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REMATEC

Revista de Matemática, Ensino e Cultura

UFRN

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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Revista de Matemática, Ensino e Cultura Ano 4 – nº 5, Julho de 2009

Expediente Universidade Federal do Rio Grande do Norte Editor Responsável: Iran Abreu Mendes Conselho Consultivo Dr. Antonio Carlos Brolezzi – USP Dr. Iran Abreu Mendes – UFRN Dr. João Cláudio Brandemberg Quaresma - UFPA Dra. Josinalva Estacio Menezes – UNB PhD. John A. Fossa – UFRN Dra. Maria Gilvanise de Oliveira Pontes – UECE Dr. Pedro Franco de Sá – UEPA Dr. Rômulo Marinho do Rego – UEPB Colaboraram neste número Ana Maria Sgrott Rodrigues Eliana Ruth Silva Sousa Leandro do Nascimento Diniz Márcia Maria Alves de Assis Márcia de Nazaré Jares Alves Chaves Maria José Costa dos Santos Maria Auxiliadora Lisboa Moreno Pires Rita Sidmar Alencar Gil Rosália M. R. de Aragão

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

Reitor: José Ivonildo Rego Vice-Reitora: Ângela Maria Paiva cruz

Diretor da EDUFRN: Herculano Ricardo Campos

Revisão: Os autores Capa e editoração eletrônica: Waldelino Duarte Ribeiro

Supervisão editorial: Alva Medeiros da Costa Assistente editorial: Carlos Aldemir Farias

Divisão de Serviços Técnicos Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede

A responsabilidade pelos artigos assinados cabe aos autores.

REMATEC: Revista de Matemática, Ensino e Cultura / Universidade Federal do Rio

Grande do Norte. – Ano 1 n. 1 (jul./nov. 2006). – Natal, RN: EDURFN – editora da UFRN, 2006. 60p

Descrição baseada em Ano 3, n. 5 (Jul./Dez. 2009) Periodicidade Semestral. ISSN: 1980-3141

1. Matemática – Ensino - Periódico. 2. Matemática – História – Periódicos. 3. Ensino e cultura – Periódicos. I. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. II. Título. RN/UF/BCZM CDD 510.172 CDU 51:37(05)

Endereço para envio de artigos, resenhas, sugestões e críticas: [email protected]

Todos os direitos desta edição reservados à EDUFRN – Editora da UFRN Campus Universitário, s/n – Lagoa Nova – Brasil e-mail: [email protected] – www.editora.ufrn.br Telefone: 84 3215-3236 – Fax: 84 32153206

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Conteúdo Editorial, 07 Iran Abreu Mendes Entrevista, 09 O ensino da matemática através do rádio: Entrevista com o professor João Faustino Ferreira Neto Márcia Maria Alves de Assis Artigos, 13 O sentido e os significados do ensino de matemática em processos de exclusão e de inclusão escolar e social na educação de jovens e adultos, 13 Ana Maria Sgrott Rodrigues Rosália M. R. de Aragão Matemática e arte: conectadas no progressivo domínio do campo conceitual de semelhança matemático, 19 Márcia de Nazaré Jares Alves Chaves Pensando a etnomatematica no cotidiano dos estudantes ribeirinhos, 26 Eliana Ruth Silva Sousa O Modelo Piagetiano e o Ensino e a Aprendizagem das Frações,31 Maria José Costa dos Santos Fragmentos de uma formação de professores que ensinam matemática para deficientes auditivos em Belém/PA, 41 Rita Sidmar Alencar Gil Relatos de Experiência, 46 O Teodolito e a Produção de Conhecimentos sobre Razões Trigonométricas, 46 Leandro do Nascimento Diniz Resenha, 51 HERSH, R. DAVIS, P.J. A experiência matemática, 51 Maria Auxiliadora Lisboa Moreno Pires Lançamentos, 56 Normas para publicação, 57 Ficha de Assinatura, 58

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Editorial

Este é mais um momento de grande importância pára o Grupo de Estudos e Pesquisas em Matemática e Cultura, pois ao lançarmos mais um número da nossa REMATEC, um boletim informativo que objetiva divulgar algumas experiências e reflexões teóricas sobre Matemática, Matemática escolar e não escolar, bem como práticas culturais que denotam aspectos matemáticos e que podem ser objetos da pesquisa, do ensino da extensão. Neste número 5, ampliamos o número de artigos, diferenciando do formato das edições anteriores e mantendo algumas seções como: entrevista, relatos de experiências, resenhas e lançamentos. Os quatro números anteriores da Revista de Matemática, Ensino e Cultura – REMATEC foram bem recebidos pelos estudantes de pós-graduação em Educação, Educação Matemática e Ensino de Ciências e Matemática de diversas regiões do Brasil, bem como de professores de matemática que atuam no ensino fundamental e médio. Além disso, a revista passou a ser usada em aulas de Matemática e Educação Matemática em alguns cursos de licenciatura em Matemática do Brasil. Neste número há uma entrevista com o Prof. João Faustino Ferreira Neto, que narra sua experiência com o ensino de Matemática através do rádio, experiência esta desenvolvida no estado do Rio Grande do Norte, na década de 1960. Há, também, cinco artigos e um relato de experiência na perspectiva de contribuir para a ampliação das informações a serem obtidas pelos leitores desta revista. Agradecemos especialmente a colaboração da Companhia Rodas de Salão e do grupo EMFoco, ambos de Salvador/BA, pelo apoio que vem dando às nossas iniciativas e divulgando da melhor maneira possível as atividades realizadas em prol da Educação Matemática no Brasil. Agradecemos, ainda, a todos os membros do conselho consultivo que nos apóia na avaliação dos textos aqui publicados. Agradecemos a todos que adquiriram nossa revista, e a toda critica recebida que nos permitiu a realização de alguns ajustes para este quinto número. Aguardando novas sugestões e críticas, desejamos a todos uma excelente leitura.

Iran Abreu Mendes

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Entrevista O ensino da matemática através do rádio: Entrevista com o professor João Faustino Ferreira Neto1

Por Márcia Maria Alves de Assis2 Neste número, a REMATEC entrevista, o Professor João Faustino Ferreira Neto o qual falará sobre sua experiência com o ensino de matemática através do rádio.

O professor João Faustino Ferreira Neto é graduado em Pedagogia e Matemática pela UFRN e pós-graduado pela Funfação Getúlio Vargas - FGV e Universidade de Michigan (EUA). Foi professor de matemática do Seminário de São Pedro, Colégio Marista, Atheneu, CEFET e UFRN, Diretor do CEFET, Secretário Estadual de Educação, Foi deputado federal por quatro legislaturas, integrou o Conselho Federal de Educação. Presidiu a Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados. O professor João Faustino é um apaixonado pela educação e tem um vasto currículo em serviços prestados à Educação do Rio Grande do Norte, em geral. Porém, nessa entrevista ele nos fala especialmente sobre a sua experiência como professor de matemática através das Escolas Radiofônicas do RN.

1 Entrevista concedida a Márcia Maria Alves de Assis, em 03/02/2009. 2 Professora do IFESP/RN e Mestranda do Programa de Pós-graduação em Ciências Naturais e Matemática da UFRN.

Foto concedida por João Faustino no dia da entrevista.

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Como o senhor se tornou professor e em que época atuou no ensino de matemática? A lógica e a matemática exerceram sobre mim um certo fascínio. Entendia, ainda na adolescência, que existia entre ambas uma perfeita complementaridade. As duas pareciam caminhar no mesmo sentido da organização do pensamento e da construção da inteligência humana. Foi essa atração que me fez professor de Matemática, ensinando inicialmente aos colegas de turma para depois ingressar nos quadros docentes da Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte e da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Todo esse processo se iniciou ainda na década de 1960, época em que tudo o que se fazia tinha o bafejo do idealismo. Fale-nos um pouco sobre sua experiência no ensino da matemática pelo rádio Dom Eugênio de Araújo Sales, que foi um bispo que revolucionou o seu tempo, especialmente no campo social, implantou na diocese de Natal, em todos os municípios de sua jurisdição, um programa denominado “Movimento de Educação de Bem” - MED. Dentre as várias ações desse movimento se incluía a educação formal. Tudo pelo rádio, pelas escolas radiofônicas3. Eu ensinei matemática pelo rádio, na escola radiofônica, eu preparava para o exame de madureza, naquela época era o supletivo. Imagine o que é a gente ensinar matemática do 1º grau pelo rádio. Você se vê em um estúdio e ao mesmo tempo imagina uma população enorme que captava apenas aquelas ondas daquele rádio e essas pessoas se preparando para o exame e muitas foram aprovadas, algumas até fizeram outros exames e concluíram o curso todo. Então esse foi o grande desafio da minha história como professor de matemática. No meu livro a “Escola que Vivi”- Memórias de um Educador, transcrevo alguns episódios, vividos por mim, na condição de professor de matemática, ensinando pelo rádio. Foi, sem dúvida, uma experiência fantástica. A certeza de que os alunos, usando apenas um rádio movido por bateria de automóvel, aprendiam, por exemplo, a demonstração da fórmula da equação do 2° grau e sua utilização na solução de problemas; a demonstração de teoremas fundamentais ao aprendizado da geometria; a resolução de problemas algébricos. Tudo isto nos dava a percepção do atingimento daquilo que aparentemente era impossível de se atingir: ensinar matemática usando as ondas de um rádio. Fale um pouco mais sobre o MEB! O senhor tem material impresso sobre isso? Quem eram os professores envolvidos?

Esse movimento criado pela igreja católica, procurava desenvolver programa que tivesse por objetivo a formação humana. Assim, além da formação religiosa, se procurava aprofundar, em cada ouvinte, uma consciência política, que

3As Escolas Radiofônicas do Estado do Rio Grande do Norte teve início na década de 1950 por iniciativa da Igreja Católica. Nessa época, Dom Eugênio Sales conheceu e trouxe para o Estado a experiência das Escolas Radiofônicas da Colômbia. Em 20 de setembro de 1958, por meio da Rádio Rural é transmitida a primeira aula, sintonizada por sessenta e nove escolas de comunidades rurais dos municípios do interior do estado, como São Paulo do Potengi, Macaíba, São José do Mipibu, São Gonçalo do Amarante, Ceará Mirim e Touros.

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expressasse o exercício pleno da cidadania. Por exemplo, foi dentro do MEB que nasceu a frase “o voto não se vende, a consciência não se compra”. Esse durante muito tempo foi tema para a educação política da população atingida pelo rádio. Se falava também da criação de sindicatos rurais, de participação de trabalhadores nas atividades de mobilização em favor de melhores condições de trabalho no campo. Como funcionava o programa, em que horário, e como os alunos tinham acesso pelo rádio? Esse programa que nos dava a sensação de mágicos, sem que mágicos fossemos, funcionava em um estúdio da Rádio Rural de Natal. As aulas eram gravadas das 6 às 7 horas da manhã e levadas ao ar, diariamente, das 19 às 20 horas. Nesse horário os grupos de estudo se reuniam em torno do rádio, nos lugares mais distantes, sem água e sem luz. Em casas, muitas vezes de taipa (barro, sapê). Lá, enfrentando essas circunstâncias adversas, se aprendia a matemática que eu ensinava. Em quais municípios do Rio Grande do Norte atingiu? Não sei exatamente quais os municípios, mas sei que eram todos que compunham, na época, a diocese de Natal. Depois os mesmos programas foram usados pelas dioceses de Caicó e Mossoró, também através das emissoras de educação rural daquelas dioceses. Os alunos tinham acesso aos módulos de estudo? No caso de um aluno sentir alguma dificuldade em entender o conteúdo das aulas ou resolver as atividades proposta dos módulos, como ele poderia tirar as dúvidas com o professor? As dúvidas dos alunos eram encaminhadas através de cartas que chegavam às dezenas. Sempre no início de cada gravação, havia um momento para responder a todas as dúvidas e questionamentos dos alunos. Aí se procurava

Foto de um Módulos de Matemática usado nas aulas pelo rádio no RN. Fonte: Arquivo pessoal do professor João Faustino.

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esclarecer e responder a todas as dúvidas por eles encaminhas. Lamentavelmente o tempo não me permitiu guardar essas cartas, elas, com certeza, seriam hoje, relíquias preciosas, referências de um tempo. O programa também contemplava outras disciplinas? Quais? Sim. Através desse programa também se ensinava língua portuguesa, história, geografia, ciências. As disciplinas básicas do 1º grau. Como o senhor avalia a importância desse trabalho para o ensino da matemática? Entendo que tudo que se fez com ou sem tecnologia, muitas vezes com giz, quadro e esponja, contribuiu para o ensino da matemática. Todavia essa contribuição somente teve significado e consistência quando se desenvolveu sobre a marca do idealismo, carregando consigo entusiasmo e muita animação. Quando se consegue impregnar o aluno de motivação, se obtém resultados positivos no ensino da matemática.

Professor João Faustino e a pesquisadora Márcia em uma segunda conversa sobre o ensino de Matemática, momento em que surgiu o tema da pesquisa.

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Artigos

O sentido e os significados do ensino de matemática em processos de exclusão e de inclusão escolar e social

na educação de jovens e adultos Ana Maria Sgrott Rodrigues – PPGECM-UFPA4

Rosália M. R. de Aragão – PPGECM-UFPA5

O presente artigo versa sobre um dos eixos de análise da pesquisa6 que realizamos com alunos e professores de matemática de uma escola estadual integrante do programa especial de Educação de Jovens e Adultos - EJA, localizada nas proximidades de duas universidades públicas, em Belém do Pará. Tendo como objetivo investigar, a partir das vozes desses sujeitos, no âmbito do ensino da Matemática, elementos que contribuem para a (re)inclusão escolar desses alunos, bem como elementos que acabam por incidir na sua (re)exclusão escolar, um fenômeno que retroalimenta o processo de exclusão social.

A exclusão social aqui referida consiste em um processo sócio-histórico, por que passam indivíduos e grupos sociais, de distanciamento da vivência dos direitos, não se tratando de um processo individual, embora atinja pessoas, mas de uma lógica que está presente nas várias formas de relações econômicas, sociais, culturais e políticas da sociedade brasileira. Essa situação de privação coletiva inclui pobreza, discriminação, subalternidade, não eqüidade, não acessibilidade, não representação pública. Sposatti (1996)

Nesse recorte que ora fazemos priorizamos as práticas pedagógicas de um professor e uma professora que ensinam Matemática nas classes da 3ª e 4ª Etapas da EJA7. Orientamos nosso foco de análise interpretando o sentido e os significados do Ensino de Matemática em processos de exclusão e de inclusão escolar e social na EJA, a partir da interpretação dos relatos orais que compartilharam conosco, expressando seus sentimentos e percepções sobre si mesmos, seus alunos e sobre a sua atuação profissional de professores de matemática. Para tanto, utilizamo-nos da narrativa, nos termos de Aragão (2004), como abordagem metodológica de pesquisa para reconstruir/transcrever as histórias vividas/relatadas por esses professores em seus percursos formativos e profissionais, bem como, para relatar os contextos e os processos de ensino e de aprendizagem desenvolvidos em suas aulas de matemática. Destacamos elementos relativos à formação desses professores, às suas metodologias e às

4 Ana Maria Sgrott Rodrigues - PPGECM-UFPA – Núcleo Pedagógico de Apoio ao Desenvolvimento Científico/NPADC - [email protected] 5 Rosália M. R. de Aragão – PPGECM-UFPA – Núcleo Pedagógico de Apoio ao Desenvolvimento Científico/NPADC - [email protected] 6 “... Minha vida seria muito diferente se não fosse a matemática...” O sentido e os significados do ensino de matemática em processos de exclusão e de inclusão escolar e social na educação de jovens e adultos 7 Equivalente a 6ª e 7ª séries e 8ª e 9ª séries do ensino fundamental.

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suas práticas pedagógicas por considerarmos que influenciam no desempenho de seu papel docente, em termos tais que configurem a sua identidade de professor. Formação e desenvolvimento profissional dos professores de matemática

Os dois professores de matemática são licenciados em Matemática há mais de 13 anos, a professora concluiu recentemente o curso de Pedagogia, buscou nesse curso uma forma de se atualizar, como assim expressou. Traz consigo o desejo de fazer mestrado, pois considera que a formação que recebeu não lhe proporcionou aprendizados no campo didático, metodológico e no conhecimento de como se estabelecem os processos de aprendizagem e as relações interpessoais com os alunos. Diz ter encontrado na Pedagogia o complemento do vazio deixado pela Licenciatura de Matemática... Durante o meu curso eu só tive ‘uma vez’ Didática da Matemática que era só como ensinar matemática em si... eu não fui preparada pra trabalhar em sala de aula. Pelo que sei, continua até hoje assim.

A Professora manifestou sua insatisfação em relação à dicotomia entre teoria e prática estabelecida na sua formação, ainda prevalecente na formação dos professores de matemática, procurou uma via para tornar sua atuação de professora mais humanizada, um aprendizado perceptível na relação que estabelece com seus alunos, no respeito que tem por eles e na sensibilidade que manifesta em relação às dificuldades que apresentam. Ressalta que há necessidade de uma predisposição dos sujeitos no processo formativo. Posso concordar que há necessidade de o professor querer mudar, diz ela, para tanto é preciso que ele se predisponha a rever valores, transformar suas práticas docentes e aprender a lidar com o outro. Não adianta lidar com o novo e falar do novo e não mudar as atitudes. Isso numa relação dialógica de respeito e de compromisso sócio-político com os grupos com os quais atua e com a sociedade que quer construir, projetada para ser pautada nos princípios de justiça social, a partir de uma educação inclusiva. Condição fundamental de quem atua nas classes de EJA, uma vez que são alunos que encontram-se em condição de exclusão tanto social, quanto escolar do dito ‘ensino regular’, pois vivenciaram uma trajetória escolar marcada por impedimentos de estudar, reprovações e interrupções escolares que os impediram de concluir o Ensino Fundamental.

Esses professores não tiveram a oportunidade de participar de um processo de formação continuada, que inclua momentos de estudo, de pesquisa e de reflexão sobre suas próprias práticas, possibilitando renová-las, atualizar conhecimentos, avaliar e refletir sobre suas atuações docentes. Assim desabafa o professor, sempre trabalhei com ensino médio, vim de uma das ilhas, onde lá tudo era melhor... não tive escolha, me colocaram nessa escola, não recebi orientação alguma sobre o que devo ensinar e nem conheço os objetivos desse curso.

Destacamos que se torna imprescindível buscar obter formação específica para trabalhar com o programa especial de educação de jovens e adultos. Nesse contexto investigado os dois professores vincularam-se profissionalmente à EJA e cada um passou a conduzir o processo de ensino e de aprendizagem de matemática de modo solitário, sem que houvesse qualquer apoio institucional ou escolar em relação à sua formação continuada. Sentem-se abandonados e desrespeitados pela escola e pela Secretaria de Educação – SEDUC, uma vez que não participam da construção dos projetos, só são convocados para a execução.

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Assim eles vão conduzindo seus processos de ensino trilhando por um caminho construído solitariamente sem que haja troca entre seus pares, sem ampliar conhecimentos, sem dirimir suas dificuldades e tão pouco retroalimentar e socializar seus sucessos. Percepção de si próprios e de seus alunos Nesse processo ficou marcada a dificuldade que os professores apresentam em fazer alguma auto-reflexão crítica sobre suas posturas nas relações interpessoais e didático-pedagógicas assumidas em suas aulas. Transferem as dificuldades que sentem na condução do processo ensino-aprendizagem aos alunos ou ao processo organo-funcional da escola e do sistema educacional nos diversos âmbitos. Assim expressou um dos professores sobre a dificuldade que sente ao ensinar aos alunos da EJA que, para ele, se funda... Na falta de conhecimento [matemático] dos alunos e na falta de base que apresentam. Os alunos, por sua vez, absorvem para si a responsabilidade de “seus insucessos e fracassos escolares”, muito embora, ao nosso ver, estes na verdade não sejam deles. Conduzir-se no processo de se perceber implica ao professor se dispor a fazer uma reflexão sobre si mesmo e sobre sua prática pedagógica. Nos termos de Arroyo (2004), o exercício de lembrar nossas próprias vivências... pode ser um bom exercício para melhor entender sua centralidade em nossa formação e até melhor entender os educandos. No contexto da EJA, perceber os alunos como “alunos-problema” ou “fracassados”, implica apostar em um novo “fracasso”, que pode conduzir os alunos para uma nova desistência e, quem sabe, dessa vez para sempre excluídos da escola em virtude de que há sempre o risco de que seja quebrado ou desfeito um sonho. Brunel (2004) Metodologias de ensino e abordagens adotadas: Na classe da 3ª etapa, os alunos estavam estudando ‘expressões numéricas com números naturais’, em seguida, iniciaram os estudos sobre ‘números inteiros relativos’, através de incansáveis cópias de síntese dos conteúdos escritas no quadro de escrever pela professora, sem que houvesse qualquer explicação prévia. Copiavam durante mais de uma aula, sem nada compreender e resolviam em seguida repetidos exercícios. Uma aluna nos disse,... não consigo copiar rápido do quadro e ao mesmo tempo prestar atenção para o que diz a professora. O conteúdo de geometria foi abordado em um caderno/apostila sem que tivesse sido apresentado em sala de aula. Os alunos diziam não compreender aquele assunto. ...Não entendo nada desses desenhos, nunca estudei isso, dizia um deles. Para a professora essa atitude foi tomada porque não daria tempo de abordar o assunto em sala de aula, complementou... O assunto está muito fácil de compreender é só ler com atenção... O problema é que eles têm dificuldade de leitura. Mesmo reconhecendo essa dificuldade a professora adotou essa metodologia criando um obstáculo didático para a aprendizagem desses novos conceitos de geometria. Pais (2001)

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Na 4ª etapa, os assuntos eram ‘expressões algébricas’ inicialmente, e em seguida ‘polinômios’. Os dois professores utilizavam a mesma metodologia sendo que o professor não interrompia as cópias ou explicações para contar ‘causos’ fatos ou fazer comentários como a professora da 3ª etapa assim procedia; sua postura era de pouca conversa com os alunos posto que não havia interação entre eles. Por esse motivo, uma aluna em seus registros pediu que o professor olhasse para eles quando estivesse em sala de aula explicando algo. Em uma avaliação sobre operações entre monômios, o professor ditou as questões e os alunos as escreviam de qualquer jeito, pois não estavam compreendendo esse assunto, não sabiam ainda registrar na linguagem matemática o que estava sendo ditado. Como era de se esperar os resultados foram desastrosos, o professor nos mostrou as notas e comentou, ‘veja só, eles não têm base nenhuma’. Os alunos fazem grande esforço para aprender, na tentativa de vencer as dificuldades, uma vez que acreditam que estas estejam centradas unicamente em si. Os professores trabalham isoladamente e não dialogam entre si, não preparam planejamento e nem as aulas em curso, elegem de modo aleatório os conteúdos orientando-se por um livro ou dizem seguir uma programação proposta pela Secretaria de Educação. Marcar a diferença e atuar com autonomia, implica em não nos pautarmos em conteúdos pré-definidos, em séries, em programações e livros. Caracterização das práticas pedagógicas de ensino e de aprendizagem A partir de nossas observações e registros percebemos que as práticas pedagógicas desenvolvidas pelos professores de matemática da EJA, predominantemente, se caracterizam como “educação monocultural”, uma vez que a abordagem dos conteúdos em aula se processa de maneira estática, reprodutivista, replicadora, repetitiva, conteudista, memorística e descontextualizada para os dias atuais. De outra forma, o conhecimento matemático é apresentado aos alunos como verdadeiro, inquestionável, imutável, a-histórico e a-crítico, pronto, acabado e definitivo. ARAGÃO (2000) Além disso, as relações que se estabelecem são apenas formais porque impessoais, uma vez que faltam laços afetivos, falta aproximação, falta emoção, pontos considerados chaves, para desencadear a motivação no aluno. Gasparetto (2000) (Re)contextualizar o conhecimento científico implica em o professor saber traduzi-lo em uma linguagem apropriada para o ensino em sala de aula, de modo que faça sentido e seja compreensivo para as pessoas que estão envolvidas no processo ensino-aprendizagem. Nesse sentido, Stoer (1999) propõe que o professor selecione a parte mais importante do conteúdo. Para tanto, o professor define valores, objetivos e os métodos mais adequados ao grupo de alunos com quem irá atuar. Pais (2001) denomina transposição didática o estudo de como se processa essa escolha, bem como a definição de prioridades dos conteúdos para a educação escolar, referenciada na história das ciências e demais influências. Por maior que fosse o envolvimento e a vontade dos professores em propiciar aos alunos condições para aprenderem aqueles assuntos que estavam abordando, lhes faltava apropriação de outros conhecimentos docentes, para além dos específicos da disciplina. No ensino de Matemática para jovens e adultos, há a necessidade de não perdermos de vista as expectativas dos alunos, bem como, a

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garantia de um ensino de qualidade dos conteúdos abordados e necessários ao aluno, quer seja em relação aos correspondentes à etapa em curso quer seja os que lhes darão sustentação para a continuidade da escolaridade. Para tanto, não podemos perder de vista os parâmetros dos programas oficiais e a possibilidade de continuidade dos estudos. Dessa forma, assumimos com Fonseca (2002), o valor de uma reflexão que envolva alunos e professores na busca de definir o que seria essencial na Educação Matemática no nível do Ensino Fundamental e Médio na EJA. Vale ressaltar que na definição do essencial não podemos simplesmente eliminar conteúdos considerando unicamente o grau de dificuldade que apresentam para esse grupo. Pelo contrário, há necessidade de ser construída coletivamente uma programação cuja qualidade, seja tanto melhor na medida em que é consciente e honestamente elaborada e assumida por aqueles que se dispõem a desenvolvê-la. Consideramos que uma proposição como essa se apresenta como viável para a formação dos professores de jovens e adultos, posto que pode contribuir para que, de forma amadurecida, se compreenda a importância de mudança de concepção em relação à definição de conteúdos, deixando de considerar o “que dá pra ensinar” de Matemática numa escola para Jovens e Adultos para buscar a inserção do ensino da Matemática na Educação Fundamental de pessoas jovens e adultas. Aprendizados que ficam Discorrer sobre os elementos que contribuem para a exclusão escolar dos alunos da EJA, por outro lado, implica sinalizar os elementos que contribuiriam para a inclusão social, neste caso analisado, uma vez que a relação inclusão-exclusão social se complementa e se imbrica justamente em função desses elementos. Concluímos, por ora, nossa reflexão e consideramos sobremaneira necessário deixar o caminho aberto para outras reflexões imprescindíveis a essa temática. Consideramos ser um tema complexo, uma vez que os elementos de análise que destacamos são mobilizados e se manifestam de modo diferenciado de acordo com o contexto sócio-cultural em que se inserem. Para os jovens e adultos a escola representa um espaço concreto, um tipo de ‘fortaleza’ para abrigá-los e às suas lutas por inclusão social, um espaço de conquista e de vivência de cidadania, no qual desejariam encontrar cumplicidade de realização principalmente por parte dos professores. Por sua vez os professores exercem um papel primordial diante desse desafio, razão pela qual suas percepções sobre si mesmos sobre seus alunos, sobre a escola em que atuam e sobre o programa especial de educação de jovens e adultos são determinantes na definição e condução de suas práticas pedagógicas. Referências ARAGÃO, R. M. R. A Investigação Narrativa no Âmbito da História Oral de Ações Escolares de Ensino e de Aprendizagem em Aulas. São Paulo: PPGE/UMESP, 2000.

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Matemática e arte: conectadas no progressivo domínio do campo

conceitual de semelhança matemático Márcia de Nazaré Jares Alves Chaves8

Introdução Os registros históricos evidenciam estreitas fronteiras entre a Arte e a Matemática. A íntima ligação pode ser constatada, desde as civilizações mais antigas e são muitos os exemplos dessa interação. Esses campos de conhecimento sempre estiveram intimamente ligados, haja vista que a maioria dos conceitos matemáticos foi criada a partir de percepções intuitivas, em íntima relação com objetos materiais e com figuras geométricas, à similaridade do que ocorreu com as artes. Essa relação entre a Arte e a Matemática foi um dos fatores que nos motivou a escolha desse tema. Outro fator relevante foi termos verificado, junto aos pesquisadores em Educação Matemática, as dificuldades no ensino e na aprendizagem de conceitos geométricos e especificamente sobre o ensino de semelhança matemática, como Sanches (1991), Charalambos (1991), Haruna (2000) e Maciel (2004) que relata,

A maneira como se tem ensinado semelhança de figuras planas e a forma como essa propriedade vem sendo apresentada, nos livros didáticos, pode proporcionar, aos alunos, a aquisição de uma concepção limitada do conceito. Diante do estudo realizado, percebemos que os conceitos de proporção, propriedades de figuras geométricas, homotétia, ampliação, redução e semelhança, quando trabalhados são, em alguns casos, de maneira estanque, sem que se realizem atividades que promovam a percepção, por parte do aluno, de relações entre esses conceitos (...) (MACIEL 2004, p.70).

Brito e Morey (2004, p 66) também constataram dificuldades.

Como havíamos pressuposto, alguns professores desconheciam os movimentos de simetria e a composição dos mesmos. Quanto ao conceito de semelhança, observamos que todos os professores de nossa amostra só haviam trabalhado, até então, com semelhança de triângulos; sete acreditavam que a proporcionalidade dos lados homólogos de figuras semelhantes garantiria a congruência dos ângulos correspondentes e cinco deles utilizavam o processo aditivo para construir figuras semelhantes,repetindo um procedimento já constatado em pesquisas anteriores”.

partir desse contexto, julgamos importante trabalhar os distintos aspectos do conceito de semelhança, evidenciando as relações de aprendizagem entre os

8 Msc. em Educação em Ciências e Matemáticas – PPGECM-– NPADC –UFPA-Brasil, professora de arte da Escola de Aplicação da UFPA. [email protected]

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conteúdos matemáticos e artísticos, contribuindo, desse modo, com o ensino dessas duas áreas, já que:

A arte desenvolve a cognição, a capacidade de aprender. A arte leva os indivíduos a comparar coisas, a passar do estado das idéias para o estado da comunicação, a formular conceitos e a descobrir como se comunicam esses conceitos. Todo esse processo faz com que o aluno seja capaz de ler e analisar o mundo em que vive, e dar respostas mais inventivas”.9

Assim, com o propósito de evidenciar as relações de aprendizagem entre os conteúdos matemáticos e artísticos, propomos destacar conceitos matemáticos presentes no fazer artístico, enriquecendo, dessa maneira, a didática de ensino das disciplinas focadas. A Arte e a Matemática na construção de aspectos de semelhança A importância dessa pesquisa está em mostrar que conceitos trabalhados no ensino das Artes e no ensino da Matemática, especificamente, o conceito de semelhança, podem ter seus distintos aspectos revelados ao estudante, no usar, no fazer, ao vivenciar distintas situações nas Matemáticas e nas Artes. O fazer para cada situação nas especificidades dessas disciplinas pode promover, paulatinamente, a descoberta, pelo aluno, de faces comuns desse conceito na Arte e na Matemática, permitindo distingui-las para a construção do conceito matemático de semelhança articulado e integrado com o conceito artístico de semelhança. Esse conceito pode ser evidenciado pela ação explícita do fazer das Artes até a descrição dos conhecimentos implícitos movimentados por ele nesse fazer, por meio da língua natural ou simbólica da Matemática. Postulamos que a construção, pelo estudante, do conceito matemático de semelhança, objeto matemático, requer um uso prévio do conceito-útil de semelhança no aspecto também presente nas artes, como meio de desenvolver nele conhecimentos implícitos que julgamos indispensáveis para a evolução do conceito matemático de semelhança que queremos que eles atinjam. Assim, para justificar a importância das respostas as nossas questões e prover de subsídios o que postulamos, fazemos uma breve, mas indispensável apresentação do conceito de semelhança na Arte e na Matemática, começando pela Arte, pois é nela que esse conceito surge com a ideia de repetição premeditada de formas, de cores, de tons, de linhas. Rudolf Arnheim10 (1991, p. 70.) explica que “a semelhança nas artes visuais é um pré-requisito para se notar as diferenças”. Para Parramon (1988, p. 48) “trata-se de repetir e distribuir pelo quadro as mesmas semelhanças, como a semelhança de formas. Tem-se como exemplo a obra de El Greco ‘A Ressurreição de Cristo’, na qual o artista representa figuras alongadas, repetidas em toda obra. Esse fator de semelhança também se apresenta no volume, na execução e no estilo, trata-se da famosa Lei da

9 Ana Mãe Barbosa Revista SESC/SP v. 1, p. 19-22. nº 129 - Fevereiro 2008 - ano 2008 . Em pauta: Educação Artística 10 Psicólogo e teórico da Gestalt percepção.

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Repetição, graças a ela se consegue harmonia e ordem dentro da variedade compositiva. No conceito matemático de semelhança, também, surge a ideia de repetição, ou seja, a grosso modo, a forma é a mesma, o que varia é o tamanho. Segundo Maciel (2004, p.04), a ideia de semelhança remonta às civilizações antigas com os egípcios

Encontramos que os antigos egípcios por volta de 3.200 a.C., usavam a redução e a ampliação de um desenho por meio do método científico conhecido como método dos quadrados: depois de traçarem a figura considerada em um quadriculado, reproduziam-na em uma certa escala. A nova figura desenhada era uma transposição da figura esboçada anteriormente. Em seguida eram determinados pontos de coincidência entre os quadrados e o desenho, de tal modo que o desenhista não cometeria erros de proporção... [ ] Entre o esboço e o desenho final ampliado, havia uma razão geométrica de semelhança que envolvia conceitos de homotetia, semelhança e proporcionalidade”.

Observamos que o conceito matemático de semelhança está intimamente ligado ao conceito de proporção, como define Ostrower (1989, p. 280) “a proporção é a justa relação das partes entre si e de cada parte com o todo”. Tal conceito encontra-se, muitas vezes, em clássicas obras de arte. A ideia de proporção já era utilizada pelo homem das cavernas, pelos egípcios na construção das monumentais pirâmides, na construção do templo grego Parthenon, mas foi no Renascimento que a arte, por meio da perspectiva, transformou, cada vez mais, a pintura em uma representação calculada e matemática da realidade. Numa linguagem mais moderna, a definição de semelhança se reveste de uma sofisticação, evidenciada, historicamente, na recorrência de outros conceitos matemáticos distantes do anteriormente descrito que se resume como “duas figuras no plano são semelhantes quando uma é a imagem da outra por meio de uma transformação de semelhança do plano”. Ou seja, são aplicações, no plano, que multiplicam as distâncias entre dois pontos por uma constante positiva k, chamada fator de escala ou razão de semelhança. Se P e Q são dois pontos da figura original cuja distância é dada por PQ e se os pontos P' e Q' são, respectivamente, os pontos obtidos a partir de P e Q, por uma transformação de semelhança, a distância P'Q' é igual a k (PQ), para algum número positivo k, isto é, a distância de P' a Q' é igual a k vezes a distância de P a Q. O conceito matemático de semelhança entre figuras requer um conjunto de outros conceitos matemáticos que se articulam, evidenciando faces ou aspectos matemáticos nem sempre fáceis de os estudantes do ensino básico ou superior explicitarem por palavras ou símbolos. Mas o fazer, o construir figuras semelhantes, tem sido marcante no desenvolvimento histórico da humanidade nas diferentes áreas do conhecimento, com destacadas apropriações e desenvolvimento na Arte e na Matemática. A técnica egípcia dos quadrados para aumentar ou reduzir uma figura é, claramente, traduzida no conceito matemático, ou melhor, o conceito matemático é claramente uma evolução explícita do método dos quadrados egípcios. Assim, podemos pensar que o domínio da técnica egípcia contribuiu para a apropriação, pelo estudante, do conceito matemático de semelhança de figuras. Os aspectos de repetição do conceito de semelhança, evidenciados nas artes, também precisam

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ser explorados, pois uma repetição com critérios menos objetivos e controláveis, como os da obra ‘A Ressurreição de Cristo’, de El Greco que apresenta repetição de formas alongadas nas figuras, podem tornar tal conceito limitado para a Matemática e daí evidenciar a relevância do critério de proporcionalidade para a semelhança na Matemática. Nesse sentido, julgamos que o fazer artístico pode promover a construção de conhecimentos implícitos no estudante a partir da dinâmica da construção e do uso das transformações de semelhanças por ele construídas. Esses conhecimentos o levarão paulatinamente a significar o conceito matemático de semelhança, de modo a se dotar de um ‘sentimento de semelhança’ que lhe permita, por meio de simples observações de figuras, fazer afirmações do tipo ‘parecem ser semelhantes’, como no caso dos dois retângulos. E ainda ter a certeza de que as figuras não são semelhantes como, por exemplo, um quadrado e um losango com ângulos internos não retos. Estimamos que tal sentimento, desenvolvido implicitamente pelo estudante, constitui o primeiro critério, na verdade, para verificar se duas figuras são semelhantes, ou melhor, se uma figura não parece ser uma ampliação ou redução, incluindo as figuras de mesma dimensão, então elas não são semelhantes. Quando parecem ser ampliações, reduções ou uma simples repetição busca-se evocar outros critérios que nos permitam confirmar ou não o ‘sentimento de semelhança’.

Pelo exposto, torna-se imprescindível respondermos à questão investigativa, o fazer artístico pode desenvolver o ‘sentimento de semelhança’ no sentido matemático em alunos do Ensino Fundamental? A Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud Segundo a ‘Teoria dos Campos Conceituais’, o conhecimento encontra-se organizado em campos conceituais de que o sujeito se apropria ao longo do tempo e que podem ser definidos como grandes conjuntos, informais e heterogêneos, de situações e de problemas cuja análise e tratamento requerem diversas classes de conceitos, procedimentos e representações simbólicas, inter-relacionados (VERGNAUD, 1990, p. 23). O autor entende um conceito como sendo um tripleto de conjuntos, que não pode ser considerado separadamente: (VERGNAUD, 1990, p. 145; 1997, p. 6),

O = (S,R,I), onde S é um conjunto de situações que dão sentido ao conceito, I é um conjunto de invariantes operatórios associados ao conceito que permitem ao sujeito analisar e dominar as situações do primeiro conjunto e R é um conjunto de representações simbólicas (linguagem natural, gráficos e diagramas, sentenças formais, etc), que servem para representar de forma explícita os invariantes operatórios. O primeiro desses conjuntos é o referente do conceito, o segundo o significado e o terceiro o significante”. (GRECA E MOREIRA, 2003, p.5)

Vergnaud compreende que um verdadeiro conceito é construído por meio de relações, não necessariamente objetivas, estabelecido pelo sujeito entre uma classe de situações por ele enfrentada e os invariantes operatórios e, ainda, entre esses invariantes operatórios e as representações simbólicas usadas por ele para explicitar esses invariantes operatórios. A não objetividade das relações significa

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que não se pode reduzir o significado aos significantes nem às situações (VEGNAUD, 1990, p.146), pois não podemos tratar o conceito isolado das situações já que é por meio das distintas situações vivenciadas pelo sujeito que se revelam distintos aspectos ou ‘faces’ do conceito presentes nessas situações. Essas relações engendradas é que significam o conceito para o sujeito. Além disso, uma situação pode comportar uma variedade de conceitos e, portanto, não pode ser analisada por meio de um único conceito. Desse modo, o processo inicial de aprendizagem de semelhança entre figuras está marcadamente imerso em conhecimentos implícitos que se manifestam, por exemplo, em situações de construções de figuras semelhantes, não necessariamente conscientes da semelhança existente, mas imprescindíveis para alcançarem estágios outros em que possam afirmar, por exemplo, que dois círculos são sempre semelhantes, embora não sejam capazes de justificar por qualquer suporte essa semelhança. É sobre esse conhecimento implícito que nos referimos inicialmente como ‘sentimento de semelhança’, que é importante para que os estudantes, no futuro, desenvolvam o emergir do conceito matemático, formalizado de semelhança e de compreensão da importância do estudo dos critérios de semelhança de figuras. Análise dos dados Ao verificarmos a análise a priori, percebemos que os sujeitos/estudantes tiveram dificuldades em explicitar seus conhecimentos prévios que envolveram o conceito de semelhança. Todavia, a teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud, que foi adotada como luz para fundamentar esta análise, segundo Moreira (2004, p. 22), declara que

não é uma teoria de ensino de conceitos explícitos e formalizados, embora tenha subjacente a idéia de que os conhecimentos-em-ação (largamente implícitos) podem evoluir, ao longo do tempo, para conhecimentos científicos (explícitos). Sendo assim, o papel do educador é fundamental em auxiliar o estudante a construir conceitos e teoremas explícitos, e cientificamente aceitos, a partir do conhecimento implícito”.

Examinamos as produções artísticas realizadas por meio de atividades propostas e observamos que os conhecimentos adquiridos acerca dos atributos do conceito de semelhança, que são repetição e proporção foram explicitados com bastante propriedade. Isso ficou bem evidente nas produções do fazer artístico dos nossos sujeitos/estudantes, e ainda constatamos que, de acordo com o conteúdo e com os objetivos propostos, nossos sujeitos registraram em seus trabalhos, de forma explícita, uma compreensão pessoal perfeita acerca do ‘sentimento de semelhança’, quando revelaram corretamente os aspectos de repetição de formas na construção de fractais, de simetria e de proporcionalidade em suas produções artísticas. Foi possível também constatarmos, na análise a posteriori, aspectos relevantes para a análise geral. Ressaltamos nessa análise questões que remetem aos aspectos de ‘sentimento de semelhança’ Matemática, cujo ponto central foi investigar se os estudantes explicitariam na língua natural tais aspectos.

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Foi possível verificar os aspectos do conceito de semelhança, construídos por meio de nosso estudo, na verbalização de nossos sujeitos estudantes, descritos na língua natural sobre os aspectos de repetição e de proporcionalidade, quando, na maioria das respostas, foi explicitado o aspecto de repetição, de modo a relacionar semelhança com igualdade de forma e de variação de tamanho. Diagnosticando a relevância da experiência e o envolvimento nas atividades desenvolvidas, indica-se, dessa forma, um desenvolvimento progressivo do conhecimento implícito para o explícito, pois foi visualmente presente e progressivo, como por nós desejado, a manifestação do sentimento de semelhança em cada uma das atividades como na análise à posteriori. Portanto, constatando um índice significativo de 92,2% de respostas satisfatórias na análise à posteriori, é importante destacar manifestações encontradas em um pequeno percentual 7,8% de respostas de estudantes sujeitos de nossa experiência que não conseguiram explicitar na língua natural o conceito-em-ação em questão. Vergnaud apud Moreira (2004,P.23) explica:

os alunos, em geral, não são capazes de explicar ou expressar em linguagem natural seus teoremas-em-ação, ainda que sejam capazes de resolver certas tarefas (situações). Não só alunos, qualquer pessoa muitas vezes é incapaz de colocar em palavras coisas que faz muito bem, conhecimentos que tem. Há um hiato, entre a ação e a formalização da ação. Agimos com o auxílio de invariantes operatórios sem expressá-los ou sem sermos capazes de expressá-los. A análise cognitiva dessas ações muitas vezes revela a existência de potentes teoremas e conceitos-em-ação implícitos. Esse conhecimento, no entanto, não pode ser, apropriadamente, chamado de conceitual, pois o conhecimento conceitual é necessariamente explícito.

Esse percentual de 7,8% também se encontra dentro de nossos parâmetros de validação, pois conforme a Teoria dos Campos Conceituais, esses estudantes estão vivenciando a demora do progressivo domínio de um campo conceitual, estando, desse modo, aptos a desenvolver tal conceito. Considerações Finais A análise dos dados mostrou que nossos sujeitos estudantes identificaram, durante a trajetória de nossa experiência piloto, a presença de aspectos como repetição e proporcionalidade em imagens apresentadas e produzidas por eles, sendo esses aspectos utilizados como fortes instrumentos para a construção de um ‘sentimento de semelhança’ no sentido matemático. A teoria dos Campos Conceituais foi considerada como favorável para a compreensão, acerca de nossa análise, revelando de modo satisfatório os resultados. Com base nos resultados obtidos, é possível responder de forma positiva à pergunta de que fazemos no desenvolvimento de nossas atividades, possibilitaram aos nossos sujeitos estudantes a ampliação do campo conceitual de semelhança num caminho progressivo em direção à construção do conhecimento científico formalizado. Dessa forma, demonstramos ser possível promover a construção de conhecimentos implícitos no aluno pela dinâmica da construção e do uso das transformações de semelhanças por ele construídas, que o levarão paulatinamente

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a significar o conceito matemático de semelhança, de modo a se dotar de um ‘sentimento de semelhança’ que, por meio de simples observações de imagens permita-lhe fazer afirmações do tipo ‘parecem ser semelhantes’. Referências ARNHEIM, R. Gestalt psychology and artistic form. Aspects of form. In: SYMPOSIUM IN NATURE AND ART. Bloomington: Indiana University press, 1991. BRITO, A. J. ; MOREY B. B. Trigonometria: dificuldades dos professores de matemática do ensino fundamental. Horizontes, Bragança Paulista. 2004. CHARALAMBOS, Lemonidis. 1991. Analyse et réalisation d’une espérience d’enseignement de l’homothétie. França: IREM Didactique des Mathématiques, Vol. 11, nº 23, pp 295-324 GRECA, I. e M.A. Moreira (2003). Conceptos: naturaleza y adquisición. Textos de Apoio do Programa Internacional de Doutorado em Ensino de Ciências da Universidade de Burgos/UFRGS. Actas del PIDEC HARUNA, Nancy Cury Andraus Teorema de Thales: Uma abordagem do processo ensino-aprendizagem. Mestrado em educação matemática – PUC- SP – 2000 MACIEL, A.C. O Conceito de Semelhança: Uma proposta de ensino. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática), PUC-SP. São Paulo, 2004. MOREIRA, M.A. A Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud: O ensino de Ciências nesta área. Porto Alegre. Instituto de Física da UFRGS, 2004. OSTROWER, Fayga A sensibilidade do intelecto: visões paralelas de espaço e tempo na arte e na ciência. 1998. Rio de Janeiro: Campus PARRAMÓN, José Maria. Assim se compõe um quadro. Ed. Parramón. Barcelona,1988. SANCHEZ, Lucilia Bechara. O desenvolvimento da noção de semelhança na resolução de questões de ampliação e redução de figuras planas. Dissertação (Mestrado em Educação). USP-Faculdade de Educação -São Paulo, 1991. VERGNAUD. G. La théorie des champs conceptuels. Recherches en Didactique des Mathématiques. Editora Cidade, 1990. VERGNAUD. G. Epistemology and psychology of mathematics education. In Nesher, P. & Kilpatrick, J. (Eds.) Mathematics and cognition: A research synthesis by International Group for the Psychology of Mathematics Education. Cambridge: Cambridge University Press. (1990). VERGNAUD. G. The nature of mathematical concepts. In Nunes, T. & Bryant, P. (Eds.) Learning and teaching mathematics, an international perspective. Hove (East Sussex), Psychology Press Ltd. (1997).

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Pensando a etnomatematica no cotidiano dos estudantes ribeirinhos

Eliana Ruth Silva Sousa11 Introdução

A pesquisa, ora em desenvolvimento, tem como tema a relação entre os saberes de estudantes ribeirinhos em seus principais ambientes de vivência, a escola e a comunidade em que vivem.

A Região Norte e suas riquezas, cultural e financeira, sempre me chamaram atenção, eu que nasci e fui criada entre características culturais nordestinas e nortistas. Aprendi a conviver com as diferenças e similitudes entre as duas tradições e, por conseqüência, aprendi a ver o outro não como diferente de mim, mas como igual a outros também.

Desta maneira aprendi a buscar alternativas. Saber que existia um Grupo de pesquisa que discutia a relação entre Educação Matemática e Cultura Amazônica12 me deixou esperançosa. Foi lá que iniciei meus estudos sobre Etnomatemática.

Etnomatemática é a matemática praticada por grupos culturais, tais como comunidades urbanas e rurais, grupos de trabalhadores, classes profissionais, crianças de uma certa faixa etária, sociedades indígenas, e tantos outros grupos que se identificam por objetivos e tradições comuns ao grupo. (D’AMBROSIO, 2005, p. 09).

Estudos sobre o tema me fizeram pensar sobre o ensino da matemática nas

comunidades ribeirinhas que integram a região das ilhas de Belém. Chamou-me atenção o contexto dos alunos oriundos das ilhas que precisam deslocar-se até a área urbana da cidade para continuarem os estudos no ensino médio. Surgem problemas do tipo: como o conhecimento étnico (no sentido d’ambrosiano) pode ser utilizado em sala de aula na busca por uma educação com significado? Como interligar este conhecimento e o conhecimento escolar institucionalizado? Como o estudante ribeirinho vê (caso veja) a matemática no seu cotidiano fora da escola?

Na região das ilhas é comum o uso da rasa13, principalmente no comércio do açaí, uma atividade que tem influência direta na economia paraense. Do ponto

11 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemáticas da Universidade Federal do Pará. 12 GEMAZ – Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática e Cultura Amazônica, coordenado pela Profa. Dra. Isabel Lucena e vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemáticas da Universidade Federal do Pará. 13 A rasa é um tipo de cesto feita com ramos de Guarumã (Ischinasiphon obliquus (Rud.) Koern) para tecer o cesto e a jacitara (Desmoncus polyacanthus Mart.) nas bordas, que são escolhidas criteriosamente e depois colocadas para secar. Quando estão no ponto certo a

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de vista da Etnomatemática o estudante ribeirinho conhece a rasa como unidade de medida para a venda do açaí, mas, a escola, como aponta D’Ambrosio, faz uso exclusivo da matemática européia e hegemônica sem buscar relações regionais de comunicação e comércio. Este fato é justificado por muitos professores pelo sentimento de obrigação de dar conta do extenso programa curricular. Entretanto, como afirma D’Ambrosio:

Uma boa educação não será avaliada pelo conteúdo ensinado pelo professor e aprendido pelo aluno. [...]Espera-se que a educação possibilite, ao educando, a aquisição e utilização dos instrumentos comunicativos, analíticos e materiais que serão essenciais para seu exercício de todos os direitos e deveres intrínsecos à cidadania (2005, p. 66).

E ainda diria que uma educação com qualidade possibilita ao aluno a

capacidade de ler e interpretar os saberes da Matemática e seu uso como ferramenta de desenvolvimento da sociedade. O ensino atual da matemática

Os resultados das avaliações nacionais de estudantes, juntamente com outras evidências sociais nos fazem refletir sobre o papel da escola e o que queremos para o futuro de nossa sociedade.

Que tipo de cidadão o “sistema escolar” está formando? Qual o papel da Matemática, da Educação Matemática e da Etnomatemática nessa problemática?

Considero que as matemáticas, seja a dita informal ou formal, devem ser valorizadas no ensino escolar. Acredito que o aluno se identifique com o ensino quando este é feito por meio de incentivos e articulações afetivas, e “a compreensão na importância da igualdade entre as diversas formas de manifestação de saberes matemáticos” (MENDES, 2006, p. 33).

O ingresso na universidade tem se tornado a grande meta colocada para a maioria dos alunos, pela maioria das escolas. Sendo assim, é comum ser considerado um fracassado o aluno que não cursa uma universidade. E ainda, o conteúdo da grade curricular termina por obedecer exaustivamente ao programa exigido pelas universidades, aos moldes de “preparação para concurso”. O tempo e atenção para o desenvolvimento de temas importantes como ética, cidadania, democracia, economia e até mesmo relativos ao aprofundamento da matemática viva no cotidiano das pessoas são relegados ao segundo plano.

É preciso tomar consciência do impasse: os dados educacionais mostram a impossibilidade, hoje, de universidade para todos. O Censo da Educação Superior referente ao ano de 2006 mostra claramente este fato no estado do Pará, que pode ser estendido para os anos seguintes sem grandes diferenças, conforme o seguinte gráfico:

artesã usa uma técnica em que une, entrelaçando vários ramos, para começar a fazer a base do cesto e iniciar o processo.

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É difícil aceitar que um ensino voltado exclusivamente para os exames de vestibulares seja coerente com nossa realidade educacional e social. Não há vagas para todos!

No ensino da matemática, além do que foi exposto, o currículo é voltado apenas ao desenvolvimento de técnicas e memorização de algoritmos como se ao aluno não fosse permitido pensar crítica e criativamente. Assim, a matemática é apresentada como uma matéria em que não há reflexão, e segundo Bishop

Um currículo dirigido ao desenvolvimento de técnicas não pode ajudar a compreender, não pode desenvolver significados, não pode capacitar o aluno para que adote uma postura crítica dentro e fora da matemática. (1999, p. 26)

Esse mesmo currículo é responsável pela eliminação da autonomia, das

raízes culturais, da autenticidade que toda criança carrega quando entra no espaço formal da escola. A etnomatemática pode destacar a relação entre linguagem matemática e cultura além de valorizar a diversidade de nossa região e resgatar a autenticidade e autonomia dos alunos. Em busca das respostas

Este estudo caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa, pois tem o ambiente natural como fonte direta de dados e a preocupação com o processo é prioridade em relação ao produto.

Um dos objetivos da pesquisa observar conhecimentos e comportamentos [os saberes matemáticos, as tradições, a linguagem], de alunos ribeirinhos matriculados no ensino médio na Escola Estadual Edgar Pinheiro Porto que recebe jovens das ilhas próximas a Belém. Estas localidades são as ilhas da Boa Vista, Ilha Grande e Igarapé do Combu. Este estudo será realizado a partir das observações das aulas e do cotidiano dos alunos. Uma das turmas de ensino médio da escola será acompanha e os alunos desta turma, moradores das ilhas, também serão alvo de visitas de pesquisa em suas localidades.

A escola supracitada foi selecionada por concentrar a maior parte dos alunos originários das ilhas e foi influenciada pela pretensão de observar os moradores das ilhas em ambiente de diversidades sócio-cognitivas. As visitas de pesquisa às comunidades em que moram os alunos ribeirinhos têm como objetivo

Número de Vagas Oferecidas, Candidatos Inscritos e Ingressos, Por Vestibular e Outros Processos Seletivos

8.141

58.663

7.789

22.120

46.664

13.820

0

10.000

20.000

30.000

40.000

50.000

60.000

70.000

Vagas Oferecidas Candidatos Inscritos Ingressos

Pública

Privada

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analisar, através de observações dialogadas, se eles têm consciência da matemática realizada em seu dia-a dia, se se reconhecem como um grupo diferenciado, se percebem alguma diferença entre seus modos de vida e os dos outro.

A princípio, pensava em ir a campo apenas em 2009 (após a conclusão do 1º ano de mestrado). Porém, a inserção no contexto da escolar o quanto antes certamente permitirá maior amplitude de idéias no reconhecimento do grupo de estudante pesquisado, atitude cabível em se tratando de pesquisa dentro da abordagem etnomatemática.

A escola situa-se em uma região periférica de Belém, no bairro Condor, com vistas para o Rio Guamá. Nela estudam alunos do ensino fundamental e médio, ela conta com uma biblioteca e uma sala de informática.

Na escola fui apresentada a todos os professores, entre eles o professor de matemática com quem eu iria iniciar minhas observações. Fui bem recebida por todos e após iniciar minhas conversas com o professor de matemática combinamos os dias e as turmas para eu acompanhá-lo, a escolha das turmas dependia da disponibilidade de meus horários, pois ainda estava em cumprimento de disciplinas. Assim, acordamos os dias e as turmas que iria observar (turmas de alunos do ensino médio).

Meu primeiro dia de observação foi tranqüilo. Fui apresentada aos alunos e, justificada a minha presença ali, pedi a colaboração de todos e eles responderam positivamente. Fiquei ali apenas observando, mas sem esquecer que também era observada. Percebi que alguns alunos estranhavam minha presença na sua sala de aula. Conquistei alguns e estou tentando conquistar outros.

Minha proposta de pesquisa prevê olhar os estudantes oriundos das ilhas, mas como não é possível essa separação na sala de aula, observava a tudo e a todos. Após três meses de observação, elaborei um questionário com intenção de conhecer melhor o cotidiano dos alunos fora do contexto escolar, seus desejos em relação à escola e seus planos para o futuro. O questionário foi aplicado em três turmas, uma em cada ano do ensino médio.

As primeiras análises desse material me levaram a dividir as respostas em duas categorias: moradores das ilhas e moradores da cidade. Pois as respostas revelam algumas diferenças entre o modo de vida dos que moram na cidade e os que moram nas ilhas, desta maneira a classificação servirá para comparar os modos de vida dos estudantes.

Um ponto que já pode ser abordado é a influência das tecnologias da informação, como o acesso à internet, entre os estudantes. Pelas respostas é possível ver que o acesso ou a falta de acesso à internet tem influência direta nas atividades diárias dos alunos. Outra questão observada nas respostas dos alunos é a necessidade que sentem de ambientes informatizados.

Dentro da nova concepção de currículo proposta por D’Ambrósio, que consiste na organização do currículo em duas vertentes: a formativa14 e a informativa15. Em ambas vertentes há ampla utilização das novas tecnologias de

14 Baseado não na transmissão de conteúdos disciplinares programados, mas no fornecimento, aos alunos, de instrumentos intelectuais que permitam acessar, socializar e ampliar conhecimento. (D’Ambrosio, 2008, p. 12). 15 Aqui o professor deve estimular a crítica sobre: o que se viu, se ouviu e se observou; o que se leu e o que se imaginou, e simular tomada de decisões. (Idem, p. 17).

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informação e comunicação como “uma resposta educacional às expectativas de se eliminar iniqüidade e violações da dignidade humana, o primeiro passo para a justiça social” (2005, p. 66).

Não podemos estar alheios aos anseios dos alunos pelo novo, pois parece uma busca pela sobrevivência, o que devemos é aliar esta busca ao desenvolvimento de estratégias de ensino como mais uma opção para o aluno aprender. O diálogo entre o novo e o tradicional está presente no currículo da etnomatemática. Ações futuras

As observações da sala de aula, iniciadas em 2008, serão retomadas no primeiro semestre de 2009. Daremos início às visitas às ilhas, estas foram programas nas conversas anteriores com alguns dos alunos moradores das ilhas. Penso que a sala de aula uniformiza a personalidade, a autonomia e a cultura do aluno, fica difícil observar os alunos da ilha, do que observei pude perceber algumas diferenças comportamentais, vou descrevê-las melhor nas novas escritas.

Os diálogos teóricos acerca dos saberes dos estudantes ribeirinhos levarão em consideração os acontecimentos no caminhar das visitas. Serão feitas discussões sobre a linguagem e o letramento destes estudantes. Na intenção de relacionar a teoria da etnomatemática com a prática educacional pretendemos propor atividades que abordem o novo currículo proposto por D’Ambrosio (2005), podendo ou não ser trabalhadas em sala de aula juntamente com o professor. Referências D’AMBROSIO, U. A educação na sociedade em mudança. Conferência. Disponível em http://www.grupolusofona.pt/pls/portal/docs/PAGE/OPECE/APRESENTACAO/COL%C3%93QUIOS%20-20%20CONFER%C3%8ANCIAS/PALESTRA%20-%20UNIV%20LUS%C3%93FONA.PPT#265,1. Acesso em 18/02/2009. D’AMBROSIO, U. Etnomatemática: Elo entre as tradições e a modernidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. MENDES, I. A. Matemática e investigação em sala de aula: tecendo redes cognitivas na aprendizagem. Natal: Flecha do Tempo, 2006. BISHOP, A. J. Enculturación matemática: La educación matemática desde uma perspectiva cultural. Barcelona: Paidós, 1999.

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Introdução Muitos estudos sobre os problemas que envolvem o ensino e a aprendizagem de frações têm sido realizados em vários contextos, porém é fato que este conteúdo ainda atinge professor e aluno, seja da Educação Básica ou do Ensino Superior (Pedagogia). Por conseguinte, é preciso alertar os educadores para considerarem fatores preponderantes para a assimilação desse conteúdo. Dentre estes, o carro-chefe é o estágio psicológico da criança, no que se refere ao desenvolvimento psico-cognitivo, ou seja, verificar se a criança constrói conceitos por meio de organizações lógicas e esquemas próprios, ou seja, se ela é conservativa, considerando o que diz Piaget em sua teoria da aprendizagem, e ainda atentando para o fato de que, para a criança, a elaboração do conceito de frações é mais complexa que a construção do número natural, e exige da criança certa maturidade e acúmulo de conhecimentos matemáticos prévios. Para D’Augustine (1976), “A idéia de números fracionários é um conceito sofisticado, que requer da criança mais maturidade e maior base Matemática do que o conceito de número natural.” (1976, pág. 144). E ainda para o autor, enquanto um número natural é a propriedade de um determinado conjunto, um número fracionário pode ser associado à partilha de um determinado conjunto; à razão das propriedades numéricas de dois conjuntos; a um número associado à partilha de um conjunto contínuo e a um número que representa o quociente de dois números naturais (sendo o divisor diferente de zero). Por considerarmos também o conceito de fração complexo em sua formulação é que achamos necessários, na formação inicial, conhecimentos sobre a psicogênese da criança. Em sua ação didática, o futuro-professor, necessita de conhecimentos que envolvam as operações concretas (um dos estádios descritos por Piaget) fase fundamental na aquisição do entendimento das frações. Não pretendemos aqui aprofundar e detalhar a teoria psicogenética de Piaget, mas apenas explanar os pontos que nos foram úteis para justificar por que

16 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação – PPGEd/UFRN

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nos apoiamos nesse teórico na intenção de explicar o processo de ensino e de aprendizagem de frações. Apesar de Piaget, em sua teoria psicogenética, não ter tido o intuito de propor uma teoria da aprendizagem, pois nunca, pelo que se sabe, protagonizou uma pesquisa com finalidades pedagógicas, embora tenha esses vieses, o modelo piagetiano é hoje uma das mais relevantes diretrizes na área educacional (COLL, 1992). Reflexões teóricas No desenvolvimento humano, as crianças em cada fase apresentam, em seu relacionamento com o meio, organizações e pensamentos, classificados por Piaget como estádios. Segundo Piaget (1976) o desenvolvimento é um continuum coerente, pois cada estádio evolui a partir do que o antecedeu e contribui para o que o sucederá, pois embora algumas crianças amadureçam antes de outras, o processo não se altera. Essa evolução humana é caracterizada por aquilo que os indivíduos vão realizando em escalas mais complexas, durante as mudanças de fases, ou estádios, quando o indivíduo vai cada vez mais evoluindo. Essa evolução ocorre em parte das ações advindas dos três tipos de conhecimentos, o físico, social e o lógico-matemático. O conhecimento físico e o lógico-matemático são para Piaget os dois tipos de conhecimentos mais importantes. O conhecimento físico dá-se do contato, da interação da criança com o meio, da ação da criança sobre o objeto, da experiência física e empírica, fator que possibilita o desenvolvimento cognitivo. Melhor explicando, segundo Kamii e Declark,

O conhecimento físico é o conhecimento dos objetos na realidade externa. A cor e o peso de uma ficha são exemplos de propriedades físicas que fazem parte dos objetos e podem ser notadas pela observação. Saber que uma ficha cairá quando a jogamos no ar é um exemplo de conhecimento físico. (1996, pág. 28-29).

O conhecimento lógico-matemático é a relação que a criança estabelece dentre os objetos que manipula, envolvendo relações também com os objetos que estão na mente dela e consiste das relações feitas por elas. Deste modo, essa construção acontece na eliminação de técnicas incorretas e regras arbitrárias para produzir um conhecimento adequado, proporcionando às crianças pensar por si mesmas, ensejando, pois, confiança em seu raciocínio. Por outro lado, o conhecimento lógico-matemático, constitui-se de relações realizadas por cada sujeito. Kamii e Declark exemplificam que

Quando nos mostram uma ficha vermelha e uma azul e notamos que elas são diferentes, essa diferença é um exemplo do fundamento do conhecimento lógico-matemático. Na verdade, podemos observar as fichas, mas a diferença entre elas não. (1996, pág. 29).

No conhecimento lógico-matemático, a relação é criada pelo sujeito, mentalmente, ele fazendo uma relação entre dois objetos, a qual pode ser de semelhanças ou diferenças, dependendo do ponto de vista do sujeito, mas Piaget deixa claro que a fonte de elaboração deste conhecimento é interna.

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Piaget, no que diz respeito à consecução do conhecimento físico e social, relata que é em parte externa ao sujeito. De acordo com Piaget, está Rangel:

A experiência física é entendida como toda experiência que resulta das ações exercidas sobre os objetos, com vistas à descoberta das propriedades observáveis destes objetos ou das ações realizadas materialmente, pois a lógica da criança não é resultante apenas dele. (1992, pág. 31).

A transmissão social, para a construção do conhecimento social, é um fator educativo, muito fundamental, mas não é em si um fator suficiente para a formação do conhecimento como um todo e este conhecimento passado por outras crianças, por pais, professores, ou mesmo por livros, no âmbito escolar. Uma das principais características do conhecimento social é a arbitrariedade, e, assim, para que a criança adquira o conhecimento social, é importante que haja uma imposição por parte do outro. Segundo Kamii e Declark (1996), citando Piaget (1947), “a interação social é indispensável para que a criança desenvolva uma lógica. As crianças muito pequenas são egocêntricas e não se sentem obrigadas a serem coerentes quando conversam”. (Pág. 51). A transmissão social de conhecimentos vem de muitos lados, e a crianças correm o risco de um conflito, por informações contraditórias, pois elas podem vir de casa ou da rua e podem perturbar o equilíbrio da criança. E é desta forma que, segundo Kamii e Declark (1996), “A criança vai construir estruturas mentais e adquirir modos de funcionamento dessas estruturas em função de sua tentativa incessante de entender o mundo ao seu redor, compreender seus eventos e sistematizar suas idéias num todo coerente. (Pág. 52). O processo de equilibração17 é um dos mais importantes no desenvolvimento cognitivo, pois é fator determinante para o indivíduo neste contínuo de adaptação ao meio em que vive, porque também ajuda a regular os outros fatores e faz surgirem estados progressivos de equilibração necessários ao organismo, pois funciona de maneira a alcançar e depois manter uma condição de equilíbrio interno que possibilita a nossa sobrevivência no meio em que vivemos. Para Rangel, “O processo de equilibração viabiliza o ajustamento interno e a modificação das estruturas de conhecimento, adaptando-se aos objetos na busca da sua assimilação.” (1992, pág. 35). No caso de desequilíbrios, usa-se o processo auto-regulador de equilibração, o qual é a essência do funcionamento da adaptação18 e está presente em todos os níveis do desenvolvimento, mesmo que os estados de equilíbrios, em cada nível, sejam quantitativamente diferentes de um estádio para outro numa evolução. Em nossa pesquisa, tomamos como referencial o estádio das operações concretas, que vai dos sete aos 11-12 anos, pois é nesta fase que a criança é capaz de efetuar as quatro operações matemáticas, de construir conceito de frações, mas seu raciocínio é ainda limitado por suas experiências concretas, pois ainda não é capaz nesse momento de fazer abstrações puras. Portanto, é preciso considerar essas limitações no planejamento curricular, mas já nesse período o

17 Organização mental do indivíduo das estruturas cognitivas (RAPPAPORT et alli, 1981, p. 61). 18 No sentido piagetiano, adaptação é a ação de um sujeito ativo, capaz de transformar a realidade e construir seus conhecimentos, com sua própria inteligência. (RANGEL, 1992).

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pensamento da criança liberta-se do físico para atingir em pouco tempo a reversibilidade, extremamente relevante para as operações lógico matemáticas. A criança também passa a ter a capacidade de conservação, pois compreende que certas características de um objeto são constantes, mesmo que sua aparência seja alvo de alterações, ou seja, que a matéria se conserve independente das alterações de sua forma. Adquire os conceitos de conservação gradualmente, iniciando com a conservação de substâncias, depois volume, e mais tarde com o peso. Para reforçar e acelerar um pouco a elaboração desses conceitos de conservação é preciso que haja estímulos externos, que se façam experimentos. Antes de a criança atingir o estádio das operações concretas, ela não dispõe de estruturas mentais lógicas, capaz de conservação e reversibilidade, portanto não consegue aprender certos conteúdos matemáticos, cabendo assim ao futuro-professor, responsável por essa fase da educação, trabalhar de acordo com as estruturas mentais da criança, pois, se insistir em acelerar, cometerá sério engano. Na idade das operações concretas, a criança raciocina logicamente, organiza pensamentos em estruturas coerentes e seleciona-os de forma hierárquica ou seqüencial. O conceito de conservação é construído pela criança internamente, a maturidade é atributo importante nessa construção, mas é de grande relevância a participação de fatores externos estimulantes ao seu redor. No favorecimento da elaboração do conceito de conservação, Piaget, por meio de classes de objetos, realizou vários experimentos para detectar as dificuldades que as crianças sentiam, ao fazer classificação19. A criança elabora as relações entre os objetos que vê ao seu redor, mas ainda não consegue pensar em todos os tipos possíveis de relações, que sejam reais ou hipotéticos. Para ampliar e/ou modificar as estruturas cognitivas da criança, Piaget propõe que se provoquem discordâncias ou conflitos cognitivos que representem desequilíbrios a partir dos quais, mediante atividades, ela consiga se reequilibrar, superando os conflitos e reconstruindo o conhecimento. É preciso considerar um conjunto de princípios de conservação, que são aquisições do estádio das operações concretas, condições básicas para a organização de um sistema de noções que contribui para, conseqüentemente, se chegar ao conceito de fração. Desta forma, no estádio das operações concretas, a criança é capaz de interiorizar ações, realizar operações mentalmente, adquirir a capacidade de reversibilidade que será feita durante este estádio e continua no estádio das operações formais. As pesquisas (LIMA, 1992) que já foram realizadas sobre a gênese do conceito de fração confirmam que as formas de organização cognitivas necessárias para o desenvolvimento desse conceito são encontradas no estádio das operações concretas, pois neste período, as crianças são conservativas em área. Então, o estudo de fração poderá ser feito tomando como base a área das figuras geométricas simples e conhecidas das crianças e facilmente ela percebe que a divisão em partes iguais de algo tomado como unidade não altera a totalidade.

19 Ação de selecionar objetos, pessoas ou idéias em categorias, mediante as suas características, notadas por meio de semelhanças ou diferenças.

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A conservação de quantidade é um elemento básico para a compreensão do conceito de fração, mas, para as crianças não conservativas, é muito difícil pensar ao mesmo tempo na mudança do número de partes e na variação de tamanho destas partes para assegurar a inalterabilidade do todo; portanto não, estão prontas para compreender o conceito de frações. É preciso que a formação inicial explique e justifique, em suas ações didáticas, que todo trabalho com frações deve ser realizado pela criança. Se lhe for pedido que divida um triângulo em partes iguais, ela fará a divisão, fará as superposições para comprovar a igualdade das partes, e também ela mesma deve demonstrar a equivalência de áreas, dentre outros atributos. E ainda, antes de iniciar o ensino de fração, pela grandeza discreta, ou seja, tomando como grandeza coleções, deverá ser feita uma análise preliminar, para verificar se a criança conserva esse nível de conhecimento, pois sabemos que, pelo fato de elas estarem em contato com conjuntos, coleções, por dominarem a contagem, a correspondência, em geral elas atingem primeiro a conservação da grandeza discreta, para mais tarde conservar a grandeza contínua. Para Schliemann (1992), a idade não é critério para se definir o nível cognitivo da criança, mas a professora precisa perceber se a criança é conservativa, para iniciar todo o processo de formulação do conceito de frações. E Lima diz “... que as habilidades envolvidas no estudo de fração, envolvendo quantidade discreta, estavam um estágio na frente das habilidades envolvidas no conceit de fração com quantidade contínua (área).” (1992, pág. 94). Lima (1992) continua “... a seqüência destes desempenhos tem-se mantido constante, mesmo quando variam as culturas e os níveis sócio-econômico aos quais têm sido aplicadas as várias tarefas”. Portanto, com base nas pesquisas de Lima (1992), verificamos que, para a criança iniciar o estudo das frações pela grandeza discreta, é mais acessível pelo fato de trabalharem em seu dia-a-dia com coleções diversas. No caso da grandeza contínua, a criança tem muitas dificuldades próprias (maturação) do conceito de fração, que se adicionam às referentes ao conteúdo no qual está sendo trabalhado o conceito. O problema é que, geralmente, não se considera o desenvolvimento mental da criança para escolher de forma adequada estratégias para o ensino de fração e trabalha-se as frações por meio de técnicas e fórmulas, levando a segundo plano os aspectos psicológicos da criança. Achamos, de acordo com Lima (1994), que o critério psicológico é o mais apropriado para ser considerado ao iniciar o ensino de frações, por se apoiar nas estruturas cognitivas da criança ao longo do seu desenvolvimento das organizações psico-cognitivas. Na formação inicial, passamos aos futuros-professores a noção de que é preciso considerar todos esses fatores psicológicos, e se a criança não é conservativa, eles devem aguardar que ela atinja a conservação de área e, então, iniciar o estudo de fração a partir de área de figuras geométricas; ou iniciar esse estudo a partir de coleção, haja vista que a criança atinge a conservação de quantidade discreta mais cedo do que a conservação de quantidade contínua, como já expressamos em passagem anterior desta dissertação. Apesar de muitos estudos com essa mesma temática terem sidos realizados, ainda é fato que o conteúdo de fração é uma problemática que envolve professor e aluno. Com efeito, queremos alertar os educadores para que não desprezem o fator preponderante, que é o estádio psicológico da criança no que concerne ao desenvolvimento cognitivo, ou seja, permitindo que a criança elabore,

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por meio de organizações lógicas, os próprios conceitos e não se torne mais um “fracassado”. Entendemos que, para a melhoria do ensino e da aprendizagem de frações, é preciso que o professor-formador contemple em sua ação didática os conceitos matemáticos que envolvem as operações concretas, um estádio fundamental na aquisição do entendimento do conceito de frações, passando para os alunos futuros-professores a noção de que a criança precisa estar num nível de desenvolvimento capaz de entender que, para existir frações, segundo Piaget, citado por Lima (1992) é preciso que ela consiga perceber sete condições importantes e essenciais na proposição desse conceito: a) a existência de uma totalidade divisível; b) existência de um número determinado de partes; c) esgotamento do todo; d) relação entre número de partes e o número de cortes; e) igualização das partes; f) conceitualização de cada fração como parte de um todo em si, susceptível de novas divisões, e ainda; g) atendimento ao princípio da invariância- a soma das frações constituídas é igual ao todo inicial. Considerando e analisando essas proposições, podemos desta forma expressar o fato de que a construção do conceito de fração é o resultado, segundo Lima (1992), destas condições, e que, portanto, precisam ser bem compreendidas durante a formação inicial para que o futuro-professor possa ir para o ambiente da sala de aula exercer com dignidade sua profissão, respeitando acima de tudo as crianças. Desta forma, entendemos que, na formação inicial, é preciso que o futuro-professor seja preparado para, além de domínio do conteúdo e metodologias, ele também considerar em sua ação didática o fator psicológico do sujeito a ensinar. Unidade didática - Matemática e as Frações A Matemática é uma área de conhecimento que sempre foi uma necessidade intrínseca do homem. Ao rememorar a história da Antigüidade, presenciamos sempre o homem fazendo Matemática no intuito de estabelecer melhorias de vida para ampliar seus bens de consumo. Fazemos Matemática quotidianamente, por exemplo, ao ir ao supermercado, fazer as contas do orçamento mensal, dentre outros. Os números governam nosso horário e determinam nossa idade, nosso salário. Portanto, é preciso perceber em cada ação a importância de compreendê-la, pois, da forma como é ensinada nas escolas de forma automatizada, perceptiva e formalista, pois quem “ensina” não faz quem deve “aprender” perceber a relação dos conteúdos com a realidade e, se não faz sentido para os alunos, eles, conseqüentemente, não se sentem motivados a aprendê-la. Reportando-nos ao passado, com visão também no presente, podemos verificar que a Matemática sempre foi a “vilã” do fracasso escolar, ensinada sempre descontextualizada e fora da realidade. Essa disciplina tão necessária e presente nas ações diárias é interpretada por muitos como algo que se pode evitar, e muitos tentam evitá-la por toda a vida, por sentirem-se incapazes de aprendê-la. Neste sentido, Machado diz que “(...) há um aparente interesse em que se divulgue aos quatro ventos que as características intrínsecas da matéria tornam-na um assunto para indivíduos “eleitos”, com especial talento ou tendências inatas. (1994, pág. 95).

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Apesar de este mito permear o ensino e a aprendizagem de Matemática, queremos aqui afirmar é que todos podem aprender esta Ciência, apesar de que nem todos precisam dominá-la e produzi-la em sua plenitude, assim como nem todos são produtores de música, pois temos sempre nossos dons individuais e as preferências pessoais, mas que nossas escolhas não nos rotule, como, por exemplo, de “incapazes”, e que possamos compreender que em nosso dia-a-dia precisamos fazer Matemática a todo o momento. As antigas civilizações necessitaram da expressão numérica de medição, pois as terras que margeavam os rios, relevantes para a sobrevivência daquele povo, eram propriedades do Estado que, para ajudar as famílias, arrendava áreas e cobrava desta forma impostos proporcionais. Quando os rios enchiam, no entanto, as famílias perdiam parte de suas áreas de terra, e continuavam a pagar pela área inicial. Assim, foi sentida a necessidade de criar uma medida que superasse a impossibilidade do número inteiro e desta maneira o homem cria outro instrumento numérico, institui os números fracionários, e, desta forma, ele consegue medir uma grandeza, tomando a unidade e as frações desta unidade. Historicamente, podemos acentuar que isso aconteceu por volta de 3000 a.C. com as civilizações Egípcia e Mesopotâmica. Foram essas civilizações que desenvolveram uma notação especial para alguns tipos de frações com a necessidade de se medir grandezas, que eram maiores ou menores do que o todo, pois como já expresso, os números inteiros já não eram suficientes para responder à pergunta “Quanto mede?” e, desta forma, segundo Centurión, “o homem vem se deparando com situações deste tipo há milhares de anos. Por isso teve necessidade de criar um novo tipo de número: os números fracionários, que indicam parte de um todo.” (2002, pág. 211). Considerando o contexto histórico em que surgem as frações, percebemos que muitos problemas encontrados no ensino e na aprendizagem deste segmento se dão pelo fator histórico, pois geralmente a fração é ensinada inicialmente pela grandeza contínua (área, comprimento) e, como já vimos, se a criança não for conservativa, ela não compreende esse conceito. Uma idéia é iniciar pela grandeza discreta, pois a maioria das crianças começa a formação de coleções diversas. Considerando o modelo piagetiano, para iniciar as frações, é exigível que o responsável por esse ensino conheça e domine quatro dimensões desse processo: conteúdo, aspecto psicológico, metodologia e aspecto cognitivo.

Figura 3. Fonte (Santos, 2007, p. 50)

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A equivalência de frações – comparação e tipos de frações Consideramos a compreensão das frações equivalentes um grande passo para se chegar à compreensão do conceito de frações e os aspectos que envolvem a comparação e os tipos de frações. Segundo Lima, “O estudo de equivalência entre frações, fundamental para o domínio de frações, deve ser cuidadosamente trabalhado pela criança para assegurar que haja compreensão de cada equivalência estabelecida”. (1992, pág. 91). Lima ainda ressalta que, para se assegurar essa compreensão, é preciso que todo o trabalho de classe de equivalência entre frações (subcoleções) seja executado pela criança. Deve-se propor-lhe atividades que partam de sua experiência sob um aspecto concreto. Assim, concordamos com Nunes (1997), quando enfatiza que a Matemática do dia-a-dia é um mecanismo que precisa ser explorado como ponto inicial voltado para a compreensão do conceito de frações, e o professor, em nosso caso, os alunos futuros-professores, precisam conhecer e fazer uso dessas diversas matemáticas no intuito de proporcionar uma ampliação do desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático e, assim, elaborar novos esquemas. É preciso compreender que as frações equivalentes são aquelas que representam a mesma parte de um todo, ou seja, inicialmente, a criança tem que perceber que a metade de uma determinada grandeza equivale (é igual a) a dois quartos desta mesma grandeza. No caso da simplificação das frações, é preciso, sempre que for possível, dividir o numerador e o denominador de uma fração por um número natural maior do que 1 e, desta forma, obter uma fração equivalente, na forma simplificada, com numerador e denominador menores. Seguindo o processo de ensino das frações, temos a comparação de frações para que se identifique quando uma é menor ou maior do que a outra. É comum a confusão, pois geralmente se erra por não perceber de imediato qual é a fração maior ou a fração menor. Nesse sentido, é preciso que o futuro-professor entenda que, numa relação de comparação de frações, é preciso observar alguns aspectos importantes, que são: a) as frações de mesmo denominador - maior a que tiver maior numerador; b) as frações com denominadores diferentes – maior é a que tiver menor denominador; e, c) as frações com numeradores e denominadores diferentes – neste caso, devemos ter mais atenção e fazer por meio da equivalência entre as frações. Devemos, então, encontrar frações equivalentes às frações dadas. As frações dos tipos impróprias, próprias, mistas ou aparentes são esquecidas com o passar do tempo, seja a forma matemática, sejam as suas denominações. Para Bittar e Freitas, “a necessidade de se conhecer um algoritmo para a comparação de duas frações deve ser sentida pelos alunos, conforme o nível dos questionamentos que vão sendo propostos pelo professor. (2005, p. 170). Desta forma, o professor que vai ensinar este conteúdo deve estar preparado (dominar o conteúdo e as técnicas) e essa preparação também deve contemplar o manejo de material concreto para promover de forma gradual o desenvolvimento das propriedades mentais, de forma que ele em seguida possa trabalhar abstratamente. As operações com frações - situações problemas

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Para trabalhar as operações com frações, entendemos que é preciso, antes de tudo, compreender alguns conceitos, como a relação parte – todo, dentro de representações de conceitos das grandezas contínuas e discretas; as frações como quociente numa divisão e, assim, chegar à fração como operador. No trato com os números naturais, sabemos que as operações têm vários significados que precisam ser bem trabalhados. E as operações com frações também exigem esse trabalhado elaborado. Desse modo, as operações devem ser trabalhadas por meio de situações de reunião, acréscimos, comparação, razão, dentre outros significados. É fato que nas escolas se exige sempre das crianças que elas resolvam operações matemáticas utilizando fórmulas que apresentam uma resposta, mas que, para a criança, não tem nenhum sentido. Desta forma, as operações se tornam atividades automatizadas, com repetição e aquém do entendimento. É possível até assegurar que pode estar aí à origem da dificuldade que muitos sentem em Matemática, a qual constatamos normalmente presentes nas salas de aula, tanto da Educação Básica como na Superior. Nas operações com frações, o fator psicológico, o metodológico e o cognitivo devem ser essenciais para o início do trabalho com este conteúdo, além de também ressaltar a forma e a linguagem como as operações com frações são apresentadas, podendo facilitar ou complicar sua resolução. Este fato comprovamos em alguns momentos da aula teórica de frações, quando fazíamos algumas perguntas e os alunos-professores não compreendiam exatamente o que estava sendo pedido, como, por exemplo, no caso em que tomamos um todo dentro de uma determinada situação-problema, precisamos deixar bem definido que todo foi esse tomado inicialmente. A representação (de forma oral ou escrita) dos dados de um determinado problema deve trazer para o estudante a compreensão, pois, só depois de compreender bem o problema é que ele deve ser levado à representação na forma simbólica, mas inicialmente representar as operações concretamente é importante, pois a compreensão da estrutura lógica do problema depende essencialmente do estádio de desenvolvimento mental em que se encontra o sujeito que está em ação. Ao abordar as operações com frações, faz-se necessário considerar se a criança tem os esquemas mentais solicitados para resolver o problema que lhe foi proposto. Advertimos aos educadores em geral para noção de que, para se obter sucesso na construção do algoritmo das operações com frações, é preciso considerar se o sujeito em ação tem as estruturas lógico-matemáticas necessárias para a resolução da situação-problema. E mais importante que a resposta final do problema são a compreensão e o processo pelo qual o sujeito em ação se apossou para chegar à solução. (BORGES NETO e SANTANA, 2001). Referências BITAR, Marilena; FREITAS, José Luis Magalhães de. Fundamentos e metodologia de Matemática para ciclos iniciais do ensino fundamental. 2. ed. Campo Grande: Ed. UFMS, 2005. BORGES NETO, Hermínio. SANTANA, José Rogério. A Teoria de Fedathi e sua relação com intucionismo e a lógica do descobrimento matemático do ensino. XV EPENN – Encontro de Pesquisa Educacional do Norte e Nordeste, 2001.

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CENTURIÓN, Marília. Números e operações. 2. ed. São Paulo: Scipione, 2002. COLL, C. As Contribuições da Psicologia para a Educação: teoria genética e aprendizagem escolar. In: LEITE, L. B. (Org.). Piaget e a escola de Genebra. São Paulo: Cortez, 1992. p. 164-197. D´AUGUSTINE, Charles H. Métodos para o ensino da Matemática. Rio de Janeiro: Livro Técnico, 1976. KAMII, Constance; DECLARK, Georgia. Reinventando a aritmética: implicações da teoria de Piaget. Tradução Elenisa Curt, Marina Célia M. Dias, Maria do Carmo D. Mendonça. Campinas: Papirus, 1996. LIMA, José Maurício de Figueiredo. Iniciação ao conceito de fração e o desenvolvimento da conservação de quantidade. In: CARRAHER, Terezinha Nunes (Org.). Aprender pensando: contribuições da psicologia cognitiva para a Educação. Petrópolis: Vozes, 1990. p. ? MACHADO, N. J. Matemática e realidade. 32. ed. São Paulo: Cortez, 1994. NUNES, Terezinha; BRYANT, Peter. Crianças fazendo Matemática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. PIAGET, Jean. A equilibração das estruturas cognitivas. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976. RANGEL, Ana Cristina Souza. Educação Matemática e a Construção do Número pela Criança: uma experiência em diferentes contextos sócio-econômicos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. SCHLIEMANN, Ana Lúcia Dias. As Operações concretas e a resolução de problemas de Matemática. In: CARRAHER, Terezinha Nunes (Org.). Aprender pensando: contribuições da psicologia cognitiva para a Educação. Petrópolis: Vozes, 1990.

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Fragmentos de uma formação de professores que ensinam matemática para deficientes auditivos em Belém/PA

Rita Sidmar Alencar Gil20 Introdução Este trabalho apresenta o desenvolvimento de uma pesquisa em Educação Matemática realizada numa associação confessional, que mantém uma escola na cidade de Belém sem fins lucrativos, que tem como meta o atendimento de 322 crianças portadoras de surdez nos seus diversos serviços e programa. As referidas atividades foram realizadas com alunos surdos das séries iniciais do Ensino Fundamental, mediadas por professores da instituição e duas pesquisadoras do Programa de Pós–graduação do NPADC21/UFPA,22 formando um grupo colaborativo composto de cinco pessoas. Nossa expectativa era de que as atividades diferenciadas pudessem promover aprendizagem significativa dos alunos surdos, estabelecendo relações compreensivas em torno do objeto de conhecimento de forma a constituir-se num salto qualitativo no processo de inclusão dos mesmos no ensino regular. Nosso foco de estudos nesta pesquisa foi à identificação e análise das necessidades formativas dos professores de Matemática na Educação de deficientes auditivos, objetivando promover a reflexão crítica dos mesmos sobre a sua prática pedagógica, a partir das situações vivenciadas no processo de ensino e

20 Professora de Matemática do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: [email protected] 21 Núcleo Pedagógico de Apoio ao Desenvolvimento Cientifico 22 Universidade Federal do Pará

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aprendizagem, tendo em vista o seu desenvolvimento profissional. De acordo com as discussões teóricas realizadas ate aqui, qualquer processo de análise de necessidade implica que se definam claramente, segundo Silva (2000, p. 153):

• As fontes de informação; • O conceito de necessidade que lhe está subjacente; • A metodologia (processo, técnicas e instrumentos) que lhe dá

suporte. Relativamente ao primeiro ponto, tomamos como fonte de informação as falas dos professores expressas na realização das atividades e suas reflexões durante as mesmas. Estas permitiram-nos identificar que necessidades de formação tinham os professores para trabalhar com deficientes auditivos, quando são realizadas praticas de ensino diferenciadas. As necessidades de formação que defendemos entendidas como preocupações, dificuldades, carências, problemas e expectativas sentidas pelos professores (MONTERO, 1987 apud GARCIA, 1999), ou seja, as representações construídas mental e socialmente pelos sujeitos num dado contexto (ESTRELA et al., 1989, p. 130)e expressas pelos professores no seu contexto profissional (BARBIER e LESNE, 1977) que foram acontecendo durante a realização das atividades programadas. O percurso da pesquisa de campo: um desafio para o grupo colaborativo Iniciamos a inserção como pesquisadora participando de várias atividades pedagógicas para conhecer o contexto no qual deveríamos nos inserir: participação no Conselho Escolar, na Semana Pedagógica, acompanhamento de aulas de Matemática, interação com a equipe técnica e com os professores, com o propósito de observarmos para identificar as necessidades e dificuldades tanto dos alunos como dos professores. A partir das observações e discussões realizadas e na trajetória de interação e inserção na escola, verificamos que os professores da instituição, em maioria, não tinham formação profissional adequada para a realização de quaisquer práticas de ensino diferenciadas propostas. Essa temática é relevante para os estudos da Educação Matemática e da Educação Especial principalmente quando temos em vista contribuir em termos teóricos, com conhecimentos e informações, sobre as necessidades formativas dos professores de Matemática para tratar com alunos surdos. Tal contextualização se torna imprescindível justamente por razões assim postas por Imbernon (2002, p. 13):

A especificidade dos contextos em que se educa adquire cada vez mais importância: a capacidade de se adequar a eles metodologicamente, a visão de um ensino não tão técnico, como transmissão de um conhecimento acabado e formal, e sim um conhecimento em construção e não imutável, que analisa a educação como um compromisso político prenhe de valores éticos e morais (e, portanto, com a dificuldade de desenvolver uma formação a partir de um processo clínico) e o desenvolvimento da pessoa e a colaboração entre iguais como um fator importante no conhecimento profissional... Tudo isso nos leva a valorizar a grande importância que têm para a docência a aprendizagem da relação, a convivência, a cultura do contexto e o

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desenvolvimento da capacidade de interação de cada pessoa com o resto do grupo, com seus iguais e com a comunidade que envolve a educação.

A formação de um grupo colaborativo numa escola, segundo Imbernon (2002, p.23.), teria como finalidade desenvolver juntamente com os professores a construção de um conhecimento profissional coletivo no desenvolvimento de instrumentos intelectuais para facilitar as capacidades reflexivas, coletivas sobre a própria prática docente. O grupo colaborativo foi composto por três professores da instituição, com escolaridade diversificada, indo do Curso de Magistério e de Graduação incompleta, até a Especialização, além de duas professoras-pesquisadoras externas à instituição, sendo uma estagiária de Artes e a autora da pesquisa, ambas mestrandas do P.P.G.E.M23. O processo de observação / investigação teve início ao final de um ano letivo de 2005 e desenvolveu-se durante o ano letivo de 2006, através de várias inserções de nossa parte nas atividades pedagógicas da instituição, envolvendo: entrevistas com os professores, reuniões para elaboração das atividades que seriam desenvolvidas e de avaliação e aulas de aplicação na sala com os alunos. Nesta pesquisa de caráter qualitativo, utilizamos como instrumento de coleta de dados: diários de campo, anotações e registro visual, usando variadas fontes dentre elas: as falas dos professores, as observações realizadas ao longo do seu desenvolvimento e fotografia. Desenvolvimento metodológico das práticas de ensino diferenciadas As práticas de ensino diferenciadas foram desenvolvidas e aplicadas em dois momentos. No primeiro, em sala de aula, com a participação da professora de Matemática da turma e das professoras pesquisadoras, e no segundo, em que os alunos são deslocados para o Laboratório de Informática junto com as professoras pesquisadoras e os professores de Matemática e de Informática da Instituição. Ao todo foram realizadas seis atividades junto aos alunos surdos, assim denominadas: Primeiro Momento:

• Construindo a Trilha das Cores e das Formas; • Formas Geométricas no Cotidiano; • Conhecendo outras experiências; • Utilizando o bloco lógico.

Segundo Momento: • Utilizando Programa Paint; • Utilizando o Programa Paint 2.

Neste estudo apresentaremos a atividade “Construindo a Trilha das Cores e das Formas” mostrando as ações que foram desenvolvidas e a reflexão realizada pelos professores do grupo colaborativo durante a atividade. Algumas atividades em ação e as necessidades. formativas dos professores

23 Programa de pós-graduação em ensino de ciências e matemáticas

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Iniciamos as atividades através da utilização de um jogo chamado de “Construindo a Trilha das Cores e das Formas”, que visa estimular, através de brincadeiras, o aprendizado e a discriminação das cores primárias e secundárias.e as formas geométricas como: triângulo, círculo, quadrado e retângulo. O jogo é constituído de um tapete contendo várias figuras geométricas, conforme (figura 1), cada um de uma cor, primária ou secundária; de um dado, com seus lados possuindo as mesmas cores presentes no tapete; e de uma tabela com uma regra específica para cada cor. Por exemplo, se a face do dado caísse no vermelho, o aluno ficaria uma rodada sem jogar; se caísse no verde, o aluno andaria mais uma casa; se caísse no azul, voltaria duas casas; e assim por diante.

Figura 1 – Jogo “ Construindo a Trilha das Cores e das Formas”. Foram explorados com o jogo, os seguintes exercícios: Escrever as formas geométricas. Dar o nome das figuras. Identificar as cores primárias inicialmente. Em seguida como fazer para obter as secundárias. No segundo turno realizamos o segundo momento da pesquisa, com a atividade “Utilizando o Programa Paint”. Os objetivos para os alunos são: Fixar os conteúdos trabalhados na sala de aula; Construir as figuras geométricas utilizando o aplicativo Paint; Identificar os nomes das figuras geométricas; Reconhecer as cores primárias e secundárias; Desenvolver a autonomia utilizando o computador. A atividade tinha por objetivos para os professores: Verificar como foi o desenvolvimento e a relação professor-aluno; Pontuar quais as suas necessidades de formação para a realização das atividades. No Laboratório os alunos teriam que construir utilizando o aplicativo Paint as figuras geométricas, colocar os seus nomes, e colorir os desenhos e utilizar as cores primarias para formar as secundárias e fazer o seu reconhecimento. A seguir ver (Figura 2) onde mostramos alguns trabalhos dos alunos.

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Figura 2 – Atividade realizadas pelo Aluno E e pela Aluna E no Laboratório de Informática Os alunos ao primeiro contato reagiram muito bem, pois a aula de Informática era muito esperada por eles. Todos estavam ansiosos, apontando para o braço e mostrando o horário todo o tempo para as professoras. O comportamento dos mesmos durante a atividade foi totalmente diferente do que eles apresentaram na sala de aula, após as explicações necessárias para o desenvolvimento das mesmas notamos que, se portaram com mais autonomia, alguns quase não necessitando de ajuda do professor e professoras. Em alguns momentos notamos que eles confrontavam entre si os resultados obtidos, trocando ponto de vistas sobre a melhor forma de realização da tarefa. Considerações Finais Neste estudo, a partir das falas e discussões ocorridas durante o desempenho das atividades e do grupo colaborativo refletimos sobre os problemas, dificuldades, desejos e carências sentidas pelos professores no desenvolvimento das mesmas. Um assunto bastante comentado foi à importância das aulas de informática para os alunos surdos, a mudança de comportamento que ocorre quando eles estão na sala de aula regular e quando estão no Laboratório. Todos refletimos, sobre a necessidade do professor ter domínio do uso do computador para auxiliar o aluno na hora da realização das tarefas, conhecer sobre programas, softwares e principalmente não se comportar apenas como um técnico, um ‘ligador de máquinas’ como foi comentado e sim um facilitador do processo. Nesta aula ficou esclarecida após as nossas discussões/reflexões a importância que tem do planejamento das atividades quando realizamos práticas de ensino diferenciadas, além de conhecimentos conceituais sobre interdisciplinaridade, de forma a não privilegiar apenas um conteúdo de ensino. A importância de o professor saber lidar com as situações do erro, quando este se manifesta, foi outro ponto destacado. Saber lidar de forma a transformar o erro em conhecimento pelo aluno e não interferir dando aos mesmos soluções prontas perdendo a oportunidade de levá-lo a fazer descobertas.

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Outro aspecto que destaco é a relação professor-professor que por conta das diferentes opiniões precisa ser muito bem trabalhada. A natureza do nosso estudo requer que as pessoas troquem pontos de vistas, critiquem, emitam opiniões sobre o trabalho do outro e sabemos que em nossa formação não tivemos este tipo de preparação evidenciando-se, portanto, mais uma necessidade de formação do professor. . Nesta situação fica bem definido que a partir das situações vivenciadas em sala de aula e que se caracterizaram como carências, necessidades, expectativas, dificuldades e problemas o grupo refletiu sobre a situação e conseguiram encontrar soluções viáveis, que lhes possibilitaram melhorar a sua formação profissional. Referências ESTRELA, M.T; MADUREIRA,I; MOREIRA,J; ESTEVES,M. Necessidades de formação contínua de Professores: uma tentativa de respostas a pedidosor de Centro de Formação.Revista de Educação,vol VII, nº 2, p.129-149,1989. GARCIA, C.M. Formação de professores – para uma mudança educativa. Lisboa: Porto Editora, 1999 (Coleção ciências da educação).. IMBERNON, Francisco. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2002. SILVA, Maria O. E. S. A análise de necessidades de formação na formação continua de professores: Um caminho para integração escolar. 2000. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2000.

Relatos de Experiência

O Teodolito e a Produção de Conhecimentos sobre Razões Trigonométricas

Leandro do Nascimento Diniz24 Introdução: um mini flashback Retornei para a escola em 2007, após concluir o Mestrado, e encontrei um panorama bem diferente do que tinha em 2004. Poucos alunos da 6ª série ao 3º

24 Mestre em Educação Matemática pela UNESP. Home Page: www.grupoemfoco.com.br/leandro. Membro associado do GPIMEM (Grupo de Pesquisa em Informática, outras Mídias e Educação Matemática) e membro do grupo EMFoco (Educação Matemática em Foco. E-mail: [email protected]

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ano, com apenas uma turma de cada e a 5ª série possuindo duas turmas (em 2004, havia cerca de 22 salas no turno que trabalho). A escola tinha se tornado de tempo integral (em que o aluno entra as 7:30h e só retorna para casa às 16h, com direito a três refeições diárias). A indisciplina também estava alta. A equipe pequena de professores e a nova direção, assumida após dois meses de greve, fez uma verdadeira reviravolta, iniciando o processo de mudança (apesar das tentativas da diretora anterior e do início de algumas mudanças). Atividades diferenciadas, como sala de música e sala de informática, foram reorganizadas e atualizadas. Apesar da primeira sempre funcionar muito bem, a segunda havia problemas que aos poucos foram minimizados, com uma melhor gestão. Assim, senti um ambiente propício para desenvolver um bom trabalho após a greve (que iniciou após o término do primeiro bimestre). A oitava série era tida como uma boa turma, por quase unanimidade dos professores. Os alunos tinham, de modo geral, adequado a qualquer metodologia de ensino. Por outro lado, notei que possuíam dificuldades com uma Matemática “técnica”, como na resolução de equações. Busquei, a partir do terceiro bimestre, trabalhar com atividades tipo oficina de Matemática. Assim, os alunos tiveram uma produção melhor, por exemplo, devido ao fato de trabalharmos com geometria: semelhança de figuras planas. Aos poucos, fui comentando com os alunos sobre o cálculo de altura de objetos inacessíveis como postes ou prédios, como se os preparasse, gerando o vírus da curiosidade. Assim, iniciamos um novo projeto. Medindo com o Teodolito Este foi o nome que demos a este projeto. Os alunos iniciariam este novo conteúdo com uma atividade investigativa.

Os alunos podem formular questões e planejar linhas de investigação de forma diversificada. Eles podem participar do processo de investigação. Num cenário para investigação, a fala “o que acontece se...” deixe de pertencer apenas ao professor e passa a poder ser dita pelo aluno. E outra fala do professor, “Por que é dessa forma...?”, pode desencadear a fala do aluno “Sim, por que é dessa forma...?”. (ALRØ; SKOVSMOSE, 2006, p. 55-56).

Inicialmente, os alunos foram divididos em quatro grupos, em que cada um realizaria medições: - do primeiro prédio; - do segundo prédio; - da quadra esportiva; - do pátio. O objetivo é que representassem de modo semelhante, estas partes da escola. Assim, eles perceberam que teriam que fazer medições. Fitas métricas foram disponibilizadas. Eles construíram o teodolito com material reciclado (copo de requeijão usado, cópia de um transferidor e um canudo), o qual é sugestão do

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livro didático adotado (DANTE, 2005) e que também encontrei em reportagem do site da Revista Nova Escola25. Os alunos fizeram diferentes medições. Um grupo representou a fachada do prédio principal da escola. Assim, medidas de janelas, portão e alturas do prédio e das janelas precisam ser encontradas. Algumas dessas medidas foram encontradas com a fita métrica ou com a trena, como se pode perceber na foto:

Para encontrarem a altura do prédio, a equipe que mediu a fachada do segundo prédio da escola, precisou utilizar o teodolito. Enquanto isto, eles também anotavam as medições num rascunho.

25 Confira em: http://novaescola.abril.com.br/ed/117_nov98/html/sucata.htm.

Equipe dos alunos Lucas, Magno, Hélio Pascoal, Ionara e Adson medindo a fachada do prédio principal.

Júlio César, Larissa, Josias e Valéria estão medindo o ângulo formado entre a altura do prédio e a horizontal.

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Na figura, temos o ângulo medido com o teodolito (no caso, 30º), entre parte da altura do pátio e a horizontal. Além disso, os alunos encontravam a distância do teodolito até a parede (c). A altura (h) do teodolito até o chão foi medida. Assim, para calcular a altura da parede precisava encontrar o valor de b + h. Flávia observando, com o teodolito, o ângulo formado entre a horizontal e a altura do pátio interno da escola. Sabrina realizava as anotações.

h

a

c

b

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Depois das medições, os alunos retornaram para a sala e começaram os cálculos. Neste momento, introduzi o conteúdo razões trigonométricas, comentando um pouco da parte histórica do conteúdo, como no caso que usando uma estaca de madeira e a sua sombra, pode-se encontrar a altura da pirâmide do Egito como os seres humanos faziam antigamente, a partir da sua sombra. Cálculos realizados pela equipe de Edson, Carla, Flávia, Priscila e Sabrina

Desenho da fachada do segundo prédio da escola.

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Após isto, os alunos escolheram uma escala e representaram no desenho a parte da escola que escolheram. Tivemos alguns problemas quanto a prazos e um grupo que perdeu parte das medições. Considerações Finais Priscila: Eu aprendi a achar um ângulo com o teodolito e eu achei o projeto muito legal, porque eu nunca tinha feito uma coisa daquele jeito e uma coisa fácil, você pensa que é difícil, mas não é, quando a gente pega o jeito, eu vou longe. Gilsa: O projeto, na minha opinião, foi muito bom, um assunto assim diferente e em equipe para complementar além de ter aprendido a medir, fazer cálculos, aprendemos também a criar a “paradinha” do copo com o canudinho [o teodolito] para medir o comprimento. Carla: O projeto tá muito bom! Eu gostei muito, pois além de ser divertido, eu aprendi umas coisas que eu não sabia, como medir com o teodolito. Estes são alguns dos relatos realizados pelos alunos, quando escreveram a auto-avaliação, ao serem questionados sobre o Projeto. No papel de professor, chamou a minha atenção um aluno, de uma turma que não era professor, pois ele perguntou, em tom de curiosidade, o que era, o que estávamos fazendo. Respondi e ele me disse: “hum, que interessante...”. Isto mostra que também despertou a curiosidade de outros alunos. Os depoimentos acima dos alunos da oitava série (que retratam a visão dos alunos da sala, de modo geral) e deste aluno de outra série, traduzem que este resgate da construção e da reconstrução da altura de objetos com medição, usando a fita métrica ou a trena, é possível, apesar de ser de difícil condução. É um importante passo para retomar um processo histórico vivenciado pelo ser humano (MENDES, 2006). Com isto, a diretora da escola me cedeu uma sala para ser transformada em Laboratório de Educação Matemática. Assim, teremos um ambiente mais adequado para a produção de materiais manipuláveis e concretos, possibilitando a continuidade do processo de criação de novos cenários para investigação. Atualmente, a escola tem a perspectiva de crescimento do número de turmas para 2009, pelo bom trabalho que tem feito em parceria com a comunidade. Referências ALRO, H.; SKOVSMOSE, O. Diálogo e Aprendizagem em Educação Matemática. Traduzido por: Figueiredo, O. A. Tradução de: Dialogue and Learning in Mathematics Education: Intention, Reflection and Critique. 2002. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. DANTE, L. R. Tudo é Matemática. São Paulo: Ática, 2005. MENDES, I. A. Matemática e Investigação em sala de aula: tecendo redes cognitivas na aprendizagem. Natal: Flecha do Tempo, 2006.

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Resenhas HERSH, R. DAVIS, P.J. A experiência matemática. Lisboa, Gradiva – Publicações, L.da, 1995, 401 páginas. Tradução: Fernando Miguel Louro e Ruy Miguel Ribeiro. Título original em inglês: The mathematical experience, 1981, by Birkhauser Boston.

Maria Auxiliadora Lisboa Moreno Pires Doutoranda em Educação – UFRN

O livro “A experiência matemática” de autoria dos professores Philip J.

Davis, professor de matemática aplicada na Brown University e Reuben Hersh, professor de matemática na Universidade de New México em Albuquerque é significativo e de fundamental importância para entender a natureza da atividade matemática e a sua posição na sociedade. Embora o título possa sugerir ao leitor tratar-se de um texto específico de matemática, o trabalho dos professores Davis e Hersh acaba por ser uma contribuição mais extensiva e profunda e documentada sobre a inesgotável diversidade que a experiência matemática apresenta. Segundo os autores este é o objetivo principal do livro. Não é um livro de matemática é um livro sobre a matemática e isso faz toda a diferença, pois discute também a história e a filosofia da matemática.

Trata-se de uma obra de elevado padrão de qualidade científica que apresenta e seduz estudantes e professores numa discussão sobre a experiência matemática. O livro é constituído de oito capítulos seguidos de textos de leituras complementares, temos ainda os seguintes elementos pré-textuais, o prefácio, agradecimentos, apresentação e uma introdução. Como elementos pós-textuais têm um glossário e a bibliografia. Em um estudo dessa natureza, não é muito fácil chegar aos resultados que Davis e Hersh chegaram, a não ser que se utilize todo o esforço reflexivo e toda a experiência acumulada em décadas de pesquisa, reflexão e prática. Logo no prefácio podemos ver a extensão desses registros sobre a inesgotável diversidade que a experiência matemática apresenta. A evolução do conhecimento matemático em quatro ou cinco milênios é impressionante. Surgiu um vasto corpo de práticas e conceitos que designamos por matemática e que tem sido ligada a nossa vida cotidiana. São inúmeras as informações e o recorte que se faz é o registro da diversidade, da essência da matemática, a história, filosofia e o processo de descoberta do conhecimento matemático. Na verdade, apesar do livro ter dois autores foi escrito com o uso do pronome eu, uma vez que cada um dos autores concorda de uma forma geral, com as opiniões do outro. Nesta resenha também usaremos o pronome na primeira pessoa do singular para se referir aos autores.

Com a experiência de quase quinze anos de ensino de matemática, para todos os níveis e áreas diferentes ensinar uma cadeira de Fundamentos da Matemática para uma turma mista de matemática, ensino e filosofia era uma situação nova, desafiadora. Uma coisa era fazer matemática, demonstrar teoremas e aplicações outra era falar sobre a matemática. A busca por este aprendizado, por respostas levou ao livro que segundo o autor é fruto de anos de reflexão, escuta e controvérsias. Com rara felicidade, sem fazer média com todas as teorias e estruturas significativas da matemática, o autor consegue integrá-las ao longo dos capítulos do livro numa “síntese orgânica” preciosa, que incorpora as contribuições das diversas formulações filosóficas, históricas e culturais da matemática, que sem

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dúvida alguma, faz avançar a reflexão e, certamente, o conhecimento sobre a matemática. O livro consegue comunicar ao leitor uma visão de beleza encantadora sobre a matemática

No capítulo 1, ‘A paisagem matemática’, o autor vai garimpando uma série de elementos necessários para tratar da diversidade da experiência matemática na medida em que faz uma reconstituição histórica através da formulação de questões sobre Que é matemática? Onde está a matemática? Quanta matemática se conhece hoje? Quanta matemática poderá existir? Sobre a comunidade matemática destaca através das palavras “que não há cultura, por mais primitiva que seja que não demonstre possuir uma espécie rudimentar de matemática” uma série de correntes de atividade matemática desde o Egito e a Mesopotâmia, até o presente, incluindo-se a corrente chinesa, japonesa, a hindu e a inca-asteca são discutidas no texto.

Segundo o autor hoje em dia não há praticamente um único país no mundo que não crie matemática nova. Então temas como as ferramentas do ofício, o dilema de Ulam e os dois apêndices ao capítulo 1, os apêndices A e B. O apêndice A apresenta uma tabela cronológica até 1910, que começa no ano de 2200 a. C. com as tabuinhas matemáticas de Nippur até a referência matemática aos trabalhos de Russell, Whitehead sobre lógica matemática. O apêndice A inclui uma breve cronologia da matemática chinesa antiga. No apêndice B temos um quadro com a comparação da classificação da matemática entre 1868 e 1979, onde vemos que até o ano de 1868 tínhamos trinta e oito subcategorias e em 1979 esse número pula para 3400 subcategorias. “A variedade da experiência matemática” é o título do capítulo seguinte, onde primeiramente, o autor repassa, criticamente, as matrizes da consciência individual e da consciência coletiva. Aí se encontra o cerne deste capítulo e a contribuição do autor para a compreensão do processo do estado atual do conhecimento matemático. As motivações e aspirações dos matemáticos, como Gauss ou Newton, ou o próprio Arquimedes, trata-se segundo os autores de motivações diferentes. Não fala aqui do que é mais ideal, ou melhor, de quem sabe mais e, sim que é preciso ter em mente a rede de consciência, para compreender a matemática de um ou outro período, para isso é necessário estar ciente da consciência pessoal e da consciência coletiva da altura. O autor dedica o melhor de seu empenho e talento para mostrar os níveis de experiências matemáticas que vão mudando de um foco para outro. Davis e Hersh trazem ainda uma discussão sobre o matemático ideal, através da descrição das características deste matemático tomado como mais representativo de sua categoria para mostrar as diferenças entre o trabalho e a atividade concreta do matemático e a forma como ele percebe o seu trabalho e atividade. Há um curioso diálogo entre o personagem representado pelo matemático ideal e um funcionário de relações públicas encarregado de apresentar a imprensa o trabalho do matemático. Essa tarefa aparentemente simples revela-se altamente frustrante para o funcionário que não consegue estabelecer um diálogo fácil com o matemático. Em seguida aparece um novo diálogo entre um estudante de licenciatura e o matemático, o que aparentemente seria mais fácil, pois ambos têm em comum o interesse pela matemática. Tal fato não acontece o que evidencia uma das características marcante do matemático ideal que é a super especialização na área de trabalho, pois somente poucos “iniciados” conseguem detectar os sinais compreensíveis de sua teoria para estabelecer uma comunicação. Esse recurso do diálogo é repetido

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com um filosofo positivista e um novo personagem, um clássico céptico. Percebe-se em todos os diálogos a enorme dificuldade de comunicação entre o matemático e os personagens. “O olhar de um físico sobre a matemática”, “I.R. Shafarevitch e o novo neoplatonismo”, “Heterodoxias”, “O indivíduo e a cultura” são os temas abordados ainda neste capítulo que em síntese discute a relação entre o indivíduo e a cultura. A produção e o acúmulo do conhecimento matemático obedecem a um sistema dinâmico de explicações, de organizações coerentes com a consciência coletiva de uma determinada comunidade, na medida em que abrange não só as dimensões analíticas, os códigos as formas de representação social (intrínsecas e extrínsecas), como também as que dizem respeito à natureza do ato de conhecer (substantivas e instrumentais), todas elas referenciadas aos respectivos critérios de relevância (dimensão cultural).

O capítulo 3 trata das questões externas e no capítulo 4 por sua vez, temos as questões internas, os dois capítulos apresentam respectivamente os modelos matemáticos, a sua utilidade e aplicações e os objetos e estruturas matemáticas. As questões externas à matemática desvelam as percepções dos indivíduos sobre a matemática, o poder atribuído a ela, a sua força, de onde vem? As várias visões da matemática são apresentadas e analisadas. A visão platônica que traz a noção da existência da matemática separada do mundo, dos seres humanos, em um mundo à parte, no mundo das idéias, ou que a matemática e suas aplicações surgem por decreto, outras visões filosóficas aparecem neste capítulo. Desde a antiguidade a matemática é a do espaço e da quantidade, atualmente, e considerada a ciência do padrão e da estrutura dedutiva, para os gregos foi considerada a ciência do infinito, temos também a relação com a intuição religiosa, com o poder atribuído pelo divino. Sobre a utilidade matemática temos várias associações com elementos estéticos, filosóficos, históricos, psicológicos, pedagógicos, comerciais, científicos, tecnológicos e matemáticos, o que transparece o caráter multidisciplinar da matemática aplicada. Tem-se a impressão que apesar da extensa discussão sobre matemática pura e aplicada, sobre modelos e aplicações não se esgota as revelações das idéias matemáticas, concordo com o autor quando diz que há ainda muito poder criativo à sombra da figueira.

Todo o desenvolvimento do capítulo 4, sobre as questões internas à matemática refere-se aos elementos estruturais relacionados à ação matemática, como os símbolos, associados a conceitos ou imagem mental, o processo de abstração, a generalização, a formalização, a demonstração, os objetos e estruturas matemáticas. Há uma interessante discussão sobre a expressão “objeto matemático” que segundo o autor essa expressão leva-nos a crer que esse objeto em questão existe que sua existência está bem definida, porém, esta noção levanta várias dificuldades lógicas e psicológicas. Sobre o poder da demonstração que sugere sempre nova matemática. Para Davis e Hersh a demonstração e a própria energia da matemática, é a força que dá vida aos teoremas, aos enunciados, para eles a demonstração é a celebração, da força da razão.

Vale a pena, neste ponto da resenha ressaltar o trabalho de Davis e Hersh, impressiona a pesquisa histórica, os exemplos que seriam impossíveis reproduzirem tal a riqueza de detalhes, a preciosidade das observações das leituras selecionadas e o espaço que demandaria neste trabalho. É interessante registrar que o autor no capítulo 5 dedicou-se a mostrar conteúdos de matemática,

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denominados de tópicos escolhidos de matemática, no total escolheu seis. A teoria dos grupos finitos simples, o teorema dos números primos, geometria não euclidiana, teoria de conjuntos não cantoriana, análise não standarlizada e análise de Fourier. Abordar esses conteúdos mesmo de uma forma simples, básica é uma escolha cuidadosa do autor que recomenda para o leitor menos preparado passar para o capítulo seguinte, o que é uma das características do livro. Os ensaios ou capítulos podem ser lidos separadamente sem obedecerem a ordem estabelecida no livro. A experiência docente do autor nos anos de ensino e a sua disposição para aproveitar a oportunidade de ensinar tantas cadeiras diferentes para investigar, pesquisar, aprender é evidenciado nas discussões metodológicas na abordagem dos conteúdos matemáticos.

Ensinar e aprender e o curioso título que abre o capítulo 6, “Confissões de um professor de matemática do ensino preparatório?” revelam questões presentes no ensino da matemática, passando pelas atitudes do professor, livros, materiais e recursos didáticos para a aula de matemática. A crise na compreensão dos assuntos e pedagogia na sala de aula mostra as dificuldades enfrentadas pelo professor na resolução dos problemas, nas demonstrações matemáticas. Há no capítulo uma referência ao matemático George Pólya, um matemático brilhante e um professor brilhante como um exemplo de um caso concreto para o autor, de mestres que conseguem transmitir estratégias e percepções das suas experiências. A arte da descoberta de Pólya, a criação de matemática nova, estética comparativa e aspectos não analíticos da matemática são temas que são abordados neste capítulo.

No capítulo seguinte, Davis e Hersh retoma o tema da filosofia na busca de um diálogo esclarecedor sobre os diferentes modos de compreendermos a matemática, afinal repetindo as perguntas formuladas pelo autor, o que sabemos em matemática? e como sabemos? Neste capítulo ao analisar os correntes filosóficos presentes nas discussões sobre os fundamentos da matemática, aborda o platonismo, o formalismo e o construtivismo. A filosofia perde o sentido se não for criticamente discutida e é exatamente, o que o capítulo 7 nos traz ao discutir sobre platonismo, formalismo e construtivismo. Acredito que é oportuno relembrar características dessas correntes chamadas pelo autor de dogmas-padrão sobre a essência do pensamento matemático. No platonismo, a matemática está no mundo das idéias platônicas, existe independente dos homens. Os objetos matemáticos são entes ideais, não são físicos ou materiais, existem fora do tempo e do espaço da existência física. São imutáveis. De acordo com o formalismo, não existe nenhum objeto matemático. A matemática consiste apenas em axiomas, definições e teoremas – por outras palavras, em fórmulas (p.300). Em oposição a essas duas correntes, o construtivismo considera matemática genuína apenas o que pode ser obtido por uma construção finita. Nesta corrente, considera-se que “os objetos matemáticos não podem ser considerados existentes, se não forem dados por uma construção, em número finito de procedimentos, partindo dos números naturais.

O capítulo 7 trata ainda do mito de Euclides, das verdades acerca do universo, claras e indubitáveis, associadas aos livros de Euclides. É um ensaio profundo sobre filosofia da matemática, onde são citados os trabalhos de filósofos como Russel, Frege Wittgenstein e Lakatos com as críticas das velhas respostas no campo da filosofia da ciência

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Finalmente, Davis e Hersh concluem o estudo refletindo sobre um trabalho de Karl Popper, trazendo um oportuno comentário a cerca da realidade matemática, no último capítulo do livro, sobre a realidade matemática. Nessa análise do contexto para o qual Popper introduziu os termos mundo 1, 2 e 3 para distinguir três níveis de realidade, ou seja, o mundo físico é o 1, o mundo da consciência que surge no decurso da evolução biológica, que inclui realidades não físicas, como pensamentos, consciência pertencem ao mundo 2 e o 3 onde a matemática se encontra e a experiência matemática se ajusta sem distorção, podemos citá-lo em um dos momentos fortes do livro: O terceiro mundo emerge do processo natural da evolução onde apareceram a consciência social, as tradições, a linguagem, as instituições sociais, toda a cultura não material da humanidade. A sua existência é inseparável da consciência individual dos membros da sociedade. Contudo, elas são diferentes do fenômeno da consciência individual. Tem de ser compreendidas a um nível diferente. Este é o mundo onde se encontra a matemática (p.377).

Os trabalhos de Lakatos e de Popper mostram que a filosofia moderna é capaz de aceitar a veracidade da experiência matemática. Isto significa aceitar a legitimidade da matemática tal como ela é: falível, corrigível e com significado (p.378).

Foi muito bom ler o livro de Davis e Hersh. È muito bom indicar sua leitura aos pesquisadores, estudantes e professores de matemática, enfim aos educadores, pois o livro é maravilhoso.

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Lançamentos

Investigação histórica no ensino da Matemática Autor: Iran Abreu Mendes Editora: Ciência Moderna Ano: 2009

A Matemática no Século de Andrea Palladio Organização: Iran Abreu Mendes Editora da UFRN Ano: 2009

Os Elementos Autor: Euclides Tradutor: Irineu Bicudo Ano: 2009

Educação Matemática: Relatos de pesquisa e materiais didáticos Organização: Márcia Gorette Lima da Silva e Tereza Cristina Leandro de Faria Ano: 2009

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Normas para Publicação 1) Os textos devem ser inéditos, e enviados unicamente em arquivo formato "DOC", por via eletrônica para [email protected] 2) O texto deverá conter título, seguido do(s) nome(s) do(s) autor(es) e da(s) respectiva(s) instituição. 3) O texto deverá ser digitalizado em Word para Windows, formato A4, fonte Times New Roman, corpo 12, recuo 0, espaçamento 0, alinhamento justificado e entrelinhas 1,5. 4) O texto não deverá superar 10 páginas para artigos, 8 páginas para relatos de experiência e 5 páginas para resenhas, obedecendo as normas da ABNT. 6) No final do trabalho, em ordem alfabética, devem ser incluídas as referências bibliográficas do texto, obedecendo as normas atuais da ABNT. 7) Os textos submetidos já devem ser apresentados com revisão vernacular e ortográfica realizada previamente de acordo com o atual acordo ortográfico. 8) Os textos com que tiverem figuras escaneadas deverão ter as mesmas enviadas em documento separado, além daquela presente no texto. As figuras devem ter resolução formato TIF ou JPEG com 300DPIs. 9) Os textos publicados nesta revista representam a expressão do ponto de vista de seus autores e não a posição oficial da revista ou do Grupo de estudos em Matemática e Cultura.

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Esta edição contou com o apoio de

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