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AGRADECIMENTOS
Neste espaço dedico uma menção especial a todos aqueles que possibilitaram a
criação desta dissertação.
Em primeiro lugar, um obrigada ao professor Dr. Heitor Alvelos pela orientação.
Um obrigada aos DJs Twin Turbo (Nuno Pinto e Pedro Pinto) por possibilitarem a
minha estreia em VJing. Ao Nuno em particular, pela amizade e interesse.
À comunidade do Plano B, em específico ao Filipe Teixeira, pela oportunidade de
comparecer no espaço assim como, a todos os que participaram nos inquéritos e
presenciaram as performances.
Ao Jorge Ribeiro e ao Luís Sarmento pelo interesse e incentivo. À Ana Carvalho
pelas interlocuções sobre VJing.
À Elisabete Anastácio e à Sandra Passos, pela amizade e carinho, pelas conversas
entusiastas e partilha de grandes momentos. Ao Nuno Ferreira pela amizade e
prestabilidade.
E aos meus pais e restante família pelo carinho, compreensão e apoio sempre
presentes.
A todos, o meu sincero obrigada.
RESUMO
O Vídeo Jockeying é um produto recente da cultura visual, que se processa pela
produção e manipulação de imagens vivas em ambientes performativos. O VJing
é uma expressão artística que compõe experiências sensoriais audiovisuais, nas
quais o áudio, a imagem, e o público se entrelaçam de uma forma peculiar.
Nestes últimos vinte anos, o aperfeiçoamento na arte de Vídeo Jockeying gravita
essencialmente pelo progresso tecnológico, desenhado pelo advento de novas
extensões multimédia capazes de ampliar as possibilidades de criação de imagens
e vídeos, além de ostentar alternativos formatos de apresentação e interacção.
Por ser um fenómeno novo, são notórias algumas incongruências no sucesso de
representação desta arte, pelo que, neste momento mais do que um fomento na
evolução tecnológica de VJing, é exigido um trabalho de filosofia e teoria, como
consciencialização crítica e de progresso.
Palavras-chave: Vídeo Jockey, VJing, Visuais, Música, Conceptualidade, Espaço,
Performance, Arte, Tecnologia.
Vídeo Jockeying | Resumo i
ABSTRACT
Video Jockeying is a product of an existing visual culture, which demands the
production and manoeuvring of images in live performance environments. The
VJing is an artistic expression that creates audiovisual sensorial experiences in
where the audio, the image and the public intertwine in a peculiar way.
Over the past twenty years, the improvements in the art of Video Jockeying are
being done mainly by technological progress, designed by the advent of the new
multimedia extensions capable of enlarge the possibilities of creating static and
moving images, and comprise alternative formats of presentation and interaction.
As a new phenomenon, today there are some notorious inconsistencies in the
practice of this art form, and it is now needed - more than a further step in
technological evolution - a work of philosophy and theory as critical awareness
and progress.
Key Words: Video Jockey, VJing, Visuals, Music, Conceptuality, Space,
Performance, Art, Technology.
ii Vídeo Jockeying | Abstract
ÍNDICE
Resumo
Abstract
Índice de Imagens
Introdução geral
a. Motivação
b. Objectivos
c. Estrutura da Dissertação
1. A Era da Imagem e do Movimento
1.1. A Projecção e o Cinematógrafo
1.3. Color Music & Visual Music
1.4. Cinema Experimental
1.4. Videoarte
1.5. A Musica Electrónica e a Evolução Digital
1.6. Vídeo e Performance em Portugal
2. Uma Nova Expressão: O VJing
2.1. Performance Visual
2.1.1. Caracterização do VJ
2.1.2. Performances Visuais e Tecnologias
2.2. Cultura ou Subcultura?
2.2.1. Idiossincrasias da Cultura Digital
2.2.2. Práticas de Recombinação
2.2.3. Contextualização no Ambiente: o Clube
3. VJing: Desconstrução e Análise Qualitativa.
3.1. VJing e Música
3.1.1. A Imagem
3.1.2. O Som
3.1.3. Imagem e Música: Convergências
3.1.4. Sinestesia em VJing
3.2. VJing e Conceptualidade
3.2.1. Figurativo versus Abstracto
3.2.2. A Montagem
3.2.2.1. Loop, Sampling e Remix
3.2.2.2. Teoria da Montagem
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3.2.3. Composição da Imagem
3.2.3.1. Semiótica
3.2.3.2. Cores
3.2.3.3. Efeitos Visuais
3.2.4. Mensagem e Sensação
3.3. VJing e Espaço
3.3.1. Caracterização do Espaço em VJing
3.3.1.1. Espaço Físico
3.3.1.2. Espaço Digital
3.3.1.3. Espaço de Projecção
3.3.1.4. Espaço de Performance
3.3.1.5. Espaço Luz e Som
3.3.1.6. Espaço Imersivo
3.3.2. Projecção Espacial e Validade sensorial
3.4. VJing e Performance
3.4.1. Performer e Audiência
3.4.2. Intensidade na Construção Audiovisual
3.4.3. Tecnologias e Interactividade
4. VJing: Potências
4.1. Quadros Relacionais e Hierarquias
4.2. VJing e Arte
5. VJing: Perspectiva Prática
5.1. Performances
5.2. Reflexão Sobre os Resultados
6. Conclusões
6.1. Conclusão Geral
6.2. Novas Direcções Criativas
7. Bibliografia
8. Glossário
9. Anexos
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ÍNDICE DE IMAGENS
Img.1. Lanterna Mágica, 1671, da Ars Magna Lucis et Umbrae, por Jesuit Athanasius Kircher
[http://www.fulltable.com/VTS/i/imsc/ak/34.jpg]
Img.2. Phantasmagoria 1798, por Etienne-Gaspard Robertson
[http://education.eastmanhouse.org/discover/kits/images/3/EDDK00010051.jpg]
Img.3. Cinematógrafo por Auguste e Louis Lumière em 1985
[http://telao.zip.net/images/cinematografo.jpg]
Img.4. Interior do teatro nickelodeon in Pittsburg. The Moving Picture World, 30, 1907, p. 629.
[http://z.about.com/d/inventors/1/0/d/S/nickelin.jpg]
Img.5. Color-Organ, 1983, associação de cores de Alexander Rimington
[http://www.paradise2012.com/visualMusic/musima/]
Img.6. Imagem do filme em 35 mm Circles, 1933, por Oskar Fischinger's
[http://www.tate.org.uk/images/cms/12612w_fishchinger_circles.jpg]
Img.7. Lumia com o Clavilux por Thomas Wilfred
[http://pr.caltech.edu/periodicals/CaltechNews/articles/v39/lumia4.jpg]
Img.8."Composition VII", 1913, Wassily Kandinsky
[http://www.gis.net/~scatt/clavilux/clavilux.html]
[http://www.glyphs.com/art/kandinsky/comp7640.jpg]
Img.9. Berlin, Symphony of a City, 1927 de Walter Ruttman
[http://www.denge.co.uk/images/20080901231012_andalou.jpg]
Img.10. Un Chien Andalou, 1929, de Luis Buñuel e Salvador Dalí
[http://www.mdln.hws.edu/german/moderne/berlin.jpg]
Img.11 Nam June Paik, TV Cello (1971), with Charlotte Moorman
[http://meganmcmillan.typepad.com/photos/uncategorized/nam_june_paik.jpg]
Img.12. Megatron/Matrix (1995) Vídeo Instalação, com 215 monitores. Nam June Paik
[http://www.paikstudios.com/gallery/4.html]
Img.13. Illuminations 1.1., Marius Watz, Club Transmediale 2008
[http://workshop.evolutionzone.com/tag/visuals/]
Img.14. Edirol V-8 Vídeo Mixer
[http://proaudio.com.es/wp-content/uploads/2009/02/edirolv8f.jpg]
Img.15. Resolume 2.4. VJ Software Interface
[http://i18.tinypic.com/8c01929.jpg]
Img.16. Max/Msp Software Interface
[http://www.arquitetura-interativa.com/4dfuture/images/4d_ames4_800.jpg]
Img.17. A Fonte, 1917, Ready-made de Marcel Duchamp
[http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Fontaine_Duchamp.jpg]
Img.18. Licença Creative Commons icones
[http://msugrads.wikispaces.com/file/view/CreativeCommonsIcons.jpg]
Img.19. Prisma Óptico
[http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Dispersion_prism.jpg]
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Vídeo Jockeying | Índice de Imagens v
Img.20. Ritmos musicais e visuais numa possibilidade sinestésica de “ver” a música
Img.21. Granular Synthesis, “Pole”, 1998
[http://www.mediaartnet.org/works/pol/]
Img.22. Festival Corps Urbain, les Brigittines, 2008, Illan Katin.
[http://www.flickr.com/photos/23933237@N05/3086833558/]
Img.23. Planos da Experiência do Efeito Kuleshov, por Lev Kuleshov (1899 – 1970)
[http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/1a/Kuleshov.jpg]
Img.24. Síntese Aditiva RGB
[http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Synthese%2B.svg]
Img.25. Diagrama cores frias e cores quentes
[http://br.geocities.com/sessa_wq_a_cor/images/recurs8.jpg]
Img.26. Círculo cromático de Ostwald, determinação de pares harmónicos
[http://www.univ-ab.pt/~bidarra/hyperscapes/video-grafias-215.htm]
Img.27. Duo-2, 1967 Victor Vasarely (Op Art)
[http://www.masterworksfineart.com/inventory/vasarely/#295]
Img.28. Possível configuração espacial em VJing.
Img.29. The Special Player, instalação interactiva, festival Transmediale Berlin 2008
[http://www.02l.net/projects/interactive_set/the_special_player]
Img.30. Alexander Rishaug & Marius Watz – concerto no Ballhaus Naunynstrasse (GE) 2008.
[http://www.flickr.com/photos/watz/2247544732/]
Img.31. Configuração Espacial: Plano B (Porto) – Sala Cubo
Img.32. Potências: Quadro Relacional Primário
Img.33. Potências: Quadro Relacional Completar
Img.34. Potências: Quadro Relacional Variáveis Externas
Img.35. Potências: Quadro Relacional Global
Img.36. Perspectiva Prática – Performance set 1 exemplo 1
Img.37. Perspectiva Prática – Performance set 1 exemplo 2
Img.38. Perspectiva Prática – Performance set 2 exemplo 1
Img.39. Perspectiva Prática – Performance set 2 exemplo 2
Img.40. Perspectiva Prática – Performance set 3 exemplo 1
Img.41. Perspectiva Prática – Performance set 3 exemplo 2
Img.42. Perspectiva Prática – Performance set 4 exemplo 1
Img.43. Perspectiva Prática – Performance set 4 exemplo 2
Img.44. Perspectiva Prática – Performance set 5 exemplo 1
Img.45. Perspectiva Prática – Performance set 5 exemplo 2
Img.46. Perspectiva Prática – Performance set 6 exemplo 1
Img.47. Perspectiva Prática – Performance set 6 exemplo 2
Img.48. The Light Surgeons, True Fictions no The Big Chill Festival, Reading, 2008
[http://lightsurgeons.com/2008/07/30/true-fictions-on-tour/]
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vi Vídeo Jockeying | Índice de Imagens
VIDEO JOCKEYING |INTRODUÇÃO GERAL
Vivemos numa sociedade reafirmada digitalmente. Como efeito desta existência,
nascem fenómenos híbridos presentes diante de uma imensa sensação de que
‘tudo é possível’, interpondo, neste caso, o mundo da arte. As novas tecnologias e
o idealismo da cultura digital ampliam continuamente as possibilidades criativas e
ao mesmo tempo, reformulam os impactos visuais. Na indispensabilidade de se
diversificar formas de expressão, o universo do audiovisual tem apresentado um
fenómeno cada vez mais proeminente na cultura popular: o Vídeo Jockeying, ou
VJing, o qual é ostentado pelo VJ. VJing é uma mescla de acções que constroem
uma performance visual. Esta é arquitectada por um conjunto de vídeos que se
manipulam ao vivo, em eventos compartilhados por um DJ ou banda musical,
oferecendo assim, em contíguo, um espectáculo audiovisual. VJing é um trabalho
de criação imagética, envolvendo comummente outras disciplinas para além da
performance, como design de imagem, tecnologia e engenharia. VJing é baseado
em tempo e partilha um certo número de códigos com os do cinema tradicional,
por outra via, é descrito como radical no sentido em que permite a síntese de
elementos que são anteriormente distintos. Vídeo Jockeying baseia-se assim num
comportamento e numa experiência pós-cinemática, conjugando uma relação
entre a projecção e a imagem, como uma actividade de díspares elementos, tais
como ritmo, formas, estrutura e referências, observando a sua concretização.
Introdução Geral 1
Este fenómeno, a nível comportamental, procura oferecer experiências únicas
sensoriais, desenhadas por estímulos imagéticos, através de técnicas exclusivas a
um momento performativo. Por outro lado, a nível contextual, VJing possui um
papel sociocultural, o que demanda o seu enquadramento perante o mundo do
vídeo, da arte e da música. Neste ponto, pode falar-se de uma arte emergente,
mas que, por outra perspectiva nem sempre é definida como tal. Isto acontece
por se construir exterior aos valores espaciais de evidência dado pelas galerias ou
outros lugares na qual a presença artística é notada, e prefere assim, enquadrar-
se em contextos da cultura popular, num 'pseudo-entretenimento'. Mas certo é
que, VJing como fenómeno funciona bem neste enquadramento, possibilitando a
aquisição e crítica dos fenómenos artísticos. Como Timohty Jaeger [1] descreve, o
Vídeo Jockeying é “uma ‘forma de arte total’ que engloba música/som, imagens,
e instalação. Inspira-se a partir de uma linhagem fundada pelos construtivistas
russos em não ser uma forma de arte 'pura', mas uma que tem uma clara função
social.” (Jaeger, Timothy; VJ: Live Cinema Unreveled, 2005, p. 4)
A arte tem uma função social como um catalisador, mas muitas vezes elementos
díspares são considerados em separado. VJing emerge como uma alternativa à
esfera tradicional da arte porque combina diferentes elementos como conteúdo
artístico, performance, instalação e ambiente festivo, tudo num só volume. Ainda
assim, é difícil para as empresas e corporações compreenderem este desafio para
o modelo tradicional da arte, que se baseia em design ou consultas com designers
e outros criativos, ensaios, amostras, maquetas, resultando, por fim num produto
acabado. Contudo, pertence ao VJ o completo controlo de modificar e criar ao
vivo os mais exclusivos e diversos conteúdos.
VJing é algo activo, envolve acção e resposta a estímulos visuais. Baseia-se em
imagens, ritmo, técnica e software para formar uma nova 'linguagem'. Para além
disso, é um fenómeno social, e esta é uma variável mutável. Neste contexto, é
imprescindível uma análise para se compreender quais as potencialidades desta
expressão. VJing forja a potencial obsolescência de um certo número de campos,
e esses campos são o que o definem, que o erigem, que o potenciam ou aviltam,
dependendo da sua orquestração. Posto isto, nesta dissertação, incita-se essa
consciencialização crítica perante esta forma expressiva, para que se encontre
validade na sua execução.
[1] Timothy Jaegar: (US),
Criativo Multidisciplinar/
Director/ Developer;
BFA Syracuse University em
Video e Media Studies; MFA
UC San Diego;
Desenvolve trabalhos com
vídeo, motion graphics e
performances audiovisuais.
2 Introdução Geral
a) MOTIVAÇÃO
Perante a definição do papel prático do VJ como uma forma expressiva que se
especula pela composição de experiências sensoriais conforme um conglutinado
produto audiovisual, observam-se algumas incongruências que interferem no
sucesso de representação do VJing. Considerando-se uma delimitação lógica, a
controvérsia centra-se na subvalorização presente desta forma expressiva, em
particular do papel do VJ na construção de ambiências e mensagens sensoriais,
reforçado pela sua contextualização espacio-cultural, e sobretudo vincada pelo
desconhecimento dos seus potenciais artísticos e interventivos. Sendo assim, e
defendendo a prática de VJing como uma prática artística, procura-se responder
a um conjunto de variáveis que o definem e que lhe são indissociáveis.
As comunidades de Vídeo Jockeying proliferam mas continua a evidenciar-se uma
lenta aceitação e valorização perante os cenários onde actuam, quer pela cultura
popular onde ainda são confundidos com os DJs, como pela comunidade artística.
Além disso, existe uma tendência social em oferecer uma valorização exacerbada
a qualquer evento com uma produção imperante tecnologicamente, isso faz com
que os espectáculos visuais se consagrem mais pela dimensão e cada vez menos
pela conceptualidade.
A investigação demanda portanto, um desenvolvimento crítico, abrangente e
incisivo, nas questões relacionadas com o vídeo como intervenção/performance,
no conceito aplicado de VJing. Procura-se aqui, articular um conjunto de focos
inter-relacionais que caracterizam, aprovam e desaprovam a amplitude do VJ na
construção de ambiências espacio-temporais.
A problemática em si, gravita assim pela dúbia funcionalidade presente de VJing
como parte notória, integrante e interventiva nos espaços e eventos propícios à
sua expressão. Aceitando como certa esta dispensabilidade, a ênfase assumida
perante este desenvolvimento crítico, inicia-se numa contextualização histórica,
seguido por uma definição e enquadramento social, passando pela desconstrução
e análise de uma proposta de variáveis que se aglutinam na construção de VJing,
oferecendo portanto, uma possibilidade de se assegurar um papel potenciador de
uma arte atraente, consciente, controlada, estimulante, funcional e coerente. Em
suma, a abordagem centra-se num desenvolvimento crítico e uma tomada de
consciência das diversas disciplinas que VJing comporta, para que de tal forma se
eleve o seu estatuto presencial no mundo cultural e artístico.
Introdução Geral | Motivação 3
b) OBJECTIVOS
A imagem digital, com os seus níveis de iconicidade, é o reflexo de uma sociedade
actual imersa em tecnologia. Dentro de um contexto cultural multidisciplinar, as
performances com imagética e sons, fazem parte de uma extensão comunicativa
e artística. Vídeo Jockeying são imagens que se constroem, que alcançam sentido
numa acção ao vivo e em tempo real. Existe pois, um potencial artístico e criativo
por de trás destes acontecimentos performativos efémeros, contudo é necessário
descobrir em que estrutura se constroem e qual é o grau de solidificação que
possuem. O que se encontra, todavia, é a subsistência de uma errada gestão de
potências por parte de alguns artistas performativos e de uma incerta anuência
pela arte e cultura. Posto isto, perante a análise de problemáticas que se podem
apresentar, o objectivo primordial de todo o desenvolvimento da dissertação,
baseia-se na construção de uma nova postura do VJing, de carácter consciente,
controlado e potencializado. Para tal, processa-se à sua desconstrução, pela
apresentação de um misto de correlações, em especial VJing e Música, VJing e
Conceptualidade, VJing e Espaço e VJing e Performance. Através de uma análise
dos dissemelhantes factores que as caracterizam, e respectivas inter-relações, a
dissertação debruça-se por uma exploração crítica e aprofundada sobre esta
temática, para que após a exploração destes factores seja possível criar em bases
sólidas, um conjunto de soluções coerentes que visam maximizar a presença
artística e cultural de VJing. Sumariamente, os objectivos baseiam-se em:
Avaliar o conceito (qual o interesse) e prática (como se estrutura) do Vídeo
Jockeying;
Compreender qual o papel do VJ na concepção de mundos complementares
e/ou independentes do impulso musical;
Compreender o potencial criativo da imagética por um processo conceptual;
Compreender como o espaço interfere na dinâmica da construção visual;
Compreender o diálogo entre audiência e o artista performativo na sintaxe da
obra com potencial artístico;
Interpretar a coexistência das variáveis correlatas, para que o somatório das
partes consagre o todo;
Obter sentido crítico sobre a acção da imagem perante a era digital, pelos
conceitos de apropriação, efemeridade e ready-made;
Compreender o processo de integração desta forma expressiva no contexto
da cultura e arte, através da identificação e reafirmação das suas potências.
Evoluir na aprendizagem do conceito de VJing, apresentando uma base sólida
de conhecimento coerente como potencial evolutivo na esfera das artes.
4 Introdução Geral | Objectivos
No entanto, a investigação adoptou-se no sentido de ser um trabalho relevante e
sistemático, na tentativa de descobrir, interpretar, rever factos, eventos, compor-
tamentos e teorias que poderão ser mais ou menos exequíveis. Este coleccionar
de informação talvez não viva sem a necessidade de a experienciar, e por tal, a
questão prática é conjuntamente pertinente na sua definição. Atendendo assim à
versatilidade do tema, alguns dados explorados e testados ao longo do percurso
da tese foram importados para duas experiências práticas realizadas, cujo intuito
se baseia em determinar um conjunto de valores compreendidos. A dissertação
procura assim, uma função crítica e apelativa para a comunidade de VJs, para que
se ofereça um renovado estatuto ao VJ ou se reforce um preexistente.
c) ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO
A dissertação foi construída baseando-se num fluxo lógico de abordagens. Assim,
os capítulos que se apresentam nesta dissertação reflectem as fases do processo
metodológico consecutivo, com o objectivo de sistematizar toda a informação
recolhida e processada. A divisão desses capítulos processa-se por um aglomerar
de informações verosímeis, que se entrelaçam frequentemente no dissecar desta
temática de VJing. Sendo assim, existe uma divisão em seis partes fundamentais,
dentro dos quais coabitam capítulos e subcapítulos. Esta divisão inicia-se por uma
contextualização histórica, passando por uma definição de VJing e integração no
contexto cultural, sucedendo-se uma análise abrangente sobre um conjunto de
variáveis que compõem esta temática. Seguidamente vai-se de encontro com um
procedimento onde se faz uma inter-relação dessas variáveis na procura das suas
potências. Apresenta-se depois uma perspectiva prática e por fim chega-se às
conclusões onde se constrói o somatório da aprendizagem e se enquadra o tema
nas novas possibilidades de abordagem. De uma forma mais esquematizada,
apresenta-se a seguinte ordem estrutural:
Primeiro capítulo – A Era da Imagem e do Movimento – Trata da contextualização
no tempo e espaço cultural, focando-se na relação histórica de VJing com o inicio
das imagem em movimento. Contextualiza as primeiras experiências entre som e
imagem, como a color music, visual music e o cinema experimental. Aborda ainda
a videoarte, a música electrónica e evolução digital e uma contextualização breve
do vídeo e performance em Portugal.
Segundo capítulo – A Apresentação De Uma Nova Expressão: Os VJing – Define
conceitos sobre a função do VJ como prática e suas necessidades, objectivos e
Introdução Geral | Estrutura da Dissertação 5
tecnologias. Procura uma contextualização no ambiente e cultura digital, e foca-
se nas idiossincrasias da mesma, passando por práticas de recombinação (remix),
e a inserção na cultura dos clubes.
Terceiro capítulo - VJing: Desconstrução e Análise Qualitativa – Opera a função de
desconstrução da prática de VJing em quatro variáveis fundamentais: Música,
Conceptualidade, Espaço e Performance. Esta desconstrução exige uma análise
abrangente sobre cada uma das variáveis. VJing e Música caracteriza a imagem e
o som, e respectivas correspondências, potenciando seguidamente processos
sinestésicos. VJing e Conceptualidade, trata da distinção entre imagem figurativa
e abstracta, de considerações teóricas sobre a montagem em vídeo, seguindo
pela composição da imagem, no seu grau semiótico, de cores e efeitos visuais,
terminando num sentido crítico sobre mensagens e sensações. VJing e Espaço
procede à caracterização dos diferentes espaços que criam todo o ambiente de
VJing, abordando de seguida a relação da projecção espacial e validade sensorial
como espaço imersivo. Por fim em VJing e Performance, trata da relação entre
audiência e performance no evento ao vivo e em tempo real, procurando depois
abordar a intensidade na construção visual, e dissecar sobre as tecnologias e as
construções interactivas.
Quarto capítulo – Potências – procede à inter-relação entre as quatro variáveis
anteriores: música, conceptualidade, espaço e performance. Resulta na análise
de distintos quadros relacionais: primários, complementares, externos e globais.
Refere hierarquias e potências de VJing como arte.
Quinto capítulo – Perspectiva Prática – refere as experiencias práticas de VJing
realizadas, escolha estrutural e reflexão sobre resultados.
Sexto capítulo – Conclusões – menciona as principais críticas anteriores e sugere
novas direcções criativas, como o Open Jam e o Vídeo Band.
6 Introdução Geral | Estrutura da Dissertação
VJING |1. A ERA DA IMAGEM E DO MOVIMENTO
Existe um paradigma histórico que associa projecções de vídeo contemporâneas
em clubes com concertos do século XIX e concertos performativos da década de
1960, entre outras manifestações artísticas. Esta aproximação epistemológica é
definida tanto pelo apelo não narrativo dos trabalhos audiovisuais ao vivo, assim
como pelas circunstâncias de exibição de uma performance de Vídeo Jockeying,
na qual a mensagem é gerada, editada e composta em tempo-real, sendo esta a
estratégia tradicional que associa imagética a apresentações musicais ao vivo. A
verdade é que, a origem das performances visuais, está inerente à presença das
primeiras considerações de tecnologia e performance. Logo, para se enquadrar
historicamente o VJing é necessário perceber as diferentes experiencias na era da
imagem em movimento. Por ser uma forma de expressão ainda algo embrionária,
o delineamento da sua origem diverge consoante a focalização pretendida por
cada autor. Contudo, de uma forma geral, é possível considerar alguns momentos
contundentes, apreciados cronologicamente: as primeiras experiências em
projecção até ao cinematógrafo, posteriormente os conceitos de color music e de
visual music, o cinema experimental, a videoarte, os desenvolvimentos na música
electrónica e o pulsar da era digital.
A imagem como registo visual sempre foi um tema indicativo para o Ser Humano,
já evidente nos primórdios desenhos das cavernas. Após a tomada de consciência
por Platão (428/27 – 347 a.C.) que teorizou a existência de dois tipos de imagem
A Era da Imagem e do Movimento 7
uma objectiva, detectada pelos nossos sentidos da consciência, e uma outra
subjectiva, sobrevinda de uma ideia, de um pensamento, registar uma realidade
objectiva por uma perspectiva subjectiva começou a ser um desafio. Na verdade,
desde cedo que o homem se interessa pela imagem e as suas potencialidades,
sempre foi um acto natural procurar o registo puro e simples dos acontecimentos
à sua volta. Quando as experiências com imagens em movimento se começaram
a despoletar, registar e comunicar o mundo atingiu uma nova dimensão, a qual
suscitou o nascer de novas formas criativas que se principiaram a proliferar
multidisciplinarmente.
Neste progresso temporal, as performances visuais marcam agora presença nas
actividades contemporâneas, e são vincadas por uma influência comunicativa e
criativa que se aponta proeminente. Na última década o conceito e filosofia do
Vídeo Jockeying além de se ter convertido como parte integrante da cultura de
entretenimento, volveu-se conjuntamente num laboratório para a exploração de
conceitos e estéticas relacionadas com a comunicação visual.
VJing como arte depende de como a experiência é vivida, portanto, para se poder
enquadrar todos os seus possíveis potencias artísticos, demanda-se uma viagem
pela era da imagem em movimento na descoberta da necessidade expressiva que
o homem, como criador, desenvolveu em diferentes disciplinas que facultaram o
insurgir desta prática.
1.1. A PROJECÇÃO E O CINEMATÓGRAFO
As práticas performativas visuais baseiam-se numa projecção para uma audiência
e em imagens em movimento. Logo, as primeiras conquistas nestas matérias são
as pioneiras da expressividade do contemporâneo VJing. Diferentes formas de
projectar imagens têm sido utilizadas ao longo dos séculos. Inicialmente o sol era
o projector, criando sombras sobre o chão numa situação natural e ao vivo. Mais
tarde foi o fogo que serviu de fonte luminosa para as projecções como no Teatro
de Sombras, onde uma lâmpada em óleo projectava figuras decorativas para o
público. Neste sentido, está presente o primeiro conceito de performance para
uma audiência. Mas foi na Idade Média, que se desenvolveram as primordiais
experiências de projecção de imagens. Um dos principais inventos foi a lanterna
mágica, a qual foi considerada como a primeira forma de um projector de slides.
A primeira imagem do aparelho apareceu na Ars Magna Lucis et Umbrae, por
Jesuit Athanasius Kircher [1] em 1671. No seu processo, as imagens eram pintadas
em vidro e projectados nas paredes, em cortinas de pano, e, por vezes, sobre um
[1] Athanasius Kircher (GE)
(1602-1680) foi um jesuíta,
matemático, físico,
alquimista e inventor
alemão. Alguns dos seus
inventos foram o megafone e
a lanterna mágica.
8 A Era da Imagem e do Movimento | A Projecção e o Cinematógrafo
Img.1 Lanterna Mágica, 1671.
Img.2 Phantasmagoria, 1798.
Img.3 Cinematógrafo 1885
pano molhado por trás do ‘tela’. Modelos mais avançados utilizavam três lentes
separadas e foram aptos de efeitos ópticos, como as dissolvências e mistura.
Alguns slides foram capazes de alcançar animações simples sequenciais. Ao longo
dos séculos XVII e XVIII físicos desenvolveram práticas ópticas, e coincidiram
algumas experiências de projecção e.g., espelhos esféricos com uma imagem
pintada na superfície e lanternas que permitiam projectar sombras na parede. Em
1798 o proeminente ilusionista, magico, físico e balonista belga, Etienne-Gaspard
Robertson (1763 – 1837), levou a projecção da lanterna mágica para um novo nível
ao criar os seus espectáculos phantasmagoria.Neles usava muitas vezes múltiplos
projectores, direccionando-os sobre uma fumaça e usava sons assustadores para
reforçar os efeitos globais, Robertson criou o primeiro horror show que frequen-
temente causava tensões aos espectadores.
Estas primeiras experiências são precursoras de alguns efeitos visuais, mas em
especial da ideia de performance assim como consequentemente, das práticas de
projecção de imagem ao vivo. Quanto ao registo de imagens, em Outubro de
1888, Luis Le Prince, um inventor que é considerado por muitos historiadores do
cinema como o verdadeiro inventor do cinema, filmou as sequências de imagens
em movimento intituladas Roundhay Garden Scene, Traffic Accross Leeds Bridge,
Accordion Player e Man Walking around a Corner, usando uma câmara de lente
única com uma película de papel. Porém, e oficialmente reconhecida está a data
de 28 de Dezembro de 1895, quando Auguste e Louis Lumière apresentaram, em
Paris, no Grand Café, situado no Boulevard des Capucines, a primeira projecção
fílmica com “La Sortie de l'usine Lumière à Lyon” (A Saída da Fábrica Lumière em
Lyon). O que os irmãos Lumière inventaram foi uma câmara portátil de captação
de imagens em movimento, com uma unidade de revelação do filme e um
projector chamado de Cinematógrafo, ou seja, três funções abrangidas numa só
invenção. A invenção do cinematógrafo constitui um marco na história do
cinema. Na descrição dos próprios inventores, tal aparelho permite registar uma
série de instantâneos fixos, em (fotogramas), concebendo a ilusão do movimento
que durante um certo tempo ocorre diante de uma lente fotográfica e depois
reproduz esse movimento, projectando as imagens animadas sobre um anteparo
(e.g. tela, parede). Convencionalmente, a ilusão é produzida pelo fenómeno da
persistência retiniana.
Os irmãos Lumière, não foram os primeiros a projectar filmes. Em 1891,o grande
inventor Thomas Edison (1847 - 1931), apresentou o Kinetoscopio. Mais tarde em
1896, Edison anunciou o Vitascopio. Para além destes, existiram outros como o
Eidoloscopio (1895), Phantoscopio (1895), Projectoscopio (1896), etc.
A Era da Imagem e do Movimento | A Projecção e o Cinematógrafo 9
Durante as primeiras exibições cinematográficas de 1895 a 1907, o cinema não
era uma prática localizada. As primeiras projecções de cinema foram realizadas
em locais públicos tradicionalmente dedicados ao entretenimento, tais como
feiras, parques de diversões, vaudevilles e cafés. Por tal, os locais de exibição
cinematográfica desta época podem ser divididos em três categorias principais,
historicamente sucessivas: os do ‘cinema de atracções’, tais como feiras e
parques de diversões, onde o filme coabita com outras actividades de lazer; os
nickelodeons, os primeiros estabelecimentos a exibir exclusivamente filmes e ao
tratá-los como produtos, e os ‘palácios de filmes’, construídos como óperas, que
promoveram a exposição como um evento cultural.
Originalmente, o cinema não tinha um público específico, os públicos eram
‘emprestados’ pelos locais onde se projectava. Contudo brotaram os primeiros
espaços para projecção: os nickelodeons, um termo que combina a palavra grega
para teatro, Odeon, para a moeda cujo valor correspondia ao do bilhete, o níquel.
Os nickelodeons tornaram-se num refúgio para a população das classes laborais,
que procuravam estes espaços para socialização. Desta forma, a exposição dos
filmes funcionavam como um ambiente, já que era difícil controlar a atenção do
público. Por outras palavras, era a audiência que controlava as exposições. Ao
longo dos tempos, os projeccionistas tentaram controlar o comportamento dos
espectadores e elevar o estatuto da plateia. No entanto, os nickelodeons foram os
que estabeleceram um padrão para a distribuição cinematográfica, e os que
construíram a base para uma vasta audiência, sem a qual a exibição cinematográ-
fica nunca teria alcançado o seu pleno potencial (Em 1910, existiam cerca de
10,000 cinemas nos E.U.A., com uma procura de 150 filmes por semana).
Ao se aliar estas condições de exibição ao público desatento das primeiras
projecções cinematográficas, obtêm-se uma imagem semelhante aos espaços
contemporâneos de VJing. A estrutura económica do cinema, por sua vez, foi
nesta época muito semelhante à das performances audiovisuais hoje em dia. Os
fabricantes de aparelhos cinematográficos, não faziam somente os filmes para os
seus equipamentos, mas também assumiam o papel de projeccionistas. Para
além disso, os projeccionistas tinham um controle criativo sobre uma variedade
de elementos que agora chamamos de pós-produção. O espaço de VJing pode ser
considerado como uma influência no passado, uma vez que traz até à data as
características do cinema de atracções. VJing recria pois, certas possibilidades
que eram a simples realidade das primeiras exibições cinematográficas, uma
realidade que foi suprimida ao longo dos anos pela progressiva cristalização das
salas de cinema.
Img.4 Nickelodeon em Pittsburg
10 A Era da Imagem e do Movimento | A Projecção e o Cinematógrafo
Img.5 Color - Organ: associação de
cores
1.2. COLOR MUSIC & VISUAL MUSIC
A relação da música com as cores já há alguns séculos que intriga e seduz artistas
e pensadores. Esta relação está profundamente ligada ao conceito de VJing, pois
o mesmo articula-se pela mistura de visuais que operam em ritmos luminosos e
coloridos com as sonoridades, embora num conceito performativo. Aristóteles e
Pitágoras, na Grécia antiga, já especulavam sobre a relação entre a escala musical
e as cores do arco-íris. Essa ideia fascinou artistas como Leonardo da Vinci ou
Athanasius Kircher e as suas apresentações com a lanterna mágica. As tradições
da color music e da visual music focalizam-se numa experiência de sinestesia, que
descreve a condição neurológica de misturar os sentidos. Em sinestesia pode-se
e.g. ouvir cores, ver sons, sensações tácteis e sabor. Isso significa que a percepção
de um estímulo evoca uma segunda percepção, i.e., a música pode ser ‘vista’ com
cores e as cores podem ser ‘ouvidas’ como som.
As primeiras experiências concretas datam o século XIII, com Louis-Bertrand
Castel (1688 – 1757) considerado o precursor na concretização do instrumento
que possibilitou “tocar cores” – o Clavecin Oculaire, que era um quadrado de 1,80
de altura com 60 janelas de vidro colorido, cada uma delas ligada a um órgão
comum, por engrenagens. Ao tocar determinada tecla, a cor correspondente era
revelada no quadrado de janelas. Castel pode ser considerado um dos pioneiros
no campo da arte tecnológica. Em 1870, Frederick Kastner arquitecta e apresenta
o seu Pyrophone, constituído por treze longos tubos de cristal ligados a um órgão.
Ao tocar numa tecla, uma corrente eléctrica explodia um gás colorido num tubo
correspondente. Por sua vez, em 1883, Alexander Rimington constrói o seu Color-
Organ. O instrumento baseava-se num órgão que não produzia som, conectado
electronicamente a 14 orifícios num quadro de madeira de 3 metros de altura.
Um complexo mecanismo controlava a relação da nota tocada no órgão e a cor e
intensidade de luz que surgia nos orifícios. O termo color organ torna-se, a partir
daí, genérico para esse tipo de instrumento.
A Color music baseava-se portanto, na criação de escalas cromáticas que ligavam
directamente específicas cores a específicas notas, onde as relações particulares
de cor-tom são justificadas pelos artistas alegando que a conexão é uma absoluta
e empírica relação reflectindo fatos sobre a natureza da luz e som, em vez de
uma decisão estética arbitrária. Os inventores deste conceito sentiram que o seu
trabalho demonstrou válidos princípios científicos sobre a natureza da luz e do
som resultante das vibrações: os rácios do som harmónico aplicados a luz criaram
a Color music, pela existência de um princípio de ordem harmónica.
A Era da Imagem e do Movimento |Color Music & Visual Music 11
Estas primeiras investigações e experiências provam que, mesmo anteriormente
ao cinema se ter desenvolvido, muitos se fascinavam com a ideia da experiência
audiovisual, sem a ligarem a narrativas. Todo este conceito de relacionar música e
cores foi o princípio da analogia que se faz hoje entre efeitos visuais e música.
Paralelamente às experiências da color music, teóricos e artistas dos movimentos
modernistas construíam novas formas de percebermos o mundo através da arte.
Marinetti [1], no Manifesto Futurista (1909) disse – “o mundo está a enriquecer-se
com uma nova beleza: a beleza da velocidade". Por este parecer, surge no início
da década de 1920 o conceito da visual music, criado Oskar Fischinger. Todas as
ideias deste artista plástico e animador experimental alemão giravam em torno
da busca deste “ritmo absoluto” e universal criando filmes que fossem a perfeita
união entre o movimento das imagens e a música. Fischinger fazia filmes mudos
inspirados em música (jazz ou erudita, sincronizados em performances ao vivo),
até os anos 30, quando foi possível sonorizar directamente sobre a película.
Contemporâneos de Fischinger, os teóricos russos da montagem cinematográfica,
faziam frequentes analogias musicais para explicar o seu método de produção
cinematográfico. Para Kuleshov, fundador da primeira escola de cinema, “o que
distingue o cinema de outras artes é a capacidade da montagem para organizar
fragmentos dispersos numa sequência rítmica e com sentido.” (Kuleshov, cit. por Stam,
R.; Introdução à Teoria do Cinema, 2003, p.55) Eisenstein, por sua vez, estabeleceu a
relação dos conceitos musicais com o cinema. Para ele existiam vários tipos de
montagens (métrica, rítmica, tonal, harmónica, intelectual e vertical), cada uma
delas com efeitos específicos sobre os espectadores. A visual music é sim, a busca
do “ritmo absoluto” nas imagens, que encantaram alguns artistas experimentais
como Len Lye, Man Ray, Marcel Duchamp, Walter Ruttmann, etc.
Enquanto os projectores de filmes e o cinema continuavam a triunfar, encontrar
correlações entre cor e som, continuava a fascinar artistas, inventores, cientistas
e músicos. Em 1922, Thomas Wilfred cria o famoso instrumento o Clavilux
(composto por 6 projectores regulados por um teclado ligado a um banco de
slides) e começa a construir argumentos sobre a sua nova forma de manipulação
óptica, a Lumia. Segundo Wilfred, o termo color music era apenas uma metáfora.
Para ele, a arte de “tocar cores” incluía factores como tempo e ritmo, como na
música. Lumia por sua vez, são pedaços, como músicas criadas pelos artistas.
Alguns são essencialmente de composição na sua estrutura, outros incluem
elementos improvisados. Lumia é o resultado, em parte, do fascínio do artista
visual com o impacto da música. Lumia são pedaços dinâmicos, baseados
Img.6 Circles (1933), Oskar
Fischinger.
Img.7 Lumia por Thomas Wilfred
[1] Filippo Tommaso
Marinetti: (IT) (1876- 1944)
escritor/ poeta/ editor/
ideólogo/ jornalista /activista
político iniciador do
movimento futurista, cujo
manifesto publicou no jornal
parisiense Le Figaro, em 20
de Fevereiro de 1909.
12 A Era da Imagem e do Movimento | Color Music & Visual Music
Img.8 Kandisnky 1913
essencialmente em ilimitadas combinações de elementos simples, são capazes de
manifestar uma ampla gama de emoções humanas e experiências, e podem ser
criados em tempo-real. Com Lumia, os artistas começaram a construir pinturas a
moverem-se como a música, e inclusive liga-las com a música.
A verdade é que, estes conceitos de sinestesia desempenham um papel central
no desenvolvimento do abstraccionismo na pintura e no cinema. Essas histórias
evoluíram paralelamente – visual music, pintura abstracta e cinema – o que
intersectou tendências e artistas. Wassily Kandisnky, pioneiro na introdução do
abstraccionismo no campo das artes, desenvolve na década de 1910 os seus
primeiros estudos não figurativos, fazendo com que seja considerado o primeiro
pintor ocidental a produzir uma tela abstracta. Kandisnky utilizava a cor de uma
forma altamente teórica associando tom com timbre, tonalidade com pitch, e
saturação com o volume do som. As pinturas de Kandinsky foram consideradas
partes integrantes destes movimentos baseados em sinestesia.
É muito fácil desenhar uma ligação entre estas ideologias e as primeiras ideias
contemporâneas de projecção audiovisuais em clubes, que combina música,
luzes, imagens e fumo. A Colour Music, nascida pela curiosidade de se associar
cor e música, e a Visual Music originada por uma busca pelo “ritmo absoluto” nas
imagens, influenciaram directamente os conceitos construtivos de VJing.
1.3. CINEMA EXPERIMENTAL
Neste processo evolutivo historicamente, é importante considerar brevemente o
cinema experimental pois ele é impulsionador de algumas directrizes conceptuais
presentes numa performance audiovisual nos dias de hoje. Cinema experimental
é um termo usado para descrever um estilo que geralmente transgride as regras
cinematográficas. Conotado como “avant-garde” ou “urderground”, é geralmente
caracterizado pela ausência de uma linearidade narrativa, que usa várias técnicas
abstractas, como e.g. desfocado, pintar e arranhar o filme, rápida montagem, o
uso de som não diegético, ou ausência de som. O objectivo desta expressão é a
de colocar o observador numa postura mais activa e mais pensante em relação ao
filme. Filmes experimentais ou não narrativos influenciam performances visuais
como VJing, pois conduzem-se pelo mesmo princípio: o ritmo.
O cinema experimental surgiu na década de 1920, quando o cinema em si tinha
amadurecido como espectáculo, e os movimentos avant-garde nas artes visuais
estavam a florescer. Sendo assim, o dadaísmo, o surrealismo e o abstraccionismo
em particular, acabaram por se infiltrar no cinema.
A Era da Imagem e do Movimento | Cinema Experimental 13
O que caracteriza o cinema experimental é o foco no processo fílmico, insistindo
num ou em vários dos procedimentos do filme, levando-os a um ponto extremo.
Com isto, sugere-se um papel activo da montagem figurando-se ritmos visuais,
como em Berlin, Symphony of a City (1927), de Walter Ruttman que retrata a vida
quotidiana na cidade do amanhecer até ao entardecer. Os artistas soviéticos, por
sua vez, encontraram interesse nos movimentos das artes visuais, que aliaram às
suas teorias da montagem fílmica. Os filmes de Dziga Vertov, Sergei Eisenstein,
Lev Kuleshov, Alexander Dovzhenko e Vsevolod Pudovkin surgem como uma
alternativa aos modelos narrativos clássicos, pelas construções intensamente
rítmicas e exacerbados efeitos visuais. Por sua vez, realizadores franceses avant-
garde, como Marcel Duchamp, Francis Picabia, Fernand Léger, Man Ray, Jean
Cocteau, bem como outros pioneiros do cinema não-narrativo como Hans Richter
e Viking Eggeling exploraram a abstracção, repetitivas imagens, experiências
imagéticas simultâneas e texturas.
Filmes como Un Chien Andalou (1929) de Luis Buñuel e Salvador Dalí, Napoleon
(1927) de Abel Gance, e Man With a Movie Camera (1929) de Dziga Vertov, são
marcos na história do cinema experimental, sendo que, a maioria desses filmes
foram feitos com um orçamento baixo, auto-financiados, ou financiados através
de pequenas subvenções, com um número reduzido de participantes muito
frequentemente às vezes só o cineasta.
O sentido do cinema experimental baseia-se no explorar das possibilidades que a
imagem em movimento pode ter. Certo é que, actualmente argumenta-se que
um filme experimental já não é de facto “experimental” pois transformou-se num
género cinematográfico. Muitas das suas características mais típicas – como a não
narratividade, estética impressionista ou abordagens centradas na poética da
construção dos filmes – procuram a definição do que realmente é entendido por
“experimental”.
Numa análise contemporânea, esta necessidade de experimentar e muitas vezes
de se mostrar uma postura oposicionista à cultura (como aconteceu pelo menos
até à década de 1960 com alguns cineastas experimentais) enquadra-se nas
performances contemporâneas como o VJing. As construções formais, por sua
vez, vincam tal-qualmente essa semelhança pois os vídeos dos novos artistas
visuais performativos baseiam-se analogamente nesta necessidade de ritmo,
variabilidade de efeitos, abstracção e não-narratividade.
Img.9 Berlin, Symphony of a City,
1927
Img.10 UN Chien Andalou ,1929
14 A Era da Imagem e do Movimento | Cinema Experimental
Img.11 Nam June Paik, TV Cello
(1971), with Charlotte Moorman
[1] Fluxus foi um movimento
artístico caracterizado pela
mescla de diferentes artes,
primordialmente das artes
visuais. Iniciou o conceito de
performance.
1.4. VIDEOARTE
“Da mesma forma que a colagem tornou obsoleta a pintura a óleo, também o
tubo de raios catódicos substituirá a tela.” (Paik, Nam cit. por Martin, Sylvia; Video Art,
2006)
A videoarte é uma forma de expressão artística que utiliza a tecnologia de vídeo
em artes visuais e que se situa numa posição mais imediata ao VJing. A videoarte
supõe uma nova linguagem, uma nova interligação entre imagem e espectador,
na qual a imagem sai da tela para interagir com o resto do meio, integrando as
imagens com os elementos do espaço, moldando a ambiência absoluta. É uma
forma de arte contemporânea que se desenvolveu nas décadas de 1960 e 1970,
estando desde então associada a correntes de vanguarda, além do que, foi a
pioneira no uso generalizado de vídeo em instalações. Como um produto avant-
garde, que se produz com tecnologia e se desenvolve sob um vínculo intelectual,
a videoarte experimentou um rápido crescimento inicial e de aceitação. Emergiu
como ideia de subverter a televisão como meio artístico, dentro de um contexto
no qual os artistas procuravam uma arte contrária à comercial. Entre as suas
ideologias estava uma vontade crítica relativa à televisão, o que apresenta, de
certo modo, algo que ainda se figura na cultura actual.
Uns dos primeiros artistas da videoarte foram o alemão Wolf Vostell e o coreano
Nam June Paik, ambos integrantes do Grupo Fluxus [1] no final da década de 1960.
As realizações Fluxus, por sua vez, baseiam-se em performances que justapõem
não unicamente objectos, mas também sons, movimentos e luzes numa
convocação simultânea dos diferentes sentidos: visão, olfacto, audição e tacto.
Nelas, o espectador deve participar dos espectáculos experimentais, que em
regra se apresentam descontínuos, sem foco definido, não verbais e sem uma
sequência previamente estabelecida. Todas estas características pertencem ao
conceito de happenings, que são eventos em tempo-real, cuja acção é delineada
por uma estrutura flexível e inspirados por improvisações.
Como efeito destas novas filosofias e práticas na imagem em movimento pelos
primeiros vídeo artistas, aparece um conceito que procura ampliar a experiência
que o cinema oferece: O Expanded/Extended Cinema, como Gean Youngblood
explica: “quando dizemos expanded cinema, realmente queremos dizer
consciência expandida *…+ Expanded cinema não é um filme de todo: tal como a
vida é um processo de transformação, o curso histórico do homem leva-o a
manifestar a sua consciência para fora da sua mente, em frente aos seus olhos.”
(Youngblood, Gean; Expanded Cinema, 1970, p.41). Os artistas do Expanded Cinema
procuravam ampliar as possibilidades criativas restaurando a experimentação
A Era da Imagem e do Movimento | Videoarte 15
e dinamismo que o cinema possuiu primordialmente, em vez de o normalizarem
a uma construção narrativa. As experiências destes artistas envolviam em regra,
situações efémeras e frágeis, desenhadas por lâmpadas intermitentes em frente
de telas, jactos de fumo, múltiplas projecções, e performances que se concebiam
em ‘mini-cinemas’ aproveitando outras sensações além da visão, como o toque e
o cheiro. Tal como outras manifestações da arte performativas de 1960 e 70, as
experiências eram específicas, pontuais em tempo e espaço, o que as traduzia em
irrepetíveis na experiência. Expanded Cinema é um conceito que procura assim,
usar diversas projecções, misturar diferentes meios de comunicação, variar dos
pressupostos narrativos, além de procurar estimular os diferentes sentidos numa
busca pela sinestesia. “O cinema sinestésico é um contínuo de espaço-tempo. Ele
não é nem subjectivo, objectivo, nem não objectivo, mas em vez disso é uma
combinação de todos esses: isto é, extra-objectivo.” (Youngblood, op. cit., 1970, p.81).
O vídeo, o cinema e a televisão entraram com muita força no trabalho artístico,
frequentemente associados a outras médias e linguagens. O desenvolvimento da
arte pop, do minimalismo e da arte conceptual caracteriza o progresso na arte
das décadas de 1960 e 1970, sobretudo nos Estados Unidos. Cada vez mais as
obras começaram a articular diferentes modalidades de arte como dança, música,
pintura, teatro, escultura, literatura, o que desafia as classificações habituais e
questiona o carácter das representações artísticas e a própria definição de arte.
Artistas como Josef Beuys, Yoko Ono e John Cage usaram a mistura de diferentes
média como parte do movimento Fluxos. O desenvolvimento de gráficos e de
vídeo sintetizadores (como o PaikAbe de Nam June Paik) por alguns entusiastas
electrónicos no início dos anos 60 e 70 proporcionaram as primeiras experiência
com gráficos de vídeo.
Certo é que, a introdução do vídeo nesse universo trouxe novos elementos para o
debate sobre a criação artística. As imagens projectadas começaram a ampliar as
possibilidades de se pensar a representação, além de transformarem as relações
da obra de arte com o espaço físico. A videoarte parte da ideia de espaço como
campo perceptivo, enfatizando-se no ponto de vista do observador como porção
fundamental para a apreensão e produção da obra. Logo, se o trabalho de arte é
definido como o resultado de relações entre espaço, tempo, luz e campo de visão
do observador, o uso do vídeo ambiciona assim, transformar de modo decisivo as
coordenadas desse campo perceptivo, dando um novo significado ao espaço de
projecção e às relações do observador com a obra. Deste modo, colocado numa
posição intermediária entre o espectador do cinema e o da galeria, o espectador
Img.12 Megatron/Matrix, 1993,
Nam June Paik
16 A Era da Imagem e do Movimento | Videoarte
[1] Laurie Spiegel: (US)
Compositora. Conhecida pela
suas inovadoras composições
de música electrónica e a sua
composição algorítmica com
o software Music Mouse.
da obra é convocado ao movimento e à participação. Se a videoarte interpela o
espaço, visa igualmente alterar as formas de apreensão do tempo na arte. As
imagens, em série como um enredo ou projectadas simultaneamente, almejam
multiplicar as capacidades que o trabalho artístico possui ao lidar com as
coordenadas temporais.
Comunicar através de arte, possui portanto, directrizes marcadas por um carácter
organizacional orquestradas com criatividade, contudo, a videoarte pode ter um
papel característico na criação de ambiências artísticas em espaços previamente
estáticos e inalteráveis, apelando a universos absortos de forte componente
sensorial. Estas novas relações do vídeo com o espaço, o tempo e o observador,
são sem dúvida uma marca nas recentes relações com projecções de imagem,
como o VJing. Por sua vez, a contextualização social e espacial de VJing difere da
videoarte, pois estrutura-se num novo sentido i.e., sai da galeria e invade espaços
mais ‘populares’.
1.5. A MÚSICA ELECTRÓNICA E A EVOLUÇÃO DIGITAL
Atendendo à evolução crescente da tecnologia e da conceptualidade artística
inerente ao conceito de videoarte, o VJing tem detido uma relação particular com
a música, em característico com o progresso da música electrónica. No contínuo
evolutivo das artes, nos anos 70 são criados os primeiros sintetizadores de vídeo
pelo trabalho conjunto de cientistas e músicos. O projecto de Laurie Spiegel [1]
com o GROOVE (Generated Real-time Output Operations on Voltage-controlled
Equipment) e o VAMPIRE (Video And Music Program for Interactive Realtime
Experimentation) retomou a manipulação plástica musical que se consagrara há
mais de um século com a color music.
O sintetizador de vídeo funciona pelo princípio do sintetizador de som i.e.,
modulando correntes eléctricas, o que permite trocar informações entre os dois
meios, assumindo uma relação entre imagem e som. Com o VAMPIRE, Spiegel
podia transformar as modulações eléctricas geradas pelo GROOVE (sintetizador
de som) em imagens. As experiências com sintetizadores concretizam a relação
indissolúvel entre imagem e música.
No início dos anos 80, surge o scratching, uma técnica desenvolvida pelo DJ
Grand Wizard Theodore e o DJ Grandmaster Flash, com o intuito de acrescentar
mais um elemento ao DJing. Os discos de vinil eram manipulados com as mãos,
ritmicamente para frente e para traz, produzindo barulhos como se ‘arranhasse’
A Era da Imagem e do Movimento | Música Electrónica e a Evolução Digital 17
o disco. Esta prática ampliou-se para o vídeo, surgindo o scratch video, no qual,
pequenos clips de vídeo eram manipulados em sofisticadas ilhas de edição.
Diferente do virtuosismo manual dos DJs, a habilidade dos vídeo artistas era
testada na capacidade de reeditar, com efeitos e montagens, as imagens que
eram geralmente pirateadas da televisão broadcasting. Os primeiros grupos de
scratch video surgiram em Londres, na década de 1980, com claros objectivos
políticos, i.e. a de fazer uma caricatura cómica da vida pública retratada na TV.
Artistas como os Kraftwerk e o Jean-Michel Jarre foram pioneiros na criação de
deslumbrantes concertos visuais no final dos anos 70. Até à década de 80, as
projecções audiovisuais em grandes concertos tornaram-se norma. Entre os mais
inovadores concertos visuais, foram os dos Pet Shop Boys com imagens de Derek
Jarman, e os concertos dos Depeche Mode, após se estrearem na colaboração
com o realizador Anton Corbijn. Mas foi só a partir da década de 1990 que o VJing
ganhou forma. A manipulação electrónica e a projecção de imagens para
acompanhar a música ampliaram-se desde essa época, permitindo o crescimento
do VJing pela confluência destes dois factores. Para além disso, as tecnologias
multimédia tornaram-se mais acessíveis e simultaneamente de maior qualidade.
Na segunda metade dos anos 90, com a explosão da Internet e as formas de
produção artísticas à distância, inauguraram-se novas possibilidades de diálogo
entre as tecnologias de vídeo digital e a performance musical. Cresceu uma nova
geração de artistas que se permeia pela conglutinação entre várias áreas fora da
profissão do vídeo, como programadores e designers, descobrindo na música
electrónica um novo campo criativo para imagens em movimento. Estes artistas
começaram a intitular-se de VJs, e sua arte o Vídeo Jockeying. O VJing, como uma
performance, estabelece novas regras de partilha entre produtores e audiência.
Em termos simples, o VJing tem o mesmo princípio de mixagem do DJ, i.e. passar
de uma imagem em movimento para outra, sem perder o ritmo da música que
toca na pista de dança. Para tal, os VJs usam as mais variadas configurações de
equipamentos: mixes de imagens, câmaras de vídeo, controladores MIDI,
computadores e uma variada quantidade de software e aplicações ao vivo.
Entretanto, todos eles compartilham uma regra simples e comum durante as suas
performances: o VJ loop. Estas pequenas peças gráficas de vídeo, de poucos
segundos de duração, são mostradas repetidas vezes e montadas em tempo-real.
Produto típico da ‘Cultura do Remix’, o VJ loop surge na música electrónica como
sinónimo do sampler musical para as artes visuais. Necessariamente estes loops
são criados para serem constantemente refeitos (na cor, velocidade e outros
parâmetros reguláveis) e remixados no diálogo com outros loops numa constante
18 A Era da Imagem e do Movimento | Música Electrónica e a Evolução Digital
actualização de sentidos promovida pelo VJ e o seu fausto de recepção, a área
videográfica. A existência de produtos como o VJ loop, a sua proliferação e a sua
implantação na vida social colocam em crise os conceitos tradicionais e anteriores
sobre o fenómeno artístico, exigindo formulações mais adequadas a este novo
tipo de sensibilidade que emerge.
O VJing, como acto de manipulação de sentido do VJ loop, mantém relações
complexas e dinâmicas com os géneros anteriores: a subversão técnica em prol
da instrumentalização das imagens em movimento que se figuram na color music,
na busca do ritmo absoluto da visual music, na não-narratividade do cinema
experimental, e nos princípios críticos e interventivos da videoarte. Desta forma,
o VJ loop do VJing estabelece-se como uma nova prática das artes visuais, num
diálogo profícuo, ao ritmo da música electrónica, com a poética do DJ e a sua
conexão com a cibercultura.
1.6. VÍDEO E PERFORMANCE EM PORTUGAL
Numa contextualização nacional, a relação da arte portuguesa com a videoarte é
na sua generalidade tardia e houve alguma resistência em integrar esta nova
linguagem no sistema artístico do mercado. Na segunda metade do século XX em
Portugal, com a situação social, política e económica do país, marcado por uma
ditadura fascista, não se faziam sobressair preocupações estético-artísticas de
vanguarda. Neste quadro, as artes sofriam um clima pouco propício para o seu
desenvolvimento, o que fez com que o vídeo tivesse uma expressão reduzida no
contexto artístico português antes de meados da década de 1990. Todavia, alguns
artistas usaram esse médium pontualmente nos anos 60 e 70, logo que tiveram
acesso a equipamento vídeo, como modo de experiência de gravação imagética
de performances ou trabalhos, facto este, limitado a uma pequena elite com
possibilidades económicas e com facilidade em viajar. Artistas como Ernesto de
Sousa, Ângelo de Sousa, Julião Sarmento, Fernando Calhau, António Palolo, ou
artistas mais novos como José de Carvalho, José Conduto ou Joana Rosa são
alguns nomes das primeiras considerações de vídeo em arte em Portugal. O vídeo
surge apenas como mais um suporte para reflexão conceptual das temáticas que
se trabalham, não sendo um meio exclusivo, mas antes um veículo flexível de
ideias que acompanha o restante corpo de trabalho. Até então, os artistas que se
tinham interessado em trabalhar com a imagem em movimento recorreram ao
filme, em especial ao Super-8.
A Era da Imagem e do Movimento | Vídeo e Performance em Portugal 19
Durante os anos 80, verificou-se uma hegemonia das disciplinas tradicionais
(pintura e escultura) e uma reacção ao experimentalismo que havia prevalecido
na década anterior, deste modo, o vídeo enquanto médium artístico viu-se, em
consequência, relegado para uma posição quase de invisibilidade. O vídeo e a
fotografia mantiveram-se assim, numa posição ingrata até aos anos 1990, pois
para além do mais, estas formas de arte pressupõem alguns condicionalismos
económicos e técnicos.
Com a década de 1990, o contexto da produção de vídeo arte em Portugal sofre
profundas alterações: há uma necessidade de ruptura, de confronto, estratégico
e político, nas práticas artísticas então sobrevindas e que haviam sido quase
diminuídas a um estruturalismo formal da década de 1980. Sendo assim, nos anos
90 a vídeo arte parece renascer associada às novas condições económicas e
sociais do país. A partir daqui, o vídeo é trabalhado de uma forma cada vez mais
descomplexada, começado a ser usado por jovens artistas. Estes artistas são cada
vez mais influenciados pela televisão e pela cultura vídeo, e vivem na procura
experimental de um conjunto de tecnologias e em se manterem a par do que se
faz nas artes internacionais. Neste contexto, toda uma nova geração passa a ter
acesso a melhores condições de produção, bem como às correntes internacionais
e à própria tecnologia vídeo, em especial depois da segunda metade da década
de 1990. Esta geração é marcada por uma verdadeira cultura videográfica. Uma
das manifestações mais recorrentes disso mesmo foi, justamente, a apropriação
de excertos de filmes, que muitos artistas interessados em trabalhar com esse
médium tiveram curiosidade em experimentar. Assim, desde a segunda metade
da década até aos nossos dias, a comunidade artística, criadores e críticos de
arte, estão abertos a novas tendências. Pela primeira vez e descomplexadamente,
trabalha-se com todos os métodos e tecnologias audiovisuais (vídeo,computador,
internet) às vezes quase sem consciência da ruptura concretizada de maneira tão
radical há tão pouco tempo no país.
O recurso ao vídeo por parte de um número cada vez maior de artistas nacionais,
a partir dessa altura, levanta, desde logo, a questão do acesso à tecnologia, da
sua democratização e acabou por reflectir, com algum desfasamento cronológico,
o que se passava na cena artística internacional. O que é importante para o
desenvolvimento de um artista visual não passa mais sobre a criação de imagens,
mas sobre o controlo como aparecem as imagens, usando fotografia, o desenho,
o filme e os novos meios de comunicação para adquirir controlo. A visualização
tornou-se assim, uma noção cada vez mais popular, como modo para pensar o
mundo por meio das suas imagens. A utilização deste médium pela maioria dos
20 A Era da Imagem e do Movimento | Vídeo e Performance em Portugal
jovens artistas, está ligado à definição e afirmação de universos autorais. Os
artistas têm tendência para a individualização, para a construção de universos
autorais e singularizados.
Ainda a nível nacional, por último, surgiram nos finais dos anos 90 alguns artistas,
com um pendor interdisciplinar, provenientes das mais diversas práticas de arte:
da música, do design, da programação digital ou das artes performativas. Sem se
poderem incluir directamente em qualquer categoria, têm desenvolvido um
trabalho com uma ligação e uma sensibilidade muito próxima ao meio do vídeo
artístico, abordando-o de uma forma expandida, redefinindo fronteiras nas
diversas áreas, como o cinema, artes performativas e a vídeo performance. Neste
entrelaçar de diferentes campos criativos e na apropriação de elementos e
referências da sociedade tecnológica, novas formas expressivas como o VJing
começam a dar os primeiros passos, mas demandam uma reformulação iminente.
No contexto nacional e com o emergir da música electrónica, as performances
VJing são um produto de uma cultura multimédia ainda em desenvolvimento.
Certo é, que neste ponto, não existe para já uma constância de valorização e
interesse nesta forma expressiva. O necessário, é compreender o desfasamento
do desenvolvimento da videoarte no panorama nacional, que juntamente com a
necessidade dos novos artistas em aceder a tecnologias e integrar novas parti-
cularidades conceptuais estético-artísticas, se desenvolva gradualmente um
acesso à integração de Vídeo Jockey no contexto cultural artístico, como um
potencial expressivo da cultura e do imaginário contemporâneo.
A Era da Imagem e do Movimento | Vídeo e Performance em Portugal 21
22
VJING | 2. UMA NOVA EXPRESSÃO: O VJING
“Vivemos numa realidade com estruturas definidas pelas invenções dos média –
imagens electrónicas e impressas são as pedras angulares da nossa evolução
cultural.” (Tambellini, Aldo, cit. por. Martin, Sylvia op. cit., 2006)
Num mundo desenhado pela era digital, as representações artísticas comportam
uma crescente multiplicidade de formas e aplicações na vertente conceptual que
as caracteriza. Ao longo das últimas décadas o desenvolvimento tecnológico tem
evidenciado o crescimento das plataformas de produção na arte, que evoluem a
um passo veloz e diverso, reforçando a expressão artística de uma forma efémera
e redundante com variável grau imperante. As manifestações de arte estão assim,
cada vez mais subtis e presentes, embora muitas vezes subvalorizadas, sendo que
é um reflexo puro de um exagero de diversificação ou pelo contrário da ausência
de um efeito impactante de uma inovação.
Num espaço global, cada vez mais imerso em tecnologia, a arte propende a
desenvolver-se eminentemente recorrendo ao uso do computador. Sendo assim,
pelo conceito de arte multimédia desenham-se vincos de dinamismo, delineados
pelas múltiplas facetas da criatividade digital. Nesta espaço mediado, milhares de
imagens digitais são criadas por dia, as quais promovem um novo estigma na
construção artística, oferecendo uma nova possibilidade criativa que passa pela
reciclagem e reutilização dessas imagens em diferentes contextos, proclamando a
Uma Nova Expressão: O VJing 23
existência de uma cultura definida pela remistura. As Imagens são transformadas
em digitais mescladas com imagens electrónicas captadas de diferentes meios de
comunicação, sendo depois baralhadas, reconstruídas e renascidas sobre uma
outra forma criativa. Nessa abordagem, com a necessidade de usar os média
como expressão de arte de característica dinâmica e quase que ilimitada, alguns
conceitos modernos como performance e arte interventiva, têm feito as delícias
de alguns novos artistas digitais.
Num tempo actual, mais do que nunca, as artes performativas e de intervenção
espácio-temporal, pronunciam um conjunto de intenções e sensibilidades que se
unem com extensões multimédia, desabrochando um novo leque de criatividade,
originando assim, obras artísticas híbridas com uma abordagem sensorial e
estimulante. Consultando a evolução das técnicas digitais, o vídeo afirma-se
como potencial criador de mundos sedutores marcando presença neste tipo de
interposições. O vídeo artístico tem um poder intrínseco, e perante isso, tomando
como certa a altivez das tecnologias média sobre estas expressões artísticas,
afirma-se subliminarmente uma recente forma criativa e expressiva descendente
desta ampliação: o Vídeo Jockeying (ou VJing).
2.1. PERFORMANCE VISUAL
Uma performance visual é sem dúvida uma das extensões culturais da sociedade
digital. Um visual performer é aquele que oferece num tempo e espaços fixados,
um espectáculo visual expressivo, singular e efémero. Um performer visual está
atento ao momento e à reacção da audiência, de forma a que, conduza a sua
performance procurando reagir positivamente com o espectador. Sendo assim, o
termo VJing ou performance visual é comummente compreendido como o acto
de manipular vídeos num evento ao vivo, usualmente com presença de música,
percebido como entretenimento ou uma prática artística, associado em regra a
espectáculos, performances em bares e discotecas, instalações interactivas e
exposições performativas. Definições relativas a esta prática estão em aberto, já
que diferentes activos desta arte tendem a olhar para a sua prática através do
seu pertencente contexto pessoal e profissional. De qualquer forma, VJing prevê
a presença do VJ ou Vídeo Jockey, que é a denominação dada aos profissionais
responsáveis pela mistura (remix) dos vídeos nos eventos ao vivo, vídeos esses,
que demandam a nível funcional, na maioria das ocasiões, a ilustração de músicas
e a transmissão de sensações diversas para o público.
24 Uma Nova Expressão: O VJing | Performance Visual
Img.13 Illuminations 1.1., Marius
Watz, Club Transmediale 2008,
[1] Transmediale (GE) festival
anual internacional para arte e
cultura digital, situado em
Berlim, Alemanha. Originado
como festival de cinema e
vídeo para a arte
contemporânea, teve a sua 1ª
edição em 1988.
2.1.1. CARACTERIZAÇÃO DO VJ
O significado do acrónimo ‘VJ’ é muito discutido, devido a uma variedade de
sugestões de nomenclaturas encontradas nas comunidades de discussão sobre
esta expressão. VJ pode ser a denominação de Vídeo Jockey, frequente quando a
perspectiva se centra no suporte de expressão, o vídeo. Pode ser denominado de
Visual Jockey, habitual quando se associa ao objecto da expressão, i.e. imagens,
estáticas ou em movimento em conjunto com luz, por outras palavras, quando se
reporta a tudo ao que é visível de representar.
VJing aparece ainda muitas vezes como Vídeo Jam ou Vídeo Performance, no qual
existe a ideia de jamming. A palavra jamming, por sua vez, surge da ideia cultural
musical das jam sessions,que é o acto de juntar músicos sem uma pré-preparação
extensa ou organização predefinida, levando portanto em regra à performance
de músicas por improvisação. As jam sessions musicais são criadas geralmente
baseadas em músicas pré-existentes ou formas musicais, podem ser sugeridas
por um participante ou simplesmente basearem-se no improviso. Em VJing essa
associação é igualmente possível, já que os VJs possuem um conjunto de imagens
pré-estabelecidas, que são manipuladas por improviso visando ou não
sincronismo musical na performance ao vivo. O cognome Visual Jam está assim
iminentemente associado ao momento de improvisação dos shows.
Uma conotação mais recente para esta prática surge pelo nome de Live Cinema
ou Cinema ao Vivo. No arquivo de imprensa do programa Live Cinema do festival
transmediale [1] em 2005 define-se: “O termo ‘Live Cinema’ até agora tem sido
usado para descrever o acompanhamento musical ao vivo dos filmes mudos. ‘Live
Cinema’ hoje em dia, pertence à criação simultânea de som e imagem em tempo
real pelos artistas visuais e sonoros que colaboram para elaborar conceitos em
igualdade de condições.” Live Cinema apesar de semelhante ao VJing manifesta-
se em geral, identificado a condições espaciais mais idênticas ao cinema, i.e., em
salas ou auditórios propícios a essa experiência. Os parâmetros tradicionais da
narrativa cinematográfica são aqui expandidos por uma concepção muito mais
ampla do espaço cinematográfico, rompendo com formas de narração lineares e
da ideia focada na construção pelo olho da câmara, da realidade tal como ela é.
A diferença entre cinema e cinema ao vivo reside nos seus contextos e objectivos.
Live Cinema é diferente de cinema, não usa uma forma linear de contar histórias,
não é em regra baseado em diálogos ou actores. A situação ao vivo impõe as suas
necessidades e exige assim, a liberdade de uma estrutura linear cinematográfica,
da sintaxe e gramática da narrativa presentes em normas de filmagem e edição.
Sendo assim, Live Cinema baseia-se em imagens fortemente visuais, efeitos e
Uma Nova Expressão: O VJing | Caracterização do VJ 25
repetições, deixando de lado os plot points narrativos e interagindo com
mensagens visuais, pois “o termo ‘Cinema' está agora a ser compreendido como
um aglomerado de todas as formas de configurar imagens em movimento,
começando pela animação de imagens pintadas ou sintéticas.” (Club Transmediale
2005; [Consult. 2009-04-24])
A definição de VJing está longe de ser unívoca, podendo existir por vezes alguma
distinção entre VJing e Live Cinema, já que os activos de Live Cinema defendem a
criação praticamente integral dos vídeos, e em VJing tende-se a misturar imagens
criadas pelo próprio artista com imagens adquiridas de diferentes média, contudo
em termos de método, características e expressão são análogos.
Na definição do VJ, e perante as diferentes perspectivas da expressão existentes,
Ziv Lazar [1] distingue dois tipos de VJ: o Club VJ e o Artist VJ. Nesta distinção, o
“Club VJ” é aquele que se focaliza nas performances em bares e discotecas, e
neste contexto, a imagem em si é a parte mais importante do espectáculo, quer a
nível estético como de projecção. A sequência, a ordem dos vídeos e o design dos
visuais são o que constroem o espectáculo. O Segundo tipo de VJ, o “Artist VJ”
geralmente faz parte de um grupo ou empresa, cujos objectivos se prendem em
explorar diferentes tipos de expressões como cinema, instalação, performance,
saindo do contexto do clube, e conotando-se como um artista multimédia. (Lazar,
Ziv ; VJ A Pseudo Subculture , 2008)
O termo VJ tem crescido ao longo dos tempos e tem abrangido uma variedade de
estilos artísticos e tecnológicos. Em VJing está-se constantemente a ultrapassar
limites e a redefinir-se o que é um VJ e qual a sua função. O VJ é visto como uma
artista arquétipo emergente. Como um poeta performativo, o VJ actua num
tempo em detrimento de uma audiência. Com uma poética do vídeo artístico, o
VJ trabalha no domínio cinematográfico numa sintonia híbrida com outras artes.
VJing é ainda frequentemente orquestrado com a prática da mistura, na busca da
fusão equilibrada entre música, imagem e momento. Na maioria dos casos, o VJ
mistura um contínuo fluxo de imagens em detrimento da música local. Os VJs
usam frequentemente pequenos clips de vídeo em repetição temporal (loop)
para a criação de um contínuo imagético, criando um ritmo visual, usando um
computador com software específico para a performance, entre outros recursos.
A actividade dos VJs corresponde assim, à manipulação de imagens fixas ou em
movimento, figurativas ou abstractas, que são apresentadas em diversos espaços,
a partir de improvisações com um banco de imagens previamente seleccionado.
VJing é um fluxo de imagens que cintila em velocidade, na combinação tempo e
ritmo em espaço, um conjunto de imagens-luz, imagens-paisagens, originando
micro-narrativas construídas por associação num contínuo estímulo sensorial.
[1] Ziv Lazar: (UK) MA Digital
Média; Artista contemporâneo
de Digital Media e
Interactividade.
26 Uma Nova Expressão: O VJing | Caracterização do VJ
Img.14 Edirol V-8 Vídeo Mixer
2.1.2. PERFORMANCES VISUAIS E TECNOLOGIAS
Em Vídeo Jockeying todos os elementos da performance têm um papel na criação
da experiência, na construção do momento, pois cada performance é única. Estes
elementos incluem VJ (s), som, imagens, luzes, espaço e audiência, todos com as
suas inerentes características. Na construção audiovisual, a par de um artista de
som, os sentidos são mesclados e a mente é seduzida para um mundo que gira
em torno das imagens projectadas e da existência no local. Talvez seja essa
sensação de imediato e imersão que é tão gratificante para os artistas e para os
públicos. Talvez seja o intenso bombardeio dos sentidos que o faz, ou talvez seja
a riqueza do diálogo entre a tecnologia, o ordenamento da arquitectura e
expressão humana que fala tão poderosamente.
Uma performance visual ao vivo pode usufruir ainda de imagens em tempo-real,
quando usa câmaras para captar a ambiência do espaço. Uma performance em
tempo-real deve evidenciar o seu processo, i.e. a sua visibilidade, permitindo-lhe
ser experienciada por uma audiência. Esta acção em tempo-real pode, por sua
vez, desenhar-se interactiva, recorrendo-se a tecnologias emergentes.
‘Setup’ é o termo usual usado pelos VJs para descrever o contíguo técnico que
usam para as performances visuais ao vivo ou em tempo real. O VJ ‘setup’ é
extremamente interessante, pois reúne uma vasta gama de objectos técnicos,
desde software e hardware pré-existentes a dispositivos criados pelo próprio VJ.
Os equipamentos básicos utilizados pelos VJs têm funções equiparadas aos dos
DJs, visto que em VJing também se fazem misturas e scratching como em DJing.
Para isso, usam-se computadores portáteis para armazenar as imagens e um
misturador de vídeo. Câmaras de vídeo digital podem ser utilizadas para pré-
fabricar vídeos ou captar imagens em tempo-real durante a performance. O
computador portátil, software de imagens ao vivo, o leitor de DVD, e efeitos
digitais são unidades padrão no kit de muitos VJs.
Novas perspectivas como as DIY (Do It Yourself) parecem ser apelativas para os
VJs, já que permitem personalizar os seus trabalhos. DIY assenta no pressuposto
que uma só pessoa pode fazer correctamente o trabalho de vários profissionais, e
nesta abordagem, as evoluções tecnológicas, irremediavelmente dos software,
têm permitido essa individualização ao VJ. As tecnologias são o fio condutor
desta expressão que juntamente com a diversidade de plataformas criativas
existentes, têm permitido materializar ideias e desmistificar complexidades nas
construções digitais.
Uma Nova Expressão: O VJing | Performances Visuais e Tecnologias 27
"Tal como um ‘artista – engenheiro ‘ construtivista, os VJs inovam e modificam
existentes ferramentas e software para atender às suas necessidades. Muitas
vezes eles constroem novas ferramentas personalizadas e software, elevando
assim o ‘ofício’ para outras dimensões." (Danto, C. cit. por Spinrad, The VJ Book, 2005)
Os software são pedras angulares para o performer digital. No progresso de
produção visual, ao longo destes últimos anos, têm emergido diversos software
de construção de imagem, que possibilitam ao VJ criar previamente construções
artísticas, assim como outros para reforçar a sua dinâmica durante performance.
Na constante evolutiva nas áreas digitais da imagem, o processo criativo de VJing
passa pela afirmação de fases de produção da construção visual. Sendo assim, é
possível distinguir software de criação e edição de imagem, software dedicados
em exclusivo para performances VJing e software de arquitectura aberta com uso
de programação. Com a articulação destes três grupos de ferramentas multi-
média, alguns criativos têm vindo a orquestrar as faculdades dadas por esta era
digital, ousando obras cada vez mais atraentes e com caris interactivo.
Os software de edição de imagem, por sua vez, procuram oferecer soluções para
orquestrar ideias relativas à pré-produção dos pequenos vídeos para VJing. Com
diversas ferramentas, as possibilidades de exploração da imagem são infindáveis.
Os software de edição de imagem podem ser discriminados em software de
criação e tratamento de imagem estática, software de criação e tratamento de
imagem vídeo, e software de produção de animações (2D ou 3D). Alguns dos mais
usados software de imagem para vídeo e consecutivamente em VJing podem ser
e.g.: Adobe Premiere, Adobe After Effects, Apple Motion, Apple Final Cut, (para
vídeo); Adobe Photoshop, Adobe Illustrator (imagem fixa/vectorial); Adobe Flash
(animação 2D); Autodesk 3D Max (animação 3D), etc.
Existem múltiplos software dedicados a performance de VJing. Todos eles partem
do princípio de ‘live’ e são estruturados por uma arquitectura inerente à
necessidade construtiva de pequenos clips de vídeo. Os diferentes clips são assim,
importados e manipulados em tempo-real, manipulações estas que se processam
através de variações de ritmos, apresentações sequenciais, detalhes e efeitos
visuais existentes no software. Existe ainda a possibilidade de associar o ritmo da
música presente com o vídeo através de ferramentas específicas. Software de
VJing como e.g. Resolume, Flowmotion, Modulat8, VDMX, VJamm, Neuromixer e
Arkaos, são semelhantes na sua lógica e interface como alguns deles propiciam a
manipulação de músicas e vídeo, originando apresentações musicais e cénicas.
Relativamente aos software de arquitectura aberta com uso de programação,
estes parecem ser a escolha preferencial dos novos artistas digitais para a criação
Img.15. Resolume 2.4. Interface
28 Uma Nova Expressão: O VJing | Performances Visuais e Tecnologias
Img.16 Max/Msp Interface
de efeitos visuais vivos e esteticamente estimulantes. Na necessidade de inovar e
oferecer um novo estatuto ao VJ, o criador de vídeo tem procurado ultrapassar
barreiras até então inalteráveis, da tela fixa e do conteúdo da imagem constante
e impenetrável pelas variáveis externas. Sendo assim, estes software têm
permitido evoluir para a interactividade artística, e para a exploração das novas
formas de arte, como a arte generativa. Com especial destaque temos e.g. Max
/Msp Jitter, KeyWorx, Isadora, Pure Data, Processing, etc.
Esta variedade de programas permite que o VJing se aproxime da programação e
do design digital, por possibilitarem que os artistas gerem visuais sem inputs
externos. O uso de diferentes software criativos e hardware cada vez mais
capacitados e com uma plural de capacidades, a necessidade de experimentação
de efeitos visuais, a filosofia do loop e de pequenos vídeos, fazem com que exista
na construção sensorial de imagens patenteada pelos VJs uma tendência à
abstracção visual das composições. Como resposta a software cada vez mais
potenciais e músicas mais abstractas, as construções de VJing tendem a envolver
em estímulos multi-sensoriais a audiência. As performances visuais são assim, um
aglomerar de ideias e tecnologias que se alinham para interpretarem um ensejo
irrepetível. A diversidade dos conceitos, técnicas e qualidades estéticas é notável,
o que sugere que esta prática não é alicerçada a uma particularidade, mas em vez
disso, surge a partir de uma ampla gama de trajectórias convergentes que estão
dentro de uma forma contemporânea de desempenho baseada na arte média.
No entanto, a mistura ou remixing de vídeo ao vivo procura satisfazer uma sede
de imersão e experiencias de sinestesia entre som e imagem, de forma a criar um
todo que está para além da soma das partes.
O termo VJ agora incorpora realizadores de videoclips, editores, animadores,
designers de software, designers de interactividade, de palco, de luz, entre outros.
As tecnologias desenham as performances e tornam cada vez mais híbridas as
criações visuais. Os VJs têm portanto, convergido para todas as artes visuais onde a
tecnologia está envolvida.
Uma Nova Expressão: O VJing | Caracterização do VJ 29
2.2. CULTURA OU SUBCULTURA?
Uma cultura visual estabelece-se por tendências, conceitos e estilos, perante um
contexto. VJing nem sempre tem sido definido como uma forma de arte devido à
subserviência ao contexto do clube, o que por outro lado é contrastante com a
característica do VJ multifacetado criativamente pela era digital. O cenário do VJ
tem crescido rapidamente mundialmente, contudo, nem sempre valorizado, o
que exige que se desenvolva uma plataforma sólida e edeificante. O objectivo é
que as audiências almejem novas experiências audiovisuais, e que neste contexto
social e espacial se identifique uma cultura. No acto criativo dos VJs a tecnologia
e a digitalização, permitiram ao VJ aceder rapidamente a conteúdos e a ampliar
as suas performances. Do mesmo modo, a era digital permite o acesso a milhares
de imagens com e sem direitos de reprodução e perante isso mostra-se relevante
interpretar como VJing se assume perante estas ambivalências.
2.2.1. IDIOSSINCRASIAS DA CULTURA DIGITAL
A fusão das capacidades de reprodução de realidades externas e a produção de
ambientes sintéticos, juntamente com uma multi-linearidade instantânea de
acesso a arquivos (Random Access) e com a cada vez maior idoneidade de
armazenamento de informação e dados, o computador e consequentemente a
digitalização impulsionam novos formatos, e com isso, novas formas de contar
histórias, mesmo que não sejam necessariamente novos temas. É possível ver
que, em obras criadas com computadores, tudo se move ou se manifesta num
conjunto de algoritmos e de dados. Uma vez que ambos os elementos podem ser
claramente diferenciados, pode-se dizer que o primeiro funciona como um
motor, enquanto o segundo se torna um dos combustíveis. É neste fluxo que a
arte digital se tem desenvolvido exponencialmente.
A presença artística do vídeo prevalece já há algumas décadas, contudo só depois
da década 1990 com a evolução do hardware e do software e sua acessibilidade,
foi possível melhorar experiências em diferentes áreas videográficas, incluindo
VJing. A evolução técnica e a diminuição dos preços alteraram perspectivas para a
arte e para os seus produtores, que começaram a realizar múltiplas possibilidades
criativas. A digitalização foi a viragem decisiva, que permitiu que várias artes
como música, fotografia, vídeo e cinema, fossem misturadas para a produção de
uma única peça de trabalho. Perante esta vertente digital, Couchot [1] discursa
sobre técnicas de figuração numérica e em como conseguem"modificar a arte, no
sentido em que elas são utilizadas para controlar todas as imagens automáticas
[1] Dr. Edmond Couchot (FR)
Artista Digital/ Teórico de
Arte. Interessado na ligação
entre arte e tecnologia e
interactividade.
30 Uma Nova Expressão: O VJing | Cultura ou Subcultura | Idiossincrasias da Cultura Digital
(fotografia, cinema, televisão), porque as mesmas serão transformadas em
figuras que serão então registadas, tratadas, difundidas, conservadas e
manipuladas." (Couchot, Imagem-Máquina: A Era das Tecnologias do Virtual, 1993)
A mudança do analógico para o ambiente digital possibilitou ainda, que os VJs
viajassem de forma mais leve, facilitando e proliferando as performances com
pequenos e poderosos equipamentos. Dessa forma, volumosos equipamentos,
tais como os leitores de vídeo VHS, mesas de mistura vídeo, monitores e
projectores foram substituídos por computadores portáteis e alguns cabos, para
além disso, a maioria dos espaços de VJing (bares e discotecas) já instalaram a
técnica necessária para a configuração visual dos espectáculos (e.g. projectores,
monitores e telas). A digitalização, permitiu assim, compactar ferramentas físicas,
aglomerar dados diversos e facilitou a mistura e recombinação desses mesmos
dados. O que se observa, é que a cultura das imagens em movimento é uma
cultura que está em desenvolvimento e continua a aumentar em tamanho e
alcance. É importante considerar a multiplicidade de formatos de imagens que
estão agora disponíveis nesta sociedade de informação, desde inúmeras imagens
na internet, imagens em PDAs, protectores de ecrã, animações geradas por
computador, renderings OpenGL, filmes, televisão, vídeo não-linear, etc. O que
importa reforçar nesta diversidade de imagens e tipo de imagens, é que colocam
os VJs como Tim Jaeger diz, qualificados como os “hiperindivíduos” do século XXI.
O surgimento do termo “hiperindividuo” foi instituído em numerosos contextos
actuais, mas tem uma ressonância especial para a comunidade das imagens em
movimento. Um “hiperindividuo“ é uma metáfora biológica que funciona como
uma forma de estender o corpo para grandes sistemas, que são cada vez mais
globais. Poder-se-á dizer que um VJ é um “hiperindividuo”porque está interligado
a diversas fontes imagéticas, numa inconstância de impulsos que funcionam
como objectos da sua extensão criativa. “Hiperindivíduos: aqueles com a
capacidade de se adaptar, sobreviver, e manterem-se em ambientes formados
por uma grande quantidade de barulho, mudança e instabilidade.” (Jaegar, Tim; VJ as
a Hiperindividual, 2008)
Para se assumir a cultura VJ como modular e “hiper”, é necessário compreender a
densa rede de comunicações vincada pela cultura digital, sendo ela desenhada
por vários cruzamentos artísticos e políticos das imagens num contexto completo,
desde a produção para consumo, ambientes, comunidades e inerentes contextos.
A produção para o consumo está aliada a diferentes software e hardware, e outro
tipo de dispositivos apelativos para VJing. Como reflexo desta presença
tecnológica, o VJ pode rapidamente criar protótipos de obras de arte utilizando
Uma Nova Expressão: O VJing | Cultura ou Subcultura | Idiossincrasias da Cultura Digital 31
diversos software. Alguns software (e.g. Max/MSP, Resolume) oferecem assim,
rapidez e flexibilidade permitindo uma veloz articulação de conceitos, sequências
de imagens e vídeos, permitindo visualizar o que acontece. Esta ‘prototipagem
rápida’ dos fluxos de informação permite que praticantes e audiência se liguem a
um fluxo de imagens e a ritmos de repetições de presença e ausência de imagens,
reconhecíveis em descontinuidades.
Os ambientes são igualmente modulares em VJing, variando desde ambientes de
projecção, generativos, Web, arte pública, cinema, etc. Os contextos podem ser
colaborativos, modulares, singulares, espaciais, e outros mais. As comunidades,
por sua vez, sucedem desde redes e websites de VJs, clubes, espaços alternativos,
festivais, entre outros. O que encontramos aqui é uma necessidade de articulação
de diferentes factores que caracterizam o “hiper”VJ, que estão confrontados com
a construção conceptual e performativa, desenhada pela cultura digital.
As comunidades de VJing proliferam e propiciam a incitação de uma nova cultura,
a cultura da partilha (share). Um dos principais responsáveis pela diversidade e
difusão de dados é a Internet, que merece ser mencionada aqui, como um meio
imprescindível aos VJs, devido à sua importância para a propagação da cultura
VJing. Na Internet, é possível fazer o download de software, participar em fóruns
de discussão como VJCentral.com e ver e adquirir uma grande variedade de
imagens. Tim Jaegar fala-nos desta nova cultura digital: “Espaço e tempo são
importantes para os praticantes de média ao vivo, mas as novas formas que esta
crescente modularidade e flexibilidade preenchem no esquema das coisas, não é
um esforço para desenvolver um futuro orientado no cosmopolitismo, mas a nova
capacidade electrónica de simular uma paisagem tribal, que faz parte de algumas
das tradições que o homem tribal um dia experimentou […] Nesta mística tradição
tribal que tem sido renascida na forma de batidas em círculos, DJ jam sessions,
raves, festivais e outros eventos, onde as ‘tribos’ temporais formam uma duração
e de seguida se desmantelam naturalmente.” (Tim Jaeger op. cit., 2008)
É nessas “tribos electrónicas”que as pessoas cultivam o seu conteúdo sinestésico.
Estas comunidades são frequentemente auto-organizadas, e permitem a rápida
divulgação da informação, e de ligação (potencialmente) “de todos para todos”.
O benefício destes sistemas é que autorizam a acumulação de mais dados, mais
informação, e através desde amplo recurso, o trabalho do VJ desenha-se cada vez
mais dinâmico. O espaço é aqui uma rede descentralizada que possibilita uma
rápida partilha de ficheiros, como o peer-to-peer (P2P), que é uma forma de
acesso, acelerando-se assim esta descentralizada rede tribal. É precisamente esta
sinestesia que caracteriza a mudança, o movimento relativo ao aumento de redes
e espaços onde todos os sentidos estão sintonizados e activados.
32 Uma Nova Expressão: O VJing | Cultura ou Subcultura | Idiossincrasias da Cultura Digital
Img.17 A Fonte, 1917, Ready-
made de Marcel Duchamp
Hoje em dia é relativamente fácil aceder a ficheiros e partilhar através destas
comunidades que se ampliam, reforçando-se esta “hiper” característica que o VJ
pode ter. A digitalização veio assim, sublinhar o crescimento de plataformas e
aumentar a dinâmica criativa dos artistas média, facilitando o acesso e ampliando
possibilidades de representar imagens nas performances.
2.2.2. PRÁTICAS DE RECOMBINAÇÃO
Os conteúdos imagéticos de VJing podem ser retirados da internet, filmados,
digitalizados, extraídos de filmes e vídeos e usados com ou sem direitos de
reprodução (copyright). "Elas [as imagens] são propriedade universal das redes de
informação interligadas nos tempos modernos." (Mello, Christine, Imagens Vivas,
[consult.2009-05-22])
Nesta extensão corporal, um dos produtos desta sociedade digital é o “ready-
made”, que surgiu com as obras de Marcel Duchamp, o qual se fundamenta no
transporte de um elemento da vida quotidiana, à priori não reconhecido como
artístico, para o campo das artes. Duchamp procurava romper com a artesania da
operação artística, uma vez que se trata da apropriação de algo que já está feito:
escolhia produtos industriais, realizados com finalidade prática e não artística
(e.g. urinol de louça, pá, roda de bicicleta), e os elevava à categoria de obra de
arte. Desta forma, no contexto da cultura digital, a ideia de apropriação de algo
que já está feito marca presença de forma mais ou menos subliminar perante
recentes manifestações artísticas como o VJing. Nesta perspectiva, os produtos
adquiridos podem ou não ser artísticos, mas serão de certo recombinados e
alterados de modo a produzir uma “nova” obra. Na característica de VJing como
performance, essa obra é apenas uma expressão finda em espaço e tempo, onde
as recombinações se produzem de forma pontual.
Existe uma abordagem para se criar a "nova" arte, que começa por empregar
existentes reproduções de outras artes, sejam imagens, sons, filmes ou texto e,
em seguida, recombina os mesmos num hábito, utilizando esse material pré-
existente como a fonte para um novo trabalho. Esta acção tem sido apelidada de
diversas formas como sampling, apropriação, cut-up, mash-up, remix, colagem,
montagem, e cada um desses nomes reporta-se a uma das suas múltiplas
encarnações históricas. Esta remontagem de reproduções é uma característica
das respostas artísticas à emergência da proliferação tecnológica ao longo do
século XX e estende-se a utilizações actuais das tecnologias digitais.
Neste contexto, numa sociedade actual de multi-plataformas, sendo um VJ um
“hiperindivíduo” e dirigido pela “remixologia”, o que encontramos diariamente
Uma Nova Expressão: O VJing | Cultura ou Subcultura | Práticas de Recombinação 33
são trabalhos de diferentes artistas/criativos que são misturados de modo que,
criam novas narrativas, novos contos. Remix é o acto modificar algo, baseia-se na
capacidade de reunir dados numa imagem,sendo esta depois codificada com uma
assinatura pessoal de estilo e efeitos, com o intuito de dar um sentido ou “novo”
sentido a essa montagem. Lucas Bambozzi [1] sublinha que"[…] amostragem, copiar,
colar, transformar ao vivo, têm sofisticado os fenómenos da reprodutibilidade.
Estamos no ready-made e era digital remixing". (Bambozzi, Lucas; A Era do Ready-Made
Digital ; [consult.2009-05-22])
As práticas de recombinação vulgarmente encontradas nos média constituem um
desafio para as convenções tradicionais de autor/espectador. O que é igualmente
marcante sobre o padrão de repetição desta reutilização artística é alegação cada
vez mais estridente de que esta abordagem constitui um "questionamento da
autoria", especialmente evidente nas obras que aparecem no final do século XX
em torno da ideia de "arte de apropriação". Nas artes visuais, a terminologia
apropriação refere-se muitas vezes, à utilização de elementos ‘emprestados’ na
criação de novos trabalhos. Os elementos ‘emprestados’ podem incluir imagens,
formas e estilos da história da arte ou da cultura popular, ou materiais e técnicas
de contextos não artísticos. Desde a década de 1980 que o termo tem-se referido
mais especificamente, ao acto de usar o trabalho de outro artista para criar um
novo trabalho. Neste ponto, o novo trabalho não afecta o original permanecendo
acessível e sem alterações. Em VJing esta apropriação é culturalmente uma
ferramenta de trabalho, traduzindo o VJ como um re-autor performativo.
Michael Betancourt [2] fala sobre novos actos digitais de re-autoria:" *…+é possível
reconhecer que, em vez de impugnar ou criticar as convenções tradicionais de
autor/ espectador, práticas de recombinação servem para reafirmar essas
posições e afirmar um papel autoritário para a fonte original do material.”
(Betancourt,Michael, VJ Wallpaper and Art, 2008)
Estas práticas de apropriação tornaram-se, em regra, banais e não perturbadoras,
já que estas abordagens encontraram êxito no entretenimento popular. Contudo
a recombinação levanta uma “questão de autoria”. Perante este sentido, estas
repetições assumem um duplo carácter: aparecem através da reutilização de
reproduções (o ‘bruto’ material do trabalho), e ao nível conceptual como um
procedimento específico de adopção e remontagem. Estas práticas procuram
sempre atingir um observador, e desta forma o que anuncia ser relativo é como
atingem o interesse do observador, i.e., devem basear-se na forma como o novo
trabalho reconfigura o antigo. Estas práticas convidam a audiência a criticar o
trabalho, incitando que a audiência faça uso do seu ‘passado enciclopédico’
mental perante a “nova” obra.
[1] Lucas Bambozzi: (BR, UK)
vídeo artista/ artista
multimédia /professor. MPhil
Universidade de Plymouth,
Inglaterra. Trabalha com
vídeo, cinema, instalação e
médias interactivas, com
exibições em mostras em
mais de 40 países. Dedica-se
à exploração crítica de novos
formatos de média
independente.
[2] Michael Betancourt (US)
teorista /critico/ historiador
de arte/ artista
multidisciplinar. Ph.D
Interdisciplinary Studies,
University of Miami. Possui
vários livros editados sobre
Visual Music.
34 Uma Nova Expressão: O VJing | Cultura ou Subcultura | Práticas de Recombinação
Para melhor compreender esta noção, Umberto Eco fala-nos das “variações ao
infinito”: “ *…+ A variabilidade ao infinito tem todas as características de
repetição, e muito pouco de inovação. Mas é o ‘infinito’ do processo que dá um
novo sentido para o dispositivo de variação. O que deve ser desfrutado, sugere a
estética pós-moderna, é o facto de que uma série de possíveis variações é
potencialmente infinita.” (Eco, The Limits of Interpretation, cap.5 Varions to Infinity, 1994)
Eco assume assim, que qualquer repetição é consagrada por uma conotação de
grandiosidade pelo seu poder de infinitude, inerentemente entrelaçada com
novos sentidos. Eco conclui ainda que: “ *…+ O que se torna célebre aqui é uma
espécie de vitória da vida sobre arte, com o resultado paradoxal de que a era da
electrónica, em vez de enfatizar os fenómenos de choque, interrupção, novidade,
e a frustração das expectativas, pode produzir um retorno para a continuidade, o
Cíclico, o Periódico e Regular.” (Eco, op.cit., cap.5, 1994)
Sendo assim, estas repetições, em vez de perturbarem concepções de autoria,
originalidade, e outros valores, servem como um meio de afirmação desses
valores através do princípio da "variação". Com a mudança para a "variabilidade",
quanto mais explícita a conotação, mais o público pode esperar reconhecê-la e,
portanto, mais directamente se desempenha a nova instância contra o original.
As variações impostas pelo artista tornaram-se o foco crítico em relação à obra
original. Em vez de eliminar a autoria, ou mesmo criticar, o trabalho de remix /
apropriação enfatiza o papel do autor, e são justamente as diferenças (se
existirem) que são relevantes: “o papel do artista como autor não é minimizada
aqui, é maximizada. O artista restabelece posições tradicionais para ambos
artista e espectador: o artista domina, transformando um trabalho existente em
algo ‘novo’. “ (Betancourt,Michael op. cit., 2008)
Dessa forma, o trabalho tradicional estabelecido que está a ser objecto de
transformações é elevado em estatuto, e a apropriação do artista serve para
redefinir esse estatuto, enquanto os espectadores, cientes da convencional
variabilidade no centro da apropriação, reconhecem nas acções do artista uma
afirmação de uma posição dominante autoral sobre a obra original, bem como,
paradoxalmente, uma subserviência a esse trabalho.
Esta recombinação de imagens é uma das vertentes que costuma vincar os
trabalhos de VJing. Certo é que, para alguns VJs usar material apropriado pode
ter uma conotação política, quando falamos da sociedade de excessos. O que
encontramos hoje em dia é um exagero de diversificação, o que impulsiona a
reutilização do que está feito, em vez de se criar algo de origem. Neste sentido,
ao assumirmos esta sociedade de partilha e de recombinação, os direitos de
reprodução (copyright) continuam a vincar-se, embora distantes das barreiras
Uma Nova Expressão: O VJing | Cultura ou Subcultura | Práticas de Recombinação 35
que procuram assumir. A barreira existente entre adquirir imagens e fazer uso de
imagens já existentes, é clara para alguns VJs. Nesta comunidade existem duas
perspectivas distintas. Para uns, usar trabalhos realizados por outros VJs é como
tirar algo que já foi mostrado numa performance ao vivo. Mas algo diferente é
por exemplo, apresentar excertos de um filme na performance, sabendo que
todos os que o contemplam, compreendem que os VJs ao usarem essas imagens
não estão a assumir que realizaram esse filme, mas sim, que apenas se estão a
expressar através dele. E esta é a fronteira entre adquirir algo e desenhar algo
inspirado no original. Por outro lado, alguns VJs não se vincam à propriedade dos
seus trabalhos, sendo cada vez mais frequente, que VJs coloquem o seu próprio
material na Internet para que outros possam fazer uso.
Para tal existe uma organização não lucrativa que permite expandir a quantidade
de obras disponibilizadas livremente e estimular a criação de novas obras com
base nas originais, recorrendo a um conjunto de licenças padrão que garantem a
protecção e liberdade. Estas denominam-se por Licenças Creative Commons –
com alguns direitos reservados. As Licenças Creative Commons situam-se entre os
direitos de autor (todos os direitos reservados) e o domínio público (nenhum
direito reservado). Têm âmbito mundial, são perpétuas e gratuitas. Através das
Licenças Creative Commons, o autor de uma obra define as condições sob as
quais essa obra é partilhada, de forma proactiva e construtiva, com terceiros,
sendo que todas as licenças requerem que seja dado crédito ao autor da obra, da
forma por ele especificada. Posto isso, alguns VJs recorrem a estas licenças para
partilharem os seus visuais pois assumem que tal pode ser uma forma publicitária
a si próprio, e a uma incitação ao aumento das comunidades de VJing. É certo
que, usar material existente acaba por ser significativo, pois é um requisito para
reutilização.
Copyright é portanto, uma ideia não muito exaltada em VJing, pois o seu papel é
a de misturar imagens, além disso as comunidades divulgam e partilham, e as
imagens adquiridas, são em género, modificadas e alteradas, arquitectando-se
diferenças perante a original. Contudo, em paralelo, as leis de copyright tendem a
ser mais restritas, o que faz com que este tipo de arte apropriada se torne mais
difícil e ilegal. Certo é, que nesta sociedade de informação estigmatizada pelas
extensões tecnológicas, a internet por exemplo, tornou-se o lugar mais vasto e
desorganizado de informação, sendo que, plataformas como e.g. o youtube,
proliferam a possibilidade de aquisição de vídeos, complicando ainda mais a
possibilidade de controlar este tipo de recombinações. Em regra, este vínculo
legal é controverso, contudo estamos na era das reproduções onde podemos
Img.18 Creative Commons icones
36 Uma Nova Expressão: O VJing | Cultura ou Subcultura | Práticas de Recombinação
[1] Critical Art Ensemble (US)
fundado em 1987, é um
colectivo de 5 artistas
galardoados, dedicados à
exploração das intersecções
entre arte, tecnologia,
politicas radicais e teoria
crítica. Trabalham com
computer graphics, Web
design, vídeo, fotografia, text
art, book art e performance.
encontrar “variações ao infinito” como Umberto Eco refere. Este é o reflexo do
homem digital que desenvolveu coisas demasiado amplas para poder controlar.
O colectivo Critical Art Ensemble[1] acredita que "pode verificar-se que hoje plagiar
é aceitável, e até mesmo inevitável, no contexto da existência pós-moderna, com
a sua estrutura tecnológica". Eles sublinham, "um dos principais objectivos do
plágio é restaurar o fluxo instável e dinâmica dos sentidos, tirando fragmentos da
cultura e recombinando-os." (Ensemble 2001, cit. por Tordino, Daniela op. cit., 2007).
Nos nossos dias, é fácil aceder a ferramentas de vídeo e adquirir imagens, mas a
verdade é que, nesta controvérsia dos direitos de reprodução, experimentações
com imagens, quer sejam próprias ou adquiridas, é com o que os VJs geralmente
se ocupam. Existem alguns VJs que apenas misturam fragmentos de materiais
existentes, mas estes seleccionam e combinam imagens de forma a criarem uma
nova e apelativa coerência. Mas no fim, critérios de qualidade para os VJs estão
acoplados na arte de criarem imagens próprias, originais e em misturá-las.
Somente copiar imagens de diferentes fontes não costuma ser satisfatório para a
comunidade VJing. VJs que criam o seu próprio material são assim, geralmente
considerados. Mas certo é, que o importante em VJing é poder oferecer à
audiência uma experiência de algo novo, apelativo e satisfatório.
2.2.3. CONTEXTUALIZAÇÃO NO AMBIENTE: O CLUBE
A par da conceptualidade e irreverências da era digital em VJing, está a sua
contextualização espacial. A associação ao espaço tem se mostrado controversa
quando se considera VJing como uma prática artística. Ziv Lazar fala-nos de duas
culturas diferentes para VJing: a cultura dos clubes e a cultura de arte. A distinção
entre estas duas baseia-se irremediavelmente pela distinção dos espaços da
performance, uma para o bar ou discoteca e outra exterior às condicionantes dos
clubes, evidenciando outro tipo de performance. Na cultura do clube, o VJ está
directamente condicionado pelo som do DJ ou banda. O que se tem notado,
porém, é a crescente evolução do Vídeo Jockeying para fora do cenário do clube,
abrangendo outras disciplinas artísticas como a vídeo arte, arte performativa e
interactiva. Mas é ao clube, bar ou discoteca ao qual se associa frequentemente a
prática de VJing. Contudo, as filosofias destes espaços de entretenimento
parecem chocar ou pelo menos questionar a invocação de novas formas de acção
artística, ou de linguagens de expressão perante a ambiguidade que o clube como
contexto pode oferecer. Na cultura do clube, o papel do VJ é muito similar ao do
DJ num sentido em que ambos se envolvem numa performance ao vivo: o DJ
Uma Nova Expressão: O VJing | Cultura ou Subcultura | Contextualização no Ambiente: O Clube 37
mistura musica e o VJ projecta visuais. As culturas dos clubes são caracterizadas
por oferecerem diferentes estilos musicais para diferentes tipos de cultura. Neste
ponto, o DJ é visto como o representante óptimo destas sonoridades, enquanto
que, o VJ é identificado pela simples função estética. O VJ como estereótipo é um
performer ao vivo que trabalha lado a lado com o DJ, misturando visuais ao ritmo
da música. Todavia, o VJing evoluiu patenteado, em norma, por uma presença
secundária, sendo possuidor de um potencial artístico que nem sempre é
valorizado. Isto acontece pelo contexto do clube, já que as pessoas são atraídas
para estes espaços para dançar e alienar-se, e não, numa primeira instância, para
ver arte ou prestar atenção à estética dos vídeos. Sendo assim, como validar
conceptualmente VJing perante este contexto?
Considerando a evolução de VJing nestes espaços, Ziv Lazar acrescenta que os VJs
“estavam a mostrar os seus trabalhos para as massas com pouco ou nenhum
criticismo artístico e por fazerem isso, eles organizaram naturalmente o
desenvolvimento de uma subcultura.” (Lazar, op. cit., 2008).
Em sociologia, antropologia e estudos culturais, uma subcultura é um grupo de
pessoas com características distintas, com comportamentos e convicções que os
diferenciam de uma cultura mais ampla da qual fazem parte. Por outras palavras,
são pequenos grupos ou uma cultura não totalmente desenvolvida, que cultivam
ideias similares relacionadas com um determinado factor. De acordo com Sarah
Thornton [1] "a palavra 'subcultura' [é] um sinónimo para as práticas que os
clubbers chamam de 'underground'. (Thornton, S., Club Cultures. Music, Media and
Subcultural Capital, 1996) Para completar, Hebdige [2] declara que uma subcultura tem
de ser identificada pelo seu próprio estilo e Ziv Lazar fala-nos da tecnologia como
um estilo: “Se temos de aceitar a alegação de Hebdige de que o estilo é o que
define uma subcultura, em seguida, usando a tecnologia como um estilo, o VJ está
a reivindicar a sua singularidade como uma subcultura. […] Ao utilizar a
tecnologia como um estilo do VJ, está-se a "vender" a cultura do clube para fins
de comercialização, originando assim em si uma pseudo subcultura.” (Lazar, op. cit.,
2008)
Para Ziv Lazar, VJing tem um potencial comercial e isso está irremediavelmente
ligado à tecnologia e à inserção de publicidade nos vídeos, mas para um artista VJ
faz mais sentido concentrar-se em criar um conteúdo que a audiência aprovará
em vez dos poderes comerciais que o VJing pode ter. Por outro lado Ziv Lazar
contrapõe, “a tecnologia não pode ser um estilo e o resultado é que o VJ não
definiu o seu estilo correctamente, e de acordo com Hebdige, não pode ser uma
subcultura.”
[1] Sarah Thornton (US, UK)
escritora / sociologista da
cultura. Os seus trabalhos
recentes são sobre clubes,
raves, hierarquias culturais e
subculturas na arte e no
mercado da arte.
[2] Dick Hebdige (UK) teorista
dos média/ sociologista.
M.A., Centre for
Contemporary Cultural
Studies de Birmingham,
United Kingdom. Centra-se
no estudo das subculturas.
38 Uma Nova Expressão: O VJing | Cultura ou Subcultura | Contextualização no Ambiente: O Clube
A verdade é que “As culturas dos clubes comemoram tecnologias [...] e levam à
formação de novas estéticas e juízos de valor.” (Thornton, op. cit., p. 4) Mas, "Em vez
de festejar a convergência da tecnologia [...] devemos utilizar novos meios
tecnológicos como uma oportunidade para questionar os nossos conceitos e
modelos aceites em crítica." (Manovich, “The Language of New Media, 2001, p. 291) Através
destas opiniões, é perceptível que, é muitas vezes na falta de acesso a tecnologia
que surgem os trabalhos mais interessantes, pois a carência de tecnologia pode
ajudar na focalização e na construção de um processo criativo.
De qualquer forma considerar VJing como uma subcultura é uma controvérsia.
Certo é, que ao longo das últimas décadas os VJs querem vincar-se como artistas,
como criativos visuais, e enaltecer VJing como uma cultura. Esta necessidade é
uma exigência natural, visto que preparam performances cada vez complexas e
visualmente estimulantes. Mas para isso é indispensável compreender o valor do
VJ perante estes contextos. Um dos factores de contraste com outros tipos de
arte, é reconhecer que os VJs inventaram o espaço artístico em vez de se
converterem a uma galeria. Nos clubes, os VJs tem a oportunidade de fazer
chegar arte a diferentes pessoas, fora do contexto inerente das galerias. Além do
mais, os visuais, em regra, funcionam bem com o cenário de clube. O conteúdo
torna-se o centro do trabalho do VJ, e oferecer a estes espaços um ambiente de
estilo cinematográfico, é visto como um resultado satisfatório. O factor efémero
e único das performances, aliado à capacidade de estimular e conduzir uma
audiência com imagens, criando experiencias de sinergia e transmitir mensagens
para além de sensações, é um dos potenciais de VJing. É uma forma de expressão
poderosa, por permitir imersividade e proporcionar momentos gratificantes, quer
para o artista, pelo seu poder reaccionário, quer para audiência, pela experiência.
Os VJs abraçam a tecnologia e usam-na para se infiltrarem em novas práticas,
novos conceitos e novas ideologias. A tecnologia tornou-se o fio condutor por
detrás do Vídeo Jockeying pela necessidade de se explorarem novos métodos da
criatividade visual, o que fez com que o VJing se difundisse para outras disciplinas
artísticas encontrando pontos de convergência com outras culturas. Por outro
lado, ao se desvincular um pouco da tecnologia, pode-se assim oferecer uma
abertura para novos estigmas de performance, induzindo-se encontros entre a
imagem e mensagens, tal como uma obra artística. A necessidade premeia-se
então, em procurar alternativas estéticas e conceptuais, na criação de formas de
apresentação de VJing.
Uma Nova Expressão: O VJing | Cultura ou Subcultura | Contextualização no Ambiente: O Clube 39
40
VJING |3. DESCONSTRUÇÃO E ANÁLISE QUALITATIVA
Ao longo das últimas década as experiências em VJing têm proliferado, existindo
actualmente uma vasta dimensão de obras singulares. VJing é um acontecimento
efémero, que não se repete na sua integridade. Por tal, as sintaxes visuais devem
saber obedecer a esta variável mutável e orquestrarem-se com legitimidade no
espaço e na experiência. O que se demanda actualmente é um argumento que
assuma criticamente esta forma de expressão numa possibilidade ideológica.
Assumir VJing como arte e como parte integrante de uma cultura, deve atender a
um procedimento de consciencialização das suas potências e numa reformulação
do seu papel fruitivo na cultura audiovisual. Desconstruir esta actividade e
qualitativamente valida-la, adopta-se como uma tarefa necessária para a
compreensão da sua complexidade construtiva, pois é edificada em algo que
aparentemente parece menor do que o que na sua verdadeira acepção o é. VJing
é um complexo organismo que se delineia por uma vasta área de domínios, dos
quais se podem destacar os musicais, os conceptuais, os espaciais, e os
performativos possuindo intrinsecamente um conjunto de considerações sobre
ciência, tecnologia, psicologia, sociologia, filosofia, teoria da arte e teoria da
comunicação, que o englobam num intricado mundo de possibilidades. O que se
procura consagrar é a compreensão de que a arquitectação de distintas variáveis
Desconstrução e Análise Qualitativa 41
em Vídeo Jockeying, possibilita a configuração de dissemelhantes propósitos e
sucessos performativos. Inclusive os praticantes de VJing estão a despegar-se de
questões ligadas a aspectos práticos da produção, e a interessarem-se por ideias
mais complexas de como e porque um determinado processo, por exemplo, se
reveste de significado para o espectador.
A cultura electrónica, presenteada por um carácter dinâmico oferece múltiplas
possibilidades criativas, pela facilidade de acesso a dados e pela aglutinação de
diferentes áreas criativas e tecnológicas como design, música, programação,
engenharia, etc. Esta multidisciplinaridade amplia as possibilidades de criação,
mas nem todos os VJs assumem estes recursos, pelo contrário, existe ainda um
longo caminho a exercer sobre o papel do VJ na cultura visual. Nick Currie [1] cita
VJ Ambrose White, que descreve dois erros comummente realizados por alguns
VJs: “Primeiro, eles baseiam-se num base de dados de imagens muito pequena, o
que faz com que loops familiares apareçam constantemente sem permitir um
progresso na experiência. Segundo, eles falham na criação de uma narrativa
coerente, com sentido e razão. Em VJing pode-se despender horas alterando e
alienando o espaço do palco. Isto pode ser divertido de produzir, mas para a
audiência é geralmente um insucesso […] A possibilidade de sucesso para os VJs é
a de produzirem algo fantástico, coerente e relevante.” (Currie, Nick; VJ Culture: Design
Takes Center Stage, 2005, p.5)
Como o VJ Ambrose White refere, existe uma indispensabilidade de se encontrar
um ponto de coerência e relevância nas construções visuais, e para tal é essencial
um processo de consciencialização sobre as potencialidades de VJing. O espaço
da experiência, as imagens em correspondência com os sons e o tecnicismo na
materialidade produtiva dos visuais, garantem ao trabalho dos VJs características
que indagam a sua exploração. Existem, porém alguns artistas performativos que
exploram as potencialidades da imagem de forma quase extrema, consagrando
diferentes obras, complexas e singulares. Mas será que existe uma ideologia
nesta cultura apelidada de “underground”?
Ideologia é um termo inventado por Destutt de Tracy, em 1796 em Project
d’Élements d’Idéologie, querendo significar ciência das ideias, o estudo
sistemático, crítico e erapêutico dos fundamentos das ideias. Genericamente,
erige-se num conjunto de ideias, pensamentos, objectivos, doutrinas e visões
particulares de uma temática por um indivíduo ou de um grupo encaminhado
para as suas acções sociais, sendo o seu principal objectivo o impulsionar de uma
mudança social, i.e., a ideologia é um sistema de ideias conexas com a acção,
exigindo uma estratégia para a actuação.
Os pensamentos ideológicos constroem-se por pensamentos abstractos, fala-se
[1] Nick Currie (UK) nome
artístico Momus. Autor/
Compositor/ Jornalista/
www.imomus.com
42 Desconstrução e Análise Qualitativa
[1] Patricia Moran (BR)
Artista de vídeo experimental/
professora. Ph.D. Comunicação e
Semiótica, Universidade S. Paulo.
Esvolvida no estudo chamado “A
metáfora dos Sentidos” na
poética do VJ.
da realidade sobre um leve fundamento factual, pois prevalece a subjectividade,
onde as ideias são construídas, no caso de VJing, por um grupo. A comunidade
dos VJs tem uma estrutura híbrida, na qual subsiste uma divergência de
perspectivas práticas e teóricas, que torna complexa a caracterização da função
do VJ. Para alguns, o Vídeo Jockeying é apenas um momento de entretenimento,
uma circunstância agradável que se constrói com imagens para complementar o
espaço. Para outros, VJing é uma forma artística com fundamento crítico e um
complexo trabalho técnico e criativo. Dada esta ambivalente perspectiva, não
existe uma linearidade ideológica nestas comunidades, mas existe por parte de
alguns criativos e teóricos, a vontade de se elevar esta prática para um patamar
onde exista reconhecimento das suas idoneidades.
Posto isto, tomar consciência de domínios e idealizar conceitos apresenta-se
necessário para um possível progresso nas práticas de VJing. Primeiramente é
necessário compreender como se constitui VJing para posteriormente ser
desconstruído e analisado. VJing é um acontecimento ao vivo, que compreende
uma acção num espaço perante uma audiência, envolve-se com a música e
constrói-se em tempo-real, baseando-se em estímulos e sensações. Patricia
Moran [1] fala-nos da existência de pactos: “O mergulho [imersão] num livro de
ficção, num filme, numa exposição, num videojogo ou num trabalho de arte
interactivo pressupõe alguns pactos. Alguns priorizam aspectos ilusionistas,
outros a manipulação física e intelectual, outros um jogo ligado mais estritamente
à compreensão.” (Moran, Patricia; VJ Scene: Spaces With Audiovisual Score , 2009)
Esta noção de pactos assume-se como um conjunto de limites contextuais e
objectivos que impulsionam a uma aceitação subentendida dessa execução por
parte de um indivíduo. Como exemplo, VJing difere do pacto/situação do cinema.
“Situação do cinema” é o termo definido por Hugo Mauerhofer em 1983 em A
Psicologia da Experiência Cinematográfica. Este termo, procura resolver a
visualização especial do regime do cinema, determinado como o mais completo
isolamento do mundo exterior e das suas fontes de perturbações cognitivas,
captando a atenção da plateia e orientando-a para o filme.
Em VJing o espaço da performance visual é configurado através da promoção da
dispersão cognitiva. Ao negociarem com estas condições, as performances
audiovisual ao vivo estabelecem um regime de visualização que é praticamente o
contrário da “situação do cinema”negando a sua evolução histórica e valorizando
a construção inicial do cinema. Posto isto, o processamento em tempo-real das
performances visuais parece estar directamente oposto à dinâmica convencional
das imagens em movimento: o cinema. Enquanto em performances audiovisuais
Desconstrução e Análise Qualitativa 43
ao vivo a imagem transforma-se no mesmo momento em que é criada, no cinema
a imagem (o filme) é gerado meses antes da sua instanciação, (durante a
projecção ), num processo complexo que vai desde guião à pós-produção, e pode
levar anos para ser concluído.
Contudo, por uma perspectiva prática, a diferença entre ambas as situações é
subtil. Projecções de filmes não são uma operação automática, mas um esforço
activo que exige grande conhecimento técnico pelo operador. Envolve mudança
de reels dos filmes, ajustar o áudio, monitorizar e corrigir as conjunturas da
imagem. O projeccionista, tal como o VJ, opera em tempo-real para transmitir a
mensagem. Num certo sentido, ele próprio é igualmente um performer, embora
com caris negativo: ele deve prevenir que o filme não perca coerência durante a
exibição. O VJ, por outro lado, apropria-se de uma performance positiva: ele cria
coerência através de particulares samples visuais.
Compreendendo esta diferença de pactos que VJing possui face a diferentes
formas expressivas que a ele parecem análogas e assumindo a compreensão das
directrizes que o constituem para se poder proceder a uma evolução crítica e
construtiva desta actividade, analisam-se nas páginas a seguir uma perspectiva
pelas variáveis correlatas que compõe VJing e o potenciam, nomeadamente VJing
e música, VJing e conceptualidade, VJing espaço e VJing performance.
3.1. VJING E MÚSICA
No contexto de VJing, as imagens e a música articulam-se no espaço da
experiência. As construções performativas visuais possuem intrinsecamente um
valor musical, i.e., assumem correspondências com a música, através da qual
originam a experiência total audiovisual. Ao se desconstruir a prática do VJ, é
imprescindível considerar a possibilidade de pensar a imagem em convergência
com o som. As sequências imagéticas são construídas para uma experiência
efémera e envolvem-se em ritmos electrizantes, em ostracizadas narrativas,
complementando assim, a filosofia experiencial dos clubes. No espaço articulado
audiovisualmente, “o som, os seus contextos espaciais e elementos visuais
tornam-se num só, criando um espaço multi-sensorial.” (Minard, Robin; Resonances:
Aspects of Sound Art, 2002) O objectivo de VJing é criar um outro ambiente, através da
recriação do espaço onde ele actua, sendo este espaço enredado pela mística dos
visuais.
As músicas dos clubes são cada vez mais abstractas, desenhadas por impulsos de
dança por parte da audiência. Os visuais, por sua vez, devem obedecer a esses
44 Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Música
rítmos constantes, procurando impelir a experiência pulsante, orquestrando
coerência com o ambiente. De facto, "a audiência olha para espaços multimédia,
numa mistura de música, imagens e socialização." (Emmerson, 2001, cit. por Daniela
Tordino op.cit., 2007) Pensar em imagem e som, erigidos em separado e aglutinados
posteriormente num momento performativo, é pensar numa probabilidade
sinestésica. A entropia dos sentidos constrói-se em momentos congeminados em
tempo, pelas linguagens auditiva e visual, nos sucessivos encontros entre elas.
Falar de música, é compreender o princípio do som nas suas propriedades físicas
e semânticas, e é compreender igualmente, neste contexto visual, os graus de
proximidade com a imagem construída e manipulada em tempo real. A verdade é
que, em VJing existe uma proximidade formal entre ambos, já que se encara com
musicalidade a evolução das formas visuais no tempo. Musicalidade é assumir
ritmos, vibrações, tons, harmonias, construir sentidos figurados, melodias visuais,
i.e., é possível ‘ver’ a música. Este reequilíbrio constante performativo está
iminentemente ligado a noções de ritmo, tempo e sincronismo. Nestes ambientes
onde a prioridade é multissensorial, as imagens assumem-se com ‘sonoridades’.
"Uma vez que só existe no tempo, incluindo o tempo real e presente, a imagem
electrónica é pura duração, pura dromosphere, velocidade de inscrição,
mantendo-se, portanto, uma forte relação com a música, pela própria estética da
duração, do que com o as artes plásticas ou visuais." (Machado, Arlindo; Máquina e
Imaginário: o Desafio das Poéticas Tecnológicas, 1996, p. 55) Tomando a abordagem de que o
timing é o factor determinante para essa conexão, é preciso reforçar que "a vida
das imagens é directamente determinada pela duração das imagens, os seus
ritmos, frequências, as lacunas e outros sintagmas da linguagem musical."
(Domingues, Diana 1993; cit. por Daniela Tordino op. cit. 2007) Esta relação permanente entre
imagem e música estrutura e valida a performance visual, mas para melhor se
compreender estas convergências e possibilidades sinestésicas, é importante
reconhecer-se os conceitos de imagem e do som nas suas dinâmicas formas
construtivas.
3.1.1. A IMAGEM
Vivemos numa sociedade onde a informação e a cultura têm um tratamento
predominantemente visual. A comunicação contemporânea assenta numa
panóplia de imagens com características distintas, cujo crescimento desenfreado
dos meios de comunicação coloca em realce um carácter de imediatismo, de
aparente reflexo contemplativo e de duplicação da realidade. Em VJing, a imagem
é o centro criativo. É através dela que se expressam ideias e estímulos para uma
Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Música | A Imagem 45
audiência. Nesta civilização da imagem, subsiste uma duplicidade presente numa
inflação icónica que assenta na redundância, e por outro lado numa ocultação,
distorção ou manipulação de certas imagens, de tal forma que, estas em vez de
serem um meio para descortinar a realidade, ocultam-na. A imagética das
performances visuais, assume tal-qualmente essa dupla existência da sociedade
dos média, embora num contexto muito próprio. A redundância e a manipulação
são integralmente acedidas quando se fala em experiência efémera e de sintaxe
não linear na construção performativa dos VJs. Não existe um realce óbvio a um
conteúdo, mas existe um reforço da presença desse conteúdo, através do qual se
desconstrói a realidade por fragmentos e se mascara essa existência por
princípios estéticos, i.e., por efeitos visuais.
Quando se fala em imagem como parte integrante de um sistema cultural, está-
se a reportar a imagens estáticas e dinâmicas produzidas intencionalmente. Para
melhor se compreender este predomínio visual, é imprescindível falar-se sobre a
sua fenomenologia originária, ou seja, a luz e o processo da visão.
A luz na forma como a conhecemos é uma gama de comprimentos de onda a que
olho humano é sensível. Trata-se de uma radiação electromagnética pulsante, i.e.
corresponde a qualquer radiação electromagnética que se compreende entre as
radiações infravermelhas e as radiações ultravioletas, exibindo simultaneamente
propriedades de ondas e partículas. Isaac Newton (1643-1727) foi dos principais
teóricos e cientistas a demonstrar de forma clara e precisa, que a luz branca é
formada por uma banda de cores (vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e
violeta) que podiam separar-se por meio de um prisma, estudando igualmente os
seus fenómenos de refracção, reflexão e dispersão. O fenómeno da luz, implica a
existência da visão, e com base nas propostas realizadas por Imbert (1983), Henry
(1983) e Blackmore (1973), o processo de visão centra-se na interacção entre o
conjunto das superfícies físicas e o seu comportamento na absorção ou reenvio
da energia luminosa, e na captação pelo olho humano, da luz que chega dos
objectos que se encontram no campo visual. O olho humano (córnea, cristalino,
íris e pupila, humor aquoso e vítreo, retina) constitui um canal fisiológico e é o
meio natural de passagem entre a emissão de uma mensagem e sua sensação
resultante. A imagem, em si, é o resultado de um estímulo luminoso que afecta
os nossos os olhos. Aquilo que vemos, é na realidade, uma imagem formada no
cérebro a partir deste estímulo, sendo portanto o órgão cerebral, o responsável
pela interpretação do estímulo do qual temos consciência. Embora limitada a
percepção visual, esta é uma percepção vibratória, tal como o som, e faz parte do
mesmo paradigma. Assim, a percepção de formas e cores está profundamente
associada à luz. Em termos físicos, a forma mais simples de definir esta instância é
Img.19 Prisma Óptico
46 Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Música | A Imagem
considerar a unidade de frequência, o Hertz (ciclos por segundo). A luz é medida
por esta unidade, e o número de vibrações da onda luminosa por segundo
determina a tonalidade da luz, ou seja, a sua cor. Por sua vez, a amplitude da
onda determina a intensidade dessa mesma luz.
Em todo o acto perceptivo está assim implícito, um sujeito com a capacidade de
percepção enquanto Ser histórico e cultural. A teoria da percepção enfrenta
portanto,uma problemática de condicionalismos culturais. Estes condicionalismos
culturais estabelecem normas associativas aos produtos visuais e formatam
determinadas construções visuais. Umberto Eco, em 1984 na sua publicação
Semiótica e Filosofia da Linguagem mostrou como a percepção do espectro
cromático está baseado em princípios simbólicos, ou seja culturais. Para Eco a
percepção situa-se entre a categorização semiótica e a descriminação baseada
em processos sensoriais. O Ser Humano tem grande capacidade para descriminar
as cores mas grande dificuldade em categorizar as fronteiras entre as mesmas.
Para se resolver esta discrepância e torná-la operativa, cada cultura adequa a
valorização do espectro cromático às necessidades da vida prática que assentam
em princípios culturais simbólicos.
A partir do momento em que se entende a percepção como um processo activo,
próprio ao ser humano, não se pode deixar de parte a relação existente entre
estruturas cognitivas e o espaço onde estas actuam. No contexto das artes é
necessário pensar em imagem estética, a qual se apresenta ao espectador e que
sem dúvida possui instâncias sensíveis muito mais abrangentes que o simples
estímulo visual. Quando observamos um produto estético, o estímulo visual é na
verdade uma pequena parte de um processo, uma fonte de conhecimento que
pertence a uma enorme e intrínseca ‘rede’ de informações e cujas relações se
estabelecem mentalmente no espectador. Neste caso, em VJing, existe uma
presença estética bastante vincada e nesse jogo frenético de imagens, propõem-
se sensações ao espectador, i.e., a imagem funciona com um pendor sensorial
mais do que um simples processo de visualização. Em VJing, o sentido cultural e
artístico estão vagamente determinados, de qualquer forma, as construções
visuais desenvolvem-se perante condicionantes do próprio meio, formatando a
imagem em movimento para uma não linearidade e para uma presença estética e
espacial. A forma de percepção da audiência é assim determinada por encontros
casuais e não por um olhar fixo imersivo na imagem como acontece, por
exemplo, com o cinema.
A interpretação da realidade é sempre modificada por quem a cria, pela técnica e
pelo ponto de vista do observador. Falar em imagem, em particular da imagem
Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Música | A Imagem 47
estética, é considerar um amplo número de possibilidades representativas e
criativas. As imagens podem representar coisas que existem na realidade como
outras que nunca tiveram entidade total. Há imagens no entanto que detêm um
significado óbvio e único, que não oferecem ao espectador outras possibilidades
de leitura do que aparece representado. Estas imagens denominam-se por
monosémicas. O que acontece, normalmente, é que recorre-se a imagens
polissémicas pensadas previamente, que proporcionam diferentes interpretações
de acordo com o grupo social que as recebe. Por sua vez, o poder evocativo de
uma imagem não é o mesmo para todos, em linha de conta estão experiências e
contextos próprios a cada pessoa, incluindo as condicionantes culturais, fazendo
que cada uma delas receba essa imagem de forma diferente.
Na sociedade cultural, a imagem criada condiciona a percepção da realidade
possuindo intricadamente qualidades próprias definidas num acto conceptual.
Falar de imagem estética implica assumir sensações e emoções, que se podem
potenciar pelo vínculo com o som, erigindo sinergias.
3.1.2. O SOM
Na sociedade moderna, os produtos originados sonoramente pela realidade
tecnológica e digital proliferam constantemente. Quando se considera o contexto
de entretenimento, em particular os clubes e eventos análogos, é praticamente
inexequível não se cogitar na presença sonora. A cultura dos clubes em específico
cria essa aura mística devido ao tipo de sonoridade abstracta e energética que
oferece ao público. Estes novos sons tecnológicos possuem uma particularidade
relevante na estrutura da performance em VJing. É cada vez mais frequente que
os músicos produzam a sua música a partir da digitalização, amostragem e da
reordenação de sons, algumas vezes trechos inteiros, previamente obtidos do
stock das gravações existentes. Em geral, a presença predominante é a da música
electrónica, que é toda a música criada através do uso de equipamentos e instru-
mentos electrónicos como sintetizadores, gravadores digitais, computadores,
software de composição. Recentemente, a popularidade crescente da música
electrónica, levou um renascimento da Musica Concreta.
Nos ambientes sonoros dos clubes, predomina porém a música electrónica. A
música electrónica é toda música que é criada ou modificada através do uso de
equipamentos e instrumentos electrónicos, tais como sintetizadores, gravadores
digitais, computadores ou software de composição. Perscrutando neste sentido,
Marco Costa em Electrosonoro, Electrovisual: Contributo Para o Estudo e
Compreensão do Ambiente Audiovisual Em Aplicações Reactivas (2007) fala de
48 Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Música | O Som
um certo tipo de música electrónica que se constrói por um fractal sonoro,
seguindo os princípios da retroalimentação, auto-organização e auto
similiaridade. Este tipo de música electrónica é aqui relevante, já que os seus
princípios, possuem de certo modo valores similares ao que acontece com os
fractals de VJing, i.e., os loops.
Neste tipo de composição musical electrónica, a retroalimentação consiste no
princípio de que cada música final é usada como matéria-prima para a
composição das próximas, pois a gravação deixou de ser o principal fim ou
referência musical. A auto-organização vem da ideia de que não existe um
‘músico’ que faz a composição na íntegra, mas sim um colectivo de pessoas que
se alimenta do stock musical existente. Cada um é ao mesmo tempo produtor,
transformador, autor, intérprete e ouvinte num circuito instável e auto-
organizado de criação cooperativa. Por fim, a auto-similaridade baseia-se na não
existência de uma ‘música final’, mas sim referências intermediárias num fluxo
contínuo em circulação na vasta rede ‘tecno-social’. Essa matéria é misturada,
organizada, transformada e depois materializada na forma de uma peça nova no
fluxo de música digital em circulação. Com esta dinâmica da música electrónica,
surgem diversos géneros musicais como Techno, House, Trance, Acid, Drum ‘n’
bass que constituem as sonoridades vibrantes da actualidade. Posto isto, o som,
tal como o vídeo, é uma forma expressiva que recria um ambiente e apela às
sensações. Como Robin Minrad refere, “liberto o som do seu contexto original,
criou-se uma estrutura onde o som é um novo material para o artista, um ser
moldado com todas as formas abstractas do processo criativo." (Minard, Robin op. cit.
2002, p.48) Esta particularidade criativa dos novos artistas sonoros, aliada a um
espectáculo visual, é o que institui o cenário desta cultura “underground”.
Ao falar-se de música, é necessário compreender o acontecimento sonoro, i.e., as
suas propriedades fisiológicas. O som, assim como a luz, chega igualmente ao
cérebro através de um canal transmissor, o ouvido. Este é responsável por
estabelecer uma conexão entre a vibração externa, que acontece dentro do seu
limite de percepção, e o cérebro. Usualmente referimo-nos ao som audível, que é
a sensação de uma pequena e rápida variação na pressão do ar acima e abaixo de
um valor estático, i.e., a pressão atmosférica. Contudo, o campo sonoro difere do
campo visual. Em primeiro lugar, o campo sonoro faculta um nível de envolvência
superior ao campo visual. Devido às nossas características perceptivas, o nosso
ângulo de visão limita-se a um máximo de 180 graus. Por outro lado, a nossa
amplitude auditiva possibilita-nos a captação de sons a 360 graus.
O som, tal como a imagem, caracteriza-se pela sua natureza vibratória expondo
semelhanças do ponto de vista da frequência. Utilizando a mesma medida (Hertz)
Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Música | A Imagem 49
no caso do som, a frequência em Hertz determina a altura deste, ou seja, a nota, e
a amplitude da onda a sua intensidade. Genericamente, o som é particularmente
definido por 4 características elementares: Intensidade, Altura, Timbre e Duração.
A intensidade em som e em luz é comparativamente diferente, já que, quanto à luz,
para intensidades diferentes de uma mesma frequência podem considerar-se cores
diferentes, o que já não acontece com a música, pois a nota, até ao limite auditivo,
é reconhecida como sendo a mesma, qualquer que seja a sua dinâmica.
Relativamente à altura, uma nota pode ser percepcionada com exactidão pelo
ouvido, por sua vez a frequência da luz i.e., a sua cor, não pode ser detectada com
essa rigor pelo olho humano, pois a frequência electromagnética da luz é muito
menor e mais subtil do que a mecânica do som. O mesmo se aplica à sobreposição
de cores e de sons. Na onda mecânica sonora, é possível identificar a
simultaneidade de frequências sobrepostas e com alguma prática, consegue-se
determinar com precisão as notas que compõe determinado acorde. Na luz não é
possível determinar com exactidão as cores nas suas intensidades e frequências
concretas que compõem uma mistura cromática. Isto deve-se ao facto de diversas
combinações de cores poderem resultar numa mesma cor predominante, além
disso, não vemos a sobreposição delas mas, sim apenas o resultado total dessa
combinação.
Da mesma forma, a luz não possui timbre. O Timbre é a “cor” do som. Cada objecto
ou material possui um timbre que é único, assim como cada pessoa possui um
timbre próprio de voz. A luz por sua vez, neste fluxo de comparação, possui
qualidade de luz. A qualidade de luz é o termo utilizado para definir a fonte
emissora, podendo ser suave, produzindo sombras ténues ou ser ‘dura’ produzindo
sombras acentuadas. Sendo assim, sabemos que a imagem é produto de um
estímulo luminoso, e o som produto de vibrações mecânicas que se propagam num
meio, sendo, portanto, distintas em essência, mas, apesar disso, muito
semelhantes quanto à manifestação.
As imagens e os sons justapõem-se frequentemente em tempo, criando produtos
sinérgicos. O som assume diversos papéis no audiovisual transmitindo variadas
sensações ao espectador. Enquanto que, o espectador é capaz de distinguir os
vários elementos visíveis de uma imagética, com o som não consegue ser tão
analítico. O som é percepcionado como um todo agindo de forma subliminar. É
esta incapacidade que, correctamente manipulada induz sensações e envolvência
emocional ao espectador. Em VJing, embora não exista um ininterrupto vínculo
entre a criação visual e a música, existe porém a similaridade de construção, isto é,
ambos se articulam por ritmos e fragmentos que sobrepostos induzem a uma
experiência temporal. A equação emocional do som traduz exactamente este
50 Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Música | O Som
aspecto. Algumas frequências sonoras, por sua vez, induzem sensações mais
concretas, e.g., frequências baixas têm um impacto mais dramático, propiciando
sensações de e.g. ameaça, força, perigo, do que as frequências altas.
Som é vibração e ritmo, e em VJing tal como as imagens, o som é aquele que
desenha o espaço, com a música electrónica. Imagens e sons relacionam-se
constantemente, dai ser necessário pensar em correspondências e convergências
para que se consiga responder às suas mais variadas potencialidades.
3.1.3. IMAGEM E MÚSICA: CONVERGÊNCIAS
Nesta era digital, a ligação entre o mundo sonoro e o visual vive numa segura
proximidade e multiplicidade. Pensar em imagem sem som, em particular em
imagem em movimento, é agora quase inconcebível. As sinergias entre estas
duas disciplinas são demasiado vincadas, de tal forma que, quando aglutinadas
constroem complementaridades e experiências singulares. Historicamente,
apesar da separação entre áudio e visual que os média impuseram numa fase
inicial, sempre existiu uma vontade de se fazer corresponder som e imagem,
como nas experiências de color music, visual music, no cinema experimental e na
videoarte, mas agora, qualquer barreira ou dificuldade na sintetização de sons e
imagens desapareceu no advento da tecnologia digital, flexibilizando as relações
intermedia entre som e imagem, que os artistas e pioneiros procuravam.
Uma das questões transversais a esta procura de relações entre som e imagem
prende-se com a tentativa de estabelecer uma correspondência ‘absoluta’ entre
audição e visão, levando muitos artistas a procurar um fundamento na física ou
na psicologia da percepção. No entanto, os sistemas desenvolvidos aproximam-se
invariavelmente da subjectividade sinestésica, fazendo com que cada artista
desenvolva os seus próprios parâmetros de correspondência sensorial. Falando
em VJing, a imagética, por sua vez, funciona numa formalidade abstracta, o que a
faz corresponder ao som. Certo é que, a exploração de uma paridade sensorial
começou a ganhar relevância no aparecimento da abstracção visual, quando o
abandono progressivo da figuração conduziu à procura de uma linguagem
‘universal’ da forma abstracta, inicialmente aproximando a pintura da música,
hoje em dia aproximando o objecto visual dinâmico das sonoridades eléctricas.
Nas artes audiovisuais realizadas ao longo do século XX existe no entanto uma
orientação paralela ao tipo de analogia e harmonia que Castel configurava. Essa
orientação relaciona-se com a noção de correspondência sensorial: a tentativa de
traduzir graficamente o som, de produzir uma marca ou materialização visual da
sonoridade. A perspectiva de ‘visualização’ do som particulariza assim, a procura
Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Música | Imagem e Música: Convergências 51
de equivalência sensorial em algo que implica a transformação física de um
medium no outro através de meios eléctricos. Esta orientação está na génese das
explorações intermedia, que se diferenciam da mera coexistência audiovisual,
evidenciando a noção de conversão entre som e imagem, segundo uma possível
reversibilidade, i.e., a materialização do som em forma visual e o uso destas para
produção de fenómenos sonoros. Esta noção de intermedialidade implica a ideia
de uma equivalência entre fenómenos, associada à exploração técnica em torno
da conversão e ao fascínio da visualização do som. Em VJing, essa estruturação
visual do áudio pode ser realizada por momentos sinestésicos performativos, ou
de uma forma mais linear através de tecnologias que ‘desenhem’ o som.
A verdade é que, nas experiencias performativas dos novos artistas digitais, em
especial em VJing, essa proximidade formal entre a imagem e o som é bastante
delineada, seja em termos conceptuais ou performativos. A luz e o som, ambos
são frequência, e como Arlindo Machado refere, os " padrões de estimulação de
retina são muito semelhantes aos padrões rítmicos da música". (Machado, A televisão
Levada a sério, 2000). Certo é que, a arte de Vídeo Jockeying está profundamente
ligada à linguagem musical, quer na sua origem, como no processo de elaboração
de imagens, na interface do software, no acto de colar as amostras e misturá-las,
assim como na capacidade de reconstruir o espaço presenteando-lhe uma
ambiência particular.
O cineasta francês dos anos 20 Marcel L´Herbier definiu o cinema como a “música
da luz”. A cena electrónica dos VJs produz a música da luz na raiz, ou seja, a luz
estimulação-cor, a luz-matéria que sofre refracção no encontro com os corpos
físicos, humanos ou não. A imagem luz que diluída no ambiente é rebatida ganha
poderes semelhantes ao som, é vista e sentida mesmo quando não olhamos para
ela directamente. É a imagem-luz para ser lida num regime de visibilidade que
pode ou não incluir significados, é em suma, uma luz estímulo. Os sons por sua
vez ganham uma materialidade visual.
Cada época tem uma cultura visual, um regime de visibilidade, a nossa inclui a
audiovisão. Audioimagem, audiovisão, visuaudição, síncrese, extensão e
temporalização são ideias propostas pelo teórico, professor, compositor e
realizador francês, Michel Chion, numa série de trabalhos que culminam na obra
L’audio-vision em 1991. Falamos da áudio-imagem quando algo que acontece
fora do ecrã, mesmo fora do espaço físico onde tudo é ajustado, algo externo aos
elementos que se compõem, algo que ao acontecer, interfere no espaço mental
de quem quer que esteja a realizar uma interacção. Este fenómeno que Michel
Chion define como síntese do audiovisual, ganha autoridade e é explorado por
ser uma construção puramente mental.
52 Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Música | Imagem e Música: Convergências
O som traz constantemente, ao longo de uma série de efeitos, os sentimentos e
os significados de como um fenómeno é atribuído à imagem parecendo
‘naturalmente’ pertencer a essa imagem. A definição do audiovisual é proposta
pelas circunstâncias onde a percepção é focalizada conscientemente sobre o
audível e em cima do qual o contexto visual aplica uma influência predominante,
enriquecendo ou deformando a percepção. A condição do audiovisual como
consequência dos sons e das imagens combinados não se pressupõe à posteriori,
pois a sua percepção é diferenciada. Os sons e as imagens combinados são
percebidos como uma organização do espaço-tempo. A imagem tem na sua
natureza o espaço enquanto o som tem o tempo.
O trabalho com múltiplas projecções dos VJs e com um fluxo e pulsação de
imagens, de gráficos e de luzes é mais próximo do videoclipe do que do cinema
figurativo. Tanto a evolução da imagem quanto a sua vinculação directa com o
som, no sentido de acompanhar ou ser por ele acompanhado, diz respeito a
outro regime audiovisual. Arlindo Machado aponta caminhos para pensarmos
esta cultura como tendência da produção contemporânea na qual a sua estrutura
não é imagem ou som, só pode ser entendida em termos do audiovisual, ou por
uma “estrutura motovisual”: “As imagens do [vídeo] clipe têm sido tão
esmagadoramente contaminadas pelas suas trilhas musicais, que acaba por ser
inevitável a sua conversão em música, isto é, numa calculada, rítmica e
energética evolução de formas no tempo. Nesse sentido, pode ser muito útil
observar como o [vídeo] clipe está a evoluir de um mero adendo figurativo da
música para uma estrutura motovisual que é, ela também, em essência, de
natureza musical”. (Machado, op. cit. 2000, p.178)
Esta “estrutura motovisual” está profundamente ligada com as noções de ritmo
consagradas por imagem e som. Estando directamente associado ao movimento,
o ritmo é uma sequência de eventos temporais justapostos que criam uma
unidade métrica, que pode ou não ser repetida. A ideia de ritmo é bastante
abrangente e pode ser analisada de diversas formas, desde a organização do
movimento, até às sensações temporais. De qualquer forma, o ritmo interessa-
nos aqui pela correspondência directa que exerce sobre os movimentos visuais. É
segundo uma perspectiva de ‘unificação’ sensorial que Michel Chion na sua obra
Le Son (1998) classifica o ritmo como uma forma de “trans-sensorialidade”, que
diferencia da “inter-sensorialidade” ou do simbolismo que pode regular uma
correspondência entre sentidos. A trans-sensorialidade é relativa a uma
percepção que se define de forma una e partilhada entre os diferentes domínios
perceptivos, implicando todos sentidos mas transcendendo-os. Os sentidos são
assim considerados como veículos de uma sensação que transcende a sua
Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Música | Imagem e Música: Convergências 53
especificidade. O ritmo pode então considerar-se uma forma de trans-sensoria-
lidade, a principal conforme Chion, bem como as sensações tácteis, de matéria e
textura. Esta abordagem trans-sensorial torna-se útil para a compreensão de
possibilidades de articulação entre som e imagem que jogam com uma
consciência de equivalência sensorial produzida por ambos os estímulos, mas que
ao mesmo tempo os transcendem numa percepção unificada. Embora o ritmo
tenha natural afinidade com a imagem e movimento, não apenas pela própria
afinidade temporal que partilham som e imagem, está também presente nas
imagens estáticas. O ritmo é igualmente responsável pela dimensão temporal de
uma obra. Tanto na arte electrónica como na música, a disposição rítmica é um
factor de relevância ímpar, que acrescenta ou diminui a sensação de tempo do
espectador/ouvinte. DJs e VJs constroem um conglutinado rítmico sonoro e
visual. Pode haver complementaridade, quando os dois funcionam em ritmos
semelhantes, ou ao contrário cada um dos dois segue caminhos próprios e em
alguns momentos cruzam-se. Este é a “estrutura motovisual” desenhada pela
sincronia e/ou assíncronia. Como as manipulações das imagens e dos sons se
proporcionam ao vivo, é a partir do jogo entre os dois que acontece a montagem,
que estabelece o ritmo como um todo e se desenha um espaço.
Existe uma assinalada ligação entre um objecto fílmico, como o cinema ou vídeo,
e a junção de áudio. Em audiovisual, existe a capacidade de se estabelecerem
relações entre imagem e som através da síncrese. A síncrese, por si, permite que
as imagens em movimento sugiram corpo e presença espacial. A noção de corpo
está associada à massa do objecto, enquanto que, a presença espacial está
associada à localização no espaço fílmico. A expressão material do objecto é
devidamente percepcionada quando, mentalmente, se funde aquilo que ouve
com aquilo que se vê. Em VJing, por sua vez, não existe essa linearidade, embora
se possam construir momentos em que a imagem sugira a sonoridade que está a
ser ouvida, por exemplo, o VJ pode usar imagens de um DJ a fazer scratch no cd, e
nesse preciso momento o DJ estar realmente a fazer tal. Aqui existe a síncrese, a
junção do áudio e da visão.
Som e imagem não podem ser pensados separadamente, são simultâneos e
interligados, são audiovisão. A imagem parece musical, a música soa visual.Somos
sugeridos para momentos onde a sinestesia predomina. As convergências entre
imagem e som, constituem assim, as experiências audiovisuais oferecidas pelas
novas produções performativas artísticas, tal como em VJing. As artes do espaço
e as artes do tempo convergem-se assim, em novas formas artísticas integrais
fazendo com que as linguagens estéticas se concentrem perante os fenómenos
perceptivos e respectivos sentidos por estes convocados.
54 Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Música | Imagem e Música: Convergências
3.1.4. SINESTESIA EM VJING
A sociedade contemporânea apresenta e oferece uma extensa gama de produtos
audiovisuais, porém integra as suas linguagens constituintes em diferentes níveis
de resolução. Na Era denominada da Imagem, assistimos e escutamos a
diferentes formas de relação entre som e imagem: em alguns casos a submissão
dos sons à imagem, em outros o domínio do som. Para além destes, existem
outros onde predomina o diálogo entre essas expressões. Ao considerar-se estas
relações entre música e som é possibilitar construções sinestésicas. Sinestesia é
uma figura de estilo ou semântica que relaciona planos sensoriais diferentes e.g.
visão com a audição, visão com tacto, i.e., uma série de fenómenos provocados
por uma condição neurológica. De uma forma geral, baseia-se numa sensação
secundária que acompanha uma percepção, ou seja, uma sensação num lugar
originário de um estímulo proveniente de um outro estímulo. Este processo de
englobar um conjunto geral de percepções e sensações interconectadas por
processos sensoriais, está presente nas performances de Vídeo Jockeying, e por
tal é elementar compreender qual o seu potencial.
A sinestesia baseia-se na Teoria da Correspondência, neste caso, das artes. A
verdade é que, em questão é praticamente impensável a pureza em arte, um
sistema semiótico comporta várias vertentes, sendo que, a intermédialidade é
uma tendência de trabalhos mais complexos. Como o filósofo, Etienne Souriau
disse “os dados sensoriais de que se servem as artes, nunca chegam a uma
purificação de fato, a um isolamento prático daquele jogo de qualia. As cores do
quadro têm formas, diferentes de luminosidade e mesmo relações com os valores
tácteis evocados pela manipulação do pigmento colorido. O corpo do dançarino
em movimento não é puro caleidoscópio de atitudes, deslocamentos suaves,
transferências no espaço. ” (Souriau,1983 cit. por Moran, Poéticas das Correspondências, 2009)
Esta “impureza” da arte como compiladora de correspondências entre outras
artes, esta presente em VJing. A imagem tem um forte poder icónico, sugerindo
sensações diversas, dependendo do que representa, além disso, baseia-se em
movimento e ritmo, logo possui características musicais. O som, por sua vez,
pode sugerir imagens, cores, dependendo da sonoridade e das suas frequências
baixas ou altas. O compositor Richard Wagner, por sua vez, no pequeno e clássico
artigo-manifesto de 1849 The Artwork of the future defendia o drama como uma
forma de arte completa, i.e., atingir todos os sentidos, promover uma experiência
estética integral pela afectação sensória e inteligível de todos os sentidos. Richard
Wagner solicita para si o legado sinestésico, nele o múltiplo está no uno, cada
obra, cada arte corresponderia a todas as outras desde que atinjam os sentidos
Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Música | Sinestesia em VJing 55
como um todo. Logo, existe uma vontade de se consagrar uma obra “absoluta”,
consagrando todos os sentidos, oferecendo assim uma experiência bastante rica.
Aqui, sons, imagens, cheiros, tacto e paladar estão misteriosamente correlacio-
nados, sendo esta ligação intrínseca à natureza das coisas, potencialmente
perceptível pelo ser humano. Há uma evolução de cores, formas e ritmo no
tempo, seja ele através de palavras, imagens e sons ou todos simultaneamente.
Se o campo sonoro e o campo visual contêm uma natureza vibratória, eles estão
sujeitos a leis semelhantes, como por exemplo: reflexão, refracção, absorção,
transmissão, difracção. Estas características são apenas plausíveis de serem
observadas em movimento, ou seja, em plena manifestação sonora ou luminosa.
Esta condição é muito importante para se considerar a questão temporal que é
comum entre ambas. No caso das imagens em movimento podemos encontrar
uma arte sem tema, onde prevalece o ritmo e o deslocamento. Neste exemplo a
correspondência está no trabalho audiovisual em si. Portanto, para se pensar em
VJing, é preciso considerar a proximidade formal das suas imagens à música. São
imagens musicais tanto pelo ritmo como pela tendência à abstracção. O que
acontece em VJing é isso mesmo, existe essa actuação em tempo, em duração e
ritmo, compondo a linguagem da performance. O papel do VJ, neste sentido, é de
poder oferecer a tal experiência gratificante ao espectador, pelo que, ao construir
momentos sinestésicos, consegue que a sua obra se enquadre na densidade
espacial e musical, ministrando sensações ímpares.
Sendo assim, como se pode realmente invocar esses momentos de sinestesia na
performance? Uma das possibilidades por parte do VJ, através da orquestração
de ritmos, é de propiciar ao espectador ‘ver’ sons. Na manipulação imagética ao
vivo, é possível optar por um sincronismo musical, consagrando complementari-
dade, mas por outro lado, é possível inserir ritmos assíncronos com a música, no
sentido de proporcionarem a sensação de se estar a ‘ver’ ritmos que não estão
presentes na música, mas que são ‘tocados’ pela sequencia imagética ritmada
pela mão do VJ. Quando se fala em algo assíncrono, isso não impede que a
imagem e som não se encaixem em ritmos, apenas não estão os dois a desenhar-
se em simultâneo, mas a funcionarem num jogo. A relação de ritmo de ambos os
média, é o que possibilita as suas potenciais correspondências ao vivo. Outras
possibilidades sinestésicas patenteadas pelos VJs prendem-se com o conteúdo
visual das suas performances. As imagens têm um forte poder sugestivo, em geral
consagram uma tendência à abstracção, daí induzirem a musicalidades. Contudo,
optando por imagens que saibam confundir os sentidos, sejam elas abstractas ou
concretas, garante-se assim um envolvimento do público em estímulos.
Img.20 Ritmos musicais e visuais
numa possibilidade sinestésica
de “ver” a música.
56 Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Música | Sinestesia em VJing
A sinestesia oferece assim, possibilidades construtivas às performances
audiovisuais. Articular imagem e música é concretizar experiências mescladas em
capacidades criativas para os performers, e em sensações gratificantes para a
audiência. No entanto, existem outras características que se podem assimilar e
que suprem sensações semelhantes, ou seja, agrupamentos paradigmáticos
comuns segundo a organização física manifestada. São instâncias materializadas
tais como: cores, timbre, contraste, dinâmica, forma, ritmo e harmonia.
“A harmonia dentro do campo da sinestesia pode ser vista de duas formas distin-
tas mas que se relacionam. A primeira advém do campo científico que combina
frequências sonoras e actua também no espectro cromático pelo mesmo modo. A
segunda liga-se ao sentido pitagórico de harmonia, usado e recalcado por
filósofos e teóricos da arte, com o objectivo de designar as combinações entre
elementos que compõe uma obra e determinam a sua razão, conteúdo, equilíbrio
e forma.” (Costa, Marco op. cit. 2007) Neste ponto, o valor não depende apenas da
manipulação e do ritmo ao vivo, mas sim equitativamente das considerações do
acto conceptual.
Gene Youngblood no seu Expanded Cinema fala-nos igualmente da expansão dos
sentidos como um estágio de consciência. Mas para ele, a sinestesia pode até
acontecer nas experiências dos artistas, mas um dos princípios destes trabalhos
de experimentação é o jogo com os materiais do fazer, sejam eles a palavra, a
imagem, a música, o movimento, etc. Não está na sinestesia, mas no trabalho
formal, na exploração da estrutura constitutiva da organização expressiva, a
capacidade de oferecerem uma boa experiência. Nesta perspectiva, a prioridade
não é sinestésica, mas obedece sim à capacidade construtiva desses mesmos
materiais, e na sua articulação. Por tal, nesta temática do VJing, é igualmente
importante compreender o processo conceptual e performativo, para a
construção do espaço da experiência, i.e., a sua investigação artística através da
exploração da materialidade dos seus meios expressivos e das relações formais
do seu fazer.
Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Música | Sinestesia em VJing 57
3.2. VJING E CONCEPTUALIDADE
A concepção prévia da imagética em VJing é talvez o ponto central de toda esta
actividade. VJ é um fluxo de imagens que cintila em velocidade, em tempo e
ritmo no espaço, que constrói micro-narrativas por associação. A organização
desses visuais deve ser uma prioridade, já que “ *…+ bons visuais funcionam
melhor em sequência, em contexto. As imagens podem estragar-se mutuamente
se forem mostradas de forma incorrecta, em combinação com temas conflituosos,
cores e estilos.” (VJ Anyone cit. por D-Fuse, VJ Audio-Visual Art + VJ Culture, 2006, p. 84) Por tal,
é essencial predefinir uma estética, um conteúdo, e um objectivo para construir
sensações e potenciais mensagens. A conceptualidade é uma consecução de uma
consciência criativa perante o papel expressivo de uma forma de arte. Definir
uma temática, organizar uma fronteira estética, compreender a linguagem de
composição da prática de VJing, são conhecimentos que determinam o sucesso
de uma sessão performativa.
As imagens, manipuladas e tratadas ao vivo, estabelecem temporalidades pela
evolução de formas. Bancos de dados alteram-se soltando sequências de imagens
digitalizadas, geradas no computador, gravadas, capturadas da Internet, etc.
Certo é que, o fluxo digital de dados dos meios de comunicação proporciona uma
inesgotável fonte de material, que está disponível para ser usado e manipulado.
Isto sugere um incerto aspecto final do vídeo, pois o vídeo é uma quimera que
pode assumir muitos aspectos, já que é de natureza mutável. Em 1980 Bill Viola[1]
registou nas suas notas “Não tem começo/ Não tem fim/ Não tem duração – O
vídeo como mente”. (Viola cit. por Sylvia, Martin op. cit. 2006) O conjunto da imagética
criativa provém assim, do acesso a diferentes recursos (independentemente da
questão da apropriação de imagens) e das possibilidades de criação e
manipulação de diferentes ferramentas, aliadas à ideologia do próprio VJ. Todas
estas articulações, cedem ao Vídeo Jockeying um perfil dinâmico, multifacetado,
e abrangente em termos conceptuais.
A efemeridade e a envolvência sensorial por processos de associação pertencem
à invenção de ritmos, de imagens que instrumentam espaços e temporalidades
descontínuas. Tudo muda em tempo, a permanência está no ritmo da sucessão
de imagens, no piscar, pois “o que continua é o olho marcado indicialmente pela
luz criando um olhar manchado.” (Moran, Patricia op. cit., 2009) Esta característica
performativa vinca a existência de uma propensão ao abstraccionismo visual,
assumindo-se assim, uma estética da sugestão e lógica do vago. O momento da
conceptualidade será o de construir uma coerência dos visuais com base nessa
particularidade onde a figuração procura resistir e não se dá necessariamente em
[1] Bill Viola (US) vídeo artista
contemporâneo.
Considerado uma figura
importante na geração de
artistas cuja expressão
artística depende da
tecnologia electrónica do
som e da imagem.
58 Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Conceptualidade
termos da visibilidade da imagem, mas as sequências e o movimento, ou seja, o
ênfase não está naquilo que se vê, mas em como sucedem volumes, escalas e
luminosidade. A composição visual exige a consciência das particularidades
performativas e a predefinição de um objectivo visual. As estéticas, por sua vez,
são variantes, mas aos desconstruir-se a imagem conceptualmente, consegue-se
assumir um maior controlo expressivo na experiência em tempo-real.
3.2.1. FIGURATIVO VERSUS ABSTRACTO
A diversidade de perfis conceptuais dos VJs é elevada e presentemente assumida
pelo seu conteúdo criativo. Em imagem, porém, podem considerar-se dois
grandes grupos de constituição do visível, a figuração icónica, ou seja, com algum
grau de semelhança visual, e o abstracto, no qual as formas não chegam a
constituírem-se como referência. Distinguindo conceptualmente por dicotomias,
pode-se diferenciar o narrativo ou figurativo, do atmosférico ou abstracto. Estas
diferentes representações fazem parte de um sentido visual que exprime a
mensagem estimulante e orquestra-se por um lado distinto e por outro, similar.
No regime de figuração, a representação tem alguma correlação com objectos
materiais, e por vezes busca sequências narrativas. Certo é que, a situação de
VJing é diferente da ”situação de cinema”, pois não procura absorver o olhar da
audiência de forma permanente. O sentido narrativo assumido em VJing, pode
ser considerado pela imagética ser realçada pelo seu conteúdo, no qual a
audiência está prevista para observar o seu conjunto e aprecia-lo tanto quanto a
música. O acto de observar não significar um olhar permanente, mas encontros
entre olhar e projecção que se estabelecem periodicamente. O sentido narrativo,
raramente existe na sua verdadeira acepção. Usualmente, a imagem contém
fragmentos de narrativas, acções, que sugerem diferentes interpretações pelo
processo associativo desenhado pelo “olhar manchado”. A narratividade poderá
construir-se por processos associativos potencialmente sugeridos pelo VJ, e por
outros realizados subjectivamente por cada elemento do público. A narrativa é
um fragmento, e esse fragmento é apresentado por uma acção, sendo depois
associado a outros fragmentos, construindo novos sentidos ao primeiro. A
figuração e a acção dessa figuração constroem assim, intervalos entre processos
de identificação e mensagens, aliadas ao ritmo e sensação que o VJ transmite
pela performance. Relativamente a uma narrativa mais concreta, esta poderá
surgir pela montagem em tempo real durante a performance, mas deve assumir
uma organização prévia. Os exemplos narrativos oferecidos por um VJ, na grande
Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Conceptualidade | Figurativo versus Abstracto 59
parte das vezes, reúnem um conjunto de imagens de cenas fílmicas, pois é mais
fácil sugerir uma lógica narrativa.
Por outro lado, existem estéticas mais abstractas, as quais se preocupam em
norma com o ambiente visual, e na proposta de conteúdos que oferecem coesão
com o espaço e a politica da música. As estéticas abstractas, não representam
objectos próprios da nossa realidade concreta exterior, pelo contrário, usam as
relações formais entre cores, linhas e superfícies para compor a realidade da obra.
Usar conscientemente imagens sem recorrer muito à figuração, cria experiências
estéticas e experiências com imagens-luz, que erigem o espaço-experiência. Estes
ambientes abstractos podem potenciar experiências imersivas e algo hipnóticas,
mediante o ritmo da sucessão de imagens e efeitos da performance. O colectivo
Granular Synthesis recorre a experiências de imagens-luz nas suas performances
imersivas, nas quais se usam ritmos exacerbados de imagens em constante flicker
aliadas a sons abstractos que reforçam esse poder imersivo, sugerindo uma certa
força alucinogénica pelos seus visuais obsessivos.
A evanescência das imagens, a desfiguração, ou seja, a tendência de se romper a
figuração, é uma marca das projecções dos VJs. Há uma propensão à perda do
movimento e da forma, com a velocidade e a descontinuidade do movimento que
quebra a figuração usual. O que acontece é que a experiência visual em Vídeo
Jockeying é rítmica, musical e as imagens estão impregnadas desta situação. A
verdade é que, independentemente do conteúdo imagético ser mais ou menos
figurativo, existe fortemente a presença de uma tendência ao abstraccionismo.
Esta tendência é semântica i.e., a sucessão de ideias e a contemplação não se
sustentam na sequência visual em si. A abstracção semântica é uma espécie de
estética de sugestão, em que “não se conta mais nada, indica-se. O que permite o
prazer de uma descoberta e de uma construção. Mais pessoal e sem entraves, a
imagem organiza-se.” (Epstein 1983, cit. por Moran, Patricia op. cit. 2009) O processo
associativo joga com um sentido pré-existente que se coloca em diálogo com
outros, não se constituindo assim como sentido fechado, mas como um lugar de
sugestão, de interpretação aberta, estabelecendo o vago. A abstracção visual
cria-se pela sequência de imagens em movimento, ou de movimentos por cortes
na sucessão de frames que fazem com que a figuração praticamente desapareça.
A mudança da velocidade altera a natureza e a qualidade do acontecimento. Em
alguns casos o acontecimento em si desaparece. O acontecimento aqui falado é o
movimento decomposto, i.e., o deslocamento espácio-temporal.
A experiência de VJing é um articular de diferentes variáveis, mas é o olhar da
audiência que se cruza com a imagem e lhe dá sentido. As imagens figurativas,
Img.21 Granular Synthesis, “Pole”,
1998
60 Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Conceptualidade | Figurativo versus Abstracto
Img.22. festival corps urbain, les
Brigittines, 2008, Illan Katin.
por sua vez, podem suscitar predisposição para ver no memento experiencial. As
figuras pressupõe um conhecimento, uma associação, um estimulo mais concreto
que a imagética puramente abstracta. Contudo, apesar de figurativas, este tipo
de representações podem igualmente caracterizar-se por abstractas, pois elas
instauram um fluxo temporal pontuado por interrupções na visibilidade pelo
piscar de luzes e pela decomposição do movimento. A verdade é que, as figuras
projectadas representam menos aquilo que apresentam visualmente e mais o
movimento no tempo. Obviamente que nem sempre há uma ausência de tema,
ou de referencialidade da figuração visual, mas os exemplos dão prioridade a
trabalhos não-figurativos, trabalhos abstractos, mesmo quando existe um tema,
há tendencialmente um grau de abertura nas composições visuais, que apelam
por si a subjectivas criações pelo público. Patricia Moran, complementa que “se a
figuração tende a desaparecer, as imagens abstractas stritu sensu tendem a
sugerir figuras, como acontece nas artes plásticas. Assim estamos numa rua de
mão dupla em termos de sugestão, a abstracção tende à figuração e a figuração
à abstracção.” (Moran, Patricia op. cit. 2009) Posto isto, temos o exemplo de trabalhos
do desenhista, performer e animador, Illan Katin, no qual existe um forte grau de
abstracção, mas com uma tendência figurativa (Img.22).
A união de figurativo e abstracto é ainda uma das possibilidades de combinação.
O ritmo da manipulação de imagens oferece esse perfil híbrido à relação entre
figuração e abstracção, e essa capacidade pode ser experimentada de formas
atractivas. Logo, construir ambientes usando essas duas vertentes prolifera os
processos criativos, embora se devam conjugar entre montagem, composição e
objectivos.
3.2.2. A MONTAGEM
O vídeo é sem dúvida, um meio artístico explicitamente baseado em tempo. De
acordo com Couchot, "a ordem numérica torna possível uma hibridação quase
orgânica das formas visuais e sonoras, de texto e imagem, das artes, das línguas,
conhecimentos práticos e modos de pensar e de perceber." (Couchot, 1993 cit. por
Tordino, Daniela op. cit., 2007) Proceder a métodos de montagem, quer a imagem seja
criada pelo VJ ou apropriada pelo mesmo, serve-se de uma organização em fluxo
temporal, uma ordem que constrói diferentes capacidades de converter o público
ao potencial ao visuais. A montagem em VJing, a nível conceptual, é uma pré-
organização sobre os dados de imagens, que posteriormente são ‘activados’ pela
performance. Uma montagem, independentemente da presença narrativa ou
Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Conceptualidade | A Montagem 61
não, baseia-se em noções de sentido e coerência. Em VJing tudo é efémero, mas
para uma performance de sucesso, um VJ deve saber articular e agrupar os seus
visuais de modo a apelar a diferentes construções visuais. É aconselhável, que o
VJ, em norma, esteja consciente do seu banco de dados e de como pode divisar o
seu objectivo para com o espaço, música e o público.
3.2.2.1. SAMPLING, LOOP E REMIX
As práticas de recombinação, já referidas no capítulo 2.2.2., são características
iminentes da reprodução tecnológica ao longo das últimas décadas. Reutilizar
fragmentos que provêm do acesso a diferentes tipos de dados, em especial após
a glória das plataformas digitais, encerra alguma controvérsia, correspondente às
‘novas’ obras que se geram sobre a original. Esta cultura de recombinações, ou
cultura remix, é uma das características indissociáveis da experiência de VJing.
Articular a imagem para a construção de significados distintos, e perceber até que
ponto se pode adulterar uma imagem adquirida e transformá-la numa diferente e
pessoal, são algumas particularidades que a montagem e a composição em VJing
podem oferecer. A linguagem conceptual de VJing, baseia-se portanto, em três
fundamentais princípios através dos quais a montagem se vai basear: o sampling,
o loop e o remix.
As imagens projectadas pelos VJs estão situadas nas, como Bellour chama,"Entre-
Imagens": espaço onde a fotografia, o cinema e o vídeo se enlaçam e se reúnem
numa multiplicidade de super posições e configurações que são dificilmente
previsíveis (Bellour, 1997 cit. por Tordino op. cit. 2007). Isto acontece, porque a estrutura
das performances faz-se por um amplo número de pequenas porções de vídeos,
que possuem intricadamente uma vasta variedade de possibilidades construtivas.
Nesta cultura, existe um pendor para a reutilização de imagens e exacerbação de
ritmos, o que faz com que se recolham e se produzam trechos de imagens, pois
essa capacidade fraccionada em duração dinamiza a performance. Os fragmentos
imagéticos são assim, editados pelo software, misturados e recombinados com o
objectivo de gerar novos significados, diferentes dos originais. Estes fragmentos
são samples, tal como na música, pequenas porções de dados que são retirados
de uma obra e reutilizadas em ciclos de tempo, em repetições em tempo: loop.
O loop é uma possibilidade na qual, geralmente, períodos de tempo mais curtos
podem ser colocados numa série de repetições sem fim. Assim, a visualização do
trabalho não tem de se concluir após o termo de uma sequência. Pelo contrário, a
repetição permanente torna-se frequentemente aparente apenas depois de uma
observação mais demorada. Deste modo, os segmentos de tempo podem parecer
62 Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Conceptualidade | A Montagem | Sampling, Loop e Remix
idênticos, ou mudanças mínimas podem ser introduzidas em cada segmento da
narrativa em VJing criando níveis de reflexão adicionais. Os VJs usam os loops de
vídeo como base construtiva das suas performances, alicerçados por motivos
estéticos e de dinâmica musical, criam temporalidades distintas, permitindo a
criação de múltiplas e desiguais micro-narrativas por associação.
Considerar a amostra (sample) que provém de um ‘recorte’ de um produto visual
pré-existente, que é depois reorganizado sequencialmente em tempo, isso
demanda a existência de uma mistura, i.e., o remix. O termo remix, é hoje
utilizada para descrever diversas disciplinas culturais, possuindo uma faceta
alegórica, na qual o objecto cultural depende do reconhecimento de um código
cultural pré-existe. O produto do remix para um público deve atender a um traço
histórico, o qual de alguma forma pode ser reconhecido. “Geralmente, a cultura
remix pode ser definida como a actividade global que consiste no criativo e
eficiente intercâmbio de informação tornada possível pelas tecnologias digitais
que é apoiado pela prática de cortar / copiar e colar.” (Navas, Eduardo Remix The Bond
of Repetition and Representation, 2009)
Em VJing, o remix é uma mistura de imagens, uma característica que é alterada
num produto original e reformulada numa nova estrutura. As pessoas partilham
dados, reutilizam os anteriores e constroem novas obras. E é nesta capacidade de
reutilizar o produto visual que o VJ, através da montagem e da composição da
mesma, proporciona experiências únicas.
3.2.2.2. TEORIA DA MONTAGEM
Para tal consciencialização, o VJ poderá ampliar o seu trabalho ao possuir noções
imbricadas de diferentes tipos de montagem existentes. A montagem ou edição é
um processo que consiste em seleccionar, ordenar e ajustar os planos de um filme
ou outro produto audiovisual a fim de alcançar o resultado desejado, quer seja
em termos narrativos, informativos, dramáticos, visuais, experimentais, etc. Ao
contrário do cinema, ou de outra produção audiovisual, a montagem em Vídeo
Jockeying não é parte integrante do processo da pós-produção, mas sim da pré-
produção e da realização em si, i.e., a edição é organizada antes da performance
e realizada posteriormente em tempo real e ao vivo. A montagem permanece
directamente relacionada com o tempo, e é uma linguagem de estruturação
audiovisual por associações, pois "editar é mais uma arte do que uma ciência."
(Watts, Harris. Direcção de Câmara – Um Manual de Técnicas de Vídeo e Cinema, 1999) Quando se fala em montagem, é imprescindível reportarmo-nos aos teóricos
russos das primeiras décadas do século XX, nomeadamente Lev Kuleshov (1899-
1970), Sergei Eisenstein (1898-1948) e Dziga Vertov (1896-1954). Estes cineastas
Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Conceptualidade | A Montagem | Teoria da Montagem 63
contribuíram para a consciencialização do poder da imagem pela montagem.
Dziga Vertov, por sua vez, incidiu-se sobre a montagem de registos visuais e
sonoros. Para ele, o cine-olho ou cinema verdade, era um meio de registar a vida,
o movimento, os sons e organizá-los através da montagem. Baseava-se assim, no
registo da vida por improviso, rodada sem nenhum tipo de direcção documental.
Vertov sugeriu a noção de improviso e efemeridade dos acontecimentos, tal
como eles são. Em Vídeo Jockeying existe essa necessidade de improviso inclusive
num sentido de captura de imagem para além do performativo.
Pela perspectiva de Lev Kuleshov, como cineasta russo e grande estudioso de
teorias cinematográficas, fundador e professor da primeira escola do cinema do
mundo (a Escola de Cinema de Moscovo), desenvolve-se teoricamente um efeito
realizado pela justaposição de imagens: o Efeito Kuleshov. Assim, sem essa
justaposição, a imagem tal como capturada é apenas um material bruto, escasso
de sentido. Portanto, a justaposição de planos têm um poder de criar uma nova
significação, inexistente nos planos isolados. O exemplo do efeito foi realizado
com um mesmo plano de um actor com expressão neutra, que era alternado com
planos carregados de diferentes significações afectiva (criança = ternura; mulher
num caixão = tristeza; prato de sopa = apetite), que influenciavam a interpretação
dos espectadores, fazendo-os acreditar que a expressão do actor tinha mudado.
A justaposição de imagens em VJing funciona em ritmos e sugere igualmente
sensações. As apresentações visuais performativas, constroem-se por associações
de forma não tão linear como no cinema, pois é construída para os olhares se
encontrarem esporadicamente com a projecção, mas para tal é necessário
construir sequências e evidenciar sentidos. Sendo assim,pode sugerir-se a mesma
imagem com ritmos de performance diferente, oferecendo diferentes sensações,
antagónicas por vezes. Imaginando planos curtos de fragmentos figurativos, num
ritmo lento ou quase parado podem insinuar sensações mais suaves, mais
contemplativas. Por outro lado, um ritmo acelerado dessa mesma imagem induz
a algo mais intenso. Fazer a alternância desses ritmos e jogar com justaposição de
sequências, cria pequenas associações narrativas que com o ritmo de troca de
imagens, origina interpretações distintas, i.e., os ritmos e intensidades desiguais
reproduzem o mesmo como diferente, onde a temporalidade funciona como
comentário da sequência já vista.
Posto isto, o domínio sobre a conjugação dos vídeos, i.e., a forma como são
apresentados em ordem e ritmo, é aquele que potencia a aperfeiçoamento das
pequenas narrativas, das sensações, e de um sentido, não só estético e sensorial,
mas igualmente criativo e coerente no ambiente. Em suma, a influência da teoria
do efeito Kuleshov na prática das performances visuais pode ser reforçada por
Img.23 Efeito Kulushov
64 Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Conceptualidade | A Montagem | Teoria da Montagem
variações de ritmos dos loops e repetição de planos. O responsável pela teoria da
montagem em si é Sergei Eisenstein. Com ele, surgiram diferentes tipos de
montagem que oferecem distintas interpretações. Obviamente que estas teorias
brotaram para o cinema, mas na sua maioria são intrínsecas ao cinema
experimental, e nesse sentido existe semelhança com o conceito de VJing. Sendo
assim, Eisenstein, teorizou seis tipos de montagem: a métrica, a rítmica, a tonal, a
harmónica, a intelectual e a vertical. Este cineasta chegou à conclusão que a
dialéctica do cinema baseia-se numa unidade fundamental: o plano, tal como
uma frase, tem um núcleo básico, que é a palavra. Para ele, o plano, só por si, e
tal como a palavra, tem um significado limitado e reduzido, mas quando ligado a
outros planos poder-se-á então formar uma ideia, transmitindo-se uma
concepção através da sequência, tal como acontece com as palavras interligadas
no interior de uma frase.Tal como em VJing, a imagem por si é muito pouco, mas
agregada e misturada com outras criam a experiência inteira.
Segundo Eisenstein, a montagem métrica está no comprimento dos fragmentos
de montagem e na proporcionalidade entre os vários comprimentos desses
fragmentos sucessivos, tal como um compasso musical. A tensão é originada a
partir de uma aceleração de tipo mecânico, reduzindo a duração dos fragmentos
de filme, embora mantendo uma proporcionalidade de base. Esta característica é
perfeitamente identificativa em Vídeo Jockeying e na sua relação com a música,
já que existe essa necessidade de cortes, ritmo e de sinergia.
A montagem rítmica, por sua vez, tem relação com a importância do movimento
no interior de cada fragmento que, mais tarde, irá determinar a métrica dos
mesmos. Daí que neste tipo de montagem existam dois tipos de movimento: o
dos cortes de montagem e o real no interior dos planos. Eisenstein explorou
profundamente não só as concordâncias desses dois movimentos como, acima de
tudo, os conflitos entre eles. Esta articulação em VJing é visível, pois a montagem
rítmica é a conjugação do ritmo do conteúdo das imagens, sejam elas mais ou
menos figurativas, com o ritmo exterior, o da performance. Ao usar a montagem
rítmica, conjugam-se sensações pautadas pelo jogo rítmico entre a sucessão de
imagem, cadência e cortes, igualmente estabelecidos pelo conteúdo dos vídeos.
Quanto à montagem tonal "o movimento é percebido num sentido mais lato. O
conteúdo de movimento abarca todos os efeitos de fragmento da montagem. Aí a
montagem baseia-se no som emocional característico de cada fragmento - do seu
dominante. O tom geral do fragmento.” (Eisenstein, Sergei, Da Revolução à Arte, da Arte à
Revolução, 1974, p.43) A montagem tonal é o resultado do conflito entre os dois tipos
de movimento na montagem rítmica. Para a exemplificação da montagem tonal é
muito comum citar-se a sequência do nevoeiro de “O Couraçado Potemkin”
Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Conceptualidade | A Montagem | Teoria da Montagem 65
(1925), na qual o som emocional dominante é dado pelas vibrações luminosas
dos planos, contrastando com a calma componente rítmica da envolvente,
expressa pela suave agitação das águas, pela ligeira movimentação dos barcos,
pelo vapor em lenta elevação e pelas gaivotas que voam sossegadamente. A
montagem tonal cria assim uma musicalidade, uma sonoridade rítmica pelos
sucessivos ritmos contrastantes. Este tipo de montagem em VJing pode ser
assumido por momentos de sinestesia entre imagem e música, pelas variantes de
ritmo, pois é possível ‘ver’ a música na imagem.
Relativamente à montagem harmónica, esta parte das dissonâncias da montagem
tonal, isto é, dos conflitos entre dois tons dominantes numa mesma cena.
Eisenstein inclui aqui como factores determinantes do processo de montagem
“todos os recursos dos fragmentos.” (Eisenstein. op. cit. 1974, p. 56) Este tipo de
montagem só é perceptível com a visão em movimento dos planos sucessivos, ou
seja, só após uma sequência completa. Verifica-se uma certa semelhança com o
caso da música e as harmónicas que surgem quando se ouve um conjunto de
instrumentos a tocar em simultâneo.
A montagem harmónica poderá ser entendida, como uma composição, e em
VJing pode ser associada ao grau de abertura das composições visuais i.e., os
diferentes ritmos quer interiores à imagem, quer exteriores através da
performance, assim como a relação desses ritmos com a música oferecem
diferentes possibilidades interpretativas e sensoriais ao público, mediante a
composição melodiosa que oferecem.
Um outro tipo de montagem, a montagem intelectual, como Eisenstein a
caracterizou, "é a montagem não dos sons harmónicos geralmente fisiológicos,
mas de sons harmónicos de um tipo intelectual, isto é, conflito-justaposição de
efeitos intelectuais paralelos.” (Eisenstein. op. cit. 1974, p. 61) Enveredando por uma
concepção científica, o cineasta pretende mostrar que não existe diferença entre
o movimento de um homem balançando sob a influência de uma montagem
métrica elementar e o processo intelectual em si, porque o processo intelectual
trata-se da mesma agitação ao nível dos mais altos centros nervosos. Para a
percepção desta categoria da montagem, exige-se o entendimento intelectual
dos símbolos representados. Por exemplo, na sequência dos deuses em
“Outubro” (1927), Eisenstein foi contestado por não ter tido em conta a
influência da cultura do espectador no seu processo de relacionamento com o
filme. Muitos dos espectadores não descodificaram as cenas do filme “Outubro”
quando o visionaram pois não possuíam suficientes bases literárias nem
conhecimentos cinematográficos. A montagem intelectual pode ser associativa
em VJing quando se precede a alguma figuração, usando elementos que o público
66 Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Conceptualidade | A Montagem | Teoria da Montagem
reconheça. Além disso, este grau identificativo e interpretativo pela audiência,
pode suscitar uma dupla atenção à imagem, além de provocar um processo
identificativo aquando do uso de imagens apropriadas, reforçando que a imagem
está apenas a ser usada e não assumida como criada pelo VJ (e.g. imagens de
filmes). O processo intelectual da audiência é um factor determinante na pré-
composição das performances do VJ. Uma estratégia de apelo à atenção
imagética pode passar por esse processo de identificação, exigindo apenas do
público um processo associativo entre as imagens e o seu conhecimento
intelectual, potenciando estimulações subjectivas, dependendo do impacto desse
conhecimento e associação.
Por último, a montagem vertical que surgiu a Eisenstein em 1938, estando
relacionada com a concepção global de um filme, mais do que com a relação
entre os seus vários planos. Este tipo de montagem nasce da relação entre o som
do filme e a cor das imagens. “Alexandre Nevsky” (1938), também da sua autoria,
é muitas vezes referido como exemplo deste tipo de montagem, pela forte
relação entre a música de Prokofiev e a narrativa visual e verbal das imagens de
montagem. Aqui o todo aparece como mais importante que as partes. Pode
dizer-se que ela é, sobretudo, um meio de criar os efeitos desejados pela
relacionação de imagens visuais e sonoras incluindo o efeito da cor. Este tipo de
montagem sugere ao VJ a escolha de uma linha estética, de uma coerência
performativa, de um sentido global, de uma performance inteira. A articulação
entre imagens, sons e cores, efeitos, são enaltecedores da condição da
experiência.
Considerar VJing de forma conceptual e orquestrar teorias imagéticas como uma
pré-preparação de uma performance, é determinante para um maior controlo e
sucesso oferecido pela manipulação posterior em tempo real. Sendo assim,
escolher as imagens, i.e., fazer o seu sampling, ordená-las posteriormente e
remisturá-las para a criação de um objectivo, pressupõe essa pré-organização, ou
pré-montagem. A verdade é que existe sempre um objectivo, mesmo que o
conteúdo imagético seja completamente abstracto. VJing é uma intervenção, é a
criação de uma experiência, com uma aura singular e irrepetível, portanto é
vantajoso assumir os pressupostos que as teorias da montagem podem oferecer
para se vigorar a performance.
Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Conceptualidade | A Montagem | Teoria da Montagem 67
3.2.3. COMPOSIÇÃO DA IMAGEM
A nível conceptual, para além da organização preconcebida das sequências
imagéticas para a mistura em tempo real, é igualmente relevante compreender
como o conteúdo da imagem pode determinar o efeito de uma projecção. A
composição visual reúne elementos isolados, unindo-os para resultarem num
todo, diferençado das partes. Em Vídeo Jockeying existe composição digital, que
é o processo de juntar digitalmente múltiplas imagens originando outras imagens
completas, para exibir na projecção. Considerar significação, estéticas e estímulos
perante esse domínio visual, pode robustecer uma valorização performativa.
A imagem possui uma linguagem icónica procurando não só uma representação,
mas um apelo e muitas vezes uma persuasão. Abraham Moles desenvolveu um
conjunto de características que permitem uma diferenciação das diversas
espécies icónicas em termos quantitativos: grau de figuração de uma imagem,
grande iconicidade, grau de complexidade, grau de ocupação do campo visual,
espessura da trama e do grão, distintas qualidades técnicas, presença ou ausência
da cor, dimensão estética e grau de normalização. Estas características assumem
a imagem, conferindo-lhe particularidades distintas. Uma imagem, por sua vez,
pode ser constituída por elementos originais ou redundantes. Segundo a teoria
da imagem, quando se criam novas imagens deve ter-se igualmente em conta
certos elementos, dois quais se destacam: as características do destinatário, e o
grau de contraste que se pretende alcançar ao comparar a imagem original com
outras que abordam o mesmo tema e a finalidade da mensagem.
Posto isto, é notável a existência de uma complexidade do poder de uma imagem
na sua representação. Considerando estas teorias aplicada aos artistas visuais,
nomeadamente os performativos, usufruir de uma consciência criativa mostra-se
marcante na presença visual.
3.2.3.1. SEMIÓTICA
Compor uma imagem confere-lhe significação, e a construção dessa significação
atinge a ciência dos signos: a semiótica. Alguns teóricos como Charles S. Pierce,
Umberto Eco e Roman Jakobson desenvolveram várias e complementares teorias
sobre esta ciência. A semiótica é a doutrina dos signos, dedica-se ao estudo do
processo de significação ou representação, na natureza e na cultura, do conceito
ou da ideia. Devido aos desenvolvimentos das últimas décadas na linguística e
semiótica, o estudo dos signos ganhou uma grande importância no âmbito da
teoria da comunicação. Sendo assim, quando relacionada com a imagem na
68 Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Conceptualidade | Composição da Mensagem | Semiótica
cultura dos novos média, a semiótica, é moldada para construir novas soluções, e
mesmo os VJs respondem activamente a este valor nas suas imagens.
É considerado um signo, qualquer elemento que seja utilizado para exprimir uma
dada realidade física ou psicológica, e comporta um significante e um significado.
É importante realçar que os signos só por si, nada significam, para se tornarem
compreensíveis obrigam à existência de um código que estabeleça, dentro duma
dada comunidade, a totalidade das relações entre significantes e significados, de
forma a se tornarem interpretáveis.
Para se analisar ou ler uma imagem deve-se diferenciar claramente dois níveis
fundamentais: o da denotação e o da conotação. O nível denotativo refere uma
enumeração e descrição dos objectos num determinado contexto e espaço. O
nível conotativo refere-se à análise das mensagens ocultas numa imagem, e na
forma como a informação aparece escondida ou reforçada.
Perante isto, muitos teóricos comparam a linguagem fílmica com a língua falada e
escrita, e decompõem-na num tipo de gramática. Na língua, uma frase é
composta de palavras, as palavras são compostas por letras, e quando se colocam
em conjunto de diversas formas, criam significado. Os novos produtos dos média,
tais como CDs, DVDs, hipertextos, trabalhos artísticos multimédia, etc., partilham
igualmente esta mesma relação com a semiótica. Lev Manovich leva-nos a
compreender como o cinema tradicional tal como língua é composto de sinais,
presentes na nossa nova “base de dados da realidade”. (Manovich, The language of new
media, 2002) E aqui, a criação de objectos dos novos média pode ser entendido em
termos semióticos, do ponto de vista de ambos, criador e utilizador/audiência.
Os signos, pela construção de Charles S. Pierce, podem ser ícones, símbolos, e
índices. O ícone é aquele que mantém uma relação de proximidade sensorial ou
emotiva entre o signo, representação do objecto, e o objecto dinâmico em si. Um
ícone possui uma denotação com o objecto que refere, e não pode exceder essa
função. O símbolo, por sua vez, refere-se ao objecto que denota em virtude de
uma lei, impelindo a associação de ideias permitindo que o símbolo se interprete.
O índice, em si, representa um indício que é interpretativo, do qual tiramos
conclusões, consoante a nossa experiência subjectiva ou herança cultural. Indiciar
é representar algo sem o representar concretamente, mas demanda a presença
do que representa por esse mesmo indício. Os ícones, símbolos, e índices, fazem
parte das composições visuais dos artistas performativas e oferecem estímulos à
audiência. Por exemplo, o grau de abertura das composições visuais de VJing, i.e.,
a tendência à abstracção. A tendência à abstracção, pode ser interpretada pela
semiótica, no sentido em que se indiciam situações, i.e., de concreto pouco têm,
Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Conceptualidade | Composição da Mensagem | Semiótica 69
sendo articuladas com ritmos energéticos entre música e imagem, pois apenas se
reforça a presença de temáticas e estéticas, que são interpretativas pelas
experiências subjectivas do observador.
A verdade é que, as composições visuais performativas podem assumir narrativas
por processos de identificação e associação, i.e., narrativas psicológicas por parte
dos diferentes elementos da audiência. Existem metodologias que um VJ pode
seguir no crescer da música e dos visuais ao longo da noite, levando-o tanto a um
pequeno ou a um grande clímax. Estes métodos de desenvolvimento de ritmos e
conteúdos ao longo do tempo, jogam com ritmos e signos que se identificam e se
interpretam, e são trabalhados em conjunto com as expectativas do público, bem
como a música, para criar momentos de conotações e denotações, ampliando as
possibilidades expressivas.
VJing é uma arte essencialmente sintagmática, onde os espectadores vêm apenas
uma sucessão de imagens em vez de uma totalidade de escolhas. Num domínio
psicológico, as mentes do VJ e da audiência são enquadradas num final aberto,
com diferentes possibilidades de jogo entre ambos, onde a semiologia se integra
e se activa consoante os objectivos e improvisos da performance. Considerando
estes pressupostos da semiótica na aplicação das performances visuais, é
imprescindível perceber que estas características contribuem activamente para
as decisões visuais dos artistas performativos.
3.2.3.2. CORES
A cor tem um papel fulcral na intenção e intensidade de uma imagem. A nível
fenomenológico, a cor aparece pela frequência da luz e nem sempre é facilmente
discriminada. Ao longo dos séculos, alguns cientistas interessaram-se sobre a
percepção cromática. Primeiramente Thomas Young, em 1801, propôs a primeira
versão de uma teoria tricromática da visão, ou seja, a percepção cerebral a partir
de 3 cores fundamentais, Vermelho, Verde e Azul. Mais tarde, Young-Helmholtz
aperfeiçoou esta teoria, mantendo a posição de que o olho possuía 3 “foto-
receptores”, um para cada cor, que se sobrepunham e eram então interpretadas
pelo cérebro. Estas teorias foram importantes para definirem a imagem de vídeo.
Neste sentido, falamos de cor-luz baseada, em regra, no sistema RGB, usado para
a projecção de cores em monitores e projectores. O RGB é um sistema aditivo, no
qual o vermelho, o verde e o azul (Vermelho + Azul + Verde = Branco) se
combinam de várias formas para reproduzirem outras cores.
Numa perspectiva estética, uma das mais presentes características conceptuais
em VJing é a presença de cores vivas, ou preto e branco, acentuadas por fortes
Img.24 Síntese Aditiva RGB
70 Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Conceptualidade | Composição da Mensagem | Cores
Img.25 Diagrama de Cores Frias e
Quentes
contrastes, para demarcar a sua presença nos ambientes escuros em que
geralmente actua. A necessidade da componente cromática nas composições
visuais está ligada com o estímulo retiniano e pelas sensações associadas a cada
cor. A projecção dos VJs faz-se através de imagens-luz, imagens que piscam, que
se destacam no ambiente escurecido. Na composição visual, a escolha de
determinadas cores, como as cores quentes e frias, podem reforçar diferentes
estímulos sensoriais.
A cor é percebida através da visão, das células que se denominam por cones.
Além destes, existem os bastonetes que possuem maior sensibilidade a variações
de intensidades luminosas. A percepção da cor é muito importante para a
compreensão de um ambiente, neste caso, do ambiente performativo em si. A
cor é mais do que uma simples capacidade de visão, desfruta ainda de estímulo
cerebral, e nessa associação, impulsionam-se sensações. As cores quentes e frias
podem literalmente proporcionar essas sensações, mas em regra associam-se a
processos identificativos intelectuais.
O primeiro passo para se aprender a combinar as cores é conhecer um pouco os
efeitos psicológicos que elas exercem sobre as emoções. O interessante é que,
em alguns casos, a mesma cor tem o poder de expressar sensações antagónicas.
O que define essa característica é a contexto em que se inserem, e.g., o violeta,
utilizado num evento festivo, reflecte as características de espiritualidade e
realeza. No entanto, associado à tragédia, reforça o sentido de dor.
As composições dos visuais do artista performativo podem evocar emoções pela
cor. Os processos associativos provêm não só da nossa sensibilidade subjectiva,
mas igualmente de algum código social. Culturas distintas podem ter diferentes
significados para determinadas cores. Como exemplo, a cor vermelha foi utilizada
no Império Romano, pelos nazis e comunistas, pode estar associadas a certos
produtos comerciais, e num sentido mais lato representa o sangue, provocando
reacção e atenção aos observadores. O estímulo pela cor deve obedecer assim,
ao conteúdo da imagem.
No contexto cultural das artes visuais, as cores possuem diversos significados, e
alguns estudiosos confirmam esse poder identificativo de evocar lembranças e
sensações. Para o artista visual é importante que se usem as cores de maneira
intuitiva, especialmente num acto performativo. No entanto, está cientificamente
comprovado que determinadas combinações provocam efeitos visuais mais
agradáveis do que ao se usarem as cores de forma aleatória. São as chamadas
harmonias, ou seja, as possíveis combinações entre as cores e seus tons, que
transmitem ou ajudam a reforçar sensações e emoções. A harmonia cromática
pode ser conseguida quando o conjunto de cores utilizadas completa o espectro,
Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Conceptualidade | Composição da Mensagem | Cores 71
ou seja, quando se utiliza dois grupos de cores que são complementares. Se
consideramos um círculo cromático de 24 cores, e considerarmos duas no mesmo
diâmetro, quaisquer que sejam, são cores harmónicas, também designadas por
parelhas cromáticas (Img.26).
Independentemente das questões estéticas e representativas, as cores possuem
uma forte presença emocional e sugestiva. No papel de criativo visual, o VJ pode
arquitectar, juntamente com o ritmo, a imagem com mais significação e intenção,
aliando-a à sensação cromática. Em lista, seguem algumas cores e respectivas
associações sensoriais mais encontradas:
Cinzento: elegância, humildade, respeito, subtileza;
Vermelho: paixão, força, energia, amor, liderança, masculinidade, perigo, fogo,
raiva, revolução, proibição;
Azul: harmonia, confidência, conservadorismo, austeridade, monotonia,
dependência, tecnologia, liberdade, saúde;
Ciano: tranquilidade, paz, sossego, limpeza, frescura;
Verde: natureza, primavera, fertilidade, juventude, desenvolvimento, riqueza,
dinheiro, boa sorte, ciúme, ganância, esperança;
Amarelo: velocidade, concentração, optimismo, alegria, felicidade, idealismo,
riqueza (ouro), fraqueza, dinheiro;
Magenta: luxúria, sofisticação, sensualidade, feminilidade, desejo;
Violeta: espiritualidade, criatividade, realeza, sabedoria, resplandecência, dor;
Laranja: energia, criatividade, equilíbrio, entusiasmo, diversão, ludismo;
Branco: pureza, inocência, reverência, paz, simplicidade, esterilidade, rendição;
Preto: poder, modernidade, sofisticação, formalidade, morte, medo,
anonimato, raiva, mistério;
Castanho: solidez, segurança, calma, natureza, rústico, estabilidade,
estagnação, peso, aspereza.
A cor tem vida em por si mesma, e sempre atraiu e causou no ser humano
predilecção por determinadas harmonias de acordo com factores de civilização,
evolução do gosto e particularmente pelas influências e directrizes que a arte
marca. Em Vídeo Jockeying, potenciar a criação dessas harmonias, exige algum
conhecimento, especial sobre contrastes. Embora o objectivo não seja apenas
estético, mas sobretudo o de oferecer as mais variadas sensações. Certo é que,
na composição visual, a cor faz parte integrante de estímulo sensorial,
contribuindo para o reforço da presença imagética.
Img.26 Círculo cromático de
Ostwald, determinação de pares
harmónicos
72 Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Conceptualidade | Composição da Mensagem | Cores
3.2.3.3. EFEITOS VISUAIS
Os efeitos visuais oferecem à performance diferentes possibilidades estéticas. Os
filtros são cada vez mais específicos para o reino digital, especialmente em VJing.
Efeitos como o solarize, tint, sépia, keying, entre vários, estão iminentemente
presentes nos software de imagem. Existe um paradoxo relativamente aos filtros
e a imagem, já que, numa cultura contemporânea os filtros são vistos como um
ornamento ou um complemento de um sinal preexistente, como Timothy Jaeger
refere, “em alta arte tem de ser a ‘artificialidade certa’ a apelar a discriminação
dos consumidores culturais. O paradoxo existe, no sentido em que, se podem
adicionar filtros ad infinitum, mas o resultado final continuará a ser um sinal. É a
nossa consciência cultural que pensa que um sinal que tenha sido modificado por
um filtro é algo ‘diferente’ do que aquilo que normalmente vemos. É a conotação
que ainda vence e não a denotação; é o significado, não o sinal que permeia.”
(Jaegar op. cit. 2005)
VJs agem muitas vezes como mágicos, conjugando patches de software e filtros.
Os VJs só desenvolvem significados, uma vez que entram na língua dos códigos
culturais. Nas performance ao vivo, pode facilmente reconhecer-se quando as
imagens são desfocadas, ou invertidas, mas por outro, alguns efeitos sobre a
imagem podem, acentuadamente, criar novas significações por si mesmos. Os
efeitos visuais reforçam assim a modificação de um trabalho, criando um ‘novo’ e
múltiplo ao longo da performance. Esta alteração visual acarreta significados que
a imagem em bruto não possui.
Historicamente podemos pronunciar alguns efeitos que se elaboraram com um
sentido próprio. Alguns dos mais populares podem ser: sobreposições (overlay),
criação de padrões (pattern making), escalamento e profundidade (subject scale
and depth), distorção óptica (optical distorsion), entre outros que influenciam as
cores como o sépia, tint, solarize, etc. O objectivo dos efeitos visuais é dinamizar
as possibilidades de expressão, e numa performance ao vivo, responderem à
necessidade de improvisação para com a reacção do público.
Relativamente às sobreposições (overlays), a maioria dos software usados pelos
VJs oferecem opções para misturar camadas sobrepostas de acordo com a cor do
seu conteúdo. A opacidade e modo de mistura destas camadas nesta ideologia de
sobreposição, talvez sejam umas das principais marcas dos VJs, pela cultura da
mistura, da repetição e da confusão num sentido pós-modernista.
O pattern making baseia-se num padrão geométrico visual, e é um truque que
permite a criação de um ambiente infinitamente, pela repetição de um pequeno
modelo. É possível recorrer a estas mesmas regras para sugerir um visual infinito
Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Conceptualidade | Composição da Mensagem | Efeitos Visuais 73
onde a tela é apenas uma pequena janela que vai revelando esse ambiente.
Efeitos análogos à repetição de padrões, são os da divisão da imagem projectada
em infinitas partes repetidas. Ambos os anteriores, criam sentido espacial. Para o
campo de projecções visuais, há a preocupação da integração das imagens com o
meio ambiente. Ao contrário do cinema e da televisão, nos quais os visuais são
criados assumindo que o público os está a observar de uma posição óptima, os
artistas visuais performativos, têm como objectivo desenvolver um estilo gráfico
que permaneça eficaz apesar de possíveis constrangimentos como: complexos
ângulos de visualização, combinação com a luz ambiente existente, posição dos
artísticas e densidade do público e movimento. Algumas estratégias poderão
prender-se sobre a atenção dada ao tamanho dos elementos e complexidade do
conteúdo. Com o escalamento e profundidade (subject scale and depth), noções
de imponência no espaço são imbricadas, dependendo do tipo e conceito dos
planos da imagem e da distância ao olhar do observador. Por vezes, usar imagens
mais simples graficamente, assegura-se a sua integração numa gama mais ampla
de configurações, os visuais são previstos para permitirem um olhar disperso,
onde os detalhes, quando reforçados, são apelados.
A distorção óptica, por sua vez, está mais relacionada com noções estéticas
abstractas, de ilusões ópticas e hipnose. Por volta das décadas de 1960 e 1970,
algumas experiências cativantes em imagética foram realizadas derivadas da Op
Art, a arte óptica, que já tinha alguma presença desde a metade do século XX. Os
trabalhos de Op Art são em geral abstractos, e muitas das peças mais conhecidas
usam apenas o preto e o branco. Quando são observados, dão a impressão de
movimento, clarões ou vibração, ou por vezes parecem ganhar 3 dimensões ou
deformar-se. O trabalho do teorista Victor Vasarely (1908-1997), pai da Op Art,
pode ser ligado a diversas experiências visuais de sucesso desta época. Este,
experimentou o uso de transparências e cores em projecções, os seus quadros
combinam variações de círculos, quadrados e triângulos, às vezes com gradações
de cores puras, para criar imagens abstractas e ondulantes. Para além da estética,
estes grafismos foram experimentados como estimulantes visuais psico-activos,
introduzindo estados de transe aos observadores. A prossecução deste tipo de
efeitos visuais permanece uma preocupação importante para muitos artistas
visuais actuais.
A lista de efeitos visuais existentes é inúmera, e nesta sociedade digital, os efeitos
são usados quer na pré-produção dos vídeos, assim como durante a performance
visual. O importante a denotar é que eles conferem versatilidade conceptual e
edificam múltiplas significações. Construir narrativas por associação, apelar a
sensações, orquestrar ordens nas sequências de visuais para impelir intensidades,
Img.27 Duo-2, 1967 Victor
Vasarely (Op Art)
74 Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Conceptualidade | Composição da Mensagem | Efeitos Visuais
responder aos pressupostos semióticos estabelecendo pactos comunicativos com
a audiência, jogar com cores e efeitos invocando a emoções e significados, são
diferentes variáveis que integralmente podem compor a criação das obras dos
VJs, enaltecendo a sua presença no espaço da experiência.
3.2.4. MENSAGEM E SENSAÇÃO
As performances visuais inseridas no seu contexto social e cultural, demandam a
existência de um propósito na sua configuração e experimentação. Existe um
vasto número de estéticas e ideologias performativas e isso está intimamente
ligado com a principal questão: qual é a função do VJ? A definição desta função
performativa nem sempre é linear, é uma área em contínuo aperfeiçoamento,
patenteada particularmente pelas políticas de autor, daí a divergência de um
conglutinado performativo dos artistas. Independentemente desta definição, os
visuais interferem no espaço-experiência e procuram estabelecer pactos de
comunicativos com o público. Para tal, conceptualmente, é possível dirigir um
sentido estigmatizado por mensagens e sensações.
É muito comum na pista a decomposição do movimento, a sua explicitação pela
sucessão de estados estáticos do movimento com duração perceptível, ou seja, o
movimento é transformado numa sucessão sequenciada de fotogramas. Para
além disso, as imagens energéticas repetem-se ritmadamente, consagrando uma
proximidade musical na performance dos VJs. A percepção em si, entendida nos
seus aspectos psico-fisiológicos é pois, alterada pelo ritmo que a imagem oferece.
Tendencialmente, e encarando esta energia de ritmos que levam a um sentido
em grande parte abstracto, as sensações são o principal mote em VJing. Ao
buscar as festas, o público está interessado numa experiência de entretenimento,
uma fruição estética e artística que lhes provocará estímulos. Estes estímulos são
conjuntamente movidos pelo consumo de estimulantes químicos e bebidas
alcoólicas. Há uma busca de prazer que se aproxima das propostas analisadas por
Gene Youngblood no seu Expanded Cinema. Há uma proposta de se alcançarem
outros estágios de consciência neste ambientes potencialmente imersivos. Uma
estimulação multissensorial oferece-se por correspondências de sinestesia entre
música e imagem, de ritmos e conteúdos imagéticos que invocam formas, cores e
efeitos que circundam experiências de imersão, em suma, toda a experiência
audiovisual do clube é formatada para presentear o público dessa forma.
Por outro lado, ainda prevalece nos discursos de alguns VJs a proposta de se
desenvolverem trabalhos que vão ter o seu sentido apreendido num momento
Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Conceptualidade | Mensagem e Sensação 75
posterior, ou seja, há aí uma menção a processos de associação. A pré-montagem
e a manipulação em tempo real, podem conjugar sequências compreendidas em
acções, que apresentadas de determinada forma, arquitectam mensagens. As
imagens, por seu grau de abstracção e velocidade atentam os sentidos, e mesmo
em trabalhos com imagens figurativas o pacto é de experimentação sensorial, de
vivência. Esta experiencia “mais que uma extensão, é uma exacerbação dos
pactos tradicionais, mas é, contudo, ainda um pacto, sem o qual nenhuma
vivência criará o registo poético.” (Moran, op. cit. 2009-2) O registo poético a que
Moran se refere, é a criação de uma mensagem congeminada esteticamente.
A verdade é que, o VJ pode procurar criar essas sensações, como um processo
reflexivo muitas vezes não imediato, podendo comportar-se ao subconsciente.
Neste ponto, pode-se falar de mensagens subliminares. Mensagem subliminar é a
definição usada para o tipo de mensagem que não pode ser directamente
captada pelos sentidos humanos. Subliminar é tudo aquilo que está abaixo do
limiar, no subconsciente. Toda mensagem subliminar pode ser dividida em duas
características básicas: percepção e persuasão. A percepção subliminar é a
capacidade que o ser humano tem de captar de forma inconsciente mensagens
ou estímulos fracos demais para provocar uma resposta consciente. Segundo a
hipótese, o subconsciente é capaz de perceber, interpretar e guardar uma
quantidade muito maior de dados que o consciente. Como exemplo, imagens que
possuem um tempo de exposição pequeno demais para serem percebidas
conscientemente, ou sons baixos demais para serem claramente identificados.
Dados que passariam despercebidos pela mente consciente seriam na verdade
interpretados e guardados. Nas performances de VJing, o ritmo inconstante de
imagens pode provocar essa mesma percepção subconsciente.
A repetição desses fragmentos de imagem permite o impulsionar determinadas
mensagens, dependendo do conteúdo em si. O espectador constrói as suas
próprias narrativas subjectivamente e hipoteticamente pode armazenar alguma
informação ou sensação que posteriormente se figura.
Relativamente à persuasão subliminar, esta centra-se na capacidade que uma
mensagem tem como influência no receptor. Não está provada cientificamente,
ao contrário da percepção subliminar, e por tal, segundo a hipótese qualquer
mensagem subliminar tem um determinado grau de persuasão, e pode vir a
influenciar tanto as vontades de uma forma imediata (fazendo por exemplo, uma
pessoa sentir vontade de beber ou dançar), como até mesmo a personalidade ou
gostos pessoais de alguém a longo prazo (e.g. mudando o seu comportamento
transformando uma pessoa tímida em extrovertida). Esse grau de persuasão
deveria variar de acordo com o tempo de exposição à mensagem e com a
76 Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Conceptualidade | Mensagem e Sensação
personalidade do receptor . Em VJing faz sentido uma influência imediata, pelo
seu elevado grau de efemeridade. Por exemplo, induzir mensagens cujo conteúdo
são acções muito particulares como beber, dançar, beijar, sorrir, chorar, podem
suscitar mudanças de estados de espírito e impelir a vontades. Obviamente que
faz mais sentido considerar esta influência quando existe um certo grau de
persistência sobre essa determinada acção, i.e., quando existe repetições pelo
ritmo performativo.
Actualmente o termo subliminar tem sido usado com um sentido diferente da sua
definição original. O termo subliminar é muitas vezes usado como um sinónimo
de subentendido. Pode ser subentendida toda mensagem que não está expressa
de forma imediata, tendo seu significado implícito. Ela pode ser percebida
directamente por dedução, associação ou análise de contexto. Mensagens menos
óbvias correspondem de certo modo, à grande maioria dos visuais pela tendência
ao abstracto e pela ausência de narrativas fechadas. No campo das artes visuais
performativas, a experiência não é óbvia para o consciente, mas antes sim, uma
constância de estímulos e de construções ilusionistas. Em muitos casos, as
pessoas são induzidas a encontrar um significado qualquer onde necessariamente
não há nenhum. É um exemplo de pareidolia também definida como validação
subjectiva ou uma forma de auto-ilusão. Nesse caso, uma pessoa costuma usar o
seu conhecimento, vivência e suas opiniões pessoais, imprimindo suas ideias
naquilo que está a ver, causando uma distorção. O resultado é que a mesma, cria
um novo significado para aquilo que ela está a ver.
O objectivo da evolução sensorial, emocional e cognitiva, aliada a um processo de
identificação na melodia das imagens, no ritmo, das formas e figuras mais ou
menos concretas, comportando uma evolução no estágio de experiências, é tudo
aquilo que figura o poder dos visuais na sua consciência conceptual. As inúmeras
possibilidades criativas existentes nas artes da imagem em movimento, tornam-
se activas a partir do momento que a imagética se estrutura e se interioriza nas
suas capacidades expressivas.
Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Conceptualidade | Mensagem e Sensação 77
3.3. VJING E ESPAÇO
Para além da simbiose entre som e imagens, as características do espaço de
realização, como arquitectura, iluminação, bem como a quantidade, tamanho e
disposição dos ecrãs onde são projectadas as imagens, determina o sucesso da
performance audiovisual, bem como, consequentemente, o tipo de diversão para
o público. A combinação destes diversos factores variáveis estimula os sentidos e
transforma o local num ambiente de sinestesia composto pela mística activa da
imagem e do som. O espaço aqui assumido define-se como aquilo que demarca o
entre, subsistindo com visualidade material. O espaço entre é perceptível
visualmente, coabitado por luzes, projecção, sons e movimento, que reduzem o
espaço ao restringir o campo de visão, criando um ambiente circunscrito. Este
ambiente constitui portanto, como Moran refere, pactos com o público.
Quando se discursa sobre pactos, assume-se um conjunto de validades perante
um determinado contexto. Pactos, no contexto de VJing, são delimitações de
variáveis que podem ser assumidas em prática e se constroem numa negociação
reactiva entre público e performance. Ambientes imersivos, ilusionistas,
intelectuais, são exemplos de alguns pactos possíveis. O cinema, por sua vez, é
mestre em narrativas ilusionistas cujo pacto passa pela elaboração de um enredo
segundo técnicas e recursos expressivos da cinematografia. As vídeo-instalações
e outros diversos trabalhos com performance, possuem um pacto diferente, mais
próximo ao que os VJs promovem. Estes pactos passam pela aglutinação de luzes,
sons, quantidade de pessoas, disposição de telas, oferecendo uma ambiência que
procura jogar com intensidades de imersão.
É importante referir que o espaço de projecção e o espaço físico de cada local é a
variável menos controlável nas actuações de VJing. A maioria dos VJs enquadra-
se perante a pré-definição do local, pois para assim não ser, o VJ necessitaria de
transportar equipamento como telas e projectores, o que não se figura acessível
para uma actividade ainda insuficientemente valorizada. A verdade é que, apesar
das condicionantes de cada local, através da conceptualidade, da performance e
da relação musical, o VJ pode criar outros espaços, isto é, o espaço imaterial,
aquele que se estabelece pela mente do público, embutidos em experiência e
estímulo.
O meio é assim modelador de nossa percepção e é modelado por ela. O espaço
existe em função de como o percebemos e a nossa percepção é por ele dirigida.
Por outras palavras, o espaço é um “produto de complexos processos mentais” ou
um “construtor mental que condiciona a nossa relação com o mundo.” (Anders,
Peter 2003, cit. por Moran op. cit., 2009) O espaço é assim, resultado de uma elaboração
Img.28 Possíveis configurações
espaciais em VJing.
78 Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Espaço
[1] Mia Makela (Solu)
Professora/ pesquisadora/
Artista de origem finlandes e
dedica-se à prática e essaio da
arte audiovisual em tempo-real,
investigação independente, e
activismo cultural. Residente em
Berlim. (www.solu.org)
mental e hoje em dia ampliam-se igualmente espaços imateriais e espaços-
-imagens. A distribuição de telas no lugar e a constância de luzes cromáticas
criam o espaço-experiência, o espaço-estímulo, dentro de projecções-espaço,
proporcionando uma experiência que por um lado é imersiva (e.g. semelhante ao
cinema, realidade virtual e jogos) mas que por outro lado é um quadro vivo e
artístico, por ser caracterizado por imagens-luz, fulgurantes e ritmadas,figurativas
ou não figurativas.
3.3.1. CARACTERIZAÇÃO DO ESPAÇO EM VJING
A organização espacial de Vídeo Jockeying, não apresenta a projecção num lugar
completamente privilegiado, e isso deve-se ao facto de se procurar criar uma
relação particular entre o olhar do público e experiência ‘cinematográfica’. Esta
organização espacial não tenta canalizar a atenção do espectador para a imagem,
já que, espectador e imagem estão em movimento contínuo, reencontrando-se
esporadicamente no decorrer da projecção. Pode-se dizer que, em performances
audiovisual ao vivo, o mecanismo de projecção, o espaço e a audiência em si são
movimentados numa condição virtual. O espaço em VJing funciona como uma
sala de protecção que, em vez de tentar conectar o olhar do espectador ao filme
através da ‘situação do cinema’, deixa-os livres, para que possam encontrar-se
reciprocamente por si mesmos, numa nova forma de exploração cinematográfica:
imagem e espaço, homem e máquina absorvem-se mutuamente.
Para caracterizar o espaço que envolve a acção do VJ é necessário pensá-lo nas
diferentes partes que o constroem. Tomando a abordagem de Mia Makela [1] na
sua tese Live Cinema : Language and Elements(2006), na qual a mesma o
considera em cinco partes distintas: digital, desktop, performance, projecção e
físico, aqui propõe-se outra sequência baseada em seis espaços mais ou menos
palpáveis: físico, digital, projecção, performance, luz e som e imersão. Esta
divisão tem como pretensão abordar os espaços menos lineares, aqueles que se
impulsionam perante o papel activo e singular de cada observador.
3.3.1.1. ESPAÇO FÍSICO
O espaço em VJing é assim, uma complexa organização de diferentes espaços que
proporcionam na sua totalidade o espaço-experiência. O primeiro espaço a ser
considerado é o espaço fisco em si, aquele que é partilhado pela audiência e o
artista performativo. O espaço físico define o set do VJ. Este espaço é definido
por questões arquitectónicas que devem ser consideradas pois podem influenciar
o factor de visibilidade da projecção e consequentemente o sucesso sensorial da
Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Espaço | Caracterização do Espaço | Espaço Físico 79
imagética do performer. Para o VJ é importante analisar o espaço físico antes de
realizar a performance, especialmente se lhe for dada a possibilidade de o
compor com projectores e telas, controlando superiormente a particularidade
visual do seu trabalho. A verdade é que, grande parte das vezes, esse controlo
espacial não se aplica, já que os espaços pré-definem esse detalhe, e o VJ nem
sempre possui possibilidades económicas para possuir e transportar telas e
projectores. É preciso ter uma atenção especial para que os projectores não
afectem directamente a audiência com os raios de luz, e em alguns casos, usam-
se espelhos para redireccionar as projecções evitando esse desconforto visual.
O espaço físico, para algumas artistas visuais, é o ponto de inicio para planear a
performance. A projecção pode ser realizada num canto ou à volta do espaço e as
imagens podem ser planeadas de tal modo que transformam o espaço, ou dão a
ilusão de um novo espaço. Projectar imagens 3D no na tela, por exemplo, pode
resultar na ilusão de que o espaço continua com a projecção. Os visuais podem
igualmente ser projectados em fumo, mas neste caso a superfície é espacial. Este
pormenor do fumo dá a ilusão de que a audiência pode tocar literalmente na
projecção. O espaço físico é também condicionado pelo público, pela quantidade
e movimentação, reduzindo ou ampliando a noção espacial. O VJ pode jogar com
essa peculiaridade apresentado visuais que reforcem essas diferenças ou
similaridades, ampliando a noção espacial.
3.3.1.2. ESPAÇO DIGITAL
A presença tecnológica e o domínio do digital são atributos iminentes em
performances como estas. O espaço digital é onde se situa o software e a
respectiva imagética do VJ. Este espaço digital, por sua vez, deve ser organizado.
Uma dos principais alicerces de uma boa performance provém da compressão
dos vídeos. A compressão é um conjunto de normas práticas que reduzem o
tamanho digital do ficheiro e com isso procura-se economizar espaço no disco
rígido do computador, i.e., economizar tempo de processamento para se atingir
rapidez no acto performativo. No processo de compressão, os dados da imagem
como a resolução (pixels), framerate e cores, são reduzidos. Esta redução resulta
num ficheiro mais pequeno, que não propicia apenas o armazenamento, mas
também acelera a o processamento em tempo-real do material de vídeo. Nas
performances de VJing o material de vídeo não é apenas reproduzido mas sim
processado por efeitos em tempo-real, requerendo uma elevada performance
pelo computador portátil. Uma compressão com sucesso é a chave para uma
performance de sucesso.
80 Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Espaço | Caracterização do Espaço | Espaço Digital
No universo digital, a interface do software ou aplicação deve ser optimizada
para um uso intuitivo e para um modo rápido de trabalho. Durante ao acto
performativo não há tempo para encontrar objectos perdidos, logo a interface
deve ser estruturada de tal forma que os principais controlos devem estar
sempre visíveis, enquanto que, os controlos menos usados podem ser activados
caso sejam necessários.
Cada performance é diferente e a interface pode igualmente variar. Isto origina
um maior sentido de liberdade de imaginação sobre o que pode ser feito, já que é
possível começar a criar de raiz. Certo é, que diversos VJs e outros artistas
performativos criam as suas próprias aplicações, desenhadas consoante os seus
objectivos, proporcionando assim uma outra liberdade criativa. Por outro lado,
software como o Resolume ou o Arkaos, oferecem uma interface com vídeos e
efeitos que podem ser activados e controlados, possuindo atalhos com o teclado,
possibilitam um show visual onde diferentes vídeos podem ser alterados com
rapidez, optimizando experiências visuais.
O VJ segue constantemente dois espaços: o espaço de projecção (output) e o
espaço da interface no computador. A verdade é que, pode acontecer que o VJ se
encontre num local onde não consiga visualizar a projecção, e neste caso, os
monitores da interface ou de um monitor externo oferecem-lhe uma vista da
performance.
3.3.1.3. ESPAÇO DE PROJECÇÃO
O espaço de projecção é variável, e é uma das principais condicionantes espaciais
para VJing. A projecção é o factor que contacta directamente com o público, é
aquele que é capaz de oferecer uma experiência gratificante, mas tudo isso
poderá depender da disposição das telas, tamanho e grau de visibilidade. Muitas
performances de VJing são apresentas num set bidimensional, onde um ou vários
ecrãs rectangulares se direccionam para o público. Embora, existem outras
possibilidades criativas na qual a superfície de projecção não tem que ser plana.
As projecções podem ser ajustadas a espaços específicos e podem igualmente
criar a ilusão de um novo espaço. Certo é, que novos artistas performativas estão
a explorar as possibilidades de expandir o ecrã e mudar a experiência audiovisual
para experiências espaciais num ambiente audiovisual. O uso de telas
transparentes, ambientes circundados por imagens, o uso de diferentes
tamanhos de telas que repetem pormenores de imagens, são algumas
possibilidades criativas que podemos encontrar. Genericamente o factor espaço
de projecção tem um papel muito activo na construção da experiência de VJing.
Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Espaço | Caracterização do Espaço | Espaço De Projecção 81
Considerando apenas uma ou duas telas (que é o mais usual), a sua posição é
relevante para a determinação do impacto visual no espaço. A direcção óptima da
projecção deve jogar com a localização do DJ. Na cultura dos clubes nocturnos
e outros espectáculos ao vivo, existe a tendência do público se posicionar na
direcção do artista musical. Atendendo a um espaço rectangular por exemplo, as
telas podem posicionar-se em qualquer desses quadrantes, embora os laterais e
o dianteiro façam mais sentido, pois permitem um maior contacto do olhar da
audiência com as imagens.
3.3.1.4. ESPAÇO DE PERFORMANCE
O espaço performativo é aquele onde se situa o VJ e todo o seu equipamento e
pode ser variável. Há uma inconstância na ligação entre VJ e DJ, pois dependendo
da configuração espacial, o VJ pode situar-se ao lado do DJ, do lado oposto ou
outro local, podendo mesmo o VJ não ser visível. Isto acontece, novamente, pela
constante subvalorização desta actividade, que faz com que várias vezes não seja
oferecido um protagonismo ao VJ. Seja como for, para uma performance mais
controlada pelo artista performativo, procura-se que o mesmo esteja num local
com visão privilegiada para o espaço de projecção. Esta necessidade prende-se
pelo objectivo de se potenciar uma performance, jogando com a reacção do
público perante a imagética apresentada.
O espaço da performance articula-se especialmente com o espaço de projecção.
Em muitos casos, o espaço de projecção esta atrás do palco onde se situa o VJ, o
qual apenas pode visualizar a imagética pelo seu computador, mas esta
configuração, por sua vez, proporciona à audiência apenas uma direcção do
olhar. O espaço performativo é assim relevante pois é aquele que enquadra o VJ
em todos os espaços externos ao seu computador, o que, dependendo das
condicionantes, pode influenciar o sucesso performativo.
3.3.1.5. ESPAÇO LUZ E SOM
O espaço organiza e propicia um determinado tipo de apropriação dos elementos
expressivos. As músicas, as imagens, as luzes, vêm corroborar a constituição de
uma experiência de percepção onde o terceiro olho de Merleau-Ponty, aquele
olho que vê as imagens materiais e mentais oscila entre a pista e a tela. (Merleau-
Ponty 1999 cit. por Moran op. cit. 2009)
O espaço luz e som, para além de marcar presença física, erige-se subjectivo para
o espectador. O som, nos clubes é caracterizado por uma sonoridade bastante
alta, as luzes coloridas estão em constante flicker, o que sugere uma configuração
82 Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Espaço | Caracterização do Espaço | Espaço Performance | Luz e Som
espacial diferente da sua origem para o espectador envolvido em estímulos.
O que acontece é que as luzes e o som oferecem ao espaço uma aura particular e
indissociável da mística da cultura dos clubes, que se articula com toda a poética
visual. O espaço luz e o espaço som, não se delineia, mas compõe o espaço físico
e mental de toda a performance. As luzes reforçam o sentido visual da pista, e o
VJ reforça essa presença do espaço-imagem. A visualidade colorida, intermitente,
ritmada e abstracta mesclada com a sonoridade constante, pulsante e inquieta,
apresentam um espaço físico alterado, enevoado por frequências rítmicas e
sensoriais. Pode considerar-se que na pista, no ambiente material também há
uma sinfonia. O ambiente funciona como melodiosa construção visual, ou seja,
instrumenta a composição do espaço pela construção de um ritmo de visuais,
áudio e luz pulsante. Esta ideia sugere noções imersivas, as quais contribuem
para uma validação espacial.
3.3.1.6.ESPAÇO IMERSIVO
Vivemos a ampliação de espaços ilusionistas, físicos ou não e a criação de espaços
imateriais funcionando como interfaces. Nesta idoneidade híbrida de criação, um
conceito que tem sido gasto recorrentemente nos últimos tempos, é a ideia de
imersão.O seu potencial uso está relacionado à proliferação de espaços imateriais
propiciados pelo computador. A imersividade é um estado de consciência no qual
a noção do espaço físico é diminuída ou totalmente perdida pelo observador, por
este estar cativado e envolvido perante um ambiente, que pode ser artificial. Este
estado é frequentemente acompanhado por um excesso espacial, um foco
intenso, um distorcido senso de tempo e uma acção sem esforço. A imersão pode
ser espacial, psicológica, emocional, e hiperboliza a particularidade do VJing como
expressão visual no seu contexto social e cultural.
Imersão é assim, uma discussão subjacente ao espaço, material ou não, e a nossa
relação com ele, caracterizada por ser uma experiência temporal. Este fenómeno,
passa necessariamente pelo contacto do corpo físico e dos sentidos com o meio
em que se localiza o observador. Os espaços, físico e imaterial, organizam a
percepção de forma a se complementarem ou estabelecerem atritos. Novas
noções e experiências de espaço somam-se ao espaço tradicional, i.e., ao espaço
físico. As trocas e a percepção resultantes do convívio com os computadores e
espaços a eles contíguos têm os seus termos definidos por pactos ilusionistas
construídos pelas performances de VJing.
Tanto as noções de imersão quanto as de ilusão e ilusionismo definem-se numa
negociação entre o sensível e inteligível.Para Oliver Grau a imersão é um conceito
Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Espaço | Caracterização do Espaço | Espaço Imersivo 83
algumas vezes “opaco e contraditório” pois “proporciona uma experiência
complexa e multifacetada dependente da posição do observador.” Grau coloca
ainda a imersão como “um processo estimulante intelectualmente, ao mesmo
tempo uma mudança, um processo de absorção mental em que há trânsito de um
estado mental a outro, caracterizado pela distância crítica em relação ao que está
a ser mostrado, e o crescimento emocional naquilo que está a acontecer.” (Oliver,
Grau, Virtual Art. From Illusion to Immersion, 2003 p.13)
A imersão pode assim ser entendida como uma zona instável dos sentidos, i.e.,
uma zona de instabilidade de preceitos estritamente racionalistas. Referindo
Patrícia Moran, é uma “zona sensorial, de sinestesia, região de trânsito capaz de
proporcionar insigths e propiciar a construção de descobertas.” (Moran, op. cit. 2009)
Mais, ou menos, dirigida em função do evento no qual é promovida, a imersão é
a experiência de relações multifacetadas. Um ambiente físico ou intelectual
envolve a pessoa de tal modo que ela submerge noutra realidade, produz outra
realidade, sem abrir mão por completo de suas referências mais concretas. O
pacto ilusionista pressupõe portanto, a aquiescência do cognitivo.
Em VJing, esta experiência que produz a sensação de se estar a circular por outra
realidade, que envolve todo o nosso aparelho de percepção, é administrado pelo
potencial da performance em arquitectar público, música e espaço, juntamente
com o conceito visual pré-definido. No contexto espacial e social do clube, a
presença de imagem gera-se em norma, com um caris secundário face à música.
A possibilidade de construir rasgos imersivos, e envolver o público em diferentes
realidades, é uma possibilidade criativa para alguns VJs que compreendem que
situação de Vídeo Jockeying implica a efemeridade, a não-narratividade e o vinco
da sensação. Todos estes parâmetros reforçam o poder da imagem e veiculam-na
como parte integrante de um complemento espácio-cultural.
Um espaço imersivo em VJing é sobretudo um espaço imersivo sensorial, no qual
imagens se constroem pelo apelo à sinestesia, entre ritmos, formas, padrões,
cores, luzes e sons oferecendo uma nova noção espacial. O produto imersivo não
é provocado linearmente em VJing, pois implica sensibilidade performativa,
embora existam determinados factores que reforcem a sua exaltação. Imagens
abstractas, padrões que se repetem por ritmos e cores, quase num sentido
hipnótico, delineiam essa construção mental do espaço. A imersividade é pois,
um reforço do poder da manipulação da imagética, oferecendo ao público uma
experiência única e particular, completando a filosofia do espaço. Neste ponto, é
importante definir como se impulsiona essa imersividade e validade espacial.
84 Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Espaço | Caracterização do Espaço | Espaço Imersivo
3.3.2. PROJECÇÃO ESPACIAL E VALIDADE SENSORIAL
No processo criativo, uma construção espacial oferece uma ligação forte entre
público e imagem, e dessa ligação por pactos deverá sobressai uma experiência
válida e gratificante. A manipulação espacial material, imaterial e de estágios de
consciência pode ser assim traçada de forma a proporcionar sucesso sensorial.
Sucesso ou validade sensorial determinadas pelo espaço visam, portanto, assumir
a capacidade imersiva. Um espaço para evidenciar imersão deve jogar com a
dimensão e disposição das telas de projecção.
O VJing é um acontecimento no espaço material temporizado, construído por
projecção, luzes, sons, pessoas e movimento. Por outras palavras, existe um
espaço sensorial, onde o sentir e o pensar se cruzam. O estímulo constante dos
sentidos numa presença espacial deve atribuir-se pela singularidade do espaço de
projecção estar sempre visível ao olhar do público. Este é o primeiro ponto que
potencia a validação sensorial perante o espaço. Para além disso, o continuado
estímulo de luzes, das projecções, da música, das imagens que cintilam e das
pessoas em profusão, cria um ambiente dispersivo orquestrado pela estimulação
retiniana.
Conquanto, a iconografia dos VJs nem sempre é narrativa, o que autoriza
espacialmente uma distribuição consciente dos elementos da performance,
potenciando o uso de múltiplas telas de projecção. Mas na verdade, predomina
ainda o palco italiano, ou seja, todo o público voltado para uma única direcção.
Pode haver no palco um tríptico, ou uma tela central e pequenas televisões ao
lado, ou mesmo telas cenográficas que se estruturam em formas, mas ainda
prevalece a projecção unidireccional. Nestes casos, as luzes estroboscópicas e
coloridas fornecem ao ambiente uma imersão que poderia ser conquistada
também com as telas, maximizando-se o papel das projecções no conjunto dos
elementos utilizados para se montar o espaço.
A arquitectura do espaço sensorial consolida-se perante as particularidades do VJ
que se apresenta. A natureza do trabalho, as suas cores, a sua proposta, criam o
ambiente, solicitam movimentação espacial determinada em função da proposta
da projecção. Existem, por sua vez, múltiplas capacidades de composição espacial
que figuram deferentes possibilidades sensoriais. O uso de múltiplas projecções,
atingindo mais de 180 º, é uma possibilidade não tão comum, mas existente.
Estas projecções são impossíveis de serem visualizadas numa única tomada de
olhar mas reforçam substancialmente o espaço-experiência.
Experiências com projecções múltiplas e manipulação de imagens não são uma
ocorrência que se reduz aos dias de hoje. Pelo contrário, na história das
Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Espaço | Projecção Espacial e Validade Sensorial 85
vanguardas cinematográficas, como Peter Weibel, Gene Youngblood e outros
autores, são recorrentes trabalhos projectados em multi-direcções. Assim, o
espaço físico onde estão as pessoas e as projecções, e o espaço da projecção em
si, fazem-se presentes no conteúdo das imagens, alterando a óptica privilegiada
na apresentação. Isso é resultado tanto da velocidade impressa à imagem,
quanto das cores e da relação de conteúdos entre telas.
Ainda em múltiplas projecções podem-se encontrar variadas configurações, como
alterar dimensões de telas, permitindo oferecer experiências que concebem
composições de modo a permanecer no campo de visão uma tela inteira e
pedaços de outras. É de reforçar que a dimensão da tela interfere na construção
visual do cenário, i.e., o tamanho da tela altera a percepção do movimento: em
telas maiores o movimento parece mais lento, em telas menores o movimento
parece mais rápido. Esta conjugação de diferentes dimensões, oferece
temporalidades distintas à performance, permitindo ampliar as explorações
conceptuais da intervenção, já que o tempo de evolução da imagem imprime
sentidos temporais e intensidades variadas à imagem e ao som.
Nem sempre a dimensão e disposição das telas é suficiente para a constituição de
um espaço imersivo, é preciso considerar igualmente a conceptualidade, a
performance e as ligações de sinestesia com a música para se potenciar essa
experiência. Estas outras variáveis são substancialmente consideradas quando se
considera um espaço de projecção unidireccional. Quando a presença da imagem
se faz sentir apenas numa pequena parte de todo o espaço da performance, a
força sensorial deve ser experienciada pela capacidade criativa do VJ. O conteúdo
da imagética é ponto fulcral da obra visual. A performance, por outro lado, é
aquela que dá vivacidade à imagética, construindo experiências únicas e
efémeras para a audiência, pois a imagem impõe-se não apenas em função
daquilo que mostra, mas igualmente em função de como é mostrada. Em alguns
momentos é importante provocar uma reacção ao público, em função do ritmo e
estimulação que as imagens provocam, tanto pela velocidade na manipulação
quanto pela natureza da imagem. Potenciar uma projecção unidireccional pode
conceber-se assim, provocando choque físico produzido pela imagem, de forma a
‘inserir’ a pessoa da pista no vídeo projectado.
O espaço em VJing é um conjunto de soluções criativa que depende da intenção
visual. O espaço nem sempre pode ser controlável, mas é possível orquestrar
todas as particularidades presentes e dinamizar o sucesso da sessão de VJing. O
espaço é assim o entre, entre luzes, entre imagens, entre sons, entre pessoas,
entre a certeza de se estar numa festa e a experiência de visitar paisagens físicas,
pessoais e imaginadas.
86 Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Espaço | Caracterização do Espaço | Espaço Imersivo
3.4. VJING E PERFORMANCE
O que distingue VJing de outras performances é a construção visual em tempo-
-real, pois na verdade estamos diante de um evento profano, mas com aura, e se
esta aura for entendida como um acontecimento único, que não se pode repetir,
a experiência é sempre distinta. O acto da performance envolve improvisação,
interacção, sinestesia, imersão, possibilidades narrativas, e uma infinidade de
outras faculdades. Em VJing há um trabalho criativo, um trabalho que adquire
corpo e estrutura em tempo-real. As telas piscam, imagens nervosas repetem-se
proporcionando uma contemplação bucólica. Há uma primazia da acção sobre a
duração contínua, as imagens instalam temporalidades pela evolução das formas.
O ritmo vem pela mão dos VJs, que alteram bancos de dados, por sequências de
imagens construídas e adquiridas das mais diversas tecnologias. O ambiente, este
é uma pista de dança, um lugar construído pelo som do DJ e pelos visuais do VJ.
Sabemos que a tecnologia está estreitamente ligada à obra criativa, permitindo
que seja possível propiciar experiências inefáveis, demandando incessantemente
um papel activo por parte de um indivíduo. O Vídeo Jockeying é uma expressão
desta mudança e representa um contínuo desejo de intersecção dos sentidos,
como a visão e audição, bem como da performance e interface, do corpo humano
com a tecnologia e expressividade.
Sendo assim, nesta atmosfera audiovisual, a base performativa baseia-se no
Jamming, i.e., a improvisação pelo VJ. Assim, a improvisação e a imprevisibilidade
de sons e imagens, combinadas com o público e o espaço em si, transformam o
momento de performance num evento singular, impossível de ser revivido em
toda sua profundidade. Ao se compreender esta capacidade temporal e efémera,
podem-se combinar um conjunto de teorias e práticas criativas que se articulam
pela música, conceptualidade e espaço, garantindo a validade da experiência.
A performance constrói-se como um processo comunicativo. Pegando no modelo
simples de C.E.Shannon e W.Weaver (1949), há um emissor, neste caso o VJ, o
qual é responsável pela codificação da mensagem, existe a mensagem em si que
é construída de em tempo-real pelo próprio VJ durante o momento performativo,
mensagem esta que é enviada por um canal, neste caso pela projecção, existindo
um receptor, i.e., a audiência, à qual se quer promover uma experiência, e que
detém a aptidão de descodificar essa mensagem. Neste processo comunicativo
existe igualmente ruído, oferecido pela quantidade de luzes estroboscopias,
fumo, quantidade de pessoas, e qualquer outra variável que prejudique o acesso
à mensagem. Mas após a recepção dessa mensagem por parte do público, este
Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Performance 87
emitirá um feedback, e esse tem que ser perceptível pelo VJ, já que é através das
reacções do público que constrói o contínuo e diversidade de mensagens. Nessas
reacções efémeras da audiência perante os visuais e a música, o VJ é capaz de
proporcionar intensidades performativas, as quais têm um efeito impactante na
evolução da experiência. Em VJing, não existe um contacto visual permanente da
audiência com a projecção, e por tal a performance deve ser pensada e edificada
nesse sentido. Falar em performance em VJing é assumir a sua base construtiva
em tempo real e marcá-la como a característica que a avulta de todas as outras
performances artísticas fundamentadas em imagética.
3.4.1. PERFORMER E AUDIÊNCIA
No momento performativo constrói-se a obra, a qual o VJ desenha consoante o
contacto com a pré-concepção da imagética e através de decisões impulsivas e
reactivas perante a audiência. Este evento é transitório, move-se em tempo-real
e ao vivo, e demanda uma incessante comunicação entre o performer e o público.
Ao longo do contínuo e efémero instante performativo estabelecem-se conexões
entre estes dois elementos. Há um duplo diálogo entre as imagens e os sentidos
da audiência, e entre a audiência e a sensibilidade do VJ. Por este prisma, a obra
em si apenas se figura através desta interacção. Contudo, uma comunicação de
sucesso nem sempre é exímia, pois subsistem graus de aleatoriedade e de
imprevisibilidade, desenhadas pelo improviso. Christine Mello, no seu artigo
Imagens ao vivo, afirma sobre este assunto que "quando projecções incluem a
participação da audiência e tempo-real no próprio núcleo de significado e
construção sensorial, elas tornam-se numa espécie de arte que não é orientada ao
objecto, transitória e efémera, em oposição à arte relacionada com um produto
específico (como um videoclip), para o resultado final de uma peça ou a
contemplação de um espectador." (Mello, op. cit, consult. 22-05-2009)
O objecto artístico em si, não é suficiente como estudo, pois este ganha corpo nas
relações momentâneas, e o valor artístico, por sua vez, conquista significado com
base na experiência.
Uma das marcas do trabalho realizado ao vivo é sua relação com a pista. Mesmo
previamente definida, a sequência dos sets de imagens dependerá da atenção
ou dispersão da pista. A esta atenção e vibração do público é cognominada de
Temperatura de pista, sendo uma expressão próxima à temperatura de cor, mas
aqui procura-se um tipo de tom, cor, ritmo e qualidade visual para se constituir
um ritmo de fruição, uma evolução de estímulos. O performer é responsável pela
escolha do que projectar, quando projectar, o momento de retirar a imagem e
88 Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Performance | Performer e Audiência
deixar apenas a cor branca ou outra cor, relacionando-se à construção do ritmo
com o público. O modo como está a atenção do público, a quantidade de pessoas
ali presentes e a música tocada vai criar a experiência.
Não existem regras que delineiam para qual imagem mudar ou não, mas existe
um processo cognitivo: a cognição situada. Esta é-nos apresentada como um acto
cognitivo resultante de uma simbiose quase perfeita entre o aprendiz e o meio
envolvente, criado para favorecer uma aprendizagem, baseada em circunstâncias
interactivas e em tempo real. A cognição situada define que todo ato cognitivo é
um ato experiencial, e, portanto, situado, resultante do acoplamento estrutural e
da interacção congruente do organismo no seu ambiente, ou seja, organismo e
ambiente constituem uma unidade inseparável, e a dinâmica de interacção
ocorre contínua e simultaneamente. Esta teoria ajuda a explicar estas pressões
de tempo, escolhas em tempo-real, bem como a importância das acções no
contexto destas práticas criativas. Como se activa a desempenho cognitiva no
ambiente usando ferramentas e técnicas, bem como o movimento e espaço em
tais ocorrências realizadas, tem uma importância fundamental na construção de
experiências reactivas ao trabalho realizado. Aprender em tempo-real quais as
imagéticas, efeitos, e ritmos que funcionam num determinado momento entre a
música e o público, é o que permite ao VJ tornar-se mais consciente da imagem
performativa, potenciando posteriormente as suas apresentações.
VJing cria reinos improvisados, onde os participantes se envolvem na criação
momentânea do performer. Certo é que, para a audiência uma imagem passa, tão
rápido, sendo difícil de afirmar a sua função, o seu contorno, numa primeira vista,
e volta associada com outra, permanecendo agora por mais tempo, mas mesmo
assim a imagem volta a escapar. A falta da imagem, aquela imagem que se tornou
a companheira sequencial, passa a funcionar como uma solicitação para o ver.
A construção visual funciona em sequências e ritmo, e essa articulação permite a
construção de narrativas por cada elemento da audiência, pois trata-se de uma
obra aberta a múltiplas interpretações, independentemente das suas medidas de
abstracção ou figuração. A performance não conta histórias, mas sim induz à sua
criação, i.e., o público é convidado a explorar a imagem e respectivas mensagens.
A criação de narrativas é apenas uma amostra do poder imagético. O performer
deve assim, contactar o público e convidá-lo a olhar mais vezes para a projecção
usando repetições de imagens,sugerindo uma construção colectiva de um espaço
e tempo. Apesar de não existir uma narratividade vincada, como no cinema, onde
existe gradações de clímax, plot points e resoluções, existe igualmente essa noção
de ritmo evolutivo. Pode considerar-se um progresso temporal, não só vincado
Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Performance | Performer e Audiência 89
pela resposta da audiência, mas igualmente desenvolvida pela expressividade do
artista performativo, o VJ.
A construção visual deve obedecer a um conjunto de processos de aprendizagem
ao vivo, baseados na configuração visual e na reactividade de um público. O acto
performativo é a base estrutural de todo o trabalho de VJing, é o que proporciona
momentos sinestésicos, a construção de um ambiente imersivo, e a comunicação
das mensagens que foram previamente arquitectadas num momento conceptual.
A performance é um contacto, uma capacidade de criar laços entre as sensações
e as imagens, é de facto, o momento criativo. O sucesso performativo envolve
assim, experiência e conhecimento de causa, que apenas poderá ser harmonioso
com treino da prática. Falar em VJing e nas correspondências entre audiência e
performance é acima de tudo, saber dialogar.
Concluindo esta ideia, segundo Edmond Couchot, “a imagem é, uma actividade
que põe em jogo as técnicas e um sujeito (artesão, artista...) que, além de operar
com estas técnicas, possui um savoir faire que leva um ‘traço’, voluntário ou não,
de uma certa singularidade. Como operador, este sujeito controla e manipula as
técnicas, mas ele também é ‘operado’ por elas, é modelado pelas técnicas através
das quais ele vive uma experiência íntima que transforma a percepção que ele
tem do mundo: é a experiência ‘tecnestésica’. As técnicas não são somente modos
de produção; são também modos de percepção do mundo. As técnicas novas não
se entranham necessariamente numa nova imagem, mas fazem surgir as
condições da sua aparição.” (Couchot, op. cit., 1998)
3.4.2. INTENSIDADE NA CONSTRUÇÃO VISUAL
Durante a performance, a ‘vibe’ do público interfere na lista do DJ, o VJ, por sua
vez, selecciona as imagens consoante as músicas que são tocadas e perante a
reacção dos participantes. A escolha de cores e velocidade, como exemplo, pode
estimular a audiência com maior ou menor intensidade, permutando a sensação
do ambiente. A intensidade é a forma que o VJ possui para atrair a audiência, de
captar a sua atenção, fazendo com que sinta o que a imagem produz, podendo
incluir uma possibilidade dramática. A intensidade está directamente relacionada
com o nível de energia expressa ou modelada através de um sistema. Variar
intensidades funciona como atracção cognitiva.
Na visão, estudos psicológicos mostram que não é cor, mas o contrastaste em
intensidades luminosas que é importantes para a percepção de movimento,
profundidade, perspectiva, movimento relativo de objectos, sombreamento e
90 Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Performance | Intensidade na Construção Audiovisual
gradações de textura. Criar tensão dramática e manter a atenção em práticas
como VJing, pode ser assim, conseguida, variando contrastes ou através da
construção de intensidade. Exemplos deste incluem velocidade e movimento,
mudanças de direcção ou de qualidade de movimento, as formas e as mudanças
de forma, tonalidade, brilho e saturação, timbres e qualidades tonais, ritmo e
outros dispositivos composicionais.
Uma estrutura dramática em narrativa é forjada ao longo do conflito e plotpoints,
subindo a acção e resolução desses conflitos que constroem a intensidade para
um clímax. O drama é criado através de intensidade. A simples exposição de
forma dramática invoca um grande clímax e resolução. Em VJing não existe uma
narrativa concreta, mas existe um conjunto de factores que determinam picos de
ritmo e intensidade. Nesse ponto, quando se associa uma presença dramática em
VJing, está-se a reportar a um conjunto de variáveis rítmicas que se aglomeram
com o som, e criam momentos mais marcantes na experiência performativa.
No design de som, por sua vez, a articulação do som em tempo é chamado de
"envelope". O envelope possui ataque, suspensão, decadência e libertação.
Envelopes são meios familiarizados para moldar e manipular sons em samplers e
num software ao longo do tempo. O envelope é também utilizado para conceber
diferentes timbres ou tonalidades de som. Em termos de percepção, alguns dos
neurónios envolvidos na audição só são sensíveis ao início de um som e outros ao
final de um som. Isto significa que processamos o som de forma temporal e em
situação “envelope”, o que influencia a percepção do timbre. Outros métodos
gerais de produção de intensidade dramática na música são frequência ou pitch,
intensidade sonora ou amplitude, do espaço e timbre. Posto isto, as práticas de
VJing devem ter em consideração estas diferentes intensidades existentes na
música e na imagem. As intensidades, em especial na imagem, podem conseguir-
se articulando conteúdos imagéticos fortes, efeitos em ritmo. Por outro lado, os
artistas de VJing não devem recear usar a tela vazia, tal como um compositor usa
o silêncio ou pausa nas notas da música.
Intensidade é assim, um elemento importante da arte do movimento, não exige
convenções da história, sendo importante para a criação e exploração de novas
práticas que convergem áudio e visual e físico e corporal num trabalho
socialmente interactivo.
Compreender como a intensidade funciona é, também importante em termos de
modelagem de formas mais expressivas. Isto é especialmente verdade em termos
de formas musicais, que contêm diferentes intensidades e contrastes delimitadas
frequentemente por uma série de secções. Usando intensidade expressivamente
em multimédia, significa que se entende como expressar intensidade no
Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Performance | Intensidade na Construção Audiovisual 91
som, com a luz, nas imagens em movimento, bem como o modo como estas
formas podem ser misturadas e moldadas de forma a criarem um trabalho mais
apelativo e expressivo.
A intensidade expressiva pode ser realizada através de diversas configurações
performativas, contudo existem algumas predominâncias. Como exemplos, usar
ritmos diferentes com a mesma imagem numa agrupada sequência induzindo
sensações opostas como serenidade e confusão. Um outro exemplo pode ser o
de tentar provocar choque físico pela imagem, de forma a ‘inserir’ a pessoa da
pista no vídeo projectado. Para tal, a imagem pode prolongar a noção espacial,
acontecendo especialmente com visuais em 3D. Estas configurações dependem
sempre da intenção performativa, embora o momento intensivo se crie por um
processo de alguma capacidade de sensibilidade e improviso.
Existem inúmeras possibilidades de configuração das performances, contudo é
certo que a intensidade é a forma de se estabelecer diálogo entre VJ e público.
Este diálogo funciona em parelha com o musical, e arquitecta igualmente, uma
experiência que é distinta. VJing constrói-se nesse jogo de sensibilidades entre o
que é projectado e como se proporciona a reacção, de tal forma que, se adeqúe
seguidamente o continuo da performance a essa reacção. Intensidade é assim, a
ferramenta das performances.
3.4.3. TECNOLOGIAS E INTERACTIVIDADE
No curso deste século, verificamos um deslocamento das funções instauradoras
pelo artista para funções da sensibilidade receptora, o que produz na esfera das
artes uma certa desordem conceptual caracterizada pela mistura e hibridação de
géneros, poéticas e atitudes artísticas. A verdadeira qualidade da nossa relação
com o real não reside agora portanto, na impressão visual, mas sim nos modelos
formalizados dos objectos e o espaço que o cérebro cria a partir das sensações
visuais. Essas sensações visuais são lançadas pela aspiração a uma sinestesia e sua
correspondência sensorial, assim como o fascínio pela visualização do som e sua
materialização. Estas distintas propriedades criativas têm contribuído para
arquitectação de diferentes configurações artísticas. Por um lado, produzem-se
obras que procuram estruturar a experiência sensível do espectador, i.e. que se
constituem como dispositivos de percepção. Esta vertente implica o espectador
como ‘suporte’ da construção perceptiva, sendo nele que esta se projecta.
Paralelamente, existe a possibilidade de criação de um dispositivo de interacção,
com funcionamento análogo ao sistema sensorial e que vai implicar a acção ou
92 Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Performance | Tecnologias e Interactividade
actividade do espectador na gestão dessa relação de analogia. Nestas duas
vertentes o espectador é integrado na trama constitutiva da obra, tanto passiva
como activamente,mas sobretudo implicado numa extensão do sistema sensorial.
Em VJing as sintaxes visuais, podem assim obedecer apenas a construções
orientadas para a criação de sistemas e dispositivos perceptivos, que modelam a
experiência sensível do observador, por outro lado, podem igualmente construir
a experiência orientada no desenvolvimento de sistemas e dispositivos para uma
performance, que implicam o corpo e a acção. Neste último ponto cruzam-se
questões sobre interactividade na obra artística, na qual existe uma necessidade
reactiva por parte do receptor.
O tema da interactividade, por sua vez, percorre quase todo o século XX. Marcel
Duchamp já defendia que era o espectador que realizava a obra, o que faz indicar
uma preocupação com a recepção. Este sentido receptivo e de introdução do
receptor na obra de arte, pode seguir esta linha de percurso: participação passiva
(contemplação, percepção, imaginação, evocação, etc.), participação activa
(exploração, manipulação do objecto artístico, intervenção, modificação da obra
pelo espectador), participação perceptiva (arte cinética) e interactividade, como
relação recíproca entre o utilizador e um sistema inteligente.
Pode afirmar-se que toda a arte é interactiva pois toda a expressão artística é
fruto da interacção entre a obra, o artista e o interpretante. Os signos que
compõem a obra de arte são expressos pela interacção entre a subjectividade do
artista, o meio pelo qual ele dispõe para materializar a obra. Com base na teoria
dos signos de Pierce, pode considerar-se que o signo artístico, como qualquer
outro, só obtém realmente sentido de arte quando exposto a um interpretante
ou um agente inter-relacional capaz de dinamizar a obra de arte. Assim, o
processo artístico é um complexo de inter-relações, uma troca de signos entre
múltiplos elementos integrados no diálogo em constante movimento, onde
cooperação e conflito originam uma linguagem estética que comunica uma ética
inerente a cada cultura e a cada época, mas que está presente em todas
manifestações criativas.
Contudo, o advento da tecnologia, permitiu pensar em novas formas de se pensar
em comunicar artisticamente. Estes artistas tecnológicos, por sua vez, estão mais
interessados nos processos de criação artística e de exploração estética do que na
produção de obras acabadas. Interessam-se acima de tudo, pela realização de
obras inovadoras e ‘abertas’, onde a percepção, as relativas dimensões temporais
e espaciais representam um papel indubitável na maioria das produções da arte
ligada à tecnologia. Nesta vontade participativa surgem as artes interactivas, as
Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Performance | Tecnologias e Interactividade 93
quais inserem na análise performativa, uma capacidade construída por interfaces
técnicas com noção de programação. O termo “arte interactiva” expande-se no
começo dos anos 90 com a aparição das tecnologias apropriadas, ligadas por
rede, expostas em inúmeras feiras e exposições de arte de tecnologia electrónica.
Esta perspectiva interactiva em arte alicerçada por interfaces e programação,
pode ser apelativo para a performance de VJing, embora o papel da audiência se
figure activamente na construção da obra. A performance nesta perspectiva, não
se centra apenas no improviso e sensibilidade do VJ perante a reacção do público,
mas o próprio público é o performer. Nesta configuração, o artista performativo
tem um papel mais reduzido, visto que a tecnologia processa-se muitas vezes
autonomamente, ficando apenas responsável por alguns ajustes. Esta é um dos
dilemas tecnológicos, pois é necessário questionar, até que ponto a tecnologia
complementa ou destrói a arquitectura da obra e o momento criativo.
Primeiramente, é necessário compreender a dinâmica interactiva. A obra, na sua
génese, abre-se ao público e pode reproduzir-se sem limites. Contudo, existe um
papel híbrido entre autor e criador nestes ambientes interactivos. Os sentidos da
obra artística aqui, são produzidos durante o curso de um processo de diálogo,
lançado pelos autores, actores, co-autores como ‘agentes inteligentes’ da obra.
Nas artes da interactividade, o destinatário potencial torna-se co-autor e as obras
tornam-se um campo aberto a múltiplas possibilidades e a desenvolvimentos
susceptíveis, imprevistos numa co-produção de sentidos. É assim que nasce a
chamada inteligência distribuída ou colectiva. A questão da autoria é vista por
Couchot da seguinte forma: “num processo dialógico ou de troca interactiva, o
estatuto da obra do autor e do espectador sofrem fortes alterações. Na metáfora
geométrica ou no triângulo delimitado pela obra, o autor e o espectador vêem a
sua geometria questionada, pois esse triângulo pode tornar-se um círculo onde os
três elementos não ocupam posições definidas e estanques, mas trocam
constantemente estas posições, cruzam-se, opõem-se e se contaminam.” (Couchot,
op. cit., 1998)
Uma obra de arte interactiva é um espaço latente e susceptível de todos os pro-
longamentos sonoros e visuais. O cenário programado pode modificar-se em
tempo-real ou em função da resposta dos utilizadores. Existe assim uma inter-
relação permanente entre o autor e o co-autor, ou seja, o público.
O modelo de interactividade vigente é o modelo estabelecido hoje em dia em
grande escala e nos meios digitais interactivos massificados. É um modelo que
une o ramo do sujeito e da obra e marca fronteiras exactas através dos interfaces.
Em VJing, configurações interactivas compõe-se através de um ecrã, no qual se
visionará a obra; uma ou mais câmaras medidoras de movimento da audiência
Img.29. The Special Player,
instalação interactiva, festival
Transmediale 2008
94 Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Performance | Tecnologias e Interactividade
[1] Philip Galanter:
(US),(MFA). Artista/
Professor. Ensina
"Foundations of Generative
Art Systems", no curso
"Interactive
Telecommunications", na
New York University, US.
(geralmente de infra-vermelhos); um computador que possui a aplicação à qual
chega o movimento captado pela câmara, que interpretará e produzirá
visualmente o resultado dessa interacção. O artista performativo, neste sentido,
não possui um papel tão activo na performance, visto que é partilhado quer pelo
público, quer pela aplicação.
De certo modo, a interactividade não é somente uma comodidade técnica e
funcional. Ela implica igualmente uma prática de transformação física, psicológica
e sensível do espectador. Embora, em performances como o VJing, esta evidência
pode alterar a ideologia das performances. VJing implica uma acção em tempo-
real, uma construção visual que se concretiza ornamentada pelo som e pelo papel
receptivo de um público. O VJ é aquele que dá corpo ao momento, que figura a
mensagem. Assumir um objecto interactivo é oferecer ao público a possibilidade
de criar, de ver visualmente o resultante dos seus movimentos. Por um lado,
pode parecer bastante atractivo, mas por outro pode imaginar-se cansativo e
desinteressante. Quando se pensa em VJing sem este papel de interacção prática,
pensa-se em encontros esporádicos entre audiência e imagem, permitindo que se
criem narrativas mentais. A interactividade por sua vez, pode funcionar como um
aparato tecnológico, o interessante dessa performance é a resultado dessa
actividade, e não tanto o conteúdo. A interactividade em Vídeo Jockeying pode
ser considerada sim, como uma sugestão criativa ao público, mas carece de
algum domínio visual, de mensagem e sensação, que geralmente uma obra sem
este fausto técnico transmite.
De qualquer forma, a interactividade faz parte das novas fronteiras criativas, e
através dela podem construir-se experiências incríveis. O que se deve reforçar é
capacidade criativa e multidisciplinar do artista. A interactividade como relação
recíproca entre utilizadores e interfaces computacionais inteligentes, suscitada
pelo artista,permite uma comunicação criadora fundada nos princípios sinérgicos,
uma colaboração construtiva, crítica e inovadora. A interactividade aparece como
uma nova condição da recepção para interpretar a obra, como índice de um
desejo colectivo de suavizar os limites impostos tanto do ponto de vista da
concepção com da recepção.
A arte é isso mesmo, um mundo de possibilidades criativas. Com a proliferação
da tecnologia nos meios artísticos, surgem novas representações artísticas, como
os ambientes generativos. A arte generativa aqui, não é referida como objecto de
estudo, mas sim mencionada como uma possibilidade criativa da Era Tecnológica,
e como probabilidade integrante das performances visuais. Segundo, Philip
Galanter [1] “A Arte Generativa refere-se a qualquer prática de arte onde o artista
use um sistema — tal como um conjunto de regras naturais da linguagem, um
Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Performance | Tecnologias e Interactividade 95
programa de computador, uma máquina ou outra invenção de procedimentos,
que são postos em movimento com algum grau de autonomia e que contribuam,
ou resultem num completo trabalho de arte." (Galanter, What is Generative Art?,2003)
A arte generativa propõe assim a existência de automação, sendo gerada,
composta ou construída de formal algorítmica, por sistemas algoritmos definidos
e oferecidos por uma aplicação ou software, que define assim um processo
autónomo. A arte generativa não é só um meio de comunicação. Ela é vista como
a matéria-prima para a interpretação, num caminho absolutamente arbitrário e
para um público culturalmente heterogéneo. A arte generativa na sua real
compreensão, deve ser entendida como um processo computacional e não é o
seu resultado final que deve ser o mais valorizado, mas sim todo o processo de
desenvolvimento. Projectos de arte generativa, são trabalhos de arte complexos,
porque articulam o espaço dentro de diferentes possibilidades de criação pela
escolha. A tecnologia está pensada como uma partitura com as estruturas
definidas para sua realização, como uma performance dentro de determinadas
regras. Na realidade, são campos de relação de causa e efeito numa sequência
não linear, já que a arte generativa trabalha a relação temporal, o tempo
cronológico e o tempo dentro do projecto.
Temos o exemplo do artista performativo Marius Watz que tem trabalhos de
ambientes generativos, fazendo parceria com um DJ (Img.30).
A arte generativa vive assim, dos artistas que variam determinadas regras e
propriedades de uma obra, e das suas possibilidades consideradas por um meio
de visualização, onde são definidas um conjunto de formas, aliadas a um número
de propriedades variáveis.
Todas estas possibilidades tecnológicas baseadas no diálogo entre um autor e um
receptor, que se apresenta como um co-autor em alguns casos, contribuem para
a compreensão da grandiosidade tecnológica na construção de alternativas
artísticas. É imprescindível considerar a força que a tecnologia exerce sobre as
novas manifestações artísticas. Através dela ampliam-se sentidos criativos e
moldam-se experiências que outrora pareciam impossíveis.
Em VJing, mostra-se necessário considerar-se estas alternativas como ponto de
partida para uma escolha organizada e conceptual, por parte de todos os
interessados nesta prática. Certo é, que esta multidisciplinaridade do VJ,
oferecem-lhe um reconhecimento quando compreendidas e retidas as suas
potencialidades como criador artístico.
Img.30 Alexander Rishaug &
Marius Watz, 2008.
96 Desconstrução e Análise Qualitativa | VJing e Performance | Tecnologias e Interactividade
VJING |4. POTÊNCIAS
O conglutinado imagético de Vídeo Jockeying apresenta-se adjectivado por uma
sensibilidade performativa aliada a um longo processo criativo. Considerar a
presença de potências, prende-se na necessidade de encontrar pontos de válidos
na estrutura visual destes artistas. As potências são valores notórios oferecidos
pelas etapas de elaboração criativa. Para isso, procura responder-se a um grupo
de conexões inter-relacionais entre as variáveis anteriormente dissecadas, para
se assimilar a marca activa do VJ. Consequentemente, considera-se o contexto
das artes na intersecção entre a validade formal e ideológica destas construções
visuais performativas. Ao se conjugar um certo número de variáveis, é possível
assim compreender como são realizadas as apresentações visuais, i.e., através da
forma como são apresentadas, entende-se a sua intencionalidade construtiva.
4.1. QUADROS RELACIONAIS E HIERARQUIAS
Operando neste sentido, é proeminente figurar como as variáveis de VJing se
conjugam na edificação criativa e singular. Relacionar música, conceptualidade,
espaço e performance complementa o conhecimento sobre o que interfere na
prática e sucesso desta expressão. Estas variáveis estão emaranhadas entre si, e
por tal uma divisão linear nem sempre é possível, contudo é exequível apresentar
algumas relações particulares entre elas, que estipulam hierarquias no momento
97
Potências | Quadros Relacionais e Hierarquias 97
performativo. Sendo assim, primeiramente, apresenta-se um quadro de relações
primárias que determina a configuração base da estrutura de VJing.
Neste quadro de relações considera-se a conceptualidade com o centro relacional
pois é através dela que se proporcionam todos os outros campos. A relação da
conceptualidade está iminentemente ligada com a variável da performance, já
que é por esta última que se processa uma estrutura e um sentido performativo
dos visuais. O acto performativo, varia inevitavelmente com a música e o espaço,
sendo a música a mais evidente no decorrer da performance, visto que é através
dela que se orquestram ritmos e se buscam encontros sinestésicos. O espaço, por
sua vez, nomeadamente, o espaço da projecção, é o responsável pela incidência
da imagem na audiência, a qual é capaz de oferecer uma resposta reactiva ao VJ,
que por tal determinará a sua actuação performativa.Contudo, a conceptualidade
pode ser pensada pela relação com a música i.e.,se houver um pré-conhecimento
da sonoridade do DJ ou banda, determinando a escolha de certos conteúdos em
detrimento de outros. O acto conceptual pode ainda relacionar-se directamente
com o espaço, isto se possuir um papel de intervenção espacial, na construção de
uma ambiência concreta. Esta última relação acaba por ser a mais afastada, pois
esta implícito ao acto performativo criar a ambiência,embora a existência de uma
configuração espacial como o uso de múltiplas telas possa interferir na momento
da conceptualidade. Este quadro de relações aproxima-se da sugestão de uma
hierarquia de condições de base estrutural que interfere na postura do VJ.
Continuamente, apresenta-se um quadro de relações complementares. Neste, as
relações que são estabelecidas provêm das principais dicotomias inerentes às
variáveis apresentadas. A existência destas dicotomias pode alterar formalmente
as configurações hierárquicas. Considerando a conceptualidade, esta em termos
genéricos pode ser pensada de forma mais figurativa ou mais abstracta. Sendo
assim, a relação posterior na performance será a de realizar micro-narrativas ou a
de se estruturar num fundamento mais estético e imersivo. A performance em si,
pode ser caracterizada pela relação com a audiência, determinando a conduta da
acção do VJ, ou pela relação musical, buscando acompanhamento. Por sua vez,
existe ainda uma terceira variável que é o factor improviso, que constrói ambas
as possibilidades criativas. Quando à musica, esta está intrínseca à presença da
performance e pode edificar-se procurando sincronismo musical ou libertando-se
deste, oferecendo momentos de ‘independência’ visual. O espaço em si, é fulcral
para a condicionante performativa e conceptual, i.e., a posição das telas interfere
nas composições mais figurativas, nas quais há uma possibilidade de narrativa,
pelo que, a as telas devem estar numa posição mais presente para o olhar da
Img.31 Quadro relacional
primário.
Img.32 Quadro relacional
complementar.
98 Potências | Quadros Relacionais e Hierarquias
Img.33 Quadro relacional
variáveis externas.
audiência, o que já não se mostra tão relevante quando o conteúdo é abstracto e
os contactos entre o olhar da audiência e a tela se fazem de forma esporádica,
por estes orquestrarem especialmente a ambiência, complementando o espaço
juntamente com as luzes coloridas existentes no local. Hierarquicamente as
correspondências entre as variáveis interiores às variáveis maiores, podem ser
delineadas de formas diversas porque vão depender das prioridades conceptuais.
Exemplificando, uma performance que se envolva numa construção de carácter
mais abstracto, pode procurar primeiramente um sentido musical, e outra mais
figurativa, um sentido mais espacial. As hierarquias não são exímias, pois estes
campos estão constantemente interconectados, mas aqui apenas se delineia uma
perspectiva prática genérica. Este quadro de relações complementares, objectiva
assim, as condicionantes intrínsecas a cada uma das variáveis e em como elas se
cruzam constantemente numa lógica performativa.
Para se relacionar estas variáveis é importante citar igualmente, a presença de
variáveis externas. Estas varáveis interferem na acção performativa e são, em
geral, incontroláveis pelo VJ. Nomeadamente podem ser a arquitectura do
espaço, o público, o DJ, e a tecnologia. A arquitectura do espaço condiciona a
variável do espaço da projecção,se está ao não numa posição óptima para o olhar
do público, e na posição espacial do VJ, i.e., se ele se encontra num local onde vê
a projecção ou se está longe desta e apenas a visiona pelo seu monitor. Esta
condicionante pode interferir no momento performativo, especialmente pela
necessidade do contacto visual entre o VJ e o público, factor que determina o
desenrolar do acto performativo. O publico, por sua vez, interfere no sentido do
espaço ter muita ou pouca afluência de pessoas, o que pode desmotivar um
empenho na performance se a assistência for mínima e além do mais, pode
figurar-se incontrolável obter uma resposta visível do publico perante os visuais
que se apresentam, daí ser um acto que envolve substancialmente um caris de
improviso. O DJ, por seu lado, pode conduzir a musicalidades imprevisíveis que
dificultem uma busca ritmada dos visuais com a música. Regra geral, os VJs
raramente estão inteirados dos sets dos DJs, e por isso as construções visuais no
acto conceptual, funcionam de forma independente da sonoridade que
posteriormente se articulará com eles.
Por fim, a tecnologia pode interferir e prejudicar significativamente a acção do VJ.
O que pode acontecer, é presenciar-se é um mau funcionamento destes set ups
do VJ, nos quais e.g., o computador pode bloquear em algum momento e o
publico ficar a olhar para uma tela vazia, ou outra imagem oferecida pelo próprio
projector. Para se minimizar acidentes com a tecnologia é importante usar-se
Potências | Quadros Relacionais e Hierarquias 99
uma boa compressão de vídeos, para se processarem mais rápido, assim como
usar apenas um tipo de codecs de vídeo, facilitando o desempenho.
Sendo assim, ao considerar este quadro de variáveis externas, procura-se tomar
consciência das adversidades que interferem na performance, maximizando-se a
probabilidade de controlo e sucesso.
Globalmente, e assimilando todos os anteriores quadros relacionais, obtemos um
quadro genérico que relaciona todas as condicionantes apresentadas. Posto isto,
obtemos uma conjugação de valores que acciona a apresentação prática do VJ. A
conceptualidade continua no centro desta articulação, seguida da performance
que estabelece ritmos e temporalidades, seguidamente a música e espaço como
valores presentes da arquitectura performativa. As variáveis externas e internas a
estes quatro valores principais, quando conjugadas, expõem validações diversas,
as quais vão depender da intenção do VJ e do seu grau de consciência perante as
possibilidades e imprevisibilidades da performance. As hierarquias variam em
especial, com o conteúdo conceptual reposicionando continuamente o VJ.
Esta análise de relações propõe assim uma vontade de validação desta forma
artística, pela sua consciencialização. Falar de Vídeo Jockeying como uma prática
artística é assumir directrizes múltiplas, mas é acima de tudo, olhar para ele com
um potencial interessante, embora muitas vezes camuflado. Procurar sentido
nesta expressão artística é fundamentar a sua existência. Ao se analisar com
coerência as suas inerentes potencialidades está a abrir-se uma porta para um
progresso e para novas configurações artísticas.
4.2. VJING E ARTE
Na análise proposta pelo conjunto de variáveis apresentadas, é perfeitamente
visível a multiplicidade de disciplinas que envolvem o acto criativo e expressivo de
Vídeo Jockeying. Como somatório desta multidisciplinaridade, mostra-se
relevante considerar o potencial emergente encontrado nas mais diversificadas
abordagens. Deste modo, a capacidade de produção criativa das construções
visuais é profundamente ampliada quando inserida num processo consciente do
potencial oferecido pelo aglutinar das várias áreas que se podem entrelaçar na
construção da experiência para ambos, VJ e audiência. Talvez seja o ordenamento
de tecnologia, filosofia, criatividade, juntamente com o bombardeio dos sentidos,
que se mostra tão gratificante para aqueles que se convertem a esta prática.
Img.34 Quadro relacional global.
100 Potências | VJing e Arte
Por tal, esta constante reformulação e crescente interesse tem questionado o seu
valor como arte, i.e., até que ponto VJing é identificado e assumido com um valor
artístico. A verdade é que, VJing como arte depende de como a experiência é
vivida. Pode conseguir um potencial artístico quando se destaca de outras formas
expressivas por oferecer momentos sensoriais, produzidos por um diálogo num
ciclo de energias de mensagens e respostas emocionais (feedback). Posto isto,
esta ligação nem sempre é possível com outras formas de arte já que, em VJing é
possível interpretar humores e conduzir o público numa viagem, e neste sentido
é tanto uma acção performativa como uma forma de arte. Por outro lado, por se
inserir no contexto dúbio dos clubes, marca-se uma certa resistência como arte.
Um dos contra sensos actuais, prende-se exactamente nessa questão, sendo que,
hoje em dia, não existe ainda uma profunda valorização cultural pelo contexto de
expressão em que está inserido (os clubes nocturnos, ambientes de diversão). Por
tal, uma das possibilidades de evidenciar esta prática como arte, relaciona-se
inevitavelmente com o vínculo criativo da imagética e com o factor do espaço de
projecção, que deve mostrar-se sempre acessível ao olhar do espectador. Os
visuais são o centro criativo, e a performance dá corpo a essas imagens, existe um
grau de liberdade criativa muito marcante, mas cabe ao próprio VJ saber conjugar
todo o potencial que a ele está inerente.
VJing constrói um ambiente que propõe uma qualidade de sinestesia, numa
relação entre os sentidos, oferecendo às pessoas presentes uma experiência
potencialmente imersiva, algo que evolui em torno das necessidades e das
subjectividades presenteadas pelas novas formas de comunicação do mundo
contemporâneo, o qual é marcado em geral, por uma multiplicidade e velocidade
nas artes. Esta capacidade activa e sinérgica, envolve diversos momentos de
produção, desde a captura de imagens ou apropriação de samples, até ao
momento performativo em que se cria uma obra ‘aberta’. A acção do VJ não é um
produto pronto, acabado, para ser apreciado pelo público, como acontece com o
cinema em geral, ou um quadro ou uma escultura tradicional, ele, por sua vez,
possui este carácter performativo e está sempre a renovar-se, a ajustar-se de
acordo com as contingências do momento. É um trabalho acima de tudo volátil,
que nunca está terminado, mas constrói momentos, e nesses momentos
aglomeram-se um conjunto de capacidades que com outras disciplinas artísticas
não se consegue. É uma arte em tempo, e como Riddell afirma "o nosso século
transformou a instalação numa forma de arte" onde os conceitos começaram a
ser experienciados por meio de lugar, imagem e som. (Ridell, 2001, cit. por Tordino,
2007) Sendo assim, o Vídeo Jockeying pode ser considerado “a origem dos
Potências | VJing e Arte 101
‘happenings’, realizadas na cultura dos clubes nocturnos." (Emmerson, 2001, cit. por
Tordino, 2007) Como catalisador de uma obra momentânea, o VJing pode e deve ser visto como
forma artística, já que se desenvolve em constante improviso e em sensibilidade
estética. Para além disso, VJing é um conjunto de disciplinas num só, envolve um
trabalho metódico de construção ou reformulação de imagens, exige a presença
de uma consciência comunicativa e acima de tudo, é capaz de desenhar múltiplos
universos para cada espectador. Por outro lado, os espaços que se reinam pela
música electrónica, figuram-se inadequados para as necessidades artísticas da
sociedade contemporânea, já que no espaço, é apenas uma segunda alternativa,
estando a audiência mesclada pela envolvência da música, das imagens e da
socialização. Isso não implica porém, que as formas artísticas não se vinculem,
apenas estão camufladas em experiências.
Sendo assim, talvez não seja a galeria o lugar do VJ, estes espaços implicam uma
certa adaptação que destitui o mística realizada na performance. Para além disso,
a marginalidade em relação aos circuitos oficiais de arte pode ser algo positivo e
indicativo da marca média no VJing. A busca de alternativas para a manifestação
da arte é um tema válido e apelativo para esta sociedade em constante vontade
de recriar e quebrar normas comunicativas.
VJing tem portanto, ganho o estatuto de manifestação artística, afirmando a sua
presença em eventos da cultura electrónica, estando a captar a atenção da arte e
de estudiosos da tecnologia. É um reflexo artístico. Não fosse a arte, um mundo
de possibilidades de sentir o mundo.
102 Potências | VJing e Arte
VJING |5. PERSPECTIVA PRÁTICA
Para completar os pressupostos analisados e intrínsecos à prática de VJing, a
prática assume-se como necessária. Para tal, propuseram-se duas performances
estruturadas por um conglutinado de diferentes articulações que é indicado pelas
diferentes variáveis que adjectivam a prática de VJing.
Considerando primeiramente em singularidade cada variável, foi possível definir
as suas principais particularidades no conceito global performativo. Analisando a
correlação VJing e música, ou de uma forma mais exacta, a relação entre imagem
e som num espaço e tempo performativo, os principais pontos centralizam-se na
dicotomia sincronismo e ausência do mesmo, na parelha audiovisual.
O sincronismo do ritmo visual com a música mostra-se como um complemento
da mesma, reforçando a sua existência, originando uma experiência harmoniosa.
Por outro lado, é possível igualmente, divergir dessa necessidade linear de ritmo,
e agenciar experiências de sinestesia, fazendo com que o ritmo da imagem se
torne mais um instrumento da música, oferecendo ao espectador a possibilidade
de ‘ouvir’ a imagem, ou ‘ver’ a música. Este mostrou-se um dos objectivos para
testar em performance. Tendo em conta que a linguagem musical visual nestas
práticas é muito similar à linguagem da música, pois baseia-se em ritmo, duração,
frequência, composição, traduz-se conceptualmente uma necessidade presencial
predominantemente abstracta. Esta particularidade vinca assim, a existência de
uma sinestesia pelo trabalho colaborativo entre a música e a acção realizada.
Perspectiva Prática 103
Aceitando como válido, este pacto que autoriza a vivência audiovisual, as
experiências práticas desenvolvidas procuram assim, demandar visibilidade à
performance e visuais, pelo aproveitamento desta relação dependente, ousando
sobressair os visuais perante a música, em determinadas partes da performance.
Quanto à conceptualidade, esta resulta num dos principais centros da actividade
de um VJ. A pré-preparação de conceitos e ideologias performativas são o ponto
fulcral para a determinação do sucesso da experiência. A primeira relação prática
delineia-se pela indispensabilidade de se definir sequências visuais organizadas e
contextualizadas, pois a ênfase não está naquilo que se vê, mas como sucedem os
volumes de imagens, i.e., determinados visuais justapostos potenciam momentos
experienciais, e se esses visuais não forem ‘complementares’ podem estragar-se
mutuamente. Sendo assim,a pré-montagem e a definição de objectivos sensoriais
e mensagens, procurou basear-se na característica exposta pelo público neste
contexto, i.e., o olhar ‘manchado’, demandando a criação de performances que
procuram uma apresentação ‘vaga’, i.e., não se procura contar histórias, mas sim
indicar-se algo. A aquisição de um banco de imagens e a sua prévia manipulação
estética e organizacional, foi o primeiro ponto para a construção das experiencias
práticas.
Por tal, nesta definição, procurou-se oferecer uma performance desenhada pela
estética abstracta na sua generalidade, jogando com cores, efeitos visuais, ritmos,
com um intuito, em primeira instância, sensorial. Como alternativa para o teste
prático, usaram-se igualmente imagens mais concretas e identificativas, como por
exemplo, excertos de filmes, induzindo a pequenas acções na imagem, que visam
sugerir fragmentos narrativos. Estas últimas, procuram sublinhar a arquitectura
visual de VJing que se instaura por processos de associação i.e., imagens que se
repetem, que se justapõem, incitando a visão. Por tal, ao se procurar jogar com o
subconsciente do observador é possível consagrar-se experiências imersivas, e
por outro lado marcar impacto no mesmo, por intensidades e pela possibilidade
de transmitir mensagens, tal como uma qualquer obra artística. Certo é que, o
público é sempre o centro de toda a performance, sem ele nada faz sentido, é
através dele que se conduz a performance e se procura converte-lo à atenção
imagética. Esta dualidade na configuração da exposição visual concede ao Vídeo
Jockeying uma enorme potência criativa. O que se encontra, geralmente, é uma
necessidade de romper com a figuração, porém, a abstracção tende à figuração, e
a figuração tende à abstracção. Nas performances, pretendeu-se analogamente
verificar se a tendência abstracta se traslada ou não para figurativa.
104 Perspectiva Prática
No conceito espacial, a disposição dos locais da tela e do espaço de performance
do VJ foram condicionados pela configuração do espaço em particular. Uma das
principais características para demarcar a performance VJing, é a necessidade das
telas se apresentarem sempre visíveis ao público, impulsionando o olhar. Para
além disso, a dimensão da projecção interfere igualmente, é certo que em telas
maiores o movimento parece mais lento, e em projecções minúsculas, a imagem
pode apenas assumir-se como ruído e indispensável. Posto isto, e contando com
alguns factores externos imprevisíveis, a conceptualidade deve ser pensada num
tom neutro, adaptável às várias situações espaciais, embora o ideal seja uma tela
de médias dimensões, como foi no caso do espaço das experiencias realizadas.
A nível espacial existe ainda uma abordagem menos palpável, que se apresenta
pela capacidade imersiva oferecida pelos visuais. A imersão é a criação de um
novo espaço, um espaço que fica entre o real e o imagético, aquele que se situa
entre os dois, pois o observador oscila entre a pista e a tela, ou seja, a ambiência
é gerada pelo espaço entre-imagens, mas igualmente pelo espaço-luz e o espaço-
som. Partindo deste pressuposto, a prática destas sessões performativas procura
assim, jogar com o espaço e a projecção, de forma que se consiga criar mundos
híbridos. A experiência para o observador deve ser positiva, aprazível, gratificante
e ao possibilitar a imersão o público ‘integra-se’ na imagem, podendo abstrair-se
das suas condicionantes. Para se proporcionar a imersão, a imagética deve saber
orquestrar ritmos, ou por uma força abstracta ou por uma presença de pequenas
narrativas por associação figurativa.
Relativamente à variável performativa, VJing diferente das similares formas de
projecção, por se enquadrar num momento ao vivo e em tempo-real, i.e., existe
um factor forte de imprevisibilidade e exige igualmente sensibilidade do VJ para
conduzir a performance. Na conceptualidade as imagens são organizadas perante
distintos contextos, na performance essas imagens ganham sentido em sequência
pela variação na sucessão de imagens diferentes, criando desiguais momentos de
intensidade.A intensidade é atingida pela articulação da performance e o domínio
da linguagem performativa, do ritmo, dos efeitos, do movimento, marcados pela
‘temperatura de pista’, i.e., o grau de atenção ou dispersão do público. De uma
forma prática, as performances experienciadas procuraram articular esse acto
comunicativo entre público e imagens. A sequência de imagens na performance
incita uma resposta activa pelo observador. O que projectar, quando projectar,
que efeitos ou não usar, são as principais questões que todo o VJ lida durante o
memento performativo. Esta capacidade efémera e única da experiência visual,
conferem ao VJ a possibilidade de marcar presença, ou ‘atingir’ um determinado.
Perspectiva Prática 105
observador, cuja experiência é vivida dependendo do local onde se situa no
espaço. O aqui e agora, oferece diversas potencialidades, sendo que, a procura de
maiores ou menores graus de intensidade, é realizada de acordo com a ‘vibe’ do
público, procurando oferecer, em primeira instância,uma experiência aprazível às
pessoas que se deixam ‘atingir’ pelas imagens. Estar atento a esta reacção e
conjugar estética, com música e improviso é tudo aquilo que o acto performativo
procura, e por tal, foi necessário experienciar tais relações.
VJing articula assim diferentes factores indispensáveis à materialização de
momentos agradáveis, potencialmente artísticos, sendo que, o VJ deve conhecer
e dominar o potencial das suas diferentes variáveis, para que consiga oferecer um
novo estatuto à sua prática. Nas experiências práticas realizadas, estas diferentes
variáveis inter-relacionais foram experienciadas, observando-se de perto o papel
da imagem nestes espaços regido pelo som.
Como crítica à cultura actual de partilha e acesso fácil a diferentes tipos de dados,
na performance usaram-se apenas vídeos apropriados, sendo que a maioria deles
possuem uma licença de uso, a chamada Creative Commons, permitindo a sua
utilização e reprodução. A maioria destes vídeos pertence a diferentes criativos
de Vídeo Jockeying, os quais divulgam em websites com o objectivo de partilha.
Para além disso, outra parte dos vídeos foram apropriados de websites como o
youtube e vimeo e foram posteriormente manipulados, fatiados e redesenhados
por efeitos, construindo assim ‘novas obras’. O software usado como preferência
foi o Resolume versão 2.3.
5.1. PERFORMANCES
O espaço onde se realizaram as performances foi o bar Plano B no Porto. Neste
espaço, a configuração da projecção situa-se lateral à pista e perpendicular ao
local do VJ que é ao lado do DJ (Img.35). Posto isto, foram realizadas duas sessões
de VJing em dias distintos. Na primeira testaram-se vários sets performativos,
cada uma para experienciar diferentes valores. Na segunda, sem um guião a
cumprir, apenas se explorou o diálogo entre audiência e imagens. Nesta ultima,
no final realizaram-se alguns inquéritos às pessoas presentes, para compreender
o impacto dos visuais no espaço e na experiência. Apenas se descreve aqui a
primeira performance pela relevância estrutural. O segundo acto performativo
será incluído na reflexão sobre os resultados.
Atendendo a todas as correlações anteriormente identificas e desenvolvidas, a
pré-preparação da primeira performance, i.e., a sua conceptualidade, foi o inicial
Img.35 Plano B – configuração
espacial
106 Perspectiva Prática | Performances
Img.36 e 37: set 1 exemplo de
imagens
Img.38 e 39: set 2 exemplo de
imagens
ponto de desenvolvimento. Para tal, com um set previsto de durabilidade média
de 3horas, foram decididos diferentes sets visuais, com diferencias nas variantes
e objectivos estimulantes distintos. Organizacionalmente foram divididos pela
categoria hierárquica principal, a conceptualidade. Neste ponto, a divisão fez-se
entre abstracto, em figurativo e a mistura de ambos, figurativo e abstracto. Na
divisão dos sets, estão implicadas particularidades que visam provar a eficiência
de determinados pressupostos. Sendo assim, a divisão dos sets (ver tabela em anexo)
implicou seis partes distintas às quais em média correspondiam cerca de vinte a
trinta minutos.
No primeiro set, conceptualmente procurou-se a abstracção. O objectivo, por sua
vez, prendeu-se com a busca de cor e da luz como estímulo, onde se manipulou
cores saturas e efeitos para evidenciarem a cor e a luz perante o acto musical,
como uma analogia à color music. Este set desenhou-se simples, como iniciador
da performance baseou-se num jogo simples de ritmos e cores, na tentativa de
um sincronismo musical. A proposta deste set foi realizada para se compreender
o efeito das formas simples e diferentes cromáticas da imagem perante o público.
A reacção do público inicialmente foi a de parar e circundar a tela, olhando para a
mesma sem prestar tanta atenção à música. Isto acontece por os públicos se
encontrarem formatados para visualizar vídeos de forma contemplativa, como no
cinema. Passado este momento, a intenção das cores e das formas simples,
parecia funcionar mais como um adereço espacial, como se completasse as luzes
coloridas. Os olhares encontravam-se com a tela, e o sincronismo musical parecia
ser algo importante. Neste set a hierarquia coloca a performance como principal.
No segundo set procurou-se novamente à abstracção, mas neste nível o objectivo
circundou a vontade sinestésica, procurando um diálogo concreto entre imagem
e música. Através do uso de formas e efeitos,buscou-se um rimo para se envolver
com a sonoridade, complementando-a, instruindo ritmo visual, como analogia à
visual music. Existe aqui uma procura de um ‘ritmo absoluto’, uma necessidade
de exagerar em ritmos, ritmá-los com o som, accionando uma presença visual da
música. A sinestesia, por sua vez, não é algo palpável, identificável. Compreender
como o público reagiu será sempre uma postura especulativa. Contudo,é possível
identificar as conexões com o som, i.e., até que nível se cruzaram e se afastaram.
Neste sentido, é observável a complementaridade continua entre ambos, pois os
visuais parecem estar a traduzir o som em imagens e não tanto o oposto. Mas a
criação de ritmos complementares com os visuais, funciona assim como um ritmo
interior à própria musicalidade. A capacidade visual articulada com a música
Perspectiva Prática | Performances 107
amplia a experiência e isso é perceptível pela reacção do público. Neste set, a
hierarquia coloca a música como principal. No terceiro set, ainda com conteúdo pouco figurativo, tende-se a um momento
imersivo. Para isso, exageraram-se em ritmos e sucessão de efeitos e imagens, na
persecução de um contexto quase que ‘hipnótico’. A imagética tendencialmente
procurou efeitos como distorção óptica, e uma constância de efeitos visuais que
alterem qualquer sugestão figurativa, ou por outro lado uma sugestão figurativa
tal como uma pareidolia. Esta capacidade imagética tentou atrair o público a
‘entrar’ num novo espaço, como uma extensão da consciência. O que se observa
com esta proposta é uma linguagem muito similar à musica, pois ambas se
traduzem em ritmos mais mecânicos que melodiosos. A imersão testada aqui, dá
prioridade a um ambiente estético envolvido em energia. E é essa energia que é
reactiva para o público, que o impulsiona a olhar para a tela, a estimular-se com
essa faceta visual aglomerada com a musical. Novamente os olhares cruzam-se
num encontro com a imagem que sugere um novo espaço. Hierarquicamente
aqui o espaço é a variável conjugada prioritariamente. No quarto set, por sua vez, os visuais ganharam alguma forma figurativa, embora
sempre presente uma tendência de sobreposição de imagens e efeitos, marcando
alguma presença abstracta como em todos os outros. Neste set procurou-se uma
estimulação sensorial e cognitiva, através do uso de imagens de fragmentos de
acções como dançar, tocar, beijar, insistindo na repetição desses planos, num
ritmo sugestivo e continuado. Nesta criação, o acto performativo procurou usar
sequências em repetidos ritmos, funcionando como uma sugestão de um jogo da
memória, solicitando a audiência a olhar mais vez, procurando a imagem que se
repete e que o acompanha. Esta estimulação por imagens concretas, quer apelar
ao subconsciente, numa tentativa de impulsionar a prática das vontades que o
conteúdo dos visuais demonstra. A exacerbação de ritmos e constante repetição
de imagens produz uma sensação concreta ao espectador. Neste ponto, o mesmo
direcciona o olhar algumas vezes mais pois como é figurativo, embora mesclado
em alguns efeitos visuais, sugere um momento de identificação, de associação a
algo em concreto por parte da audiência. A relação musical com esta imagética,
continua a funcionar concretamente, pois existe continuamente a presença de
um ritmo. É esta a analogia que aproxima os visuais da música, a convergência
das linguagens performativas. A hierarquia neste set, passa primeiramente pela
conceptualidade, já que só após a aquisição ou criação de imagens concretas de
acções é que se possibilitam todas as outras variáveis.
Img.40 e 41: set 3 exemplo de
imagens
Img.42 e 43: set 4 exemplo de
imagens
108 Perspectiva Prática | Performances
Img.44 e 45: set 5 exemplo de
imagens
Img.46 e 47 set 5 exemplo de
imagens
No quinto set, continuando com uma presença mais figurativa, agenciou-se a
possibilidade de realizar de uma forma algo concreta, micro-narrativas, baseadas
na justaposição de planos, i.e., pequenos fragmentos de narrativas apelam a
associações /emoções. Para tal, usaram-se efeitos visuais simples, já que a ênfase
é dada ao seu conteúdo e não tanto ao seu efeito visual. Existe aqui um contacto
com a vontade de comunicar pequenas mensagens e impelir emoções para além
das sensações. De uma forma prática, é possível construir pequenas narrativas, e
neste sentido, o olhar da audiência ao cruzar-se com a imagem acaba por olhá-la
mais continuamente, como se tivesse a captar uma acção dentro daquele espaço.
As imagens figurativas sugerindo acções acabam por funcionar num determinado
espaço temporal,pois as audiências são formatadas pela imersão cinematográfica
e neste ponto, a música parece ganhar outro estatuto. Devido à cultura estar
imbricada numa constante correspondência entre som e imagem, na qual o som
funciona como um catalisador de emoções da imagem, em Vídeo Jockeying,
quando se projectam fragmentas de narrativas, inevitavelmente essa ligação
musical acontece, funcionando como a ‘banda sonora’ do que é visível. Por este
ponto, em certos momentos é possível dar a ilusão que a música segue a imagem
e não tanto o oposto. Neste set, a hierarquia dá primazia à conceptualidade, logo
a seguir à performance.
Por fim, para o sexto set, neste continuo evolutivo, preparou-se uma tentativa de
independência visual. Para isso, procurou usar-se um conjunto de imagens de
possível identificação para o observador, i.e., imagens reconhecíveis pela grande
parte da audiência. Este tipo de imagens, são como exemplo imagens televisivas,
marcas de produtos, séries, filmes comerciais, que na sua totalidade fazem com
que o espectador olhe, identifique, comente sobre isso, provocando atenção e
vibração. Aqui usaram-se alguns efeitos visuais, mesclando a abstracção com a
figuração, que foram combinados consoante a ‘temperatura de pista’. De uma
forma geral, estas imagens possuem um impacto momentâneo no processo de
identificação. Contudo, o que é de notar é a continuidade da presença musical,
que seja pelos ritmos das sequências, quer pelo próprio contexto do espaço, o
que de alguma forma não completa uma presença visual. A verdade é que som e
imagem nestes ambientes não são possíveis de se pensar em separado. Pode-se
inverter por vezes a ordem destas correspondências, i.e., a imagem por norma
segue a música, mas em alguns momentos a música pode associar-se ao
seguimento visual. A temperatura, por sua vez, é um factor determinante na
presença destas dualidades construtivas, mas a verdadeira capacidade está num
bom conhecimento da imagética e numa necessidade de improviso. Neste set a
prioridade a nível de variáveis é a performance.
Perspectiva Prática | Performances 109
5.2. REFLEXÃO SOBRE OS RESULTADOS
Ao se experienciar estas diferentes propostas, a primeira coisa que é visível são as
inúmeras possibilidades criativas,sendo cada uma delas, potenciadora de diversos
efeitos activos perante as variáveis da música e da audiência. O que se perscruta
é a presença iminente da sonoridade na relação com os visuais. Som e imagem
articulam-se de uma forma peculiar independentemente da presença de maior
ou menor grau figurativo visual.
Existe uma tendência à abstracção marcante, mas só assim parece ganhar sentido
a construção imagética. O uso de imagens coloridas, luminosas,emaranhadas com
imagens mais cruas e concretas criam assim novas místicas à linguagem visual. É
visível uma reacção positiva à presença de imagens, o uso das mesmas invoca um
novo espaço que complementa a experiência musical. Contudo, é a criação activa
da conceptualidade que traduz o momento performativo em si.
Ao se realizar a segunda performance, de caris mais intuitivo e de improviso
mostrou-se presente um triplo diálogo, entre música, audiência e imagem. É de
notar que com conteúdos mais abstractos, o olhar da audiência encontra-se por
momentos com a tela, contudo, com conteúdos mais figurativos, o espectador
por vezes pára e fixa mais tempo o olhar, como se seguisse uma narrativa que na
realidade não se figura, mas os fragmentos concretos proporcionam essa criação
mental por parte do observador. Por sua vez, não existe uma unanimidade na
escolha do conceito imagético por parte do público (ver gráficos dos inquéritos em
anexo), para ele o que é relevante é a experiência, o complemento do espaço e da
música. Mas existe igualmente um certo conceito sobre estética, pois a
experiência tem que se desenvolver de forma agradável. Existe um valor médio
(ver gráficos em anexo) dado à atenção dos vídeos, os quais interferem de alguma
forma no seu entretenimento. De uma forma geral, a presença das imagens
parece suscitar o interesse de uma audiência que procura um divertimento
compensador. Em suma, a presença visual tem uma apelação tanto para os
músicos, como para os que presenciam o espectáculo audiovisual. Nota-se porém
que a maioria das pessoas não sabe muito bem o que é o VJing, embora lhes seja
apelativo a presença de visuais de uma forma mais frequente nestes espaços.
Ao se experienciar diferentes abordagens conceptuais, consegue-se compreender
que determinadas variáveis organizadas proporcionam reacções distintas de
outras, o que confirma a existência de uma liberdade para o artista. Porém, saber
conjugar conscientemente todos estes valores atinge uma capacidade superior de
se comunicar artisticamente de forma válida.
110 Perspectiva Prática | Reflexão Sobre os Resultados
VJING |6. CONCLUSÕES
6.1. CONCLUSÃO GERAL
Numa sociedade imersa em tecnologia, esculpida por um desejo iminente de se
romper com as convenções, projectam-se novas expressões artísticas. Como
descendente desta vontade expressiva, surge o Vídeo Jockeying. O VJing, coloca
em jogo formas de se criar, de se produzir representações, descreve uma grande
quantidade de disciplinas embutidas, que são desenvolvidas e cruzadas por uma
acção ao vivo e em tempo-real. Na última década, além de se ter traduzido como
parte integrante da cultura de entretenimento é também um laboratório para a
exploração de conceitos e estéticas relacionadas com a comunicação visual.
Por ser uma recente figura expressiva, questionam-se alguns valores, algumas
dissonâncias que buscam resolução. Com o advento da era digital e das novas
formas de apresentação de arte, os novos impulsos artísticos estão a promover
renovadas estaturas de mensagens artísticas, conferido o pluralismo e a ausência
de um autor integral. Em VJing misturam-se imagens, adquirem-se conceitos e
constroem-se experiências e mensagens singulares. Desdobrado em imagéticas
criadas ou adquiridas, elas são construídas num limite temporal e são irrepetíveis
na sua vivencia. VJing questiona valores sobre apropriação de imagens, gera
distintas opiniões num contexto cultural e artístico, mas acima de tudo, possui
uma validade concreta e relevante quando assumido como potencial construtor
de alternativas perspectivas de criar artisticamente o ‘agora’.
Conclusões | Conclusão Geral 111
VJing é um complexo organismo que se delineia por uma vasta área de domínios,
dos quais se podem destacar os musicais, os conceptuais, os espaciais, e os
performativos possuindo intrinsecamente um conjunto de considerações sobre
ciência, tecnologia, psicologia, sociologia, filosofia, teoria da arte e comunicação,
que o englobam num intricado mundo de possibilidades.
Ao se desconstruir e analisar qualitativamente as correlações entre VJing e
música, conceptualidade, espaço e performance, compreende-se a imensidão de
capacidades criativas que fazem parte de um todo complexo. Quando se aborda a
temática da música, é vincada a existência de uma relação indivisível entre som e
imagem, pois ambos funcionam num contíguo. Para completar, as ligações entre
ambos podem ostentar momentos sinestésicos pela performance, erguendo o
diálogo entre a imagem a audiência. Entre Vídeo Jockeying e conceptualidade
está a distância da criatividade. O acto conceptual é a pré-preparação estrutural,
que será depois incorporada, mas é neste momento que se adoptam as intenções
e as propostas artísticas. Englobado por uma mescla de componentes como grau
de figuração e abstracção, conceitos de montagem, semiótica, cores e efeitos
visuais, a conceptualidade é o centro activo da expressividade do VJ.
Ao se considerar o espaço, o que encontramos é uma fusão de condicionantes
físicas que fazem com que se altere a configuração das performances do VJ, mas
acima de tudo, o espaço aqui pensado, adquire uma capacidade singular de se
criarem ambiências imersivas. A imersão abandona a noção espacial e converte o
momento performativo numa segunda realidade. Por fim, perscrutando sobre a
performance, presencia-se uma comunicação latente na sintaxe edificante entre
performer e audiência. Este diálogo profícuo contagia a evolução performativa, a
qual se apresenta como uma obra volátil e inacabada, desenhada pela presença
criativa e sensível do VJ, emaranhado por um banco de imagens pré-existente e
um tom de improviso.
Ao se experienciar na prática o acontecimento de VJing é relevante perceber a
capacidade comunicativa entre a música e a audiência, sendo que se afirma, no
espaço da experiência, uma presença substancial assumida pelo público. È
concreto compreender que a organização prévia da imagética e a sensibilidade
performativa são a essência da actividade do VJ. Por sua vez, é no conhecimento
e consciencialização das possibilidades e potências criativas que se figura a
concretização de um trabalho gratificante e de uma experiência singular.
Toda esta análise gravita assim, perante a existência de um valor concreto,
identificado e assumido na presença activa do Vídeo Jockeying. Sendo assim,
delineia-se um potencial único que se sublinha quando impulsionado por uma
força consciente por parte dos criativos. Assumir uma lógica criativa, quer pelo
112 Conclusões | Conclusão Geral
uso exacerbado da tecnologia ou pela singular base expressiva, converte o VJing a
uma infinidade de alternativas de apresentação, buscando ao mesmo tempo uma
comparência mais resistente no mundo cultural e artístico.
Em suma, a imagem e som em VJing não se conseguem pensar em separado, são
audiovisão, e mesclam-se em sinestesia pela capacidade performativa. O acto
conceptual oferece uma base sólida para um sucesso performativo. Organizar
visuais, definir estéticas e objectivos amplia a capacidade comunicativa. O espaço
concreto delineia o valor da experiência. A validação espacial é dada pela
transmutação do real em imersivo, pelo conteúdo e ritmo visual. A performance
dá corpo à experiencia, baseando-se na pré-organização, improviso, sensibilidade
performativa e reacção no diálogo com a música e a audiência.
Posto isto, é pela consciencialização das inter-relações e variáveis internas e
externas que se possibilita ao VJ elevar o estatuto desta expressão perante a
experiencia e os contextos culturais e artísticos. VJing é assim, presenteado por
um dinamismo atroz, desenhado pelo pluralismo, desmistificado pela multimédia,
cuja exploração teórica e prática procura ambicionar e oferecer o brilho e valor
correcto a esta prática.
6.2. NOVAS DIRECÇÕES CRIATIVAS
Nas artes performativas visuais como o VJing, têm nascido algumas extensões
criativas que apresentam novas alternativas práticas e ideológicas. No decurso
actual, o conceito de Open Jam tem sido apresentado em alguns eventos que
envolvem performances visuais. O Open Jam baseia-se no princípio de incitar a
todos os interessados a experimentar o acto performativo em imagem. Alguns
eventos como o Share (www.share.dj), propiciam a essa actividade.
Outra das actividades que tem ganho interesse na comunidade de VJing, são as
da partilha de imagens, i.e., todas as pessoas são convidadas a enviar imagens e
vídeos para o evento, no qual o VJ manipulará essas imagéticas potencialmente
chegadas de todo o mundo. Estes eventos podem ser bastante atractivos para o
público, pelo facto de se sentirem parte integrante da ‘obra’, e além do mais, é
um desafio para o VJ que, neste caso, não tem qualquer prévio conhecimento dos
vídeos e sequências, logo a primazia é pelo improviso. Com exemplo, em Portugal
a iniciativa Encontros da Imagem - Image Rave Party (2009) em Braga, suscitou o
envio e partilha de imagens para o evento ao vivo, explorando esta nova vertente
expressiva e criativa.
Conclusões | Novas Direcções Criativas 113
Com o ampliar da presença visual em eventos musicais, e partindo do principio
que ambos funcionam num conglutinado produto, resultando numa experiencia
total, algumas novas alternativas têm sido apresentadas, nomeadamente a Video
Band, ou banda audiovisual. Estas bandas que estão a emergir, funcionam numa
ideologia que dá primazia ao vídeo, em que o evento não é pelo som, mas pelo
equilíbrio concreto entre visuais e música. Esta filosofia de performance possui
uma qualidade na aposta de evidenciar o papel relevante da imagem no mundo
do espectáculo. O desenvolvimento das capacidades técnicas de VJing e das
ferramentas de DJing têm convergido para uma prática híbrida, na qual o papel
performativo do VJ é elevado. O que acontece é que se o VJ pretende melhorar a
sua performance, e por tal, para ele o acto de controlar as especificidades do
áudio, mostra-se uma complementaridade apelativa nestes ambientes
colaborativos da arte audiovisual.
Esta abordagem colaborativa para a produção e performance é impulsionada por
um aumento do número de colectivos interdisciplinares, i.e., artistas gráficos, de
áudio e vídeo trabalham em conjunto para a criação de uma refinada experiência
sinestésica. Um dos exemplos destes novos bandas’ audiovisuais é o colectivo
londrino The Light Surgeons, que arquitecta verdadeiros ambientes audiovisuais,
instalações e performances completas entre a conglutinar da imagética e da
sonoridade.
A energia das performances visuais tem marcado presença na cultura e na arte
dos tempos modernos, pensar em novas formas criativas é considerar o papel
activo da imagem como expressão. A tecnologia é a grande ponte de acesso entre
as ideias e as premências comunicativas, por tal, em VJing existirá sempre esse
vínculo, que correctamente elaborado pode presentear audiências com inúmeras
forças visuais. Pensar num futuro para Vídeo Jockeying é delineá-lo com ideias
criativas, juntamente com tecnologia e uma consciência do potencial intrínseco a
todas as correspondentes disciplinas que o invocam como uma forma original de
construir experiências artísticas.
Img.48 The Light Surgeons, True
Fictions no The Big Chill Festival,
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114 Conclusões | Novas Direcções Criativas
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120
VJING |8. GLOSSÁRIO
GLOSSÁRIO DE ARTE
ARTE ABSTRACTA
Movimento das décadas de 1910 e 1920, com os pioneiros Wassily Kandinsky,
Piet Mondrian e Kazimir Malevich. A Arte Abstracta pode ser originalmente não-
figurativa, ou converter formas reais em padrões que podem ser interpretados
como relações independentes das formas iniciais. Frequentemente geométrica,
determina que a arte deve ser a criação de efeitos belos, de puros padrões da
forma, cor e linha.
ARTE GENERATIVA
Arte gererativa refere-se a um tipo de arte que se faz por automação, sendo
gerada, composta ou construída de formal algorítmica, por sistemas algoritmos
definidos e oferecidos por uma aplicação ou software, que define assim um
processo autónomo. Segundo, Philip Galanter “A Arte Generativa refere-se a
qualquer prática de arte onde o artista use um sistema — tal como um conjunto
de regras naturais da linguagem, um programa de computador, uma máquina ou
outra invenção de procedimentos, que são postos em movimento com algum grau
de autonomia e que contribuam, ou resultem num completo trabalho de arte."
(Galanter, op.cit, 2003)
Glossário | Glossário de Arte 121
ARTE ÓPTICA (OP ART)
Op art é um termo usado para descrever a arte que explora a falibilidade do olho
pelo uso de ilusões ópticas, surgindo na década de 1950. A expressão “op-art”
vem do inglês (optical art) e significa “arte óptica”. Defendia para arte "menos
expressão e mais visualização". Apesar do rigor com que é construída, simboliza
um mundo mutável e instável, que não se mantém nunca o mesmo. Não procura
um apelo ao emocional, mas um apelo cerebral. Os trabalhos de op art são em
geral abstractos e muitas das peças mais conhecidas usam apenas o preto e o
branco. Quando são observados, dão a impressão de movimento, clarões ou
vibração, ou por vezes parecem ‘inchar’ ou deformar-se. (Wikipedia)
ARTE POP (POP ART)
Pop é um movimento nas artes visuais que surgiu na década de 1950, que desafia
a tradição por retirar o material do seu contexto e isolando-o ou combinando-o
com outros objectos para contemplação. Caracterizada por temas e técnicas
oriundos da cultura popular, como publicidade, banda desenhada e outros
objectos mundanos, a Pop Art é amplamente interpretada como uma reacção às
ideias do expressionismo abstracto, bem como uma expansão dessas ideias. A
Pop arte destina-se a empregar imagens populares, por oposição à cultura elitista
na arte, enfatizando os elementos kitschy ou banais de uma determinada cultura,
na maioria das vezes através da ironia. (Wikipedia)
FLUXUS
Movimento que surgiu em 1962, com o artista George Maciunas, inspirado no
movimento Dada, e em torno das aulas de composição experimental de John
Cage, ao qual se associaram George Brecht, Dick Higgins, Jackson Mac Low, Al
Hansen e Toshi Ichijanagi, e mais tarde, Joseph Beuys, Nam June Paik, Gustav
Metzger, Robert Filliou, Emmett Williams, Robert Watts, Ben Vautier, Alice
Hutchins e Yoko Ono. Frequentemente descrito como 'intermedia' (termo
atribuído por Dick Higgins, em 1966), o Fluxus misturava diferentes meios e
disciplinas (the-artists.org, "Fluxus", 2006). Organizava palestras, performances,
música, vídeo e poesia visual. Procurava na interdisciplinariedade um novo
conceito de arte — 'arte total'. Encorajava o 'faça-você-mesmo', valorizava a
simplicidade sobre a complexidade, e contrariava o valor comercial da arte, a
favor da prática criativa centrada no artista.
122 Glossário | Glossário de Arte
HAPPENING
O happening é uma forma de expressão das artes visuais que apresenta
características das artes cénicas. Neste tipo de obra, quase sempre planejada,
incorpora-se algum elemento de espontaneidade ou improvisação, que nunca se
repete da mesma forma a cada nova apresentação. Apesar de ser definida por
alguns historiadores como um sinónimo de performance o happening é diferente
porque, além do aspecto de imprevisibilidade, geralmente envolve a participação
directa ou indirecta do público espectador. O termo happening, como categoria
artística, foi utilizado pela primeira vez pelo artista Allan Kaprow em 1959.. Como
evento artístico, acontecia em ambientes diversos, geralmente fora de museus e
galerias, nunca preparados previamente para esse fim.
JAM SESSION
Uma Jam Session é um acto musical quando músicos se juntam sem preparação
extensiva ou alguma pré-definição de composição, rege a improvisação.
Jam sessões são frequentemente utilizados para desenvolver novos materiais, ou
simplesmente como uma prática social. Jam sessões podem ser baseadas em
músicas já existentes ou formas musicais,ou podem ser totalmente improvisadas.
MÚSCIA CONCRETA
Musique concrète é o nome dado à um tipo de música electrónica que surgiu nas
no final da década de 40 3 início da década de 50, produzida a partir de edição
de áudio unida à fragmentos de sons naturais e/ou industriais. A música concreta,
engloba todos os processos que incluam a junção de partes completas ou
fragmentos de sons “les objects sonores” e que podem ser sons do ambiente e de
todo o tipo de ruídos até aos instrumentos musicais. Estes fragmentos são
primeiro gravados e modificados posteriormente num estúdio especializado.
Os sons utilizados para fazer música concreta não eram em regra sons obtidos a
partir de instrumentos electrónicos. Uma vez que os sons são gravados antes do
processo de construção da música em si, ao invés da melodia ser escrita antes
que um instrumentista possa transformá-lo em som, pode dizer-se que é o
oposto do modo tradicional de composição. (Wikipedia)
PLOT POINT
Na televisão e cinema, um plot point é um importante evento dentro de um
enredo que afecta a acção levando a narrativa para um novo rumo. Também
pode ser um objecto de importância significativa, em torno do qual gira o enredo.
Glossário | Glossário de Arte 123
Pode ser qualquer coisa desde um evento ou um item, a uma descoberta de uma
personagem ou motivo. O plot point é um conflito que condiciona a acção para
um novo nível, podendo existir vários numa mesma narrativa.
PÓS-MODERNISMO
Movimento que se impôs contra o Modernismo, por volta da década de 1970.
Iniciado com a Arte Pop, é caracterizado pelo multiculturalismo, e a fusão entre a
cultura de elite e a cultura popular; entre arte e quotidiano. Recusa a existência
de um estilo, ou de qualquer definição de arte.
124 Glossário | Glossário de Arte
GLOSSÁRIO DE CIÊNCIA
COGNIÇÃO SITUADA
A cognição situada define que todo acto cognitivo é um acto experiencial, e,
portanto, situado, resultante do acoplamento estrutural e da interacção
congruente do organismo no seu ambiente, ou seja, organismo e ambiente
constituem uma unidade inseparável, e a dinâmica de interacção ocorre contínua
e simultaneamente. Resulta numa simbiose quase perfeita entre o aprendiz e o
meio envolvente, criado para favorecimento da aprendizagem.
IMERSÃO
Imersão é relativo mesmo ao verbo imergir, entrar por completo num ambiente.
É o nome usado quando se entra um ambiente de realidade virtual, mas serve
também para ambientes sinestésicos, onde os sentidos são estimulados por
diversos estímulos, como uma rave. No livro Virtual Art, From Ilusion to
Immersion, 2003 o professor alemão Oliver Grau propõe o conceito de imersão
como o conceito chave para compreender o desenvolvimento dos média através
dos tempos. Citando determinados ambientes (criações artísticas) em diversas
épocas, que proporcionavam uma ilusão quase que completa de um novo mundo
ao espectador, para ele, “imersão pode ser um processo intelectualmente
estimulante; no entanto, tanto no presente como no passado, na maioria das
vezes, imersão é um processo, uma mudança, uma passagem de um estado
mental a outro. É caracterizada pela diminuição da distância crítica do que é
mostrado e por um aumento do envolvimento emocional sobre o que está a
acontecer.” (Grau, op.cit. 2003)
MENSAGENS SUBLIMINARES
Mensagem subliminar é a definição usada para o tipo de mensagem que não
pode ser captada directamente pelos sentidos humanos. Subliminar é tudo aquilo
que está abaixo do limiar do consciente. Toda mensagem subliminar pode ser
dividida em duas características básicas, o seu grau de percepção e de persuasão.
A percepção subliminar é a capacidade do ser humano de captar de forma
inconsciente mensagens ou estímulos fracos demais para provocar uma resposta
consciente. A persuasão subliminar seria a capacidade que uma mensagem teria
de influenciar o receptor. Segundo a hipótese, ambas proporcionariam um efeito,
na qual na percepção se guarda a informação, na persuasão pode-se impelir
vontades e acções, variando com o tipo de mensagem exposta e o receptor.
Glossário | Glossário de Ciência 125
PAREIDOLIA
O termo pareidolia descreve um fenómeno psicológico que envolve um vago e
aleatório estímulo (em geral uma imagem ou som) sendo percebido como algo
distinto e significativo. Exemplos comuns incluem imagens de animais ou faces
em nuvens, em janelas de vidro e em mensagens ocultas em músicas executadas
do contrário. A palavra vêm do grego para – junto de, ao lado de – e eidolon –
imagem, figura, forma. Pareidolia é um tipo de apofenia, que é fenómeno
cognitivo de percepção de padrões ou conexões em dados aleatórios.
PERSISTÊNCIA RETINIANA
Persistência da visão, persistência retiniana ou retenção retiniana designa o
fenómeno ou a ilusão provocada quando um objecto visto pelo olho humano
persiste na retina por uma fracção de segundo após a sua percepção. Assim,
imagens projectadas a um ritmo superior a 16 por segundo, associam-se na retina
sem interrupção. Segundo essa teoria, ao captar uma imagem, o olho humano
levaria uma fracção de tempo para "esquecê-la". Assim, quando os fotogramas de
um filme de cinema são projectados na tela, o olho misturaria os fotogramas
anteriores com os seguintes, provocando a ilusão de movimento: um objecto
colocado à esquerda num fotograma, aparecendo à direita no fotograma
seguinte, cria a ilusão de que o objecto se desloca da esquerda para a direita.
SINESTESIA
É uma associação psicológica espontânea que produz duas ou mais sensações sob
a influência de uma só impressão. Sinestesia é a relação de planos sensoriais
diferentes i.e., a fusão de percepções relativas a dados sensoriais
correspondentes a sentidos diferentes (e.g. para certas pessoas, um determinado
som evoca uma cor determinada ou um cheiro particular, etc.). Em sinestesia há
assim, uma correspondência neurológica que estimula uma acção de dois ou mais
sentidos.
126 Glossário | Glossário de Ciência
GLOSSÁRIO DE TECNOLOGIA
COPYRIGHT
Copyright dá o autor de uma obra original, o direito exclusivo por um período de
tempo em relação a esse trabalho, incluindo a sua publicação, distribuição e
adaptação no domínio público. Copyright aplica-se a qualquer forma exprimível
de uma ideia ou informação que é fixa num meio. Algumas jurisdições também
reconhecem"direitos morais" do criador de um trabalho, tais como o direito a ser
creditado para o trabalho. Os direitos de autor são descritos sob o termo de
"propriedade intelectual", juntamente com patentes e marcas.
DIGITAL
Desde que a humanidade desenvolveu o processo de contagem, os dedos foram
os instrumentos mais simples e eficientes para contar pequenos valores. O
sistema de numeração Indo-Arábico, o mais usado actualmente, é um sistema de
base decimal (os dez dedos das duas mãos). Com os dedos só é possível contar
valores inteiros, daí que, digital também se refere a qualquer objecto que lida
com valores discretos. Digital, é todo o dispositivo que gera, armazena e
transmite, dados codificados ou convertidos em valores numéricos, utilizando o
sistema binário (dígitos zero (0) e um (1), associados a impulsos eléctricos). É um
sinal com valores discretos (descontínuos) no tempo, e com amplitude. O que
significa, que um sinal digital só é definido para determinados instantes de
tempo, e o conjunto de valores que podem assumir é finito. A Digitalização de
sinais analógicos é obtida em três fases:
– Amostragem — Discretização no tempo do sinal analógico original.
– Quantização — Discretização da amplitude do sinal amostrado.
– Codificação — Atribuição de códigos (geralmente binários) às amplitudes
do sinal quantizado. (Wikipedia)
PEER-TO-PEER
Peer-to-Peer (do inglês par-a-par), entre pares, é uma arquitectura de sistemas
distribuídos caracterizada pela descentralização das funções na rede, onde cada
nodo realiza tanto funções de servidor quanto de cliente. O P2P é o resultado da
tendência natural do desenvolvimento de engenharia de software com a
disponibilidade de tecnologia para a criação de redes maiores.
Glossário | Glossário de Tecnologia 127
REMIX
Remix é o acto de modificar algo por uma outra pessoa ou pelo próprio produtor.
Em remix musical acrescentam-se sonoridades e efeitos ao original. Em vídeo, o
remix passa pela alteração ou acréscimo de elementos a uma determinada
imagem pelo mesmo princípio de modificar um produto original e criar com ele
uma nova versão.
RENDERING
Rendering é o processo pelo qual pode-se obter o produto final de um
processamento digital qualquer. Este processo aplica-se essencialmente em
programas de modelagem 2D e 3D, bem como áudio e vídeo.
O processo de tratamento digital de imagens e sons consome muitos recursos
dos processadores, e pode tornar-se pesado de forma que a sua realização em
tempo real fica inviável. Neste caso, os software trabalham num modo de baixa
resolução para poder mostrar uma visão prévia do resultado. Quando o projecto
está concluído, ou em qualquer momento que se queira fazer uma aferição de
qual será o resultado final, faz-se o render do trabalho.
RESOLUME
Resolume é uma aplicação para performances de vídeo ao vivo, no qual é possível
usar diferentes tipos de vídeos e imagens, sendo comummente usado em VJing.
RGB
RGB é a abreviatura do sistema de cores aditivas formado por Vermelho (Red),
Verde (Green) e Azul (Blue). O propósito principal do sistema RGB é a reprodução
de cores em dispositivos electrónicos como monitores de TV e computador,
"datashows", scanners e câmaras digitais, assim como na fotografia tradicional.
O modelo de cores RGB é baseado na teoria de visão colorida tricromática, de
Young - Helmholtz e no triângulo de cores de Maxwell. O uso do modelo RGB
como padrão para apresentação de cores na Internet tem suas raízes nos padrões
de cores de televisores RCA de 1953 e no uso do padrão RGB nas câmaras
Land/Polaroid, pós Edwin Land.
SCRATCHING
Scratching é uma técnica usada pelos DJs sobre um gira-discos para produzir sons
distintos pelo mover do disco de vinil para trás e para a frente enquanto
manipula um mixer de som.
128 Glossário | Glossário de Tecnologia
VJING |9. ANEXOS
Anexos 129
VJING |QUADROS RELACIONAIS
Quadro Relacional Primário
Quadro Relacional Variáveis Externas
Quadro Relacional Complementar
Quadro Relacional Global
VJING |TABELA DE SETS
VJING |OUTROS GRÁFICOS
Exemplos de Configuração Espacial
Plano B - Espaço
Ritmos musicais e visuais numa possibilidade
sinestésica de “ver” a música
VJING |PERFORMANCES
VJING |MODELO DE INQUÉRITO
VJING |GRAFICOS ESTATISTICOS DAS RESPOSTAS
VJING |CÓLOFON.
Em anexo à dissertação, um DVD que contém o texto em formato pdf,
justamente com um conjunto de vídeos e fotografias das performances visuais
realizadas.
Contacto: [email protected]