávia. Nem falemos do que se prepara militarmente contra a
República de Cuba e contra a República popular da Coreia.
3 Veja-se no meu livro de 1997 «Mundialização capitalista» o capítulo intitulado O estado e a contra revolução onde
demonstro que a contra-revolução soviética, longe de seguir as leis da revolução analisadas por Lenine, as activou ao
contrário.
4 Examinei o problema da herança comunista do comunismo num número especial de Etincelles intitulado «a nossa
herança não foi precedida de qualquer testamento» (fórmula de René Char).
5 O legado mais negativo das práticas estalinistas foi o abafamento da contradição no partido, a recusa do livre debate
interno, característica da época leninista, o seguidismo em relação à direcção confundida com o partido: pois é sobre
tudo isso que os liquidadores gorbatchovianos e os seus homólogos de outros países se apoiam para liquidar o
Movimento comunista e os países socialistas. Não existe salvador supremo, o partido não tem de cultivar a imagem de
um chefe mas ensinar aos comunistas e por seu intermédio, às massas, a orientarem-se de modo justo por si próprias.
Sem isso as coisas avançam se o chefe for comunista mas tudo rui se o chefe se tornar …anticomunista. Eu mesmo
conheci um militante do SED (Alemanha do Leste) que por espírito de partido» votou a autodissolução do SED quando
a direcção desse partido a propôs! E era uma maioria!
6 Ver a admirável teoria e política de Michel Verret, que analisa de modo materialista o «culto da personalidade»
7 Em «Mundialização capitalista e projecto comunista, o tempo das cerejas», parte III, «para uma análise revolucionária
da contra-revolução». Ver também o meu artigo em Outubro «1917, causas, impacto, prolongamentos», caderno de
Espaços Marx.
8 Não penso aqui na questão puramente filosófica da legitimidade da violência em certas condições e certos limites
dados. Tratei então outras coisas deste assunto em «Materialismo e exterminismo», um longo manuscrito que nunca foi
editado.
9 Para convencer os trabalhadores da necessidade da insurreição seria pelo menos necessário a tentativa
de putsch contra-revolucionário de Kornilov, coloca em falso pelos bolcheviques. Os operários viram então que a
escolha não estava entre o statu quo e uma insurreição aleatória, mas entre uma insurreição bem preparada e a certeza
de uma contra-revolução branca sangrenta e vingativa.
*Georges Gastaud é secretário nacional do Pôle de renaissance communiste en France (PRCF)
Tradução: Manuela Antunes