remedios usados por escravos
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Universidade Severino Sombra
Programa de Mestrado em História
Rosilene Maria Mariosa
Tratamento e Doenças de Escravos da Fazenda
Santo Antonio do Paiol
1850-1888
Vassouras/2006
Rosilene Maria Mariosa
Tratamento e Doenças de Escravos da Fazenda
Santo Antonio do Paiol
1850-1888
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Mestrado em História (área de concentração em História Social) da Universidade Severino Sombra, para obtenção do título de Mestre em História, orientada, pela Profª Miridan Britto Knox Falci.
Vassouras/2006
Folha de Aprovação
Tratamento e Doenças de Escravos da
Fazenda Santo Antonio do Paiol.(1850-
1888).
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Mestrado em História (área de concentração em História Social) da Universidade Severino Sombra, para obtenção do título de Mestre em História, orientada pela Profª Miridan Britto Knox Falci.
Banca Examinadora
________________________________________________________Presidente
_______________________________________________________________________________
1º Examinador
_________________________________________________________________ 2º Examinador
Vassouras, RJ, ____/_____/2006.
A Voz do Escravo
Sorri-me o gozo no porvir eterno! Aspiro a morte para erguer-me aos céus!
P. Caldas
Escravo -sofro meus grilhões tiranos!
Cruéis enganos de brutal senhor. Sofro rigor d’um viver austero;
E nada espero que m’abrande a dor!
Roubado à força de meu lar querido; Eu fui vendido por cobiça insana;
Maldita gana de voraz riqueza Triste fraqueza d’ambição humana!
África farta, de sublime encanto;
Eu te amei tanto, com amor sincero. Hoje em vão quero desfrutar-te um pouco;
Mas ah... sou louco, meu senhor é fero.
Cruel martírio de sinistra sorte! Que dor tão forte m’avassala o ser! Antes morrer que viver penando. Suspiros dando sem alívio ter.
Solta-me oh! Fado, deste jugo atroz! Que tão feroz me acabrunha a vida.
È triste a lida do viver cativo. Em fogo vivo de ventura infinda.
A vida passo desditosa e feia.
Dura é a cadeia, que me deu a sorte! Seu peso é forte, meu viver é fero.
Só alívio espero, encontrar na morte!
Jornal: A Fênix, 1867.
Agradecimento
Dedico esta pesquisa a algumas pessoas que estão guardadas no
meu coração para sempre.
À minha querida sobrinha Maria Fernanda que está sempre por perto
dizendo: “Titia posso te ajudar a fazer esta pesquisa”.
À minha família pelo apoio nas horas de sucesso e de dificuldades.
Especialmente ao meu pai, companheiro de viagem para todos os lugares por
onde pesquisei.
Ao companheiro e amigo Professor Jorge Luiz Prata de Souza, pelo
incentivo, carinho e atenção que me dedicou. Abrindo-me às portas para novas
possibilidades, referente à pesquisa científica e ao mundo da escravidão.
Á minha querida orientadora Professora Miridan Britto Knox Falci que me
acolheu como filha, orientando-me e dando tranqüilidade no momento mais difícil
do curso.
Aos professores Ana Maria da Silva Moura, Lincoln de Abreu Penna, meus
primeiros incentivadores.
À professora Márcia Amantino, por abrir caminhos através de seu vasto
conhecimento sobre a escravidão brasileira.
Às professoras Surama Conde Sá Pinto e Claudia Andrade dos Santos que
participaram da banca de qualificação, contribuindo através de seus
conhecimentos para o meu crescimento profissional e pessoal.
À professora Célia Loureiro Muniz In memorian, que com seu sorriso
amigo, muito me incentivou. “Professora você estará para sempre no meu
coração esteja onde estiver”. À professora Maria Yedda L. Linhares, que é um
exemplo de vida.
Às amigas Vitória e Maria Cristina que me incentivaram o tempo todo.
Vocês também fazem parte da minha família.
Ao Padre Sérgio e Frei Geraldo da Congregação dos Orions, responsáveis
pela preservação do acervo da família por me acolher na fazenda possibilitando a
pesquisa. E ao Padre Medoro da Catedral de Valença.
Á professora Márcia Soares de Almeida, pelo incentivo, sempre adaptando
meus horários de aula a cada semestre, para que eu não faltasse às aulas.
Também aos meus colegas de trabalho que estão sempre perguntando
como vai a pesquisa especialmente a Claudia Cristina Cosma Alves que carregou
muito livro pesado para me ajudar.
Finalmente agradeço a Deus por permitir que este trabalho se realizasse.
Agradeço ainda as pessoas e instituições:
Aos colegas de curso pelo incentivo. Aos novos amigos Adriano, Marilda
Sidney e Lúcia de Valença que se dispuseram a me ajudar sem nem me
conhecer.
Ao Senhor Heraldo dono da farmácia mais antiga de Juiz de Fora, que com
seus quase 90 anos, buscou nos fundos de sua farmácia o precioso Chernoviz e
com muito carinho me emprestou possibilitando o desenvolvimento da pesquisa.
À Direção do Museu da Santa Casa de Misericórdia de Valença, na pessoa
de Dona Vanda, que me recebeu com muito carinho. Ao Centro de
Documentação Histórica da Universidade Severino Sombra, e ao Museu da
Justiça do Rio de Janeiro, que guarda parte do acervo da Família Esteves.
Resumo: Esta dissertação trata de um resgate histórico da documentação da Família do Comendador Manoel Antonio Esteves, proprietário da Fazenda Santo Antonio do Paiol, localizada na região do Vale do Paraíba Fluminense, no município de Valença, estado do Rio de Janeiro. Este acervo contém cartas, inventários, documentos financeiros de compra e venda de instrumentos agrícolas e de compra de medicamentos para a enfermaria do hospital dos escravos. Além de toda esta documentação a fazenda possui ainda em seu acervo uma farmácia utilizada para o tratamento das enfermidades de seus escravos, composta por uma grande quantidade de frascos de medicamentos, bem como algumas receitas médicas que nos permitem aproximar das medidas empregadas pelos fazendeiros escravistas após 1850 nos cuidados com a saúde e tratamento de seus escravos. Palavras-chave: Escravidão - Doenças - Medicamentos -Receitas Médicas
Abstract This dissertation deals With a historical recovering of Comendador Manoel Antonio Esteves family documentation, Santo Antonio do Paiol farm owner, located in the region of Vale do Paraíba Fluminense, in Valenças town, Rio de Janeiro State. This archive is formed by letters, inventories, financial documents of purchase and sale of agrarian tools, and sale of medicines for slaves’ hospital. Besides all this documentation, the farm has in its archive a drugstore used for treating the slaves’ illness. The drugstore is formed by a big number of medicines as well as medical recipes which allow us to approach the procedures used by the slaver farmers, after 1850, on their slaves’ health care and treatment. Key-words: slavery; illness; medicines; medical recipes.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO:......................................................................... 11
CAPÍTULO: 1 – VALENÇA: UM PANORAMA HISTÓRICO. 1.1 - Valença: do Sertão à Cidade..................................................................... 28
1.2 - Epidemias e Saúde Pública em Valença................................................... 35
1.3 - Assistência Hospitalar............................................................................... 38
1.4 - O Lugar do Negro na Sociedade Valenciana............................................ 38
2- HISTORIOGRAFIA DA DOENÇA E PRÁTICAS DE CURA NO BRASIL. 2.1 - A Medicina Indígena.................................................................................. 45
2.2 - O Indígena e as Doenças............................................................................ 46
2.3 - Medicina dos Negros, suas Doenças e a Cura........................................... 47
2.4 - Medicina Jesuítica....................................................................................... 48
Mapas ................................................................................................................. 57
Mapa I ................................................................................................................. 62
Mapa II ................................................................................................................ 63
Mapa III ............................................................................................................... 64
CAPÍTULO: 2 A FARMÁCIA. 2.1 - O legado da Farmácia................................................................................ 66
2.2 - Os Primeiros Fármacos.............................................................................. 67
2.3 - A Arte dos Boticários.................................................................................. 69
2.4 - Farmacêuticos e Médicos no Brasil do Século XIX................................... 72
2.5 - Chernoviz, o Doutor da Capa Preta............................................................ 75
2.6 - A Farmácia da Fazenda Santo Antonio do Paiol, pertencente ao hospital
dos Escravos........................................................................................... 77
2.7 - Substâncias da Farmácia Santo Antonio do Paiol...................................... 81
2.8 - Doenças dos Escravos da Fazenda Santo Antonio do Paiol...................... 85
CAPÍTULO: 3 ENFERMIDADE VERSUS TRATAMENTO NA FAZENDA SANTO ANTONIO DO PAIOL. 3.1 - Enfermarias dos Hospitais dos Escravos das Grandes Fazendas do Vale
do Paraíba Fluminense....................................................................................... 91
3.2- Higiene nas Enfermarias dos Escravos....................................................... 93
3.3 - Práticas Médicas nas Enfermarias............................................................. 93
3.4 - O Cemitério da Fazenda Santo Antonio do Paiol....................................... 110
3.5 - A Reprodução Escrava na Fazenda Santo Antonio do
Paiol..................................................................................................................... 112
4- Considerações Finais............................................................... 115
5- Fontes Manuscritas ................................................................... 119 6 - Fontes Impressas ..................................................................... 120 7- Bibliografia................................................................................. 130 Anexos............................................................................................ 135
INTRODUÇÃO
A Fazenda Santo Antonio do Paiol localiza-se na região do Vale do Paraíba
Fluminense na cidade de Valença, estado do Rio de Janeiro. Seu proprietário
mais ilustre foi Manoel Antonio Esteves, que a recebeu como dote após seu
casamento em 1850 com a filha de Francisco Martins Pimentel, que a havia
adquirido de João Soares Pinho. A fazenda foi aberta em terras de sesmaria
concedida em 1814, por provisão a João Soares Pinho, que já havia se
estabelecido nesta fazenda desde 1807. Manoel Antonio Esteves manda
construir nova sede em 1852, e adquire todos os equipamentos exigidos para o
funcionamento de uma fazenda do ciclo de café. 1
Amplia os cafezais adquirindo também novas fazendas, num total de sete,
chegando a possuir mais de seiscentos escravos no ano de 1879. Eliminando
intermediários ele cria uma firma exportadora chamada (Esteves & filhos), para
negociar ele mesmo sua produção, tornando-se a partir daí grande comissário de
café. Seria então a segunda fase mais próspera daquele estabelecimento
cafeeiro. Manoel Antonio Esteves morre no Rio de Janeiro em 1879 no auge do
seu prestígio. Sucede-lhe na fazenda seu filho Francisco Martins Esteves.
O Café desenvolveu-se no Vale do Paraíba Fluminense na primeira metade
do século, quando “a importação de escravos era livre, embora legalmente
proibida”. Nas décadas de 1850-60, essa zona atinge o auge de sua produção. 2
1Manoel Antônio Esteves nasceu em 27 de setembro de 1813, na freguesia de Merufe, termo de Monção, Arcebispado de Braga, Portugal. Filho de Lourenço José Esteves e Domingas Gonçalves. Casa-se em 1850 com Francisca Martins Pimentel e constitui uma família de onze filhos. Pessoa de alguma instrução e recurso, não era propriamente um imigrante, embora viesse tentar uma nova vida. Trabalhou e prosperou, tendo sido comerciante de padaria e tecidos em Vassouras. (Informações obtidas do Instituto de Preservação e Desenvolvimento do Vale do Paraíba, Instituto Preservale, localizado no Rio de Janeiro). 2 COSTA, Emilia Viotti da. Da senzala a Colônia. 3ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 20.
Do ponto de vista social, ela gerou uma nova aristocracia, os barões do café do
Vale do Paraíba, e importou uma corrente de escravos africanos sem
precedentes, que modificou a estrutura étnica dessa parte do Brasil assim como
sua estratificação social.3
Esta fase áurea do café no Vale coincide com a segunda fase de
prosperidade da fazenda, por isso é o foco central de nossa pesquisa, pois
coincide também com o fim do tráfico de escravos, época em que o tratamento
dos senhores em relação a seus escravos passou a ser modificado. Esta data,
1850, segundo Karasch, marca um divisor de águas na história da escravidão
brasileira.
As grandes fazendas do município de Valença na província do Rio de
Janeiro possuíam uma média de 80 a 100 escravos e eram regidas pela
necessidade da cultura cafeeira: a produção de víveres, a manutenção das sedes
e das senzalas e o beneficiamento do café.
Como a mão-de-obra escrava fosse sempre insuficiente para estas
necessidades, tanto no período de desenvolvimento ou decadência, o dia de
trabalho do escravo era longo. Começava antes do nascer do sol prolongando-se
freqüentemente muitas horas depois do entardecer.4
“A medida que o terreiro se enchia de escravos o senhor aparecia na varanda da casa-grande e seguia-se uma oração que nem todos entendiam, mais iam repetindo. O feitor fazia uma chamada “formatura” e quando um escravo não aparecia o feitor corria até a senzala à sua procura”5.
3 STEIN, Stanley J. Grandeza e Decadência do Café no Vale do Paraíba.São Paulo: Brasiliense, 1969. 4 STEIN, Stanley J. op. cit. p. 194. 5 Idem, op. cit. p. 193
Depois de dadas as ordens do dia, os escravos seguiam para a cozinha
para tomar café com angu e iniciar o trabalho. Homens, mulheres, velhos e moços
dirigiam-se para o trabalho da carpa que varava o ano, seguidos sempre pelos
capatazes que os vigiavam.
O feitor ou o senhor, vestido de branco e de botas, passeava a cavalo pelo
cafezal para fiscalizar o trabalho e verificar qual escravo estava fingindo que
trabalhava.
Numa fazenda, dizia Couty:
“Tudo ou quase tudo é feito pelo negro: foi ele quem construiu as casas; fez os tijolos, cerrou tábuas, canalizou a água etc. As estradas e a maior parte da maquinaria do engenho são assim como as terras cultivadas, produto do seu trabalho”.6
Na formatura da tarde, os escravos eram inspecionados e mandados
efetuar, o que um fazendeiro de Vassouras chamou de “ o brutal sistema de
serão”, que se prolongava até as dez ou onze horas da noite. Tudo isso com
apenas duas refeições diárias.
As refeições eram um outro problema que os escravos enfrenta Karasch
considera que as refeições consistiam em café ou mate e pão feito de trigo
importado do sul ou do exterior. A refeição principal consistia de feijão preto,
carne-seca e farinha. Uma dieta muito pobre em proteínas e insuficiente para
nutrir as necessidades de homens e mulheres que realizavam um trabalho físico
pesado. E inadequada também para as mulheres grávidas.7 Stein cita quatro
refeições diárias e cinco alimentos básicos: fubá de milho, feijão, mandioca,
toucinho e açúcar. E no desjejum os escravos recebiam porções de angu, que se
6 Apud, STEIN. Grandeza e Decadência do Café no Vale do Paraíba. P. 198. 7 KARASCH. op. cit. p. 184.
preparava fervendo mingau de fubá durante vinte e cinco minutos em grandes
caldeirões sobre fogos abertos.8
Munidas de grandes colheres de pau as cozinheiras mexiam o angu
fumegante para engrossá-lo. Tão extenuante era esse trabalho que elas eram
substituídas com grande freqüência. Vale ressaltar também as más condições
sanitárias da cozinha, onde moscas se juntavam sobre a comida amontoada em
vasilhas fumegantes e sobre o lixo espalhado pelo chão. Local onde as crianças
brincavam em meio aos alimentos e sobre o lixo espalhado.9
Além da comida os escravos se deparavam com mais uma dificuldade:
sua vestimenta. Recebiam de seus senhores o tecido necessário para fazer uma
calça, uma camisa branca e um paletó curto, as mulheres um vestido comprido,
uma blusa e um lenço para a cabeça que usavam constantemente.
A falta de higiene nas senzalas é citada também por vários autores como
fator relevante para o aparecimento das doenças. No seu estudo sobre o
município de Vassouras, Stein descreve algumas doenças que eram comuns aos
escravos da região: “doenças do peito”, “cegueira”, “hérnia”, “doenças intestinais”
“bicho –de –pé”, ”cólicas”, “convulsões”, “tosse”, “erisipela” etc.
Teuscher, 185210 aponta, como doença mais comum aos pretos em
fazendas de café, a anemia intertropical ou opilação. E a que mais doentes
levava para os hospitais era o reumatismo agudo que vinha sempre
acompanhado de sintomas gástricos.
8 STEIN. op. cit. p. 220. 9 Idem, p. 208. 10 TEUSCHER, Reinhold. Algumas Observações Sobre a Estatística Sanitária dos Escravos em Fazendas de Café. Tese apresentada a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Typ. Imp. e Const. de J. Villeneuve e Comp.,1853.
Todos esses apontamentos podem nos dar indícios de como as doenças
se instalavam e como os escravos eram tratados na Fazenda Santo Antonio do
Paiol, que também se situa no Vale do Paraíba. O presente trabalho tem então
como proposta, realizar um estudo sobre as formas de tratamento das doenças
dos escravos no período compreendido entre 1850 e 1888.
A escolha desta fazenda está relacionada ao fato da existência de uma
farmácia que pertencia ao hospital dos escravos e que foi montada pelo
proprietário para o tratamento de seus escravos. Já a delimitação do corte
cronológico 1850-1888 se justifica pela data da proibição do tráfico de escravos
ter sido em 1850 de acordo com a Lei Euzébio de Queiroz coincidindo então com
a fase de prosperidade da fazenda e 1888 ser um marco histórico, a libertação
dos escravos, através da Lei Áurea.
Nosso objetivo principal é analisar a farmácia do hospital dos escravos e
através dos fármacos encontrados fazer uma interpretação sobre as possíveis
causas das enfermidades e as prováveis doenças, bem como sua forma de
tratamento. Refletindo sobre a importância da história da medicina e a riqueza de
informações que esse estudo pode fornecer para a história social.
O estudo sobre o tratamento e as doenças dos escravos no século XIX, é
um tema que se insere na história social, cultural, política e diversos outros
campos de investigação científica tais como: a Biologia, a farmácia, a demografia
possibilitando o desenvolvimento de um projeto interdisciplinar entre a história e
a biologia.
Através de uma visita, à Fazenda Santo Antonio do Paiol na região do
Vale do Paraíba Fluminense na cidade de Valença, tive a oportunidade de
conhecer o seu acervo, que consta de mobiliário, uma biblioteca, objetos de uso
pessoal da família Esteves bem como alguns instrumentos de uso dos escravos.
De todo este acervo o que despertou grande interesse para uma investigação
científica foi a existência da farmácia, que se encontra bastante preservada
depois de mais de um século e meio, sendo por isso considerada uma raridade,
que possibilitou uma investigação acerca de como os escravos eram tratados
nas suas enfermidades.
Entendo ser pertinente integrar aspectos históricos e biológicos no
entendimento da relação entre saúde e doença para uma população que foi
oprimida em todas as suas formas de sobrevivência.
É oportuno lembrar que a Fazenda Santo Antonio do Paiol figurava entre
as mais produtivas da região de Valença e foi bastante importante no cenário
nacional bem como o seu proprietário Manoel Antonio Esteves que foi
considerado uma das figuras mais proeminentes do Vale sendo responsável pela
construção da estrada de ferro União Valenciana e por isso agraciado com a
Comenda da Rosa, uma das mais importantes do Império e que levaria ao vale
grandes benefícios para a sua economia.
Entre 1850 e 1880 o Vale do Paraíba foi à zona de maior produção
cafeeira do mundo, nos 30 anos anteriores tudo era mata virgem e ao longo
deste período tudo foi coberto pelas lavouras de café e mais importante, com a
ajuda do braço escravo. ”Esta grande lavoura constituiu em meados do século
XIX, a raiz o tronco e os galhos da economia nacional”.11
O estudo desta documentação histórica que foi preservada pela família ao
longo de tanto tempo se tornou fator fundamental para a nossa pesquisa, pois esta
farmácia pertencia ao hospital dos escravos e nunca foi estudada anteriormente,
11 STEIN. op. cit. P. 09.
através dela pretendo mostrar como a doença era tratada nesta unidade produtiva,
neste período específico.
Introduzo aqui dois problemas que discutiremos ao longo do texto. Um deles
diz respeito à criação da farmácia naquela fazenda coincidir com o fim do tráfico e
o aumento de preços dos cativos, intensificaram-se então os cuidados com os
escravos para aumentar o tempo de vida e a produtividade. Um segundo problema
reside na criação da farmácia da fazenda Santo Antonio do Paiol para atendimento
aos escravos, pode ter resultado em melhoria da saúde de seu plantel levando a
um aumento da reprodução dos cativos.
O campo de pesquisa da história das doenças apresentou, nos últimos
anos segundo Nascimento12 expressiva expansão. Este desenvolvimento muito se
beneficiou do alargamento da agenda histórica e de áreas florescentes, como a
história demográfica, a antropologia social, a história da cultura material e mental
e principalmente da história social.
Seu estudo engloba as doenças crônicas, endêmicas e epidêmicas, as
implicações sociais, políticas e ecológicas advindas, das trocas entre os diversos
continentes, os entendimentos sobre doença e seus cuidados em diferentes
contextos sociais, os instrumentos de controle médico e social.
Entre diferentes grupos sociais existem diferenças marcantes no sofrer ou
no modo de reagir às doenças. Quadros patológicos que dominam uma época
como, por exemplo: a peste no século XIV, a Tuberculose e o Cólera, no século
XIX regridem em outro, enquanto prevalecem outras patologias, como atualmente
os tumores, as doenças cardiocirculatórias e, mais recentemente a Aids. Existe
12 NASCIMENTO, Dilene Raimundo. SILVEIRA, Anny J. Torres da. A Doença Revelando a História. Uma historiografia das Doenças. In: Uma História das Doenças. Brasília: Paralelo 15, 2004.
uma historicidade nas doenças ligadas a todos os acontecimentos do ser
humano.13
Mas o que seria então Doença? Segundo a Organização Mundial de
Saúde atualmente, doença seria a ausência de bem estar físico, mental e social,
incorporando ainda outras dimensões como fatores ambientais, acesso aos
serviços, qualidade da atenção e condições de vida.14
Os historiadores Jacques Revel e Jean-Pierre15 incluem na década de 1970
a doença numa coletânea dedicada aos novos objetos da história, reafirmando
que o estudo das doenças podia fornecer numerosos esclarecimentos sobre as
articulações e as mudanças das sociedades. Estes autores afirmam que:
• Doença é quase sempre elemento de desorganização e de reorganização
social.
• O acontecimento mórbido pode ser o lugar privilegiado de onde melhor
se observa a significação real dos mecanismos administrativos ou das
práticas religiosas, as relações entre poderes, ou a imagem que uma
sociedade tem de si mesma.
Para Charles Rosenberg16 segundo afirma Nascimento, a doença não é
unicamente percebida como entidade biológica ou física, mas como amálgama
que envolve tanto sua natureza biológica como os sentidos que lhe são
atribuídos, pela sociedade.
13NASCIMENTO & SILVEIRA. Op.cit.p.13 14Organização Mundial de saúde- Organização Pan- Americana de Saúde, vinculada ao Ministério da Saúde - site. www.0pas.org.br/ambiente. 15 Apud. NASCIMENTO. Op.cit. p. 14 16 Idem. p. 14
E para os escravos? O que era estar doente? Buscando o conceito da
organização mundial de saúde que na sua análise afirma que saúde também está
ligada a condições de vida poderíamos vincular a doença dos escravos a este
condicionante, como fator principal para a época que estamos estudando, mas
para o escravo, a doença estava relacionada a fatores indissociáveis à
religiosidade. Como afirma Márcio de Souza Soares:
A doença está intimamente vinculada a concepção de um sinal de descontentamento de um orixá , ancestral ou da violação de um tabu ou como resultado da ação de espíritos malfazejos. A enfermidade era concebida como algo estranho instalado no interior do corpo do enfermo. O estado mórbido de origem sobre - humana assim dotado de materialidade, seria capaz de penetrar, tornar vulnerável e corromper o corpo.17
Estas são questões discutidas na atualidade, sobre os conceitos de
doença. Como estes conceitos foram tomando esta configuração, como os
senhores escravistas concebiam as doenças de seus escravos, são questões que
compreendem também nosso objeto de estudo.
Ao analisarmos a historiografia da escravidão no Brasil, percebemos que
existe uma infinidade de estudos que tratam da escravidão em todos os níveis de
análise tais como: o escravo urbano, o escravo rural, suas relações sócio-
parentais, processos criminais, formação de quilombos, alforrias e muitos outros
aspectos de extrema importância para nos mostrar a dimensão do que foi o
Sistema Escravista Brasileiro.
O uso de fontes cartorárias, jurídicas, paroquiais, entre outras, possibilita
uma aproximação com o objeto de análise, levando-nos ao conhecimento e
17SOARES, Márcio de Souza. Cirurgiões Negros: Saberes africanos sobre o corpo e as doenças nas ruas do Rio de Janeiro durante a primeira metade do século XIX. Lócus, Juiz de Fora, 2002.
entendimento dos fatos do passado através de vários campos de pesquisa, alguns
bastante novos.
Percebemos que com relação ao trabalho escravo, os castigos sofridos, sua
alimentação, sua forma de vestir são citados por vários autores em suas obras,
mas ainda não se encontram trabalhos específicos sobre as doenças que
acometiam os escravos bem como as formas de tratamento utilizadas pelos
senhores.
Para isso são usadas fontes como Documentação de Hospitais, Santa
Casa de Misericórdia, Discursos médicos, Teses de Medicina, Registros de óbitos
e muitos outros instrumentos históricos de análise social.
Miridan Britto Falci18 chama-nos a atenção para o fato de que o
conhecimento sobre as doenças, suas origens sua transmissibilidade e seu
tratamento eram diversos da atualidade. Até o século XIX vivíamos a era pré-
pasteuriana e admitia-se que, o excesso de bílis ou sangue no indivíduo
acrescidos de uma concepção religiosa de castigo, eram os fatores que
causavam as enfermidades.
Segundo a historiadora, o conceito de doença atual difere muito da
concepção de doença acreditados na Idade Média, quando o “doente” era o
indivíduo que tinha parte com o demônio ou estava fora do contato com Deus.
Afasta-se muito mais dos primitivos conceitos expressos nos aforismos de
Hipócrates, na Grécia Antiga.
18FALCI, Miridan Britto. História e Cultura Médica: Uma abordagem para o Estudo de Escravos. Espacialidades, Vassouras, 2004.
Doença para Hipócrates estava ligada a certos males eventuais que
comprometiam o respirar, o andar, o comer e o dormir ou seja a doença era o
desequilíbrio das funções vitais do organismo19
Gilberto Freire20 afirma que as doenças seguiram os escravos da África até
o Brasil devastando-os nas senzalas. Entre elas existia a Bouba, também
denominada piã21 que se transmitia às vezes, aos brancos das casas-grandes.
Mas foram poucas as doenças dos brancos que os negros domésticos
adquiriram; as que se apoderaram deles foram em conseqüência do transporte da
África até aqui ou da má higiene.
Para o historiador Márcio de Souza Soares, a concepção de doença para
os Africanos da região do Congo-Angola, os ‘’ bakongos ” importante grupo étnico
de onde vieram a maioria dos escravos para a província do Rio de Janeiro, estava
sempre vinculada a um descontentamento de um orixá, de um ancestral ou da
violação de um tabu. Havia aqueles que a considerava como resultado da ação
de espíritos malfazejos22. Assim a doença era provocada por um espírito.
Emilia Viotti da Costa23 , em sua obra Da Senzala À Colônia, afirma que na
Casa-Grande e na Senzala, a religião materializava-se, fazia-se “chantagem“ com
o santo, despojava-se Santo Antonio do Menino Jesus, prometendo devolvê-lo
quando o pedido fosse satisfeito.
19FALCI, op. cit, p. 230. 20FREIRE, Gilberto.Casa Grande e Senzala. 21ª ed. José Olimpio, Rio de Janeiro, 1881.p. 264 21Bouba ou Piã: Moléstia tropical infecciosa produzida pelo Treponema pertenue manifesta-se de lesão cutânea primária em seguida de lesões granulomatosa levando a destruição da pele e dos ossos. 22SOARES, Marcio de Souza.Cirurgiões Negros: saberes africanos sobre o corpo e as doenças nas ruas do Rio de Janeiro durante a 1 ª metade do Século XIX, Lócus, Juiz de Fora, 2002. 23 COSTA. Op cit. P.277
Religião e superstição confundiam-se. Impregnavam a vida cotidiana do
escravo, que a cada passo e em tudo, divisava artes maléficas: o mau olhado, o
feitiço, as artimanhas marotas do saci. A morte nunca era considerada natural,
aparecia sempre como fruto de um malefício. A criança adoeceu? Foi mau-
olhado.
Assim o escravo vivia num mundo mágico hostil que procurava dominar à
custa da magia. Daí o prestigio de que gozava o feiticeiro, respeitado e temido por
todos, curando males do corpo e do espírito, doenças e mal de amor. Com
remédios de ervas e palavras mágicas ”curava” desde picada de cobra até
bicheira de animal, intoxicações ou bronquites. Mesmo os brancos se serviam
deles24.
Reinhold Teuscher, em sua tese publicada na Faculdade de Medicina do
Rio de Janeiro, em 1853, intitulada “Algumas Observações sobre a Estatística
Sanitária dos Escravos em Fazendas de Café”, afirma que as doenças das quais
os escravos sofriam estavam vinculadas às localidades que as fazendas estavam
instaladas, ou seja, locais de grande umidade, e ainda, modo de viver do escravo,
qualidade e quantidade de trabalho que pesava sobre eles25.
Em 1847, o médico David Gomes Jardim, formado pela Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro, também publica sua tese sobre “A Higiene dos
Escravos” e acrescenta um dado bastante relevante além dos já citados pelos
demais autores. A questão da higiene. Segundo Jardim, a omissão das mais
simples leis da higiene, levava as enfermidades que os escravos adquiriam,
juntamente com a incerteza das bases do tratamento das moléstias e ainda, má
24 Idem. P 277. 25 TEUSCHER. op. cit. P.5
alimentação, vestuário inadequado, uso excessivo de bebidas alcoólicas e a falta
de sono entre outras, seriam as causas mais freqüentes das enfermidades26.
Lycurgo Santos Filho, afirma que as doenças que atingiam os selvagens
brasileiros deixadas através de relatos dos cronistas do século XVI, sacerdotes e
leigos era a Bouba ou piã, que era endêmica no Brasil, confrontando a afirmação
de Freyre que dizia que a Bouba teria acompanhado os escravos. Para Lycurgo a
Bouba foi perdendo sua importância com o passar do tempo e no século XIX só
atacava os negros.
Quanto a Sífilis e a malária a questão é controvertida, parece que não
existia na época pré-cabralina afirma o autor. A varíola, o sarampo e a febre
amarela, segundo o autor, vitimavam centenas de milhares de aborígenas e foram
introduzidas pelos brancos e pelos negros, nos primórdios da colonização27.
Mary C. Karasch em seu complexo estudo sobre a Vida dos Escravos no
Rio de Janeiro (1808-1850), nos mostra que os escravos adoeciam e morriam
devido a uma correlação complexa entre descaso físico, maus-tratos, dieta
inadequada. A falta de alimentação, roupas e moradias apropriadas, em
combinação com os castigos, enfraqueciam-nos e preparavam-nos para serem
liquidados por vírus, bacilos, bactérias e parasitas que floresciam na população
densa do Rio de Janeiro28.
Segundo Karasch, as ações intencionais ou não dos senhores contribuíam
diretamente para o impacto de doenças específicas ou criavam indiretamente as
26 JARDIM, David Gomes. Algumas Considerações Sobre: A Higiene dos Escravos. These Apresentada à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Typografia Universal Lammert, Rio de Janeiro, 1847. 27 SANTOS FILHO, Lycurgo. Pequena História da Medicina Brasileira.São Paulo: Universidade de São Paulo, 1966. 28 KARASCH, Mary. C. A Vida dos Escravos no Rio de Janeiro (1808-1850): tradução Pedro Maia Soares. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
condições nas quais uma moléstia contagiosa espalhava-se rapidamente pela
população escrava.
Stanley J. Stein o estudioso sobre o município de Vassouras no Vale do
Paraíba, dizia que ao contrário do senhor urbano o senhor rural era um déspota,
pois nas fazendas do interior sua vontade prevalecia. Poderia ser um pai para
sua turma de escravos quando eles obedeciam, mas impiedoso quando
desobedeciam e os castigos eram perversos. O chicote era o mais usado e era
utilizado pelo feitor que depois do castigo ainda passava uma mistura de
pimenta, sal e vinagre nas feridas abertas29.
Uma engenhoca variante do chicote também era utilizada para aplicar os
castigos (látego fixo a uma roda hidráulica)30que chicoteava os escravos
amarrados a um banco e causava morte por apoplexia fulminante e congestão
cerebral”.31
O autor descreve que os escravos eram tratados nas suas enfermidades
pelos seus senhores que pouca noção tinham de medicina e muitos senhores
desprezavam os primeiros sintomas das moléstias e os escravos morriam por
abandono.
Outro dado importante que aparece no seu trabalho está relacionado ao
uso de novas técnicas em algumas fazendas do município de Vassouras para
descascar e peneirar o café através de ventiladores mecânicos resultando num
pó fino em suspensão, que atacava as vias respiratórias dos escravos, deixando-
os muito doentes.32
29STEIN. op. cit. p.164. 30 Látego: açoite de correia ou de corda. 31Apoplexia fulminante: Afecção cerebral que se manifesta de súbito, com privação dos sentidos e do movimento e congestão cerebral: Afluência anormal de sangue no cérebro. 32 STEIN. op. cit. p 45.
Marta de Almeida afirma que no Brasil uma das maiores preocupações
sanitárias do poder público no período compreendido entre meados do século
XIX e início do XX foi sem dúvida à febre amarela, doença fatal em muitos casos
que apresentou surtos epidêmicos em cidades portuários com Santos e Rio de
Janeiro entre outras.33
Havia segundo a autora, grande polêmica mundial entre os defensores de
diferentes teorias médicas em torno de diagnósticos, causas e profilaxias da
febre amarela. As ações preventivas e curativas das ciências médicas sofreram,
segundo ela, modificações à luz dos novos parâmetros da medicina acadêmica
européia durante o século XIX e práticas médicas mais antigas começaram a
sofrer severas críticas, pois foram consideradas empiristas e baseadas em
sistemas contraditórios pouco fundamentados, semelhantes em muitos casos,
aos rituais mágicos e ao curandeirismo.
As concepções médicas no século XIX eram bem variadas. A
historiografia tem agrupado essa diversidade em dois referenciais teóricos: de
um lado, a teoria contagionista que sustentava que a doença era transmitida de
pessoa para pessoa através de algum contato físico ou indiretamente, através de
objetos contaminados pelos doentes ou da respiração do ar que os cercava.
Por outro lado, havia os adeptos da teoria infeccionista, para quem os
miasmas (emanações maléficas, provenientes de matéria animal ou vegetal em
decomposição) seriam os responsáveis pelas infecções que alteravam as
condições do ar, causando terríveis moléstias.34
33 ALMEIDA, Marta de. Tempo de Laboratórios Mosquitos e Seres Invisíveis. In: CHALHOUB, Sidney at. All (Org.) Artes e Ofícios de Curar no Brasil.Campinas SP: Ed. UNICAMP, 2003. 34ALMEIDA. op. cit. P. 125.
O próprio movimento em torno da suposta cientificidade da doença gerou
novas discordâncias quando as atenções médicas, baseadas nas inovações
bacteriológicas, se voltaram para os agentes etiológicos das doenças,
principalmente a partir de 1870, diversificando ainda mais o campo de disputas
pela hegemonia entre os saberes sobre as doenças e a saúde no século XIX.35
Com base nas questões propostas para o desenvolvimento da pesquisa, e
com o intuito de atingir os objetivos definidos ao longo de seu desenvolvimento,
alicerçado nas fontes que serviram de embasamento, a dissertação estará
estruturada da seguinte forma:
No 1º capítulo representando os passos iniciais de nossa investigação é
dedicado a demonstrar como era a Vila de Valença, província do Rio de Janeiro
no século XIX, como se deu a ocupação e o povoamento, quem foram os
primeiros habitantes, como se formou a sociedade e principalmente as primeiras
fazendas produtoras de café destacando a chegada dos escravos como mão-de-
obra essencial neste processo. Como o período proposto no estudo é 1850 -
1888, demos ênfase a tudo que se referia ao escravo neste período.
Ainda no 1º capítulo, achei importante fazermos uma revisão historiográfica
da doença no Brasil, para demonstrar como era tratada desde o período colonial
até o século XIX. Assim teríamos uma visão do que era estar doente e as formas
de tratamento utilizadas, quem eram os responsáveis pela saúde no Brasil.
Diferenciando e conceituando os físicos, cirurgiões-barbeiros, curandeiros,
feiticeiros, sempre nos reportando ao objeto de estudo que é o escravo.
No 2º capítulo, analisei a principal fonte de nossa pesquisa, que é a
farmácia pertencente ao hospital dos escravos. Através da identificação dos
35 Idem, p.127.
fármacos, suas propriedades e terapêutica demonstraremos quais eram os tipos
de enfermidades que os escravos sofriam. Para atingir esta meta utilizei para o
processo de identificação o Formulário e Guia médico de Chernoviz.
Este formulário era utilizado pelos médicos, farmacêuticos e leigos durante
o século XIX. Era considerado um livro guia por todos os fazendeiros da região
como mostra a historiografia estudada.
No terceiro capítulo optei por fazer uma classificação das doenças
encontradas para chegarmos mais próximo dos acontecimentos da época,
através da classificação pode-se verificar quais eram as doenças mais
incidentes. Utilizei também uma outra fonte importante, que são 36 receitas
médicas aviadas para o tratamento das doenças dos escravos. O que
possibilitou um cruzamento de dados e comprovaram que algumas substâncias
da farmácia foram utilizadas para o tratamento.
Finalizando o 3º capítulo, utilizei algumas informações contidas nos
registros de óbitos e autorizações para enterro no cemitério da fazenda, que
possibilitaram encontrar algumas causas-mortis comprovando também as
enfermidades. Para concluirmos o capítulo e a pesquisa em geral analisamos os
registros de batismos na tentativa de analisar a reprodução dos cativos, porque
através dela ficará claro quais eram a intenção do proprietário com o seu plantel
através da criação de sua farmácia.
CAPÍTULO 1
Valença: um panorama histórico.
1.1 VALENÇA: do sertão à cidade.
O café desenvolveu-se no Vale do Paraíba Fluminense na primeira
metade do século XIX, quando a importação de escravos era legal. Nas décadas
de 1850 e 60, essa zona atinge o auge de sua produção. Os meios de
comunicação, até meados do século, eram reduzidos. Não havia estradas de
ferro e o transporte era feito em lombo de burro. O sistema de cultivo era
rudimentar, e a mecanização reduzida. A cultura do café exigia muitos
investimentos: a terra, as construções e os escravos.36
Na província do Rio de Janeiro iniciou-se o cultivo do café nos arredores
da cidade expandindo para a região do Vale do Paraíba Fluminense,
principalmente nas zonas de Vassouras, Valença, Paraíba do Sul, São João
Marcos e Resende.37
Valença era um município de grande valor cafeeiro, e concentrava um
número bastante elevado de escravos. No relatório do Presidente de Província
do ano de 1857 para os municípios do Rio de Janeiro, consta um número de
quase 25.000 escravos, colocando Valença em 2º lugar em comparação aos
outros municípios da província. Figurando entre um dos municípios mais
importante no cenário nacional da época, pela grande produção de café, o
trabalho escravo foi de fundamental importância.
No entanto, apesar de toda essa importância que lhe coube no período
imperial Valença não possui ainda um estudo que aborde as relações entre os
36 COSTA, Emilia Viotti da. Da senzala a Colônia. São Paulo, 1989. 37 COSTA. Op. cit. P. 61.
escravos e seus senhores, nas questões referentes ao tratamento e suas
enfermidades.
Assim sendo, buscaremos analisar Valença através de alguns de seus
aspectos: sociais, econômicos, políticos e culturais para conhecermos melhor
este cenário.
O escritor francês Charles Ribeyrolles38, visitando Valença em 1859 dois
anos após ter se elevado de vila à categoria de cidade descreveu-a como uma,
das pequenas e mais encantadoras cidades, da Província do Rio de Janeiro.
Assentada num plano onde as colinas ondulam, vê-se-lhes a casaria desgarrada, alinhada em platôs, escalavradas nos declives: e aqui e ali, edifícios burgueses de dois andares ou, em contraste, alguns palacetes por acabar. É modesta, ativa, comerciante. Com os seus subúrbios, encerra mais ou menos cinco mil habitantes de todas as classes, de todas as cores, e a população do município, um dos mais ricos em terras novas da Província do Rio de Janeiro, avalia-se em quarenta mil entre livres e escravos39.
Como todas as cidades, Valença tinha sua Câmara Municipal, organizada
por eleição, composta de nove vereadores. Como atribuições, possuía o controle
sobre a polícia local, as reformas, e os melhoramentos materiais que se
relacionavam ao município. Valença compreendia cinco freguesias ou paróquias
que são: Nossa Senhora da Glória, Santo Antonio do Rio Bonito, Santa Isabel do
Ouro Preto, Nossa Senhora da Piedade dos Ipiabas e Santa Teresa. (mapa nº
1).
Cada paróquia dispunha de pessoal administrativo, sua pequena família
oficial. E um vigário sobre o qual recaiam os encargos e deveres do culto. Em
segundo lugar o juiz de paz, magistrado de eleição popular, que resolvia
pequenas causas não excedentes a cinquenta mil réis. Nas contestações e nos
38RIBEYROLLES, Charles. Brasil Pitoresco. 1º volume, Tomo II, p.192. 39RIBEYROLLES, Charles. Op.cit. p. 193
litígios, onde havia valor maior, ele tentava a conciliação, independente de
julgamento.
Ainda no século XVIII, os únicos habitantes do Certão do Rio Preto, eram sem dúvida os índios Coroados, resultantes do cruzamento dos Coropós com os temíveis Goitacás de Campos. Os índios Coroados mais tarde conhecidos pela denominação de Coroados de Valença, estabeleceram-se na margem superior do rio Paraíba, forçados pelas lutas constantes, dada a perseguição que lhes moviam, os seus perigosos parentes os Purís. Estes já se haviam instalado em terras da futura região Valenciana, em data muito anterior à penetração do homem branco nos sertões fluminenses40
Enquanto os políticos da metrópole procuravam dificultar a abertura de
caminhos, pois receavam o perigo da evasão de ouro da velha capitania de
Minas Gerais, entravando e retardando, desse modo, o progresso dos sertões
próximos ao litoral, o encontro do homem civilizado com os selvagens se dava
em seu próprio habitat. Era a interferência de domínio do conquistador “bem
mais destruidor do que os seus semelhantes conservadores dos bens naturais”.
41 O ouro era o objetivo do homem branco, que demandava a longínqua
Mantiqueira.
Em meio às duras jornadas na Serra do mar, o desbravador estrangeiro não se desanimava ante as impressionantes condições geográficas do terreno palmilhado e intensificava a devastação das florestas, no vale do Paraíba.42
Em finais de século XVII e início do XVIII, passa a funcionar o tráfego pelo
Caminho Novo, aberto por Garcia Rodrigues Paes, filho e companheiro de
bandeira de Fernão Dias Paes Leme. Supõe-se que este caminho seja o mesmo
40 RUGENDAS, Johann Moritz. Viagem Pitoresca através do Brasil.IN: IORIO, Leoni. Valença de Ontem de de Hoje. P. 11. 41 Idem. P.12 42 SANT-HILAIRE, Auguste. Viagens pela Província do Brasil. In: IORIO, Leoni. Op. cit. pp. 28-29.
assinalado na carta geográfica de Inácio de Souza Werneck43, datada de
1808.(mapa Nº 2). Vinham por esse lado viajantes e tropas das zonas mineiras,
na direção das proximidades de Desengano, para fazerem, rio acima, a travessia
para a margem direita do Paraíba, indo ter às vizinhanças do riacho das Mortes,
na atual estação de Barão de Vassouras, evitando o percurso mais longo que
lhes oferecia o caminho do comércio. A travessia do rio era feita por índios
domesticados e escravos44.
Venâncio, 2000 chama-nos a atenção de que “ao longo do caminho novo
travou-se uma luta entre grupos indígenas e colonizadores”, sendo que os
indígenas foram dizimados e suas rotas milenares acabaram por se impor ao
colonizador, dando origem a um eixo fundamental de ligação com o litoral
portanto o caminho novo eram rotas indígenas pré-cabralinas.45
As primeiras sesmarias46, no sertão de Valença, datam de 1771,1793 e
1797 doadas a Francisco Nunes Fagundes, Garcia Rodrigues Paes Leme,
construtor do Caminho novo e Francisco Antonio de Paula Nogueira
respectivamente. Muitos dos parentes de Inácio de Souza Werneck vieram
partilhar da cultura de terra, fundando aí várias fazendas. O apogeu da família
Werneck, fundadora de Valença, coincidiu, enfim com o da cultura das terras.
43Inácio de Souza Werneck: Filho de Manuel de Azevedo Matos que vivia em Minas era mais comerciante que garimpeiro. Em viaje ao Rio de Janeiro deixa seu filho no internado do seminário São José. Perturbações de ordem política dentro do país obrigaram o governo ao preparo de forças, organizando um batalhão de estudantes ao qual se alistou Werneck. Daí sua carreira militar, onde teve uma ascensão ao posto de Sargento-mor. Era considerado um desbravador porque construiu a primeira estrada batida para o sertão de Valença. 44 IORIO, Leoni. Op.cit. pp.13. 45 VENÂNCIO, Renato Pinto. Caminho Novo: a longa duração. Varia História, Belo Horizonte, V.21,p.181-189.2000. 46 Sesmarias: lote de terra inculta que os reis de Portugal cediam para cultivo. Equivalente a 6.600 metros.
A Sesmaria concedida a Inácio de Souza Werneck data de 180847. Cinco
anos após, foi concedida uma sesmaria também a João Soares Pinho, no ano de
1813. Esta sesmaria foi alguns anos mais tarde, vendida a Francisco Martins
Pimentel que viria a ser o sogro de Manoel Antonio Esteves, proprietário da
Fazenda Santo Antonio do Paiol construída nestas terras.
Auguste de Saint–Hilaire destaca a atuação do Fazendeiro José
Rodrigues da Cruz, como o fundador de Valença, proprietário das fazendas Pau
grande e Ubá por ter prestado relevantes serviços.
... com sacrifício de seus haveres e do seu bem estar, fazendo penetrar a civilização no sertão de Valença. Seu nome e suas fazendas, estão intimamente ligadas à História de Valença. Catequizou os índios coroados trazendo-os para o seio da civilização. Iniciando assim o povoamento do arraial de Valença. 48
Outra figura destacada como um dos fundadores do Arraial, foi o padre
Manoel Gomes Leal, que se mostrava também incansável na tarefa de
catequizador da Aldeia de Nossa Senhora da Glória de Valença. Elevada à
freguesia em 15 de agosto de 1813, com esta denominação, em homenagem ao
então Vice-Rei D. Fernando José de Portugal, descendente da nobre estirpe dos
Marqueses de Valença em Portugal.
Tão grande era a ânsia dos imigrantes de se apossarem das terras, que
em 1814 Valença já contava com 119 fogos e mais de 900 adultos, excluindo os
índios aldeados. Em 1820, sua população possuía mais de 1000 portugueses,
fluminenses e mineiros que disputavam as propícias terras para o café,
conquistando apressadamente as suas selvagens matas.
47Relação de Sesmarias extraídas do arquivo Nacional In: IORIO, Leoni. Op.cit. pp. 19-20. 48 SAINT-HILAIRE, August. Viagens pela Província do Rio de Janeiro. In: IORIO, Leoni. Op. cit.P.28
Durante todo o século XIX, com o advento do café ocorreram grandes
transformações em Valença tanto ao nível social e político, quanto no
econômico, principalmente depois de 1826 com a criação da Vila de Valença.
Foram tomadas imediatas providências no sentido de ser ali levantado o
pelourinho, considerado como o símbolo da implantação da autoridade. O
pelourinho também existia nas fazendas onde o movimento era grande, e eram
construídos de acordo com seus proprietários.
Logo após a elevação da vila, o desembargador ouvidor da comarca do
Rio de Janeiro abriu uma subscrição popular para a compra de um edifício que
se destinasse à realização das sessões da Câmara, bem como a construção da
Cadeia Pública.
Eleutério Delfim da Silva, então fiscal da Vila na época, não se
conformava com o hábito de maus tratos e de crueldade para com os escravos,
fez uma representação na Câmara expondo tais barbaridades, e “...apelava para
os sentimentos de humanidade das autoridades, no sentido de pôr-se cobro as
cenas tão brutais, para as quais pedia severa punição”.49
Em 1838 em comemoração à data do aniversário natalício do Imperador
D. Pedro II, inaugurou-se o hospital da Santa Casa em prédio alugado, sem
nenhum auxilio, se não o da caridade. Prestaram serviços gratuitamente no
hospital o médico José Leopoldino Gamard, o cirurgião Casemiro Lúcio de
Azevedo e o boticário Josué Antonio de Queiroz que fornecia os medicamentos
gratuitamente.50
A visita do Imperador D.Pedro II à vila de Valença em 1847 foi um
acontecimento de magna repercussão social “... A população foi ao seu encontro
49 Idem, p. 71. 50 Idem, p. 79.
a duas léguas da vila e sua entrada foi triunfal, numa grande homenagem feita
pelo povo Valenciano”. Em 1848 iniciou-se a construção da Capela do Rosário,
pelo preto Miguel Tomaz, porém a obra não foi finalizada devido a sua morte.
No ano seguinte um grande acontecimento assola a Vila, um crime
cometido pelo escravo Domingos Moçambique de propriedade do fazendeiro
José Gomes da Rocha e que resultou na primeira execução na Vila, o
enforcamento do preto Domingos Moçambique. Valença neste tempo ainda era
Têrmo da Comarca de Vassouras. Adultério e fôrca: duas palavras que
completam as cenas de um grande drama da época.
...Domingos Moçambique, natural da Costa da África era um simples escravo de José Gomes da Rocha, o qual, na noite de 21 de abril de 1849 surpreendeu as redondezas, matando o sinhô moço Diogo, filho do fazendeiro Gomes da Rocha. Diogo conquistara o coração da escrava Carlota, mulher de Moçambique. Diogo e Carlota tinham ha muitos encontros amorosos. As roupas que Moçambique lhe oferecia, ela em sua presença rasgava, desprezando qualquer oferta. Moçambique tinha suas desconfianças, ruiria, um dia o seu lar? A escrava adultera receava de que Moçambique a quisesse matar... Carlota tivera uma saída: convencera, um dia, o marido de que detestava o Sinhô moço Diogo, não tolerando mais suas contínuas perseguições. E um só remédio salvaria aquela situação: que Moçambique matasse Diogo. No interrogatório Domingos não negou o crime e foi conduzido a fôrca51...
Em 1857 a Vila de Valença, foi elevada à categoria de Cidade, pela Lei
de Nº961, de 29 de setembro de1857, juntamente com Vassouras e a povoação
de Petrópolis. Distante da capital federal, localizada a 560 metros de altitude
acima do nível do mar52, por isso era classificada por muitos higienistas como
sendo uma cidade montanhosa e de bastante salubridade.53
51 Idem pp.86-87. 52 PINTO, Alfredo Moreira. Dicionário Geográfico, Topográfico e Histórico do Império do Brasil. In: IORIO, Leoni op. Cit. P. 93. 53 VIANA, Ernesto da Cunha de Araújo. Saneamento de Valença. Rio de Janeiro, 1894.
Quase todas as ruas, num total de 25 eram de largura regular e o tipo de
calçada era de alvenaria54. As praças eram compostas de magníficos jardins.
A questão do saneamento da cidade era uma grande preocupação para
seus habitantes, pois tanto a água quanto o esgoto eram muito deficientes.
Na tentativa de organizar estes serviços, foi criada em Valença uma comissão,
composta por engenheiros, médicos e vereadores mas já no final do século em
1889.
1.2 Epidemias e Saúde Pública em Valença:
Ernesto Frederico da Cunha, médico e Presidente da Câmara Municipal
de Valença, formou em 1894, já no final do século uma comissão para lidar com
as questões do Saneamento da cidade. Juntamente com vereadores elegeram o
Engenheiro Drº Ernesto da Cunha de Araújo Viana para traçar os planos para a
melhoria de vários aspectos da cidade, inclusive os relacionados à água e esgoto
que eram as duas grandes preocupações do povo Valenciano.
Em sua obra “O Saneamento de Valença”, o Drº Ernesto Viana afirma
que: Valença até a ano de 1886, nunca havia sido visitada por pyrexias.55
Em 1889 a cidade foi vitima da febre amarela, evidentemente importada
do Rio de Janeiro. Estudando as causas do desenvolvimento desta doença, a
aludida comissão, naturalmente autorizada pelos Drs. Ernesto Frederico da
Cunha e Francisco Julio Xavier, atribuiu principalmente aos graves defeitos no
sistema de esgotos e ao deficientíssimo abastecimento de água.
54 Calçada de Alvenaria: espécie de calçamento conhecido pela denominação pitoresca de Pé-de-moleque, feito de pedras soltas, quase arredondadas, irregulares e de dimensões diversas. 55 PYREXIAS: Estado febril; febre.
... É deficiente o actual abastecimento de águas potáveis. As que são captadas e canalisadas não bastam para a população urbana de Valença. Dous são os mananciais que abastecem a cidade: os da serra do Mascate e os da Serra de José Alves. Em muitas casas fazem provisão de água de cisternas, e em outros edifícios, dentro de chácaras aproveitam lacrymaes ou pequenas fonte”.... 56
Quanto à questão do esgoto, poucas obras foram realizadas, antes da
instalação da comissão de saneamento. Observava-se o seguinte:
... Poucas são as latrinas aperfeiçoadas, e as que existem não podem prestar serviços pelos defeitos nos encanamentos que conduzem os dejectos. As matérias excrementícias, em Valença, são lançadas directamente, nos córregos...57
Antes de 1889, Valença atravessou um período de muita apreensão dado
a um surto epidêmico de Varíola58 muito violento que ocorreu no ano de 1832, e
que atacava de preferência as pessoas pobres. Graças à iniciativa do
comendador Silveira Vargas, então presidente da Câmara, tornou-se obrigatória,
a vacina contra a varíola, recebida no município, sem repulsa.”... É curioso
realçar o espírito de visão do povo Valenciano, se o compararmos com o
movimento armado levado a efeito contra a vacina obrigatória, no Rio de Janeiro,
em 1906”.59
56 VIANA, Ernesto da C. de Araújo. Op. cit. p.43 57 Idem. ibdem P. 94 58 Varíola: Pedro Luiz Napoleão Chernoviz, médico Polonês que viveu no Rio de Janeiro durante muitos anos, em sua obra editada em 1842, apontava a varíola como doença importada da África, onde era endêmica, permanente, e também da Europa.Trazida por indivíduos contaminados, aqui se implantou, não mais desaparecendo. Denominada de “bexigas”, ela matou centenas de milhares de índios brasileiros. Segundo os jesuítas ela chegou na Bahia em 1561, quando matou 30 mil índios. Cobrindo o corpo de pequenas pústulas, sem remédio que a debelasse, ela atingiu todas as raças e classes, com um coeficiente mortal elevadíssimo. A principal arma contra a doença que é transmitida por vírus foi, a vacina anunciada por pelo médico inglês Edward Jenner em 1796. O povo temeroso buscou sempre se esquivar demorando mais tempo para a debelação da doença sendo possível somente no século XX. 59 IORIO, Leoni. Op.cit. p.297
Em 1855, constituiu-se a primeira comissão sanitária da Vila de Valença,
composta pelo delegado de polícia, presidente da Câmara e pelos cirurgiões Drs.
Francisco Antonio de Souza Nunes e Carlos José Cardoso. A Santa Casa de
Misericórdia criava uma caixa de socorros, amparada pelos fazendeiros e
capitalistas do município, os quais ofereciam recursos para atender às
necessidades dos indigentes atacados da epidemia.
A vila de Valença foi invadida no ano de1856, pelo terrível flagelo da
Cólera morbus60, a primeira epidemia a assolar o município, que obrigou os
vereadores a aprovarem um pedido ao Governo da Província, a para
providenciar a vinda de um médico, dois enfermeiros e duas irmãs de caridade,
que se encarregassem do tratamento dos indivíduos atacados pelo mal,
principalmente os escravos, que foram os mais prejudicados.61
Na Santa Casa, foi preparada uma enfermaria especial para os coléricos
e outra na Casa da Câmara, foram doadas camas, colchões e os doentes foram
tratados por médicos e irmãs de caridade.
Em 1864, intensificou-se a vacinação contra o mal variólico, tendo sido
designado para esse serviço os médicos Augusto Calmon de Siqueira e Luiz
Alves de Souza Lopes, para procederem à vacinação, todos os domingos, da
população local. Ainda no ano de 1867, a preocupação se estendia para outra
epidemia de cólera morbus que era também grande ameaça para o município62.
E importante destacar a atuação dos médicos Drº Francisco Júlio Xavier,
filho do grande patriarca da medicina Drº Xavier, nascido no Rio de Janeiro, mas
residente em Valença e do Drº Ernesto Frederico da Cunha também de família
60 Cólera morbus: Infecção intestinal causada pela bactéria Vibrio cholerae. 61 IORIO, Leoni. op. cit. p. 296 62 Idem, p. 298
tradicional Valenciana que atendeu com a população pobre do município durante
a 2ª epidemia de Varíola em 1872.
1.3 Assistência Hospitalar
Antes da fundação da Santa Casa de Misericórdia em 1835, funcionava na
então Vila de Valença, uma enfermaria de emergência para doentes
declaradamente pobres, dirigida pelo Comendador João Batista de Araújo Leite e
mantida a sua própria custa. Em 1838 funda-se a Irmandade da Santa Casa de
Misericórdia de Valença, sendo seus fundadores: Visconde de Baependi, e o
comendador João Batista de Araújo Leite. O hospital se manteve à custa de
mesários de todas as crenças religiosas.
... Em 1850 foi construído um edifício novo para abrigar o hospital, com paredes de pedras e cal e para satisfazer todas as condições de higiene exigidas, foi dotado de sala de operações, aparelho de raio X, quartos particulares, enfermarias para ambos os sexos, lavanderia elétrica, farmácia, sala do banco, capela, além de espaço páteo onde se encontra o necrotério.63
1.4 O lugar do negro na sociedade Valenciana.
Desde que o povoado de Valença, começou a ser formado pelo homem
branco por volta de 1823, uma capela foi erguida pelos catequizadores, José
Rodrigues da Cruz e padre Manoel Gomes Leal, sobre uma colina recebendo o
nome de Igreja Nossa Senhora da Glória demonstrando que Valença seria uma
sociedade católica. Os pretos escravos, em 1848 através de esmolas e auxílio de
alguns cidadãos também constroem uma igreja em homenagem a Nossa
63 Idem p. 300
Senhora do Rosário, santa de suas devoções, dando mostras de sua importância
perante a sociedade Valenciana.
Diante da repressão exercida pelos senhores escravistas, que não
autorizava nenhuma manifestação de suas tradições religiosas por medo de
insurreições, o escravo Valenciano consegue se inserir na sociedade através de
algumas de suas tradições como as festas: Marujadas e as Congadas. Luiz
Damasceno afirma ser difícil esquecer que:
...Ainda nos últimos anos de prosperidade, por que passou nossa terra, tivemos ocasião de assistir a uma festa religiosa, qual a da Nossa Senhora do Rosário, promovida por Dona Maria Bibiana de Lellis e Silva , ex-baronesa do Rio Preto, em a qual tomou parte a excelente Banda de música, composta de escravos de sua fazenda “Paraíso”, e que se compunha de 70 escravos . Todos os solos da missa foram cantados por escravos...64
As Marujadas e Congadas eram festas populares, inspiradas em
costumes africanos. No dia de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito eram
elas que chamavam a atenção da sociedade Valenciana.
“A passagem das marujadas impressionava pelo seu aparato, na
vanguarda do cortejo iam o rei e a rainha vestidos a rigor e ostentando uma
vistosa coroa”.65 O personagem do rei foi vivido muitos anos por Modesto –
Velho escravo da família do Drº Ernesto Cunha e posteriormente pelo preto
Raimundo.
Francisco Tiago (João da Terra), jornalista Valenciano, escreve sobre as
Marujadas e as Congadas em 1848, no jornal “O Valenciano” enfatizando a
participação dos negros na sociedade Valenciana:
64 Idem, op. cit. p.349 65 Ferreira, Luiz Damasceno. História de Valença. 1924. In: IORIO, Leoni. Op. cit. P.340.
... a conseqüente caçada de pretos nos portos da África, para abastecer de braço trabalhador barato a lavoura, trouxe de várias regiões e núcleos yorubanos e bantús, de Moçambique ou do congo, de Benguela e outras tribos negras, vários molecotes que se diziam filhos de reis. Quando o regime do chicote dos feitores e capatazes façanhudos amorteceu um pouco, os fazendeiros já abastados, as tulhas cheias e os cafezais em franca produção, tiveram os negros um pouco de liberdade para suas danças e sus ritos religiosos.66
Mas quanto à questão da relação dos escravos com seus senhores, no
tocante as condições de vida, alimentação, moradia, condições de saúde,
tratamento de suas enfermidades, principalmente em uma unidade produtiva,
ainda é bastante deficiente de acordo com a historiografia atual. O número de
pesquisas que tratam das enfermidades e condições de vida dos escravos para a
região de Valença são, inexistentes.
Para buscarmos estas informações é preciso conhecer como era tratada
a população em geral, no que se refere às doenças durante o século XIX, e
quem eram os responsáveis pela saúde pública no Brasil. Faremos uma análise
das práticas médicas adotadas desde o início da colonização, onde estão as
bases da medicina no Brasil, qual foi à importância da medicina indígena,
jesuítica até chegarmos ao século XIX que é o período ao qual se refere a nossa
pesquisa.
2- HISTORIOGRAFIA DA DOENÇA E PRÁTICAS DE CURA NO BRASIL.
Para os europeus que desembarcaram no Brasil em 1500, as primeiras
referências sobre as terras e os indígenas davam noção de ser um paraíso.
66 Idem. Op. cit.p. 348.
Algumas descrições feitas pelos navegadores, dizia-se que os índios eram
robustos e ágeis, desconhecendo as mortais enfermidades que já assolavam
todo o continente europeu, no mesmo período onde milhares de vida estavam
sendo perdidas.
Esta tendência idealizadora durou muito pouco tempo, segundo Bertolli
Filho67, esta versão foi logo substituída pela versão oposta.”...No século XVII, a
Colônia Portuguesa da América era identificada como o “inferno”, onde
colonizadores brancos e escravos africanos tinham poucas chances de
sobrevivência”.68
Conflitos com os indígenas, dificuldades materiais de vida na região e
sobretudo, as múltiplas enfermidades eram os principais obstáculos para o
estabelecimento dos colonizadores.
Diante deste dilema sanitário, ainda no século XVI, o Conselho Ultramarino
Português69 , criou os cargos de físico-mor e cirurgião-mor, e seus titulares eram
responsáveis por zelar pela saúde da população70. Esses cargos ficaram muito
tempo sem ocupantes, pois nenhum médico aceitava transferir-se para cá.
...O reduzido número de médicos foi uma característica de todas as áreas da América Portuguesa, que se acentuava nas regiões interioranas mais afastadas das áreas portuárias, onde a concentração de médicos e boticas era maior e mais fácil a importação de remédios do reino. No entanto isso não significa dizer que a situação dos moradores das cidades litorâneas fosse muito melhor do que aqueles que viviam nos sertões. No que diz respeito ao acesso de médicos e remédios, as vantagens de se viver nas cidades portuárias eram, muitas vezes, mais aparentes do que reais.. Os moradores de cidades como Rio de Janeiro e salvador, por exemplo, ás vezes podiam contar com o auxílio dos cirurgiões embarcadiços que acompanhavam os navios que freqüentemente atracavam em seus portos71
67 BERTOLLI FILHO, Cláudio. História da Saúde Publica no Brasil. História e Movimento. São Paulo: Àtica, 4ªed, 2004. 68 Idem. p. 05 69 Conselho Ultramarino Português: órgão responsável pela administração das colônias. 70 SANTOS FILHO, Lycurgo. Apud. SOARES, Marcio de Souza. Médicos e Mezinheiros na Corte Imperial. Revista de História, Ciências e Saúde. Vol.VIII(2). Fiocruz. Rio de Janeiro, 2001. 71 BERTOLLI FILHO, Cláudio. op. cit. Pág. 6
De acordo com Tânia Salgado Pimenta72 a fisicatura centralizava estes
dois cargos. As práticas médicas que fossem relacionadas à prescrição e
fabricação de remédios eram da alçada do físico-mor e as relacionadas às
intervenções cirúrgicas, da responsabilidade do cirurgião–mor.
Segundo Pimenta estas práticas terapêuticas eram muito variadas. Além
de cartas para médico, cirurgião, boticário, sangrador, parteira e curandeiro,
existiam ainda, licenças para “curar de medicina prática” (geralmente concedidas
a cirurgiões com carta que queriam receitar remédios para moléstias internas) e
para dentista. Havia uma hierarquia entre as categorias médicas: -sangradores,
tiradores de dente, parteiras, curandeiros, eram segundo a fisicatura ofícios
inferiores aos dos médicos, cirurgiões e boticários. Correspondendo ao status de
categorias subalternas, seus praticantes eram, pouco prestigiados socialmente:
mulheres, escravos, forros e africanos que exerciam estas atividades.
Santos Filho73 define muito bem estas categorias profissionais:
• Físicos: eram os médicos, ou físicos, também chamados de licenciados.
Possuíam diplomas ou licenças, estudaram em escola da Península Ibérica, em
Coimbra ou Salamanca e aqui ocuparam os cargos de físicos de El-Rei ou da
Coroa, do Senado da Câmara e do “partido” da tropa. Assim foi por todo o
período Colonial. Quanto aos “doutores”, os que defenderam tese ou “conclusões
magnas”, esses vieram a partir de fins do século XVII e no XVIII. Formados em
Coimbra, Montpellier ou em Edimburgo.
72 PIMENTA, Tânia Salgado. Terapeutas Populares e Instituições Médicas na Primeira metade do Século XIX. IN: CHALHOUB, Sidney. Artes e Ofícios de Curar no Brasil. São Paulo, 2003. 73 SANTOS FILHO, Lycurgo. Pequena História da Medicina Brasileira. São Paulo, 1966.
• Cirurgiões: Cirurgiões-barbeiros, cirurgiões-aprovados e cirurgiões-
diplomados exerceram a arte do século XVI ao XIX. Os cirurgiões-barbeiros
dada à escassez de físicos monopolizaram o exercício da medicina nos séculos
XVI e XVII. Além dos atos operatórios mais comuns, amputar, reduzir luxações,
tratar de ferimentos e fraturas ainda sangravam, sarjavam74 aplicavam ventosas
e sanguessugas e extraiam dentes. Começavam como aprendizes, observando
os mais velhos e depois eram examinados e recebiam Carta de cirurgião
barbeiro.
• Os cirurgiões-aprovados seguiram um curso teórico-prático em hospitais
e submetiam-se, a exame para obtenção da carta.
• Os cirurgiões-diplomados eram formados em escolas européias que não as
da Península Ibérica, também vieram para cá no século XVIII em número muito
reduzido. Durante estes três primeiros séculos da colonização, o exercício da
medicina em todo o território esteve de certo modo entregue aos cirurgiões-
barbeiros devido à escassez de físicos já relatada.
Outros profissionais que também atuaram nos três primeiros séculos da
Colonização segundo Santos Filho foram os boticários, barbeiros e curadores.
• Semelhante aos físicos e cirurgiões, os Boticários também eram cristãos-
novos de condição inferior, e oriundos da Península Ibérica. Não existindo
escolas de farmácia, estudaram o ofício como aprendizes de boticário,
submetendo a exame diante da fisicatura (comissários do físico-mor) e
receberam carta. Estabeleciam com a botica e contratavam um auxiliar
aviavam receitas, vendiam drogas e concorreram com os físicos e cirurgiões na
prática da medicina.
74 Sarjjar: incisão superficial na pele, para retirar sangue, ou num tumor, para drenar pus.
• O barbeiro: foi o mais humilde dos profissionais da medicina, mas em
compensação foi o mais solicitado pela população. Além de cortar os cabelos e
fazer a barba, efetuou todas as pequenas cirurgias da época, isto é, sangrou,
aplicou, ventosas bichas e clisteres etc. Negros e mulatos se assenhoraram do
ofício desde o século XVII até os anos finais do XIX.
• Os curadores: devido à escassez já citada, o curandeirismo segundo
Santos Filho foi um mal necessário. Curadores foram os padres jesuítas, os
fazendeiros, senhores de engenho até o século XX. Acudiram os familiares, os
agregados e os escravos com os conhecimentos médicos hauridos nos manuais
de medicina popular ou caseira dos quais o mais famoso foi o Dicionário de
Medicina popular de Pedro Luís Napoleão Chernoviz75 .
Com o fim da fisicatura em 1826, a Sociedade de Medicina do Rio de
Janeiro passou a ser consultada sobre as questões de saúde no Brasil, porque o
pequeno número de médicos e cirurgiões que se instalaram no Brasil
encontraram um país mergulhado em muita pobreza, a maioria dos habitantes
não tinha como pagar por uma consulta e também existia o medo de se
submeterem aos tratamentos.
No Brasil colonial, a população rica ou pobre preferia utilizar o
conhecimento dos indígenas do que aqueles remédios receitados por médicos
europeus, pois eram basicamente purgantes e sangrias, estes tratamentos
enfraqueciam e causavam a morte daqueles que estavam em estado grave.
75 CHERNOVIZ, op. cit. 40
2.1 A MEDICINA INDÍGENA
Lycurgo Santos Filho76 em sua obra Pequena História da Medicina
Brasileira, diz que os indígenas jaziam no mais baixo grau de civilização. E seus
conhecimentos sobre a Arte de curar assemelhavam-se aos possuídos pelos
povos dos tempos pré-históricos.
Para eles, a doença era provocada por uma causa natural, reconhecível
ou visível, a exemplo de uma flechada, ou, então, sobrevinha por uma influência
oculta, sobrenatural, que faria aparecer a dor, ou a febre, ou outro sintoma, como
o vômito e a diarréia. ‘’... A origem das doenças resumia-se na introdução de um
agente ou de um objeto estranho ao corpo, por causas naturais e
sobrenaturais”77.
Práticas mágicas afastariam a maléfica ação dos entes superiores
provocadores das doenças, enquanto os sintomas evidentes eram combatidos
pelo uso de elementos dos três reinos da natureza, principalmente o vegetal.
Denominava-se ‘’Pajé’’, o curador ou médico-feiticeiro que ministrava o
remédio e executava as práticas de exorcismo. Era um empírico, quando
medicava guiado apenas pela experiência no preparo e indicação das drogas. E
era um mágico, um feiticeiro, quando se entregava aos rituais místicos e às
cerimônias de encantamento e invocação de forças ocultas. Empiria e magia são
elementos constitutivos do universo da medicina indígena.
76 SANTOS FILHO, Lycurgo. Op. Cit. P. 15 77 Idem p. 18
2.2 O INDÍGENA E AS DOENÇAS
Os nativos brasileiros impressionavam pela sua robusta constituição física.
Eram geralmente fortes e sadios e sofriam de poucas doenças. Através dos
relatos de cronistas do século XVI78 , sacerdotes e leigos citados por Santos Filho
sabia-se quais as entidades mórbidas que afligiam os indígenas.
Cita-se a bouba ou piã, caracterizada pelo aparecimento de lesões
cutâneas; o bócio endêmico, vulgarmente chamado papeira; certas parasitoses e
dermatoses, ou afecções da pele, produzidas por fungos e bactérias: gripe;
disenterias, afecções do aparelho respiratório, perturbações alimentares;
mordeduras de animais peçonhentos; ferimentos de guerra e acidentes, como
cegueira e perda dos membros.
A Sífilis e a malária são enfermidades que segundo Lycurgo não existia
na época, pré-cabralina. E muitas doenças tropicais, aqui eram totalmente
desconhecidas.
A varíola, o sarampo e a febre amarela que vitimou centenas de milhares
de aborígenas foram introduzidas pelos brancos e pelos negros, nos primórdios
da colonização. O comportamento dos índios perante a doença era bastante
peculiar, pois eles tinham verdadeiro nojo e horror à doença.
Afastavam-se logo daquele que enfermava. Eram fatalistas e quando
adoeciam aguardavam na rede a visita do pajé que tanto poderia trazer-lhe a
morte como a saúde. Quando desenganado pelo “Pajé”, o indígena via-se
abandonado à própria sorte e morria sem assistência.
78 Idem pp. 21-24
Além das práticas mágicas, o curador indígena valia-se de numerosos
espécimes da flora brasileira, cujo conhecimento das virtudes medicinais era
transmitido de geração a geração. Seguem alguns exemplos de plantas utilizadas
pelos “pajés” para curar várias enfermidades:
Plantas Enfermidades e usos
1-Caju – ananás – jaborandi. • Usado como diuréticos 2-Guaraná • Disenterias
3-Copaíba pariparoba-cabriúna
• bouba • ferimentos e afecções
4-Quineiras - maracujás • febres 5-Poaia - batata -de -purga • purgativos 6- Contra-erva - pau-cobra erva-de-cobra
• mordeduras de cobra • animais venenosos
7- Tabaco - jataí • doenças pulmonares Fonte: Santos filho, Lycurgo. Pequena História da Medicina.
Ao lado dos vegetais, outras substâncias orgânicas e inorgânicas também
figuravam como remédios, a saliva, a urina, o sangue humano e de animais,
gordura de onça, bicos, garras, chifres, ossos e cabelos todos calcinados e
pulverizados e ainda sapos queimados e reduzidos a pó. O pajé colhia as plantas
na mata, sozinho, guardando segredo de seus conhecimentos e apenas os
jesuítas conseguiram desvendá-los.79
A medicina e o culto ao sobrenatural foram sempre exercidos por um
indivíduo, entre os povos da antiguidade. Ainda na Idade Média, era nos
conventos católicos que se cultivava a ciência médica. E as primeiras
79 SANTOS FILHO, Lycurgo. Op.cit. p.18
universidades européias contaram unicamente com os monges para o ensino da
medicina. 80
Nos tempos da catequese, os pajés sofreram uma grande campanha de
descrédito por parte dos jesuítas e estes terminaram por desmoralizá-los. O
jesuíta insinuou-se junto aos nativos e substituiu o pajé até mesmo como curador.
E os resquícios da Arte médica indígena fundidos com o que restou da
Arte Africana, persistiram apenas e bastante deturpada entre os curandeiros,
feiticeiros e pais-de-santo dos candomblés e dos centros espíritas.
2.3 MEDICINA DOS NEGROS, SUAS DOENÇAS E A CURA.
Vinculada totalmente a fatores religiosos, a medicina dos negros foi
exercida no Brasil em larga escala e com muita popularidade até meados do
século XIX. “...As práticas de cura dos sangradores e curadores estavam
relacionadas às visões cosmológicas dessas pessoas, na maior parte africanos,
e descendentes de africanos, em que as doenças eram associadas a elementos
espirituais”81 .
Segundo Márcio de Souza Soares, a concepção da doença está vinculada
a um sinal de descontentamento de um orixá, de um ancestral ou da violação de
um tabu ou da ação de espíritos malfazejos. Neste último, a enfermidade era
provocada por um feitiço.
De um modo ou de outro, a enfermidade era concebida como algo
estranho instalado no interior do corpo do enfermo e por conseguinte a cura
80 Idem. P.19 81 PIMENTA, op. cit.p. 324.
consistia em fazer passar o mal para um objeto exterior ao corpo, lançá-lo fora e
destruí-lo, ou então, se houvesse a intenção de prejudicar alguém, bastava
deixar esse objeto no caminho para que, ao tocá-lo, a doença pudesse atingir o
desafeto.82
Entre os bakongos, importante grupo étnico da região do congo-Angola,
esses amuletos eram conhecidos como minkisi (plural de nkisi). De acordo com
pesquisas realizadas pelo antropólogo Waytt Maccgaffey, citado por Soares, o
nkisi era o nome dos amuletos pessoais utilizados pelas pessoas para proteger a
alma e guardar o corpo contra as enfermidades ou alcançar a cura.83
Para os bakongos o nkisi tinha vida, e ele era capaz de capturar uma
centelha de divindade ou um espírito, por isso seriam capazes de curar as
pessoas. Esta vida poderia ser dada ao nkisi por um ancestral que voltou do
mundo dos mortos para servir ao dono do talismã.84
Segundo Soares vários médicos e viajantes estrangeiros observaram, por
exemplo, que a sangria era uma prática terapêutica extremamente popular,
praticada pelos centro-africanos em seus rituais de cura.
...A causa principal das doenças nestas regiões é atribuída à efervescência do sangue, contaminado pela condição dos alimentos e pela qualidade do ar, o sangue procura expulsar estas infecções através da pele. Portanto para curar estas doenças, além do freqüente uso de ervas fervidas como comida e como medicamentos, pratica-se a sangria...85
Na concepção dos antigos Bakongos, o ser humano era um todo
composto de quatro elementos que asseguravam a sua existência em virtude de
82 SOARES, Márcio de Souza. Cirurgiões Negros: Saberes Africanos sobre o corpo e as Doenças nas Ruas do Rio de Janeiro Durante a !ª metade do Século XIX. Lócus. Juiz de Fora, 2002. 83 Soares, Márcio de Souza. Op. cit. P.43 84 Idem. Pág. 44 85 Idem p. 45 85 SOARES, op.cit. p.47
sua combinação; o corpo(nitu); o sangue(menga) que era considerado o fluido
vital posto que carregava a alma(mo-oyo) e o duplo que vinha a ser tanto a
sombra do corpo quanto o princípio inteligente. Somente a morte poderia
dissociar esses elementos, mas a doença tinha a capacidade de perturbar a
relação entre eles.
O ato terapêutico da sangria era executado na intenção de agir sobre cada
um desses elementos para restabelecer a relação de harmonia entre eles,
garantindo assim a saúde.86
2.4 MEDICINA JESUÍTICA
A assistência médica foi uma das armas mais poderosas empregadas
pelos padres jesuítas na catequese dos nativos brasileiros. Visando um maior
contato com o nativo, deu à Companhia de Jesus um de seus maiores títulos de
glória, qual seja, o de haver proporcionado o socorro médico, não somente ao
indígena, como a todos os demais habitantes, aos colonizadores e aos negros
escravos.
Chegados à Bahia em 1549, no séqüito do governador-geral Tomé de
Souza, os filhos de Santo Inácio aqui permaneceram até 1759, quando foram
expulsos por determinação do Marquês de Pombal. “...Nos dois séculos que
ficaram no Brasil, aldearam o indígena, catequizaram-no, ensinaram-lhes ofícios
manuais e assistiram-nos quando enfermos”87.
87 SANTOS FILHO, Lycurgo. Op. cit. P.21
Com os seus afamados colégios detiveram o monopólio do ensino em toda
a imensa extensão do país. As enfermarias e as boticas que possuíram nos seus
estabelecimentos atenderam aos habitantes, desde o governador-geral ao
escravo africano.
Dedicaram–se à assistência médica nos primeiros anos quase todos os
padres e irmãos jesuítas, dentre eles Manuel da Nóbrega e José de Anchieta.
Nestes duros anos da catequese, o inaciano lancetou, sangrou e até
partejou. No noviciato na Europa, os discípulos de Santo Inácio adquiriram prática
para um socorro médico de urgência. O grande mérito dos Jesuítas consistiu em
experimentar e tornar conhecidas as propriedades medicinais de diversos
vegetais brasileiros empregados pelos nativos. Soube, com muita clarividência,
aliar os preceitos da Arte Hipocrática88 trazidas da Europa, aos aqui aprendidos
juntos aos curadores e indígenas.
As cartas jesuíticas escritas aos seus superiores da Companhia de Jesus
na Europa encerravam preciosos dados e observações sobre patologia e
terapêutica. Apontam as doenças verificadas e quais eram os remédios
aplicados nas várias enfermidades e epidemias da época. Pelo vulto e pelos
resultados, pode-se afirmar, segundo Santos Filho, que a medicina que
predominou no Brasil do Século XVI até meados do século XVIII, quando foram
expulsos, foi a medicina jesuítica.
Por volta de 1746 os administradores de algumas capitanias, reconheciam
que médicos europeus eram “raros e caros” enquanto os boticários (espécies de
88 Arte Hipocrática: arte médica exercida por Hipócrates na Grécia Antiga. É na Grécia Antiga que a medicina passa a ser considerada uma ciência, pois a doença passa a ser vista como fenômeno natural. Assim a arte de curar deixa de ser simplesmente um dom dos céus para tornar-se algo que pode ser transmitido e ensinado.
farmacêuticos), haviam se “degenerado” negando a atender e socorrer os
enfermos sem dinheiro.
Pelas determinações legais de Lisboa, o cuidado com as questões relativas
a saúde pública na Colônia ficava a cargo dos comissários enviados pela Coroa
e do Senado das Câmaras Municipais. Cabiam, então, a essas instâncias de
poder a fiscalização e aprovação de provisões e licenças a médicos, cirurgiões,
boticários, parteiras e barbeiros.
O Dicionário Moraes e Silva, 1813 define:
Médicos: professor de medicina; aquele que respeita a medicina; que respeita a
cura.
Cirurgiões: o que sabe e pratica a cirurgia.
Boticários: o que sabe farmácia, e que vende simplices ou preparações medicinais.
Parteiras: s.m. O médico, ou cirurgião que assiste as mulheres no parto, para
lhes ministrar os socorros da Arte Obstetrícia.
Barbeiros: homem que faz as barbas e as raspa, corta, ou apara.89
Essas concessões eram expedidas após a verificação oficial das
habilitações ou da experiência apresentadas por aqueles que se propunham ao
exercício da arte de curar.
Em 1808, com a vinda da corte portuguesa para o Brasil, a questão da
saúde sofreu muitas mudanças pela administração pública colonial. Por ser a
capital do império lusitano, o Rio de Janeiro foi alvo de ações sanitárias. “...D.
89 SILVA, Antonio de Moraes. Dicionário da Língua Português. Lisboa: Lithotipografia Fluminense, 1813.
João VI procurou oferecer uma imagem nova da região que os europeus
definiam como território da barbárie e da escravidão”90.
Para uma organização melhor das questões sanitárias foram criadas as
Academias Médico-Cirúrgicas do Rio de Janeiro e da Bahia em 1813 e 1815.
Logo após D. Pedro I fundou a Imperial Academia de Medicina. Esse
órgão funcionou como consultivo do Imperador nas questões da Saúde Pública
Nacional.
Também nesta mesma época foi criada a Junta de Higiene Pública, que
se mostrou segundo Bertolli Filho, muito pouco eficaz e não alcançou o seu
principal objetivo que era cuidar da saúde publica.
Luís Otávio Ferreira91 afirma que não resta dúvida de que, a implantação do
ensino médico no Brasil, foi um passo importante na direção do afastamento
cultural entre as medicinas culta e popular. Para seus idealizadores, as
faculdades de medicina deveriam assumir a árdua tarefa de cancelar os antigos
padrões herdados do período colonial, promovendo uma verdadeira aculturação
da medicina local de acordo com novas tendências da medicina européia,
sobretudo no campo da clínica e da higiene. No entanto, pelo menos durante
grande parte do século XIX, a atuação das escolas médicas ficou muito aquém
da expectativa92.
Os primeiros periódicos médicos brasileiros que circularam na Corte,
tiveram sua trajetória relacionada ao advento do mercado editorial quanto ao
movimento de institucionalização da medicina empreendido no momento
posterior à independência política. Por um lado, eles constituíram, junto com
90 BERTOLLI FILHO, Cláudio, op. cit. p.8 91 FERREIRA, Luiz Otávio.Medicina Impopular. In: CHALHOUB, Sidney. et. all. Artes e Ofícios de Curar no Brasil. São Paulo, Unicamp. 2003. 92 FERREIRA, Luis Otávio. Op. cit.p.102
revistas dedicadas às ciências, um papel importante como instrumento utilizado
pelas sociedades de medicina na tentativa de forjar uma opinião pública a
respeito dos problemas de saúde no país.93
Mas, por outro lado, mesmo com o apoio das autoridades médicas oficiais,
os primeiros periódicos médicos brasileiros encontraram sérias dificuldades para
sobreviver. A ausência de um número expressivo de leitores especializados
obrigava os médicos periodistas ao confronto direto com as opiniões leigas a
respeito da medicina. Acentuava-se então a necessidade de uma reflexão sobre
os problemas culturais envolvidos no processo de legitimação social da medicina
acadêmica. A consciência da impopularidade da medicina se fazia presente.94
Os médicos do Império, sobretudo os que atuavam na Corte, não sabiam
o que fazer para evitar as doenças infecciosas que atingiam os habitantes da
capital, depois disseminados pelos viajantes por todo o país, inclusive entre os
índios da Amazônia.
Um das primeiras hipóteses, levantadas nos debates médicos foi a de que
os navios vindos do estrangeiro seriam os principais causadores das epidemias
cariocas, como as de varíola, febre amarela e a cólera95.
Um dos procedimentos adotados pela Inspetoria de Saúde dos portos era
deixar os enfermos passarem por um período de isolamento, a chamada
93 Idem. P.103 94 Idem, p. 104. 95 Febre amarela: Doença infecto–contagiosa causada por um vírus transmitido ao homem pela picada de mosquito. Caracteriza-se por um começo brutal, com febre de quarenta graus, dores violentas nas costas e na cabeça e vômitos, podendo levar a morte. Varíola: Moléstia infecciosa causada pelo micróbio (vírus) chamado Poxvirus variolae, resultando em febre alta, vômitos dores generalizadas e principalmente no aparecimento de bolhas, que deixam, cicatrizes pelo corpo. A forma Varíola major é muito grave, matando vinte em cada cem atingidos. Cólera: Infecção Intestinal aguda e muito contagiosa causada pelo bacilo Vibrio Cholerae, presente em águas poluídas. È caracterizada por diarréia abundante, Vômitos e Cãibras, se não tratada rapidamente, pode levar à morte num período de 12 a 36 horas.
quarentena, onde os passageiros que desembarcavam doentes eram obrigados
a se isolarem numa ilha próxima à baia de Guanabara.
Outra teoria levantada na época, por alguns médicos, era de que as
enfermidades eram causadas por “miasmas”, isto é, pelo “ar corrompido” que
vindo do mar, pairava sobre a cidade. Como precaução, recomendavam aos
mais ricos que se afastassem da Corte nos períodos de crise sanitária.
Um aumento da preocupação com o mal amarílico, agravado pelos novos
surtos epidêmicos nos portos de santos e Rio de Janeiro em meados do século
XIX, fez difundir no Brasil uma polêmica, que já era percebida a nível mundial,
entre os defensores de diferentes teorias médicas em torno de diagnósticos,
causas e profilaxias da febre amarela96.
Na verdade, durante todo o século XIX, a disputa entre a medicina
acadêmica e a medicina popular se tornou cada vez mais evidente, sobretudo
em determinados contextos, como o do combate às epidemias, quando a
gravidade da situação expunha a incapacidade da ciência médica de deter a
propagação das doenças.97
Marta de Almeida aponta-nos ainda que essas concepções médicas foram
agrupadas pela historiografia em três referenciais teóricos:
...de um lado, a teoria contagionista sustentava que a doença era transmitida de pessoa para pessoa através de algum contato físico ou indiretamente, através de objetos contaminados pelos doentes ou da respiração do ar que os cercava. De outro lado, havia os adeptos da teoria infeccionista, para quem os miasmas emanções maléficas, provenientes de matéria animal ou vegetal em decomposição__ seriam os responsáveis pelas infecções que alteravam as condições do ar, causando terríveis moléstias , e a terceira concepção era a dos médicos receptivos às inovações laboratoriais, que reestruturaram e reinterpretaram a doença á luz de Pasteur : causa microbiana, especificidade etiológica, eventual imunização98.
96 ALMEIDA, Marta de. Tempo de Laboratórios, Mosquitos e Seres Invisíveis. In: CHALHOUB, Sidney. Op. cit. pág.124 97 FERREIRA. Op. cit.pág.120 98 Almeida, Marta de. op. cit.127
Muitas vezes, afirma Marta, os contagionistas e os infeccionistas se
combinavam em explicações médicas que admitiam que a doença infecciosa
pudesse ser transmitida de uma pessoa adoentada para a outra, embora a causa
da doença não estivesse diretamente ligada ao contágio, mas à alteração
causada pelo infectado nas condições do ar circundante.99
O próprio movimento em torno da suposta cientificidade da medicina, gerou
novas discordâncias quando as atenções médicas, baseadas nas inovações
bacteriológicas, se voltaram para os agentes etiológicos das doenças,
principalmente a partir de 1870, com a “revolução pasteuriana” diversificando
ainda mais o campo de disputas pela hegemonia entre os saberes sobre as
doenças e a saúde no século XIX.100
A saúde pública, de maneira geral favoreceu a consolidação da microbiologia
nos meios institucionais da ciência médica, visando detectar a especificidade
etiológica das doenças e eventual imunização ou vacinação. Neste sentido, as
políticas de saúde pública tiveram um papel importante e inovador ao
estabelecer novas frentes de atuação sanitária a partir das inovações
microbiológicas.
As doenças reinantes nos séculos anteriores e que continuaram a afligir a
população, as denominadas tropicais, foram as que ensejaram as primeiras
pesquisas, os primeiros estudos originais brasileiros.
Segundo Santos Filho, não foi o Rio de Janeiro, então o maior centro médico
do país, mas sim na Bahia, que se realizaram tais estudos, na segunda metade
do século XIX.Alguns médicos bem orientados cientificamente, empregaram o
99 Idem. P,127 100 Idem ,p 126
microscópico, valeram-se dos recursos da anatomia-patológica, o conhecimento
dos tecidos e órgãos doentes em reunião com a presença dos enfermos
discutiram e observaram as causas, sintomas e a evolução das doenças.101
Porém a verdadeira experimentação científica só iniciou-se no século XX
com os trabalhos de Oswaldo Cruz e de seus assistentes no Instituto de
Manguinhos. Os médicos de Salvador foram os predecessores. “...E
convencionou-se dar ao conjunto de sua obra a denominação de Escola
Tropicalista Baiana.102
2.5 Causas das Enfermidades dos Escravos.
A historiografia contemporânea sobre a vida dos escravos liderada
principalmente por Mary C. Karasch, com sua obra A vida dos Escravos no Rio
de Janeiro (1808-1850) editada em 1987, faz uma análise detalhada sobre as
condições de vida dos escravos no Rio do Janeiro; afirma que além de fatores
como a má-nutrição, maus-tratos-físicos, roupas, moradia, trabalho excessivo
ainda tinha um fator mais agravante que eram as condições do ambiente. A
cidade do Rio de Janeiro era considerada uma das mais insalubres da época.103
Segundo Karasch, as ações intencionais ou não dos senhores contribuíam
diretamente para o impacto de doenças específicas ou criavam indiretamente as
condições nas quais uma moléstia contagiosa espalhava-se rapidamente pela
população escrava. Sobretudo, a decisão dos senhores cariocas de introduzir
101 SANTOS FILHO, op.cit. 93 102 Idem, p. 94 103 KARASCH, Mary.C. A Vida dos Escravos no Rio de Janeiro.São Paulo, Companhia da Letras, 2000.
africanos da zona rural em um ambiente urbano, estranho e insalubre tinha um
alto custo de vida.104
Embora houvessem doenças sobre as quais nem os “senhores
benevolentes” tinham controle, a gravidade de outras, em especial da
tuberculose, que era a principal causa de morte de escravos no Rio, estava
diretamente relacionada com os baixos padrões sócio-econômicos de existência.
Assim, a causa essencial da mortalidade dos escravos cariocas era o próprio
ambiente mórbido da cidade.105
Ainda, segundo Karasch, o ambiente do Rio era hostil não somente aos
novos africanos, mas também aos indígenas do interior do Brasil e aos escravos
brasileiros das regiões rurais. Afirma que: o intercâmbio existente entre os novos
grupos vindos da África Central durante o século XIX, misturavam-se aos grupos
de escravos já existentes e com os senhores, resultando num intercâmbio mortal
de moléstias. Por este motivo, os escravos cariocas tinham que sobreviver a uma
gama maior de doenças do que os escravos da zona rural.106
Em seu estudo sobre o município de Vassouras também localizado no Vale
do Paraíba, Stanley J. Stein,107 também descreve as causas das enfermidades
dos escravos tais como Karasch e acrescenta que a alimentação além de muito
deficiente, era algumas vezes constituídas de alimentos deteriorados: carne-
seca, bacalhau salgado era a base da alimentação, freqüentemente consumidos
em condições pútridas.
As senzalas imundas e muita gente amontoada em espaços exíguos também
eram causas das enfermidades dos negros. Na ausência de latrinas, os escravos
104 KARASCH, Mary. C. op. cit. p.207 105 Idem. p. 208 106 KARASCH, op. cit. p.208 107 STEIN, Stanley J. Grandeza e Decadência do Café no Vale do Paraíba.São Paulo ,1961.
e os trabalhadores espalhavam seus excrementos por toda parte. As cascas de
café e outras substâncias sujavam os riachos onde os escravos matavam a
sede.
Com estas condições anti-higiênicas muitas fazendas eram um aglomerado
de doentes e aleijados.108
Os escravos doentes eram freqüentemente tratados por seus senhores que
pouca noção tinham de medicina. Alguns senhores desprezavam os primeiros
sintomas da moléstia. “Muitos escravos morriam vítimas de cruel abandono por
parte dos fazendeiros, que tachavam, suas queixas de fingimento”109 quando a
enfermidade do escravo era reconhecida incurável, freqüentemente era
alforriado110.
Segundo Stein, o mais comum dos males das fazendas era o bicho-de-pé,
uma vez introduzido na parte carnuda do pé, provocava ulcerações e
incapacitava o escravo para o trabalho. Cólicas e prisão de ventre, convulsões e
tosse comprida eram freqüentes também, mas nada era mais temida do que a
erisipela, uma doença endêmica, muito freqüente no Brasil.111
Para Karasch, excetuando a malária, a varíola e a febre amarela que não
respeitavam posições sociais, as outras doenças podem refletir os baixos
padrões socioeconômicos de vida da população escrava. Em outras palavras os
escravos morriam em maior número de moléstias cuja incidência diminui à
medida que os padrões de vida de um grupo populacional melhoram.
Os escravos que eram “mal alimentados, mal vestidos, expostos a todos
os danos do ar e submetidos a um trabalho quase contínuo, não podiam
108 STEIN. op.cit. p.221 109 Idem p.222 110 FONSECA, Caetano da. Manual. Apud Stein, p.223 111 STEIN, op. cit. 224.
preservar sua saúde ou resistir aos ataques das doenças. O resultado era
inevitável “despovoação” entre os escravos, ou como admitia o autor de um
manual do agricultor , a América “devorava” os negros.112
No seu estudo sobre as condições de vida dos escravos do Rio de Janeiro,
ela relaciona como causas mortes as seguintes enfermidades:
David Gomes Jardim, em sua tese apresentada à Faculdade de Medicina
no Rio de janeiro em 1847, sobre a Higiene dos Escravos, chega à conclusão de
que todas as enfermidades a que os negros estavam submetidos, provinha da
omissão das mais simples leis da higiene e da incerteza das bases do tratamento
das moléstias desta classe de homens.113
Reconhece que, as causas das enfermidades em quase todos os países,
era quase sempre as mesmas. A alimentação deficiente constando apenas de
milho, feijão e, na falta deste, a mandioca, forma a alimentação diária dos
escravos no Brasil.
112 KARASCH, op. cit. p. 258. 113 JARDIM, David Gomes. Algumas Considerações Sobre a Higiene dos Escravos. Rio de Janeiro, 1847.
1ª causa-morte Tuberculose
2ª causa-morte Doenças gastro-intestinais
3ª causa-morte Doenças respiratórias
4ª causa-morte Enfermidades nervosas
5ª causa-morte Doenças da 1ª infância
Uma refeição não variada, e muitas vezes em quantidades insuficientes e
ainda mal preparada influía no desenvolvimento das moléstias.
A farinha de mandioca é mal preparada porque nunca se extrae todo o veneno, por meio da pressão, nem se corrige a sua má qualidade pela ação do fogo. As vasilhas nas quais se prepara a comida dos escravos é de cobre, são mal lavadas e muitas vezes contêm azinhavre114, podendo causar envenenamentos.115
Como podemos perceber ao longo do desenvolvimento de toda a história
da medicina desde o período colonial até o século XIX, os cuidados com a saúde
da população em geral e principalmente dos escravos ficaram a cargo de
diversos segmentos.
A monopolização das práticas de cura foram ao longo deste tempo objeto
de disputa entre a chamada medicina empírica, representada pelos curandeiros,
feiticeiros, sangradores, barbeiros e principalmente pelos senhores e a medicina
científica representada pelos médicos. A saúde dos escravos ficava a cargo dos
seus senhores, que na maioria das vezes ignorava completamente os sintomas,
achando que os escravos estavam fingindo para não trabalhar.
114 Azinhavre: veneno chamado quimicamente de hidrocarbonato de cobre. Tem cor verde que se forma na superfície do cobre ou latão, quando expostos ao ar úmido. 115 JARDIM, op. cit. p.8
Mapa 1
Mapa 2
Mapa 3
Capítulo 2 - A Farmácia
A farmácia pertencente ao hospital dos escravos da fazenda Santo Antonio
do paiol, é nossa principal fonte de pesquisa. Através da análise e identificação
de suas substâncias químicas tivemos como objetivo apontar algumas das
enfermidades sofridas pelos escravos que ali viviam. Nesse sentido, torna-se
fundamental trazer para dentro de uma análise histórica, do período em estudo,
alguns conhecimentos de caráter farmacêutico, médico, biológico e de saúde
que irão nos ajudar a dimensionar o aspecto mais importante da pesquisa que é
o social.
Tentaremos demonstrar também como ocorria a dinâmica do atendimento
médico-hospitalar durante o decorrer das enfermidades nesta propriedade. Para
isto iniciamos como suporte para nossa fonte de análise o Formulário e Guia
Médico de Pedro Luiz Napoleão Chernoviz, por conter todas as informações
relacionadas à saúde durante todo o século XIX.
A partir daí, tivemos a confirmação de que as substâncias analisadas foram
utilizadas durante esse século. Então, na medida do possível procuramos
investigar através do nome escrito no rótulo do frasco, qual era a substância,
quais eram suas propriedades e o mais importante, para quais enfermidades
poderiam estar sendo utilizadas.
Para complementarmos o estudo, analisamos a documentação de origem
médica, que possibilitaria um cruzamento de dados e nos permitiria confirmar se
as substâncias eram utilizadas para a composição de receitas médicas.
A existência de 36 receitas médicas, correspondentes ao ano de 1883,
aviadas para os escravos também confirmam que as substâncias da farmácia
eram usadas na composição dos medicamentos. As receitas médicas serão
trabalhadas no capítulo 3.
Mas para entendermos melhor o que são fármacos, suas propriedades e
terapêutica, voltaremos um pouco mais no tempo e verificaremos o quanto suas
descobertas pelo homem foram de extrema importância ao longo da história.
2.1 O legado da farmácia.
Os fármacos, nas formas vegetais e minerais, são mais antigos que o
próprio homem. A doença e o instinto de sobrevivência do homem através dos
tempos levaram-nos à sua descoberta. O uso dos fármacos, ainda que na forma
bruta, indubitavelmente data de antes dos primeiros registros históricos, porque
o instinto do homem de aliviar a dor de uma ferida banhando-a em água fria ou
sedando-a com lama faz parte do domínio das lendas.
Com a experiência, o homem primitivo aprendeu que algumas terapias
eram mais efetivas que outras e assim a prática da terapia com fármacos remonta
de tempos imemoriais116.
Como definiríamos então um fármaco? “ fármaco é definido como um
agente que se pretende usar no diagnóstico, na mitigação, no tratamento, na cura
ou na prevenção de doenças humanas e de animais”117
Segundo o autor umas das qualidades dos fármacos é a diversidade de
ações e efeitos sobre o organismo.
Os fármacos categorizados como oxitócicos, estimulam a atividade do músculo uterino, enquanto outros agentes atuam como relaxantes deste músculo. Os midriáticos dilatam a pupila, os mióticos,
116 ANSEL, Howard C. at all. Farmacotécnica: Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação de Fármacos. Editorial Premier.São Paulo, 2000. p. 03 117 ANSEL, op. cit. p. 01.
promovem a sua constrição. Os fármacos também podem fazer com que o sangue seja mais coagulável. Os denominados eméticos induzem o vômito, enquanto que os antieméticos fazem o contrário. Os diuréticos aumentam o fluxo urinário, os expectorantes aumentam o volume dos líquidos e os laxantes provocam evacuações. Os fármacos também são usados para reduzir dor, febre, atividade tireoidiana, e combater doenças infecciosas. 118
Para Ansel a grande série de agentes medicinais hoje representa um dos
maiores feitos do homem. Seria impossível conceber a humanidade sem esses
agentes, pois muitas doenças que afligiram a humanidade através da história,
como as que destacaremos no século XIX, puderam ser tratadas e hoje são
consideradas extintas com a descoberta dos fármacos.119
Santos Filho afirma que:
a orientação da antiga terapêutica consistiu em purgar e sangrar. A sangria ou sanguilexia, foi a panacéia universal dos tempos pretéritos. Era empregada em todas as doenças, conjuntamente com os remédios vomitivos e purgativos, dos reinos vegetal e mineral. A par destes, os sudoríficos , para suar, e os antifebris como a quina juntamente com os diuréticos, formavam uma terapêutica debilitante e não estimulante120
2.2 Os primeiros fármacos
Datando de 3000 a. c, inúmeras placas, papiros e outras relíquias foram
reveladas e decifradas pelos arqueólogos para o deleite de historiadores da
medicina e da farmácia.121 Talvez o mais antigo e famoso desses achados seja
segundo o autor o “Papirus Ebers”122. O texto é denominado por fórmulas de
118 Idem .p. 01 119 Idem. P. 01 120 SANTOS FILHO, op. cit. P.59 121 ANSEL. Op.cit.p.06 122 Papirus Ebers: é um rolo contínuo com aproximadamente 18 metros de comprimento e 30 centímetros de largura, datado do século XVI a.c. Esse documento se encontra preservado na universidade de Leipzig, e recebeu este nome por causa do egiptólogo alemão George Ebers que o encontrou em uma câmara mortuária de uma múmia e o traduziu durante a 1ª metade do século XIX.
fármacos ou prescrições e mencionando mais de setecentos fármacos
diferentes.
Segundo o autor as drogas mencionadas eram principalmente de origem
botânica, havendo também drogas de origem mineral e de animais. Substâncias
de origem vegetal como a Acácia, semente de mamona e erva doce, são citadas.
Com referência aos minerais o autor destaca o óxido de ferro carbonato
de sódio, cloreto de sódio e enxofre. E interessante perceber que substâncias
descobertas neste período foram usadas com freqüência durante o século que
estamos estudando.
Do ponto de vista científico vale destacar a importância de alguns
cientistas que contribuíram com sua criatividade para o avanço das ciências da
saúde.
Dentre eles destacaremos aqueles que tiveram influência sobre o
desenvolvimento da farmácia e da medicina. Hipócrates(460-377a.c),
Dioscorides(século I d.c), Galeno(130-200d.c) e Paracelsus(1493-1591d.c). De
todos esses, Claudius Galenus123 farmacêutico-médico grego merece maior
destaque porque, seus escritos sobre medicina incluem descrições de
numerosos fármacos de origem natural, com uma profusão de fórmulas de
medicamentos e de métodos de composição e suas preparações farmacêuticas
eram chamadas de Farmácia Galênica.
123 Claudius Galenus nasceu m Pérgamo, em 131 da nossa era. Depois de ter estudado na Grécia e em Esmirna, veio fixar-se em Roma no Império de Marco Aurélio, que o havia chamado a fim de compor uma teríaga contra a peste.
Prista destaca o objetivo da Farmácia Galênica, como sendo: ‘’ o de
estudar a forma farmacêutica mais adequada, o melhor meio de conservar os
medicamentos e a associação de substâncias medicamentosas’’.124
A designação de Farmácia Galênica segundo Prista foi introduzida no
século XVI e o conceito que o exprimia era mais restrito. Sendo que o termo foi
criado para significar a Farmácia dos medicamentos complexos, que se ocupava
da preparação dos medicamentos contendo substâncias quimicamente definidas.
Por medicamento complexo entendia-se o que se resultava da
transformação dos produtos naturais, chamados drogas, em preparações
farmacêuticas constituídas por misturas de componentes susceptíveis de serem
administrados aos enfermos.
2.3 A arte dos Boticários
Diogo de Castro, contratado por Tomé de Souza, foi o primeiro boticário a
chegar ao Brasil, época em que as farmácias se resumiam em pequenas “caixas
de botica”.125 Sua atividade não se restringia a preparar poções
medicamentosas, profissionais como ele, atendiam, prescreviam e faziam
curativos.126
Marques afirma que esses “farmacêuticos” que aqui se fixaram nos séculos XVI
e XVII eram na sua maioria cristãos-novos que fugiam da Inquisição ou que
tinham sido deportados pelos tribunais do Santo Ofício. Filhos de portugueses
124 PRISTA, L Nogueira. at all. Técnica Farmacêutica e Farmácia Galênica. 3ª edição. Volume 1. Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa ,1973. 125 Caixas de Botica: espécie de arca de madeira onde eram guardados os medicamentos produzidos nos laboratórios. 126 MARQUES, Vera Regina Beltrão. Os magos da Botica. IN: Nossa História, Editora Vera Cruz, Ano 2. Nº21. Julho, 2005.
ou de castelhanos, quase todos eram judeus de origem, sendo seus pais
também boticários. 127
Para Santos Filho, eles estudavam o ofício como aprendizes-de-
boticário, submetiam-se, a exame perante os comissários do Físico-mor e
recebiam carta de examinação. A manipulação de Drogas obedecia ao
determinado nas coleções manuscritas de receitas, enquanto que os boticários
mais esclarecidos manuseavam as obras de botânica e de matéria médica.
As farmacopéias só entraram em circulação no século XVIII, e em fins
deste século D. Maria I mandou adotar em todo o governo português a
Farmacopéia Geral para o Reino e Domínios de Portugal, que vigorou no Brasil
até depois da Independência.128
A grande deficiência médico-hospitalar e farmacêutica no Brasil nunca foi
devidamente considerada pelos governantes de Portugal, daí resultando o
abnegado e louvável esforço dos jesuítas em procurar compensá-la, a despeito
de suas limitações. Com este objetivo, fundaram enfermarias, hospitais e boticas,
exerceram as profissões de enfermeiro, de boticário e de Médico.129
Segundo Ribeiro, cada botica possuía seu conjunto de fórmulas,
selecionadas no decorrer dos anos, e delas resultou a “Coleção de Várias
Receitas e Segredos Particulares das Principais Boticas da Nossa Companhia de
Portugal, Índia, de Macáo e do Brazil”.
127 Idem. Op.cit. p. 20 128 SANTOS FILHO, op. cit. p. 36 129 RIBEIRO, Lourival. Tempo de Médico. Editora Cátedra, Rio de Janeiro, 1979. p. 24
A botica do Colégio da Bahia se distinguiu com 38 receitas, dentre elas se
destacava, a Triaga Brasílica. Pode-se avaliar a importância que lhe foi atribuída,
pelo seguinte trecho do ofício de um desembargador encarregado pelo seqüestro
dos bens dos jesuítas na Bahia, dirigido a um ministro da Corte “para ser
presente ao Rei”. “... fiz a necessária diligência para que me viesse as mãos,
antes que fosse de outrem, vista pelo justo receyo de que se trasladasse ou se
desencaminhasse por industria de quem com efficácia a buscava..130.
A Triaga Brasílica era um antídoto composto de várias plantas, raízes,
ervas e drogas do Brasil, e era utilizado para a cura de mordedura de animais
venenosos, como também de outras várias enfermidades.131
Em 1808, o Príncipe Regente D. João cria a Botica Real Militar, anexa ao
Hospital Militar e da Marinha no antigo Colégio dos Jesuítas, no morro do
Castelo no Rio de Janeiro e nomeia Joaquim José de Carvalho para Boticário do
dito hospital.132
Dois anos mais tarde pelo decreto régio de 22 de maio, o boticário
mencionado acima ficou subordinado ao médico da Real Câmara, José Maria
Bomtempo, que constituía a Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de
Janeiro e ocupava uma de suas cadeiras “matéria médica e farmácia” autorizada
a ser ministrada naquele hospital. No texto deste mesmo decreto à mesma botica
foi transformada em laboratório Farmacêutico.133 Em 1877 passou a chamar
Laboratório Químico Farmacêutico, depois Laboratório Químico Farmacêutico
Militar.
130 IDEM, op. cit. P.34 131 IDEM. op. cit. P.38 132 BRAGA, João Áreas. Botica Real Militar. Dicionário Histórico –Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930). Casa de Oswaldo Cruz/ Fiocruz. p. 02 133 IDEM. op. cit. P.02
2.4 Farmacêuticos e médicos no Brasil do século XIX
No Brasil, desde o período colonial até o segundo decênio do século XIX,
quase nada se fez em química, embora possamos dizer que o período colonial
caracterizou-se por atividades produtivas ligadas a uma química de produtos
naturais, de origem orgânica ou mineral.134
A manipulação da cana-de-açúcar, por exemplo: exigia segundo Santos um
conjunto de processos e operações químicas feitas através de conhecimentos
técnicos precisos, mesmo que de forma empírica. No século XIX, boa parte das
explorações de caráter naturalista foi realizada por estrangeiros. A insuficiência
de recursos nacionais não foi a única explicação deste fato. Tiveram também
grande influência a abertura dos portos às nações amigas em 1808, e a
influência de D. Leopoldina, em 1817 que era segunda a autora, uma devotada
naturalista.135
No Brasil do século XIX, a partir de 1846 destacaram-se alguns
farmacêuticos, que vieram após as expedições naturalistas.
Um deles foi Theodoro Peckolt,136 chamado para vir ao Brasil pelo médico
e Botânico Von Martius para estudar a Flora. Empregou-se na Farmácia de
Mariolino Fragoso, dando início a partir daí, a várias expedições pelo interior do
Brasil. Viajando a cavalo percorreu as províncias do Espírito Santo, Minas Gerais
e Rio de Janeiro.
134 SANTOS, Nadja Paraense dos at. all. Theodoro Peckolt: Naturalista e Farmacêutico do Brasil Imperial. Instituto de Química. Química Nova, 21(5). Rio de Janeiro, 1988. 135 Idem op. cit. P. 667 136 Theodoro Peckolt: nasceu em Pecher, na Silésia alemã, em 1822. Sua paixão pela química e pelas plantas começou muito cedo. Peckolt revelou sua vocação, trabalhando como prático em farmácias, posteriormente, nas universidades de Rostock e Gottingen e em 1846, começou a trabalhar no Jardim Botânico de Hamburgo. Induzido por Von Martius a visitar o Brasil, veio em 1847 e permaneceu aqui, durante os 65 anos restantes de sua vida.
Em 1868 mudou-se definitivamente para a Corte e fundou a Farmácia
Peckolt, nela construiu um laboratório de análise para o estudo de nossas
plantas.137 Recebeu o título de farmacêutico da Casa Imperial pouco tempo
depois.
Rosenbaum destaca a atuação do médico francês Benoit Jules Mure138,
por introduzir a homeopatia no Brasil. Formado em medicina em Montpellier,
recuperava-se de uma tuberculose pulmonar com homeopatia, quando
desembarcou no Rio de Janeiro em 1840. Defendia uma medicina social que não
excluísse os escravos ou classes sociais sem acesso à medicina da corte.139
Segundo Rosenbaum: “ a homeopatia foi de fato, durante todo o período de
escravidão, a única usada pelos escravos, uma vez que tinha uma qualidade
indispensável: o baixo custo.”140
A atuação de mais três médicos que tiveram seus trabalhos publicados na
Gazeta Médica da Bahia a partir de 1866 foram: Wucherer, Silva Lima e
Paterson.141
Desenvolveram pesquisas de grande importância na área de Saúde
Pública. Wucherer pesquisou o parasita Ancilostoma duodenale, responsável
pela verminose Ancilostomíase e pela descoberta de micro-filárias causadoras
da elefantíase. Duas verminoses que atacavam as regiões rurais do Brasil.142
137 Idem. op. cit. P. 668. 138 Benoit Jules Mure: Médico francês, veio ao Brasil fundar uma colônia falansteriana na península do Sahy (entre o Paraná e Santa Catarina). 139 Rosenbaum, Paulo. História de um Visionário. In: A arte de Curar. Nossa História. Ed. Vera Cruz, Ano 2. nº21, julho,2005 140 Idem op.cit. p .26. 141 Oto Edward Henry Wucherer, de ascendência alemã, porém nascido em Portugal, formou-se na Alemanha. José Francisco da Silva Lima, natural de Portugal, Formou-se na faculdade de medicina na Bahia e John Ligertwood Parteson, natural da Escócia. Pelo pioneirismo experimental destes três pesquisadores na Medicina Brasileira deu-se o nome de Escola Tropicalista Bahiana a este movimento. 142 SANTOS FILHO, op. cit. P.94-95
Já José Francisco da Silva Lima fez a descrição do “ainhum”, uma afecção
dos dedos dos pés dos africanos. Estudou também a Bouba, o Máculo e a
Dracontíase, mas foi com a Beribéri, que ele desenvolveu um de seus estudos
mais completos. 143
O terceiro pesquisador destacado por Santos Filho foi o escocês Paterson,
que foi o primeiro a diagnosticar a invasão da febre amarela na Bahia bem como
do “cólera-morbo”.
A experimentação ordenada, metódica de cunho científica só aparece de
fato no Rio de Janeiro com o médico Oswaldo Gonçalves Cruz e com seus
discípulos do Instituto de Manguinhos. Data de 1888, o aparecimento do Instituto
Pasteur do Rio de Janeiro, para o preparo da vacina contra a Raiva ou
Hidrofobia. Mandado por D.Pedro II à Paris o médico Augusto Ferreira dos
Santos aprendeu a técnica necessária no Instituto Pasteur para fabricação da
vacina anti-rábica.144
Em 1840 chega ao Brasil o médico polonês Pedro Luiz Napoleão
Chernoviz que teve importância fundamental para a população brasileira
durante a 2ª metade do século XIX, como a historiografia brasileira tem
demonstrado.
Utilizada como uma das nossas principais fontes de pesquisa, sua obra
“Formulário e Guia Médico”, bem como “”Dicionário de Medicina Popular e
Ciências Acessórias” foram amplamente utilizadas pelas famílias do interior do
Brasil, devido à escassez de médicos e farmacêuticos. Vejamos então quem foi
Chernoviz e qual sua importância para a população brasileira da 2ª metade do
século XIX.
143 Ibdem. P. 96 144 Ibdem p. 103
2.5 Chernoviz, o Doutor da Capa Preta.
Dr. Pedro Luís Napoleão Chernoviz.
Tem a maior clientela da cidade.
Não atende a domicílio
Nem tem escritório.
Ninguém lhe vê a cara.
Misterioso Doutor da capa preta(...)
Trecho do poema “Dr. Mágico”, de Carlos Drumond de Andrade.145
Além de ter sido homenageado por um de nossos maiores poetas, muitas
são as façanhas e notícias que circularam sobre o Dr. Chernoviz no Rio de
janeiro depois de seu desembarque em 1840 em busca de fama e fortuna.146
Nascido na Polônia, e formado em Montipellier, em cirurgia e não em
medicina, pois na Europa existiam divisões entre os dois cursos, logo percebeu
que no Brasil as cidades interioranas, longe da corte, sofriam com a carência de
médicos e as pessoas não tinham o hábito de recorrer a eles, preferiam aqueles
que falavam a mesma linguagem, ou seja, herbaristas, parteiras e
curandeiros.147
No estudo realizado por Guimarães, os manuais de medicina popular do
Dr. Chernoviz foram um instrumento essencial para disseminar práticas e
145 FIGUEIREDO, Betânia Gonçalves. A arte de Curar. In: Nossa História. Ano 2, Nº 21. São Paulo. Vera Cruz, 2005. 146 IDEM, op. cit. p.24 147 Ibdem . p. 24
saberes aprovados pelas instituições médicas oficiais no cotidiano da
população.148
Segundo a autora, a primeira obra de Chernoviz “Formulário e Guia
Médico” publicado em 1841, chegou a ser publicada até a 19ª edição. E o
“Dicionário de Medicina Popular” lançado um ano depois com publicações de
1842 até 1890 vendeu 3000 exemplares, confirmando o sucesso obtido pelas
suas obras.
Chernoviz teve seu diploma reconhecido pela Faculdade de Medicina e foi
aceito na Academia Imperial de Medicina, como membro titular, após escrever
ainda “O uso do nitrato de prata nas doenças das vias urinárias”.149
O “Dicionário de medicina Popular” era voltado especialmente para as
populações do interior porque poderia ser utilizado por pessoas leigas, pois
continha informações de como diagnosticar as doenças e estabelecia os
procedimentos a serem observados na busca do equilíbrio do organismo. Ao
contrário, o “Formulário e Guia Médico “ era um livro de apoio para os boticários
e farmacêuticos.150
O formulário e guia médico de Chernoviz usado como nossa fonte
principal para identificação das substâncias é dividido em diversas secções:
1ª - Noções Preliminares: que contêm as reduções dos pesos antigos a pesos
decimais: a descrição do conta-gotas, do areômetro, densimetro, termômetro,
polarímetro e microscópio (artigos ilustrados com grande número de figuras).
2ª - Considerações acerca da arte de formular ou receitar: com indicações
das doses para adultos.
148 GUIMARÃES, Maria Regina Cotrim. Chernoviz e os Manuais de Medicina Popular no Império. In: História, Ciências e Saúde - Manguinhos. V.12. Nº2 Rios de Janeiro, Maio/agosto de 2005. 149 IDEM. op. cit. p. 03 150 Figueiredo, op. cit p..25
3ª - Operações farmacêuticas: descrição das operações farmacêuticas mais
correntes.
4ª - Enumeração dos aparelhos: indispensáveis para o exercício da pharmácia.
5ª- Formas farmacêuticas dos medicamentos: modo de preparar os
medicamentos officinaes tais como: pós, soluções, tinturas, extratos, emulsões,
xaropes etc.
6ª- Formulário: nesta parte da obra, descrevem-se por ordem alfabética todas
as substâncias empregadas em medicina. Ao tratar de cada medicamento,
indica-se a sua synonimia, a sua significação em francês, a seu nome botânico
em latim (se o medicamento fosse uma planta), seus caracteres físicos,
propriedades, as doenças em que se empregam, e as substâncias que não
devem ser misturadas e suas várias formulas.
7ª- Receitas várias e conhecimentos úteis: receitas empregadas nas artes,
ciências e economia doméstica tais como; substâncias para tingir o cabelo,
vários cosméticos, preparados para tirar nódoas, etc. Muitas destas composições
eram vendidas como “ segredos”.151
2.6 A Farmácia da Fazenda Santo Antonio do Paiol, pertencente ao
Hospital dos Escravos.
A farmácia que pertencia ao hospital dos escravos da fazenda Santo Antonio
do Paiol, constitui-se de um armário grande de madeira, dividido em três
armários pequenos, onde foram colocadas as substâncias químicas (drogas). E o
material necessário para a manipulação dos medicamentos, vidraria e alguns
151 Remédios de Segredo. Ver: MARQUES, Vera Regina Beltrão. Medicinas Secretas. In: CHALHOUB, Sidney at all. Artes e Ofícios de Curar no Brasil.Campinas, S.P. Unicamp, 2003.
aparelhos usados na época. Na parte de baixo do armário encontram-se umas
pequenas gavetas com inscrições de algumas plantas que eram utilizadas como
medicamentos, como por exemplo: capim-cidreira, funcho, cipreste.
Numa primeira análise os fracos contendo as substâncias foram contados,
perfazendo um total de 241. Observamos que eles se diferenciavam na forma,
cor e tamanho de acordo com a substância armazenada. Deste total, somente 51
deles possuíam rótulos que foram utilizados no processo de identificação das
substâncias.
As cores dos fracos eram variadas, podendo observar, o azul, marrom,
âmbar, branco, preto e transparente. O tipo de substância também foi objeto de
análise e foram observadas para ajudar na identificação das mesmas.
Na segunda análise realizada através dos rótulos pôde-se observar que a
maioria dos frascos apresenta substâncias sólidas com aparência de “sais”. Mas
substâncias líquidas, granuladas, pastosas e oleoginosas também fazem parte
da coleção.
Dos 241 frascos, somente 51 foram identificados, pois a maioria esta
deteriorada pela ação do tempo e pela ação das próprias substâncias que estão
contidas. Deterioraram, o papel do rótulo e algumas tampas dos frascos. Numa
grande quantidade dos frascos ainda existem amostras das substâncias.
As fotos abaixo mostram a farmácia, bem como alguns frascos que a
compõem, e alguns de seus utensílios.
Inscrição da placa mostrada na foto acima:
Placa 1: Este armário e seu conteúdo, pertenceu ao hospital dos escravos da família Esteves,
onde se encontrava todos os remédios da época”.
“Placa 2: Armário da farmácia do hospital dos escravos da Fazenda Santo Antonio do paiol, com
remédios, desinfetantes, potes. Na parte inferior, prateleiras e gavetas divididas , onde se
guardavam as ervas, raízes e folhas para os laxantes e tisanas”.
O processo de identificação foi realizado utilizando o “Formulário e Guia Médico de Chernoviz”.152
152 CHERNOVIZ, Pedro Luiz Napoleão. Formulário e Guia Médico. Tomo I e II. 19ª ed. Paris, 1900.
2.7 Substâncias da Farmácia Santo Antônio do Paiol.
Quadro 1: Identificação das Substâncias, seu Uso e Doenças.
Nome do fármaco usos Doenças que poderiam estar sendo tratadas
1- acetato de chumbo interno Tuberculose, hemorragias de pulmão e de útero, diarréias...
externo Oftalmias crônicas, contusões, fraturas e erisipela.
2-ácido cítrico interno Purgante
3-ácido Phenico Interno Cauterizar nervo dentário externo Desinfetante, Lupo, eczema,
lepra e tinha.
4-água de florida interno Água de flores de laranjeira: xaropes expectorantes
5-água sulfurosa interno Catarros pulmonares, reumatismos crônicos, paralisia.
externo Doenças de pele como escrophulas e banhos.
6-alúmem de potassa interno Lepra, escrophulas areias, cólicas nefríticas.
externo Cauterizar tumores, abrir abcessos.
7-amoniaque de valeriana interno Epilepsia e histerismo
8- anti-hemorroidários interno Hemorróidas
9- aniz interno Flatuosidades intestinais e diarréias crônicas
10-azeite de creton interno Hidropsia, apoplexia, cólica de chumbo e tênia.
11-bicarbonato fluído de magnésia interno Gotta e areias 12-bromurere de potassium Interno epilepsia 13-carbon de ferro interno Chloroanemia, engurgitamento
do útero e do ovário. 14-caroba interno Boubas e sífilis 15-chloreure d’ or interno Contra dor: anestésico
Fonte: Formulário e Guia Médico de Chernoviz
Quadro 1.1 Continuação Nome do fármaco usos Doenças que poderiam estar sendo
tratadas: 16-clorato de potassa interno Gangrena de boca, estomatite,
escorbuto, diarréias e febre tifóide.
17-coaltar saponine interno Antidisfetérico, antrazes, herpes, ptiriases.
externo desinfetante 18-conserva de peptona interno Moléstia do peito, gastralgia, cachexia,
vômitos e afecções de garganta.
19-cotoine(cotoina) interno Catarro intestinal e diarréia
20-pó de doliarina interno Ancilotoma duodenale -verminose
21-elixir interno Digestões difíceis
22-ergotine de benjan interno Hemorragias uterinas
23-extrato de sucupira interno Tônico
externo Moléstias de pele 24-extrato de thebaico interno Insônia, tétano, delírio nervoso,
diarréias reumatismo e cólera-morbus
25-fluid de magnésia interno Azia, pyrose, diabetes e gota.
26-hidroclorato de morfina interno Calmante: tétano delírio, disenterias, diarréias, rheumatismo ,sciática ...
27-lactato de fer(ferro) interno Tônico: esterilidade, impotência, febres intermitentes, debilidade, escorbuto , escrophulas
28-lascatif= purgatif interno Purgantes 29-leveduras secas de cerveja
interno Leucorréia, diabetes, febre tifóide.
externo Furunculose, acne, antraz. 30-macarino interno coqueluche Fonte: Formulário e Guia Médico de Chernoviz.
Quadro 1.2 continuação Nome dos fármacos usos Doenças que poderiam estar sendo
tratadas: 31-manacá interno Antisifilítica.
32-metol=mentol interno Doenças respiratórias, doenças de
pele, dartrose herpes.
33-nitrato de prata interno Epilepsia, nevralgias e diarréias rebeldes.
34-pepsine interno Digestões difíceis, dispepsia, gastralgia, febre tiphoide.
35-peptonato de fer(ferro) interno Hemophilia, hemorragias, linfatismo, escrophulas e sífilis.
36-permanganato de potassio
interno Cancros uterinos, abcessos gangrenosos, mau hálito.
externo desinfetante 37-phenol bobdeulf(phenato de soda)
externo Desinfetante: úlceras, sarna e depois de epidemias de cólera, febre amarela e tifo.
38-podoplilina resina interno Purgante nos casos de engurgitamento do fígado e ecterícia.
39-rhuibarbo da china interno Digestões difíceis, diarréias e verminoses.
40-salicylato de bismuto interno Diarréias e febre tifóide.
41-salsa interno Febre intermitente
42-sulfato de zinco externo Oftalmias, blenorragias e leucorréias e para banhos
43-sulfite de sódio interno Bronquites crônicas
44-tintura de arnica interno Febres adnâmicas e tosses convulsivas externo Contusões 45-vaselina externo Pomadas oftálmicas. Fonte: Formulário e Guia médico de Chernoviz
A identificação mais detalhada das substâncias, sua synonimia, sua
significação em francês, seu nome botânico (quando o medicamento é uma
planta) seus caracteres físicos, propriedades e doenças em que se empregam,
bem como seu uso e doses utilizadas, estão relacionadas no anexo nº1.
As nove substâncias que não apareceram nos quadros acima foram
identificadas somente pelo rótulo, mas não foi possível fazer uma descrição mais
detalhada. Elas não aparecem no Formulário de Chernoviz. São elas: Biophorine,
Odortalgicon, Pulvantim, Salievlate, Tintura Stronphalthl, e Pílulas de Crystal
Vegetal.
Analisando as doenças que poderiam estar sendo tratadas com estes
fármacos tentamos agrupá-las de acordo com o sistema utilizado por karasch e
Costa em suas respectivas pesquisas: “a vida dos escravos no Rio de Janeiro na
1ª metade do século XIX e análise da morbidade nas Gerais (Vila Rica - 1799-
1801)”.153
153 Manual de Classificação Estatística Internacional de Doenças, Lesões e Causas de óbito (baseada nas recomendações da 8ª Conferência de Revisões e adotada pela Organização Mundial de Saúde). Nomenclatura atualizada de acordo com Santos Filho, Lycurgo. História da Medicina no Brasil (do século XVI ao século XIX). Costa, Iraci Del Nero. Análise da Morbidade nas Gerais (Vila Rica 1799-1801). Revista de História. Ano XXVII. V. LIV, São Paulo, 1976.
2.8- Doenças dos escravos da Fazenda Santo Antonio do Paiol. Quadro 2 : Classificação das Doenças
Grupo I: Doenças infecciosas e Parasíticas Coqueluche(Vómica)-Difteria(garotilho) -
Tuberculose (tísica) - Lepra(lázaro e lepra)- tumores(cancro) - icterícia(icterice)- febres intermitentes
Grupo II: Doenças do sistema nervoso e órgãos do sentido
Epilepsia – (gota coral) – histerismo – delírio nervoso – insônia- paralisia (paralisia , estupor)
Grupo III: Doenças do Aparelho Circulatório Não consta
Grupo IV: Doenças do Aparelho Respiratório Hemorragias de pulmão- catarros pulmonares- moléstia do peito- doenças respiratórias- bronquite crônica- febre adnâmica- tosses convulsivas.
Grupo v: Doenças do Aparelho Digestivo Hidropsia - Flatuosidades intestinais digestões difíceis- gastralgia – dispepsia – azia- diarréia – verminose.
Grupo VI: Doenças do Aparelho Geniturinário. Hemorragias uterinas – hidropsia- engurgitamento do útero e do ovário blenorragias- leucorréias – esterilidade impotência cancro uterino
Grupo VII: Doenças de pele e do tecido celular. Lepra (morféia) – Gangrena- abcessos gangrenosos – sarna.
Grupo VIII: Doenças do sistema osteomuscular.
Reumatismo
Grupo IX: Sintomas e estados mórbidos mal definidos.
Apoplexia – Cólicas – cólica de chumbo- hemorragias de sangue
Grupo x: acidentes, envenenamentos e violência.
Afogamento - picada de cobra
Fonte: COSTA, Iraci Del Nero. Análise da Morbidade nas Gerais & KARASCH, Mary C. A Vida
dos Escravos no Rio de Janeiro.
* Entre parênteses a nomenclatura constante nos códices.
É interessante percebermos que fazendo uma comparação com o trabalho
de Karasch para o Rio de Janeiro entre (1808–1850), sobre as moléstias que
afetavam o sistema circulatório principalmente o coração, não eram, causas
principais de mortes entre os escravos. O mesmo acontecendo com as análises
das substâncias da farmácia na fazenda Santo Antonio do Paiol, onde não
aparecem substâncias que poderiam estar sendo utilizadas para qualquer tipo de
moléstia relacionada ao coração.
De acordo com a autora, este fato poderia ser interpretado pela não
chegada do escravo a uma idade mais avançada em que as doenças cardíacas
seriam mais freqüentes, pois a maioria morria muito jovem.
Através da classificação das doenças percebe-se que os escravos da
fazenda Santo Antonio do Paiol sofriam muito de doenças relacionadas à pele
porque elas aparecem com maior freqüência nas substâncias analisadas.
Karasch classifica para o Rio de Janeiro como primeira causa morte entre
os escravos a Tuberculose, depois doenças gastro-intestinais, respiratórias,
enfermidades nervosas e em 5º lugar as doenças da infância. Todas essas
doenças aparecem também na nossa análise. No quadro nº3 relacionamos as
doenças que apareceram na análise das substâncias mais que não são citadas
por Karasch e Costa.
Com base no código Internacional de Classificação de doenças
demonstraremos, a diversidade das doenças pelas quais os escravos sofriam.
Quadro nº3
Classificação das doenças dos escravos da Fazenda Santo Antonio do Paiol que
não aparecem no quadro 2 mas que estão de acordo com a Cid-10. 154
Diarréias – Erisipela – Bouba- Sífilis Cólera – Febre amarela
Grupo 1- Algumas Doenças Infecciosas e Parasitárias.
Hemophilia Grupo 3- Doenças do Sangue e dos órgãos hematopoéticos e alguns transtornos imunitários.
Diabetes Grupo 4- Doenças Endócrinas, nutricionais e metabólicas.
Oftalmias Crônicas Grupo 7- Doenças do Olho e anexos. Hemorróidas Grupo 9- Doenças do Aparelho Circulatório. Afecções de garganta Grupo 10- Doenças do Aparelho Respiratório. Pyrose - gangrena de boca Grupo 11- Doenças do Aparelho Digestivo. Lupo- eczema-Tinha – Antraz- Herpes – Ptiríase- Furunculose- acne
Grupo12- Doenças de Pele e do Tecido Subcutâneo.
Contusões- fraturas -Gotta Grupo 13- Doenças do Sistema osteomuscular.
Areias - Cólicas nefríticas Grupo 14- Doenças do Aparelho geniturinário.
Vômitos Grupo 15 – Gravidez, parto e puerpério
Cachexia Grupo 18 – Sintomas, sinais e achados
anormais de exames em laboratório.
Escorbuto, sciática, dartrose, cólica de
chumbo, linfatismo, Chloroanemia.
Não constam nas duas classificações.
Fonte: CID 10- Lista de Classificação internacional de Doenças.
154 Ver Cid-10. Classificação Estatística Internacional de Doenças e problemas relacionados a Saúde. 10ª Revisão. Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo/ organização Mundial de Saúde/ Organização Pan-Americana de Saúde. A 10ª Revisão da Classificação
Karasch classifica o escorbuto junto com as doenças reumáticas e afirma
que os escravos não poderiam escapar desta enfermidade bem como da
deficiência de outras vitaminas como A ,B, D, falta de ferro e sais minerais pois,
ambas estavam relacionadas a uma dieta alimentar pobre.
Analisando este aspecto podemos afirmar que a dieta dos escravos da
fazenda Santo Antonio do Paiol também era deficiente, pois aparecem
substâncias que poderiam estar tratando de todas elas. Podemos concluir
através destes dados apresentados que os escravos sofriam de uma
diversidade muito grande de doenças. E que o proprietário da Fazenda Srº
Manoel Antonio Esteves demonstrava grande preocupação com o seu plantel. A
montagem de uma farmácia de grande porte despendia um grande investimento
financeiro, pois muitas drogas eram importadas da Europa. França, Londres,
Holanda eram alguns dos fornecedores, como pudemos perceber através de
alguns frascos.
Algumas notas de compra155 foram também analisadas na documentação
pertencente à família e confirmam a afirmativa acima. A seguir, estão listados,
no quadro abaixo alguns exemplos destes recibos que nós transcrevemos:
Doença é resultado de uma série de revisões que se iniciou em 1893. www. datasus.gov.br/cid 10/webhelp/listacateg.htm. 155 Notas de compra pertencente à documentação da Família Esteves, sob a guarda do Museu da Justiça no Rio de Janeiro. Caixa de nº1546.
Quadro nº 4 Demonstrativo de Algumas Despesas com Remédios (notas de compra). Nº do Documento
Ano/Mês Origem da compra
Fármacos ou Medicamentos adquiridos.
valor
17 Agosto/1879 Drogaria Janvrot - RJ
- -
17 Agosto/1879 Drogaria Janvrot- RJ
Drogas 103.560
21 Setembro/1879 Drogaria Janvrot- RJ
-Óleo de amêndoas Doce - 2partes. -Ipecacunha em pó. -12 pílulas Blancard. -125 pílulas . Tint. de acônito. -1 caixote
6.400 12.000(Purgante) 10.000(anemia) 1000(coqueluche)
21 Setembro /1879 Drogaria Janvrot -RJ
- 55.100
54 0utubro/1880 Drogaria Janvrot -RJ
- -
Fonte: Inventário da família Esteves. Museu da Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Manoel Antônio Esteves demonstrava também preocupação com a
vestimenta de seus escravos, conforme o registro de uma compra do ano de
1879, cujo valor é de 1.627.040 réis de algodão para os escravos, o que pode
ser comprovado também através do Documento nº7. Poderia ser talvez um
cuidado com a saúde de seu plantel. Infelizmente só podemos fazer algumas
generalizações neste sentido, pois não sabemos se esta quantidade era
suficiente para suprir as necessidades de todos os seus escravos.
Analisaremos no 3º capítulo como se processava o tratamento dado aos
escravos durante suas enfermidades. Para isso utilizaremos as receitas médicas
expedidas para os escravos durante um ano para verificação das doenças mais
freqüentes.
Capítulo 3 - Enfermidade versus Tratamento na Fazenda Santo Antonio do Paiol.
O objetivo é demonstrar como poderia ter acontecido o socorro aos
escravos durante as suas enfermidades na fazenda Santo Antonio do Paiol. Para
isso utilizamos algumas receitas médicas, pertencentes à documentação da
família Esteves. Através da análise das mesmas tentaremos traçar um perfil das
doenças e a forma de tratamento utilizada pelo proprietário para cuidar de um
plantel considerado por alguns autores já citados nos capítulos anteriores como
um dos maiores do município de Valença.
Apesar, de não conseguirmos chegar a um diagnóstico preciso, as
receitas, nos ajudaram, a recompor e entender como era o mecanismo, de
atendimento aos escravos durante suas enfermidades nesta unidade produtiva.
Utilizaremos também neste capítulo dados coletados dos registros de enterro e
autorizações para enterro no cemitério da fazenda Santo Antonio do Paiol que
era utilizado tanto pela família quanto pela população residente em torno da
fazenda com o objetivo de demonstrar as causas-mortis dos escravos deste
proprietário.
Primeiramente destacarei algumas informações importantes sobre as
farmácias, hospitais e atendimento médico dado aos escravos em grandes
fazendas da região do Vale do Paraíba Fluminense, porque a partir destas
informações poderemos chegar mais próximo do real, de como poderia ter sido o
tratamento na fazenda pesquisada.
3.1 Enfermarias dos Hospitais dos Escravos das Grandes
Fazendas do Vale do Paraíba Fluminense.
As enfermarias dos hospitais das grandes fazendas do Vale do Paraíba
Fluminense foram descritas por Andrade,156 como sendo:
construções ordinariamente em seguimento às tulhas157, ou em prédios separados divididas em dois salões, um para os homens e outro para as mulheres, assoalhados, forrados, com três ou quatro janelas, protegidas por grades de ferro.
E nas fazendas de poucos escravos e sem médico de partido158, os
doentes eram tratados nas próprias senzalas, ou em quartos separados. Nas
enfermarias bem montadas, após a subida de uma escada, encontrava-se uma
pequena sala, mobiliada com bancos toscos, onde sentados ou em pé, os
enfermos aguardavam, a sua hospitalização ou os seus curativos. No fundo da
sala, separada por um gradil, estava a farmácia: ao lado, as portas que davam
acesso para os dois compartimentos, de homens e mulheres. Em cada
enfermaria estavam alinhados quatro ou cinco leitos de cada lado, uns apenas
com esteiras, outros com colchões de palha e lençóis de algodão grosso e
cobertor vermelho.159
A enfermaria representava para o escravo, o descanso, a comida
melhorada, a tranqüilidade, o sono à vontade, a falta de capataz atrás a apertar-
lhe para trabalhar mais depressa. E em época de colheita, os enfermos eram
excluídos de tarefas pesadas e seria também a ausência de possíveis castigos.
Sendo a Fazenda Santo Antonio do Paiol considerada de grande porte para
os padrões da época porque possuía mais de cem escravos como descrição feita
anteriormente, acreditamos que a enfermaria pertencente ao hospital dos
escravos, seguia este padrão descrito detalhadamente por Andrade.
156 ANDRADE, Eloy de. O Vale do Paraíba. Rio de janeiro. Real Rio Gráfica e Editora Ldta, 1989. 157 Tulhas : celeiro 158 Médico de Partido: eram médicos contratados pelos grandes fazendeiros para fazer visitas às fazendas onde existiam os hospitais. 159 ANDRADE. op. cit. p. 225-228.
3.2 - Higiene nas Enfermarias dos Escravos.
Procedia-se da seguinte forma: os salões eram lavados uma ou duas
vezes por semana, desinfetados com solução de ácido fênico160 e em dias de
visitas de médico, mudados os lençóis, a roupa dos doentes, e feita defumação
com alfazema, alecrim e incenso.
A atmosfera ficava mais respirável. Se surgissem algumas epidemias como
por exemplo: tifo, disenteria ou varíola, as enfermarias eram sujeitas a rigorosa
desinfecção, os colchões eram incinerados juntamente com as esteiras e roupas
de cama. As paredes eram caiadas e os variolosos161 retirados para um rancho
longe da sede da fazenda e ali tratados por outros escravos.
3.3 – Práticas Médicas nas Enfermarias.
O prático de farmácia, que servia de enfermeiro, ajudado por uma escrava,
dormia em quarto ao lado da enfermaria. O médico ia de leito em leito,
examinando os doentes, fazendo perguntas ao prático sobre a medicação
receitada anteriormente e a evolução da doença. Procedia-se a novos exames.
Se o escravo tivesse sido levado a enfermaria sem a presença do médico, este
exigia do prático a descrição dos sintomas apresentados à sua entrada e a
medicação recebida. Se não fosse a mais indicada, o médico prescrevia nova
medicação e o procedimento a ser seguido daí em diante. Alertava o prático para
160 Àcido Fênico: usado como desinfetante, durante as epidemias. 161 Variolosos: pessoas infectadas pela varíola: moléstia infecciosa causada pelo micróbio Poxvirus variolae.
observar os mesmos sintomas em outros pacientes se estes se repetissem
poderia o prático administrar os mesmos medicamentos.162
Além dos práticos, prestavam serviços nas farmácias e aos doentes das
fazendas, farmacêuticos diplomados, como por exemplo: o que atuava na
Fazenda do 2º Barão de Rio das Flores, formado na Escola de Farmácia de Ouro
Preto163.
Muitas vezes o médico era condescendente com o escravo e o deixava
descansar por mais alguns dias deferindo sua alta somente quando o escravo
estava totalmente convalescido mesmo sabendo que o enfermeiro era interrogado
pelo fazendeiro. Mediante sua saída da enfermaria o médico sugeria que o
paciente fosse aproveitado em atividades mais leves, no terreiro, antes de voltar
para o serviço da roça. 164
Segundo Jardim165, esta situação era considerada exceção, somente
ocorria de fato, se as fazendas fossem consideradas de grande porte, pois na
maioria dos casos os escravos eram tratados quando adoeciam, com muito pouca
atenção, muitas vezes o médico não era chamado, contribuindo para uma
mortandade espantosa entre a classe dos escravos.
Na maioria das vezes a enfermidade já estava em estado avançado e o
médico não poderia mais agir.
O médico não é chamado, sinão depois de se terem empregado todos os medicamentos chamados caseiros, que mal applicados, como sempre são em vez de debellar a enfermidade, vão agrava-la mais; e os recursos terapêuticos que estão ao alcance do médico, são inteiramente improficuas.166
162 ANDRADE, op. cit. p. 226 163 Escola de Farmácia de Ouro Preto: Criada em 04 de abril de 1839, através de Lei Provincial, abrigou o primeiro curso de farmácia do Brasil, com funcionamento independente das escolas de medicina. In: Netto Junior, Antonio. O fermento de Pasteur na Escola de Farmácia de Ouro Preto. Anais do XIV Encontro Regional de História da ANPUH. Juiz de Fora, julho de 2004. 164 Idem p.227 165 JARDIM, David Gomes. A Higiene dos Escravos. These apresentada à Faculdade de medicina do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Typografia Universal de Laemmert, 1847. 166 Jardim, op. cit.p. 15.
A enfermaria do hospital dos escravos da Fazenda Santo Antonio do Paiol
era visitada pelo médico Drº Ernesto Frederico da Cunha que possuía uma clínica
médica estabelecida no município de Valença próxima a fazenda. O Drº Ernesto
assina todas as receitas médicas que foram analisadas.
Os escravos eram tratados na enfermaria do hospital que foi construído na
parte mais alta do terreno, próximo da sede, bem diferente das senzalas que
ficam localizadas na parte mais pantanosa do terreno. Os escravos que estavam
em estado mais grave eram enviados para a Santa Casa de Misericórdia de
Valença onde ficavam internados por diversos dias ou em clinicas particulares no
Rio de Janeiro o que pode nos mostrar a análise do documento que se segue:
Casa de Saúde do Drº Pertence.
O Ilmº Manoel Joaquim Alves de Machado.
15 dias de tratamento do Escravo Caetano do Srº Manoel Antonio Esteves.
A Contar de 1º á 15 do Corrente Mês.
1:600 Diária - Total: 24:400
Recebi a Quantia supra acima. Rio De Janeiro, 15 Abril de 1868.
Pelo Drº Pertence Glycério Taumaturgo Da Silva. Fonte: acervo da Família Esteves.
A análise do livro de internamento da Santa Casa de Misericórdia de Valença
demonstrou que a prática de internamento dos escravos acontecia, mais não era
rotina, apesar de haver um certo tipo de preocupação em interná-los. A maioria era
tratada na própria fazenda. A análise destes registros também comprovam que os
escravos somente iam para o hospital em estado grave, porque a porcentagem de
mortes era bastante acentuada.
Segundo esses registros 90% dos internamentos levaram ao óbito,
comprovando a gravidade da doença.
È interessante percebermos também que no livro de internamento não consta,
a causa do internamento e nem da morte como mostra o quadro abaixo:
Quadro nº 1 Internamento De Escravos no hospital da Santa Casa De Misericórdia de Valença. Ano. Número de
Escravos Nome do Escravo*
Dias de Internamento
Causa do Internamento
Alta ou Morte
1867 1 MARCOS 7-DIAS N/C N/C
1871 2 IGNÁCIA 5-DIAS N/C MORTE
JOAQUIM 28-DIAS N/C MORTE
1874 1 N/C 62-DIAS N/C MORTE
1879 2 AGOSTINHO 18-DIAS N/C MORTE
GREGÓRIO 19-DIAS N/C ALTA
* Escravos de Manoel Antonio Esteves
N/C: não consta no registro
A existência de 36 receitas médicas aviadas pelo Drº Ernesto Frederico
da Cunha no ano de 1883 comprova de alguma maneira a preocupação com a
saúde de seus escravos e nos apresenta alguns indícios de como os escravos
eram tratados. As receitas eram aviadas em receituário timbrado, em folha de
caderno ou em pedaços de papel. Esta era uma prática exercida pelo médico
logo após as visitas aos pacientes. Ele se dirigia a farmácia e aviava as
receitas.
A manipulação dos medicamentos talvez ficasse a cargo do próprio médico.
Na fazenda Santo Antonio do Paiol os medicamentos poderiam ser manipulados
pelo farmacêutico Augusto Calmom de Siqueira, pois consta no almanak
Laemmert167 tanto o seu nome como o do Drº Ernesto como os responsáveis
pelo atendimento na região.
O farmacêutico Augusto Calmom de Siqueira era amigo da família e era
farmacêutico estabelecido no município de Valença. Alguns medicamentos
eram enviados por ele, atendendo aos vários pedidos solicitados pelo
proprietário da fazenda.
1º pedido: Ilmo Srº Calmom
Peço-lhe que me mande: mais 12 papéis de enxofre e 1 caixa de lycopódeo.
26 de agosto de 1883.
2ºpedido: Ilmo Srº Calmom
Peço-lhe o favor de mandar-me, 100gramas de Pomada de precipitado Rubro e
50 gramas de licor.
3º pedido: Srº Calmom
Peço que me mande pelo trem de 1hora de hoje mais 12 papéis de enxofre e
para as meninas licopódio.
Manoel de Menezes, 18 de agosto de 1883.
4ºpedido: Srº Calmom
Peço-lhe reformar a caixinha de pílulas.
Repetir: Ergotina , Tanino, Cicuta
167 Ver: Almanak Laemmert: Administrativo, Mercantil e industrial do Império do Brasil para 1883. Fundado por Eduardo Von Laemmert. 40º ano. 3º Volume. Almanak para as províncias do Rio de Janeiro.
5º pedido: Compra de Medicamentos
Ilmº Srº Augusto Calmom de Siqueira.
Peço-lhe que me mande 2 juntas boas, sendo uma para o lado direito e outra
para o esquerdo, preciso também de mais enxofre. Para os meninos licopódio.
Data: 10 de setembro de 1883. Antonio Manoel de Menezes.
6º pedido: Ilmº Drº Calmom
Peço-lhe que reforme a caixinha de pílulas e remeter as 11horas a estação.
Aceite os meus sinceros cumprimentos
• Ergotina 10capsulas.
• Extrato de cicuta 15miligramas
• Tanino
• Lactato de Ferro 5gotas
• Extrato Bulbão 10miligramas F. 24 pílulas.
7º pedido: Srº Calmom
Reformar a caixinha de pílula. Repetir as pílulas de ergotina, Tanino e cicuta.
A análise destes pedidos demonstra uma repetição de algumas substâncias,
como o licopódio, o enxofre e o extrato de cicuta. O licopódio era usado para
polvilhar escoriações e assaduras de crianças, o que pode nos levar a confirmar
as doenças de pele que foram citadas no capítulo anterior. Já o enxofre, seu uso
recaí sobre umas das doenças citadas por karasch para o Rio de Janeiro, na
primeira metade do século XIX, (a tuberculose ou tísica) e era muito eficaz
também nas doenças de pele. O extrato de cicuta era bastante utilizado para
tratar as doenças do sistema nervoso. O quadro nº 2 abaixo trás uma análise das
receitas médicas comprovando que essas substâncias foram utilizadas durante o
período em estudo para os escravos da fazenda.
Além destas, o quadro de nº2 irá apresentar um número bastante
expressivo de outras substâncias que fazem parte da composição das fórmulas
para o tratamento de diversas enfermidades. Algumas delas foram utilizadas em
maior freqüência e fazem parte da farmácia estudada no capítulo 2: o nitrato de
prata, Bromureto de potássio, alumem de potassa, Fluido de magnésia, carbonato
de ferro, extrato de thebaico, morfina, podophilina, Bismutho, zinco, sódio,
ruibarbo etc. A forma como a receita era escrita seguia alguns padrões pré-
determinados, juntamente com alguns cuidados na hora da preparação. O nome
das substâncias era escrito, sempre um abaixo do outro, na ordem em que seriam
misturadas.
A seguir, determinava se o medicamento era para uso externo ou interno e
em que dose deveriam ser administrados. Para formular uma pomada, uma
poção ou uma pílula seguia-se o modelo abaixo.168
Modelo de algumas Fórmulas: Poção antispasmódica. Ether sulfúrico 2gotas (base) Água de Flores de laranjeira 4gramas(adjuvante) Xarope simples 30gramas(corretivo) Água comum 125gramas (Excipiente) Misture. Tomar uma colher de sopa de hora em hora. Data... Assinatura do médico. Pomada: Enxofre sublimado e lavado 10 gramas(base)
168 CHERNOVIZ, op.cit. págs. 42-43
Subcarbonato de potassa 5 gramas(adjuvante) Água distillada 5 gramas (Excipiente) Óleo de Amêndoas 5 gramas (Corretivo) Banha 35gramas (Excipiente) Pílulas Febrífugas Sulfato de quinina 0,10 centigramas (base) Extratcto de quina 0,10 centigramas (adjuvante) Raiz de alcaçuz em pó Mel de abelhas q.s (intermédio) Faça 1 pílula, e como esta mais 11(quantas forem necessárias). O quadro nº 2 irá nos mostrar que o Drº Ernesto Frederico da Cunha usava a
mesma receita para a prescrição dos medicamentos de vários escravos. Em
algumas receitas aparece o nome do proprietário ou do administrador da fazenda.
Quadro nº 2
Receitas médicas aviadas pelo Dº Ernesto Frederico da Cunha
Receita Ano mês
Fármacos/ medicamentos
Fórmula Modo de usar Doença Tratada Escravo/ Proprietário
1ª 1883 março
Nitrato de prata
2 lápis - Varíola Doenças venéreas
Dona Maria Esteves
Água destilada Arseniato de soda
200gramas 10gramas
- Moléstia de pele. Augusto
2ª 1883 março
Calomelanus Assucar
1decigrs 2 gramas
Tomar de uma vez Sífilis Izabel
Podophilina pura Extrato de Rhuibarbo Sabão medicinal
25 miligrs. 2 centig. 1centigrama
1a3 pílulas por dia Icterícia Doenças crônicas do fígado.
Izabel
3ª 1883 março
Mistura de Salvia officinalis
750grs Tomar a vontade Problemas Gástricos
Dona Maria Esteves Januário
4ª 1883 Abril
Não Identificado 30gramas Passar na erupção
Doença de pele -
5ª 1883 abril
Gliceróleo de enxofre 30gramas Passar na erupção
Doença de pele (Sarna)
Sr Antonio Manoel de Menezes
Enxofre Sublimado Magnésia
Centigramas. 20grs
2 papéis por dia Catarros crônicos Bronquite
-
Àgua Destilada Arseniato de Soda
300gramas 10gramas
2 colheres de sopa dia
Doenças de pele Francelina
6ª 1883 abril
Citrato de magnésia Gliceróleo de Bismuto
250grs 30grs
Tomar de uma vez. Externo
Sistema digestivo -
1883 abril
Enxofre sublimado Magnésia
Centigramas gramas
1papel por dia Catarros crônicos Francelina
Receita Ano mês
Fármacos/ medicamentos
Fórmula Modo de usar Doença Tratada Escravo/ Proprietário
Enxofre sublimado Magnésia
Centigramas. 25 gramas
2papel por dia Catarros crônicos Para as meninas
Gliceróleo de enxofre 30 gramas Moléstia de pele Para as meninas 7ª 1883
abril Gliceróleo de Bismutho Limonada purgativa
20grs - Doenças digestivas
Dona Maria Esteves
8ª 1883 maio
Xarope de Quina Arseniato de soda
250gramas 5centigramas
Tomar 1 c.após a comida
Moléstia de pele Srº Menezes
Gliceróleo de Bismutho Enxofre
60gramas 60gramas
- Doenças digestivas Moléstias de pele
-
9ª 1883 Junho
Xarope de Quina Ferruginosa Licor Arsenical
200gramas 4gramas.
- Febre, Nevralgia Escrophulas Tipho
Dona Maria Esteves.
10ª 1883 junho
Gotas amargas de Baumé
15gramas. 4gottas antes da comida
Doenças do Sistema Digestivo
Pedro Crioulo
Xarope de lactucário Sulfato de morfina
centigramas. 25gramas
1colher à noite Doenças respiratórias
Florinda
Xarope de Genciana Iodureto de potássio
40gramas 15gramas
3 colheres por dia Febre intermitente sífilis
Leôncio
Calomelanus (pó) Extrato de Cicuta Licor de jurubeba Tintura de Iodo
5centigramas 1centigramas 1centigramas -
3 pílulas por dia Embricações na região hepática
Doenças venéreas Doenças venéreas
Victorino
11ª 1883 junho
Enxofre sublimado Magnésia Extrato de Glicério de Enxofre
- 2gramas 30gramas
1papel por dia Externo
Eczema, DartroseEscrophlulas. Pele.
Srº Antonio de Menezes.
Receita Ano mês
Fármacos/ medicamentos
Fórmula Modo de usar Doença Tratada Escravo/ Proprietário
12ª 1883 junho
Enxofre Sublimado Centigramas 2 papéis por dia Infecção Ulcerosa Dona Maria Esteves.
13ª 1883 junho
Xarope de Lúpulo Glicerina Arseniato de soda
150gramas. 50gramas 25miligramas
2colheres ao dia. Moléstias Cutâneas
Srº Antonio
14ª 1883 agosto
Enxofre sublimado Bicarbonato de sódio Licopódio
30centigrs 15gramas 15 gramas
2 papéis por dia -
Moléstia de pele Assadura
Srº Antonio
15ª 1883 agosto
Lycopódio Repetir enxofre
250gramas 5 -
Papéis . Moléstia de Pele Srº Augusto
16ª 1883 agosto
Quina Arseniato de soda
250gramas 5 -
- Moléstia de Pele Srº Antonio
17ª 1883 setembro
Valerianato de Ferro Asa Fétida Extrato de Belladona Extrato de Noz Vômica
10centigrams 5centigramas 0.05 centigrs - centigrs
3 pílulas por dia Chlorose (anemia) Asma Coqueluche
Sr Menezes
Xarope de Lúpulo Arseniato de soda
250gramas 5centig.
2c. por dia Escrophula Thereza
Extrato de ácido Bórico Balsamo Peruviano Vaselina
Centigrs. 2gramas 20gramas
Pomada Erupções na pele Thereza
18ª 1883 setembro.
Enxofre Licopódio
2 pápeis 2 Papéis
- Moléstias Cutâneas
Sr Antonio M de Menezes
19ª 1883 setembro.
Vaselina Precipitado Branco
10gramas 10centigrs.
Externo Oftalmias Feridas
Tertuliana
Receita Ano mês
Fármacos/ medicamentos
Fórmula Modo de usar Doença Tratada Escravo/ Proprietário
20ª 1883 Outubro.
Limonada Purgativa de citrato de magnésia Água Phenicada
200gramas Tomar de uma vez Purgante Infecção de garganta.
Dona Maria Esteves
21ª 1883 Outubro.
Infusão de Tìlia e melissa Tintura de Noz Vômica Elixir Paregórico Extrato de Ratania
35 gramas 12 gotas 4 gramas 30 gramas
1 cálice de 3 em 3 horas
Doenças do Sistema Digestivo
Firmo Monjolo
Cataplasma de Linhaça - Aplica-se sobre o ventre
Sistema urinário Firmo monjolo
Sabão medicinal Extrato de Rhuibarbo Extrato de Cicuta Herva Tostão
1decigrs. 5centigrs 1centigrs 500grs
2pílulas por dia chá
Moléstia do Fígado
Leopoldo
Água Destilada Nitrato de Prata Cristalizado
15gramas 5gramas
Externo Cancro Venéreo Tertuliana
22ª 1883 Novembro.
Àcido Bórico Glicerina neutra Salsa peruviana Bolsa de Pastor
Repetição da Pomada
Eczema Sr Antonio Manoel de Menezes
23ª 1883 Novembro.
Marcella 250 gramas - Sistema Digestivo
Dona Maria Esteves
Receita Ano mês
Fármacos/ medicamentos
Fórmula Modo de usar Doença Tratada Escravo/ Proprietário
24ª 1883 Dez.
Ácido Bórico Gycerina Neutra Vaselina Salsa peruviana
5Gramas 10gramas - 2gramas
- Eczema Sífilis
Srº Menezes
25ª 1883 N.C*
Água Phenicada Nitrato de Potássio
200gramas 4gramas
1c. de sopa 2em2 h.
Infecções Na garganta
-
26ª 1883 N.C
Xarope de Tolú Xarope de Polygala Acetato de Alumem Tinta de Belladona
-centigrs. 15grs. 5gramas 6gotas
2 c. e mais 2 colheres de pasta seca de alface
Bronquite catarral dos Tuberculosos
-
27ª 1883 Ergotina Extrato de cicuta Tanino Sulfato – Lactato Ferroso
10centigrs 15centigrs. 5miligrs 5centigrs 10centigrs
Tomar 1 pílula Hemorragia Uterina e anemia
Dona Maria Esteves
28ª - Sulfato de calabar 1 vidro 1 c. por dia Mydriase Oscar
29ª - Ergotina Tanino Lactato de ferro Extrato de Beladona
10centigrs. 15centigrs 5 centigrs. 10 miligrs
3 pílulas por dia Hemorragia uterina
Gertrudes
30ª - Vinho quinado 4 garrafas Tônico Debilidade Florinda
31ª - Ácido Bórico Glicerina neutra Balsamo Peruviano Vaselina
5gramas 10gramas 2gramas 20gramas
Pomada Erupções na pele Srº Menezes
Receita Ano mês
Fármacos/ medicamentos
Fórmula Modo de usar Doença Tratada Escravo/ Proprietário
32ª - Água destilada Iodureto de Potássio Bromureto de Potássio Tintura de Noz Vômica D. Calais Cerupto
200gramas 8gramas 6grams 2 gramas - 30 gramas
xarope Nervosas e Sífilis
Srº Antonio Manoel de Menezes
33ª - Xarope de Bornies 25gramas 2colheres. ao dia Escroplhula Dona Maria Esteves
34ª - Calomelanus
8 gramas Externo Oftalmias -
35ª - Salvia Simples Òleo de amêndoas campestres Óleo de Carnaúba
250gramas 20 gramas 10gramas
2.colheres.ao dia Repor curativo
Respira-tória Sífilis
-
36ª - Água destilada Arseniato de soda Chloridrato de morphina Extrato de Strychinina
200gramas 10centigrs. 15centigrs 5centigrs
2 colheres ao dia Nevralgia, Paralisia Impotência
Augusto
Àcido Chlorídrico 10gramas 2 gotas
Digestivas Augusto
Fonte: a identificação foi realizada através do formulário e Guia Médico de Chernoviz.
A análise das receitas demonstra que os escravos da Fazenda Santo
Antonio do paiol sofriam de uma incidência maior de doenças relacionadas a
pele contrastando com as doenças encontradas por Karasch para o Rio de
Janeiro, embora sejam épocas distintas. No quadro abaixo estão especificados
alguns índices que foram coletados a partir da análise das receitas.
Quadro nº 3
Distribuição das Doenças segundo grupos, tratadas na Fazenda santo Antonio do
Paiol. (36 receitas e 63 fórmulas registradas.)
Grupo das Doenças* Quantidade de Fórmulas por grupo.
Porcentagem por grupo.%
Grupo I - Infecciosas e parasitarias. 10 15,87 %
Grupo II - Sistema Nervoso 3 4,76 %
Grupo III -Aparelho Circulatório -- 0 %
Grupo IV-
Aparelho Respiratório
9 14,29 %
Grupo V -Aparelho digestivo 10 15,87 %
Grupo VI -Aparelho geniturinário 7 11,11 %
Grupo VII -Doenças de pele. 23 36,50 %
Grupo VIII -Sistema Osteomuscular -- 0 %
Grupo IX -Estados Mórbidos 1 1,59 %
Grupo x- Acidentes e Violência 0 0 %
* Classificação utilizada no quadro nº 2 do capítulo 2.
A partir desta amostragem chegamos a conclusão de que as doenças
classificadas no grupo VII foram as de maior incidência sobre os escravos. Eles
sofriam em 1º lugar de doenças relacionadas à pele. Em 2º lugar de doenças
infecciosas e parasitárias classificadas nos Grupos I e V respectivamente
juntamente com as doenças do sistema digestivo, que segundo alguns
historiadores citados nos capítulos anteriores seria devido à má alimentação. Em
3º lugar viriam as doenças relacionadas ao sistema respiratório e seria devido às
más condições de higiene das senzalas, bem como de sua localização e
também do vestuário inadequado.
Os índices mostrados no quadro acima vêm confirmar mais uma vez que
as doenças relacionadas à pele foi o mais alto em comparação aos demais.
Erupções na pele, ulcerações, feridas podem sugerir sintomas da sífilis e da
varíola que não são doenças de pele, mas sim classificadas em outro grupo.
O que poderia estar acontecendo no ano de 1883, na fazenda Santo
Antonio do Paiol seria uma grande incidência de Sífilis entre os escravos além das
outras enfermidades.
É uma das doenças classificadas por muitos historiadores, médicos e
farmacêuticos como estritamente social devido às condições sociais das
categorias menos favorecidas da sociedade como um todo.
Os jornais da época alertavam para algumas enfermidades que estavam
acontecendo na cidade vizinha de Vassouras, dois anos antes do período
estudado nas receitas, como mostra o anúncio de 1881.169
“ O conservatoriense “ - Ano 1 - 1881
13 de março de 1881
Alerta para epidemia na cidade vizinha de Vassouras - Typho, febre amarela,
febre remitente biliosa (sede no aparelho gastrointestinal).
O pharmacêutico J. Parma
Os anúncios de jornais apontam para uma prática muito frequente durante
o século XIX, que seriam a venda de remédios secretos para a cura de diversas
enfermidades que já apontamos no capítulo anterior. Analisando o ano de 1867
deparamos com este anúncio que nos confirma também que as doenças de pele
eram características deste período.
Jornal “O Valenciano”
Morphéia: Uma pessoa habilitada está curando, nesta cidade a diversos
doentes morpheticos, os quês tem apresentado vantajosas melhoras, como se
pode sindicar. Esta pessoa propor-se a curar esta terrível e até hoje incurável
enfermidade e para garantia do bom resultado que assevera, prescinde de
169 Jornal pertencente ao acervo da Família Esteves, proprietária da Fazenda Santo Antonio do Paiol. Fazem parte do acervo, alguns exemplares dos jornais que circulavam na cidade de Valença. O Merrimac de 1862, A Phenix do ano de 1867, O Alagoas 1868, O Regenerador de 1871, O Echo-Valenciano, O Porvir de 1876, A Gloria de 1876, O phonógrafo de 1881.
qualquer quantia a vista, e somente a requer quando seus medicamentos terão
mostrado um resultado satisfatório.
3. 4 O Cemitério da Fazenda Santo Antonio do Paiol
Chamado inicialmente de Cemitério de Santa Tereza, foi criado pelo seu
proprietário para facilitar o sepultamento de seus lavradores, o cemitério acabou
servindo para o sepultamento de muitos indivíduos da redondeza, escravos de
fazendeiros vizinhos, mas na maioria dos casos pessoas pobres da região.
Analisamos as autorizações para enterro juntamente com os registros de
óbitos na documentação da família com o objetivo de encontrarmos as causas-
mortis de seus escravos. Levantamos um total de 611 registros e autorizações
para enterro que cobrem o ano de 1875 até 1945, ultrapassando bastante o nosso
período de estudo, por isso concentramos a nossa análise no período
correspondente a (1875 –1888) que perfazem um total de 67 sepultamentos.
A análise desta documentação comprova que os escravos que aparecem
nos registros com a condição jurídica definida como escravo é de 5,9 %, os outros
escravos poderiam ser identificados somente pelo nome porque não consta a
condição jurídica. Deste total algumas causas- mortis se apresentam e confirmam
também as doenças já relacionadas.
Coqueluche, febre, gastrointerite, infecção purulenta, sarampo, cólica são
algumas relacionadas. O que nos surpreendeu entre esses registros foi à morte
ser considerada como morte natural em quase a maioria dos casos analisados
para uma população com faixa etária até 50 anos.
O número de crianças enterradas também foi bastante elevado em relação
aos demais: 23.8% eram crianças, muitas delas recém-nascidos ou nascidas
mortas. Levando –nos a interpretar que, as condições de gravidez da mãe, não
foram muito favoráveis.
As autorizações para enterro no cemitério da fazenda seguiam um ritual
revelador das condições da população no entorno da fazenda.
O vigário após cumprir o ritual religioso, escrevia para o proprietário da
fazenda ou para o administrador do cemitério para conceder licença para o
sepultamento.170
Autorizações para enterro
1ª) Concedo licença para ser sepultado no cemitério da Ex. Srª D. Maria Pimentel
Esteves.
Bernarda de Nação
Idade : 50 anos
Escrava
Proprietário: João Pires de Souza Morais
Valença – 17 /07/ 1880.
Vigário : Luiz Alves dos Santos
170 Documentação da fazenda Santo Antonio do Paiol: Série óbitos, Caixa 04 . Ano 1880.
2ª) Ilmº Srº Antonio Manoel de Menezes. 31/10/1888.
S. Manoel.
Rogo-lhe o favor entregar a chave do cemitério ao portador para enterrar uma
liberta que morreu ontem, empregada do Srº Jacintho Martins Pimentel que de
cujo favor lhe fico grato.
Desejo-lhe perfeita saúde e sorte.
P. D. Tiburcio de Cherobino Leal Pimentel.
Nota: A falecida chamavaci Ignês Preta Velha.171
3. 5 - A Reprodução Escrava na Fazenda Santo Antonio do Paiol.
Foram analisados seis livros de registros de batismos da Paróquia Nossa
Senhora da Glória de Valença, onde os escravos foram registrados pelo vigário
responsável Luis Alves dos Santos. Os escravos pertencentes ao proprietário da
Fazenda Santo Antonio do Paiol foram batizados no oratório da própria fazenda,
como consta no livro de registro. Tivemos como objetivo ao analisarmos estes
registros, nos aproximarmos do número de sua reprodução.
Comprovamos através dos números que a reprodução poderia ter
aumentado após o ano de criação da farmácia, apesar de não constar na
documentação uma data precisa para a sua criação.
Os anos de maior freqüência de batizados foram os anos de 1867, 1879 e
1881com respectivamente 27, 36 e 32 batizados. Isso sugere que a farmácia, não
171 As autorizações foram transcritas de acordo o documento.
foi montada nos anos iniciais, após seu casamento em 1850, quando foram
realizadas as melhorias na fazenda e sim alguns anos depois, coincidindo com um
maior número de nascimentos.
Distribuição dos Batismos por Década
Década. Freqüência de Batismos.
1850-1859 O
1860-1869 27
1870-1879 72
1880-1888 56
Total 155
Fonte: livro de registro de batismo da paróquia Nossa
Senhora da Glória de Valença.
Segundo Silva172 os registros de batismos trazem muitas possibilidades de
análise: ano de nascimento, nome da mãe, nome do escravo, sexo, nome dos
padrinhos, nome do proprietário e a partir de 1871, os párocos de Valença
seguiram as determinações da Lei do Ventre–livre, utilizando para o registro de
batismos de escravos um livro exclusivo, isso não acontecia anteriormente.
A expressão “nascido de ventre- livre é bastante constante nos registros,
porém para a nossa análise não utilizamos esses dados pois com dissemos
172 SILVA, Sidney Pereira. As Relações Sócio-Parentais entre Escravos: o batismo de escravos em Valença, província do Rio de Janeiro (1823-1885). Dissertação de Mestrado. Universidade Severino Sombra, 2005,.
anteriormente o nosso objetivo foi verificar a quantidade de nascimentos devido a
melhoria das condições de vida da mãe escrava através da criação da farmácia.
4-Considerações Finais:
Ao iniciarmos a pesquisa, tivemos o intuito de desenvolver um projeto
interdisciplinar que abrangesse o campo de pesquisa da História Social e a área
de Biologia. O estudo sobre as doenças dos escravos da Fazenda Santo Antonio
do Paiol, bem como suas formas de tratamento, possibilitou-nos estabelecer este
intercâmbio.
Durante o desenvolvimento da pesquisa foi possível percorrer alguns
conceitos trabalhados dentro da História Social, da Medicina, da Farmácia e
outras áreas como a História Cultural e a Demografia. Foram trabalhados os
conceitos de Saúde e Doença no Brasil, desde a colonização até o século XIX, o
qual a pesquisa está fundamentada. Enfatizando sempre a importância do
trabalho escravo dentro da economia da região e também da economia nacional.
As fontes analisadas foram de fundamental importância, pois mostraram o
caminho que pudemos percorrer para a comprovação de nossas hipóteses
iniciais. Baseada e alicerçada principalmente no acervo da Família Esteves, o qual
se conserva bem preservado a nossa pesquisa se desenvolveu, utilizando como
fonte principal à farmácia pertencente ao hospital dos escravos.
A farmácia da fazenda nos moldes que foi montada, segundo algumas
pesquisas é única na região. Isso vem demonstrar a grande preocupação do
proprietário com o seu plantel que era um dos maiores da região. Somente nesta
unidade produtiva chegou a possuir 320 escravos que foram deixados para os
herdeiros após seu falecimento em 1879.
Infelizmente não foi possível encontrar na documentação, a data de sua
criação, mas acreditamos que começou a ser montada após 1850 com a proibição
do tráfego pela Lei Euzébio de Queiroz.
Para melhor situarmos a nossa pesquisa, optei por fazer no primeiro
capítulo uma descrição do que era o município de Valença, desde a sua criação
até o século XIX, analisando alguns aspectos fundamentais tais como: social,
político, econômico, cultural e as condições de saúde pública sempre nos
reportando ao escravo procurando demonstrar qual era a sua situação perante a
sociedade local.
Assim teríamos uma noção do como era Valença no período estudado e
como a fazenda se situava neste contexto social. No primeiro capítulo procuramos
destacar ainda através de uma revisão historiográfica da doença no Brasil, como
se processou o atendimento nas questões de saúde para a população em geral e
principalmente para os escravos.
Analisamos a ação dos curandeiros, feiticeiros, sangradores até chegarmos
a medicina considerada científica. Destacamos a ação dos Jesuítas ao longo de
praticamente três séculos cuidando da população pobre e dos escravos.
No capítulo 2, analisamos a farmácia, e através dos seus frascos de
medicamentos chegamos próximo da realidade da época. As substâncias
químicas foram analisadas pelos rótulos e através do “Formulário e Guia Médico
de Chernoviz” foram identificadas, comprovando assim, que eram utilizadas no
século XIX. Com a análise das substâncias, chegamos as doenças que estavam
sendo tratadas na fazenda.
No 3º capítulo trabalhamos as receitas médicas aviadas pelo médico Drº
Ernesto Frederico da Cunha, que era um médico estabelecido na região, com o
intuito de fazermos um cruzamento de dados com as substâncias da farmácia.
Ao cruzarmos estes dados foi possível comprovar que algumas substâncias
eram utilizadas pelo médico durante a formulação da receita. As 36 receitas
analisadas demonstraram que o Drº Ernesto Frederico da Cunha, fazia visitas
regulares à fazenda. Analisamos todas as receitas do ano de 1883, que estava na
documentação pertencente ao tratamento dos escravos. Elas seguem a seqüência
dos meses do ano, comprovando que as visitas eram regulares.
Após a análise das receitas classificamos as doenças de acordo com o
Código Internacional de Doenças (Cid-10). E o quadro que se apresentou depois
da classificação demonstrou que os escravos da Fazenda Santo Antonio do Paiol,
sofriam de uma diversidade de doenças, além das doenças epidêmicas que
atingia a região como um todo.
As doenças de pele foram as de maior incidência, como demonstramos no
quadro de nº 3 do capítulo 3. Ocorrendo aí um contraste com os resultados de
karasch para o Rio de Janeiro até a metade do século. Poderíamos chegar a
conclusão que o termo utilizado para doenças da pele que aparecem
constantemente como erupções na pele e feridas na pele, poderia ser,
conseqüência da sífilis.
O Dr º Ernesto poderia estar tratando de uma incidência de sífilis entre os
escravos. Concluímos que a montagem farmácia pode ter se iniciado com a Lei
Euzébio de Queiroz em 1850, mas se intensificou após a Lei do Ventre Livre,
porque o maior número de nascimentos ocorre na década de 70 como
demonstramos também no capítulo 3 através da distribuição dos batismos no
quadro nº4. È importante ressaltar que o tratamento dado aos escravos através
das fórmulas analisadas são classificados como: quimioterápicos e fitoterápicos,
contrastando com informações de alguns autores trabalhados no capítulo 2 de
nossa pesquisa. Autores como Rosenbaum173 afirmam que os escravos da
província do Rio de janeiro eram tratados com homeopatia, por serem
medicamentos mais baratos. Na fazenda Santo Antonio do Paiol, não foram
econtrados remédios homeopáticos, com demonstramos na identificação das
substâncias da farmácia.
173 Rosenbaum. Op.cit.p27
5-Fontes Manuscritas:
• Registros de Óbitos pertencente ao acervo da Família Esteves.
• Autorizações para enterro no cemitério da Fazenda.
• Inventário pos-mortem da Família Esteves.
• Livro de internamento de Escravos do Museu da Santa Casa de
Misericórdia de Valença.
• Jornais da Época: século XIX, que circulavam em Valença:
O Merrimac -1862 O Valenciano - 1864
A Phenix -1867 O Alagoas-1868
O Regenerador – 1872 O Echo-Valenciano - 1875
A Glória – 1876 O Porvir- 1876
O Phonógrafo –1881 O Conservatoriense –1881
• Receitas Médicas aviadas para o tratamento dos Escravos pertencente
ao acervo da Família Esteves.
• Livro de registro de óbitos de Escravos da Paróquia Nossa Senhora da
Glória de Valença. Anos de referência: 1850 até 1888.
• Livro de registro de Batismo da Paróquia Nossa Senhora da Glória de
Valença. Anos de Referência: 1850 até 1888.
6 - Fontes Impressas:
• Formulário e Guia Médico de Pedro Luiz Napoleão Chernoviz. Tomo I e II,
19ª edição. Paris, 1900.
• Formulário do Hospital da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro.
3ª edição. Typ. Pacheco, Silva & C. Rio de Janeiro, 1900.
• Almanak Administrativo Mercantil e Industrial do Império do Brasil para
1883. Lamert, Eduardo V. Almanak das províncias do Rio de janeiro. V.3
.Artur Sauer, 1883.
• Dicionário da Língua Portuguesa. Silva, Antonio de Moraes. Lisboa:
Lithotipografia Fluminense. 1883.
7- Bibliografia
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Anexos
Anexo Capítulo 2
Identificação das substâncias através do Formulário e Guia Médico de
Chernoviz. (A grande Farmacopéia Brasileira)- Um Guia de Plantas
Medicinais Brasileira.
1-Acetato de Chumbo -Acétate de Plomb, fr. P .225
Há dois acetatos de chumbo usados em medicina:
Acetato de chumbo cristalizado. (sal de Chumbo e os acetatos de chumbo
líquido). São massas irregulares, brancas, semelhantes a torrões de açúcar,
formadas pela agregação de pequenas agulhas, de sabor doce, em seguida
adstringente, solúveis em água e na glicerina. Em alta dose é venenoso e irritante
em pequena dose, tem uma só ação adstringente.
Uso interno: suores dos tísicos, nas diarréias, nas hemorragias de pulmão, e do
útero, e nas nevralgias.
Uso externo: pode ser usado em Colírio contra oftalmias crônicas.
Acetato de chumbo líquido. Diluí-se o acetato cristalizado em água.
Uso: emprega-se externamente como resolutivo e repercussivo nos tratamentos
das fraturas, contusões, luxações, frieiras, queimaduras, oftalmias, inflamações
da erisipela, panarício, etc.
2- Ácido Cítrico -Acide Citrique, fr. P.240
Existe no limão, na laranja e em muitas outras frutas azedas. É branco
cristalizado em prismas rhomboidaes inalteráveis no ar, inodoro, de sabor muito
ácido. Usado em lugar do suco de limão nas limonadas. Atua como temperante.
3- Ácido Phenico-Phenol ou ácido carbolico, Acide Phínique, fr. p . 245
Produto da destilação do breu de carvão de pedra ou coaltar. Tira-se do alcatrão
por destilação.
Emprega-se para cauterizar o nervo dentário.
Dissolvido em água é um poderoso desinfetante, tira-se o cheiro fétido das
carnes corruptas, e impede a putrefação.
Pode ser empregado em diferentes graus de concentração no tratamento
externo do Lupo, eczema, lepra, tinha etc.
4-Água de Florida - p.93
Água destilada de flores.Ex: flores de laranjeira. Constituinte de várias formas
farmacêuticas importantes: excipiente ou parte ativa das poções, colírios,
injeções etc.
5- Água Sulfurosa Artificial – p.274
A água sulfurosa artificial pode ser obtida tanto para uso interno, quanto externo.
Uso interno: monosulfureto de sódio cristalizado 0,13 centigramas, Chlorureto de
sódio 0,13 centigramas.
Água privada de ar pela ebulição, 650 gramas.
Dissolver e conservar em garrafas bem tampadas. É destinada a substituir as
águas minerais que contém sulfureto de sódio e ordinariamente as águas
sulfurosas dos Pyrenes. Pode ser usada para tratamento da pele, nos catarros
pulmonares, na asthma, nas escrophulas, nos reumatismos crônicos da
gota, na paralisia, e etc. e para banhos, lavatórios, duchas, e etc.
6-Alumem de Potassa – pp.324-1214
Potassa (a potassa caustica pela cal) é um dos cáusticos mais empregados para,
abrir abcessos, cauterizar tumores. Aplica-se sobre a pele um emplasto. A
potassa caustica é um dos venenos mais irritantes, entretanto foi administrada
internamente contra: a lepra, a escrophulas, areias, cólicas nephriticas e
outras afecções, proveniente do excesso de ácido úrico na urina.
7-Amoniaque de Valeriana – p.1444
Valerianate d’ ammoniaque (francês). Acha-se no estado sólido, em cristais
brancos, ou líquido, sem cor, muito espessa.
Antispasmódico aconselhado contra a epilepsia e o histerismo na dose de 0,05 a
0,50 centigramas, por dia em poção ou pílulas.
8-Anti-hemorroidarios
Medicamentos adstringentes, empregados para combater as hemorróidas.
Ex: Ratania.
9- Aniz
Leguminosa. Sophora tinctoria, cresce nos Estados Unidos. Contém três
princípios ativos: a baptisina-glucoside amarga; baptina - glucoside purgativa; a
baptiloxina- alcalóide muito venenoso que atua como o curare. Em doses
moderadas é um laxativo. Emprega-se na escarlatina, febre tifóide e gangrena.
10- Azeite de Creton -óleo de Cróton Tiglium, fr. Pág . 1121
Óleo extraído das sementes do Cróton tiglium, arbusto da família das
Euphorbiaceas, que habita nas Molucas, no Ceylão. Purgante extremamente
violento. O emprego deste óleo requer grande prudência, pois com uma gota,
determina-se abundantes dejeções alvinas. Administra-se na hydropsia,
apoplexia, cólica de chumbo e contra a tênia.
11- Bicarbonato Fluído de Magnésia pág.1028.
É uma simples solução de bicarbonato de magnésia. Esta preparação que é
completamente incolor, conserva-se bem guardada em frascos bem tampados;
exposta ao ar deixa depor o carbonato de magnésia, debaixo da forma de
cristais ou de lâminas. Propriedades: é um anti-ácido eficaz, que não é
desagradável. Uso: é recomendado contra a gota e areias.
Dose: 1 colher de chá.
12-Broumure de Potassium ou Brometo de Potássio –p. 456.
Sal cristalizado em cubos brancos, de sabor acre e amargo, muito solúvel em
água, pouco solúvel em álcool. Emprega-se em muitas afecções nervosas
sobretudo na epilepsia. Exerce ação sedativa, tornando mais lenta a
circulação sanguínea, e etc..
13- Carbon de Ferro – Proto-Carbonate de Fer. p. 781.
Este sal é branco, inodoro, não se emprega isolado, mas muitas preparações lhe
devem as suas propriedades. Usado na chloroanemia com fenômenos
nervosas, engurgitamentos crônicos do útero e do ovário.
14-Caroba, Jacarandá procera – p. 507
Árvore do Brasil, folíolos verde escuro. A casca é um poderoso sudorífico. As
folhas empregam-se contra as boubas e as sífilis.
15-Chloreure d’or, Chlorureto D’Ethylo. Ether ethylchorhydrico. p.564
Sua obtenção é através de mistura de ácido sulfúrico e de sal marinho sobre
álcool. Vende-se no comércio ampolas de vidro tendo um gargalo muito fino que
se quebra na ocasião de empregar o produto.
É um produto inflamável. É um anestésico que pode ser empregado nas
pequenas operações como sejam aberturas de abcessos, extração de dentes, de
unhas encravadas para acalmar as dores ocasionadas pelas nevralgias frações
ou intercostais.
16- Clorato de Potassa, Chlorureto de Potássio Berthollet. pág. 546
É um sal cristalizado em lâminas sem cor, de sabor quase nulo, solúvel em água
fria. Na indústria fazem primeiro o Chlorato de cal que decompõe em Chlorureto
de Potássio. Aconselhado contra: gangrena de boca, estomatite, áfitas,
escorbruto, angina membranosa, diarréias em crianças, febre tifóide
externamente contra as úlceras, e é também um desinfetante.
17- Coaltar Saponine (Saponine, francês), Saponina p.1327
Princípio imediato da raiz de saponária; extrai-se igualmente da casca de
Quillaya saponaria. Árvore do Chile, conhecida no comércio sob o nome de
casca de panamá. Acha-se também na salsaparilha, raiz de hina e polygala da
Virginia. A Saponina do comércio é obtida através da raiz de saponaria, tratando-
a pelo álcool. È branca, pulverulenta de sabor acre. Solúvel em água, que torna
viscosa e espumosa como o sabão. Solúvel em água, que torna viscosa e
espumosa como o sabão. O álcool saturado de saponina goza de propriedade de
dissolver as substâncias resinosas e oleoginosas e de formar com elas, quando
se deitam na água, emulsões permanentes. A saponina divide as resinas, os
alcatrões, os bálsamos e grande número de outras substancias insolúveis na
água e solúveis no álcool. Sendo a absorção das substâncias medicamentosas,
nas emulsões, mais perfeita e mais segura, graças a divisão externa de suas
partículas, com elas, resulta que o efeito desta substância é muito eficaz.
Coaltar Saponiné Lê Beuf. (adotado nos hospitais de Paris)
Desinfetante e Antidisfitérico
É grande a eficácia deste produto, nas anginas que os autores franceses
chamam “couemeuses” e que são as anginas pseudomembranosas, nos
antrazes, leucorrèias, otites infecciosas, supurações, ulceras, gangrenas,
herpes, pitiriases, e etc.
18- Conserva de Peptona (Peptone, fr.) (pág.1178)
Da palavra grega peptos, digerido em fisiologia chama-se assim o produto
líquido da digestão gástrica.
Em farmácia deu-se este nome à carne de vaca, transformada em substância
susceptível, de passar para o sangue e ser assimilada. Fabricando peptonas faz-
se sem a ajuda do estomago, o trabalho que ele, doente é incapaz de executar
não são medicamentos e sim alimentos suceptíveis de serem imediatamente
absorvidos. Contribuem a nutrição, administra-se pela boca ou clyster. Permitindo
a nutrição nas moléstias de peito, gastralgia, nas cachexias, nos vômitos,
afecções de gargantas e etc.
19-Cotoine , Cotoina p.616
Coto: Palicurea densiflora. Rubiáceas. Casca de uma árvore pertencente ao
gênero cotochina que habita no Peru e na Bolívia. Atualmente a tintura de coto é
susbstituida pelo seu alcalóide, a cotoina, que é muito empregada contra: o
catarrro intestinal, e a diarréia crônica. A cotoina se apresenta debaixo da forma
de prismas, de cor amarela clara, que são pouco solúveis em água fria, mais
solúveis em álcool, eter, e chloroformio. As experiências feitas com a cotoina
para combater as diarréias rebeldes deram resultados excelentes. Não existindo
na matéria médica, nenhum medicamento para tratamento da diarréia.
20-Pó de Doliariana p.658
Fermento ou pepsina vegetal análoga a papaína, tirado pelo doutor Moncorvo,
do Rio de Janeiro, da Gamelleira, Fícus doliaria, árvore do Brasil cujo leite serve
para curar opilação devido a presença do Ancylostoma Duodenale.
21-Elixir p.708
Pancreatina, reúne os fermentos indispensáveis à digestão: pancreatina,
diastase e pepsina. Combate às digestões difíceis.
22-Ergotine de Benjan (Ergotina) (pág.715)
Nome dado a várias substâncias diferentes, extraídas da cravagem de centeio
espigado. É uma substância mole e rubra escura de cheiro agradável lembrando
carne assada. Tem sabor picante. Forma com a água uma dissolução de cor
vermelha límpida, transparente e de notável acidez.
Propriedades e usos: provoca contrações uterinas e diminue a freqüência do
pulso. É empregada internamente para suspender hemorragias uterinas.
Encontra-se em soluções, ampolas e drágeas a 0gr e 15gr.
23-Extrato de Sucupira p.1333
Sucupira, Sebipira, Bowdichia myaor leguminosas, árvore do Brasil, a casca tem
gosto acerbo e adstringente, é reputada tônica e diaforética e o cozimento é
aconselhado em banhos contra as moléstias de pele.
Dose: 1 kilograma para um banho.
24-Extrato de Thebaico, Extrato de Ópio(pág.1403)
É o exrato aquoso de ópio, pó causa de ópio de tebas, cidade do Egito, que é o
mais espalhado no comércio. Emprega-se para as mesmas doenças que o ópio:
Insônia, tétano, delírio nervoso, disenterias, diarréias ou reumatismo, coléra-
morbus, e etc.
Purificado ou Extrato aquoso, chamado também de extrato gamoso de ópio ou
extrato de thebaico.
25-Fluid de Magnésia (pág.1028)
Magnésia líquida ou água magnesiana. A magnésia é um oxydo de magnésio.
Existe em grande quantidade na natureza, mas no estado de combinação,
principalmente com o ácido carbônico e com o cloro. Emprega-se em medicina
com o nome de magnésia calcinada ou de magnésia pura.
Propriedades e uso: a magnésia calcinada é um purgante brando em alta dose
absorvente e anti-ácido em pequena quantidade. É empregada contra azia,
pirose, diabetes, gota, envenenamentos pelos ácidos arsenioso e pelos ácidos
minerais.
Dose: internamente usada como purgante 8 a 16 gramas; como anti-ácido 0,30
centigramas a 1 grama; como antídoto 8 a 16 gramas que diluem num como
d’agua e se repetem por muitas vezes.
26- Hidroclorato de Morfina p.1128
Chlorhydratos = ópio
O ópio compõe-se das seguintes substâncias: morfina, codeína, narcotina,
ácido mecânico, resina, óleo, goma e etc.
Propriedades e usos: é um dos mais preciosos remédios da medicina.
Calmante em pequena dose, excitante mais forte, é um veneno se for
administrado em grande quantidade.
É usado em doentes que sofrem muitas dores ou está sujeito a insônia.
Tétano, delírio nervoso, disenterias, diarréia, reumatismo, sciática, e outras
nevralgias, moléstias do peito e etc.
27-Lactato de Fer. (Lactato de Ferro) p. 1001
Sal solúvel em 48 partes de água e 6 partes de glicerina: insolúvel em álcool
concentrado. É incompatível com os álcalis e seus carbonatos, com os sulfuratos
solúveis, com o tanino e decoctos, adstringentes. Um bom preparado de lactato
de ferro é o seguinte: drágeas de lactato de ferro, de Gélis e Comte, classificadas
de 0 gramas à 05 gramas. Usado como tõnico o ferro é aproveitado em todas as
moléstias caracterizadas pela fraqueza como a Chlorose, amenorrhea, asthenica,
enfartes crônicos das vísceras abdominais, escorbuto, escrophulas, diabetes,
esterilidade, impotência viril, convalescência de moléstias graves, cachexia
subseqüente às febres intermitentes, debilidade dos órgãos digestivos, opilação,
palidez e edema de face.
28-Lascatif = purgatif p. 1232
São chamados de purgantes os métodos purgativos.
Chamam-se purgantes ou purgativos todos os medicamentos que determinam
evacuações alvinas e dividem-se tomando para base da classificação a
intensidade de seus efeitos em laxantes, catárticos e drásticos.
Os laxantes que purgam sem irritar, por assim dizer de modo mecânico, são
medicamentos naturalmente menos perigosos.
Os purgantes salinos determinam uma forte secreção da mucosa intestinal e
têm, o contra, de dar ensejo a uma grande prisão de ventre consecutiva e
teimosa.
Os drásticos são violentamente irritantes para o intestino, perigosos em extremo
e nunca deveriam ser tomados sem receita de facultativo assistente e bom
conhecedor da constituição do doente.
29-Leveduras secas de Cerveja p. 1012.
É uma espuma que espontaneamente se forma a superfície da cerveja em
fermentação, recolhida e lavada com muita água é que se compõe de cerveja
muito carregada de ácido carbônico e um amontoado de células vegetais
pertencentes a um fungo, de um pouco de amido e de hordeína.
É usada no tratamento: da furunculose, acne e o anthraz, prisão de ventre,
leucorrhéia, diabetes, febres tifóides, e etc.
Dose: 3 colheres de café por dia.
30-Macarino (identificação no rótulo)
Específico contra a coqueluche
31-Manacá = Manacan p.1037
Arbustro do Brasil, folhas curtamente pecioladas, alternadas de sabor amargo em
planta.
A raiz é purgativa na dose de 0,30 centigramas a 1 grama. É empregada entre os
indígenas como antisifílica. Em dose elevada é venenosa.
32-Metol = Mentol p.1060
É a parte concreta da essência de hortelã, produto da menta piperita que se
obtém submetendo essa essência a um frio intenso. O merithol é solúvel em
álcool, ether e chloroformio e essência de hortelã, derrete a 42 graus e ferve a
212 graus.
O mentol serve para preparar o lápis a que chamam anti-enxaquecas.
É um dos melhores antisépticos que existem e é ótimo para desobstruir as vias
respiratórias, doenças de pele, dartros e herpes.
33-Nitrato de Prata = Azotato de Prata p. 419
Prepara-se fazendo oxydar a prata por meio do ácido azotico. Pode ser
cristalizado, sem cor, sabor caustico, torna-se negro sofre a influência da luz.
Propriedades e Usos:
Interno contra a epilepsia e as nevralgias.
Em Clisteres é usado nas diarréias rebeldes.
Cauterizar os botões variólicos com o estilete molhado na solução de nitrato de
prata.
34-Pepsine “ Boudalt”p.1174
Substância amarelada, semelhante à goma que se obtém dos estômagos dos
carneiros, vitelos, cabritos e porcos, acha-se também no suco gástrico humano,
que lhe deve as propriedades digestivas. Tal como se obtém pelo modo descrito
mais adiante, apresenta com a ajuda de um ácido, a propriedade de operar a
dissolução dos alimentos azotados e formar um produto chamado peptona. A
pepsina, com o suco gástrico ácido reproduz todas as operações da digestão.
Emprega-se nos casos em que estando o estômago alterado na sua secreção,
as digestões são laboriosa, imperfeitas e impossíveis, a saber: na dyspepsia, na
gastralgia, na febre typhoide, nas convalescenças de todas as moléstias longas,
nas dores de estômago, nos vômitos nervosos.
Dose: 1 grama de pepsina amylacia, que se toma em hóstia no princípio da
comida ou 1 grama após.
35-Peptonato de Fer. (pág 1180)
Este sal descoberto em 1881, pelo Snr. Maurice Robin, chefe de laboratório dos
hospitais de Paris, constituiu o agente terapêutico mais racional da medicação
marcial.
É um sal orgânico definido, constituído por duas combinações: 1º de peptonato
de Ferro; 2º de Glycerina e de Ferro, formando um sal férrico duplo.
Nos seus estudos Robin demonstra no seu estudo sobre os ferruginosos, que
nenhum sal férrico é absorvido pela mucosa estomacal; por outro lado o
peptonato de Ferro, representa a forma última do sal ferruginoso formado no
intestino, depois da digestão dos alimentos.
Propriedades terapêuticas: o peptonato aumenta o número de glóbulos
vermelhos e a sua riqueza de hemoglobina, sendo, portanto preciosos na anemia
e na chlorose.
Facilita e auxilia a hypergenese dos hematoblastos e aumenta a fibrina do
sangue. Combate a hemofilia ou as hemorragias. Serve também para o
tratamento do lymphatismo, das manifestações escrofulosas e sifilíticas, e etc.
36-Permanganato de Potássio (permanganate de potasse, fr.) p.1183.
Agulhas prismáticas, cor negra brônzea, e violácea, inodoras, sabor adstringente,
solúveis em 15 partes de água fria em 2 partes d’agua fervendo o soluto que é de
cor violácea é prontamente descorado pelo contacto das matérias orgânicas.
Uso: aplicado sobre as feridas, em pó ou em solução concentrada, é caustico e
empregado nas chagas de mau caráter. É excelente desinfetante, e indicado
para tratamento externo dos cancros uterinos e outros, abcessos, gangrenosos,
mau hálito e suores fétidos.
37-Phenol Bobdeuf. (Phenol sódico Boboeuf) – Phenato de Soda p.1188.
As soluções aquosas dos alcatrões de madeira ou carvão de pedra (águas de
alcatrão) devem as suas qualidades desinfetantes, cauterizadora, anti-pútridas,
anti-escorbúticas, anti-epidemicas, adstringentes e hemostáticas, aos princípios
ativos que existem todos principalmente em certos óleos essenciais, ácidos que
eles contêm.
O Phenol é um inseticida dos mais poderosos. Neutraliza e cura imediatamente
todas as picadas e mordeduras venenosas de insetos, répteis ou animais
(vespas, abelhas, mosquitos, víboras, cães, sanguessugas, e etc.).
Faz parar todas as hemorragias mesmo muito abundantes, cura prontamente as
feridas sem inflamação nem supuração (se um corpo estranho não existir
nelas). Misturado na proporção d’uma colher de sopa para um copo d’agua,
substitui com vantagem todas as dissoluções de pedra hume, de tanito e de
acetato de chumbo (água branca) empregadas para desinfetar, cicatrizar e
parar as perdas brancas ou outras. Como a creosota, acalma as dores de
dentes sem ter o inconveniente de cariá-los ou queimar as gengivas.
Empregado no estado puro é preferível ao nitrato de prata nas cauterizações
internas.
O Phenol-Boboeuf cura a gangrena, as úlcera, a sarna e todas as afecções
semelhantes. Espalhado num aposento, sobretudo quando a Cólera, a febre
amarela, o tipho, a peste ou outras moléstias contagiosas reinam depois dos
óbtos onde é indispensável empregá-lo purifica o ar, e destrõe os miasmas
micróbios, ácaros, bactérias e etc., que são as causas imediatas de todas as
epidemias.
38-Podophillina Resina -Podophilline em francês. p. 1209
Substância resinosa extraída do podophillo e que parece ser o princípio ativo
d’esta planta. Pó de cor roxa ou amarelada, insolúvel na água, solúvel no álcool,
de sabor acre amargo, cheiro viçoso. Extrae-se dos rizomas de pedophyllo, 3 a4
por 100 de podophyllina. Prepara-se tratando pelo álcool forte, no aparelho de
deslocação, o rizoma de podophyllo. É necessário preservar o rosto com
mascara, quando se prepara este extrato alcoólico, podendo esta preparação
causar aos operadores conjuntivites e mesmo ulcerações nas fossas nasais.
Propriedades: é um drástico de primeira força e um excitante da secreção biliar,
o que a torna muito útil nos engurgitamentos crônicos e agudos do fígado e na
icterícia com ou sem lesão deste órgão.
Uso: interno 0,0015, 0,025 a 0,050 miligramas em pó ou pílulas.
39-Rhuibarbo da China p. 1290
Raízes de muitas especiais do gênero Rheum, da família das polygones, plantas
que habitam na China e nas províncias asiáticas.
Cor amarela escura, cheiro forte, sabor amargo, pó e de cor amarello-alaranjado.
Nome científico é Reum palmatum.
Propriedades: é tônico em pequenas doses e em altas doses é purgativo.
Uso: emprega-se nas digestões laboriosas, fastio, diarréia, e como vermífugo.
40-Salicylato de Bismutho. Pó p. 1304
Anti-diarréico, antiséptico que se emprega nas mesmas condições que o sub-
nitrato, que se obtém precipitando o salicylato de soda, pelo ácido de bismutho.
É administrado em alta dose na febre tifóide.
41-Salsa, salsa hortense ou vulgar (Persil,fr) Apium petroselinúm ou
Petroselinum salivum. pág. 1313
Planta cultivada nas hortas, cujas folhas são empregadas, quotidiana na arte
culinária.
As folhas aplicam-se exteriormente nos cortes e picadas de insetos como
resolventes.
O succo das folhas é aconselhado contra a blenorrhagia, na dose de 15 a 30
gramas.
O extrato do mesmo suco é empregado na Alemanha contra febres intermitentes,
na dose de 0,50 a 0,75 centigramas.
42-Sulfato de Zinco (Sulfate de Zinco, fr.) (pág.1371)
Cristais prismáticos mais ou menos volumosos, brancos, inodoros, cheiro picante
quando reduzidos a pó. (sabor acre).
Administrado internamente em alta dose é um emético violento (anti-
espamódico), recomendado outrora nos envenenamentos. Emprega-se quase
que exclusivamente para uso externo contra as oftalmias, blenorragias e
leucorrheas. Banhos desinfetantes despejando-se 90 gramas do Sulfato de zinco
em uma banheira. Forma-se o Sulfureto de Zinco e é inodoro. É incompatível
com o Tanino, os sais de chumbo,de barita, etc.
43-Sulfite de Sódio p.1372
Monosulfureto de sódio cristalizado, cristais sem cor, muito solúveis em água,
deliqüescentes. Devem ser conservados em frascos tampados.
Goza das mesmas propriedades do sulfureto de potássio.
Serve para banhos e internamente para as bronquites crônicas nas doses 2 a 3
centigramas.
44-Tintura de Arnica (Arnica, fr.) p. 395.
Arnica Montana, planta da Europa, em Portugal habita nos sítios úmidos.
Aconselhada nas febres adynâmicas nas tosses convulsivas, reumatismo
crônico.
É um remédio popular contra as conseqüências das quedas e das
contusões usa-se neste caso externamente.
A tintura é usada externamente, em fricções.
45-Vaselina - Vaseline (fr.) p. 14500
Substância unctuosa, sólida na temperatura ambiente, sem cheiro, sem sabor, e
sem cor, insolúvel em água, muito solúvel no éter fervendo obtém-se destilando
incompletamente os petróleos.
É usada na preparação de pomadas oftálmicas. É usada em outros países como
Inglaterra e Estados Unidos, emprega-se como curativo das feridas. Emprega-se
também na preparação de pomadas de conservação difícil.
Anexo Capítulo 3
Receitas: identificação através do Formulário e Guia médico de Chernoviz e
Formulário da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro do ano de 1900.
1ª receita:
Dona Maria Esteves
• Nitrato de prata = azotato de prata p.419
O Azotato de Prata é um caústico, oxida-se a prata por meio de ácido azótico.
Internamente é usado contra epilepsia e as nevralgias. Dose: 2 lápis.
Externamente é usado para cauterizar cancros venéreos e os botões
variólicos.
Para o Augusto:
• Arseniato de Soda - 10 gramas p.402
Sal branco, transparente, cristalizado em prismas, solúvel em água. Emprega-
se internamente nas moléstias de pele.
2ª receita:
• Calomelanus – ou protochlorureto de mercúrio - p.1067 (extrai-se do
sulfureto de mercúrio por destilação).
É um remédio específico das moléstias sifilíticas, emprega-se também com
vantagem contra as bulbas e outras afecções cutâneas. Externamente
aproveita –se para fricções na peritonite, nefrite, erisipela, reumatismos, etc.
• Podophillina pura (phodophylline fr.)
Substância resinosa extraída do podophyllo e que parece ser o princípio ativo
d’esta planta. Pó de cor roxa ou amarelado, insolúvel em água e solúvel em
álcool. Extrai-se dos rizomas. É um drástico de primeira força e um excitante
da secreção biliar, o que torna muito útil nos engurgitamentos crônicos e
agudos do fígado e na icterícia com lesão deste órgão.
Internamente: 0,015, 0,025, 0,50 miligramas em pó ou pílulas.
Ex: Pílulas compostas de podophilina.
Podophilina 0,015 miligramas.
Extrato de Beladona 0,015
Sabão medicinal 0,10centigramas
F. 1 pílula como esta mais 19. Dose 1 a 3 por dia.
• Extrato de Rhuibarbo – purgante.p.
Guapeva nhandiroba -fervilia cordifolia.
Planta herbácia que habita o Brasil, usada como purgante.
3ª Receita –p .1317
• Salva ou Salvia officinalis.
Planta cultivada no Brasil e em Portugal. Administra-se na debilidade do
estômago fastio, bronquites, vômitos espamódicos e como emmenagogo.
4ª receita.
Substância não identificada.
5ª receita.
Uso externo:
• Glyceróleo de Enxofre – 30 gramas P. 713
(enxofre sublimado). Passar na erupção.
Uso interno
• Enxofre sublimado -centigramas
• Magnésia 20 centigramas
É usada nas bronquites guardado em vaso, opaco, e bem tampado.
Para a Francellina
• Água destilada 300 gramas.
• Arseniato de Soda 10 centigramas
Sal Branco, transparente, cristalizado em prismas, solúvel em água. Emprega-
se internamente nas moléstias da pele.
6ª receita.
• Limonada Purgativa de Citrato de magnésio (purgante).p. 1029
É um sal, prepara-se dissolvendo o citrato de magnésio (o ácido cítrico em
água). È um purgante brando usado quando os doentes tem repugnância para
medicamentos.
Uso Externo – gliceróleo de Bismutho –p.1363 Usado nas conjuntivites e
intertigo.
(Glicerina 30 gramas + sulbnitrato de Bismutho).
• Enxofre sublimado 1 centigramas
• Magnésio 1 grama
Dose:1 papel
Enxofre – Corpo simples, que existe em grande quantidade na natureza, e
que se acha no comércio em estado sólido. Apresenta-se em pedaços,
amarelos de sabor e cheiro peculiares.
• Enxofre Sublimado: p.711
È usado com vantagens nos catarros crônicos, tosses úmidas, dores
reumáticas e gottas. É indicado como vermífugo, mais é mais indicado para
moléstias cutâneas.
• Magnésia – é um purgante Brando. p. 1026
Para as Meninas:
• Enxofre sublimado 0,20 a 1 grama.
• Magnésia 25 gramas
Faça 1 papel e + 18, tomar 2 por dia.
• Gliceóleo de Enxofre 30 gramas
• Gliceróleo de Amido 300 gramas
• Flores de Enxofre 8 gramas
Moléstia na pele,
7ª receita:
• Glyceróleo de Bismuttho 20 gramas
• limonada purgativa.
Subnitrato de Bismuttho – é usado como supositório.
8ª receita
• Quina 250 gramas p.1244
Arseniato de Soda – p.402 sal branco e transparente. Emprega-se
internamente nas moléstias da pele.
• Gliceróleo de Bismutho Digestivo
• Enxofre Moléstias de pele.
9ª Receita –p.1244
• Xarope de quina ferruginosa – é aconselhado contra a lepra, na
morphea, na sífilis e febres intermitentes.
• Licor arsenical – é composto de arseniato de soda cristalizada 0,10
centigramas até 6 gramas, mais água destilada.
10ª receita
• Gotas amargas de Baumé (codex francês)
Fava de Santo Inácio Guapeva strychnos
• Xarope de Lactucário – obtêm-se fazendo incisões transversais na haste
do alface gigante.
• Sulfato de Morphina – é um dos princípios ativos do ópio, sal branco
cristalizados em agulhas reunidas em fascículos inalterados pelo ar,
solúvel em água, inodoro, de sabor amargo.
Uso: Calmante, energético, empregado em muitas afecções acompanhadas
de dores e insônia, tosses, etc.
Leôncio • xarope de genciana – (genciana). P.968
Planta que habita em Portugal nas altas montanhas. Usa-se a raiz. É um
poderoso tônico, anti-helmintico, e febrífugo, inapetência, diarréia crônica,
chlorose, gota, icterícia, febres intermitentes.
• Iodureto de potássio – sal, sólido, branco cristalizado em cubos, solúvel
em álcool e água, sabor acre, obtêm dissolvendo o iodo em potassa caustica.
É usado na Sífilis Constitucional, administra-se na dose de 0,50 centigramas
por dia, três vezes ao dia. Aumentando à medida que não se produza
nenhum acidente.
Victorino
• Calomelanus (pós) junto com extrato de cicuta – p.1067
usado internamente como purgante, na dose de 0,05 centigramas,
engurgitamento dos testículos que persistem após as gonorréias.
• Extrato de cicuta – Cicuta officinal
Planta que no Brasil se encontra nos estados de São Paulo e Rio Grande do
Sul. Usa-se as folhas e as sementes.
Emprega-se em pequenas doses – é um calmante. Emprega-se também nas
moléstias cancerosas, tísica, nevralgias, sciática, coqueluche, asthma, tosses
rebeldes, afecções venéreas e escrophulosas, etc.
• Licor de Jurubeba – Solanum paniculatium p.572
Planta do Brasil, habita as regiões do norte.
Toda a planta abunda em principio amargo e mucilaginoso.
Uso: contra febres intermitentes, icterícias, aplenites, hepatites crônicas.
As preparações desta planta podem ser: xarope, tintura, vinho, extrato.
Internamente faz-se infusão com a raiz, 8 gramas e 360 gramas de água
fervendo. Externamente usam-se as folhas contra as ulceras.
• Tintura de Iodo. P.952
É obtido de plantas marinhas do gênero fucus. È sólido, cor negra azulada, e
apresenta brilho metálico. Acha-se também na água do mar, unido ao sódio
e ao magnésio. Entre as plantas que contem mais iodo são as algas.
Propriedades e usos: emprega-se na papeira, escrófulas, engurgitamento
dos seios e dos testículos, afecções tuberculosas e cancerosas, nas
blenorragia, leucorréia, moléstias cutâneas, sífilis constitucional.
A tintura de iodo é muito empregada externamente como poderoso
desinfetante, impede a fermentação pútrida. A tintura de iodo foi muito
aconselhada como meio abortivo dos cancros venéreos.
Preparo:
Álcool 95º 90gramas
Iodo 10gramas
Dissolver e conservar em vidros de cor.
11ª receita:
Uso interno:
• Enxofre sublimado – moléstias cutâneas
• Magnésia – 2 gramas; purgante
Uso externo: extrato de gliceróleo de enxofre – moléstias da pele
12ª receita:
Dona Maria Esteves
Uso interno: Enxofre sublimado p.712
Pó anti-dartroso – afecções (ulceras dartrosas).
• Enxofre sublimado 1 grama
• Magnésia 1 grama
F. 1 papel de Nº 12e tome 2 por dia. * F. Abreviatura de Faça.
13ªreceita: Sr. Antonio Manoel de Menezes p.1025
Uso interno:
• Xarope de Lúpulo 150 gramas
Humulus lupulus: Planta que habita Portugal e Brasil.
Parte usada – Pinhas (frutos)
É um tônico energético, empregado nas afecções escrofulosas, raquitismo,
dyspepsia e moléstias cutâneas, tem também propriedades anthielminticas e
narcóticas.
• Glicerina 50 gramas
Para curativos das feridas
• Arseniato de Soda 25miligramas
Molétias de pele
Dose: tome 2 colheres por dia.
14ª receita:
• Enxofre sublimado 30 centigramas
• Bicarbonato de sódio 15 centigramas p.441
É um tipo de medicamento alcalino, exercendo uma ação geral sobre as
trocas nutritivas. Urecemia, gotta areias, lithiases renal e hepática,
enxaquecas, diabetes gordura etc. Em pó e em solução aplica-se no
tratamento contra as feridas, úlceras varicosas e queimaduras, reforçando
a ação defensiva contra os germes infecciosos.
• Lycopódio: para escoriações na pele.
15ª receita:
• Licopódeo – para escoriações na pele e assaduras
• Papéis de enxofre – moléstias cutâneas
16ºreceita
• Quina 250 gramas p.1244
Arseniato de Soda –p.402
È um sal branco e transparente. Emprega-se internamente nas moléstias da
pele.
17ª receita
Sr. Antonio de Menezes.
• Valerianato de ferro 10 centigramas. P.788
Obtêm-se fazendo reagir o ácido valerianico sobre a limalha de ferro, sem
presença de água. É de cor roxa, cheiro forte de sabor açucarado. Insolúvel
em água. Aconselhado na chlorose, acompanhada de sintomas histéricos.
Dose: 0,10 a 0,50 centigramas em pílulas.
Valor terapêutico: ação antiespasmódica e digestiva, asma, tosse,
coqueluche, angina, etc.
• Extrato de Belladona
• Extrato de noz vômica – 0,05 centigramas
Semente de strychnos nux vomica. P.1115
Tem ação particular sobre o sistema nervoso.
Para a Thereza • Xarope de Lúpulo 250 gramas
Lúpulo –Humulus lupulus. P.1025 Planta que habita em Portugal nos
arredores de Coimbra. No Brasil é cultivada no Rio Grande do Sul.
Partes usadas: Pinhas (frutos)
Propriedades e usos: É um tônico energético, empregado nas afecções
escrophulosas, raquitismo, dyspepsias e moléstias cutâneas; goza também
de propriedades anthelminticas e narcóticas.
Infusão Pinhas de Lúpulo, água fervendo 100gramas.
Xarope: 30 a 60 gramas
• Arseniato de Soda 5 centigramas
Moléstias de pele.
• Extrato de ácido bórico centigramas
• Balsamo peruviano 2 gramas
• Vaselina 20 gramas
Passar nas erupções.
18ª receita:
Sr. Antonio Manoel de Menezes
Repetir 2 papeis de enxofre.
• Enxofre: Corpo simples que se encontra na natureza em grande
quantidade e em estado sólido. Apresenta-se em pedaços, mais ou menos
compridos, cilíndricos e amarelos, de cheiro e sabor particulares, insolúvel
em água, solúvel no azeite, inalterável ao ar.
Propriedades e Uso: Administrado em pequenas doses, o enxofre estimula
a pele e as membranas mucosas. Aumenta a ação da membrana mucosa
dos brônquios tornando a expectoração mais fácil, aumenta o calor da pele e
as funções digestivas. Em doses elevadas de 4 a 8 gramas é purgativo.
O enxofre sublimado emprega-se, com vantagem nos catarros crônicos,
tosses úmidas, dores reumáticas e gottosas. Tem algumas propriedades
vermífugas, mas porem é mais utilizada nas moléstias cutâneas.
Dose: 1 papel de enxofre sublimado 1 grama, magnésia 1 grama.
F. 1 papel - dose 1 todas as manhãs no eczema.
• Idem do lycopodio p.1025
• Lycopodium Clavatim
Planta reptante que habita sobretudo na Alemanha e suíça, cuja cápsula
contem um pó amarelo, leve, inodoro, insípido e muito inflamável.
Emprega-se em farmácias para envolver as pílulas e na medicina para
polvilhar as escoriações e assaduras das crianças
• Lycopodio saururo - planta que cresce em toda a América do sul.
Emprega-se contra o catarro gástrico. A raiz é purgativa.
19ª Para Tertuliana
• Vaselina 10gramas
• Precipitado Branco 10 centigramas
Tratamento de Feridas – curativo
20ª receita p.1029 • Limonada purgativa de citrato de magnésio 200gramas È um purgante brando. • Água phenicada
É um poderoso inseticida, cura a gangrena, as úlceras, a sarna e todas as
afecções semelhantes. Age como desinfetante, matando todos os micróbios.
21ª receita
Firmo monjolo
Uso interno
• Melissa – Erva Cidreira –p.876 Planta cultivada nas hortas do Brasil e de
Portugal.
Usa-se toda a planta, tem cheiro semelhante ao do limão, é excitante e
espasmódica, emprega-se nas digestões laboriosas, nas afecções nervosas e
como emmenagogo.
• Tília- Tília Européia –p.1416. Àrvore da europa, usa-se as flores, que tem
cheiro suave sabor mucilaginoso, é anti-espasmática e diaphorético. A infusão
e a água destas flores também é usada nas afecções nervosas.
• Tintura de Noz Vônica –p.1115. Semente de Strychnos nux vômica,
árvore da Índia.
Semente é ordinariamente branca e às vezes negra no interior, inodora, sabor
extremamente amargo.
Tem ação particular sobre o sistema nervoso. Em pequena quantidade é
usada nas paralisias, que não dependem de lesão orgânica, incontinência da
urina, impotência viril, etc.
• Elixir Paregórico – Combate às digestões difíceis
• Extrato de Ratania – (Ratanhia) – Krameria triandra .p.1281
Arbusto que habita o Peru. Usa-se a raiz. Adstringente energético e
freqüentemente empregado nos fluxos mucosos, hemorragias passivas e
principalmente hemorragias uterinas.
Uso Externo: Cataplasma de Linhaça Laudanizada. P.1015
• Linhaça – Linus usitatissimum,
Planta cultivada na África Portuguesa, Portugal (madeira), e no Brasil (Minas
e Santa Catarina). Usa-se as sementes, que produzem um óleo de sabor
adocicado.
Emprega-se em todas as inflamações, principalmente nas vias urinárias.
Para o Leopoldo.
• Sabão Medicinal – Sabão amygdalino, medicinal ou vegetal. P.1299
Prepara-se do seguinte modo: óleo de amêndoas doces: Lixívia dos saboeiros.
Só de ser empregado depois de ter ficado exposto ao ar por dois meses para
deixar carbonatar o excesso de álcali que lhe fica depois do preparado.
É diurético e excitante, empregado internamente nos engurgitamentos
crônicos do abdomêm, icterícia, cálculos biliares, gotas, etc.
• Extrato de Rhuibarbo – p.1298 .
Raiz de muitas espécies de Rheum da família das polygones. Tem cheiro
forte, sabor amargo. É um purgante de 2 a 4 gramas.
• Extrato de cicuta – calmante, nas moléstias cancerosas, etc.p.572
• Cozimento de herva tostão –p.880
Boerhavia hirsuta planta rasteira do Brasil. Parte usada é a raiz. Empregada
como diurético e desobstruente nas moléstias do fígado.
Para Tertuliana:
• Água Destilada 15 gramas
• Nitrato de parta cristalizado 5 gramas
Cancro Venéreo.
22ª receita
• Ácido Bórico 5 gramas p.234
É sólido, branco, inodoro e de sabor um tanto ácido. Uso externo nesta dose
é usado em pomadas contra o eczema
• Glicerina Neutra –p.837
Princípio doce dos óleos. É um líquido de consistência de xarope, sem cheiro
e sem cor de sabor doce. É solúvel em água e no álcool, insolúvel no éter.
A glicerina só, ou misturada com substâncias medicamentosas, é
freqüentemente empregada no curativo das feridas, escoriações, dartros, etc.
Possui propriedades antisépticas.
Uso interno: no tratamento de diversas afecções, gastrite crônica e na
dyspepsia, tísica, bronquite, catarro, tuberculose pulmonar. Supositórios na
prisão de ventre.
Uso externo: em lavatórios contra a surdez.
• Salsa Peruviana = Salsaparilha. p.1813.
Planta que habita o México, Brasil e Peru. Pertencem à família das
asparagíneas. As raízes são empregadas em medicina.
Uso: emprega-se com vantagem no tratamento da sífilis, moléstias cutâneas,
reumáticas e gottosas.
Dose: Extrato 1 a 5 gramas.
• Bolsa de Pastor – é uma planta da família das crucíferas.
É um poderoso adstrigente. Partes usadas são folhas e raízes.
Combate, hemorragias, vômitos, escarros de sangue, desinterias, regras
abundantes, blenorragia, supuração dos ouvidos.
23ª receita: Maria Esteves
• Marcella 250 gramas p.1026
Planta vivaz indígena de Portugal e da madeira nome científico é Anacylus
aureus. Parte usada em medicina são as flores.
É um tônico estimulante; emprega-se nas cólicas, indigestões, e inapetência.
24ª receita: Srª Menezes
• Ácido Bórico 5 gramas -p.234
É sólido, branco, inodoro e de sabor um tanto ácido. Uso externo nesta dose é
usado em pomadas contra o eczema
• Glicerina Neutra –p.837
Princípio doce dos óleos. É um líquido de consistência de xarope, sem cheiro e
sem cor de sabor doce. É solúvel em água e no álcool, insolúvel no éter.
A glicerina só, ou misturada com substâncias medicamentosas, é
freqüentemente empregada no curativo das feridas, escoriações, dartros, etc.
Possui propriedades antisépticas.
Uso interno: no tratamento de diversas afecções, gastrite crônica e na
dyspepsia, tísica, bronquite, catarro, tuberculose pulmonar. Supositórios na
prisão de ventre.
Uso externo: em lavatórios contra a surdez.
• Salsa Peruviana = Salsaparilha. p.1813.
Planta que habita o México, Brasil e Peru. Pertencem à família das
asparagíneas. As raízes são empregadas em medicina.
Uso: emprega-se com vantagem no tratamento da sífilis, moléstias cutâneas,
reumáticas e gottosas.
Dose: Extrato 1 a 5 gramas.
• Vaselina -20 gramas p.1450
Substância unctosa, sólida, sem cheiro e sem sabor. Obtêm-se destilando
incompletamente os petróleos.
Emprega-se em curativos das feridas.
Contra a sífilis constitucional usada em infecções mercuriais de 9 a 20 gramas
de vaselina líquida.
25ª receita: p.417
• Água phenicada 200gramas
• Nitrado de potássio 4gramas
Propriedades e usos: emprega-se no último período das inflamações das vias
urinarias, nas gonorréias, febres inflamatórias, nas icterícias, afecções
reumáticas e hidropsias. Na dose de 4 gramas como contra-estimulante.
26ª receita - p. 518
• Xarope de tolú – balsâmico e expectorante nas tosses.
• Xarope de polígalla – Polygala senega
Planta da América Stentrional, sabor adocicado sua casca é acinzentada, é
excitante e diurética aconselhada no hidrothorax e outras hidropsias,
reumatismos, bronquites, etc.
• Acetato de alumem:
È uma base salificável. empregado contra as renites ,faringites e laringites.
• Tinta de Beladona: Atropa belladona, planta comum na Europa.
Partes usadas: folhas sementes e raízes. È um narcótico, empregado nas
cólicas espasmódicas,tosses nervosas etc.
27ª receita
• Ergotina – p.715
Nome dado a várias substâncias diferentes extraídas da cravagem de centeio
ou centeio espigado. É uma substância mole de cor rubra escura, de cheiro
agradável, sabor picante e amargo. Dissolvido em água apresenta cor
vermelha, límpida e transparente e de notável acidez.
Usos:
Internamente: Para suspender a hemorragia uterina.
• Extrato de Cicuta – p. 572.
Calmante, moléstias cancerosas, tísica, nevralgias, sciatica, coqueluche,
asthma, tosses rebeldes, afecções venéreas e escrophulosas, darthros, etc.
• Tannino ou Àcido Tânico-p. 1388.
Produto vegetal que existe em quase todos os vegetais adstringentes.
È um dos adstringentes mais energéticos, exerce sobre o útero uma ação
particular e emprega-se nas metrorrhagias, hemopytises e outras
hemorragias, nas diarréias e leucorréias.
Tem sido preconisado contra as febres intermitentes e a dypepsia.
Uso interno: 0,10 a 0,15 centigramas de 2 em 2 horas em pílulas ou poções.
• Sulfato de Zinco 5 centigramas
Usado como adstrigente e antiespamódico.
• Lactato Ferroso –p.1001
Sal solúvel em 48 partes de água e 6 partes de glycerina; insolúvel em álcool
concentrado. É formado em combinação do ácido láctico com uma base – é
um tônico.
Uso interno: 0,10 centigramas 2 gramas, usado nas anemias, dyspepsia,
gastralgia.
28ªreceita
Fava de Calabar: produz contração da pupila
Sulfato de Calabar: Semente do Physostigma venenosum – usada nas
midriases e amblyopias alcoólicas.
29ª receita
• Ergotina – p.715
Nome dado a várias substâncias diferentes extraídas da cravagem de centeio
ou centeio espigado. É uma substância mole de cor rubra escura, de cheiro
agradável, sabor picante e amargo. Dissolvido em água apresenta cor
vermelha, límpida e transparente e de notável acidez.
Usos:
Internamente: Para suspender a hemorragia uterina.
• Tannino ou Àcido Tânico-p. 1388.
Produto vegetal que existe em quase todos os vegetais adstringentes.
È um dos adstringentes mais energéticos, exerce sobre o útero uma ação
particular e emprega-se nas metrorrhagias, hemopytises e outras hemorragias,
nas diarréias e leucorréias.
Tem sido preconisado contra as febres intermitentes e a dypepsia.
• Uso interno: 0,10 a 0,15 centigramas de 2 em 2 horas em pílulas ou poções.
• Lactato Ferroso –p.1001 Sal solúvel em 48 partes de água e 6 partes de
glycerina; insolúvel em álcool concentrado. É formado em combinação do ácido
láctico com uma base – é um tônico.
Uso interno: 0,10 centigramas 2 gramas, usado nas anemias, dyspepsia,
gastralgia.
• Extrato de Beladona: calmante
30ª receita - p.1244
Para Florinda
Vinho quinado – tônico
Quina – casca de muitas árvores pertencentes ao gênero cinchona da família
das Rubiáceas. A casca da quina é um dos medicamentos mais importantes.
Emprega-se com grande vantagem nas febres intermitentes, nevralgias e
afecções periódicas, nos engurgitamentos do baço e do figado, que resultam da
febre intermitente, nas digestões laboriosas, amenorréias, chloroses
leucorréias, consupções, moléstias escrophulosas, febre tifóide, hemorragias
passivas, todas as moléstias que causam debilidade.
31ª receita: SrªMenezes
• Ácido Bórico 5 gramas –p.234
É sólido, branco, inodoro e de sabor um tanto ácido. Uso externo nesta dose é
usado em pomadas contra o eczema
• Glicerina Neutra –p.837
Princípio doce dos óleos. É um líquido de consistência de xarope, sem cheiro
e sem cor de sabor doce. É solúvel em água e no álcool, insolúvel no éter.
A glicerina só, ou misturada com substâncias medicamentosas, é
freqüentemente empregada no curativo das feridas, escoriações, dartros, etc.
Possui propriedades antisépticas.
Uso interno: no tratamento de diversas afecções, gastrite crônica e na
dyspepsia, tísica, bronquite, catarro, tuberculose pulmonar. Supositórios na
prisão de ventre.
Uso externo: em lavatórios contra a surdez.
• Salsa Peruviana = Salsaparilha. p.1813.
Planta que habita o México, Brasil e Peru. Pertencem à família das
asparagíneas. As raízes são empregadas em medicina.
Uso: emprega-se com vantagem no tratamento da sífilis, moléstias cutâneas,
reumáticas e gottosas.
Dose: Extrato 1 a 5 gramas.
• Vaselina -20 gramas p.1450
Substância unctosa, sólida, sem cheiro e sem sabor. Obtêm-se destilando
incompletamente os petróleos.
Emprega-se em curativos das feridas.
Contra a sífilis constitucional usada em infecções mercuriais de 9 a 20 gramas
de vaselina líquida.
32ª receita:
Uso interno: p.986
• Água destilada 200 gramas
• Iodureto de Potássio 8 gramas
É um sal sólido, branco, cristalizado em cubos, é opaco, solúvel em água e no
álcool, de sabor acre. Prepara-se o Iodureto de Potássio introduzindo pouco a
pouco o iodo pulverizado em uma solução de potassa caustica.
Uso interno: na sífilis constitucional na forma de xarope, administra de 4 a 9
gramas por dia.
• Bromureto de potássio 6 gramas p.456
É um sal cristalizado em cubos brancos, de sabor acre amargo e desagradável,
muito solúvel em água. Prepara-se fazendo reagir o bromo sobre a potassa
caustica dissolvida em água.
Uso: emprega-se nas afecções nervosas sobretudo na epilepsia.
Dose 3,4 ou 6 gramas por dia no adulto.
• Tintura de Noz Vômica 2 gramas
Árvore da Índia. Usa-se a semente que é inodora e tem sabor extremamente
amargo.
A Noz Vômica tem uma ação particular sobre o sistema nervoso.
D. Calais Cerupto 30 gramas Não identificad:
33ª Receita:
Uso interno (Dona Maria Esteves)p.322
Xarope de Bornies (xarope antiiscrophuloso de boinet)
• Xarope de genciana 500 gramas
• Xarope de quina 500 gramas
• Xarope de cascas de laranja 500 gramas
• Iodureto de potássio 15 gramas
• Tartarato de ferro ammonical 18 gramas
(formulário da Santa casa de misericórdia do Rio de Janeiro. 1900) p.322
34ª receita:
uso externo:
• Calomelanus 8 gramas (contra oftalmias)
Para enxaguar os olhos.
35ª Receita
Para Antonio José Faria
Uso interno: Mistura de salvia simples 250 gramas
Tomar 2 colheres de sopa.
• Salva ou salvia officinalis
Administrar nas debilidades do estômago, bronquites, vômitos. É sudórifica, útil
nas constipações.
Tomar 1 colher de sopa.
Uso externo
• Óleo de Amêndoas campestre 20 gramas p.504
Amendoeira do mato – emprega-se como febrífugo e expectorante. Contem o
tanino e mucilagem como principio ativo.
• Óleo de Carnaúba
Árvore da família das palmeiras, que produz principalmente cera vegetal. A raiz
é diurética (contra sífiilis, erupções, ulceras reumáticas).
36ª Receita
Sr. Augusto
Uso interno
• Água destilada 200 gramas
• Arseniato de soda 10 centigramas
• Chloridrato de morphina 5 centigramas p.1136
2 colheres de sopa por dia
• Arseniato de soda: moléstias de pele
• Cloridrato de morphina Sal, cristalizado em agulhas, branco, amargo, inalterável ao ar. É muito
empregado contra as diversas nevralgias.
• Extrato de Strychinina – É obtido da noz vômica.
É um pó branco, inodoro e de sabor amargo, solúvel em água e insolúvel em
álcool. É empregado internamente contra a amaurose, paralisia, impotência,
asthma e nevralgias.
• Ácido chlorídrico –p.238
Obtêm-se este ácido fazendo atuar o ácido sulfúrico sobre o chlorueto de
sódio, e fazendo dissolver o gás que se produz na água comum por meio de
aparelho de woulf.
Internamente é utilizado na dispepsia na gastralgia e nas febres
acompanhadas de adynamia.