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Reflexões sobre a atuação extrajudicial do Ministério Público: inquérito civil público, compromisso de ajustamento de conduta e recomendação legal Geisa de Assis Rodrigues. Procuradora Regional da República na 3ª Região. Mestre e Doutora em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professora licenciada da Universidade Federal da Bahia. 1.0 À guisa de introdução Um dos maiores legados do processo constituinte brasileiro de 1988 foi a concepção do novo Ministério Público. Não é casual a relação entre Estado democrático de Direito no Brasil e a nova essência do Ministério Público. O Ministério Público que emerge da nova ordem constitucional é uma instituição diferente, com novas atribuições, com importantes garantias institucionais e pessoais, aliando a sua clássica tradição de postulação em juízo, seja no âmbito penal seja no âmbito cível na tutela de direitos transindividuais e individuais indisponíveis, com a possibilidade de uma ampla atuação de defesa extrajudicial da cidadania, e com os poderes de investigação e de utilização de outras medidas extrajudiciais para a defesa do patrimônio público e social 1 . Esse desenho institucional torna o Ministério Público brasileiro uma instituição bastante singular se comparada com os seus congêneres estrangeiros 2 , principalmente em virtude de sua independência e de seu novo rol de atribuições, com a exclusividade da ação penal pública, a defesa judicial dos direitos transindividuais na esfera cível e o exercício de suas funções de ombudsman. Inegavelmente a nova ordem constitucional cometeu ao Ministério Público o exercício da importante função política do controle da atividade administrativa e da promoção dos direitos transindividuais, explicitando o poder político de seus agentes. Aos poucos vai se tornando passado aquele órgão extremamente burocratizado, pouco atuante, verdadeiro ilustre desconhecido de toda a sociedade. A atuação extrajudicial do Ministério Público tem uma importante contribuição nesse novo colorido institucional. O Ministério Público deixa de ser uma instituição basicamente reativa na esfera cível, que apenas atuava provocando e sendo provocada pelo Poder judiciário, para assumir uma postura ativa, empreendedora ao poder atuar na resolução de conflitos fora da esfera judicial. É claro que esse processo foi iniciado em 1985, com o advento da lei 7347/85, mas a afirmação constitucional potencializou esta renovação. Não que a Instituição não exercesse tradicionalmente algumas atividades extrajudiciais como, v.g. nas curadorias de fundações, ou até mesmo no atendimento individual. Ocorre que hoje as atividades extrajudiciais têm um caráter mais amplo, pois envolvem diversas matérias, como saúde, educação, meio ambiente, direito do consumidor e tantas outras, e com 1 Artigos 127 a 130 da CF. 2 Principalmente quanto às funções na área cível vide VESCOVI, Enrique. “Tareas del Ministerio Publico”. Congreso Internacional de derecho procesal civil. Belgica, Gent, Agosto, 1977. Revista de Processo, São Paulo, v. 03, n 10, p. 149-173, Abr./Jun. 1978. Para uma visão de direito comparado sobre a aplicação do princípio da independência do Ministério Público vide Paulo Cézar Pinheiro Carneiro. O Ministério Público no processo civil e penal. Promotor natural atribuição e conflito . Rio de Janeiro: Forense, 2001.. Sobre uma breve resenha do Ministério Público italiano e norte-americano respectivamente. SZNICK, Valdir. O Ministério Público no direito italiano. Revista dos Tribunais 499- Maio de 1977, pg. 276/278, e SIMON, John Anthony. Considerações sobre o Ministério Público norte-americano. Revista dos Tribunais 640- Fevereiro de 1989 pp. 7-18. Sobre atuação crítica da atuação do Ministério Público vide CAPPELLETTI, Mauro & JOLOWICZ, J. A. Le rôle du Ministère Public, de la prokouratoura et de l’attorney general dans le procedure civile. Public Interest parties and the active role of the judge in civil litigation. Milào, Giuffrè e Nova York, Dobbes Ferry, 1979

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Reflexões sobre a atuação extrajudicial do Ministério Público: inquérito civil público, compromisso de ajustamento de conduta e recomendação legal

Geisa de Assis Rodrigues. Procuradora Regional da República na 3ª Região. Mestre e Doutora em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professora licenciada da Universidade Federal da Bahia.

1.0 À guisa de introdução

Um dos maiores legados do processo constituinte brasileiro de 1988 foi a concepção do novo Ministério Público. Não é casual a relação entre Estado democrático de Direito no Brasil e a nova essência do Ministério Público. O Ministério Público que emerge da nova ordem constitucional é uma instituição diferente, com novas atribuições, com importantes garantias institucionais e pessoais, aliando a sua clássica tradição de postulação em juízo, seja no âmbito penal seja no âmbito cível na tutela de direitos transindividuais e individuais indisponíveis, com a possibilidade de uma ampla atuação de defesa extrajudicial da cidadania, e com os poderes de investigação e de utilização de outras medidas extrajudiciais para a defesa do patrimônio público e social1.

Esse desenho institucional torna o Ministério Público brasileiro uma instituição bastante singular se comparada com os seus congêneres estrangeiros2, principalmente em virtude de sua independência e de seu novo rol de atribuições, com a exclusividade da ação penal pública, a defesa judicial dos direitos transindividuais na esfera cível e o exercício de suas funções de ombudsman. Inegavelmente a nova ordem constitucional cometeu ao Ministério Público o exercício da importante função política do controle da atividade administrativa e da promoção dos direitos transindividuais, explicitando o poder político de seus agentes. Aos poucos vai se tornando passado aquele órgão extremamente burocratizado, pouco atuante, verdadeiro ilustre desconhecido de toda a sociedade. A atuação extrajudicial do Ministério Público tem uma importante contribuição nesse novo colorido institucional. O Ministério Público deixa de ser uma instituição basicamente reativa na esfera cível, que apenas atuava provocando e sendo provocada pelo Poder judiciário, para assumir uma postura ativa, empreendedora ao poder atuar na resolução de conflitos fora da esfera judicial. É claro que esse processo foi iniciado em 1985, com o advento da lei 7347/85, mas a afirmação constitucional potencializou esta renovação. Não que a Instituição não exercesse tradicionalmente algumas atividades extrajudiciais como, v.g. nas curadorias de fundações, ou até mesmo no atendimento individual. Ocorre que hoje as atividades extrajudiciais têm um caráter mais amplo, pois envolvem diversas matérias, como saúde, educação, meio ambiente, direito do consumidor e tantas outras, e com 1Artigos 127 a 130 da CF.2Principalmente quanto às funções na área cível vide VESCOVI, Enrique. “Tareas del Ministerio Publico”. Congreso Internacional de derecho procesal civil. Belgica, Gent, Agosto, 1977. Revista de Processo, São Paulo, v. 03, n 10, p. 149-173, Abr./Jun. 1978. Para uma visão de direito comparado sobre a aplicação do princípio da independência do Ministério Público vide Paulo Cézar Pinheiro Carneiro. O Ministério Público no processo civil e penal. Promotor natural atribuição e conflito . Rio de Janeiro: Forense, 2001.. Sobre uma breve resenha do Ministério Público italiano e norte-americano respectivamente. SZNICK, Valdir. O Ministério Público no direito italiano. Revista dos Tribunais 499- Maio de 1977, pg. 276/278, e SIMON, John Anthony. Considerações sobre o Ministério Público norte-americano. Revista dos Tribunais 640- Fevereiro de 1989 pp. 7-18. Sobre atuação crítica da atuação do Ministério Público vide CAPPELLETTI, Mauro & JOLOWICZ, J. A. Le rôle du Ministère Public, de la prokouratoura et de l’attorney general dans le procedure civile. Public Interest parties and the active role of the judge in civil litigation. Milào, Giuffrè e Nova York, Dobbes Ferry, 1979

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ênfase na perspectiva coletiva, o que apresenta novos desafios. Na interessante expressão do professor Caio Tácito, abre-se ao Ministério Público a importante função da “Magistratura de persuasão”.3

Todavia, não basta a constitucionalização do inquérito civil público, das notificações em procedimentos administrativos, das diligências investigatórias é fundamental uma mudança paradigmática para se perceber a relevância dos mecanismos extrajudiciais de atuação do Ministério Público e de seu manejo escorreito e produtivo. Existem vários desafios à implementação de uma cultura de valorização da atuação extrajudicial do Ministério Público. O primeiro se revela na própria formação jurídica dos integrantes do Ministério Público. Poucos são os cursos de graduação que estudam seriamente os instrumentos extrajudiciais, ou estimulam as qualidades de investigação ou de negociação de conflitos em seus formandos. Não é raro, portanto, que um membro do Ministério Público venha a ter contato com a atuação extrajudicial apenas quando ingressa no Ministério Público, e acaba por ter que “aprender fazendo” no tradicional processo de “tentativa e erro”. A reflexão teórica sobre o exercício de nossas atribuições extrajudiciais se revela de extremo relevo para que possamos aprimorar nossa atuação e constituir uma memória institucional que possa servir de esteio para todos aqueles que assumem a função ministerial, sendo papel das Escolas Superiores do Ministério Público difundir esse conhecimento. Além da redação de peças processuais outras atividades retratam o cotidiano dos membros do Ministério Público que oficiam na tutela coletiva, como a elaboração de requisições de informações a respeito de fatos investigados, dirigidas a pessoas naturais, ou a pessoas jurídicas de direito público e privado; o recebimento de representações orais e escritas sobre fatos que, em tese, configurem violação aos direitos transindividuais; a oitiva de depoimentos para instruir as investigações; o recebimento de advogados, partes e interessados; a realização de reuniões com representantes do Poder Público, organizações não governamentais, técnicos das mais variadas áreas de conhecimento e colegas do Ministério Público, etc. Aliás, nesse tipo de atividade tem sido cada vez mais comum a atuação coletiva de membros do Ministério Público4. Em muitos casos, um dia intenso de trabalho pode não gerar nenhuma peça processual, como v.g. um dia destinado a realização de uma audiência pública sobre a avaliação de um estudo de impacto ambiental. Devido à multiplicidade e à dinâmica dessas atividades, o Ministério Público ainda tem muita dificuldades em catalogá-las, como se não fossem tão relevantes como os atos a serem realizados em juízo, o que enseja algumas injustiças ao considerar, ainda hoje, pouco diligentes muitos integrantes do Ministério Público com um alto índice de atividade extrajudicial. Ademais, essa miopia institucional pode endossar a perspectiva burocrática daqueles que se preocupam apenas com a movimentação judicial. Ao mesmo tempo a natureza dessas atividades extrajudiciais, notadamente porque em regra geral não precisam ser empreendidas dentro de um prazo peremptório, conjugada com a complexidade de algumas matérias, cria o risco do membro do Ministério Público não saber identificar o que fazer, e, o que é pior, cair na tentação de nada fazer. A omissão do exercício das atribuições ministeriais é tão perniciosa para a sociedade quanto a atuação abusiva, e mais difícil de ser combatida.

Outro enorme desafio, comum à defesa judicial e extrajudicial dos direitos transindividuais, é a insuficiência do conhecimento jurídico para apontar as soluções adequadas para os conflitos que se apresentam. É imprescindível o diálogo com profissionais de diversas áreas para que o próprio diagnóstico da situação conflitiva ocorra e posteriormente se identifique as

3 Expressão utilizada pelo professor Caio Tácito. Pg. 23 “Ombudsman –o defensor do povo”. RDA, Rio de Janeiro n 171, p. 15-25, jan/mar-19884 Sobre o tema vide interessante trabalho publicado nesta coletânea de autoria de Robério Nunes dos Anjos Filho e Oto Almeida de Oliveira Júnior.

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medidas adequadas. Poder contar com peritos, sejam do quadro de apoio do Ministério Público ou de instituições conveniadas, é fundamental para o bom resultado do exercício das funções de Ministério Público. Ademais, a defesa dos direitos transindividuais pressupõe uma abertura do Ministério Público para a sociedade. Como instituição responsável pela preservação da ordem democrática deve o Ministério Público ensejar a maior participação possível dos agentes sociais no exercício das suas atribuições, seja no processo de formação de sua opinião, seja para expô-la à crítica social. Entender que o membro do Ministério Público não deve se encastelar dentro de seu gabinete é essencial para assegurar o melhor resultado dessas atribuições.

Esses desafios devem ser enfrentados pela instituição como um todo, ou seja, o aprendizado dessa atuação deve ser compartilhado por todos os integrantes do Ministério Público, independente das instâncias perante as quais oficiam. Aliás, a organização do Ministério Público acompanhando as instâncias judiciais é anacrônica, uma vez que não existe vedação legal de auxílio no exercício das atividades extrajudiciais dos que oficiam na primeira instância pelos que atuam em outras instâncias, embora tal aconteça de maneira bastante episódica. O presente artigo objetiva apresentar os lineamentos básicos e alguns aspectos controvertidos de três instrumentos de atuação extrajudicial do Ministério Público, a saber: inquérito civil público, compromisso de ajustamento de conduta e recomendação legal. Dentro do exame da legislação vigente sobre tema enfocaremos a Resolução nº 23/2007 do Conselho Nacional do Ministério Público que pretendeu uniformizar a atuação da instituição na tutela coletiva. Apesar da crítica de alguns, que vislumbram interferência do Conselho no exercício das atividades fins do Ministério Público desbordando dos termos previstos no artigo 130-A da Constituição Federal, reputamos constitucional a iniciativa do Conselho de regulamentar o cumprimento dos deveres funcionais dos membros do Ministério Público, desde que observadas as prescrições legais. O que o Conselho Nacional do Ministério Público não pode é intervir na condução específica de inquéritos civis públicos, o que representaria a violação de sua missão constitucional de velar pela independência funcional do Ministério Público5. Sempre que possível invocaremos a jurisprudência para ilustrar nossos pontos de vista.

2.0 Inquérito civil

2.1 Considerações Gerais

O inquérito civil foi concebido na lei da ação civil pública em 1985 como um procedimento de investigação de atribuição exclusiva do Ministério Público para a verificação da existência de lesão ou ameaça de lesão a direito transindividual6. É considerado um instituto

5 Segundo decidido no Pedido de Providência nº 90/2005, relatora para o acórdão Janice Ascar, conforme trecho da ementa da decisão: “Pedido de providências para suspensão e posterior trancamento de inquérito civil público instaurado, fundamentadamente, por membro do Ministério Público Estadual, sob o argumento- da autoridade- averiguada- de tratar-se de matéria atinente à Justiça Federal. Não cabe ao Conselho Nacional do Ministério Público interferir na atividade fim dos membros do Parquet. Se a parte investigada entender que está com a razão, deve recorrer aos meios legais- Poder Judiciário- para trancar a investigação ou deslocá-la para outra esfera de atribuição ou de jurisdição. O CNMP tem competência constitucional para desconstituir atos administrativos. Os atos concernentes à atividade fim dos membros do Ministério Público brasileiro não estão sujeitos à revisão, alteração, ou desconstituição pelo Conselho Nacional do Ministério Público, sob pena de violação ao princípio da independência funcional.” A decisão está disponível no site www.cnpj.gov.br 6 Consoante Mazzili : “ o inquérito civil é uma investigação administrativa prévia a cargo do Ministério Público, que se destina basicamente a colher elementos de convicção para que o próprio órgão ministerial possa identificar se ocorre circunstância que enseja eventual propositura de ação civil pública ou coletiva.” Pg. 46 O Inquérito civil. São Paulo: Saraiva, 1999.

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genuinamente brasileiro7, e se distingue do inquérito policial e do procedimento administrativo que antecede a prática de determinados atos da Administração Pública. Ao contrário do inquérito policial, e até da primeira idéia de inquérito civil8, quem preside a investigação é o membro do Ministério Público com atribuição para adotar as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis ao caso. Essa é uma das qualidades do inquérito civil, uma vez que quem determina as diligências da investigação tem o compromisso pleno com o resultado de uma eventual demanda, possuindo assim condições de prepará-la de forma mais adequada. Não por outra razão, a liderança do Ministério Público na tutela dos direitos transindividuais em nosso sistema jurídico está intimamente relacionada à concepção do inquérito civil público. O inquérito civil público está disciplinado no artigo 129, III da Constituição Federal nos arts. 8° e 9° da Lei 7347/85; nos arts. 25, IV, e 26 da Lei 8625/93 (Lei Orgânica do Ministério Público dos Estados); no arts. 6°, VII, e 8° da Lei Complementar 75/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União); na Resolução n° 23/2007, do Conselho Nacional do Ministério Público, e nas demais resoluções internas de cada ramo do Ministério Públlico.

2.2 Objeto do inquérito civil público

O objetivo precípuo do inquérito civil é investigar a materialidade dos fatos potencialmente ou efetivamente lesivos a um direito transindividual, identificando os responsáveis pela sua prática9. O objeto do inquérito civil é o mais amplo possível, podendo se referir a um fato determinado, ou a um conjunto de fatos que revelem um estado de coisas contrário aos interesses da coletividade, como por exemplo a não implementação de uma política pública determinada por lei10. Na atual sistemática pode o inquérito civil ser utilizado para investigar qualquer tipo de ofensa a direito transindividual, ou seja, direito difuso, coletivo e individual homogêneo11 e até de direitos 7Cf. .MÔNACO, José Luiz. Inquérito civil. Bauru: Edipro, 2000 pg.22. A singularidade do inquérito civil é se constituir investigação para a tomada de decisões relacionadas à defesa judicial e extrajudicial de direitos difusos, nos moldes do inquérito policial. Não se confunde com o procedimento administrativo prévio existente para algumas decisões da Administração, este existente de há muito no direito administrativo. Em Portugal, Canotilho se refere ao inquérito público como instrumento de proteção ao meio ambiente, mas este tem a natureza de um processo administrativo tradicional apenas com a possibilidade de participação popular. “Por inquérito público entende-se o conjunto de averiguações públicas destinadas a preparar uma decisão administrativa (seja ela um acto, um regulamento ou um contrato administrativo), podendo estar aberto a qualquer interessado ou ser limitado por lei a interessados que preencham determinados requisitos de conexão com a decisão administrativa eme preparação. Este instrumento reflecte a importância do princípio da participação dos interessados na formação das decisões administrativas, assumindo grande relevo nos procedimentos de aprovação de instrumentos de planejamento, nos de e licenciamento de actividades económicas e quanto à avaliação de impacto ambiental.” (Introdução ao direito do ambiente, Lisboa: Universidade Aberta, 1998. Pp. 127/128) 8Cf. lembra Mazzilli : “Dentro desse quadro, mas ainda sem a visão do que viria a ser o inquérito civil de hoje , e bastante influenciado pelo sistema então vigente do inquérito policial, em palestra proferida eme 1980 no Grupo de Estudos de Ourinhos em 1980, o Promotor de Justiça paulista José Fernando da Silva Lopes sugeriu, então, a criação de um inquérito civil, à guisa do já existente inquérito policial. Não previra ele o instituto como passou a existir na Lie n. 734785, mas sim como um procedimento investigatório dirigido por organismos administrativos , a ser encaminhado ao Ministério Público para servir de base à propositura da ação civil pública. Sustentara José Fernando que o Ministério Público , no inquérito civil, “ a exemplo do que ocorre com o trabalho desenvolvido pela polícia judiciária através do inquérito policial, pudesse valer-se dos organismos da administração para realizar atividades investigatórias preparatórias”- ou seja, atividades que preparariam a eventual propositura da ação civil pública. “( grifos do autor) pg. 42. Op., cit. 9 “O inquérito civil público é procedimento informativo, destinado a formar a opinio actio do Ministério Público. Constitui meio destinado a colher provas e outros elementos de convicção, tendo natureza inquisitiva.” (STJ, RESP 644994 , 2ª T, DJU de 21/03/2005, p. 336, rel. Min, João Otávio de Noronha)10Como o STF admitiu o controle de política pública através da ação civil pública, o mesmo se aplica ao inquérito, ato preparatório desta. (STF, RE 436996 AgR/SP, rel. Min. Celso de Mello, 22.11.2005)11O entendimento dominante é que o Ministério Público pode fazer a defesa de direitos individuais homogêneos quando há interesse social nesta tutela. (Precedentes STF RE 163231, Informativo STF , nº 64; RESP 439509, 4ª T., DJU

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individuais indisponíveis cuja defesa seja de atribuição do Ministério Público12. Conforme a dicção da Resolução nº 23/ 2007 o inquérito civil serve de preparação para o exercício das atribuições inerentes às funções institucionais do Ministério Público.

Destarte, é indiscutível que o mesmo possa ser utilizado para a identificação de elementos para o ajuizamento de ação de improbidade. Como é cediço, a lei de improbidade tem uma previsão normativa própria, foi concebida na lei 8429/92, enquanto o inquérito civil público foi disciplinado na lei da ação civil pública (lei 7347/85). Todavia, a Constituição Federal de 1988, ao discipliná-lo, e estabelecer os poderes ínsitos a esta investigação deu um novo valor a este instrumento, permitindo que o mesmo fosse utilizado para o exercício de todas as atribuições constitucionais do Ministério Público. No caso da tutela do patrimônio público, é evidente que há um interesse difuso à boa gestão do Erário Público que pode ser protegido através da ação civil pública, ou da ação de improbidade, aliás há previsão expressa no artigo 129, III da Constituição Federal no sentido de que o Ministério Público está legitimado para tanto. De outra feita, a Lei 8625/93, Lei Nacional do Ministério Público dos Estados, assim como a Lei Complementar 75/93, Lei Orgânica do Ministério Público da União13, admitem expressamente a tutela do patrimônio público através da ação civil pública, conforme aliás entendimento do Superior Tribunal de justiça. 14.

Ao mesmo passo é o inquérito civil público um instrumento de cidadania., porque enseja a participação de todos no controle dos atos do Poder Público, da forma mais ampla possível, posto que independente da condição de eleitor do representante, sendo reconhecido como um importante instrumento de participação política.15

2.3 Natureza e características do inquérito civil

30/08/2004, pg. 292) 12Neste sentido: MANDADO DE SEGURANÇA - MENOR INCAPAZ - DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL - MINISTÉRIO PÚBLICO - LEGITIMIDADE ATIVA PARA PROPOSITURA DA AÇÃO. - O Ministério Público, como defensor da sociedade que é, não é obrigado apenas a se limitar à defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, mas pode e deve, da mesma forma, defender os interesses individuais indisponíveis, como o direito à vida e à saúde daqueles que, devido à situação em que se encontram, necessitam de sua proteção. (TJ/MG, 1ª Câmara Cível, Processo: 1.0702.07.372888-4/001(1) Relator: Vanessa Verdolim Hudson Andrade Data do Julgamento: 04/03/2008 Data da Publicação: 28/03/2008) - IDOSO - DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL - LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA AJUIZAR A AÇÃO - ESTATUTO DO IDOSO. - O art. 129, III, da CF, traz, entre as funções institucionais do órgão ministerial, a promoção do inquérito civil e da ação civil pública. E o Estatuto do Idoso (art.74, I, da lei 10.741/2003) veicula a possibilidade de ajuizamento de ação para proteção de direito individual indisponível, como já existia no Estatuto da Criança e do Adolescente, havendo, no caso, interesse de agir. ( TJ/MG, 7ª Câmara Cível, Processo: 1014504162647-7/002(1), Relator: Wander Marotta Data do Julgamento: 16/01/2007 Data da Publicação: 02/03/2007)13 Artigo 25, IV, b da lei 8625/1993 e artigo 6º, VII, b da Lei complementar 75/93. 14 Conforme enfatiza o Ministro Luiz Fux, do Superior Tribunal de Justiça, no REsp n. 637.596 - SP, ""a promulgação da Constituição Federal de 1988 alargou o campo de atuação do Parquet, legitimando-o a promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros direitos difusos e coletivos (art. 129, III,CF/88). Consectariamente, o Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos. O inciso IV do art. 1.º e o parágrafo 1º do art. 8º da Lei n.º 7.347/85 legitimam o Ministério Público à promoção de inquérito civil e a propositura da ação civil pública em defesa de qualquer interesse difuso ou coletivo, abarcando nessa previsão o resguardo do patrimônio público, máxime diante do comando do art. 129, inciso III, da Carta Maior, que prevê a ação civil pública, agora de forma categórica, como instrumento de proteção do patrimônio público e social."" (Precedentes: REsp n.º 686.993/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 25/05/2006; REsp n.º 815.332/MG, Rel. Min. Francisco Falcão, DJU de 08/05/2006; e REsp n.º 631.408/GO, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU de 30/05/2005).15Nesse sentido MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito da participação política legislativa. Administrativa e judicial. Fundamentos e técnicas constitucionais da democracia. Rio de Janeiro: Renovar, 1992

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Tem natureza de procedimento administrativo de investigação, e por isso, tal qual o inquérito policial, não é obrigatório,16 ou seja, se houver elementos suficientes para a propositura da ação civil pública, da ação de improbidade, ou da ação coletiva, não é necessário que tenha havido inquérito civil prévio. O parágrafo único do artigo 1º da Resolução 23/2007 do CNMP é enfático ao afirmar que o inquérito civil não é condição de procedibilidade para o ajuizamento das ações a cargo do Ministério Público, nem para a realização das demais medidas de sua atribuição própria.

Diante de sua natureza inquisitiva a mera instauração do inquérito civil público não fere direito líquido e certo nem ofende a liberdade de ir e vir, por isso não tem se admitido a impetração de mandado de segurança17 e de habeas corpus 18em face de sua mera instauração. No mesmo sentido, não cabe reparação por dano moral pela instauração do investigação ministerial, ainda que este resulte em arquivamento, uma vez que se trata de regular exercício de funções institucionais19. Isto não quer dizer que a investigação ministerial esteja infensa ao controle judicial desde que ocorra a violação de algum regra legal na condução da investigação, ou haja desvio de finalidade em sua instauração. A inauguração do inquérito civil público tem alguns importantes efeitos pois enseja a prática de atos administrativos executórios (notificações, requisições, condução coercitiva, atos de instrução), já que a atividade requisitória do Ministério Público tem sempre que se dar dentro de um mecanismo formal de investigação20. Configura óbice à decadência dos direitos dos consumidores conforme previsão expressa do art. 26, § 2º, III do Código de Defesa do Consumidor. Impõe, outrossim, a necessidade de encerramento oficial das investigações.

16 “INQUÉRITO CIVIL. AUSÊNCIA QUE NÃO COMPROMETE A AÇÃO CIVIL PÚBLICA. A ausência de inquérito civil não obsta a propositura da ação civil pública pelo Ministério Público, pois se trata de procedimento administrativo destinado à instrução da ação, mas sem constituir condição”. (TJ/RS, 1ª Câm. Cív., DJ 22/04/2008, AI 70020384988, Rel.André Luiz Planella Villarinho) 17 MANDADO DE SEGURANÇA – INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO – VIOLAÇÃO A DIREITO LÍQUIDO E CERTO – INOCORRÊNCIA – Preliminar de Incompetência do Grupo de Câmaras Cíveis para julgar e apreciar o presente writ rejeitada. Unânime. Preliminar de Ilegitimidade passiva do Auditor do Tribunal de Contas do Estado acolhida, excluindo-o da relação processual. Unânime. Não viola direito líquido e certo a instauração de inquérito civil público pelo Órgão Ministerial, que dessa forma exerce suas funções por imperativo constitucional. Segurança denegada, cassando-se liminar concedida. Unânime. (TJPE – MS 69557-8 – Rel. Des. José Fernandes – DJPE 12.03.2002 – p. 47)18 HABEAS CORPUS – INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO – Requisição de informações feitas por promotor de justiça e curador do patrimônio público – Ameaça ou constrangimento ilegal à liberdade de locomoção – Inexistência – Procedimento inadequado – Não conhecimento. (TJMG – HC 000.269.280-4/00 – 2ª C.Crim. – Rel. Des. Luiz Carlos Biasutti – J. 14.03.2002) INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO – NOTIFICAÇÃO DE SECRETÁRIO MUNICIPAL – POSSIBILIDADE LEGAL – DESCUMPRIMENTO NOTICIADO – NENHUMA MEDIDA DE IMPOSIÇÃO ADOTADA PELO MP – AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL – ORDEM DENEGADA – Tendo o Ministério Público instaurado competente inquérito civil para apurar responsabilidades de secretário municipal, a sua notificação não implica constrangimento ilegal, pois este dentre outros procedimentos estão previstos na Lei. Noticiada a ausência, cabe ao Parquet analisar as circunstâncias que levaram o notificado a não comparecer ao chamamento ministerial para providências. (TJMG – HC 000.262.379-1/00 – C.Esp.Fér. – Rel. Des. José Carlos Abud – J. 17.01.2002)19DANO MORAL - PEDIDO DE ABERTURA DE INQUÉRITO CIVIL - ALEGAÇÃO DE OFENSA À HONRA - EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO - SENTENÇA MANTIDA. O pedido de abertura de inquérito para apuração de possível irregularidade não gera direito a indenização por danos morais, sob pena de ser negada vigência ao art. 5º - XXXV da Constituição Federal. O arquivamento do inquérito civil pela ausência de constatação de ato ilícito, por si só, não acarreta o dever de indenizar. (TJ/MG, 9ª Câmara Cível, Processo: 10720020052661/001(1) Relator: Antônio de Pádua Data do Julgamento: 10/01/2006 Data da Publicação: 11/03/2006) 20 MINISTÉRIO PÚBLICO – ATRIBUIÇÕES – LCE Nº 734/93, ART. 104, III E 106 § 1º – REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÕES AO PREFEITO MUNICIPAL – O poder de requisitar informações e documentos, previsto no art. 104, inciso I, letra “b” da LCE nº 734/93 (Lei Orgânica Ministério Público) pressupõe a existência do inquérito civil e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes, como mencionado no inciso I ‘caput’ desse artigo. (TJSP – MS 86.773-5 – São Paulo – 8ª CDPúb. – Rel. Des. Torres de Carvalho – 24.02.1999)

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Como se trata de um procedimento que não pode resultar em aplicação de sanções ou restrição de direitos21, a ele não se aplica o princípio do contraditório.22 Na verdade, a instrumentalização da investigação do Ministério Público é vantajosa para todos a quem se imputa a lesão a algum direito transindividual, uma vez que se trata de um filtro para a propositura das ações descabidas. Embora não haja a necessidade de ouvir todos os envolvidos na prática de determinados atos, é muito relevante, sobretudo, quando há dúvidas sérias sobre os fatos investigados, a oitiva daqueles a quem se imputa o ato. Vale registrar que, na prática, a participação do envolvidos é rotineira, sem que haja, contudo, a obrigatoriedade da bilateralidade da audiência de todos os atos a serem perpetrados no inquérito. Como todo procedimento administrativo, o inquérito civil se caracteriza pela nota do informalismo. Não existe um rito a ser observado na condução dessa investigação, embora deva ser sempre escrita, sendo que as atividades orais devem ser reduzidas a termo. Não abriga, por exemplo, o instituto da preclusão, nem o rigor no cumprimento de prazos, típicos do processo jurisdicional. Deve, contudo, observar uma lógica mínima que garanta o seu sucesso, com uma fase de instauração, outra probatória e uma conclusiva. Daí porque realmente é necessário uma certa perícia na condução da investigação, identificando-se quem pode prestar informações esclarecedoras sobre o caso, que tipo de documentação é relevante para a configuração do ato lesivo ao direito transindividual investigado, quais informações podem ser acessadas nos mais diversos bancos de dados públicos e privados, quais as diligências que se revelarão eficazes, e tantas outras questões que refletem na qualidade da investigação. O inquérito civil pode ser antecedido por procedimento preparatório, sobretudo quando a configuração dos fatos como lesão a direito transindividual e a autoria dos mesmos seja incerta. Embora tenham um regime bastante parecido com o inquérito civil pois os mesmos poderes e as mesmas limitações caracterizam este procedimento, são investigações preliminares que merecem um regramento específico no artigo 2º da Resolução 23/2007 do Conselho Nacional do Ministério Público. O procedimento preparatório deve ser concluído no prazo de noventa dias, prorrogável por igual período, uma única vez, em caso de motivo justificável. Seu arquivamento, deve ser submetido ao controle do órgão Superior nos termos da lei 7347/85. Caso não seja arquivado será convertido em inquérito civil ou em peça de instrução de medida judicial cabível.

21No mesmo sentido MAZZILLI, Hugo Nigro. Op, cit. pg. 48. MÔNACO, José Luiz. Op, cit. pg. Carvalho Santos afirma: “No inquérito civil, inexistem litigantes, porque o litígio, se houver, só vai configurar-se na futura ação civil; nem acusados , porque o Ministério Público limita-se a apurar fatos , colher dados, juntar provas e, enfim, recolher elementos que indiciem a existência de situação de ofensa a determinado interesse transindividual indisponível. Por isso, como bem acentua José Emmanuel Burle Filho, em estudo que fez a respeito do tema, que o inquérito civil não tem partes, participantes ou acusados, razão por que não incide o dispositivo constitucional e que “ quando se trata de procedimento investigatório, sem objetivar, ainda, qualquer punição, não se pode pretender o contraditório e a ampla defesa.” Pg. 175/176 Ação civil pública. Comentários por artigo. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1998.22 Embora alguns autores defendam o contraditório no inquérito civil público como Marcelo Abelha Rodrigues, a jurisprudência dominante sufragado a idéia de inaplicabialidade do contraditório: ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ATO DE IMPROBIDADE – LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO – INQUÉRITO – DIREITO DE DEFESA – LICITAÇÃO – DISPENSA – CONTRATAÇÃO DIRETA DE EMPRESA DE RADIODIFUSÃO – COMPETIÇÃO – DANO AO ERÁRIO – 1. Consoante jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, o Ministério Público tem legitimidade para ajuizar ação civil pública visando a reparação de dano ao erário decorrente da prática de ato de improbidade administrativa. 2. Como o inquérito civil público tem natureza inquisitorial, não ensejando a aplicação de penalidade, não está sujeito ao contraditório e a ampla defesa. Precedente do STJ. 3. Não configura ato de improbidade administrativa a contratação direta do único jornal e da única emissora de rádio locais, em pequeno município do interior do Estado, para publicidade e divulgação de atos oficiais. 4. Constitui ato de improbidade administrativa a contratação, sem processo de licitação, pelo prefeito municipal de empresa de radiodifusão sediada em outro município para divulgação de notícias, quando comprovada a possibilidade de competição pela existência de emissora local. Hipótese, ainda, em que a emissora contratada tem audiência restrita a apenas parte do município. Apelação provida em parte. Recurso adesivo desprovido. (TJRS – APC 70003117561 – 2ª C.Cív. – Relª Desª Maria Isabel de Azevedo Souza – J. 27.02.2002)

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Outras medidas como o compromisso de ajustamento de conduta e a recomendação legal também podem ser adotadas no procedimento preparatório. O adjetivo civil qualifica a função do inquérito para investigar fatos da órbita não penal. Embora seja uma investigação de natureza civil existe a possibilidade de utilização do apurado para fins de investigação de crime.23 Aliás, em matéria de crime ambiental há previsão expressa no parágrafo único do artigo 19 da Lei 9605/1998 no sentido de que a comprovação do dano ambiental para fins penais pode ser obtida através de elementos coligidos em inquérito civil público, instaurando-se o contraditório na ação penal.

2.4 Instauração do inquérito civil

A instauração do inquérito pode ocorrer a partir de representação de qualquer pessoa, de associação, de pessoa jurídica de direito ou de direito privado, de outro órgão do Ministério Público, de designação do Procurador-Geral, do Conselho Superior do Ministério Público ou das Câmaras de Coordenação e Revisão ou de ofício.24 A participação da sociedade tem sido relevante na provocação dos inquéritos civis, sendo considerada uma verdadeira forma de participação política mais ampla25, mesmo porque não é necessário o status de eleitor para que se possa deflagrar a investigação. A representação pode se dar de qualquer forma, inclusive oral, sendo neste caso reduzida a termo, devendo fornecer informações sobre o fato e seu provável autor, bem como a qualificação mínima que permita sua identificação e localização. Embora seja interessante que a identidade de quem motiva a investigação seja pública, nem sempre isso é possível. Pode, assim, a denúncia anônima, que tenha uma consistência mínima, ensejar a instauração de investigação. O entendimento do Supremo Tribunal Federal é de que o anonimato pode dar ensejo a investigações preliminares mas não a processo formal, o que poderá ocorrer depois do resultado destas investigações26. O correto, portanto,é que se instaure investigações preliminares a partir da denúncia anônima, e só após restar evidenciada a confirmação dos indícios apresentados convertê-la em inquérito civil. A lei nº 10.028, de 19 de Outubro de 2000, que deu nova redação ao artigo 339 do Código Penal considera crime dar causa a instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente, punindo, inclusive, com mais rigor quando o agente do crime se vale do anonimato ou de nome falso para provocar a investigação indevida. Ora, o inquérito civil é uma investigação sobre fatos violadores dos direitos transindividuais ou de atos de improbidade, que não se confundem com crimes, por isso só pode ocorrer crime de denunciação caluniosa quanto os fatos representados no inquérito civil configuram tipo penal, uma vez que o tipo exige a imputação de crime a pessoa reconhecidamente inocente por quem a denuncia27.

23 “Caso em que os fatos que basearam a inicial acusatória emergiram durante o Inquérito Civil, não caracterizando investigação criminal, como quer sustentar a impetração. A validade da denúncia nesses casos - proveniente de elementos colhidos em Inquérito civil - se impõe, até porque jamais se discutiu a competência investigativa do Ministério Público diante da cristalina previsão constitucional (art. 129, II, da CF). Habeas corpus indeferido.” (HC 84367/RJ Relator Min. Carlos Britto, Primeira Turma, DJ de 18/02/2005, P. 29)24 Nos termos do artigo 2º da Resolução 23/2007 do CNMP.25 Nesse sentido Diogo de Figueiredo. Op, cit. pg. 139. “Em síntese, a provocação do inquérito civil é um instituto de participação administrativa, aberto a pessoas físicas ou jurídicas da sociedade civil, visando à legalidade e à legitimidade da ação administrativa, formalmente estabelecido, com o objeto de submeter à apreciação do Ministério Público, provas ou indícios de violações de interesses difusos , com vistas à postulação da ação civil pública.” 26 MS 24369. Rel. Min. Celso de Mello. Impetrante: Conselho Federal de Farmácia. Impetrado: Ministro do TCU Marcos Vilaça.27Nesse sentido: HABEAS CORPUS. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. REPRESENTAÇÃO À CORREGEDORIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA APURAÇÃO DE FATOS. INEXISTÊNCIA DE IMPUTAÇÃO DE CRIME. DESCUMPRIMENTO DO ART. 41 DO CPP. A moldura típica do

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É possível o indeferimento liminar da instauração de qualquer tipo de investigação quando se revelar improcedente a representação, quando a notícia dos fatos for por demais genérica, e em caso de evidência de que tais fatos não configuram lesão a direitos cuja a defesa está ao encargo do Ministério Público. O mesmo destino pode ocorrer se o fato já tiver sido objeto de investigação arquivada e não houver prova nova, se já estiver abrangido em ação civil pública ou se a controvérsia não for mais atual porque o conflito foi solucionado através de atendimento de recomendação legal, de cumprimento de compromisso de ajustamento de conduta ou mesmo de forma espontânea, desde que haja elementos para comprovação destas causas deste o início da investigação. Nos termos da Resolução 23/2007 tal indeferimento deve ocorrer no prazo máximo de trinta dias, em decisão fundamentada, da qual se dará ciência pessoal ao representante e ao representado, decisão passível de recurso administrativo no prazo de dez dias aos órgãos de controle, podendo haver o juízo de retratação pela autoridade que preside a investigação. No caso de atribuição originária do Procurador-Geral é cabível apenas o pedido de reconsideração. Uma importante questão é se o Ministério Público pode deixar de encetar uma investigação alegando que a questão versada no inquérito civil não é prioritária para a instituição. Como é cediço, a tutela dos direitos transindividuais não é de legitimação exclusiva do Ministério Público, o que permite, a nosso juízo, que a instituição possa eleger demandas e temas prioritários de atuação. O ideal é que tal ocorra da forma pública e democrática para que a sociedade exerça o controle social sobre esta definição de metas, e possa cobrar o seu pleno atendimento. Todavia, ainda existe muita relutância em aceitar tal entendimento, uma vez que tradicionalmente se reconhece o princípio da obrigatoriedade do exercício do múnus ministerial.

Embora não haja expressa previsão normativa, o membro do Ministério Público representado pode, de imediato, reconhecer ausência de sua atribuição para investigar os fatos, e remeter à autoridade reputada competente. Ao nosso juízo, nesta hipótese não há necessidade de submeter tal entendimento à homologação dos órgãos de controle interno, bastando cientificá-los bem como fazê-lo em relação ao representante. Aliás, durante toda a investigação pode haver a declinação de atribuição, o que pode ensejar que o outro membro do Ministério Público suscite eventual conflito negativo ou positivo de atribuição, o que deve ser feito de forma fundamentada, nos próprios autos ou em petição dirigida ao órgão com atribuição no respectivo ramo, que decidirá a questão no prazo de trinta dias. Os conflitos de atribuições negativos e positivos internos de cada ramo são decididos pelos órgãos de revisão interna, no caso do Ministério Público dos Estados pelo Procurador-Geral de Justiça ( art. 10, X da Lei 8625/93), no caso do Ministério Público Federal pelas Câmaras de Coordenação e Revisão e pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, com recurso para o PGR(LC 75/93, art. 62, VII, e art. 49, VIII), no caso do Ministério Público do Trabalho pela Cãmara de Coordenação e Revisão com recurso para o Procurador-Geral do Trabalho(LC 75/93, art. 106, VI e art. 93, VII). Os conflitos de atribuições entre órgãos do Ministério Público da União (MPF, MPT e MPDFT) devem ser dirimidos pelo Procurador-Geral da República(LC 75/93 art. 26,VII ) que tem ascendência sobre todo o Ministério Público da União. Quanto ao conflito de

crime de denunciação caluniosa circunscreve-se a duas ordens de situação, uma envolvendo a conduta de dar “dar causa (motivar, provocar, originar) à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém” (Luiz Régis Prado Júnior – Curso de Direito Penal, Vol. 4, pág. 584); e outra de imputar um fato definido como crime. Se a denúncia deixa de descrever qual o crime a que o Paciente teria creditado ao promotor de justiça vítima, então não se pode ter em conta a tipicidade da denunciação caluniosa, sendo a peça de acusação formalmente inepta. Ordem concedida para trancar a ação penal. HC 58908 / BA 2006/0100935-5 Relator(a) Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, Data do Julgamento 11/03/2008 Data da Publicação/Fonte DJ 14.04.2008)

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atribuições entre Ministério Público Federal e Ministério Público dos Estados há precedente de que o mesmo deve ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal28.

As representações dirigidas ao Ministério Público devem ser distribuídas segundo as regras internas de cada Ministério Público, de modo a que se preserve o princípio do promotor natural. Este princípio constitucional implícito, concebido como corolário da idéia de juiz natural, garante ao cidadão que não haja a eleição casuística de membros do Ministério Público para o exercício de seus múnus, o que poderia ensejar perseguições ou favorecimentos indevidos. Todavia, sua incidência não pode reduzir a eficiência da atuação ministerial, por isso pode haver auxílio ao Promotor natural, como as forças-tarefas, os grupos de trabalho e as equipes de apoio, inclusive com a atuação de membros de Ministério Público de diversos ramos e de diversas instâncias, mas sempre com a anuência e participação do promotor natural.

O Procurador-Geral determina a instauração de inquérito civil público para apurar fatos cuja investigação esteja na sua esfera de atribuição segundo os preceitos normativos vigentes, podendo delegar a execução de atos a outros membros do Ministério Público. Não pode haver ampliação da esfera legal de atribuição dos Procuradores-Gerais, sob pena de violação do princípio do promotor natural e o da independência funcional. Por sua vez, o Conselho Superior do Ministério Público dos Estados e as Câmaras de Coordenação e Revisão do Ministério Público da União geralmente examinam a necessidade de instauração de inquérito civil público no exercício do controle de arquivamento de procedimentos preparatórios. Nesta última hipótese, deve ser designado membro do Ministério Público que não tenha requerido o arquivamento da investigação, em homenagem ao princípio da independência funcional.

Tendo o membro do Ministério Público conhecimento pessoal, de qualquer forma, da existência de lesão ou ameaça de lesão aos direitos aos quais incumbe defender, pode haver a instauração de ofício da investigação, sejam investigações preliminares seja o inquérito civil público. Terá atribuição para a instauração de ofício aquele que pode adotar as medidas judiciais competentes, de acordo com as regras internas de distribuição.

Um aspecto relevante é sempre atentarmos que a instauração de ofício não pode ocorrer quando o membro do Ministério Público seja impedido ou suspeito, por ter vínculos pessoais com os envolvidos na questão ou por ser beneficiário direto de alguma medida que venha a ser adotada na investigação. Pode se aplicar analogicamente as disposições da lei 9784/98 que versam sobre exceção de impedimento e suspeição no processo administrativo. Todavia, obviamente não há impedimento ou suspeição do membro que conduziu a investigação em propor as medidas judiciais competentes.29

O conhecimento dos fatos pelo Ministério Público pode ensejar a instauração de ofício de procedimento preliminar ou de inquérito civil públco. Nesta última hipótese haverá a edição de portaria, registrada e autuada em livro próprio, contendo, nos termos do artigo 4º da Resolução 23/2007 do CNMP o fundamento legal que autoriza a ação do Ministério Público e a descrição do fato objeto do inquérito civil; o nome e a qualificação possível da pessoa jurídica e/ou física a quem o fato é atribuído; o nome e a qualificação possível do autor da representação, se for o caso; a data e o local da instauração e a determinação de diligências iniciais; a designação do secretário, mediante termo de compromisso, quando couber; a determinação de afixação da portaria no local de costume, bem como a de remessa de cópia para publicação. A cota de instauração do procedimento preliminar deverá conter todos estes elementos ainda que de forma mais sintética. No

28 Informativo 403, Rel. Min. Marco Aurélio, Conflito de atribuições, Pet. 3528/BA29“ O art. 129, III, da CR define ser atribuição institucional do Ministério Público a instauração do inquérito civil público e da ação civil pública, logo, o Promotor atuante na Comarca está habilitado a promover estes dois procedimentos, sem que haja exclusão de sua competência por ter realizado, anteriormente, o procedimento administrativo”. (TJ/MG, 3ª Câmara Cível, Processo: 1000000303167-1/000(1) Relator: LUCAS SÁVIO DE VASCONCELLOS GOMES Data da Publicação: 03/10/2003)

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caso da investigação resultar na apuração de fatos diversos do inicialmente cogitado pode haver o aditamento da portaria ou a instauração de um novo inquérito.

2.5 Instrução do Inquérito civil

No inquérito civil público ou nos procedimentos preliminares todas as provas lícitas podem ser realizadas para o esclarecimento dos fatos. Exerce o Ministério Público os poderes de requisição de informações de pessoas naturais e jurídicas, de direito público e de direito privado. A requisição de informações e de documentos é vital para a adequada instrução das investigações do Ministério Público. O prazo de 10 dias para a resposta da requisição é o considerado razoável pelo legislador, tanto que o descumprimento infundado de requisição de elementos técnicos indispensáveis à propositura da ação que configura crime tem como prazo 10 dias. É possível requisitar de forma justificada em prazo menor, sabendo que neste caso não pode haver a configuração do tipo penal. Do mesmo modo o grau de dificuldade na obtenção das informações requisitadas pode justificar a determinação de um prazo mais amplo.Os ofícios requisitórios devem ser sempre fundamentados e acompanhados de cópia da portaria ou cota que instaurou a investigação.30 Em determinadas situações legais somente o Procurador-Geral da República ou o Procurador-Geral de Justiça podem se dirigir a certos destinatários de requisição. O § 4º da Lei Complementar 75/93 determina que o Procurador-Geral deve levar a efeito as correspondências, notificações e intimações dirigidas ao Presidente da República, ao Vice-Presidente da República, ao membro do Congresso Nacional, ao Ministro do Supremo Tribunal Federal, ao Ministro de Estado, ao Ministro de Tribunal Superior, ao Ministro do Tribunal de Contas da União ou ao Chefe de missão diplomática de caráter permanente. Já a lei 8625/93 determina no § 1º do artigo 27 que compete ao Procurador-Geral de Justiça as mesmas atribuições quando o destinatário for Governador do Estado, membros do Poder Legislativo e desembargadores. A Resolução 23/2007 do CNMP, por sua vez, mescla as duas determinações legais, desbordando da regulamentação legal, ao nosso juízo, atribuindo aos Procuradores-Gerais o poder de requisitar informações das autoridades máximas das esferas federais e estaduais , incluindo, ainda, os Conselheiros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, os Conselheiros dos Tribunais de Contas, os Secretários de Estado. Ao menos o Conselho Nacional de Justiça explicitou que não cabe aos Procuradores-Gerais exercer juízo de valor sobre as requisições, apenas examinar a presença dos requisitos legais e e a adequação do tratamento protocolar.

Muito embora a lei complementar 75/93 determine no § 2º do artigo 8º que nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido , e excepcione expressamente apenas o sigilo das telecomunicações, o entendimento jurisprudencial dominante impõe o recurso ao Judiciário para o acesso a determinadas informações, como por exemplo para a quebra de sigilo bancário. Esta pode ser obtida para fins de instrução de inquérito civil como uma medida cautelar probatória31. Cumpre ressaltar, todavia, que 30 Segundo previsão expressa do § 9º do art. 6º da Resolução CNMP.31 SIGILO BANCÁRIO – 1. MEDIDA CAUTELAR – 2. QUEBRA – POLICIAIS CIVIS – 1. Instrução de procedimento preparatório de inquérito civil. Quebra requerida pelo Ministério Público, visando à instrução de procedimento preparatório de inquérito civil. Denúncia anônima de prática de atos de improbidade administrativa, na modalidade de enriquecimento ilícito, por policiais civis. Impossibilidade de requisição direta pelo Ministério Público. Necessidade de intervenção do Poder Judiciário. Determinação que pode ser feita em qualquer causa, incluída a medida cautelar. O sistema pátrio veda apenas o emprego de meio estranho ao processo legal e ao contraditório. Cautelar julgada improcedente. Decisão mantida. 2. Pedido baseado exclusivamente em denúncia anônima. Inadmissibilidade. Apelação não provida. No Estado Democrático de Direito, baseado na Carta de 1988, o sigilo bancário somente pode ser suspenso pelo Poder Judiciário e pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, nos termos do art. 58, § 3º, da Constituição Federal (cf. Miguel Reale, parecer, in RF 324/115). “O caráter não absoluto do segredo bancário, que

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não existe a necessidade de quebra de sigilo judicial quando se trata de contas correntes depositárias de recursos públicos32. Há controvérsia, também, sobre a obtenção de informações preservadas sob sigilo médico, sobretudo quando é necessário o acesso aos prontuários dos pacientes e inexiste autorização formal dos mesmos. Como é cediço, o sigilo médico existe para proteger a intimidade do paciente. Não havendo esta autorização o mais simples é obter a análise dos prontuários pelo auditor do Sistema Único de Saúde que como médico goza de permissão de examinar irrestritamente os prontuários. Caso seja fundamental a obtenção de cópia do protocolo, e haja recusa do profissional de saúde, deve se recorrer ao Judiciário. Existe expressa vedação constitucional à quebra de sigilo de telecomunicações para fins de investigação civil nos termos do artigo 5º, inciso XII. Antes de tudo é importante ressaltar que a mera identificação e obtenção do endereço dos usuários de telefones fixos e móveis não configura quebra de sigilo das comunicações telefônicas (interceptação), ou de "comunicação de dados"33. A obtenção destes dados pelo Ministério Público independe de prévia autorização judicial, constitui regra em direito comparado, no sentido de que deve ele ceder diante do interesse público, é reconhecido pela maioria dos doutrinadores”. “O segredo há de ceder entretanto na forma e com observância de procedimento estabelecido em lei, hipótese a que se não ajusta simples denúncia anônima”. (TJSP – AC 70.098.4/8-00 – SP – 9ª C. de Direito Privado – Rel. Des. Franciulli Netto – J. 18.05.1999) No mesmo sentido INQUÉRITO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. MEDIDA QUE NÃO SE REVESTE DE CUNHO CAUTELAR. ATO DA AUTORIDADE COATORA QUE DETERMINA A EMENDA DA INICIAL PARA A INCLUSÃO DOS INVESTIGADOS NO PÓLO PASSIVO. DESNECESSIDADE. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL QUE PODE SER REQUERIDA NOS PRÓPRIOS AUTOS DE INQUÉRITO CIVIL OU EM PETIÇÃO AUTÔNOMA, ACOMPANHADA DE ELEMENTOS DE PROVA DOS FATOS QUE JUSTIFIQUEM O DEFERIMENTO DO PEDIDO. SEGURANÇA CONCEDIDA. A quebra do sigilo bancário, na pendência de inquérito civil, é medida sujeita à autorização do Poder Judiciário, a partir de requerimento do Ministério Público, cuja forma não conta com previsão legal expressa, admitindo-se que o pleito conste dos próprios autos do inquérito ou de petição autônoma, acompanhada de elementos de prova dos fatos que justifiquem o respectivo levantamento dos dados protegidos. (TJRS Nº do Acórdão: 28905 Órgão Julgador: 4ª Câmara Cível Processo: 0421178-1 Recurso: Mandado de Segurança (Cam-Cv) Relator: Abraham Lincoln Calixto Julgamento: 02/10/2007 19:00 Dados da Publicação: DJ: 7474 )32 O que já foi afirmado pelo egrégio Supremo Tribunal Federal, em sede do Mandado de Segurança nº 21729-4/DF, impetrado pelo Banco do Brasil, cuja decisão de indeferimento foi publicada no Diário Oficial da União de 19/10/95. Naquele julgamento, o voto vencedor, proferido pelo Exmo. Ministro Francisco Rezek, bem elucidou a quaestio, afirmando (grifos nossos): “A inovar um temperamento à regra do sigilo bancário estampada na lei de 31 de dezembro de 1964, a lei complementar do Ministério Público não arranhou de modo algum, ao que entendo, a integridade do artigo 5º da Constituição. Deu seqüência curial e necessária ao artigo 129-VI do texto maior, e o fez, admita-se ainda, de modo exemplar. O Ministério Público não age na sombra: têm a melhor forma documental suas requisições desse gênero, a que, na linguagem da norma em exame, não há de opor sob qualquer pretexto a exceção do sigilo. Para que assim não fosse, era preciso que a carta mesma entronizasse tal sigilo. Ela decididamente não o faz no caso de operações bancárias, e custo a imaginar o Ministério Púbico requisitando informações sobre o domínio - este sim resguardado pelo texto maior - da estrita intimidade das pessoas ou das comunicações. (...) Nesse quadro, e com todas as homenagens aos votos até agora proferidos, o meu é no sentido de indeferir a segurança. Não vejo inconstitucionalidade alguma no § 2º do art. 8º da Lei Complementar 75, cujo texto só faz ampliar, dentro da prerrogativa legítima do legislador, o escopo da exceção já aberta ao sigilo bancário no texto da lei originalmente comum que o disciplinou nos anos 60. E o faz em nome de irrecusável interesse público, adotando um mecanismo operacional que em nada arranha direitos, ou sequer constrange a discrição com que se portam os bancos idôneos e as pessoas de bem.” No mesmo sentido CONSTITUCIONAL - MANDADO DE SEGURANÇA - REQUISIÇÃO, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, DE DOCUMENTOS E EXTRATOS BANCÁRIOS - QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO - INOCORRÊNCIA - VIOLAÇÃO A DIREITO LÍQUIDO E CERTO - CONCESSÃO DA ORDEM - O Ministério Público tem direito líquido e certo a ver-lhe fornecidos os documentos e extratos bancários que entende necessários para a instrução de inquérito civil público, não havendo que se cogitar de quebra de sigilo bancário quando a conta a cuja movimentação se pretende ter acesso é oriunda de contrato de convênio financeiro celebrado entre ente municipal e o BDMG, hipótese em que encontra ampla aplicação o princípio da publicidade, que deve nortear a prática de qualquer ato pela Administração Pública. (TJ/MG, 3ª Câmara Cível, Processo: 1002404529882-5/002(1) Precisão: 29 Relator: DÍDIMO INOCÊNCIO DE PAULA Data do Julgamento: 25/10/2007 Data da Publicação: 08/11/2007)33 TRF 4ª Região AG -2006.04.00.034026-3 4ª T. D.E. DATA: 05/03/2007 Relator(a) EDGARD ANTÔNIO LIPPMANN JÚNIOR

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desde que para instruir procedimento investigatório. Sustentamos ser cabível a possibilidade de utilização, como prova emprestada, das conversas devidamente acessadas através dos trãmites adequados no processo penal, no inquérito civil, desde que sejam relevantes para a investigação da lesão a direitos transindividuais34, embora a questão seja mais controversa.

Qualquer interessado pode colaborar na instrução das investigações encetadas pelo Ministério Público, requerendo a juntada de documentos, informações e demais subsídios. Quando não há o atendimento das requisições do Ministério Público pode haver o ajuizamento de busca e apreensão de documento ou de outra medida cautelar que vise garantir a eficácia da investigação, e o respeito à prerrogativa legal da instituição. Na hipótese de ser autoridade pública que denegue a informação o Ministério Público pode impetrar o mandado de segurança para garantir seu direito líquido e certo à informação necessária para a instrução da investigação. O desatendimento intencional da requisição ministerial de informações técnicas relevantes para a investigação no prazo de 10 dias configura o crime previsto no artigo 10 da Lei 7347/85, assim como pode configurar ato de improbidade pelo agente público por violação aos princípios reitores da Administração Pública, nos termos do artigo 11 da lei 8429/92. Também é possível produzir prova oral no inquérito civil. As notificações para comparecimento devam ser efetivadas com uma antecedência mínima razoável, no caso do Ministério Público Federal o prazo é de 48 h (Res. 86/ 2006 art. 9º § 3º), sendo facultada a participação dos advogados. É possível a condução coercitiva da testemunha, inclusive com o recurso à força policial, conforme expresso no artigo da lei 8625/93. Comete o crime de falso testemunho quem faz afirmação falsa como testemunha em inquérito civil público35.Quando se trata do investigado, contudo, não há a possibilidade de condução coercitiva nem tampouco o crime de falso testemunho, em virtude do princípio da não auto-incriminação. As declarações e os depoimentos sob compromisso serão tomados por termo pelo membro do Ministério Público, assinado pelos presentes ou, em caso de recusa, na aposição da assinatura por duas testemunhas. Existe a possibilidade do investigado e de representantes da sociedade requererem a realização de diligências ao presidente do inquérito que deve examinar a relevância das medidas para a instrução do feito. É possível a necessidade de realização de diligências em local diverso da 34Neste sentido, o seguintes precedente: ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. FISCAL DO MUNICÍPIO. CONCERTO DE DEPOIMENTO EM PROCESSO ADMINISTRATIVO. 1. O vencedor não tem interesse em apelar da sentença de improcedência, alegando ilegitimidade ativa e a ilegalidade da escuta telefônica, porque tais questões já se encontram devolvidas ao tribunal, a teor do art. 515, § 2.°, do CPC. Apelação não conhecida. 2. Legitima-se o Ministério Público para instaurar inquérito civil e, por seu intermédio, investigar atos de improbidade imputados a servidor público municipal. Preliminar rejeitada. 3. Lícita se mostra a prova decorrente de escuta telefônica autorizada judicialmente. Preliminar rejeitada. 4. Configura ato de improbidade administrativa, a teor do art. 11, caput, e inc. II, da Lei 8.429/92, concertar o fiscal do Município com o proprietário da empresa autuada o depoimento de uma testemunha, com o fito de livrá-lo da sanção administrativa, consoante prova inequívoca constante do feito. É aplicável, perante a gravidade do caso, o conjunto das sanções previstas no art. 12, III, da Lei 8.429/92. 5. APELAÇÃO PROVIDA. (TJ/RS Apelação Cível Nº 70015688096, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Araken de Assis, Julgado em 09/08/2006)35Nesse sentido: PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 342 DO CP. FALSO TESTEMUNHO EM INQUÉRITO CIVIL INSTAURADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. AUTORIA E MATERIALIDADE. PENA. DOSIMETRIA.) 1. O Ministério Público Federal possui legitimidade para instauração de Inquérito Civil visando investigar o possível desvio de verbas públicas. 2. Dispensável a instauração de procedimento investigatório policial para apuração do delito, se ao órgão acusatório já é possível com elementos que tem formular seu opinio delicti. O oferecimento de denúncia prescinde de prévia instauração e conclusão de Inquérito Policial 3. A r. sentença recorrida encontra-se fundamentada no conjunto probatório colhido e devidamente motivada. Comprovadas a autoria e materialidade do delito do art. 342 do CP, impõe-se a manutenção da condenação dos recorrentes. 4. Não trouxeram aos autos os apelantes qualquer elemento que possa justificar a diminuição da pena pecuniária fixada em substituição a privativa de liberdade. O ônus da prova no processo penal é de quem alega. Incumbiria à defesa demonstrar a alegação de "reduzida capacidade financeira" feita em favor dos acusados. 5. Recurso de apelação não provido. (TRF 1ª Região ACR 2002.39.01.000314-2/PA; APELAÇÃO CRIMINAL Relator: Desembargador Federal Mário César Ribeiro Órgão Julgador: Quarta Turma Publicação: 30/05/2007 DJ p.20 Data da Decisão: 22/05/2007)

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sede do órgão do membro do Ministério Público, podendo-se solicitar a colaboração de membros do mesmo Ministério Público ou de outros ramos que oficiam no local. Um importante aspecto para o bom êxito da investigação é a realização de prova técnica, que muitas vezes se revela extremamente difícil seja por seu custo, seja pela sua complexidade. O Ministério Público já conta com um corpo técnico que exerce um importante papel no auxílio das investigações. Todavia, é inconteste a insuficiência de recursos humanos e orçamentários para atender plenamente às demandas de todo o Ministério. Por isso, é de extrema importância a possibilidade de requisitar serviços de órgãos públicos para o apoio em atuações específicas, bem como a celebração de convênios locais e a utilização dos serviços conveniados em sede nacional. O relacionamento mais estreito com as universidades e com os Conselhos profissionais pode também render interessantes parcerias para fins de instrução dos inquéritos. Outra medida probatória que nunca pode ser desprezada é a inspeção pessoal realizada pelo presidente do inquérito no local onde se deram os fatos investigados. Aliás, o Ministério Público tem livre acesso a qualquer local público ou privado, respeitadas as normas constitucionais pertinentes à inviolabilidade do domicílio. Muitas vezes a compreensão plena dos fatos só ocorre com o exame pessoal do membro do Ministério Público. Deve haver o adequado registro desta diligência nos autos da investigação, se possível com a juntada de fotografias e videos que retratem a realização do ato de instrução. Consoante precedentes do Superior Tribunal de Justiça as provas colhidas no inquérito têm valor probatório relativo, porque colhidas sem a observância do contraditório, mas só devem ser afastadas quando há contraprova de hierarquia superior, ou seja, produzida sob a vigilância do contraditório" (Recurso Especial n. 476.660-MG, relatora Ministra Eliana Calmon, DJ de 4.8.2003)36.

2. 6 Publicidade e Sigilo no Inquérito civil

O princípio da publicidade se aplica ao inquérito civil com as ressalvas ordinárias, ou seja, não podem ser divulgadas as informações protegidas pelo sigilo legal, para proteger o interesse público na investigação e o direito à intimidade e à vida privada das pessoas. O interesse público é uma noção aberta que pode justificar, em múltiplas situações, o sigilo da investigação, sobretudo para resguardar a eficácia de seus resultados. Quando a divulgação de um dado apurado em sigilo represente afronta ao direito, também de dignidade constitucional, da proteção da imagem, da honra e da intimidade das pessoas (artigo 5º, inciso X, da CF), ou quando a lei determina a existência de sigilo por outra motivação, como o sigilo industrial, tais informações não podem ser divulgadas. A violação de sigilo configura a prática do crime do artigo 325 do Código Penal, bem como enseja a sanção disciplinar cabível e eventual reparação civil. A regra na condução da investigação é a publicidade, mas o sigilo pode ser decretado em decisão motivada nas hipóteses mencionadas, neste caso os documentos e as informações sigilosas, que não podem ser divulgados através de cópias37 ou certidões, devem ser autuados em apenso.

36 Há proposta do anteprojeto de código de processo coletivo, em estudo no Ministério da justiça, de exigir o contraditório na realização da prova técnica produzida no inquérito civil público para sua admissibilidade em juízo, o que se configuraria em verdadeiro retrocesso, uma vez que nem sempre é possível a formação do contraditório, por exemplo quando não se sabe quem é responsável pelo dano investigado, e seja necessário se fazer a imedita avaliação do dano, ou quando a delonga do contraditório possa inviabilizar perícia futura.37MANDADO DE SEGURANÇA. INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. SIGILO. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE DIREITO À EXTRAÇÃO DE CÓPIAS. Decretado o sigilo para o andamento de inquérito civil público, não há direito à extração de cópias (art. 7.º da Lei n.º 8.906/94). Ordem denegada. (TJ/RS, Mandado de Segurança Nº 70011304870, Vigésima Primeira Câmara Cível, Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em 31/08/2005)

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A publicidade deve ser a mais ampla possível, além da divulgação dos atos mais relevantes do inquérito civil, como a portaria de instauração, o arquivamento, a recomendação legal,o compromisso de ajustamento de conduta, no diário oficial, também deve-se dar notícia dos mesmos nas páginas do Ministério Público na Internet, bem como nos grandes meios de comunicação, quando for o caso nos termos do atigo 7º da Resolução 23/2007 do CNMP. O presidente do inquérito civil também pode deferir a expedição de certidão e a extração de cópias sobre os fatos investigados, a prestação de informações ao público em geral, e a concessão de vistas dos autos, mediante requerimento fundamentado do interessado ou de seu procurador legalmente constituído. Salvo as informações protegidas pelo sigilo os advogados podem examinar os autos do inquérito civil na sede do Ministério Público nos termos do artigo 7º, inciso XV da Lei nº 8906/1994. O pedido de obtenção de certidão ou extração de cópia deve conter esclarecimentos sobre os fins as razões do pedido. Via de regra, conforme prevê a Resolução nº 23/2007 do CNMP as despesas decorrentes da extração de cópias correrão por conta de quem as requereu, salvo comprovada impossibilidade de realizar tal dispêndio, pois o direito de petição, garantido no artigo 5º, inciso XXXIV, da Constituição Federal, não pode ser obstado por falta de recursos econômicos do requerente. Neste caso, a administração do Ministério Público pode arcar com esses custos. O ideal será a viabilização da consulta do trâmite de todos os procedimentos administrativos e inquéritos civis públicos na Internet nos moldes dos processos judiciais e de processos administrativos de outras instituições, sempre com a preservação dos dados sigilosos.

Um importante instrumento de diálogo com a sociedade, recomendável sobretudo nos casos de investigação de políticas públicas, é a audiência Pública, que deve ser conduzida da forma mais organizada possível para se atender ao seu objetivo, com a divulgação de um edital de convocação, com a previsão de data, local, objetivo e pauta da audiência. Recomenda-se que os documentos da investigação sejam disponibilizados aos participantes com antecedência para que a participação na audiência seja qualificada. A depender do objeto da audiência e para favorecer o maior número de participantes possível muitas vezes deve-se realizar a audiência noturna e em local mais acessível à população. A Resolução 23/2007 recomenda que a publicidade das investigações verse sobre as providências adotadas para a apuração dos fatos apurados, devendo o membro do Ministério Público se abster de externar ou antecipar juízos de valor a respeito de apurações ainda não concluídas, sobretudo quando a divulgação se dá através dos meios de comunicação de massa. Reputamos a medida bastante salutar pois é cediço que vivemos em uma sociedade de espetáculo38, quando a distorção de informação pode tomar medidas desproporcionais e gerar gravames desmedidos para os envolvidos em uma investigação e muitas vezes desmoralizar a ação do Ministério Público.

2.7 Arquivamento do Inquérito Civil

A Resolução 23/2007 estabeleceu um ano como prazo máximo de duração do inquérito civil, prorrogável pelo mesmo prazo, quantas vezes forem necessárias, a não ser que haja no âmbito do Ministério Público limitação de prorrogação, por decisão fundamentada de seu presidente, à vista da imprescindibilidade da realização ou conclusão de diligências, dando-se ciência aos órgãos de revisão. A resolução também permite que norma interna de cada ramo estabeleça um prazo menor de duração do inquérito civil. São várias as conclusões possíveis de um inquérito civil público. Não havendo a identificação de ameça ou lesão a direito transindividual ou individual indisponível a investigação pode ser arquivada através de manifestação devidamente fundamentada, devendo se dar ciência da mesma ao representante, quando a investigação tiver sido provocada, para que o mesmo possa

38 Para melhor compreensão sobre o tema vide DEBORD, Guy. Sociedade de espetáculo. RJ: Contraponto editora.

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interpor o recurso em face do arquivamento no prazo de dez dias. Esta deliberação está sujeita à revisão de órgão de controle, ao qual deve ser remetido os autos da investigação em três dias. Deve haver arquivamento parcial quando a ação civil pública não versa sobre todos os fatos apurados. O arquivamento também pode ocorrer após a adoção de medidas extrajudiciais como a recomendação legal e o compromisso de ajustamento de conduta. Quanto a este não há uniformidade de tratamento nos diversos ramos do Ministério Público o arquivamento pode ocorrer após a celebração do compromisso de ajustamento de conduta, ou apenas após o seu cumprimento final. Os órgãos de revisão poderão homologar o arquivamento, converter o julgamento em diligências para a obtenção de melhores subsídios ou deliberar pela continuidade das investigações, ou ajuizamento da ação civil pública, em sessão pública, salvo no caso de sigilo. Em homenagem ao princípio da independência funcional o membro do Ministério Público que se manifestou pelo arquivamento não oficiará nos autos do inquérito civil, do procedimento preparatório ou da ação civil pública relacionada à investigação.A Resolução 23/2007 fixou o prazo de seis meses para o desarquivamento do inquérito civil com base em novas provas. Após este período a Resolução determina a instauração de novo inquérito, sem prejuízo das provas colhidas na investigação anterior. O inquérito civil é um verdadeiro “instrumento de cidadania39”, e muitas vezes a sua própria instauração aborta a possibilidade do conflito transindividual, ensejando a participação da sociedade, organizada ou não, na esfera pública. Ademais, o seu adequado manejo evita a propositura de lides temerárias, além de ser palco de alternativas à movimentação da máquina jurisdicional, posto que importantes medidas extrajudiciais de composição do conflito coletivo são adotadas nos autos do inquérito, como demonstraremos a seguir.

3.0Compromisso de ajustamento de conduta.

3.1 Considerações Gerais

O compromisso de ajustamento de conduta é uma solução extrajudicial de conflito que tem sido muito utilizada na defesa dos direitos transindividuais, especialmente na proteção do meio ambiente40. O instituto surgiu na mesma ambiência social que gerou a Constituição Federal de 1988, um momento de redemocratização das instituições e de adaptação do ordenamento jurídico aos móveis políticos estabelecidos pela nova ordem. A sociedade brasileira era já uma verdadeira sociedade de massas, sem que houvesse, entretanto, uma adequada proteção das relações que devido à sua incidência e padronização a caracterizam, quais sejam as relações de consumo. O Código de Defesa do Consumidor teve como propósito promover o acesso à justiça dos consumidores, além de ensejar uma tutela mais adequada dos demais direitos transindividuais ao renovar a lei da ação civil pública.41 Essa renovação não se limitou ao aperfeiçoamento da esfera judicial de proteção desses

39 Nesse sentido Antônio Augusto Mello de Camargo , no artigo “Inquérito civil público: dez anos de um instrumento de cidadania.” In Ação civil pública (Lei 7347/85- reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação). Coordenador Edis Milaré. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.pp 62/69.40 Em pesquisa realizada em nossa tese de doutorado, constatamos que no âmbito do Ministério Público Federal 60% dos ajustes celebrados versavam sobre a tutela do meio ambiente. Vide . Ação civil pública e Termo de ajustamento de conduta. RJ: Forense, 2006. Tais dados foram confirmados por outra pesquisa, por nós coordenada e patrocinada pela Escola Superior do Ministério Público da União, que abrangeu o período de 1998 a 2004 e registrou 54% dos TACS em matéria ambiental.41 O artigo 117 do Código de Defesa do Consumidor dispõe: “Acrescente-se à lei n.º 7347, de 24 de Julho de 1985, o seguinte dispositivo renumerando- se os seguintes: Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, no que for cabível, os dispositivos do Título III da Lei 8078 , de 11.09.1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.” Segundo Nelson Nery Junior, que participou ativamente da elaboração dessa lei há, uma perfeita interação entre os sistemas do CDC e da LACP. (pg. 869. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. RJ: Forense universitária, 2000.)

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direitos, ao prever o compromisso de ajustamento de conduta a lei de consumo concebeu um instituto de proteção extrajudicial de direitos metaindividuais, ampliando o sistema de garantia desses direitos. Conjugadas a previsão de eficácia executiva de acordos celebrados pelo Ministério Público na lei 7244/84 (Tribunais de Pequenas Causas), a experiência da prática administrativa concertada, a possibilidade de composição de direitos transindividuais indisponíveis e a adequação da tutela extrajudicial desses direitos, constatada na condução dos inquéritos civis públicos, tivemos o nascimento do instituto do termo de ajustamento de conduta. Por fim previsto no parágrafo 6° do artigo 5° da Lei 7347/85 consoante a redação dada pelo artigo 113 da lei 8078 de 11 de Setembro de 1990, o Código de Defesa do Consumidor, in verbis: “Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”.42 Embora tenha havido veto a norma idêntica do Código de Defesa do Consumidor, este dispositivo foi promulgado, e como não temos veto implícito em nosso sistema constitucional a norma está plenamente em vigor, como aliás já decidiu o STJ43.

Consoante muito bem aduzido pelo Professor Paulo Cézar Pinheiro Carneiro44, o ajuste de conduta é um instituto estabelecido em favor da tutela dos direitos transindividuais, ou seja, não é finalidade da norma favorecer o violador do direito. De conseguinte, não foi a regra concebida para assegurar um eventual direito do transgressor da norma no sentido de poder, em determinadas situações ensejar seu descumprimento.

O ajuste de conduta tem enseja a tutela preventiva da lesão ao direito transindividual. Como é cediço, a reparação de danos a estes direitos, de nítido viés repressivo, é, em muitos casos, inviável. A possibilidade do ajuste de conduta “antecipar-se à sentença de cognição”45 , e até mesmo, quando possível, evitar a ocorrência do dano, existe justamente para ampliar essa seu atributo preventivo. De igual modo, a norma tem como fim ensejar uma tutela mais rápida desse tipo de direito, uma vez que as decorrências da lentidão dos mecanismos formais de justiça se tornam dramáticas para a sua proteção. A relevância dos direitos transindividuais estimulou o legislador a engendrar um mecanismo mais expedito para a sua tutela do que o transcurso do processo.46

42Além da instituição genérica do termo de ajustamento de conduta para qualquer tipo de direito transindividual, há normas específicas que disciplinaram a questão. Assim o ajustamento de conduta também foi previsto expressamente e com idêntica redação, no artigo 211 da Lei 8069/90- Estatuto da Criança e do Adolescente; na lei 8884/94, que prevê a possibilidade do compromisso de cessação de atividades de empresa investigada por infração à ordem econômica (em nosso entender uma espécie de ajustamento de conduta), e na lei 9.605/ 98, com a redação dada pela Medida Provisória 1949-28 de 26 de Outubro de 2000, que disciplina a celebração de termos de ajustamento de conduta pelos órgãos do Sistema Nacional de Meio Ambiente. A Medida Provisória nº 131, de 25 de Setembro de 2003, convertida na lei 10814, de 15 de Dezembro de 2003, condicionou a comercialização da safra de soja transgênica de 2004 no Brasil à celebração de compromisso de ajustamento de conduta pelos agricultores 43 RESP 222582, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJU 29/04/2002, p. 16644 “Aliás é preciso deixar bem claro que o ajustamento de conduta não se destina à proteção do terceiro, que precisa acertar a sua conduta às exigências legais, mas sim , dos destinatários indeterminados, no caso dos direitos difusos, ou determináveis, no caso de interesses coletivos , a quem ele visa resguardar e proteger.” Pg. 237, A proteção dos direitos difusos através do compromisso de ajustamento de conduta. Op., cit.45 MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes. Comentários ao Código de Processo Civil, RJ: Forense, 1974-1977 , vol. 9, p. 219.46 Como podemos perceber na pesquisa que realizamos uma considerável parcela dos ajustamentos de conduta- 56%- foram celebrados em até seis meses, e 86% em até um ano, comprovando ser este um meio expedito de se obter um título executivo. Comparando-se com o tempo médio para a obtenção do título executivo judicial, o ajuste se revela extremamente vantajoso por sua brevidade na definição do conflito, já que a investigação coordenada pelo professor Paulo Cézar Pinheiro Carneiro demonstra que apenas 19,6% das ações civis públicas foram decididas definitivamente em um ano. Acesso à justiça: juizados especiais e ação civil pública. Rio de Janeiro: forense, 1999

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Conquanto as atividades ínsitas à celebração do ajustamento de conduta sejam patrocinadas por recursos públicos, podemos considerá-las menos onerosas que a movimentação da máquina jurisdicional. Se por um lado, se evita a ida ao Judiciário e o dispêndio que dela derivaria; por outro, não há uma oneração significativa de energia e meios dos órgãos públicos legitimados para a celebração do ajuste, posto que as atividades de investigação da lesão a estes direitos ocorrem e são custeadas quer o ajuste de conduta seja celebrado ou não. Ademais, por meio do ajuste se pode obter do obrigado o pagamento de todas as despesas públicas que a sua trangressão motivou como o custeio das perícias para identificar a dimensão do dano, os custos de publicidade etc. Uma outra finalidade clara da norma é que muitas vezes a tutela extrajudicial se afigura a mais adequada para esse tipo de direito . Não estaria o nosso sistema de proteção dos direitos transindividuais completo sem o permissivo de se garantir a preservação do direito com uma tutela mais informal e com ênfase na negociação. Sendo o fim da norma a adequada tutela desses direitos, não condiz com o instituto a possibilidade de reduzir o âmbito de proteção do direito transindividual. Não se pode, assim, admitir que o ajuste importe em renúncia do direito a ser protegido e nem implique restrição indevida do mesmo.

3.2 Natureza jurídica do TAC

Consideramos ser o ajustamento de conduta um negócio jurídico da Administração e não um negócio jurídico administrativo, em que a Administração esteja em uma posição superior ao administrado. Conforme já verificamos, o ajustamento de conduta é meio de se garantir a prevenção do dano ou sua reparação no âmbito civil, e por isso não tem sentido imaginar que o legitimado ativo, pela sua natureza de órgão público, possa estar em uma situação de superioridade desmedida. Há, de certo, uma submissão do obrigado, que ameaçava ou violava o direito transindividual ao cumprimento de uma conduta definida pelo órgão público, não por suas qualidades intrínsecas, mas por estar este defendendo os direitos transindividuais..

É um negócio da Administração que também tem natureza de equivalente jurisdicional, por ser um meio alternativo de solução de conflito. Podemos concluir que o ajustamento de conduta é um acordo, um negócio jurídico bilateral, que tem apenas o efeito de acertar a conduta do obrigado às exigências legais. O compromisso de ajustamento de conduta é uma solução conciliada assim não existe a possibilidade de imposição de TAC nem pelo obrigado , nem pelo órgão público legitimado. No TAC não há criação de lei, mas sim ajustamento às exigências legais47. Cabe anotar que, em muitas oportunidades estamos diante de uma legislação prenhe de conceitos jurídicos indeterminados, daí que a adequação da conduta pode significar a adoção de obrigações diversas a depender do caso concreto. Diante de sua natureza não se mantém o ajustamento da conduta à lei revogada48. 47ECA. Mandado de segurança. Ato do promotor de justiça. Termo de ajustamento de conduta com clube social. Cumprimento de regras insertas nos artigos 149 e 243 do eca. Ausência de ilegalidade do ato atacado. Acordo que não significa legislar sobre a matéria, mas cumprir o estatuto da criança e do adolescente. Atribuições do ministério público previstas no eca, na lei 7.347/85 e na cf-88. Inexistência de direito líquido e certo violado. Segurança denegada. ( TJ/MG Apelação Cível Nº 70020794715, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos, Julgado em 04/10/2007) 48 EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL - EMBARGOS - TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA - TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA - EMENDA CONSTITUCIONAL 39/02. O termo de ajustamento de conduta celebrado sob a égide de ordenamento jurídico diverso não pode se sobrepor a norma constitucional posterior, que outorga ao Município poder para instituir contribuição para o custeio de serviço de iluminação pública, quando se vê que o referido termo disciplina obrigação a ser cumprida no período da nova ordem constitucional. (TJ-MG, 4ª Câmara Cível, Número do processo: 1004904005226-5/001(1) Precisão: 93 Relator: MOREIRA DINIZ Data do Julgamento: 16/06/2005 Data da Publicação: 19/08/2005)

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3.3 Ministério Público e Compromisso de ajustamento de conduta

Ao contrário do inquérito civil público o compromisso de ajustamento de conduta pode ser celebrado por qualquer órgão público legitimado à tutela dos direitos transindividuais, como as pessoas jurídicas de direito público interno, as autarquias e fundações públicas, a Defensoria Pública, esta última na defesa dos direitos dos necessitados, conforme determinação constitucional, bem como vem se admitindo que as sociedades de economia mista e as empresas públicas prestadoras de serviço possam também ser legitimadas a exigir a adequação das condutas às exigências legais. Tendo em vista o escopo do presente artigo, contudo, enfatizaremos os aspectos relacionados à celebração do compromisso de ajustamento de conduta pelo Ministério Público. É imprescindível que estimulemos a criação de uma verdadeira cultura da negociação no Ministério Público, porque o ajuste encerra um enorme desafio que é chegar ao sim sem fazer concessões. Em verdade, trata-se de uma negociação de um direito indisponível, que não lhe pertence. É preciso que o Ministério Público, mais do que nunca, seja uma instituição que como guardiã da lei supere as bitolas do maniqueísmo, e saiba contribuir para a mitigação dos dramas da sociedade contemporânea, sobretudo quando se atua em áreas em que a culpa pela realização de determinadas condutas é totalmente irrelevante como na matéria ambiental. Assim, sempre que possível deve-se em todo o inquérito civil público reservar um momento para se ouvir o responsável pela conduta lesiva ao direito transinidvidual, para se avaliar a possibilidade da conciliação. Como é cediço, o inquérito civil público, procedimento investigatório que é, não se desenvolve sob o influxo do princípio do contraditório. Mas é medida extremamente salutar que haja um momento para se ouvir a versão do réu, bem como se identificar o seu interesse na adequação de sua conduta. Para que uma negociação seja bem sucedida é fundamental que o membro do Ministério Público tenha o domínio de informações básicas para elaborar sua proposta, principalmente conheça a extensão do dano e as medidas mais importantes para a sua reparação, porque só assim, terá como liderar a negociação. O apoio técnico para a atuação do Ministério Público é importantíssimo porque permitirá uma maior eficácia no resultado do ajustado.

Portanto, é fundamental a criação de normas regulamentadoras para a celebração do compromisso de ajustamento de conduta em todos os órgãos públicos legitimados, sobretudo no Ministério Público49. As normas devem ter como objetivo menos burocratizar a atuação do órgão ministerial , e mais pavimentar um caminho para que todos possam atuar na celebração de ajustes de forma mais segura possível. A Resolução nº 23/2007 foi bastante econômica quanto ao tema, praticamente reproduzindo o texto da lei.

Questão importante é como se realiza o controle interno da celebração do ajustamento de conduta no Ministério Público. O regime legal de supervisão dos órgãos superiores do Ministério é expressamente previsto para o arquivamento do inquérito civil público. A lei federal não condiciona a eficácia do ajuste à homologação pelo Conselho Superior do Ministério Público, no caso de MP estadual, ou pela Câmara de Coordenação e Revisão, no caso do Ministério Público Federal. Algumas leis estaduais determinam a homologação do ajuste como condição prévia de sua eficácia. Concordo com o professor Hugo Nigro Mazzili50 que defende que somente a lei federal pode criar um critério para condicionar a eficácia de título executivo extrajudicial, norma processual que é. Mas, não se pode olvidar, que é muito importante que a instituição tenha ciência do conteúdo 49Com essa preocupação a Associação Brasileira do Ministério Público para o Meio ambiente (ABRAMPA) tem divulgado uma série de orientações que merecem ser levadas em conta na celebração do ajuste em defesa do meio ambiente. Podem ser encontradas no site www.abrampa.org.br . Foram publicadas também no primeiro número da Revista Brasileira de Direito ambiental. Jan/mar. 2005 Editora Fiúza 50 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. Meio ambiente, consumidor e outros interesses difusos e coletivos. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.

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dos ajustes que estão sendo celebrados, assim se deve comunicar aos órgãos de controle interno, que poderão revisar o ajuste, sem que tal fato seja uma condição de eficácia do compromisso. Por outro lado, tema que deve ser tão cogitado quanto o controle interno é o da fiscalização do cumprimento do ajustado pelo Ministério Público. Nessas idas e vindas internas não pode o TAC ser esquecido em um escaninho qualquer sem que as medidas assumidas não sejam efetivamente cumpridas. O Ministério Público deve ter extremo cuidado em promover a execução judicial dos TACs por ele firmados quando não haja cumprimento espontâneo.

Do mesmo modo, se insere dentre as atribuições do Ministério Público a fiscalização dos TACs celebrados por outros órgãos públicos51. Apesar do Judiciário ter se manifestado que a prática do ajuste pelo órgão público legitimado dispensa a participação do Ministério Público52, é possível requisitar informações sobre os ajustes celebrados e até mesmo recomendar aos órgãos públicos para que adotem critérios mínimos de segurança na prática do ajuste.

3.4Legitimidade Passiva do TAC

Podem ser compromissários as pessoas naturais, as pessoas jurídicas de direito privado e de direito público, e as pessoas morais, inclusive a Administração do Poder judiciário a e a própria Administração do Ministério Público. Portanto, qualquer pessoa pode assumir obrigações no compromisso de ajustamento de conduta. As pessoas jurídicas só se responsabilizam pelo cumprimento do TAC se estiverem regularmente representadas53. Quando se trata de TAC firmado com a Administração Pública é importante que o agente público tenha competência legal para assumir compromissos pela instituição que

51Usurpação de Função Pública e Crime Contra O Meio Ambiente - Servidor Público que celebra Termo de Ajustamento de Conduta sem competência para tanto - Descrição de crime em tese - Recurso Provido para que seja recebida a denúncia. (TJ-MG, 3ª Câmara Criminal, Processo: 1014501028086-8/001(1) Precisão: 41 Relator: ERONY DA SILVA Data do Julgamento: 05/10/2004 Data da Publicação: 14/12/2004 ) 52 Constitucional e processual civil. Termo de ajuste de conduta. Ministério Público do trabalho. Competência 1. Estão legitimados para defender interesses difusos e coletivos: a União, os Estados, os Municípios, as autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista, as associações constituídas há pelo menos um ano nos termos da lei civil e o ministério público. 2. Se a defesa dos interesses difusos e coletivas não é exclusiva do ministério público, para este ela é obrigatória, principal, representativa do exercício de parcela da soberania. 3. Os órgãos públicos legitimados para propor a ação civil pública podem tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais mediante cominações, atribuindo a este compromisso a eficácia de título executivo extrajudicial. 4. agravo improvido. (TRF - Quinta Região, Agravo de instrumento – 37302 processo: 200105000322289: Quarta turma data da decisão: 26/03/2002 dj - data::08/08/2002 - página::640 Desembargador Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria)53 Para que a pessoa física, seja sócia ou não, represente a sociedade limitada em suas relações negociais, é necessário que esteja autorizada pelo contrato social da empresa, ou quiçá, haja mandato específico conferindo-lhe tal encargo. Não havendo tal autorização, não há como executar a sociedade empresária sob o argumento de que determinada pessoa natural celebrou, em seu nome, termo de ajustamento de conduta, até porque a personalidade das pessoas jurídicas não se confunde com a de seus sócios. (TJ-SC , 2ª Câmara de Direito Público, Acórdão: Agravo de Instrumento 2006.029003-0 Relator: Cid Goulart Data da Decisão: 15/05/2007) Não constitui título executivo extrajudicial o Termo de Ajustamento de Conduta, se a pessoa jurídica não está nele legalmente representada. - O sócio cotista que assina documento em nome da sociedade sem que o contrato social autorize, ou que tenha poderes para tal, responde individualmente em eventual ação de perdas e danos, conforme a regra insculpida no artigo 11 do Decreto 3.708/19. (TJ/MG, 14ª Câmara Cível, Processo: 2000000426665-9/000(1) Relator: Dárcio Lopardi Mendes Data do Julgamento: 23/09/2004 Data da Publicação: 08/10/2004 )

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representa.54 Nestes casos, também é possível que o TAC preveja obrigações para as autoridades administrativas55. Como o TAC só compromete quem o celebra não há interesse jurídico, muito menos direito líquido e certo, de alguém que esteja na mesma situação do compromissário de impedir ou anular a celebração do compromisso.56 Contudo, há precedente considerando que empresas do mesmo grupo econômico possam ser responsabilizadas pelo descumprimento do TAC.57

3.5 Objeto do TAC

Praticamente todos os tipos de direitos transindividuais podem ser objeto do compromisso de ajustamento de conduta, com exceção dos casos em que houver ato de improbidade administrativa, em virtude de expressa vedação da conciliação prevista no § 1º do artigo 17 da Lei 8429/92. Em não havendo ato de improbidade a ameaça e a violação ao patrimônio público podem ser reparadas através de compromisso de ajustamento de conduta. As autoridades públicas podem se comprometer a realizar atos discricionários no TAC. Como se trata de um instituto tipicamente de conciliação, a autoridade faz o seu juízo de conveniência e oportunidade ao firmar o TAC58.. Neste tipo de TAC deve haver a indicação da previsão orçamentária dos gastos

54Não há nulidade do Termo de Ajustamento firmado pelos Secretários Municipais da Habitação e Meio Ambiente, porque inexiste qualquer elemento que indique ter sido firmado sem o consentimento do Prefeito Municipal, tampouco prova de exigência nesse sentido, observada a competência dos Secretários para tanto, que confere a eficácia necessária ao título, hábil a embasar a execução, e a convalidação posterior do convênio em questão pelo Chefe do Executivo Municipal. Agravo de Instrumento desprovido, por maioria. (Agravo de Instrumento Nº 70019374974, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 18/10/2007) 55 EXECUÇÃO - MULTA COMINATÓRIA ESTIPULADA EM TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA ENTRE MINISTÉRIO PÚBLICO E MUNICÍPIO - TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL - VIOLAÇÃO DA OBRIGAÇÃO PRINCIPAL DE NÃO FAZER - EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA TRADUZIDA PELO PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA. A multa cominatória, equivalente a astreinte, estipulada como obrigação acessória da obrigação principal de não fazer, pode ser objeto de execução por quantia certa contra a pessoa natural passivamente legitimada, uma vez verificado o inadimplemento (art. 580, CPC) e independentemente da execução regrada pelo art. 642 e seguintes do Código de Processo Civil. (TJSC Apelação Cível 2004.021520-7 Relator: Newton Janke 1ª Câmara de Direito Público Data da Decisão: 15/02/2007)56Agravo de instrumento. Licitação e contrato administrativo. Ação anulatória de termo de ajustamento de conduta ajuizada por associações que não participaram do ajustamento. Ilegitimidade ativa manifesta. Ilegitimidade passiva do ministério público para responder à demanda. Ausência de personalidade jurídica própria. Precedente da câmara. Carência de ação manifesta. Acolhimento das preliminares de ilegitimidade ativa e passiva argüidas pelo agravante. Extinção da ação sem resolução de mérito. Artigo 267, vi, do código de processo civil. Agravo de instrumento provido. (TJ/RS, Primeira Câmara Cível, agravo de instrumento nº 70019659986, Relator: Carlos Roberto Lofego Canibal, julgado em 12/09/2007) 57 Aquele que assina Termo de Ajustamento de Conduta comprometendo-se a ressarcir os danos materiais e morais causados às vítimas de acidente causado por uma das rés é parte legítima para responder a processo de cobrança de tais danos, em caso de descumprimento injustificado do compromisso assumido. É admissível a integração no pólo passivo das ações que objetivam o cumprimento das obrigações da empresa do mesmo grupo econômico daquela que se obrigou para com o autor. V.v. A pessoa jurídica não se confunde com a pessoa dos sócios, tendo personalidade jurídica própria e existência distinta da dos seus membros. O fato de empresas integrarem o mesmo grupo econômico não implica responsabilidade solidária entre elas. (TJ/MG, 14ª Câmara Cível, Processo: 1043907068971-6/001(1) Relator: Elias Camilo Data do Julgamento: 14/11/2007 Data da Publicação: 28/11/2007) 58A Administração Pública Municipal não pode se furtar ao cumprimento do TAC, que representa espécie de reconhecimento de conduta ofensiva a interesse difuso ou coletivo, apontada pelo parquet, e, conseqüente, assunção do compromisso de eliminar a ofensa com a adequação de seu comportamento. A discricionariedade da Municipalidade se restringe ao modo de cumprimento do dever legal reconhecido previamente, noutras palavras, a concretização daquele plano incumbia ao Executivo Municipal.( TJ-PR, Órgão Julgador: 4ª Câmara Cível Processo: 0348419-9: Apelação Cível Relator: Anny Mary Kuss Julgamento: 05/12/2006 DJ: 7291)

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para o cumprimento das obrigações59, ou pelo menos a obrigação de constar em futura proposta orçamentária60 O compromisso de ajustamento de conduta é um instituto típico de responsabilidade civil, ou seja, não versa sobre responsabilidade penal nem administrativa, e como existe o princípio da independência das instâncias a mera existência de TAC não pode ser impeditiva da investigação criminal61 ou de limitação do poder de polícia.

Embora independentes, as instâncias se relacionam. Assim, afigura-se cabível reduzir a multa administrativa nos casos em que haja o compromisso de reparar o dano, ou mesmo acordar que obrigações de fazer e de não fazer relacionadas à recomposição do meio ambiente possam até substituir a aplicação de multa administrativa.62Quanto à esfera penal, sobretudo nos crimes ambientais, a existência do compromisso pode ensejar a transação penal63, ser causa de diminuição da pena e condição de sursis e de suspensão do processo.

Para que o ajuste seja adequado suas cláusulas devem ensejar, sempre que possível, a reparação plena do direito lesado, ou seja deve conter as medidas previstas na lei. Na impossibilidade da reparação integral pode se adotar medidas subrogatórias que ensejem o mesmo resultado prático. Não havendo medida similar que resulte em mesmo resultado podem-se adotar medidas compensatórias64, desde que se relacionem com o direito em questão, em último caso, as obrigações de ressarcimento podem ser previstas. Tanto as medidas compensatórias quanto as de ressarcimento estão expressamente autorizadas no artigo 14 da Resolução 23/2007 do CNMP.

59 Há precedente que considerou nulo o TAC sem a previsão orçamentária É dever e responsabilidade do Município, por força de disposição constitucional e infraconstitucional, a proteção ao idoso, proporcionando-lhe amparo e defesa de sua dignidade e bem-estar, garantindo-lhe qualidade de vida. Entretanto, no cumprimento dessas disposições, eventual construção de um prédio para a assistência respectiva, fica condicionada à previsão orçamentária, função essa típica do Executivo. Ausente previsão de receita para a construção do abrigo do idoso no município, nulo o título executivo que lastreia a execução . Termo de Ajustamento de Conduta, a qual tem por objeto a cobrança da multa lá estabelecida para o caso de descumprimento da obrigação. ( TJ/RS, Apelação e Reexame Necessário Nº 70018028589, Primeira Câmara Cível, Relator: Henrique Osvaldo Poeta Roenick, Julgado em 31/10/2007)60 Não resta violada a Constituição Estadual, quando as emendas legislativas não criam ou aumentam despesas, tampouco são impertinentes quanto à matéria vertida na lei. Emenda que apenas insere a obrigatoriedade de compromisso ajustado com o Ministério Público Estadual em Termo de Ajustamento de Conduta. Ação direta de inconstitucionalidade improcedente. Unânime. (Ação Civil Pública Nº 70019025485, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Guinther Spode, Julgado em 15/10/2007) 61 Embora haja alguma controvérsia doutrinária e jurisprudencial sobre o tema, o STF já decidiu neste sentido HC 86361 / SP, Relator(a): Min. Menezes Direito, 1ª T., DJE-018 PUBLIC 01-02-2008). No mesmo sentido o Tribuna Regional Federal da 1ª Região 4ª T. ACR 199938030034036, DJU 28/04/2005 pg.25, HC 200401000373673 DJU 25/2/2005 pg. 20) No mesmo sentido os seguintes precedentes: “1. O TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA impede apenas a propositura de ação civil pública sobre os mesmos fatos, subsistindo a possibilidade de responsabilidade penal e administrativa. 2. A dúvida no momento de recebimento da denúncia pesa em prol da sociedade. Diante das informações conflitantes e do pedido de nova perícia, para melhor esclarecimento dos fatos, impõe-se o recebimento da denúncia. 3. Em face da pena mínima cominada ao tipo penal em tela, devem-se encaminhar os autos à Procuradoria-Geral da Justiça, a fim de que se manifeste sobre a suspensão condicional do processo, se entender cabível. (TJ-PR Órgão Julgador: 2ª Câmara Criminal Processo: 0346614-6 Relator: Noeval de Quadros Dados da Publicação: DJ: 7597) In casu, no que tange à alegada ausência de justa causa para a ação penal, tendo em vista a celebração de Termo de Ajustamento de Conduta entre o paciente e o Ministério Público, entendo que a partir de uma ação danosa pode-se gerar responsabilização em esferas distintas e independentes. Constatando-se que a celebração do referido 'acordo' é posterior ao recebimento da denúncia, verifica-se que, ao tempo da peça acusatória existia sim justa causa para sua instauração, notadamente quando o paciente aceita a suspensão condicional do processo. (TJ-MG , 5ª Câmara Criminal, Processo: 1000007458042-4/000(1) Precisão: 100 Relator: PEDRO VERGARA Data do Julgamento: 18/09/2007 Data da Publicação: 29/09/2007)62 Artigo 8°, IV da lei 6938/1981 e Artigo 43 do Decreto n° 99.274/1990.63Artigo 27 da lei 9605/98. 64 Pela admissibilidade de medidas compensatórias TRF 4 Ac 541857 rel. Juíza Maria de Fátima Freitas Labarrère DJU 28/05/2003 pg. 398)

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O compromisso pode prever medidas de reparação integral, e outras compensatórias e de ressarcimento, o que não pode ocorre, jamais, é, em sendo possível a reparação, se optar por outra medida de forma exclusiva, que não tenha nenhuma repercussão efetiva para o direito transindividual examinado, como por exemplo admitir que o meio ambiente degradado possa ser compensado apenas com distribuição de cestas básicas, cartilhas, realização de seminários, entrega de equipamentos para os entes públicos etc, sem algum tipo de intervenção efetiva em favor da natureza. Deve-se ter expressa previsão de prazos, que sejam os mais breves possíveis, e de medidas coercitivas, como multas , para se assegurar a maior eficácia do ajuste. Se houver qualquer tipo de destinação de dinheiro, não vinculado a um projeto de específico, deve o mesmo ser revertido para os fundos de bens lesados. O compromisso não pode limitar o acesso à justiça de indivíduos, ou seja não pode ensejar redução de direitos individuais65 nem prever cláusula que limite a postulação judicial de reparação de danos individuais.

Quando o compromisso de ajustamento de conduta versa sobre direitos individuais homogêneos tem função de garantia mínima e não de teto de reparação. Do mesmo modo não pode haver convenção de arbitragem porque como se trata de tutela coletiva indisponível não se aplica a lei 9307/1996.

3.6 Forma do TAC

O TAC é um título executivo extrajudicial, por isso deve ser líquido e certo. Para tanto se deve tomar todo o cuidado em sua elaboração, de modo a que o exame do instrumento permita: a) a identificação de quem é o obrigado, inclusive com sua qualificação jurídica adequada; b) a definição das obrigações assumidas, devendo estas primarem pela clareza e objetividade; c) a fixação dos prazos para o cumprimento das obrigações66, ou a determinação de cumprimento imediato das mesmas, e d) no caso de obrigações complexas deve restar evidente que os estudos e projetos anexos ao instrumento o integram. O ajuste deve ser celebrado no inquérito civil público ou no procedimento preparatório, devendo ser devidamente motivado. Deve ser amplamente divulgado, mediante publicidade oficial, divulgação específica ao eventual representante da investigação, e, até mesmo, a toda coletividade em audiência pública ou em meios de comunicação, sendo que os custos dessa publicidade devem, sempre que possível, ser repassados aos obrigados.Também é interessante que a celebração do termo de ajustamento de conduta seja noticiada para os demais intervenientes no inquérito civil público, como membros de outro ramo do Ministério Público, órgãos públicos, organizações não governamentais etc.65 Nos estritos termos do art. 6º, § 3º, da Lei n.º 8.987/95, a interrupção do fornecimento de água à residência do usuário pode ocorrer, se o consumidor estiver devidamente cientificado a respeito do ato de descontinuação e dos motivos ensejadores daquela medida excepcional. - O Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre a concessionária de serviço público essencial e o Ministério Público no sentido de evitar sejam concedidas ligações de água/esgoto a loteamentos irregulares não se afigura causa bastante para a interrupção no fornecimento de água à residências já servidas pelo serviço anteriormente à lavratura daquele termo, se não estiverem demonstradas as razões de ordem técnica ou de segurança das instalações (Lei n.º 8.987/95, art. 6º, § 3º, inc. I). - Sentença parcialmente reformada, em reexame necessário. (TJ /MG, 8ª Câmara Cível, Processo: 1001602023900-6/001(1) Rel. Edgard Penna Amorim . Data do Julgamento: 24/10/2005 Data da publicação: 27/01/2006)66 O termo de ajustamento de conduta, formalmente perfeito, visando à recomposição de área ambiental degradada, com data prevista para o início e término daquela, constitui título executivo extrajudicial hábil a instruir ação de execução tendo por objeto o cumprimento da referida obrigação inadimplida. (TJ-MG, 3ª Câmara Cível, Processo: 2000000500771-4/000(1) Relator: Manuel Saramago Data do Julgamento: 24/08/2006 Data da Publicação: 15/09/2006) O título executivo extrajudicial, decorrente de Termo de Ajustamento de Conduta, apresenta-se líquido e exigível, quando se observa que os prazos previstos no Projeto Técnico de Reconstrução da Flora foram estabelecidos no referido termo. Dá-se provimento à apelação. (TJ-MG, 4ª Câmara Cível Processo: 1031904017061-9/001(1) Relator: Almeida Melo Data do Julgamento: 14/04/2005 Data da Publicação: 17/05/2005)

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O termo de ajustamento de conduta deve conter expressa motivação sobre a adequação das medidas previstas para a reparação do dano, e sobre a razoabilidade dos prazos e das condições determinadas para o cumprimento das obrigações.É recomendável que para cada obrigação fixada no ajuste haja uma previsão específica de multa pelo seu inadimplemento. A fixação das multas deve levar em conta as condições do compromissário e a extensão do dano ocasionado. O termo de ajustamento de conduta pode conter prazos específico para o cumprimento de cada uma das obrigações, quando não for o caso de cumprimento imediato da mesma. Não é necessária a presença de testemunhas67, porque não prevista expressamente em lei, mas para se evitar qualquer tipo de impugnação judicial recomenda-se a presença de testemunhas em sua celebração.

3.7 Efeitos do TAC

A celebração do TAC determina a responsabilidade do compromissário68, embora não configure necessariamente a existência de culpa até porque em muitas situações existe a responsabilidade objetiva. De outra feita, temos a formação do título executivo extrajudicial que define como pode haver a prevenção ou a reparação do dano ao direito transindividual. A depender da regulamentação de cada ramo do Ministério Público pode haver a suspensão ou o arquivamento do procedimento no qual foi celebrado o TAC.

3.8Implicações processuais do TAC

Como é cediço, em nosso sistema jurídico a tutela dos direitos transindividuais é conferida a vários legitimados. Segundo a lei 7347/85, na esfera judicial, podem ser autores da ação civil pública os entes que integram a administração pública direta e indireta dos três níveis da Federação, o Ministério Público, a Defensoria Pública e as associações, e na esfera administrativa a lei confere aos órgãos públicos legitimidade para tomar dos interessados compromisso de ajustar sua conduta às exigências legais. A atuação destes vários co-legitimados, tanto judicial quanto extrajudicialmente, pode ser disjuntiva e concorrente, na consagrada expressão de Barbosa Moreira69.

Portanto, é comum que o compromisso de ajustamento de conduta seja celebrado perante apenas um dos co-legitimados, sendo importante que nos questionemos sobre quais as

67 Pela desnecessidade de testemunhas temos os seguintes precedentes: : Resp 222.582 - MG e 213.947 – MG , TJ-MG, 5ª Câmara Cível, Processo: 1047105058830-3/001(1) Relator: Maria Elza Data do Julgamento: 17/04/2008 Data da Publicação: 07/05/2008, TJ-MG, 4ª Câmara Cível Processo: 1070204137675-8/001(1) Relator: Moreira Diniz Data do Julgamento: 29/09/2005 Data da Publicação: 11/10/2005, TRF 5ª Região 4ª T. Rel. Des. Lázaro Guimarães. DJU 12/01/2005 P. 964.68Aquele que assina Termo de Ajustamento de Conduta se comprometendo a recuperar determinada área e adequá-la à proteção do meio ambiente, é parte legítima para responder a processo de execução do referido termo, em caso de descumprimento injustificado do compromisso assumido, principalmente se a prova dos autos demonstra que quem assinou o termo é também o proprietário da área a ser recuperada e um dos sócios da empresa responsável pela degradação. (TJ-MG 16ª Câmara Cível Número do processo: 2000000419457-6/000(1) Relator: Sebastião Pereira de Souza Data do Julgamento: 02/04/2004 Data da Publicação: 21/04/2004) 1.Uma vez comprovado que o proprietário de imóvel rural deu causa ao fato repelido pelas leis ambientais, e estando formalmente firmado o Termo de Ajustamento de Conduta, não poderá olvidar-se do cumprimento da obrigação assumida através de simples alegação de já ter sido alienado o referido imóvel. 2 - Apelo improvido. (TJ-MG 2ª Câmara Cível Número do processo: 1014405010172-0/001(1) Precisão: 93 Relator: NILSON REIS Data do Julgamento: 27/11/2007 Data da Publicação: 11/12/2007)69 “Tutela jurisdicional dos interesses coletivos ou difusos”. In Temas de Direito Processual. 3ª Série. São Paulo: Saraiva, 1984.pp 193-221

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implicações da existência do TAC em relação à propositura de uma ação civil pública versando sobre os mesmos fatos por outros legitimados ou até mesmo pela instituição que o tomou. Antes de prosseguirmos, contudo, é fundamental frisar que a questão só tem sentido quando o TAC e a ação civil pública discutirem quais as obrigações que devem ser assumidas para a prevenção e a reparação dos mesmos danos, porque se o fato que integra a causa de pedir da ação civil pública não foi abordado na negociação do compromisso não há que se falar em qualquer tipo de comprometimento 70.

A questão muda de figura quando se trata dos mesmos fatos e as obrigações do TAC tenham pretendido examinar todas as questões envolvidas no conflito. Neste caso, temos que discutir se existe algum tipo de restrição ao manejo da ação civil pública. Há controvérsia sobre o tema na doutrina.

O professor Hugo Nigro Mazzili entende que a celebração do TAC não impõe qualquer limite à propositura da ação civil pública por qualquer dos legitimados, mesmo aquele que celebrou o TAC. Para este importante autor a lei não conferiu ao compromisso a natureza de condição do direito de agir. Isto porque o conteúdo das deliberações do TAC seria uma “garantia mínima” para todos os titulares do direito, até porque os legitimados para a conciliação extrajudicial não são os verdadeiros titulares do direito71. Em interessante dissertação de mestrado Eduardo Santos de Carvalho defende que o compromisso de ajustamento de conduta só vincula o legitimado que o celebrou, pois o autor considera o TAC como um instituto de natureza processual, ainda que seja concebido fora do processo72. Assim, quem participou de sua elaboração está vinculado porque teria tido a oportunidade de estabelecer a solução processual pretendida, ao contrário dos demais co-legitimados.73 70Processo Civil e Direito Ambiental – Preliminar De Não Conhecimento Do Recurso – Rejeição – Perda De Objeto Da Ação Cautelar Preparatória - Celebração De Termo De Ajustamento De Conduta – Afastamento Da Responsabilidade Pelos Danos Ocasionados – Inocorrência - Indisponibilidade De Bens – Presença Dos Pressupostos Autorizadores – Agravo Desprovido. - Deve ser rejeitada a preliminar de não conhecimento do recurso, por ausência de certidão de intimação da decisão agravada, documento considerado obrigatório, a teor do disposto no art. 525, I, do Código de Processo Civil. É que a parte agravante instruiu os autos com certidão, exarada pela Diretora de Secretaria da 2ª Vara Federal de Campos, a qual certifica que a carta precatória expedida para citação do recorrente foi juntada aos autos em 02.12.2005, data a partir da qual começou a fluir o prazo para interposição de eventual recurso, segundo orientação do Superior Tribunal de Justiça. - Com efeito, a alegação de que a ação cautelar nº 2003.51.03.001160-6 perdeu seu objeto, pelo fato de a ação principal não ter sido ajuizada no prazo previsto no art. 806 do Digesto Processual, carece de plausibilidade. Não há elementos nos autos que permitam aferir, com razoável segurança, se tal alegação é procedente, ou não. - A Lei nº 7.347/85, que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, em seu art. 4º, prevê a possibilidade de ajuizamento de ação cautelar para assegurar o fiel cumprimento dos fins por ela colimados, sendo certo afirmar que a cautelar pode ser postulada nos autos da ação principal. - A celebração de Termo de Ajustamento de Conduta não tem o condão de ilidir os danos ambientais ocasionados pelo rompimento da barragem construída para impedir o lançamento de rejeitos industriais nos rios situados na cidade de Cataguases – MG. Como bem salientou o Parquet em suas contra-razões, “... o TAC estabelece medidas emergenciais para evitar a ocorrência de outros danos ao meio ambiente...”, enquanto a ação civil pública destina-se à reparação “dos danos causados ao meio ambiente”. - Precedente citado. - Noutro norte, não é possível visualizar, de forma peremptória, a apontada ausência de responsabilidade do recorrente pelos danos ambientais ocasionados pelo rompimento da barragem, construída para impedir o lançamento de rejeitos industriais nos rios situados na cidade de Cataguases – MG. A toda evidência, a questão demanda dilação probatória e será devidamente apreciada pelo douto magistrado a quo no momento da prolação da sentença. - Agravo desprovido. (TRF - Segunda Região, AG - 143396 Processo: 200502010143822, Quinta Turma Esp. DJU:06/07/2006 Pg: 188/189 JUIZA Vera Lúcia Lima)71 O Inquérito civil. São Paulo: Saraiva, 1999.72 CARVALHO, Eduardo Santos. Compromisso de ajustamento de conduta a autocomposição da lide na tutela dos direitos transindividuais. Programa de Pós Graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 2005.73Nesse sentido, o seguinte precedente: Administrativo. Direito do consumidor. Ação civil pública. Antecipação dos efeitos da tutela. Supermercados. Obrigação de afixação de preços nos produtos de forma individual, independentemente da existência de outras formas de informação (código de barras, cartazes, terminais eletrônicos,

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Adotando entendimento diverso, temos Edis Milaré que reputa que “o ajuizamento da ação civil pública por outro ente, co - legitimado, sob pena de se vulnerar o princípio da segurança jurídica, só será possível para suprir omissão da transação ( p. ex. prestação necessária, não incluída no compromisso) ou em razão de vício propriamente dito (p. ex. estabelecimento de obrigações em condições atentatórias à finalidade da lei). Em qualquer dessas situações não poderá o compromisso ser ignorado, pois a ação civil pública ou visará ao fim supletivo ou será cumulativa com o pedido de desconstituição do compromisso.”74 De conseguinte, a ação civil pública sempre pode ser proposta pelos demais co-legitimados, desde que seja para complementar as obrigações contidas no TAC, ou para impugná-lo. 75

Hindemburgo Chateaubriand considera que “os co- legitimados não podem propor a ação, devem impugnar o termo” “De nada serviria aquele instrumento extrajudicial se não tornasse preclusa a rediscussão do mérito da situação jurídica acertada e, como maior razão, não se teria sequer como justificativa a sua executoriedade que a lei somente vincula a documentos que atestam um estado de satisfatória certeza.”76

É sutil a diferença deste entendimento posto que, por óbvio os demais co-legitimados poderão se valer da ação civil pública para rediscutir a solução dada no TAC; caso contrário teríamos a violação do princípio da inafastabilidade da jurisdição, vigente em nosso sistema, e seria o compromisso de ajustamento de conduta um título executivo formado no âmbito administrativo infenso ao controle judicial. Todavia, um dos pedidos desta ação civil pública deve ser necessariamente a invalidação do TAC, ou sua complementação, e deve se incluir no pólo passivo todos que participaram de sua elaboração.

plaquetas em gôndolas). Lei estadual na nº 13.187/2002. Impossibilidade de restringir direitos assegurados em lei federal. Termo de ajustamento de conduta. Agravo de instrumento. Agravo regimental. 1. Conforme jurisprudência da egrégia terceira turma deste tribunal (ag-19.851/ce, rel. Des. Fed. Ridalvo costa, jul. 21.11.2000) e do colendo superior tribunal de justiça (1ª seção, ms-5.982, rel. Min. Paulo Gallotti, julg. 22.11.2000), os supermercados e demais comerciantes devem afixar individualmente em cada produto o respectivo preço, ainda que esteja disponível aos consumidores outros mecanismos de informação, tais como código de barras, cartazes, terminais eletrônicos, plaquetas em gôndolas. 2. A lei estadual (lei nº 13.187/2002, do estado do ceará) que disciplina as formas de exposição de preços nas mercadorias, sem prever a etiquetagem individual, não pode restringir os direitos do consumidor assegurados em norma federal (lei nº 8.078/90 - código de defesa do consumidor). 3. Termo de ajustamento de conduta que, além de não interferir no julgamento do processo, porque o julgador decide a causa segundo o seu convencimento, não se encontra assinado pelo ministério público federal, um dos autores da ação civil pública. Agravo regimental improvido. (TRF - Quinta Região, Agravo regimental no agravo de instrumento – 48208 processo: 200305000039977, Terceira Turma, DJU -:20/08/2003 – pg:984, Desembargador federal Geraldo Apoliano.) 74 Direito do ambiente. SP: RT, 2000 pg. 398. No mesmo sentido Fernando Grela: “Poderá ocorrer , entretanto, que a situação lesiva aos interesses tutelados reclamasse o atendimento de outras exigências que não foram, todavia, estabelecidas no compromisso, isto é, obrigação diversa ou mais onerosa, além das que estavam consagradas. Ou então que as obrigações impostas e as condições do seu cumprimento sejam inadequadas à recomposição do interesse ofendido. Na primeira hipótese, segundo cremos , a transação será válida , quanto ao que consagra , mas não impedirá, porém, a ação civil pública para exigir-se do autor do dano a obrigação faltante... Em tal situação , a ação civil pública terá por fim também a desconstituição do compromisso ao lado da pretensão necessária à tutela do interesse difuso ou coletivo afetado.” “A transação na esfera da tutela dos interesses difusos e coletivos : compromisso de ajustamento de conduta” In Ação civil pública Lei 7347/1985- 15 anos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.75Processual civil. Administrativo. Ação civil pública. Empresa poluidora. Legitimidade. Ministério Público. Regularização de empresas junto a órgãos de fiscalização. Cabimento. I - O Ministério Público possui legitimidade para propor ação civil pública contra empresa poluidora ou que degrade o meio ambiente. Precedentes: Agresp nº 170.958/sp, rel. Min. Franciulli Netto, DJU de 30/06/2004; Resp nº 310.703/sp, rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 16/12/2002 e Resp nº 265.358/sp, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, DJU de 18/02/2002, p.00247. I - Remanesce o interesse do Ministério Público na proposição de ação civil pública mesmo após o firmamento de termo de ajustamento de conduta, eis que formulados pedidos alternativos para a reparação de danos causados. II - recurso especial provido. (STJ -Resp – 514489 Processo: 200300236258, Primeira turma, DJU data:16/05/2005 página:232, Rel. Min. Francisco Falcão) 76CHAUTEBRIAND FILHO, Hindemburgo. Aspectos jurídicos do compromisso de ajustamento de conduta. Brochura Pp. 1999. pg. 15

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Como já tivemos a oportunidade de nos pronunciar77, o compromisso, inclusive pela sua natureza de título executivo extrajudicial, tem que ter um mínimo de estabilidade e oferecer a garantia ao compromissário de que se configura uma verdadeira alternativa à jurisdição. Portanto, caso não haja uma concordância com os termos do ajustamento, o co-legitimado, aí também se incluindo quem só tem legitimidade processual como as associações, as sociedade de economia mista e as empresas públicas, só pode impugnar judicialmente o compromisso alegando sua invalidade, e não propor demanda para a tutela do direito transindividual em relação aos fatos, objeto do compromisso, como se ele não existisse. Um aspecto importante é que o TAC é um retrato da responsabilidade dos obrigados naquele específico momento, não podendo servir como passaporte de impunidade em relação a eventos futuros nem vinculando eternamente pessoas que posteriormente não mais detenham responsabilidade sobre outros fatos não abrangidos pelo TAC.78

Os compromissos de ajustamento de conduta podem ser impugnados judicialmente, através da ação civil pública, da ação popular e do mandado de segurança individual ou coletivo. No caso das ações coletivas o que se estará protegendo são os direitos transindividuais considerados inadequadamente tutelados pelo compromisso de ajustamento de conduta. Nesses casos, como já sustentado, deveriam figurar no pólo passivo o compromissário e o órgão público que o celebrou, porque se houver a invalidação do negócio jurídico as partes envolvidas terão sua esfera jurídica atingida, sendo caso, portanto, de litisconsórcio passivo necessário e unitário em vista da relação jurídica ser incindível. Como o Ministério Público não tem personalidade jurídica deve ser integrada à lide o ente da Federação a que a instituição se vincula79. No ajustamento de conduta há

77Ação civil pública e compromisso de ajustamento de conduta. RJ: Forense, 2006. 78Nesse sentido: Processual civil. Administrativo. Indisponibilidade de bens de ex-sócio. Ação civil pública. Degradação do meio ambiente. Inclusão posterior de ex-sócio calcada em notícia de denúncia contra todos os dirigentes atuais e pretéritos posto o delito ambiental estaria supostamente vinculado a fatos passados. Termo de ajustamento de conduta lavrado. Ação principal não proposta no prazo legal. Violação do art. 535, i e ii, do cpc. Não configurada. 1. O atingimento de bens pessoais dos sócios revela medida excepcional que, evidentemente, reclama a observância de garantias mínimas e aplicação cum grano salis, em virtude da remansosa jurisprudência do STJ acerca da responsabilidade dos sócios. 2. Tratando-se de Ação Civil Pública, a indisponibilidade patrimonial, denota nítido caráter cautelar, posto assecuratória de possível indenização ex delito. 3. Consectariamente, somente pode ser estendida aos bens do acionista controlador e aos dos que em razão do contrato social ou estatuto tenham poderes de direção e execução do objeto social. 4. In casu, a aferição pelas instâncias inferiores, mediante ampla cognição fático-probatória, de que o requerente desligara-se da empresa 8 (oito) meses antes da ocorrência do evento ecológico persequível pelo Ministério Público em Ação Coletiva conduz à sua ilegitimidade passiva para figurar na medida cautelar preparatória de Ação Civil Pública. 5. Ademais, a textual anuência do Ministério Público Federal, in casu, dominus litis, quanto à ilegitimidade do requerente em face da ausência de contemporaneidade entre o acidente e sua presença na composição societária das empresas responsabilizadas, posto ter o mesmo se retirado da sociedade em documento inequívoco em 26/06/2002 e o acidente ter ocorrido 8 (oito) meses após, em 29/03/2003 aliado à existência de Termo de Ajustamento de Conduta, considerado idôneo e de cumprimento efetivo pelo Ministério Público, onde prestada caução de contracautela, deixam entrever que a inclusão do requerente, no polo passivo da medida cautelar, decorreu, apenas, do histórico da composição societária das entidades responsabilizadas, sem a aferição da situação jurídica do requerido à data do evento, por isso que em documento não submetido ao contraditório e sob a probabilidade de que o desastre ecológico tenha ocorrido por concausas ao longo do tempo, a posteriori, operou-se a modificação subjetiva da demanda. 6. In casu, a natureza da ação é eminentemente cautelar e, ultrapassado o prazo legal, ainda não foi proposta a ação principal, de certo pela efetivação do Termo de Ajustamento, o que esvazia de interesse processual a ação principal, porquanto o título que se forma cria obrigações que suprimem o processo cognitivo. 7. Inexiste ofensa ao art. 535, I e II, CPC, quando o Tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos, cujo decisum revela-se devidamente fundamentado. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. Precedente desta Corte: RESP 658.859/RS, publicado no DJ de 09.05.2005. 8. Recurso especial provido. (STJ, RESP - 839916 Processo: 200600836055, Primeira Turma, DJ:11/10/2007, Pg:301, Ministro Luiz Fux) 79 Nesse sentido, os seguintes precedentes: “A ação objetivando invalidar o Termo de Ajustamento de Conduta firmado pelo Ministério Público, que obsta cobrança dos usuários pela passagem em desvio particular, deve ser ajuizada contra o Estado de Minas Gerais (pessoa jurídica) e não contra o seu órgão (MP), inocorrente o litisconsórcio passivo. (TJ-MG,

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uma relação incindível entre compromissário e compromitente. Não podendo o negócio valer para um e não para outro é facilmente perceptível a indivisibilidade dessa relação, muito embora na prática não é a regra convocar o órgão que celebrou o TAC como réu. É indiscutível que a ação popular pode ser utilizada para impugnar acordos, mesmo que judiciais, que venham a causar prejuízo aos interesses tuteláveis pelo cidadão.80 Nesse sentido, o TAC pode ser impugnado pela ação popular desde que o cidadão realmente esteja na defesa da proteção do meio ambiente, e não de interesses particulares como já se decidiu.81

Obviamente que a ação civil pública também será o instrumento cabível para a invalidação do TAC ou sua complementação. Também o mandado de segurança pode ser utilizado contra eventuais efeitos do ajustamento de conduta, tanto no âmbito individual quanto no coletivo. Todavia, não há um direito líquido e certo a se impedir que os órgãos públicos legitimados tomem iniciativa de firmar Termos de ajustamento de conduta.82Do mesmo modo, dificilmente haverá espaço para dilação probatória acerca da adequação das cláusulas do TAC em mandado de segurança, em virtude da cognição

3ª Câmara Civel, Processo: 1002406994982-4/002(1), Relator: Kildare Carvalho Data do Julgamento: 21/02/2008 Data da Publicação: 06/03/2008) O Ministério Público de Minas Gerais não tem legitimidade 'ad causam' para figurar no pólo passivo de ação anulatória de termo de ajustamento de conduta, por se tratar de órgão administrativo do Estado de Minas Gerais destituído de personalidade jurídica e de personalidade judiciária ordinária. (TJ-MG, 8ª Câmara Cível, Processo: 1070203084179-6/001(1) Relator: Edgard Penna Amorim Data do Julgamento: 04/05/2006 Data da Publicação: 19/07/2006) O Ministério Público não detém personalidade jurídica própria para figurar no pólo passivo de ação cautelar inominada, mesmo que tal demanda diga respeito a um Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre a autora e o Órgão do Parquet. A legitimidade do Ministério Público para propor ações é extraordinária, conferida por lei forma expressa, não podendo ser confundida com a legitimidade passiva. Embora atue ele como parte na organização e na estrutura estatal, sendo órgão independente de natureza política, não detém personalidade jurídica própria. Não pode o Órgão do Parquet responder no lugar do Estado, este sim pessoa jurídica de direito público, ao qual aquele pertence e está vinculado. Parte legítima passiva para a ação cautelar proposta é o Estado do Rio Grande do Sul. Extinção da ação, por flagrante sua carência, na forma do art. 267, VI, do CPC.( TJ/RS, Agravo de Instrumento Nº 70018331934, Primeira Câmara Cível, Relator: Henrique Osvaldo Poeta Roenick, Julgado em 25/04/2007) 80 Nesse sentido: Processual civil. Ação popular. Acordo judicial. Desconstituição. Possibilidade. 1. A ação popular é via própria para obstar acordo judicial transitado em julgado em que o cidadão entende ter havido dano ao erário. Precedentes da Primeira e Segunda Turma. 2. Recurso especial provido. (STJ - Recurso Especial – 906400, Processo: 200602488647, Segunda Turma, DJ :01/06/2007, Pg:370, Min. Castro Meira) 81Constitucional. Processual civil. Ação popular. Anulação de termo de ajustamento de conduta. Danos ambientais. Quiosques. Orla marítima. Indireta proteção a direito de terceiros. Inadequação da via eleita. - A ação popular é o meio utilizado para a anulação de atos ou contratos administrativos lesivos ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, no que tange à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. - Para a propositura da ação constitucional requer-se a condição de eleitor do autor da ação, a ilegalidade ou ilegitimidade do ato a invalidar e o a lesividade ao patrimônio público. - Hipótese em que a pretensão dos autores não subsiste diante da exigência de ilegitimidade do ato que se pretende invalidar ou a lesividade ao patrimônio público. - O interesse motivador da ação em comento é nitidamente de cunho particular, material e divisível atingindo a esfera dos interesses dos comerciantes locais que utilizam quiosques, o que desvirtua a finalidade da ação popular. - As estruturas físicas de quiosques existentes no local não são ou tampouco foram parte do meio ambiente local, e sua permanência somente perpetua os efeitos negativos no ecossistema e impede a necessária recuperação da área degradada. - Prequestionamento estabelecido pelas razões de decidir. - Apelação improvida. (TRF - Quarta Região, Apelação cível, Processo: 200571000052634, Órgão Julgador: Terceira Turma, DJU:05/04/2006 Pg: 540, Relator Dês. José Paulo Baltazar Junior) 82Processual civil, administrativo e constitucional. Indeferimento de liminar em mandado de segurança, objetivando a abstenção da autoridade coatora – Procurador Regional do Trabalho – de promover recomendações e termos de ajustamento de conduta, relativamente às relações contratuais existentes entre a agravante e seus clientes, tomadores de serviço. Existência de inquérito civil público. Ausência dos requisitos autorizadores. 1. Não há forte evidência de que as recomendações e o Termo de Ajustamento de Conduta apresentados representem qualquer desvio de finalidade, na medida em que traduzem imposição de conduta compatível com os direitos sociais e trabalhistas indisponíveis, cuja tutela se insere no âmbito de atuação da autoridade coatora. 2. Ausência de “fumus boni iuris” a amparar o pedido de liminar. 3. Agravo de Instrumento improvido. (TRF - Segunda Região, Agravo de instrumento – 115374 Processo: 200302010076710, Quarta Turma, DJU:03/11/2003, Pg: 170, Juiz Rogério Carvalho)

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restrita do remédio heróico83. Igualmente, adotando a autoridade administrativa um ato por força de obrigação assumida em TAC, apenas haverá abusividade ou ilegalidade se o TAC for irregular84.

A ofensa a regras de legitimidade de celebração de TAC só enseja a invalidade do ajuste quando o órgão com atribuição regular entenda que o objeto do ajuste importou em transação indevida sobre o direito transindividual, quer porque houve concessão sobre o próprio direito metaindividual, quer porque a flexibilização dos prazos, condições e lugar do cumprimento do ajuste significou uma tutela inadequada do direito. Há, portanto, a necessidade da conjugação de uma irregularidade subjetiva ativa e de uma irregularidade objetiva para que se possa invalidar o ajuste, sob pena de comprometermos os fins da norma. 85. De qualquer sorte, como recomenda a interpretação de qualquer tipo de acordo, sempre que possível se circunscrever a eventual nulidade do TAC a uma determina cláusula, deve se salvar as demais obrigações reputando o instrumento válido.

Analisaremos, ora, quais as medidas judiciais que devem ser adotadas para se obter o cumprimento do ajustamento de conduta, quando o obrigado não o atende espontaneamente. O ajustamento de conduta sendo regularmente formado tem força executiva, portanto, permite, desde já, a propositura da ação de execução, dispensando a ação prévia de conhecimento86. Ainda que haja

83Administrativo. Mandado de segurança. Licença Ambiental. Revogação Ibama. Camarões exóticos. Ressaltando o princípio da precaução, que deve nortear a autuação do poder público no que se refere à questão ambiental, e que reza não ser necessária a ocorrência do dano para que seja desencadeada a ação estatal, tenho que andou bem a sentença ao concluir não ser ilegal a revogação de licença, bem como não ser possível, em sede de mandado de segurança, o exame das adequações da atividade criatória de camarões exóticos, às disposições regulamentares e ao termo de ajustamento de conduta. (TRF - Quinta Região, Apelação em Mandado de Segurança – 94161 Processo: 200581000025130, Quarta Turma, DJ - 25/01/2007 - Pg:353 - Nº::18 Desembargador Federal Lazaro Guimarães) 84Administrativo. Ensino Superior. Transferência por motivo de saúde. Indeferimento de matrícula em face da superveniência de Termo de Ajustamento de Conduta, firmado entre a Universidade e o Ministério Público Federal, que sustou a efetivação de todos os pedidos de transferências pendentes, com base em laudos médicos. Ausência de ilegalidade no ato da autoridade coatora. Apelação improvida. (TRF - Quarta Região Apelação em mandado de segurança, Processo: 200370000275788, Terceira Turma, D.E.: 23/01/2008 Maria Lúcia Luz Leiria) 85Nesse sentido: Habeas Corpus – Crime ambiental – Trancamento da ação Penal – Ausência de justa causa – Inocorrência – Termo de ajustamento de conduta firmado entre a empresa dos acusados e o Ministério Público Estadual – Objetivo de preservar rio da União – Legitimidade do Parquet Estadual para fazê-lo concorrentemente com O Ministério Público Federal – Vigência do artigo 5º, §6º da lei de ação Civil Pública – Indícios De Autoria Aptos A Embasar A Denúncia – Inépcia Da Inicial Acusatória – Inocorrência – Denúncia Geral Que Narrou Satisfatoriamente As Condutas Imputadas Aos Acusados – Ordem Denegada, Cassando-Se A Liminar Anteriormente Deferida. I. É válido o Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre o Ministério Público Estadual e empresa privada a fim de preservar rio pertencente à União, notadamente quando o Ministério Público Federal dele toma conhecimento, pois é dever de todos os entes federativos a preservação do meio ambiente. II. O artigo 5º, §6º da Lei de Ação Civil Pública, que autoriza a confecção de Termo de Ajustamento de Conduta pelos órgãos legitimados, permanece em vigor. Precedentes. III. Ainda que o Ministério Público Estadual certifique que o objeto do Termo de Ajustamento de Conduta foi devidamente cumprido pela parte, é cabível o oferecimento de denúncia embasada em fatos supostamente criminosos decorridos da continuidade da suposta prática delitiva. IV. O trancamento da ação penal por esta via justifica-se somente quando verificadas, de plano, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria e prova da materialidade, o que não se vislumbra na hipótese dos autos. Precedentes. V. É geral, e não genérica, a denúncia que atribui a mesma conduta a todos os denunciados, desde que seja impossível a delimitação dos atos praticados pelos envolvidos, isoladamente, e haja indícios de acordo de vontades para o mesmo fim. VI. Ordem denegada, cassando-se a liminar anteriormente deferida. (STJ - Hábeas Corpus – 61199 Processo: 200601325421, Quinta Turma, DJ: 22/10/2007, Pg: 321, Des. Convocada Jane Silva) 86 A tutela jurisdicional somente pode ser pleiteada por quem possui interesse processual, já que a função jurisdicional não pode ser movimentada sem que haja um motivo. O interesse processual, traduzido pelo binômio necessidade e utilidade da via jurisdicional, não restou configurado no caso em exame. Se o Ministério Público dispõe de título executivo extrajudicial, consubstanciado no termo de ajustamento de conduta firmado com o Município de Perdões, para iniciar o processo satisfativo de execução e demanda através do processo de conhecimento, há manifesta inutilidade da via eleita porque a duplicação de processos com a prévia cognição e posterior execução revela-se desnecessária diante do documento que o exeqüente possui. (TJ-MG, 5ª Câmara Cível,Processo: 1049904910509-5/001(1) Relator: Maria Elza Data do Julgamento: 07/10/2004 Data da Publicação: 12/11/2004)

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sido proposta ação de anulação do compromisso de ajustamento de conduta , enquanto este não tiver sido anulado, cabe a execução do título executivo extrajudicial.

Aquele que participou do ajuste pode evidentemente propor a ação de execução, após ficar constatado a omissão do obrigado em cumprir o combinado. O juízo competente para a ação de execução de título executivo extrajudicial é conhecido pelas regras gerais de competência. Assim, deve a ação de execução ser proposta no mesmo foro competente para julgar ação civil pública, pois descabe a eleição de foro no compromisso de ajuste. Quando se tratar de ajuste celebrado por dois co-legitimados a ação de execução pode ser promovida em litisconsórcio, ou só por um deles. O litisconsórcio de Ministério Público na ação de execução em nada se distingue do litisconsórcio na ação de conhecimento.

Ademais, os outros co-legitimados podem também promover a execução do ajustamento de conduta sem qualquer óbice87. Não se trata de uma exceção à regra da legitimidade ativa da ação de execução, posto que os demais co-legitimados também são credores das obrigações assumidas no ajuste. Como o ajustamento de conduta é um ato documentado, já que é de sua essência é o negócio que o gerou, basta que se tenha uma cópia do título para a execução do ajuste. Questão interessante é a que versa sobre a possibilidade de execução do ajuste de conduta por pessoas, física ou jurídicas, individualmente. Aliás, no caso de ajustamento de conduta sobre direitos individuais homogêneos o indivíduo pode promover a execução do ajuste na parte que lhe couber.88 Será necessário tão somente que se promova a liquidação do ajuste, de modo que o indivíduo demonstre sua condição de vítima com direito àquela reparação. Além da liquidez e certeza do TAC há que se demonstrar o decurso dos prazos previstos no instrumento bem como o inadimplemento das obrigações89. O procedimento da execução do compromisso de ajustamento de conduta observará as normas gerais do processo de execução, dependendo assim da modalidade da obrigação a ser executada. Poderá observar o rito de execução de obrigação de entrega de coisa , de execução de quantia certa (neste com a peculiariedade de que a quantia obtida será destinada ao Fundo de proteção dos direitos difusos competente) ou execução de obrigação de fazer e de não fazer.90

87O termo de ajustamento de conduta constitui título executivo extrajudicial (art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/85). Versando sobre interesse difuso de projeção nacional, produz efeitos erga omnes em ordem a autorizar qualquer legitimado à propositura da ação civil pública a requerer a sua execução em qualquer Estado da Federação. Por conseguinte, uma vez existente tal transação, desaparece a utilidade do provimento judicial que, em sede de ação civil pública, busca alcançar o mesmo objeto ou objetivo, acarretando a extinção do processo pela perda superveniente do interesse de agir. ( 1ª Câmara de Direito Público,Apelação Cível 2003.028580-6, Relator: Newton Janke,Data da Decisão: 19/04/2007 TJ-SC) 88Conforme já tivemos oportunidade de afirmar: “no caso de direitos individuais homogêneos, desde que o termo de ajustamento de conduta admita, as próprias vítimas poderiam executar, nos limites de seus danos individuais, as obrigações de reparar assumidas pelo causador do dano. Op. cit. pg. 85. No caso de direitos individuais homogêneos, desde que o termo de ajustamento de conduta admita, as próprias vítimas podem executar, nos limites de seus danos individuais, as obrigações de reparar assumidas pelo compromissário. (TJ-MG, 17ª Câmara Cível Número do processo: 2000000465698-6/000(1) Relator: Walter Pinto da Rocha Data do Julgamento: 03/12/2004 Data da Publicação: 30/12/2004)89 A conseqüência jurídica da infração ao termo de ajustamento de conduta (multa) somente será exigível após a comprovação do descumprimento do referido termo. Não restando demonstrada a infração ao termo de ajustamento de conduta, que prevê multa em caso de descumprimento, é descabido o indeferimento da inicial da execução, porquanto essa comprovação poderá ser feita ainda nesta fase executiva. (TJ/RS Agravo de Instrumento Nº 70020709101, Oitava Câmara Cível, Relator: Rui Portanova, Julgado em 12/09/2007)90 EXECUÇÃO - TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTAS OBJETO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO PREVISTO NO CODECON - OBRIGAÇÃO DE FAZER - PRAZO PARA O CUMPRIMENTO DO AJUSTE JÁ CONSTANTE DO TÍTULO - DESPACHO QUE DETERMINA A CITAÇÃO DO OBRIGADO E FIXA IGUAL PRAZO - VIABILIDADE - ART. 632, DO CPC - EXEGESE. O prazo para a satisfação da obrigação de fazer, mencionado no art. 632, do CPC, conta-se a partir da citação do devedor. Somente se a obrigação não for cumprida no tempo assinado é que poderá, a requerimento do credor e sendo isso possível, ser executada por terceiro à custa do devedor, consoante a faculdade contida no art. 633 do CPC, seguindo-se, então, o procedimento do art. 634. EXECUÇÃO - OBRIGAÇÃO DE FAZER E PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA - NECESSIDADE DE

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A própria lei que concebe o compromisso prevê que o mesmo será obtido mediante cominações, ou seja, devem ser expressamente previstas medidas cominatórias para impelir o interessado a cumprir as obrigações ajustadas. Caso não haja expressa previsão o juiz, no momento da execução, poderá fixá-la nos termos do artigo 645 do CPC, ou reduzi-la se considerar o valor estipulado no título excessivo. A primeira questão relevante é que deve haver primazia na tutela específica, ou seja, a multa ou qualquer outra medida cominativa, como a caução hipotecária ou fiança bancária, não deve ser o fim primeiro da execução do título, porque o que realmente favorecerá a tutela dos direitos transindividuais é a adoção das medidas previstas no título.

Conquanto a regra do artigo 461 esteja inserido no procedimento ordinário da ação de conhecimento, entendemos ser possível que a execução de obrigação de fazer e de não fazer de título executivo extrajudicial possa se valer das regras previstas naquele dispositivo legal91. A multa prevista no ajustamento de conduta será cobrada desde o momento em que tenha se configurado a mora do obrigado, mas se tiver, contudo, sido instituída pelo Juiz da execução, será cobrada a partir do prazo assinalado pelo despacho judicial. A impugnação do TAC no processo de execução ocorre, via de regra, através dos embargos de execução92. Independente do rito da execução adotado é admissível a possibilidade da conciliação no processo de execução do compromisso de ajustamento de conduta, sendo, mesmo, recomendável que o juiz promova uma audiência preliminar de conciliação para sensibilizar o obrigado a cumprir o ajustado.

Também existe a possibilidade do legitimado, em sistuações excepcionais, propor a ação de homologação judicial do ajustamento de conduta, de modo a obter um título executivo judicial, nos moldes do artigo 57 da Lei 9099/96, que, conquanto discipline as ações nos Juizados Especiais Cíveis é considerada aplicável a qualquer tipo de situação93. A vantagem de se obter o título judicial é a menor amplitude que os embargos do devedor podem assumir. Nesta ação de homologação deve haver necessariamente a participação do obrigado.94

MANDADOS EXECUTIVOS DISTINTOS. Versando a execução sobre obrigação de fazer e também pagamento de quantia certa, impõe-se a expedição de mandados executivos distintos, cada qual de conformidade com as regras específicas da espécie, nos termos da Lei Processual Civil. (TJ/SC 1ª Câmara de Direito Público, Agravo de instrumento 97.008913-9 Relator: Wilson Eder Graf Data da Decisão: 02/12/1997)91No mesmo sentido Carreira Alvim: “Embora inserida no âmbito do processo de conhecimento, no título do “procedimento ordinário”, a tutela antecipada das obrigações de fazer e não fazer, aplica-se também, e com maior razão, ao processo de execução dessas obrigações (art. 598 do CPC). O legislador deu aqui um passo de gigante, para outorgar a tutela liminar ainda na fase de cognição do direito, se estiverem preenchidos determinados requisitos (art. 461, parágrafo 3). Realmente, não teria sentido conceder-se a antecipação de tutela na ação de conhecimento- quando inexiste ainda direito traduzido na sentença- e negá-la na ação de execução quando o credor já dispõe de título judicial. Por outro lado, se o novo art. 632 do CPC admite que a obrigação de fazer ou de não fazer se contenha em título executivo tanto judicial quanto extrajudicial (novo art. 585,II, do CPC), tais execuções admitem igualmente a antecipação de tutela, específica ou assecuratória, nos moldes do art. 461, Par. 3, do mesmo Código. Aludindo o caput deste artigo à “ação” que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer, abrange, por evidente, tanto a ação de conhecimento quanto a de execução” Tutela específica e tutela assecuratória das obrigações de fazer e não fazer na reforma processual. in Reforma do Código de Processo Civil op, cit. Ps. 278/279 92 Agravo de instrumento. Termo de ajustamento de conduta. Eficácia executiva. Discussão sobre o cumprimento das obrigações objeto do compromisso que somente pode ocorrer em embargos do devedor. Recurso não provido. (TJ-PR Órgão julgador: 5ª Câmara Cível Processo: 0378510-0 agravo de instrumento relator: Albino Jacomel Guerios julgamento: 03/12/2007 dados da publicação: DJ: 7517)93No mesmo sentido Paulo Cézar Pinheiro Carneiro. A proteção dos direitos difusos através do compromisso de ajustamento de conduta.( Lei da ação civil pública). Op., cit. pg. 237. Desde a época da vigência da lei dos Tribunais de Pequenas Causas o tema já se pacificou nesse sentido: “Acordo extrajudicial. Homologação- Art. 55 da lei 7244/84-Dispositivo que não diz respeito somente ao Juizado de Pequenas causas. Aplicabilidade a toda e qualquer transação independente da natureza e valor- Norma de direito processual e substantivo que amplia e simplifica a disciplina dos acordos, modificando as exigências do Código Civil.” Ap. 4246/90- TJRJ 6 C- j 18.12.90- rel. Des. Rui Octávio Domingues. RT 667/151)

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É comum que os obrigados no ajuste de conduta sejam entes públicos, integrantes do conceito de Fazenda Pública. A primeira questão que se coloca é se seria possível a execução contra a Fazenda Pública com base em título executivo extrajudicial. A questão hoje está pacificada com o advento da Súmula 279do STJ que considera cabível execução por título executivo extrajudicial contra a Fazenda Pública. Entendemos que é plenamente admissível a execução de título extrajudicial eme face da Fazenda Pública, porque os objetivos da norma constitucional, inserta no artigo 100, de proteger os bens públicos, impedindo a penhora dos mesmos, assim como garantir a ordem dos pagamentos dos devedores não são frustrados, uma vez que em se tratando de pagamento de quantia certa é imperiosa a formação do precatório. Ademais, se valoriza a vontade expressa pelos órgãos públicos nos títulos executivos . De outra sorte, qualquer tipo de excesso poderá ser tranquilamente coibido com a propositura dos embargos pela Fazenda, que nesse caso mais se assemelham a uma contestação porque não há necessidade de segurança do juízo. De outra sorte, na maior parte dos casos a execução do ajustamento de conduta será de obrigação de fazer e de não fazer, e quanto a esta “o Poder Público não goza de qualquer privilégio95. Em não havendo um preceito legal expresso na regra de direito material sobre a presecição da exigibilidade do direito versado no compromisso de ajustamento de conduta, a regra é que não prescreve o direito de executar o compromisso de ajustamento de conduta, sobretudo diante do interesse público na preservação destes direitos e no fato de sua violação geralmente ser de trato sucessivo perdurando ao longo do tempo.96

Uma outra indagação que merece ser proposta é se o descumprimento do ajuste de conduta, quando celebrado por pessoa jurídica de direito público enseja algum outro tipo de responsabilização que não a civil para o agente público que a representou. No nosso entendimento o mero descumprimento de ajuste, por si só, não pode resultar em responsabilidade penal ou administrativa, ou ato de improbidade. Todavia, condutas relacionadas com esse descumprimento, que eventualmente sejam previstas na norma penal ou se configurem como infrações administrativas ou atos de improbidade, podem ensejar a incidência de outras sanções.

Sob outra perspectiva, e se o órgão público perante o qual foi celebrado o ajuste não adotar nenhuma medida administrativa ou judicial para promover o seu cumprimento quando a 94 MANDADO DE SEGURANÇA. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA - HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL QUE PROPICIOU AÇÃO EXECUTIVA JUDICIAL - AUSÊNCIA DO CONTRADITÓRIO - NULIDADE - ORDEM CONCEDIDA. Deve-se conceder a segurança para obstar cumprimento de sentença homologatória de acordo celebrado extrajudicialmente entre o MP e o Município ora Impetrante, que se revela nula, porque se fez sem a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, quando se demonstra que uma das partes pactuantes - o Impetrante - não foi citado, intimado ou notificado para se manifestar a esse respeito, ""judicialmente"", embora não negue ter firmado aquele termo extrajudicial de ajustamento de conduta. (TJ-MG, 1ª Câmara Cível, Número do processo: 1000007455905-5/000(1) Relator: Geraldo Augusto Data do Julgamento: 08/04/2008 Data da Publicação: 07/05/2008)95 Shimura, Sergio. Título Executivo. São Paulo: Saraiva. pg. 185. 96 APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS À EXECUÇÃO - TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA - PRESCRIÇÃO AFASTADA - DIREITOS DIFUSOS INDISPONÍVEIS - OBRIGAÇÕES DE TRATO SUCESSIVO - DEMONSTRADO ADIMPLEMENTO DE PARTE DAS OBRIGAÇÕES E MODIFICAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE OUTRAS COM ANUÊNCIA DO PARQUET - ALTERAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ACORDO - POSSIBILIDADE - PROVIMENTO DO APELO - PROCEDÊNCIA PARCIAL DOS EMBARGOS. A Lei n. 7.347/85, assim como o Estatuto da Criança e do Adolescente, não fixa um limite temporal de eficácia ao termo de ajustamento de conduta como título executivo, não se podendo, portanto, aplicar o prazo prescricional qüinqüenal para restringir o tempo para propositura de execução com o escopo de exigir as obrigações assumidas. Na espécie, o ajustamento de conduta tutela direitos difusos pertencentes a crianças e adolescentes, de caráter indisponível, cuja proteção interessa a toda sociedade. Por isso, não seria razoável admitir que esses interesses pudessem ser atingidos pela prescrição, obstando a sua defesa e permitindo sua violação. Ademais, tratam-se de direitos cujo atendimento depende de prestações contínuas, de modo que sem elas sua violação igualmente é renovada constantemente. Firmado termo de ajustamento de conduta, pelo qual o ente público assumiu obrigações que visam ao atendimento de direitos de crianças e adolescentes, é cabível a execução do título executivo extrajudicial quando descumprido o compromisso celebrado. (TJ-SC 2ª Câmara de Direito Público Acórdão: Apelação Cível 2006.025305-6 Relator: Francisco José Rodrigues de Oliveira Filho Data da Decisão: 10/04/2007)

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inadimplência do obrigado estiver plenamente configurada, o que poderá ocorrer? Consideramos que pelo menos haverá responsabilidade disciplinar daquele que deve agir, podendo eventualmente configurar um ato de improbidade administrativa, ou até mesmo o crime de prevaricação, dependendo do caso concreto. Pode o cidadão realizar o controle dessa omissão através da propositura de um ação popular, desde que os interesses em jogo sejam daqueles tuteláveis pela mesma.

4.0 Recomendação Legal

A recomendação é um instrumento previsto na Lei complementar 75/9397 e na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público dos Estados98. Consiste, como sugere o seu nome, na recomendação de medidas para favorecer a adequada prestação de serviços públicos ou o respeito aos interesses, direitos e bens transindividuais. É uma tarefa típica de ombudsman.99

A recomendação não obriga o recomendado a cumprir os seus termos, mas serve como advertência a respeito das sanções cabíveis pela sua inobservância. É importante que a recomendação seja devidamente justificada, de modo a que possa convencer o recomendado de sua justeza. Em regra, é expedida nos autos do inquérito após a sua instrução, como forma de evitar a propositura da medida judicial e quando não seja caso de ajustamento de conduta, mas nada impede que a recomendação seja feita fora de uma investigação, ou até seja uma das primeiras diligências do inquérito civil.100

Pode-se exigir que o destinatário da recomendação promova a sua publicação, assim como apresente resposta por escrito ao Ministério Público, informando sobre o cumprimento da mesma. O Ministério Público também pode dar publicidade à recomendação.101

Devido à própria natureza da recomendação, seu espectro de abrangência é amplíssimo. Pode se recomendar a adoção de medidas que estão sob o juízo discricionário da Administração Pública, ou medidas que só podem ser determinadas com força de executoriedade pelo Poder Judiciário. Em muitos casos, a vantagem do instituto é justamente lograr demonstrar ao responsável pela conduta como pode evitar a continuidade de uma prática indevida, ou adequá-la aos ditames legais. No caso do recomendado reputar inadmissível o conteúdo da orientação basta não observá-la, e apostar no insucesso de qualquer iniciativa judicial, não havendo nenhuma

97Artigo 6° da lei complementar 75/93- XX - expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito, aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis. 98Artigo 27 Parágrafo único- IV- promover audiências públicas e emitir relatórios, anual ou especiais, e recomendações dirigidas aos órgãos e entidades mencionadas no caput deste artigo, requisitando ao destinatário sua divulgação adequada e imediata, assim como resposta por escrito. 99Cf. Celso Barroso Leite: “As conclusões a que ele chega com relação a reclamações investigadas, casos apurados por sua própria iniciativa, fatos verificados por ocasião de visitas de inspeção, e assim por diante, são transmitidas às repartições interessadas sob a forma de críticas, censuras ou recomendações. Em qualquer hipótese, seus pronunciamentos não têm cunho coercitivo, mas sobretudo efeito moral- de resto mais forte do que poderia parecer. Não raro suas manifestações , em vez de se limitarem aos casos concretos que as motivaram , cogitam de medidas de caráter geral: alterações de normas, simplificação de rotinas, abrandamento de critérios, etc .” Ombudsman. Corregedor administrativo. A instituição escandinava que o mundo vem adotando. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1975 Pg. 62100 Nesse sentido ROTHENBURG, Walter Claudius. “Recomendação: publicidade e publicação”. Tese apresentada no XVI Encontro Nacional dos Procuradores da República. Caderno de Teses. ANPR. Rio de Janeiro 28/10 a 2/11/99.pp.19/22101 Segundo Rothenburg : “O Procurador da República responsável pela recomendação tem legitimidade para avaliar acerca da publicidade e publicação . Não cabe à Câmara de Coordenação e Revisão ou ao Procurador Federal dos Direitos do Cidadão recusar-se a fazer publicá-la” .Op., cit. pg.22

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ilegalidade intrínseca na recomendação. Caso seja instado a fazê-lo, deve declinar por escrito ao membro do Ministério Público que a expediu a que levaram à inobservância da mesma. Em relação à medida judicial a recomendação representa todas as vantagens inerentes a uma solução extrajudicial de conflito: pouco custo, rapidez e eficácia.

Difere a recomendação do termo de ajustamento de conduta porque neste há eficácia de título executivo extrajudicial o que dá maior garantias para o cumprimento do ajustado, ao passo que na representação nada protege o cumprimento da recomendação. Todavia, em sendo a recomendação unilateral é mais fácil ser expedida do que um ajuste de conduta, que pressupõe a vontade do responsável. De qualquer maneira, a recomendação pode ser utilizada antes de se propor a ação, ou antes de se promover o ajuste, ou até mesmo para obter o cumprimento do ajustado. Como devemos interpretar a vedação da expedição de recomendação como medida substitutiva ao compromisso de ajustamento de conduta e à ação civil pública prevista no parágrafo único do artigo 15 da Res. 23/2007 do CNMP? A única forma de se compreender tal disposição normativa é entender que a mera expedição da recomendação não supre a necessidade da obtenção de um título executivo em favor da sociedade, seja judicial, através da ação civil pública, seja extrajudicial, através do compromisso de ajustamento de conduta, quando esta não for atendida, a não ser em hipóteses especialíssimas quando não seja possível exigir judicialmente o recomendado. Destarte, é muito importante a expedição da recomendação como uma primeira tentativa do Ministério Público de lograr resolver a controvérsia sem a movimentação da máquina jurisdicional. Quando esta não é acatada, quase sempre a decisão judicial leva em conta essa importante iniciativa do Ministério Público102.Todavia, se a recomendação surte o efeito desejado não se pode restringir indevidamente o seu manejo, sob pena da norma regulamentadora violar a legislação de regência da matéria.

5.0 Considerações Finais

O novo Ministério Público, porque renascido em 1988, tem dado mais contribuições positivas do que negativas para a afirmação do Estado democrático brasileiro. Contudo, é forçoso reconhecer que é difícil trilhar o equilibrado caminho da atuação séria e consistente sem sucumbir

102 Como nos seguintes: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSELHO TUTELAR. EXIGÊNCIA DE DEDICAÇÃO EXCLUSIVA EXPRESSAMENTE PREVISTA NA LEI MUNICIPAL. EXERCÍCIO CONCOMITANTE DA ATIVIDADE DE PSICÓLOGA QUE IMPÕE O AFASTAMENTO DA AUTORA DA FUNÇÃO DE CONSELHEIRA TUTELAR. - A competência para processar e julgar as demandas envolvendo o desfazimento do vínculo do Conselheiro Tutelar no primeiro grau, segundo art. 148, IV, da Lei n. 8.069/90, não é da Vara Cível, mas do Juizado da Infância e da Juventude. - Impossibilidade jurídica do pedido inocorrente, pois não há vedação expressa na lei acerca da pretensão declinada na inicial. - Não tendo a agravante cumprido o requisito suplementar da dedicação exclusiva às funções de conselheira tutelar, entendendo-se como tal o exercício de uma única função remunerada, nos termos do art. 22 da Lei n. 4.891/06, pois permanece exercendo a atividade de psicóloga, imperioso o seu afastamento do Conselho Tutelar. Hipótese, outrossim, em que a agravante desconsiderou a recomendação n. 003/2007 do Ministério Público no sentido de que observasse a exigência legal, sob pena de adoção das medidas legais e judiciais cabíveis. NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, POR MAIORIA, VENCIDO O VOGAL. (TJ/RS, Agravo de Instrumento Nº 70022165641, Terceira Câmara Cível, Relator: Matilde Chabar Maia, Julgado em 21/02/2008) RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. INFORMAÇÕES DESABONATÓRIAS CONTRA EX-EMPREGADO. Restando suficientemente demonstrado, pela prova documental e testemunhal produzidas, que prepostos da ré prestaram informações desabonatórias contra a conduta profissional e pessoal do autor, pelo fato dele ter ingressado com reclamatória trabalhista contra a mesma, deve indenizar o dano moral causado. Informações que impossibilitaram o autor de conseguir provável colocação em empresa do ramo de móveis. Recomendação do Ministério Público do Trabalho dirigida à ré, dando conta das informações negativas a respeito do autor, comprovadas em procedimento investigatório. Valor da reparação mantido. Impugnação à assistência judiciária gratuita que deveria ser em autos apartados, consoante previsto no art. 4º, § 2º, da Lei nº 1.060/50. Apelação desprovida. (TJ/RS Apelação Cível Nº 70007368533, Quinta Câmara Cível, Relator: Leo Lima, Julgado em 11/12/2003)

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aos holofotes da mídia, ao personalismo exacerbado, ao messianismo pueril. Por isso precisamos superar, dentro do possível, as referências pessoais e construir uma instituição com rotinas e normas que propiciem o efetivo exercício das relevantíssimas atribuições constitucionais, sempre dentro do princípio da proporcionalidade e razoabilidade, e observando constante diálogo, quando possível, com os demais atores políticos. Somos contemporâneos da construção de uma Instituição, o que requer “maturidade política, humildade pública e a prudência jurídica”103. Seguramente a trilha de se limitar o exercício das atribuições da Instituição, com a sua conseqüente capitulação, não é a mais compatível com a vivência do Estado democrático de Direito104. No momento o compromisso com o Ministério Público traduz o compromisso com a democracia e o acesso à justiça.

Com efeito, não podemos esquecer a responsabilidade da instituição ministerial, porque o sistema lhe reservou o papel de protagonista na defesa desses direitos, atuando em todos os feitos judiciais nos quais os mesmos são discutidos, quer os tenha intentado ou não, e franqueando uma série de poderes e instrumentos de atuação extrajudicial que permitem a garantia dos direitos transindividuais. Por isso, há muito o que fazer dentro do Parquet para o reconhecimento da importância dessas atribuições e a estruturação de uma atividade que seja o mais independente possível do valor individual de cada um de seus membros.

Na verdade, trabalha-se muito, existe muito dispêndio de energia mas com pouco resultado prático. Urge a estruturação de uma atuação estratégica que deve inspirar a utilização dos mecanismos de atuação extrajudicial à disposição do Ministério Público. Esse tipo de raciocínio exige uma mudança de cultura, uma verdadeira releitura do princípio da unidade, pois demanda a atuação coletiva dos membros do Ministério Público, e a submissão do trabalho a controles de resultados para averiguação da consecução das metas definidas pelo Ministério Público em conjunto com a sociedade. Essa atuação investigativa estratégica teria que integrar todas as instâncias da instituição no esforço investigativo, de modo a que não se desperdiçassem recursos humanos e econômicos em outras atribuições que não relacionas à tutela dos direitos transindividuais, incluindo, obviamente, a própria tutela penal. Do mesmo modo a sistematização mais racional dos dados e das estatísticas de atuação extrajudicial é fundamental para uma avaliação concreta dos resultados e a identificação das deficiências institucionais. De qualquer sorte, devemos admitir que o Ministério Público não representa necessariamente a solução de todos os problemas na tutela dos direitos transindividuais. Não se pode de forma alguma amesquinhar o fundamental papel que a sociedade tem na construção de uma ordem jurídica justa. A existência de cidadãos conscientes de seus direitos, com capacidade de se organizarem para obter a consecução de seus objetivos sociais, com poder de controlar os órgãos Públicos, inclusive o Ministério Público, é que pode ser o diferencial na efetiva tutela dos direitos transindividuais. A existência de um Ministério Público verdadeiramente apto à defesa dos direitos da sociedade guarda correspondência com uma sociedade organizada e forte. O descompasso entre o Ministério Público e a sociedade compromete não só a defesa dos direitos da coletividade, assim como a própria formação de uma instituição pública livre e altiva

103Em artigo de Joaquim de Arruda Falcão “ Os novos políticos”, publicado no Jornal “ A Folha de São Paulo” de e28 de Julho de 1999. Pg. A3 104 Existem várias propostas em trâmite no Congresso Nacional de limitação de garantias, de retirada de atribuições e poderes, com a consequente submissão ao Poder Executivo. Vide análise das propostas de emendas constitucionais relativas ao Ministério Público. FACHINNI, Maria Iraneide Olinda S. pp. 22/24 Boletim dos Procuradores da República, ano II, n 16- Agosto-1999. Recentemente no dia 7 de Maio de 2008 foi aprovada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados o projeto de lei 265/2007 de autoria do Deputado Federal por São Paulo Paulo Salim Maluf que responsabiliza a atuação do Ministério Público na tutela dos direitos da sociedade.

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6.0 Referências bibliográficas

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