regressÃo linear: uma tarefa com “applet”...

12
381 REGRESSÃO LINEAR: UMA TAREFA COM “APPLET” NAS PRÁTICAS LECTIVAS DE ESTATÍSTICA DO ENSINO SUPERIOR Maria Manuel da Silva Nascimento Departamento de Matemática da UTAD e Centro de Matemática da UTAD [email protected] José Alexandre dos Santos Vaz Martins Departamento de Matemática e Informática ESTTS, IPG [email protected] Resumo: No âmbito das mudanças ao nível do ensino-aprendizagem que o Processo de Bolonha visa implementar, a Estatística e o Ensino da Estatística são temas actuais, e com relevância, nos primeiros anos das licenciaturas do ensino superior (actual 1º ciclo). Além disso, acreditamos que sem a participação e o envolvimento dos alunos não é possível tornar o processo de ensino-aprendizagem efectivo e produtivo, visando a aquisição das competências resumidas nos Descritores de Dublin (tal como foram desenvolvidos pelo “Joint Quality Iniciative Group” para o 1º e 2º ciclos). Assim sendo, neste trabalho apresentamos a avaliação proposta aos alunos de unidades curriculares de estatística, os denominados trabalhos de casa tecnológicos, e na qual se incluía a tarefa que aqui analisamos. Esta tarefa sobre a regressão linear foi realizada em grupo e os alunos usaram um “applet” do “National Council of Teachers of Mathematics”, NCTM. A análise das tarefas realizadas pelos alunos foi enquadrada nas competências dos Descritores de Dublin. Além disso, aproveita-se também para reflectir sobre o uso das tecnologias no processo de ensino-aprendizagem no ensino superior e, que agora, cada vez mais, se pretende centrado no aluno, bem como sobre as possíveis implicações das dificuldades destas aprendizagens na prática lectiva. Introdução No âmbito das mudanças ao nível do ensino-aprendizagem que o Processo de Bolonha visa implementar, a Estatística e o Ensino da Estadística são temas actuais, e com relevância, nos primeiros anos das licenciaturas do ensino superior (actual primeiro ciclo). Além disso, acreditamos que sem a participação e o envolvimento dos alunos não é possível tornar o processo de ensino-aprendizagem efectivo e produtivo. O texto do Decreto-lei Nº 74 de 2006, de 24 de Março, relativo à regulamentação das alterações introduzidas pela Lei de Bases do Sistema Educativo, no que se refere ao actual modelo de organização dos ciclos de estudo do ensino superior, suporta esta nossa opinião. “Questão central no Processo de Bolonha é o da mudança de paradigma de ensino de um modelo passivo, baseado na aquisição de conhecimentos, para um modelo baseado no desenvolvimento de competências, onde se incluem, quer as

Upload: hoangtram

Post on 15-Feb-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: REGRESSÃO LINEAR: UMA TAREFA COM “APPLET” …spiem.pt/DOCS/ATAS_ENCONTROS/2008/2008_29_MMSNascimento.pdf · Teachers of Mathematics”, NCTM. A análise das tarefas realizadas

381

REGRESSÃO LINEAR: UMA TAREFA COM “APPLET” NAS PRÁTICAS LECTIVAS DE ESTATÍSTICA DO ENSINO SUPERIOR

Maria Manuel da Silva Nascimento Departamento de Matemática da UTAD e Centro de Matemática da UTAD

[email protected]

José Alexandre dos Santos Vaz Martins Departamento de Matemática e Informática ESTTS, IPG

[email protected]

Resumo: No âmbito das mudanças ao nível do ensino-aprendizagem que o Processo de Bolonha visa implementar, a Estatística e o Ensino da Estatística são temas actuais, e com relevância, nos primeiros anos das licenciaturas do ensino superior (actual 1º ciclo). Além disso, acreditamos que sem a participação e o envolvimento dos alunos não é possível tornar o processo de ensino-aprendizagem efectivo e produtivo, visando a aquisição das competências resumidas nos Descritores de Dublin (tal como foram desenvolvidos pelo “Joint Quality Iniciative Group” para o 1º e 2º ciclos). Assim sendo, neste trabalho apresentamos a avaliação proposta aos alunos de unidades curriculares de estatística, os denominados trabalhos de casa tecnológicos, e na qual se incluía a tarefa que aqui analisamos. Esta tarefa sobre a regressão linear foi realizada em grupo e os alunos usaram um “applet” do “National Council of Teachers of Mathematics”, NCTM. A análise das tarefas realizadas pelos alunos foi enquadrada nas competências dos Descritores de Dublin. Além disso, aproveita-se também para reflectir sobre o uso das tecnologias no processo de ensino-aprendizagem no ensino superior e, que agora, cada vez mais, se pretende centrado no aluno, bem como sobre as possíveis implicações das dificuldades destas aprendizagens na prática lectiva.

Introdução

No âmbito das mudanças ao nível do ensino-aprendizagem que o Processo de Bolonha visa implementar, a Estatística e o Ensino da Estadística são temas actuais, e com relevância, nos primeiros anos das licenciaturas do ensino superior (actual primeiro ciclo). Além disso, acreditamos que sem a participação e o envolvimento dos alunos não é possível tornar o processo de ensino-aprendizagem efectivo e produtivo. O texto do Decreto-lei Nº 74 de 2006, de 24 de Março, relativo à regulamentação das alterações introduzidas pela Lei de Bases do Sistema Educativo, no que se refere ao actual modelo de organização dos ciclos de estudo do ensino superior, suporta esta nossa opinião.

“Questão central no Processo de Bolonha é o da mudança de paradigma de ensino de um modelo passivo, baseado na aquisição de conhecimentos, para um modelo baseado no desenvolvimento de competências, onde se incluem, quer as

Page 2: REGRESSÃO LINEAR: UMA TAREFA COM “APPLET” …spiem.pt/DOCS/ATAS_ENCONTROS/2008/2008_29_MMSNascimento.pdf · Teachers of Mathematics”, NCTM. A análise das tarefas realizadas

382

de natureza genérica – instrumentais, interpessoais e sistémicas –, quer as de natureza específica associadas à área de formação, e onde a componente experimental e de projecto desempenham um papel importante.

Identificar as competências, desenvolver as metodologias adequadas à sua concretização, colocar o novo modelo de ensino em prática, são os desafios com que se confrontam as instituições de ensino superior” (Diário da República, I Série - A, Nº 60, pp. 2243-2244)

Além disso, na caracterização mais detalhada dos ciclos de estudo, tal como é

apresentada no referido Decreto-lei já enquadra os descritores de Dublin:

“A definição dos objectivos de cada um dos ciclos de estudos na perspectiva das competências a adquirir, (…) e concretizado nos descritores de Dublin, tendo presente que a transmissão de um sistema de ensino baseado na transmissão de conhecimentos para um sistema baseado no desenvolvimento de competências pelos próprios alunos (…)" (Diário da República, I Série - A, Nº 60, pp. 2242)

De acordo com estes descritores no fim do primeiro ciclo, os alunos devem

demonstrar: conhecimento e capacidade de compreensão; aplicação de conhecimentos e compreensão; realização de julgamento/tomada de decisões; comunicação; e competências de auto-aprendizagem (Direcção Geral do Ensino Superior, DGES, 2008). Como é óbvio as competências destes descritores enquadram-se nas competências preconizadas no ensino da estatística. Como cita Batanero (2001), referindo-se a Begg (1997),

"(…) la estadística es un buen vehículo para alcanzar las capacidades de comunicación, tratamiento de la información, resolución de problemas, uso de ordenadores, trabajo cooperativo y en grupo, a las que se da gran importancia en los nuevos currículos." (p.118)

Um dos tópicos programáticos nas licenciaturas, actuais primeiros ciclos, é o da

regressão linear. Assim, neste trabalho apresentamos a avaliação proposta aos alunos de unidades curriculares de estatística, na qual se incluía a tarefa que analisaremos adiante. Até ao ano lectivo de 2005/2006 os alunos de várias licenciaturas das disciplinas introdutórias de Estatística eram avaliados usando unicamente os tradicionais testes e/ou exames. Contudo, o desempenho nessas provas escritas nunca se revelou muito satisfatório, nem do desempenho dos alunos nas práticas lectivas, nem dos nossos próprios desempenhos, enquanto seus professores. Tal como referem Garfield e Chance (2000),

"(…) final exams were made based on procedures, definitions, and skills, rather than real conceptual understanding." (p. 199)

Até ao corrente ano lectivo, 2007/2008, o elevado número de alunos das várias

licenciaturas destas disciplinas tornou inviável o uso de laboratórios de informática nas

Page 3: REGRESSÃO LINEAR: UMA TAREFA COM “APPLET” …spiem.pt/DOCS/ATAS_ENCONTROS/2008/2008_29_MMSNascimento.pdf · Teachers of Mathematics”, NCTM. A análise das tarefas realizadas

383

aulas práticas ou nas aulas teórico-práticas. Assim, numa primeira tentativa de modificar o sistema de avaliação e de incentivar a participação e o envolvimento dos alunos nas disciplinas, planeámos os trabalhos de casa tecnológicos, abreviados por TPC tecnológicos. Por TPC tecnológicos queríamos realçar que todos os trabalhos que propusemos tinham uma componente que obrigava ao uso de tecnologia: “applets” e/ou folhas de cálculo. Estes trabalhos foram apresentados semanalmente, excepto na última semana de aulas, por já sobrecarregar muito a participação extra aula dos alunos. Preferivelmente, os TPC tecnológicos foram feitos em pequenos grupos (até quatro elementos) e cada grupo tinha que apresentar um pequeno relatório com as respostas às questões colocadas; respostas essas que foram, após a classificação, discutidas em grande grupo na aula. Estes TPC tecnológicos tiveram um peso de 10% na mota final da disciplina, desde que os alunos assistissem a metade das aulas teóricas da disciplina do respectivo curso.

Com estas propostas baseadas no uso de ferramentas tecnológicas pretendemos proporcionar aos alunos uma experiência diferente, embora fora da sala de aula, mas com um certo acompanhamento, pelo “feedback” dado nas aulas, após a correcção. Darius et al. (2002) referem que

"[it] has been argued that supplementing the traditional material with tools based on a visual approach and a more active form of learning could improve the effectiveness of the teaching."

Por outro lado Godino et al. (2003) também já mencionavam o uso de “applets”,

embora em contexto de sala de aula, para alunos mais jovens, e escreviam:

“The applet facilitates the construction of the student's personal exploration scenarios. However, progress in this exploration as supported by interactive programs, necessarily requires the teacher's contribution. This is a new challenge for the teacher who needs simultaneously to help students who are at different points of the learning process.”

A finalizar devemos salientar que a proposta de avaliação foi discutida com os

alunos no início do semestre e que pretendeu, como já referimos, mobilizar os alunos de uma forma diferente nesta disciplina introdutória de Estatística. Tal como afirma Chance (2000),

"(…) I concur with Garfield's suggestion to attempt to incorporate only one new assessment technique at a time. These techniques can be quite time consuming and demanding on the instructor, and need to be well organized and thought out ahead of time." (p. 217).

Recta de regressão linear usando a tecnologia

Page 4: REGRESSÃO LINEAR: UMA TAREFA COM “APPLET” …spiem.pt/DOCS/ATAS_ENCONTROS/2008/2008_29_MMSNascimento.pdf · Teachers of Mathematics”, NCTM. A análise das tarefas realizadas

384

Tal como já foi referido na introdução, nos TPC tecnológicos foi quase sempre proposta uma tarefa usando “applets” e/ou a folha de cálculo. Na Tabela 1 apresentam-se essas tarefas, o tópico programático em que se enquadrava, a metodologia e os recursos indicados aos alunos para as executarem. O objectivo desta apresentação é o de enquadrar de forma resumida a tarefa 3 sobre a recta de regressão linear que foi proposta aos alunos e que aqui será analisada.

Tabela 1 – Tarefas por tópicos para os TPC tecnológicos (traduzido de Nascimento e Martins, 2007)

TAREFA TÓPICO METODOLOGIA RECURSOS 1 Dados e as suas

representações gráficas Pequeno artigo: relatório Revistas

2 Comparação de valores médios e das medianas

Investigação e relatório escrito

Applet da internet: http://standards.nctm.org/document/ eexamples/chap6/6.6/index.htm

3 Recta de regressão linear Investigação e relatório escrito

Applet da internet: http://standards.nctm.org/document/ eexamples/chap7/7.4/index.htm

4 Probabilidades: conceitos iniciais

Relatório, e uso da folha de cálculo para executar uma simulação da resolução de um problema

Folha de cálculo

5 Probabilidades condicionais Relatório escrito e simulação

Applet da internet, por exemplo, Pinkney, 2005; http://www-stat.stanford.edu/~susan/ surprise/ProbabilityTree.html7 em 11.10.2005)

6 Acontecimentos independentes e não independentes

Relatório, pesquisa em situações da área científica dos alunos ou no dia a dia

Textos, artigos e applets encontrados pelos alunos na internet

7 Leis de probabilidade em geral

Simulação e relatório escrito

Applest da internet: http://noppa5.pc helsinki.fi/koe/dice/dicesim1.html;http://www.shodor.org/interactivate/activities/spinner/index.html) or spreadsheet

8 Leis de probabilidade discretas

Relatório, pesquisa em situações da área científica dos alunos ou no dia a dia

Textos da internet e apllets em, por exemplo, http://highered.mcgraw-hill.com/sites/dl/free/ 0072868244/124727/BinomialApp.html; http://www.stat.sc.edu/~west/applets/binomialdemo1.htm) ou folha de cálculo

9 Leis de probabilidade discretas

Simulação e relatório escrito

Applet da internet: http://www.math.csusb. edu/faculty/stanton/m262/hypergeometric_distribution/hypergeometric_distribution.html; http://stat-www.berkeley. edu/~stark/Java/Html/ProbCalc.htm; http://www.math.cs usb.edu/faculty/stan ton/probstat/loto.html) ou folha de cálculo

10 Leis de probabilidade contínuas

Relatório, pesquisa em situações da área científica dos alunos ou no dia a dia

Applets da internet, por exemplo: http://kitchen.stat.vt.edu/~sundar/java/applets/ Normal.html; http://www. stat.sc.edu/~wes t/applets/normaldemo1.htmll) e folhas de cálculo para construer tabelas para as leis de probabilidade

11 Leis de probabilidade contínuas e convergências

Relatório, pesquisa em situações da área científica dos alunos ou no dia a dia

Applets da internet ou folhas de cálculo para cálculos extensivos.

12 Comparação de medidas de tendência central e de medidas de dispersão

Simulação e relatório escrito

Applets da internet, por exemplo: http://standards.nctm.org/document/eexamples/chap6/6.6/index.htm; http://www.st at.yale.edu/Courses/1997-98/101/rvmnvar.htm

13 Intervalos de confiança Simulação e relatório escrito

Applets da internet, por exemplo: http://www.amstat.org/publications/jse/v6n3/applets/confidenceinterval.html; http://www.stat.berkeley.edu/users/ stark/Java/Html/Ci.htm

Page 5: REGRESSÃO LINEAR: UMA TAREFA COM “APPLET” …spiem.pt/DOCS/ATAS_ENCONTROS/2008/2008_29_MMSNascimento.pdf · Teachers of Mathematics”, NCTM. A análise das tarefas realizadas

385

Tarefa 3: Apresentação da proposta

A apresentação desta proposta será feita começando por uma pequena descrição

do “applet” acompanhada pela sua ilustração, seguindo-se a definição das questões indicadas que deveriam ser respondidas com base na exploração do referido “applet”. Descrição do “applet”

Nesta tarefa 3 foi proposto aos alunos o uso do “applet” do “National Council of Teachers of Mathematics” (NCTM, 2007) que é reproduzido na Figura 1. Este “applet” permite aos alunos explorar três métodos para quantificar o ajustamento de um conjunto de dados a uma recta de regressão: 1) método do quadrado das distâncias; 2) método do valor absoluto; 3) método da menor distância. Desta forma é possível descobrir como as diferenças entre os valores previstos e os valores observados (ou seja, os erros) podem ser usadas para medir a qualidade do ajustamento ao modelo linear. Assim, pode-se explorar o efeito que a mudança dos cinco pontos e/ou da recta tem nos três métodos.

Figura 1: "Applet" do NCTM

Tarefa 3: proposta de trabalho.

Para realizar esta tarefa foi proposto aos alunos que usassem seis conjuntos de dados apresentados no primeiro capítulo das aulas teórico-práticas da unidade curricular e o “applet” referido para responderem às seguintes questões (adaptadas de NCTM, 2007 e de Nascimento e Martins, 2007a): a) Para os seis conjuntos de dados pretende-se saber qual dos métodos modela melhor o ajuste do conjunto de dados à equação de uma recta. Os três métodos são: 1) método do quadrado das distâncias; 2) método do valor absoluto; 3) método da menor distância. Para sistematizar a sua resposta tente responder às seguintes questões para cada conjunto de dados: Como é que cada ponto contribui para o erro do ajuste? Como é que essas contribuições para o erro diferem quando compara os três métodos? Como é que caracterizaria cada uma dos três métodos? Sugestão: Para cada conjunto de dados tente calcular e registar os erros medidos por cada um dos métodos.

Page 6: REGRESSÃO LINEAR: UMA TAREFA COM “APPLET” …spiem.pt/DOCS/ATAS_ENCONTROS/2008/2008_29_MMSNascimento.pdf · Teachers of Mathematics”, NCTM. A análise das tarefas realizadas

386

b) Analise o significado prático do facto de estabelecer a equação de uma recta para os seis conjuntos de dados. c) Como é que se comparam cada um dos métodos se um dos pontos estiver muito afastado da equação da recta (“outlier”) e os outros pontos relativamente próximos? d) Para os conjuntos de dados considerados e apenas para os métodos 1) e 2), proponha as medidas de avaliação da qualidade de ajuste da equação de uma recta. e) Para os conjuntos de dados que estudou e para as medidas de qualidade de ajuste que propôs, defina o que se deverá entender por: “ajustar mal”; “ajustar bem”; e “ajustar muito bem”. f) Para testar a escala de qualidade de ajuste que propôs na questão d), use os conjuntos de dados seguintes: 1) os seis deste enunciado; 2) um conjunto de pontos em que estejam todos sobre a equação de uma recta excepto um muito pouco distante dessa equação da recta; um conjunto de pontos em que estejam todos sobre a equação de uma recta excepto um muito distante dessa equação da recta (“outlier”); 3) um conjunto de pontos que represente uma parábola; 4) uma nuvem de pontos (neste conjunto específico de pontos só conseguirá “ajustar muito bem” uma única recta, com um único declive? Tarefa 3 e os Descritores de Dublin

Os Descritores de Dublin, desenvolvidos pelo “Joint Quality Initiative Informal Group”, pretendem facilitar a comparação de ciclos de formação a nível europeu, enunciando as competências genéricas que se espera que um estudante adquira no decorrer da sua formação académica, definindo, assim, e tanto quanto possível, descritores generalizados de qualificação, onde devem estar enquadradas a diversidade de necessidades individuais, académicas e do mercado de trabalho. Neste sentido, na Tabela 2 apresentam-se os Descritores de Dublin para o 1º ciclo do ensino superior.

Tabela 2 – Quadro adaptado da página da DGES (2008)

1º Ciclo

Atribuição do grau aos estudantes que tenham atingido:

D1 – Conhecimento e capacidade de compreensão

Tenham demonstrado possuir conhecimentos e capacidade de compreensão a um nível que:

• Sustentando-se nos conhecimentos de nível secundários, os desenvolva e aprofunde;

• Corresponda e se apoie em livros de texto de avançado;

• Em alguns domínios da área de estudo, se situe ao nível dos conhecimentos de ponta na área científica respectiva.

D2 – Aplicação de conhecimentos e compreensão

Saibam aplicar os conhecimentos e a capacidade de compreensão adquiridas, de forma a evidenciarem uma abordagem profissional ao trabalho desenvolvido na sua área vocacional.

D3 – Realização de julgamento/tomada de decisões

Comprovem capacidade de resolução de problemas no âmbito da sua área de estudo, e de

Page 7: REGRESSÃO LINEAR: UMA TAREFA COM “APPLET” …spiem.pt/DOCS/ATAS_ENCONTROS/2008/2008_29_MMSNascimento.pdf · Teachers of Mathematics”, NCTM. A análise das tarefas realizadas

387

constituírem e fundamentarem a sua própria argumentação.

Mostrem capacidade de recolher, seleccionar e interpretar informação relevante, particularmente na sua área de estudo, que os habilite a fundamentarem as soluções que preconizem e os juízos que emitem, incluindo na análise os aspectos sociais, científicos e éticos relevantes.

D4 – Comunicação

Sejam dotados de competências que lhes permitam comunicar informação, ideias, problemas e soluções, tanto a públicos constituídos por especialistas como não especialistas.

D5 – Competências de auto-aprendizagem Tenham desenvolvido as competências que lhes permitam uma aprendizagem ao longo da vida, com elevado grau de autonomia.

Com a avaliação proposta, acreditamos poder desafiar os alunos do primeiro ciclo

para novas situações problemáticas, bem como aumentar a sua motivação e interesse em relação ao uso dos conceitos estatísticos, em particular no âmbito da regressão, contribuindo para atingir os objectivos predefinidos relativamente às competências, aos conhecimentos, às atitudes e aos valores a adquirir.

Na sequência da apresentação feita sobre o trabalho proposto aos alunos, de acordo com os descritores de Dublin e da nossa análise enquanto professores que tentam organizar as suas unidades curriculares neste contexto, tendo em conta o saber fazer e os descritores, julgamos que a tarefa 3 apresentada inclui:

Conhecimentos que os estudantes deveriam já ter abordado e que podem, desta forma, desenvolver e aprofundar (D1);

A redacção de um relatório sobre as conclusões do estudo realizado, pois acreditamos que é cada vez mais importante saber transmitir informação, ideias, problemas e soluções a um público, tanto especializado, como não especializado (D4);

Componentes suficientemente abertas para que possam ser desenvolvidas pelos alunos competências de auto-aprendizagem com algum nível de autonomia (D5).

Acrescente-se ainda que todos os descritores estariam adequados à análise desta tarefa 3. Todavia, nesta primeira abordagem optámos por nos restringir aos descritores que nos pareceram ser os que deveriam merecer maior atenção.

Metodologia de análise: uma proposta Para realizarmos a análise dos resultados desta tarefa no âmbito dos descritores de Dublin, estabelecemos para cada uma das questões mencionadas no ponto 2.1.2 os objectivos enquadrados pelos descritores, tal como aparece resumido na Tabela 3.

Page 8: REGRESSÃO LINEAR: UMA TAREFA COM “APPLET” …spiem.pt/DOCS/ATAS_ENCONTROS/2008/2008_29_MMSNascimento.pdf · Teachers of Mathematics”, NCTM. A análise das tarefas realizadas

388

Tabela 3: Descritores de Dublin por questão da tarefa 3

Descritores de Dublin

Questões D1 D4 D5

a)

b)

c)

d)

e)

f)

Assim, por exemplo, na análise das respostas à questão a) considerámos que

estavam a ser usados conhecimentos que os estudantes deveriam já ter abordado e que poderiam, desta forma, ter sido desenvolvidos e aprofundados (D1). Além disso, estas respostas eram apresentadas sob a forma de um relatório sobre as conclusões do estudo realizado (D4).

Análise dos resultados

Esta tarefa 3 foi proposta a cerca de 200 alunos de unidades curriculares de Estatística de licenciaturas de Engenharias Ambiental e dos Recursos Naturais, Florestal e Zootécnica. Dentro destes, apenas 9 grupos (de 2 ou 3 elementos) realizaram e entregaram o relatório desta tarefa, sendo 4 (44%) grupos de Engenharia Florestal e 5 (56%) grupos de Engenharia Zootécnica, num total de 30 alunos envolvidos.

Apresenta-se agora a análise descritiva feita aos trabalhos dos alunos, tendo por base a Tabela 3. Esta análise será feita através da abordagem questão a questão.

Questão a) – Nesta pergunta pretendia-se uma exploração dos vários métodos de cálculo do erro, a sua comparação e a transmissão dessa exploração e das respectivas conclusões. Esta questão foi abordada por todos os grupos, tendo sido por nós considerado que, não havendo respostas incorrectas que não tivessem atingido total ou parcialmente os objectivos, ao nível do conhecimento e da compreensão (D1), 67% das respostas atingiram satisfatoriamente os objectivos. Por outro lado, em relação à capacidade de comunicação (D4), apenas 33% apresentaram um resultado satisfatório. Questão b) – Em relação a esta questão, querendo-se analisar a percepção dos alunos relativamente à utilidade da obtenção de uma recta de regressão nos casos concretos apresentados, constatámos que um (11%) dos grupos não respondeu, mas que, em relação às competências do descritor D1, 44% demonstraram ter um nível satisfatório, 22% um nível não satisfatório e os restantes 22% apresentaram respostas incorrectas. Além disso, relativamente às competências do descritor D4 os resultados correspondem a 33% de respostas satisfatórias, 33% de respostas não satisfatórias e 22% de respostas incorrectas. Questão c) – Neste caso, tinha-se como objectivo comparar os três métodos no que toca à influência da presença de um “outlier”. Esta questão teve três (33%) grupos que não

Page 9: REGRESSÃO LINEAR: UMA TAREFA COM “APPLET” …spiem.pt/DOCS/ATAS_ENCONTROS/2008/2008_29_MMSNascimento.pdf · Teachers of Mathematics”, NCTM. A análise das tarefas realizadas

389

responderam, 22% que responderam satisfatoriamente e 44% que não o fizeram de forma satisfatória tanto na componente D1 como na componente D4. Questão d) – Relativamente a esta questão, pretendeu-se fazer um apelo claro, não só aos conhecimentos e compreensão sobre correlação e à competência em transmiti-los, mas também à capacidade de relacionar os conceitos, levando os alunos a mostrarem as suas capacidades de auto-aprendizagem e de autonomia nesse processo. Assim, houve quatro (44%) grupos que não responderam. No que diz respeito ao âmbito do descritor D1 nas respostas obtidas, 22% apresentam um nível satisfatório, 11% um nível não satisfatório e 22% são respostas incorrectas. Em relação ao descritor D4 considerámos não ter havido qualquer resposta com um nível claramente satisfatório, 33% das respostas foram consideradas como tendo obtido um nível não satisfatório e 22% das respostas, estando erradas, foram consideradas neste âmbito como não tendo atingido de todo os objectivos. Já no que diz respeito ao descritor D5, constatámos 33% de respostas caracterizadas por um nível não satisfatório e 22% de respostas onde se nota, ainda, uma falta de capacidade para auto-aprendizagem e de autonomia no processo de aprendizagem que lhe está afecta. Questão e) – Nesta pergunta estava presente a vontade de aferir a capacidade dos alunos em concretizarem a interpretação de conceitos e que esta concretização fosse suficientemente aberta de modo a estimular uma certa autonomia na forma de conduzir a experimentação, na tomada de decisão e na forma de apresentar as ideias e conclusões finais. A esta questão apenas não respondeu um (11%) grupo, e no âmbito do descritor D1 obtiveram-se 22% de respostas com um nível satisfatório, 56% com um nível não satisfatório e 11% de respostas incorrectas. Já no que se refere ao âmbito do descritor D4, não houve qualquer resposta considerada satisfatória, havendo 78% de respostas classificadas como de não satisfatórias e 11% de respostas incorrectas. Além disso, todas as respostas obtidas foram consideradas como não tendo evidenciado qualquer indício de competências no âmbito do descritor D5. Questão f) – Por último, esta questão envolvia um campo aberto de experimentação de forma a consolidar a abordagem realizada ao longo das questões anteriores, envolvendo uma leitura e uma comunicação abrangente e diversificada dos temas da regressão linear. Nesta questão houve 4 (44%) grupos que não responderam, tendo havido tanto no âmbito de D4 como no de D5 apenas um (11%) resposta com nível satisfatório, três (33%) respostas com um nível não satisfatório e uma resposta incorrecta que demonstra no caso concreto uma grande lacuna nas competências intrínsecas aos dois descritores em causa.

Discussão

A realização desta tarefa 3 envolveu muito poucos alunos das engenharias que frequentavam as disciplinas, cerca de 30 dos 200 (15%), por oposição aos alunos envolvidos na tarefa 2 (100/200), uma tarefa com sobre a comparação de médias e medianas realizada com outro “applet” do NCTM (dados já analisados em Nascimento e Martins, 2007). Uma hipótese que se pode avançar será a de que talvez o prazo de entrega desta tarefa tenha coincidido com um momento de avaliação noutra ou noutras disciplinas.

Em relação à análise com base nos descritores de Dublin quanto ao nível:

Page 10: REGRESSÃO LINEAR: UMA TAREFA COM “APPLET” …spiem.pt/DOCS/ATAS_ENCONTROS/2008/2008_29_MMSNascimento.pdf · Teachers of Mathematics”, NCTM. A análise das tarefas realizadas

390

De conhecimentos e da compreensão, D1, de uma forma geral, os alunos revelaram desempenhos satisfatórios nesta tarefa 3. Contudo, atendendo à forma aberta como foi proposta (os alunos teriam todo o nosso apoio tutorial no sentido de esclarecerem e ultrapassarem todas as dificuldades que lhes surgissem), surpreendeu-nos o número de questões não respondidas ao longo de toda a tarefa, bem como a existência de respostas incorrectas;

Da capacidade de comunicação que os relatórios escritos exigiam, D4, na generalidade, os desempenhos foram mais fracos e agravaram-se com a dificuldade das questões colocadas;

Das competências de auto-aprendizagem e de autonomia, D5, a maior parte dos desempenhos não foram satisfatórios e também se agravaram com a dificuldade das questões colocadas; talvez a exigência do tratamento de 6 casos diferentes tivesse sido grande para este primeiro tipo de tarefa. Contudo, neste ponto os alunos que resolveram usar a folha de cálculo revelaram competência na resolução da situação nova que se lhes tinha apresentado.

Reflexão final

A terminar não poderia deixar de ser feita uma reflexão sobre as implicações da proposta de avaliação feita aos alunos e, em particular, desta tarefa 3 nas práticas lectivas.

Em primeiro lugar, parece-nos que maiores adesões a este tipo de tarefas exigem que a sua execução seja feita nos laboratórios de computadores e com a tutoria dos professores. Pelo menos nas primeiras tarefas, como era o caso desta tarefa 3, os alunos ainda precisam de algum apoio: estão a conhecer-se e, simultaneamente, estão a rever e a aprofundar conhecimentos sob uma nova perspectiva. Em nossa opinião, neste ambiente o “feedback” do trabalho que for sendo desenvolvido pelos alunos é quase imediato e os alunos acabam por se sentir mais confiantes.

Também não pode deixar de ser destacada a exigência da sistematização das respostas em relatórios escritos. Parece-nos que foi muito importante e que, mesmo com resultados insatisfatórios, mostrou aos alunos a importância para a aquisição de competências de comunicação.

A existência desta proposta de avaliação melhorou o conhecimento que tínhamos dos alunos, as discussões em grande grupo (com a turma durante as aulas) sobre os resultados, o “feedback” dado na aula, após a correcção, foi do nosso agrado e dos alunos e, embora de forma ainda incipiente, permitiu esclarecer alguns aspectos, quer relativos aos tópicos abordados, quer à avaliação que os alunos esperavam das tarefas.

Como já referimos, se analisada em todas as suas vertentes, todas as competências do primeiro ciclo estavam presentes na tarefa 3. Contudo, esta nossa opção pareceu-nos a adequada a esta primeira tentativa de metodologia de análise usando os Descritores de Dublin. Também cabe aqui mencionar que esta tentativa talvez se tenha revelado demasiado ambiciosa, visto que as competências aí referidas são as desejáveis em final de ciclo e os alunos, eram, na sua maior parte do 2º ano das licenciaturas.

A terminar deixamos parte da reflexão de Vieira (2007), reflexão essa que também terá que ser a nossa ao reorganizarmos as unidades curriculares – tópicos

Page 11: REGRESSÃO LINEAR: UMA TAREFA COM “APPLET” …spiem.pt/DOCS/ATAS_ENCONTROS/2008/2008_29_MMSNascimento.pdf · Teachers of Mathematics”, NCTM. A análise das tarefas realizadas

391

programáticos, práticas lectivas, metodologias e avaliação, entre outros – dos diferentes ciclos do Processo de Bolonha,

"(…) na mudança de paradigma de que se fala, a questão central não será a transição de um ensino baseado na aquisição de conhecimentos para um ensino baseado no desenvolvimento de competências, mas antes a redefinição do ensino e da aprendizagem como actividades de construção de saberes (saber pensar, saber agir, saber ser), onde quer alunos quer professores desenvolvem a sua autonomia, movimentando-se em direcção ao que lhes parece mais racional, justo e satisfatório do ponto de vista pedagógico, mas também do ponto de vista social. E isto implica muito mais do que reorganizar as horas de trabalho dos alunos ou introduzir novos métodos de ensino. Implica, fundamentalmente, redefinir as nossas concepções do que é ensinar e aprender na universidade (…)"

Referências Batanero, C. (2001). Didáctica de la Estadística. Departamento de Didáctica de la

Matemática. Universidad de Granada. Chance, B. (2000). Experiences with Authentic Assessment Techniques in an

Introductory statistics Course. In T. L. Moore (Ed.) Resources for Undergraduate Instructors - Teaching Statistics, pp. 209–218. EUA: MAA E ASA.

Darius, P., Michiels, S. & Raeymaekers, B (2002). Applets for Experimenting with Statistical Concepts. In Technology in Statistics Education ICOTS 6, South Africa. On line: www.stat.auckland.ac.nz /~iase/publications/1/7a2_dari.pdf (31-03-2007).

Decreto-lei Nº 74, de 24 de Março de 2006. Em Diário da República, I Série – A, Nº 60, pp. 2242–2257. On line: http://www.dges.mctes.pt/DGES/pt/Geral/MenuTopo/Legislacao/Grau+ Titulos+Equivalencias.htm (25-05-2008)

Direcção Geral do Ensino Superior, Ministério da Ciência, Tecnologia e ensino Superior (2008). Descritores Dublin – Sintonizando as estruturas educativas da Europa. On line: http://www.dges.mctes.pt/DGES/pt/Estudantes/Processo+de+Bolonha /Objectivos/Descritores+Dublin/Descritores+Dublin.htm (18-05-2008).

Garfield, J. & Chance, B. (2000). Assessment. Em T.L. Moore (Ed.) Resources for Undergraduate Instructors – Teaching Statistics, pp. 199–200. EUA: MAA e ASA.

Godino, J. D., Ruiz, F., Roa, R, Pareja, J. L. & Recio, A. M. (2003). Analysis of Two Internet Interactive Applets for Teaching Statistics in Schools. In, Statistics & the Internet, IASE, Alemanha.

On line: http://www.stat.auckland.ac.nz/~iase/publications/6/Godino.pdf (31-03- 2007).

Page 12: REGRESSÃO LINEAR: UMA TAREFA COM “APPLET” …spiem.pt/DOCS/ATAS_ENCONTROS/2008/2008_29_MMSNascimento.pdf · Teachers of Mathematics”, NCTM. A análise das tarefas realizadas

392

Nascimento, M. M. S. & Martins, J. A. S. V. (2007) Let us do it in a Different Way? An Alternative Assessment Proposal. Proceedings of the IASE Satellite Conference on Assessing Student Learning in Statistics, Guimarães, 19 a 21 de Agosto de 2007 (em CD-Rom com ISBN: 978-90-73592-27-8).

Nascimento, M. M. S. & Martins, J. A. S. V. (2007a) Tecnologías en la regresión lineal: Ejemplos. Actas do VIII Congreso Galego de Estatística e Investigación de Operacións, Santiago de Compostela, 8–9–10 de Novembro de 2007, pp. 91–96 (ISBN: 978-84-690-9136-4).

NCTM (2007). E–Example 7.4. – Understanding the Least-Squares Regression Line with a Visual Model: Measuring Error in a Linear Model.

On line: http://standards.nctm.org/document/eexamples/chap7/7.4/index.htm (31-03-2007).

Vieira, F. (2007). Transformar a pedagogia na universidade: princípios e linhas de acção. Universidade do Algarve.

On line: http://www.fct.ualg.pt/anuncios_bo/noticias/186.pdf (28-04-2008).