representações visuais dos kaapor nas expedições de darcy ribeiro entre 1949/1951
DESCRIPTION
REPRESENTAÇÕES VISUAIS DOS KAAPOR NAS EXPEDIÇÕES DE DARCY RIBEIRO ENTRE 1949/1951 Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Bacharel em Ciências Sociais.TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA BACHARELADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
MARCIO ISENSEE E SÁ
REPRESENTAÇÕES VISUAIS DOS KAAPOR NAS EXPEDIÇÕES DE DARCY RIBEIRO ENTRE 1949/1951
RIO DE JANEIRO
2008
MARCIO ISENSEE E SÁ
REPRESENTAÇÕES VISUAIS DOS KAAPOR NAS EXPEDIÇÕES DE DARCY RIBEIRO ENTRE 1949/1951
Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Bacharel. Área de concentração: Antropologia da Imagem.
Orientador: Profa. Dra. LYGIA BAPTISTA PEREIRA SEGALA PAULETTO
RIO DE JANEIRO 2008
MARCIO ISENSEE E SÁ
REPRESENTAÇÕES VISUAIS DOS KAAPOR NAS EXPEDIÇÕES DE DARCY
RIBEIRO ENTRE 1949/1951
Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Bacharel em Ciências Sociais.
Aprovada em ________________
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________ Profa. Dra. LYGIA BAPTISTA PEREIRA SEGALA PAULETTO
UFF
___________________________________________________________________ Profa. Dra. GLAUCIA SILVA
UFF
___________________________________________________________________ Profa. Dra. TÂNIA NEIVA
UFF
RIO DE JANEIRO 2008
AGRADECIMENTOS
À Universidade Federal Fluminense,
A Profa. Lygia Segala pelas orientações de
trabalho e de vida,
Ao Prof. Marcelo Carvalho Rosa pelas primeiras
diretrizes desse trabalho,
Aos funcionários do Museu do Índio, da Fundação
Darcy Ribeiro e da Cia. Das Letras,
À minha família pela atenção e paciência,
Aos meus colegas de curso pelo companheirismo.
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo abordar, através da ótica da Antropologia da
Imagem, o acervo fotográfico de autoria conjunta de Heinz Foerthmann e Darcy
Ribeiro, produzido em duas expedições às tribos dos índios Urubu Kaapor nos
estados do Pará e Maranhão entre os anos de 1949 e 1951.
As expedições estavam atreladas ao Serviço de Proteção aos Índios, órgão oficial
responsável pelas políticas dirigidas aos povos indígenas desde o início do Séc. XX.
São cerca de duas mil imagens distribuídas entre o Acervo Áudio-Visual do Museu
do Índio (RJ) e a Fundação Darcy Ribeiro (RJ) – essa última abriga documentos
pessoais do pesquisador.
As especificidades apresentadas na produção imagética do período oferecem
respostas a cerca do contexto de produção; através de características técnicas,
questões de linguagem visual, interesses antropológicos e formas de apreensão do
outro. Os personagens indígenas que aparecem nas imagens são por vezes
anônimos, e por vezes identificados, individualizados e comentados pelos autores
das fotografias.
A maior referência de publicação do acervo em questão é o livro Diários Índios: os
Urubu-Kaapor, lançado em 1996, contendo a transcrição integral dos cadernos de
campo de Darcy Ribeiro enquanto esteve entre as tribos Kaapor. Qual papel a
fotografia desenvolve dentro dessa publicação? A partir de uma análise mais
abrangente, por que o acervo pode ser considerado de cunho etnográfico? Quais
são as especificidades da produção fotográfica na década de 50 do século XX e de
que forma os produtores das imagens se atrelam a ela?
Em busca dessas e de outras questões surgidas ao longo do trabalho, apresento
esta monografia como parte da conclusão do curso de Ciências Sociais da
Universidade Federal Fluminense. Ressalvo, desde já, que o levantamento
documental e aprofundamento das questões aqui abordadas demandariam maior
dedicação do que é possível no Bacharelado, deixando margem para novas análises
sobre o tema no âmbito acadêmico.
ABSTRACT
This paper aims to address through the Anthropology of Image perspective, the
photographic collection of joint authorship of Heinz Foerthmann and Darcy Ribeiro,
produced in two expeditions to the Indian tribes of Kaapor Urubu in the states of Pará
and Maranhão between the years of 1949 and 1951.
The expeditions were associated with the Serviço de Proteção aos Índios – Office for
Protection of Indians, the government office responsible for policies directed at
indigenous peoples since the beginning of the Twentieth Century. There are roughly
two thousand images distributed between the archives of Audio-Visual Museum of
the Indian (RJ) and the Darcy Ribeiro Foundation (RJ) – the latter houses the
researcher's personal documents.
The specifications outlined in the imagery production of the period provide answers
about the context of the production, through technical characteristics, visual language
issues, anthropological interests and ways of addressing the other. The indigenous
characters that are portrayed in the images are sometimes anonymous, sometimes
marked, individually and commented by the authors of the photographs.
The largest collection of reference of the publication in question is the book Diários
Índios os Urubu-Kaapor – Diaries Indians: the Urubu-Kaapor, published in 1996,
containing the full transcript of Darcy Ribeiro´s field work journal while he was among
the Kaapor tribes. What role does photography play within this publication? From a
more comprehensive analysis, why can the body of this archive be described as of
ethnographic content? What are the specific characteristics of the photographic
production of the 1950's and how are the producers of the images coupled to it?
In pursuit of these and other issues raised during the completion of this work, I
present this thesis as part of the conclusion of the Social Sciences course of the
Universidade Federal Fluminense. It must be emphasized that the documental
research and the extending of the issues raised here would require greater
dedication than it is possible in the Bachelor degree, leaving room for further analysis
on this issue in the academic field.
LISTA DE ABREVIATURAS, SÍGLAS E SÍMBOLOS
CNPI Conselho Nacional de Proteção aos Índios FUNDAR Fundação Darcy Ribeiro FUNAI Fundação Nacional do Índio RJ Rio de Janeiro SE Seção de Estudos SPI Serviço de Proteção Aos Índios SPILTN Serviço de Proteção as Índios e Localização de
Trabalhadores Nacionais SRAV Serviço de Áudio-Visual (do Museu do Índio)
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 – CONTEXTO HISTÓRICO............................................................ 09
CAPÍTULO 2 – CONSIDERAÇÕES À CERCA DA FOTOGRAFIA .................... 20
2.1 – Surgimento e Primeiras Aplicações ........................................................ 20
2.2 – No Âmbito das Ciências Sociais .............................................................. 24
2.3 – Em Busca da Hermenêutica Visual .......................................................... 28
CAPÍTULO 3 – ESTUDO DE CASO .................................................................... 31
3.1 – Acervo Fotográfico .................................................................................... 31
3.2 – Sob Orientações ........................................................................................ 36
3.3 – Publicações ................................................................................................ 38
3.3.1 – Arte plumária dos índios Kaapor – 1957 ............................................. 38
3.3.2 - Diários Índios - 1996: convite à aventura expedicionária ................... 39
CONCLUSÃO .......................................................................................................50
BIBLIOGRAFIA CITADA ..................................................................................... 54
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ..........................................................................56
ANEXO 1 .............................................................................................................. 58
ANEXO 2 .............................................................................................................. 60
CAPÍTULO 1 - CONTEXTO HISTÓRICO
O Serviço de Proteção ao Índio constituiu-se o principal norte da política indígena
oficial do Estado Brasileiro desde a sua criação, em 1910. Durante a história do SPI,
diferentes correntes políticas e contextos históricos conformaram decisões
referentes ao devir das populações indígenas1, utilizando ferramentas próprias que
interferem nos valores sociais e individuais, organização econômica, religiosa e
cultural e outros elementos dos grupos indígenas. O antropólogo Darcy Ribeiro
(1922 – 1997) é um dos profissionais que participa, com seu trabalho, da
constituição de um modelo específico (e diferenciado do modelo precedente) para as
políticas referentes às populações indígenas no Brasil. Enquanto etnógrafo,
acompanhou as mudanças e mazelas causadas pelo contato entre civilizados e
silvícolas e compartilhou da proposta nacional de integrar estas populações isoladas
através do conceito de “Brasileiro”, chamando as populações (principalmente
através da educação) para partilharem do modo de vida ocidental / moderno.
No âmbito técnico, Darcy travou diversas lutas para estruturar o ensino aos
profissionais (de todas as instâncias) do SPI, culminando na fundação do Museu do
Índio (1953) e, através da CAPES, fez surgir “um novo tipo de formação, sancionada
por diploma, que favorecia a pesquisa de campo e se apoiava na experiência do
1 É através da categoria índio / indígena que os documentos datados da época designavam os moradores nativos do Brasil, não integrados ao resto do país em diversos aspectos; como lingüístico, econômico e social. Em oposição, utiliza-se a categoria civilizados para designar os não-indios, cidadão brasileiros. Gostaria de deixar clara essa diferença daqui para frente, nos momentos em que os termos forem utilizados.
Museu Nacional (...), associado à Universidade de Columbia (...) e à Escola Livre de
Sociologia e Política” (SOUZA LIMA,2002).
Pretendo, no presente volume, analisar e pensar o papel da fotografia nas
expedições etnográficas de Darcy Ribeiro, atreladas ao SPI, às tribos Kaapor no
Maranhão, entre 1949 e 1951. Já existem trabalhos monográficos com (e sobre)
outros grupos de imagens produzidas no SPI e que apresentam as especificidades
contidas neste caso ao qual me atenho2. Será importante começar pela
contextualização das expedições em questão, apresentando o cenário político
nacional e o papel do SPI neste cenário. Pretendo ainda pensar as apropriações e
as especificidades da fotografia etnográfica da época, como se deu o
desenvolvimento da técnica fotográfica e de que forma é utilizada pelos fotógrafos
em questão.
Delimito para este trabalho as duas expedições realizadas pelo antropólogo aos
índios Urubu-Kaapor, que ocorreram entre as datas de 20/11/1949 à 11/04/50 e de
02/08/51 à 9/11/51 (totalizam-se quase oito meses de expedições e pesquisa
etnográfica). Estas expedições estavam atreladas ao SPI (Serviço de Proteção aos
Índios) e os encarregados da Seção de Estudos (S.E.) foram: Max Boudin (1914 - ?),
lingüista francês responsável pela documentação sonográfica; Heinz Foerthmann
(1915 – 1978), responsável pela documentação foto-cinematográfica e Darcy
Ribeiro, responsável pela orientação dos trabalhos etnográficos. O lingüista francês
também encontrará Darcy na segunda expedição, da qual participou Francis Huxley,
antropólogo britânico que estudava, à época, na Escola de Sociologia e Política de
São Paulo. Fotografias foram tomadas, tanto por Foerthmann quanto por Darcy
Ribeiro, sendo o alemão3 o encarregado oficial. Alguns elementos técnicos podem
2 Ver MENDES (1993 e 2006), TACCA (1999 e 2001), BORGES (2003), ARRUDA (2006). 3 Heinz Förthmann (na grafia alemã) ou Henrique Foerthmann (na adaptação feita por ele próprio após sua opção pela nacionalidade brasileira em outubro de 1940), nasceu em Hannover, Alemanha, em 30 de Agosto de 1915. Filho de pai alemão (da mesma cidade) e de mãe brasileira, nascida em Porto Alegre, Heinz e sua família moraram em outras cidades alemães, como Kiel e Flensburg, até o ano 1932 quando a crise econômica e a ascensão nazista os impeliram a mudarem de país, indo para Porto Alegre, Brasil. Sua educação ocorreu na Alemanha, tendo cursado no Brasil dois anos de Desenho Gráfico e Comercial que lhe viabilizou, em 1937, seu primeiro emprego como desenhista e fotógrafo industrial na agência de publicidade Trein. Criou amizade com Wertheimer (editor de uma revista para qual a agência de Foerthmann fazia trabalhos) e, em 1940, os dois resolveram partir para o Rio de Janeiro para criar sua própria agência de publicidade, a Inter. A empreitada não foi tão bem sucedida e Foerthmann (ainda no Rio) passa a fazer cursos de Portrait com o retratista alemão Stefan Rosenbauer. Em 1942, através de seu cunhado Alarich Schultz, conheceu Harald Schultz
ser apresentados a partir da leitura dos arquivos sobre a expedição, tais como:
utilização de película em formato 35mm e também em 120mm, Preto e Branca;
utilização de flash externo; além de elementos mais “subjetivos” como
enquadramento, utilização da luz/contra-luz, obturador em velocidades sempre altas
(congelamento das imagens). Porém, é primordial atentar para as orientações sob
as quais estas imagens estão sendo produzidas. Orientações essas que irão
influenciar nas composições das fotografias, na escolha do objeto e ponto de vista
ou mesmo na supressão de certos elementos que não são interessante como
registro etnográfico.
Antes de entrar na especificidade do acervo fotográfico, devemos questionar: qual a
política governamental adotada ao longo do século XX em relação aos índios? Qual
papel o SPI desempenha como órgão responsável pela tutela oficial dos índios? Os
termos tutela, proteção, amparo (além de outros sinônimos) deixam transparecer a
lógica protecionista do SPI, colocando o Estado como o mediador das relações entre
os índios (vistos como vítimas do contato com o mundo) e a sociedade civil (vista
como “superior” ou como a forma de vida a qual os índios deveriam aderir). Essa
perspectiva está inserida no contexto da influencia positivista no Brasil da 1ª metade
do século XX. A partir do Estado Novo (déc. 30), a racionalização burocrática e
tecnocratização serão impostas ao SPI (LIMA, 2002, p. 169), começando a mudar o
paradigma da política oficial às populações indígenas. As influências teóricas do SPI
foram norte-americanas, principalmente o material produzido pelo Bureau of Indian
Affairs. Mas a partir da déc. 40, o Indigenismo Mexicano tornou-se “fonte de diálogo
e algumas de suas idéias foram incorporadas (...) na origem do modo protecionista
de exercício do poder tutelar no Brasil(...)” (Idem, p. 170).
Uma das primeiras formas encontradas pelo órgão oficial para aproximar as
populações indígenas da civilização será transformando-as em trabalhadores rurais,
aderindo ao modo de produção capitalista. Assim, as formas de trabalhos
comunitários destinados ao bem coletivo praticados pelos povos indígenas serão,
aos poucos, suprimidas. Nesse sentido, a proteção oficial encaminhou essas
populações para o contato maciço com o modo de vida dominante, provocando a
e, após cursar introdução básica em Cinema e aperfeiçoar-se em fotografia industrial, Heinz Foerthmann é admitido no SPI como “Diretor artístico de cinematografia e sonografia” da Seção de Estudos (SE). Para uma biografia e filmologia mais completa, ver MENDES (1993).
perda de identidade desses grupos pela aculturação4. Ao mesmo tempo, essa
integração garantiu ao discurso oficial do governo a paz com os povos indígenas,
simbolizando a vitória, o progresso através da ordem.
O que estava ocorrendo no Brasil de 1949 a 1951, época das expedições de Darcy
Ribeiro? Pensando em termos de política nacional, quais as estratégias e ações que
estão influenciando a pesquisa? Em termos teóricos, como inserir Darcy na corrente
denominada “indigenista” e quais as contradições das idéias de Darcy com este
modelo de política para os índios? Uma análise geral da vasta bibliografia existente
sobre políticas e causas indígenas pode fornecer respostas satisfatórias às
perguntas acima apresentadas. O indigenismo no Brasil: Migração e reapropriação
de um saber administrativo (SOUZA LIMA, 2002) é um dos textos base, mais
recente, para compreender o processo dos acontecimentos históricos relevantes na
política oficial destinada aos índios. Sobre a dita “proteção oficial”, é necessário
vincula-la ao contexto, desenvolvido durante o século XX, de proteção estatal ao
índio, fornecida através de ministérios e órgãos governamentais responsáveis no
âmbito prático, teórico e burocrático pelas questões indígenas. As pacificações, as
formas de atração, a educação “inclusiva”, as pesquisas científicas (ex.:
etnográficas), são papel de órgãos como o SPI5, além de desenvolver a inclusão à
lógica mercantil, agregando os índios como mão-de-obra e incorporando-os a
categoria de trabalhadores agrícolas.
É a partir dos chamados postos indígenas que se concentram e se desenvolvem as
práticas da política indígena. Os postos se dividem em duas categorias: 1- Postos de
Vigilância e Pacificação e 2- Postos de Assistência, Nacionalização e Educação. O
primeiro diz respeito à fase inicial de contato com as tribos e é onde se desenvolve a
famosa política da distribuição de brindes6, instigando a aproximação por processos
4 Vale diferenciar os termos (que serão recorrentes) aculturação, assimilação e integração. Entende-se por aculturação o processo de desaparecimento de elementos constitutivos de determinada cultura. Esse processo ocorre a partir da assimilação de elementos novos, oriundos de culturas (majoritária) em contato com a cultura original (minoritária). A integração pretende a total assimilação dos elementos culturais para o qual destinam-se os indivíduos das culturas em via de supressão. 5 Criado em 1910 com o nome de SPILTN – Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais. Em 1967, torna-se FUNAI – Fundação Nacional do Índio. Outro órgão responsável pela questão indígena é criado no Estado Novo, o CNPI (Conselho Nacional de Proteção aos Índios). 6 Na primeira parte do livro Diários Índios, Darcy descreve o processo de pacificação a partir de documentos consultados nos Postos Indígenas e relatos que colhia. Descreve da seguinte forma a primeira empreitada do grupo responsável pela pacificação: “os trabalhadores abriram uma picada de quinze quilômetros mata adentro,
de trocas materiais e simbólicas. Política essa comum no SPI e incentivada
oficialmente, tendo como exemplo imagens do acervo do Museu do Índio onde o
próprio Marechal Rondon (1865 – 1958) aparece distribuindo presentes a índios em
contato recente com os postos. Darcy Ribeiro narra, em seu livro Diários Índios,
como se deu o processo de pacificação (datado da década de 1920) com as tribos
Urubu-Kaapor, em que os brindes eram utilizados largamente em um primeiro
momento e aos poucos foram reduzidos, atraindo os índios cada vez mais para as
proximidades do Posto7. Em um segundo momento, os Postos de Assistência,
Nacionalização e Educação são utilizados para receber populações indígenas com o
objetivo de: abrigá-las (sedentarização), educá-las e adaptá-las à forma de trabalho
agrícola, nos moldes determinados pelo Estado. No caso dos Kaapor, Darcy irá
presenciar o funcionamento deste tipo de Posto Indígena e usará esse espaço
político e administrativo8 como base para sua expedição entre as tribos Kaapor e
Tembé.
No caso brasileiro, Souza Lima (2002) destaca três tradições de gestão dos povos
indígenas: Sertanista, Missionária e Mercantil. Atendo-se ao primeiro e mais
freqüente modelo de gestão, podemos apontar tais pontos:
1. Origem no contexto do mundo colonial português;
2. Objetivos de explorar e determinar os contornos geográficos do país,
expandindo o “mundo conhecido” do explorador;
3. Os sertanistas possuem conhecimentos específicos estratégicos para o
processo de pacificação (estratégico geopolítico e economicamente);
4. Esboçam uma descrição das populações autóctones, mantendo contatos e
trocas.
O SPILTN (Serviço de Proteção as Índios e Localização de Trabalhadores
Nacionais) é o “primeiro poder estatal dirigido às populações concebidas como
indígenas” (BEZERRA: 195). Será renomeado em 1918 como SPI, passando por
diversas fases de organização até 1967, com a criação da FUNAI. O serviço, com “a
ao fim da qual colocaram o primeiro tapirizinho de brindes (‘cena’), na banda direita do Gurupi. A primeira ‘cena’ foi encontrada pelos índios poucos dias depois de preparada” (1996, p. 26) 7 A primeira parte do livro narra diversos episódios desde os primeiros contatos índios e não índio. Ver páginas 23-37 e 61-65. 8 No caso, Posto Pedro Dantas que atualmente se chama Posto Indígena Canindé.
sua dimensão de aparelho estatal e matriz militar” (BEZERRA: 195), utiliza como
instrumento central de sua legitimação o caráter humanitário, através da iniciativa
pessoal de Rondon( nome todo e data), propagada como versão oficial (inclusive por
Darcy Ribeiro) da política estatal implementada. Souza Lima (2002), chamará de
“poder tutelar” essa forma de poder exercida pelo SPI, oriunda de uma reelaboração
da “guerra de conquista”. Os objetivos (em comum) entre o modelo das Guerras de
Conquista e o exercício do Poder Tutelar são:
1. Fixação territorial dos conquistadores nas terras dos conquistados;
2. Alianças no seio das populações conquistadas o que desestrutura o modelo
de organização social vigente;
3. Objetivos econômicos de exploração comercial.
Nos exemplos mostrados ao longo deste texto, veremos que essas causas estão em
constante relação. Observa-se também que poder tutelar é, realmente, uma re-
elaboração de políticas adotadas na época do Brasil colonial e imperial, trocando a
idéia de que o índio selvagem deve ser conquistado (através da força) para a idéia
de que o índio selvagem deve ser absorvido à sociedade vigente.
É evidente que o modelo de administração do SPI nas primeiras décadas de
existência está baseado na figura do Marechal Rondon. Considerado ícone da
política tutelar, Rondon é reconhecido e propagado como pai dos índios9, dando
continuidade às campanhas (oficiais ou não) que visam suplantar a organização
9 Vale exemplificar a idéia de Pai dos Índios através da história narrada por Darcy na página 389 do livro Diários Índios, contando que o etnógrafo havia sido convidado por um cacique para nomear seu próximo filho e Darcy escolheu o nome Rondon.
Que nome, então, dar a seu filho? Nessa altura, encontrei o nome, o melhor, aquele de que mais um jovem índio pode ogulhar-se: Rondon. Dizendo a Karapanã qual o nome de minha escolha, procurei faze-lo ver quem é Rondon e o que esse nome representa. (...) Falei de um rapaz, filho de uma índia, que vivera toda a infância e adolescência nas vizinhanças do território de uma grande tribo, vendo as hostilidades que de parte a parte se faziam, principalmente os ataques covardes e desumanos que os brancos armavam, então, contra os índios. Esse rapaz, impressionado com aqueles morticínios cruéis, dedicou sua vida a pacificar índios e civilizados. (...) Disse, também, que foi ele quem mandou Araújo aqui para estabelecer a paz entre os brasileiros e os Kaapor e que foi ele, inclusive, que me mandou aqui, recomendando que aprendesse bem como eles vivem, o que sabem e do que mais precisam. (...) No fim, perguntaram se Rondon era Papai-uhú, essa entidade estranha e benfazeja de que lhes fala o pessoal do SPI e em nome de quem lhes é dado tudo que o posto recebe para eles. Sim, eu lhes disse, Rondon é o Papai-uhú-té, o pai grande verdadeiro.
Nesse trecho, diferentes aspectos relacionam a política paternal e protecionista do Estado à pesquisa desenvolvida por Ribeiro nas aldeias Kaapor. Fica claro que desde o primeiro contato, Rondon é representado como “pai dos índios” e atribui-se a ele situações como: Pacificação; “presentes”; melhorias necessárias; etc.
social e práticas indígenas pelo modelo europeu de desenvolvimento (considerado
“civilizado”). Seja por meio de guerras e combates físicos explícitos ou pela
integração “pacífica” do índio à sociedade capitalista, as manifestações tradicionais
e culturais de povos índios vinham sofrendo, no meado do século XX, constantes
baixas, muitas etnias desaparecendo por completo10. O caminho escolhido por
Rondon atrela o desejo de integrar o Brasil (principalmente Norte e Nordeste)
através das comunicações (ex: Linhas telegráficas), aproximando as longínquas
fronteiras não-civilizadas. Este é o primeiro canal capaz de “educar”, propagando e
transmitindo valores e códigos culturais definidos.
Chama-se atenção para o fato de que a política indígena estará sempre relacionada
aos espaços de colonização / ocupação recente. O texto Uma crítica da desrazão
indigenista (RAMOS, 1998) narra o caso dos índios Panará que, tendo o primeiro
contato com os não indígenas, no ano de1967, sendo ostensivamente “pacificados”
e “estudados”, antes que a estrada Cuiabá-Santarém (planejada pelo Governo
Militar) invadisse as áreas de terra tradicionais destes índios. O resultado de tal
processo foi catastrófico para as populações nativas, o grau de desumanidade foi
retratado em fotografias onde índios apareciam no ato de esmolar à beira de uma
estrada e, numa ação de “proteção” e solidariedade comovente por parte dos
administradores dos órgãos de proteção sensibilizados através das imagens, os
índios (que restavam) foram transferidos para o Parque Nacional do Xingu (em
1975). Este caso originou, na década de 1990, o primeiro “processo judicial
impetrado em favor de comunidades indígenas”, sendo este “tão claro em
reconhecer que o choque do contato interétnico gera crimes contra os índios e
ações abusivas por parte do Estado que se diz protetor desses mesmos índios”
(RAMOS, 1998: 5). Importa ressaltar que o interesse do Estado de entrar em contato
com esses índios se deveu ao interesse econômico nas áreas por eles ocupadas.
Neste caso, outra característica importante para a análise aqui pretendida é o papel
da fotografia ilustrando a situação das populações indígenas, sendo a exposição
publica destas fotos umas das razões para as tomadas das decisões oficiais. Assim,
10 Com base em alguns dados presentes no artigo de Mota (2008), pode-se ilustrar o processo que se desenvolveu no século XX. Em 1825, a população indígena era 360.000; em 1940, 200.000; em 1950, 200.000; em 1953, 150.000; em 1957, 70.000; em 1979, 210.000; em 1980, 227.801; em 1995, 330.000; em 2000, 358.397; em 2005, 450.000 (fonte: FUNAI). Atribui-se esse crescimento tanto a um redirecionamento das políticas indígenas quanto ao crescimento de indivíduos “índios-descendentes” que passam a se identificar nessa etnia.
a lógica de proteção, apesar de apresentar ambigüidades, se sujeita à lógica de
“crescimento econômico” e modernização, uma vez que os índios são vistos como
um atraso e um modelo primitivo de organização que deve ser superado (e o ícone
da superação é passar uma estrada por cima) e supervisionado pelo Estado
protetor.
Relacionando as questões acima citadas, o texto Fotografia, História e Indigenismo:
A representação do real no SPI (BORGES, 2003) irá apresentar a questão do
trabalho como temática central na política indigenista do período. Segundo Borges
“é exatamente através do trabalho pautado nas relações capitalistas que o SPI (...)
pretende civilizar e educar os indígenas inserindo-os na produção nacional como
trabalhadores rurais com o intuito de pertencimento à nação” (BORGES, 2003: 13).
Através dos postos indígenas diversos povos indígenas serão gradativamente
inseridos na lógica mercantil através de pilares básicos: Sedentarização, trabalho
campesino e educação oficial. Ilustra este processo as fotos de Heinz Foerthmann
analisadas no trabalho acima citado, datadas de 1943, exemplificadas aqui por dois
fotogramas que são emblemáticos em representar o índio caracterizado como
integrado e cidadão brasileiro nos moldes adotados pelo Estado protecionista (ver
fotos 1 e 2).
Foto 1: Posto Indígena de Assistência, Nacionalização e Educação Curt Nimuendajú. “Casa das máquinas, máquina a vapor e serras para cortar toras” (legenda original. ver Ficha Referente) Foto de Heinz Foerthmann, 1943. Museu do Índio – RJ. SPI SE alb2350-2361
Foto 2: Brincadeira de roda, em frente ao espaço da escola do Posto Indígena de Assistência, Nacionalização e Educação Curt Nimuendajú. Foto de Heinz Foerthmann, 1943. Museu do Índio – RJ. SPI SE alb2329-2342
Neste caso, as fotografias foram tomadas no Posto Indígena Curt Nimuendajú,
localizado em Bauru (SP), e os índios retratados pertencem a grupos Guarani,
atendidos pelo posto. Segundo a análise do autor, que considera questões históricas
pertinentes na construção da própria política do SPI / Comissão Rondon, o conjunto
das fotografias de Foerthmann registra documentalmente11 o processo de
substituição entre a economia de reciprocidade (coletivista por natureza) e,
antagonicamente, a economia capitalista baseada na acumulação e no mérito
pessoal. Atrelado a este, está o processo de educação implementado nos postos
visando à integração total dos índios aos valores e costumes ocidentais (ex.: hábito
de vestirem-se, reverências à bandeira nacional). Como percebemos estes
elementos / conceitos nas fotos? É necessário contextualizar a produção e atrelá-la
aos objetivos e intencionalidades de quem produz e consome o material imagético.
Foerthmann é fotógrafo oficial do S.P.I., trabalhando em várias partes do Brasil
dentro de Postos e Aldeia indígenas. As imagens por ele produzidas precisam ser
compreendidas atreladas ao seu contexto de produção, no qual ‘e dada importância
para o registro do índio e da sua relação/inclusão no “mundo civilizado” através dos
Postos de contato. Não esta mais em questão o índio como um herói bom-selvagem,
“dono das florestas”, símbolo romântico da nacionalidade, na iconografia
oitocentista, mas sim a imagem de indivíduos “ganhos”, pacificados, integrados e
submetidos à lógica/prática política de um universalismo assimilacionista.
Outro trabalho que analisa as fotos de Foerthmann no Posto Indígena Curt
Nimuendaju aborda questões pertinentes para análise das imagens. Sobre esta
fotografia (ver foto 2), ARRUDA (2006) dirá:
O modo como percebemos a organização do espaço, a atividade em curso,
as pessoas presentes na fotografia, nos indica a intencionalidade do autor
da foto, de apresentar um espaço recortado e marcado pela representação
11 Vale diferenciar fotojornalismo e fotografia documental, possuindo práticas e produtos com finalidades diferentes. O fotojornalista “produz” a imagem, cria foto-ilustrações que irão se enquadrar nas publicações devidas. O fotodocumentarista “procura sintetizar em registros fotográficos a essência de um período através de temas mais ou menos amplos, abrangendo temporalidades de larga duração”. Embora saibamos que estes campos da fotografia, por muitas vezes, se misturam, as fotografias do SPI possuem, geralmente, “um objetivo claramente documental, ou seja, são a materialização de uma demanda específica do órgão indigenista (...) e devem ser interpretadas a partir desta intencionalidade documental” (BORGES, 2003; 91)
da civilidade. (...) O congelamento desta imagem concretizava o sucesso da
intenção do gesto do SPI de promover a passagem de um estágio inferior e
bárbaro para um estágio civilizatório que estava sendo forçosamente
tutelada pela sociedade civilizada hegemônica
Assim, os elementos que funcionam como principais agentes civilizadores (educação e
trabalho agrícola) da política do SPI são representados recorrentemente através das
imagens que o próprio serviço produz.
Como diferenciar o conjunto fotográfico realizado nas expedições aos Kaapor em relação
aqueles anteriormente realizados por Foerthmann? Quais os interesses e objetos centrais
nas fotos e como se diferenciam ao longo do tempo? Para ajudar a propor uma resposta, irei
analisar duas fotografias do autor que podem ser consideradas, ambas, como um retrato.
Foto 3: Posto Indígena de Assistência, Nacionalização e Educação Curt Nimuendajú “Menino Guarani de 12 anos” (legenda original. ver Ficha Referente) Foto de Heinz Foerthmann, 1943. Museu do Índio – RJ. SPI SE alb2276-2282 Foto 4: “Maxin, o rapazote mais simpático da Aldeia Koatá” (RIBEIRO: 1996, 387). Foto de Heinz Foerthmann, Maranhão, 1949-1950. Museu do Índio – RJ. SPI SE alb15212-15215
Os retratados são, nos dois casos, de crianças indígenas. Na fotografia datada de 1943 (foto
3) o retrato mostra um menino vestido e de cabelo penteado, olhando diretamente para a
câmera, sendo o plano de fundo composto de um tecido utilizado como “fundo infinito”. A luz
é difusa e as sombras são suaves, quase inexistentes. Na segunda fotografia, de 1949-50
(foto 4), mostra um menino de dorso nu, sorrindo e olhando (para a esquerda) algo fora do
enquadramento. As sombras produzidas pela fonte de luz natural (sol) são duras e
aparecem, principalmente, no rosto do menino. O segundo plano é composto por uma mata
(desfocada) e alguns utensílios indígenas (logo atrás do menino), deixando explícito o
contexto de aldeamento em que a fotografia foi produzida. Essas imagens se contrapõem,
uma vez que a intencionalidade da primeira foto é, de todas as formas, neutralizar a
“subjetividade” e isolar o personagem indígena de seu contexto através de potencialidades
da fotografia (fundo infinito, difusor de luz, etc.). A série a qual pertence à Foto 3 possui as
características das fotografias etnográficas clássicas, utilizadas para descrever
detalhadamente os “tipos” humanos. O mesmo personagem aparecerá de frente, de perfil
(dois lados) e de costas e diferentes indivíduos serão, assim, fotografados. Na produção da
Foto 4, os retratos se diferenciam por completo dos anteriores analisados, pois são sempre
contextualizados através de elementos que localizam espacialmente as aldeias indígenas e,
embora os “tipos” ainda estejam em questão, não serão mais explorados a partir de modelos
antropométricos, clássicos no registro foto-etnográfico12.
Um último elemento que diferencia os exemplos citados diz respeito às legendas atribuídas
por Foerthmann (e por Darcy Ribeiro) às imagens. Na Foto 3, diz-se “Menino Guarani de 12
anos” (Foerthmann) e na foto 4 diz-se “Maxin, o rapazote mais simpático da aldeia de Koatá”
(Darcy Ribeiro). A primeira é uma descrição impessoal do retratado, descrevendo apenas
sua origem (Guarani) e sua idade na época (12 anos). A segunda é mais detalhada, uma
vez que “nomeia” o retratado (Maxin), atribuindo-lhe ainda qualidades (“mais simpático”) e
contextualizando-o em seu grupo (Aldeia de Koatá). Nesta segunda legenda, percebemos
claramente a opinião e a proximidade afetiva do produtor da imagem e, consequentemente,
sua intencionalidade. Valendo-se da afirmação que “é somente através destes dois
elementos [fotografia + legenda do autor] que a narrativa fica completa – o olhar do fotógrafo
e sua intenção na constituição deste olhar” (BORGES, 2003; 87), conseguimos
compreender que o contexto de produção entre 1943 e 1949 se modificou muito e talvez
deva atribuir-se o fato as novas orientações implementadas no SPI pelo grupo encabeçado
por Darcy Ribeiro13.
Esse capítulo pretendeu apresentar resumidamente as circunstâncias de produção
do acervo em questão, relevando-se as questões sobre a formação do órgão
denominado SPI e os conceitos e ações centrais constituintes da proteção oficial aos
índios, no período. O desenvolvimento da disciplina antropológica, tal qual o
desenvolvimento da técnica fotográfica, também foram considerados peça chave na
resposta às questões propostas. Afinal, não existe imagem sem um produtor de
imagem, assim como não existe esse produtor de imagem sem um sujeito
determinado histórica e culturalmente, que fotografa sob determinadas prescrições e
ideologias. Darcy Ribeiro e Heinz Foerthmann serão considerados como sujeitos – e
suas implicações - produtores de imagens.
12 Nos próximos capítulos discutirei mais detalhadamente a fotografia etnográfica, mas podemos resumir que a produção fotográfica de tipos humanos estava atrelada ao modelo da antropologia física comparativa , com uma perspectiva evolucionista, positivista, imbuída do propósito de descrever e classificar as raças humanas (SAMAIN, 1998, p-146). 13 Alguns colaboradores nesse processo são: Eduardo Galvão, Roberto Cardoso de Oliveira, Herbert Baldus, José Maria da Gama Malcher, Harald Schultz, entre outros. Para uma visão geral das novas orientações, ver SOUZA LIMA (2002).
CAPÍTULO 2 - CONSIDERAÇÕES À CERCA DA FOTOGRAFIA
Surgimento e Primeiras Aplicações
Quando a Fotografia surgiu para o mundo como uma invenção criada no âmbito da
revolução industrial que se desenvolvia no continente europeu, existia já estruturada
na história uma forma de ver “pré-fotográfica” que através das técnicas artísticas
vigentes14 buscava a descrição visual mais próxima possível da realidade empírica e
vivenciada. Nesse contexto a fotografia, na sua gênese uma “representação por
contigüidade física com o seu referente” (TACCA, 1999), passa a ser considerada e
a ter como objetivo a realidade, via processo mecânico que reflete diretamente a
natureza das coisas (SCHERER, 1996, p. 70), transposta a uma materialidade
duradoura: a superfície do papel, emulsionada e sensibilizada. Nestes primeiros
momentos de existência, a fotografia estava atrelada diretamente com a ciência15 e
14 O ano de 1839 é considerado como o ponto de partida da fotografia na história. Isso graças à data comemorativa da patente do Daguerreótipo que foi considerado e utilizado como o primeiro aparelho fotográfico. As contribuições para que o francês Louis Daguerre (1787 – 1851) carregasse por tanto tempo o crédito de “pai” da fotografia datam de tempos mais remotos. Existem registros de que na Grécia antiga, o filósofo Aristóteles utilizava um equipamento denominado Câmara Obscura que, a partir dos mesmos princípios da fotografia, captava a imagem vista em uma “tela” posicionada atrás da caixa. Na época, Aristóteles utilizava este mecanismo para observar eclipses e outros movimentos celestes. Este anseio por capturar a imagem acompanha a história do homem ao longo do tempo, e nomes como Alhazen (956-1038), na Arábia e Roger Bacon (1214-1294), Leonardo da Vinci (1452-1519), na Europa aperfeiçoaram o invento dos gregos para registrar “artisticamente” o que eles consideravam “cópia” da realidade. ver: ARGAN (1992) e KOSSOY (1980, 1989, 2000). 15 As reações dos espectadores europeus - olhos que pela primeira vez viam-se fixados na existência – diante desta tecnologia realista, paradoxalmente, é associada como um “encanto”, “magia”, “crença”, “vidência”, “aparições” (SEGALA, 1998). Ao mesmo tempo, segmentos da sociedade (principalmente na França e Inglaterra) “tentam assegurar um lugar de distinção à fotografia nas artes e nas ciências” (SEGALA, 1998, p. 18), desmontando e ridicularizando as interpretações mágicas e religiosas.
com as atividades científicas desenvolvidas. As atividades científicas que primeiro
utilizaram a fotografia como recurso de pesquisa e comprovação são as áreas das
ciências naturais, da criminologia e da antropologia (que surge enquanto ciência
contemporaneamente à fotografia).
Ao mesmo tempo, é senso comum na primeira metade do século XIX a classificação
da fotografia como uma “arte menor”. No âmbito das Belas-Artes, o invento é
considerado como “instrumento para observações e estudos”, estando presente
restritamente no mercado de arte. A autoria é relegada como questão e os
fotógrafos ainda não possuem uma identidade reconhecida no campo das artes. A
estética fotográfica segue os cânones da expressão pictórica sem afirmar ainda uma
linguagem autônoma (SEGALA, 1998). A maioria dos entusiastas da fotografia irão
utilizá-la como técnica descritiva.
A tomada da fotografia como o real (ou parte deste real) perpassa a história da
técnica e ajuda a compreender as formas de utilização que adquiriu ao longo do
tempo. No século XIX, não havia dúvida quanto ao seu caráter mimético,
disseminando o uso da fotografia pelas áreas da ciência16. Nas primeiras décadas
do século XX - com uma crescente popularização e difusão da técnica fotográfica e
as primeiras utilizações da fotografia com propósito artístico, afirmando seu caráter
objetivista e desenvolvendo uma linguagem própria – surge um descrédito,
principalmente nas ciências Humanas, na utilização das técnicas enquanto dado
científico preciso, peça probatória. Nas Ciências Sociais, especialmente nas
interpretações sociológicas, a supressão das imagens e a inclusão de gráficos e
tabelas são um dos caminhos encontrados para firmar esta área do conhecimento
como um campo da ciência legítima (MARESCA, 1995),
No decorrer do Século XX (e mais intensamente nas últimas duas décadas, com o
desenvolvimento de áreas do conhecimento como a Antropologia Visual e a
Semiótica), as discussões a cerca do caráter das imagens fotográficas
intensificaram-se, trazendo à tona argumentos que questionam tanto a posição de
considerá-las como real transposto quanto à refutação de utilizá-las enquanto fonte
16 “O emprego sistemático da imagem na pesquisa iniciou-se nas ciências Naturais” (PORTO ALEGRE, 1998, p. 86)
de conhecimento, considerando-as de todo subjetivas em comparação as fontes de
pesquisas e vivências (estatísticas, tabelas, gráficos, etc.). Segundo BITTENCOURT
(1998), a atribuição do valor realístico à fotografia é uma conseqüência da
interpretação cultural presente nas sociedades e grupos que produziram as
imagens. Desta forma, o que assistimos contemporaneamente em relação à
credibilidade do caráter mimético na fotografia17 é uma desconstrução imposta pela
tecnologia da informática (SAMAIN, 1998) meio em que é sabida a capacidade de
manipulação na informação original. A imagem fotográfica historicamente diminuiu,
perante o observador/receptor, sua capacidade objetiva de transcrição da realidade.
Inversamente, a crescente percepção das imagens enquanto sistema simbólico
possibilita uma “leitura visual” mais abrangente e perspicaz.
Diferentes correntes de análise manifestam-se quanto à existência de significado e
realidade na fotografia, dividindo-se entre: (1) aqueles que consideram a existência
da informação inerente à fotografia, (2) aqueles que negam a existência da
informação inerente à fotografia, sendo estas puramente subjetivadas e construídas
no momento em que o espectador está em contato com ela; e (3) aqueles que
consideram que as imagens podem transmitir significados, mas são incompletos e
dependentes do contexto de análise, através do espectador. (SCHERER, 1996).
Gostaria de me ater mais detalhadamente nessa questão. Pensar a fotografia da
forma que se propõe o 1º grupo listado é considerá-la como “uma forma que pensa”
(SAMAIN, 1998) e que independe da autoria e da recepção pelo espectador. Desta
ótica, o âmbito mais importante no processo de produção das imagens e que
prevalece na fotografia é originário do momento da exposição à luz (conhecido como
o “clic”), onde a influência humana é imponente em relação à tecnologia. Porém, se
considerarmos que fora desse momento único, específico e inseparável do fazer
fotográfico ocorre uma imediata (re-)tomada e (re-)inscrição da interpretação da
imagem nos códigos culturais em questão (MARESCA, 1995), então poderá assumir
17 DUBOIS (1999) definiu como imagem informática como toda imagem produzida de forma virtual, sem materialidade inicial. Além, a tensão dialética entre semelhança e dessemelhança extrapola a questão técnica da reprodutibilidade, uma vez que passa a haver uma “opção estética” pelo dessemelhante. O realismo fotográfico (mimético) é substituído pela realidade fotográfica (recorte, fenômeno do real). Para completar com outro ponto de vista, “deveríamos, enfim, preocuparmo-nos e nos perguntarmos o que vem a significar (...) o encontro e a mixagem de práticas cognitivas e comunicacionais seculares (visualidade, oralidade e escrita) com os mais recentes aparatos tecnológicos da verbo-visualidade contemporânea (som, fotografia, cinema, vídeo, informática), se é verdade que esses novos aparatos tecnológicos podem já e poderão cada vez mais servir à função e a pratica de uma antropologia visual” (SAMAIN, 1995).
a segunda forma listada acima de pensar a fotografia, em que as informações sobre
as imagens são criadas no ato posterior do fazer: o momento de
observação/recepção. Assume-se desta ótica que a construção do espaço/tempo na
fotografia ocorre através de um trabalho de imaginação que conforma o que é
“mostrado” (ou o momento propriamente empírico de construção da imagem) com o
que o observador realmente enxerga (KOURY, 1998), através de sua história
particular, da cultura e valores que o orientam, além de sua posição social e
geográfica. A terceira forma de pensar e analisar a fotografia compreende um meio
termo das duas primeiras, mostrando uma complementaridade entre o que está
implícito na fotografia e o que é revelado através de um determinado ponto de
observação.
A característica mais forte do ato de fotografar, a capacidade de “aprisionar” o
tempo/espaço (de tal forma que não é possível no fluxo natural do devir) em um
instante específico, cria um dilema interpretativo: a aparente totalidade de
transposição do passado para o presente, tornando o momento específico
representativo de um todo, do geral (EDWARDS, 1996). “Na criação de uma
imagem, a tecnologia fotográfica dá forma ao mundo” (EDWARDS, 1996, p. 16),
porém existe, simultaneamente, um caráter submisso da imagem a partir do
momento em que os espectadores atribuem significados através da própria cultura e
valores de determinada sociedade em determinada época, dando-lhe um sentido
que pode não estar contido na intenção do fotógrafo, no significado original. Da
mesma forma, seu caráter ativo sugere significados através do meio no qual está
estruturada, incluindo a técnica utilizada, a intencionalidade do produtor e dos
personagens, o contexto histórico e geográfico de produção, além de simbologias
mais sutis implícitas nas imagens.
A fotografia, com todas as suas características próprias aqui expostas, permite
inevitavelmente interpretações (MOREIRA LEITE, 1998). Não é somente no
momento de observação/recepção que a neutralidade da codificação/decodificação
da mensagem transmitida é posta à prova, mas também no momento de sua
produção, quando diferentes aspectos culturais e históricos moldam uma forma de
apreensão do mundo.
Gostaria de apresentar brevemente os conceitos Barthesianos18 de conotação e
denotação como forma de ajudar a elucidar questões acerca da especificidade da
linguagem fotográfica da fotografia. O aspecto conotativo remete a um determinado
saber cultural e seus significados. Representa na fotografia, a face subjetiva e
simbólica, que está sujeita a variar de acordo com cada momento de análise e ponto
de vista tomado. O aspecto denotativo diz respeito à capacidade de analogia e/ou
reprodutibilidade (do real) contido em determinado meio de comunicação. Na
fotografia, o caráter denotativo está, aparentemente, mais presente do que seu
caráter conotativo, podendo-se considerar esta a característica que mais influenciou
a análise das imagens fotográficas ao longo da história. Esta distinção é apenas
operacional na teoria de Barthes, havendo outras interpretações dos debates da
antropologia contemporânea que questionam essa polarização. PORTO ALEGRE
(1998, p. 110) ressalta que qualquer significação, mesmo a mais simples, é
culturalmente determinada e, além disso, as imagens (assim como as palavras) não
designam sempre os mesmo sentidos.
No âmbito das Ciências Sociais:
Todos estes conceitos e considerações podem elucidar a próxima etapa, que será
voltada para analisar a fotografia dentro das Ciências Sociais. Como e de que forma
a fotografia está presente (ou não) dentro das análises e trabalhos nos diferentes
campos (predominantemente antropologia e sociologia) das Ciências Humanas?
Recortando mais de perto (para aproximar a questão do objeto deste texto), o que a
antropologia e a etnografia pretendem e esperam da técnica fotográfica utilizada
dentro de algumas etapas dos trabalhos científicos? A partir daí, terei mais facilidade
em responder a última pergunta: Porque, como e de que forma a fotografia está
presente na pesquisa de Darcy Ribeiro19? O que representa a função de um
encarregado como Heinz Forthemann, responsável exclusivo pelo registro imagético
(cinematográfico e fotográfico)?
18 Roland Barthes (1915 – 1980), filósofo, semiólogo e crítico literário, é um nome referencial na estrutura de uma filosofia da imagem, sendo o livro A Câmara Clara o principal título a esse respeito. 19 Contexto histórico e apresentação, ver Capítulo I.
Devemos ter em mente, para começar a busca proposta, que as Ciências Sociais,
ao longo de sua história, privilegiaram abertamente as ferramentas verbais e
escritas20 em detrimento das linguagens visuais, o que de forma alguma excluiu por
completo a utilização da visualidade dentro da estrutura verbal proposta. “A
fotografia em si não possui uma narrativa autêntica de acordo com a definição
literária” (EDWARDS, 1996, p. 22), o que é justificativa para que, ate muito
recentemente, poucos estudos nas Ciências Sociais utilizem a fotografia de modo
central. Isso é observado tanto nos argumentos e teorias das pesquisas quanto no
corpo físico dos livros e publicações da área. As aparições das imagens estão
acompanhadas, na maioria das vezes, das “explicações” verbais, condensadas no
papel da legenda21.
Muitas são as funções e características das legendas, algumas como: (1) São
usadas para situar a fotografia tanto espacialmente quanto historicamente, (2) Guiar
ou sugerir um contexto particular do significado das fotos, (3) legitimar o discurso
fotográfico no domínio científico e disciplinar, (4) omitir a possibilidade da fotografia
“falar por si mesma”. De todas as formas, a legenda é construída pelos próprios
produtores das imagens e devem ser compreendidas contextualizando-as, tanto
quanto devemos contextualizar a construção de qualquer argumento construído
através de tabelas ou estatísticas que acompanhe os mesmos trabalhos, apontando
os argumentos teóricos que estão sendo proposto pelo autor. A cerca disso,
MARESCA atenta que a estatística utilizada nas Ciências Sociais oferece “uma
possibilidade de escapar do real incontrolável” (MARESCA, 1995, p. 330), que na
fotografia é muito mais incontrolável “sob o particularismo irredutível dos reflexos
com os quais a fotografia inunda [-se]” (idem). Mais claramente na sociologia, a
ausência ou refutação das imagens dentro dos estudos está ligada a uma falta de
desenvolvimento das metodologias e formas de análise que possibilitem à fotografia
20 Gostaria de citar dois autores que discutem a questão da opção pelo verbal no quadro específico das Ciências Sociais. SCHERER (1996, p. 70) discute a diferença entre o valor do visual e do escrito, confrontando as culturas ocidentais e orientais com suas diferentes formas de apreensão do mundo. Os povos ocidentais, berço da cultura cientificista e racional que se desenvolveu ao longo de séculos, desenvolveram uma interpretação da “palavra escrita como a realidade e as imagens visuais como impressões” (SCHERER, 1996, p. 70). Tendo isso em vista, compreendemos no quadro da pesquisa científica que “as prerrogativas do universo escrito fizeram-se e ainda se fazem sentir em todos os estágios da análise e da exposição dos resultados da pesquisa” (MARESCA, 1995, p. 327). 21 Além das legendas, outras formas de relacionar texto e imagem aparecem, em geral, no corpo do texto para exemplificar e ilustrar o argumento que estiver sendo discutido. Por exemplo, no momento em que o texto se refere a algo que possa ser ilustrado por uma fotografia, é comum aparecer, entre parênteses, um chamado àquela imagem “(ver figura/imagem No. X)”.
ser considerada em sua conotatividade: uma representação simbólica e não apenas
descrição da realidade. Trata-se de uma forma positivista de analisar as imagens
dentro da produção desta área da ciência, fato que deve ser considerado como uma
orientação mais ampla da forma como se tratou a fotografia a partir de sua criação.
O que não se colocou em questão até então é que “as palavras são mais seletivas
de um modo mais preciso que as imagens” (SCHERER, 1996, p. 71), pois a primeira
depende de um conhecimento muito mais específico das regras e normas
gramaticais para adquirir sentido, enquanto as imagens não possuem, a priori,
regras que nos auxiliem na sua leitura (idéia de que todo e qualquer ser humano
pode ver uma fotografia, mas poucos podem compreender conceitos e argumentos
escritos). Essa seletividade da escrita incorpora, ao mesmo tempo, a prática de criar
certas imagens, metáforas visuais, centrais na sociologia (alguns exemplos são:
rede, estrutura, campo, etc.). Excluindo do discurso sociológico a iconografia, a
Sociologia tende, segundo Maresca, a eliminar pontos importantes de seu campo de
estudo. O estudo do corpo, sua gestualidade e dinâmica além da cultura material
são alguns exemplos de pontos onde a iconografia consegue sugerir e analisar,
comparativamente, muito mais do que a descrição textual. Tudo isso opõe o método
da Sociologia em relação às Biologia e outras ciências naturais, onde é comum a
construção de interpretações sobre imagens, desenhos e outras fontes
iconográficas.
A etnografia22, ao contrário das outras áreas das Ciências Sociais, se desenvolveu
como uma disciplina fundamentalmente descritiva e incorporou as técnicas de
registro imagético23, mas com certas peculiaridades que são interessantes de
analisar. Os antropólogos privilegiaram, de inicio, em suas análises, a realização de
uma “autópsia” nas culturas estudadas. Nesse processo, a tomada das medidas
físicas e reprodução dos traços (a antropometria) é parte integrante e, através da
fotografia, pode-se realizar exatamente esta transcrição desejada que, 22 Tomada como parte integrante da antropologia ou como uma área de conhecimento específica. Lévi-Strauss distingue Etnografia e Etnologia, “dizendo que a etnografia consiste na observação e análise de grupos humanos considerados em sua particularidade (...), e visando à reconstituição, tão fiel quando possível, da vida de cada um deles; ao passo que a etnologia utiliza de modo comparativo (...) os documentos apresentados pelo etnógrafo” (Lévi-Strauss, 1975, p. 14 apud CAMPOS, 1999, p. 145) 23 A imagem em filme é privilegiada, em relação à fotografia, como instrumento de pesquisa. Pode-se justificar isso graças à característica do filme em conseguir construir um discurso através da ação (movimento) que a técnica implica.
posteriormente, é analisada pelos cientistas. Até aproximadamente 1920, na Europa,
esta era a utilização corrente da fotografia dentro das pesquisas etnográficas. Os
conteúdos mais científicos (tais como estatísticas, tabelas, ilustrações, transcrições,
diagramas, quadros e mapas) foram aos poucos substituindo a fotografia no
processo de argumentação dentro dos trabalhos. Essa transformação ocorre nas
ciências de um modo geral, dando-se maior “cientificidade” as fontes quantitativas
de análise. Assim, a fotografia passa a ocupar um papel restrito a pesquisa de
campo, não passando à fase da escrita monográfica, aparecendo não raro nos
anexos, e servindo de referência ao que foi pesquisado apenas em uma fase inicial
do trabalho (campo).
MARESCA (1995) argumenta que a proximidade entre fotografia e antropologia é
tanta que a utilização das duas, simultaneamente, torna redundante as reflexões
intelectuais propostas textualmente. Resumindo seus argumentos em uma metáfora,
o autor afirma que: “o antropólogo integrou à sua própria pessoa as funções da
placa de vidro ou do filme: após ter sido preparado para receber e registrar as
mensagens sob uma forma ‘negativa’ durante um tempo de exposição ‘em campo’,
ele é capaz, ao fim de um processo apropriado, de apresentá-las sob uma forma
‘positiva’ na monografia etnográfica” (MARESCA, 1995). Indo mais além, nos
mostrará que, na antropologia, o diário de campo está para a monografia assim
como a prancha contato está para a tiragem exposta. A ênfase que a antropologia (e
as ciências sociais em geral) deu ao texto escrito ocultou o fato de que a prática de
pesquisa implica também a produção de artefatos visuais como documentos da
pesquisa (MONTE-MÓR, 1993, p. 153). Observando a questão a partir dos
argumentos precedentes, percebemos a proximidade entre a metodologia e técnica
de interpretação do mundo que cada uma (fotografia e antropologia) propõe. A tarefa
do etnógrafo é recolher traços (visíveis ou não) da humanidade, dos grupos sociais
(estejam em via de desaparecimento ou não), o que vai ao encontro à tarefa da
fotografia que, através do clic já remete, irremediavelmente, ao passado. Para este
fim (registrar o que em seguida será extinto) a fotografia prestou-se desde seus
primeiros momentos, e esteve atrelada as empreitadas de registros visuais que
servem como referência etnográfica24, ou como um inventário da existência e
desenvolvimento da humanidade.
24 As definições de fotografia antropológica abrangem um universo de imagens além do produzido no âmbito próprio da pesquisa etnográfica. Para EDWARDS (1996), fotografia antropológica é “qualquer uma da qual um
Uma das grandes barreiras e diferenças entre os produtores de imagens no início
das atividades fotográficas e as análises do antropólogo visual contemporâneo
consiste nas diferenças de intenções, contextos e fins desejados às imagens. MEAD
(1942, 1975) afirma que em seu trabalho pioneiro na utilização da fotografia dentro
da disciplina, “os aparelhos fotográficos foram tratados em campo como
instrumentos de registro, e não como um meio para ilustrar nossas próprias teses”
(MEAD, 1942 apud GURAN, 2000, p. 161). Através desta lógica, a utilização
positivista, com uma visão ahistórica das imagens, não permite análises que
interpretem as fotografias em sua subjetividade. Se buscarmos no tempo,
encontraremos utilizações deste tipo. Ao analisarmos as mesmas imagens hoje, nos
deparamos com outras questões pertinentes sobre como reinterpretar-las, utilizando
uma metodologia de análise mais própria às imagens em sua complexidade infinita.
Daqui para frente, tentarei me situar metodologicamente para agregar ferramentas
de análise ao caso específico das fotos dos Urubus Kaapor.
Em busca da Hermenêutica Visual
A pesquisa iconográfica requer atenção às formas de expressão visual (PORTO
ALEGRE, 1998), assumindo-se a não espontaneidade na escolha, associação e
encadeamento das imagens. As fontes e materiais de pesquisa (seja em acervos ou
publicações) sugerem uma ordem visual. Afinal, a fotografia é capaz de construir
uma memória25, um discurso próprio.
Utilizam-se os termos emique e etique para designar, respectivamente, imagens
produzidas (ou assimiladas) pela própria comunidade em foco e imagens produzidas
pelo pesquisador em campo (GURAN, 2000). As fotografias emique estão,
necessariamente, impregnadas da auto-representação e da forma de “ver” o mundo antropólogo possa retirar informações visuais úteis e significativas”, relevando-se seu interesse antropológico mais do que seu propósito antropológico. SCHERER (1996, p. 72) acompanha essa linha de análise afirmando que “o que torna uma fotografia etnográfica não é necessariamente o propósito de sua produção, mas como é usada para informar etnograficamente”. 25 Podemos discutir o caráter dual na construção da memória a partir de fotografias, uma vez que elas incluem uma memória intrínseca (atrelada ao tempo/espaço em que foi feita) e também uma memória externa, a memória do espectador que analisa a imagem (BITTENCOURT, 1998).
que cerca o universo do indivíduo, objeto de estudo. Enquanto as fotografias etique
respondem aquelas feitas, pelo próprio produtor do conhecimento, para obter
informações a respeito das sociedades e indivíduos que são objeto de estudo.
Guran (2000) descreve a utilização da fotografia etnográfica feita para descobrir e
para contar. Descobrir em um primeiro momento da investigação e contar na etapa
da exposição de material ilustrativo às monografias. Complementando, temos que as
“imagens fotográficas retratam a história visual de uma sociedade, documentam
situações, estilos de vida, gestos, atores sociais e rituais” (BITTENCOURT, 1998,
p.199), mas é uma história visual atrelada às orientações (gerais ou específicas) de
como fazer fotografias. A esfera documental da fotografia apresenta informações
sobre contexto histórico, universo cultural abordado, e todos os aspectos
propriamente materiais da cultura em questão. A esfera reflexiva elucida propósitos,
as representações e intencionalidades criadas pelo autor da imagem. SCHERER
(1996) ressalta que é de grande importância compreender a relação necessária que
se faz entre a fotografia como artefato, a intencionalidade do fotógrafo e a
interpretação circunstancial do observador. Esses três elementos compõem a base
de análise na antropologia visual contemporânea. Podemos listar alguns pontos
referenciais para encaminhar uma analise utilizando-se fontes fotográficas:
1. O estudo da visão do fotógrafo sobre o Outro;
2. A perspectiva dos analistas sobre o fotógrafo;
3. A não-passividade do objeto (fotográfico) sobre a imagem;
4. A análise do próprio objeto;
5. A construção do Outro pelo espectador.
Tendo isso em vista, partirei para o estudo de caso proposto. Será necessário tratar
as imagens como construções sociais, transcrições derivadas de sujeitos pensantes
e historicamente definidos. As fotografias apresentam, assim, perguntas e
interrogações, longe da passividade que muitas vezes é a tônica da análise das
imagens (PORTO ALEGRE, 1998) nas ciências sociais. As fontes iconográficas
foram e são, no âmbito geral das ciências, privadas de uma analise discursiva
própria, ficando na dependência do sentido do texto. Esquece-se que a fotografia é
constituída no momento de observação/captação e no momento de
recepção/codificação, estruturada através de um modus operantis e de um momento
único no tempo ininterrupto.
O significado de hermenêutica (do dicionário: método que visa à interpretação de
textos filosóficos e religiosos) pode ser adaptado e associado à interpretação que se
pretende fazer das fotografias para que assuma um discurso próprio, objeto de
analise relevante para as Ciências Sócias.
CAPÍTULO 3 - ESTUDO DE CASO
O estudo de caso proposto refere-se ao acervo produzido por Darcy Ribeiro e Heinz
Foerthmann em duas expedições aos índios Kaapor, na divisa entre os estados do
Maranhão e Pará, entre os anos de 1949 e 1951. Totalizam-se um pouco mais de
2.000 fotogramas, organizados e numerados, originalmente na SE do SPI, que
agora está em posse do Audiovisual do Museu do Índio. Neste capítulo, irei me ater
a dois momentos de análise: o primeiro se debruça sobre as características do
acervo em si; o segundo momento atentará para a apropriação das imagens em
publicações de Darcy Ribeiro. Enfatizarei as imagens e análises do ponto de vista do
antropólogo, mas sem descartar a presença e influência no trabalho por parte do
fotógrafo alemão.
Acervo fotográfico:
Uma primeira questão a se pensar no âmbito das ciências sociais diz respeito à
formação dos acervos e arquivos fotográficos. É imprescindível que as imagens
possam ser localizadas e estejam acessíveis, arquivadas e catalogadas em
coleções e acervos à disposição. Somente assim pode o pesquisador ter uma visão
mais ampla; analisa-se o conjunto inteiro de imagens, reconstituindo os passos do
fotógrafo. O processo pelo qual um arquivo fotográfico bruto é submetido no
momento de seleção/descarte26 de material e, depois, organização e arrumação em
26 À respeito dessa questão, Lugon (2007), analisando o material de Gautherot, afirma que as pranchas-contato do autor “atestariam (...) um segundo momento criativo na atividade do fotógrafo” (LUGON, 2007, p-291).
gradações de classificação, tende a predeterminar a abordagem feita pelos que
entram em contato com o material do acervo.
A concepção acumulativa da fotografia (LUGON, 2007) origina-se nas séries
classificatórias ou tipológicas do século XIX e princípio do XX, onde é clara a
aniquilação da singularidade e individualidade. No período entre - guerras ocorre um
descrédito dessa concepção, o sentido de documento se alarga na fotografia e as
séries tornam-se semi-repetitivas, representativas de um todo. Devem-se
acrescentar, em relação à primeira metade do século XX, as mudanças
operacionais27 e a instituição de uma linguagem própria à fotografia. A série torna-se
série-seqüência, descreve uma temporalidade contínua, aproxima-se da linguagem
cinematográfica. A partir, principalmente, da escola ligada a Henri Cartier-Bresson
(1908 - 2004) surge no imaginário o conceito de instante decisivo, associado à idéia
de obra única, imagem síntese retirada das séries originais, não apresentáveis ao
público.
Essas concepções a cerca do papel da série fotográfica entrelaçam-se no decorrer
da história e variam dentro de cada segmento da fotografia28, mas para fins didáticos
essas são as quatro vertentes de utilização da série dentro da linguagem fotográfica:
(1) classificatória e tipológica (áreas das ciências); (2) semi-repetitivas e
representativas do todo; (3) Série- seqüência, encadeamentos instantâneos; e (4)
imagem síntese, série em segundo plano. Como localizar o acervo em questão
quanto a sua estrutura de arquivo e a utilização das séries?
Se os acervos são o segundo momento de seleção das informações, é necessário
identificar precisamente as circunstâncias (tanto da produção da imagem quanto da
documentação) para responder questões, aparentemente simples sobre o material
(De quem? O quê? Onde? Quando? Por quem? Por quê? Para que? etc.). Para a
antropologia visual é primordial reconhecer as peculiaridades de cada acervo em Ampliando-se essa análise, podemos considerar este segundo momento como uma constante no trabalho do fotógrafo, tornando essa questão central para a análise de qualquer arquivo. 27 Disseminação das máquinas de pequeno formato e surgimento da película de celulose. 28 “os fotógrafos do séc. XX parecem ter mantido uma relação muitas vezes ambivalente com a série” (LUGON, 2007). A partir dessa afirmação, o autor nos apresenta os extremos entre, de um lado, a lógica Racionalista onde a série está em evidência e a informação pulverizada por várias fotografias e, de outro lado, a lógica Simbólica, onde a informação é condensada em uma imagem síntese.
questão, interrogando-se quanto a metodologia de arquivamento, conservação dos
originais ou cópias e levantando questões que apareçam ao longo do contato com
as imagens. Essa será minha busca nos próximos parágrafos.
O Museu do índio, no Rio de Janeiro, possui um acervo audiovisual composto por
68.217 documentos (entre fotografias, filmes, ilustrações) de diferentes povos
indígenas. Lá estão arquivadas fotografias das expedições da Comissão Rondon
datadas desde 1900; das viagens e registros atrelados a S.E. (cinematografia e
fotografia) do S.P.I., desde 1917 até 1967; além de filmes e outros arquivos doados
ao Museu do índio desde 1967 até hoje.
As fotografias referentes às duas expedições de Darcy Ribeiro aos índios Kaapor
estão arquivadas29 no Museu do Índio. Neste arquivo somam-se as fotos de
Foerthmann e Darcy Ribeiro, que o antropólogo considera “indistinguíveis porque o
Museu do Índio (...) misturou tudo. Aquelas em que apareço são dele, claro. As boas
também.” (DARCY, 1996, p-8). Este trecho já aponta para uma característica do
arquivamento original: a autoria foi relegada ao segundo plano na organização e
classificação. Recentemente foi feito um esforço de diferenciar a autoria das fotos.
Observando-se o material em mãos e através de conhecimentos técnicos podemos
distinguir as autorias: Heinz Foerthmann utiliza uma câmera de filme 35mm, da
marca Laica, e Darcy Ribeiro fotografou com uma câmera de médio formato,
120mm30. Embora haja essa facilidade técnica em diferenciar a autoria das fotos,
pode-se verificar que Foerthmann, o responsável oficial pelo registro cine-
fotográfico, utilizava também a câmera médio formato31.
No Museu do Índio, atualmente existe um banco de dados virtual32 onde é possível
localizar a totalidade das fotos de Heinz Foerthmann referente à primeira expedição
29 Denise Portugal, atual diretora e responsável pelo Serviço de Registro Audiovisual do Museu do Índio, afirma que preservaram-se os álbuns e fichas-numeradas feitos, originalmente, na Sessão de Estudos do SPI da década de 50. O formato das imagens é sempre em cópia-contato do negativo. 30 O documento oficial onde se encontra listado o equipamento usado nas expedições não foi localizado a tempo para esta monografia. Pode-se afirmar que a segunda expedição (Foerthmann não participou) está toda em médio formato. 31 A numeração do SRAV vai de 14.875 a 15.979 (total de 1104 imagens) para os negativos 35mm e de 1660 a 2633 (total 973 imagens) para os negativos 120mm. 32 WWW.base2.museudoindio.gov.br (dez/08)
aos índios Kaapor. São 126 entradas33 deste acervo e, todas elas, estão
organizadas como séries temáticas, com o esforço de juntar as continuidades e
quebrar as descontinuidades temporais. As séries deste acervo se aproximam do
modelo de séries-seqüência, do encadeamento de instantâneos, parcelamento do
tempo da ação. Fica claro que, de certa forma, a Cinematografia (ocupação tida
como principal de Foerthmann) influencia na produção fotográfica e,
conseqüentemente, na forma de organização que é dado posteriormente ao acervo
devido. Os médios-formatos de Darcy Ribeiro que constam no acervo do Museu do
Índio são uma pequena porcentagem do total produzido e não se encontram no
banco de dados virtual.
Outra parte relevante do acervo está em posse da Fundação Darcy Ribeiro34, sendo
a autoria das fotos confirmadas. São três entradas no banco de dados virtual da
instituição35 com a referência Índios Urubu-Kaapor, somando-se 483 documentos.
Entre esses documentos encontram-se negativos originais, cópias em papel e
pranchas de cópias-contato originais. Comparando o material com o que está em
posse do Museu do Índio, observamos muitas duplicatas ou fragmentos de séries
incompletas, mas que estão inteiras no Museu do Índio.
Chama atenção o fato de haver uma entrada com o título “Darcy Ribeiro entre os
índios Urubu Kaapor”, somando-se vinte e duas imagens onde o pesquisador
aparece interagindo com os índios (seja filmagem, entrevista, etc.) e sozinho
(escrevendo ou andando na mata). Outro fato importante de atentar é que, na
entrada com o título “aspectos da população e cultura Urubu-Kaapor” (a maior
entrada, com total de 436 imagens) consta a maioria das fotografias 6 x 6cm
atribuídas à segunda expedição, sendo de autoria confirmada de Darcy Ribeiro.
33 As entradas correspondem a parcelas do acervo dentro da numeração original. Essas parcelas variam de 1 a 22 negativos cada, não correspondendo exatamente às pranchas-contato. Considerando-se o total de imagens, a média para cada entrada seria de aproximadamente 9 negativos por entrada. 34 A FUNDAR foi idealizada pelo próprio Darcy Ribeiro e sua escritura pública data de 11/01/1996. Com o intuito de “continuar seu trabalho, avançar em suas conquistas, empunhar suas bandeiras” (HEYMANN, 2005. p-10), a FUNDAR abriga a totalidade dos documentos em posse de Darcy e Berta Ribeiro, além de outros documentos referentes ao pesquisador e seus “fazimentos” posteriormente agregados. Sobre o papel dessa instituição, HEYMANN afirma que “as instituições – e seus gestores – funcionam como agentes de mediação entre o passado (história, memória, acervo) e o presente (ação política)” (2005, p-11) e, no caso específico da FUNDAR, “a criação de uma instituição desse gênero pode ser vista como um passo estratégico no processo de monumentalização da memória de seu patrono” (2005, p-8). 35 http://www.fundar.org.br/consulta/ (dez/08)
Estas imagens estão organizadas em séries completas, denunciando o modo como
era construída e a forma que o pesquisador usava o aparelho fotográfico. Nessa
mesma entrada constam reproduções de pranchas-contato originais, que pertenciam
ao Museu do Índio, mas encontrava-se em posse de Darcy Ribeiro. A questão de
documentos públicos localizados em arquivos privados é de grande relevância nas
instituições brasileiras e merece maior atenção em futuras publicações.
(Foto 5) Prancha-contato original: Atenta-se para o esforço de juntar as fotos de mesma série. Além, as possibilidades
oferecidas pelo equipamento utilizado ficam nítidas na produção das séries: imagens similares, com curto intervalo de
tempo e poucas modificações de enquadramento.
(fotos 6-12) Série-seqüência da autoria de Darcy Ribeiro: a linguagem e o modo de operar o equipamento se aproximam do
modo como Heinz Foerthmann produzia – seqüência de instantâneos com pequenas mudanças de enquadramento e de
ação.
Banco de dados virtual do Museu do Índio.
Banco de dados virtual da FUNDAR.
Sob orientações
Após essa breve análise das características de composição do acervo em questão
gostaria de trazer para o debate o documento oficial que norteia a produção cine-
fotográfico no SPI à época das expedições. O “Resumo dos Planos de trabalho para
a seção de CINEMATOGRAFIA e FOTOGRAFIA do Serviço Nacional de Proteção
aos Índios36 foi composto pelo responsável da S.E., Harald Schultz (1909-1966)37
em 17/03/1942. No contexto da formação da antropologia brasileira, é plausível
encontrar o estabelecimento de estatutos e regras que permeiem todas as etapas do
estudo (CAMPOS, 1999). Além, “no caso da política indigenista, tratava-se de tentar
impor o predomínio dos critérios científicos sobre os critérios administrativos e de
assistência” (CASTRO FARIA, 1998 apud SOUZA LIMA, 2002) e a intenção do
então diretor da S.E. reflete o esforço cientificista para com as políticas indígenas.
As recomendações contidas no documento de 1942 marcaram e nortearam a
produção áudio-visual e fotográfica que Heinz Foerthmann e Darcy Ribeiro
desenvolveram entre os índios Urubu-Kaapor. A primeira (e relevante) observação é
em relação à divisão dos tipos de fotografia. Schultz se refere, à fotografia
etnográfica e à fotografia documental e jornalística. Essa separação é fundamental
no âmbito da produção imagética do órgão, uma vez que os fins propostos são
diferentes para cada tipo de produção.
Sobre fotografia etnográfica, contemplam-se temáticas consideradas relevantes por
Harald Schultz, constando desde “vistas gerais das aldeias”, “vida social e familiar,
ritos” até “fauna e flora regionais”. Podemos observar no item “Os índios” as
recomendações das técnicas antropométricas como auxílio ao registro fotográfico,
mas algumas variações são aceitas (como closes e recortes de elementos). As
imagens produzidas por Heinz Foerthmann (já no SPI) antes de 1949 contêm muitos
elementos da antropometria e do retrato fotográfico clássico. No documento
podemos observar o interesse amplo nas atividades cotidianas das tribos em seus
mais diversos detalhes.
A classificação e organização deverá ser feita de tal maneira que sua procura (...) será de maior simplicidade possível. Uma cartoteca ilustrada com cópias em miniatura, que obedecerá a ordem alfabética, numérica e etnográfica servirá de base para isso. (sistema Hollerith)
36 Ver anexo 1. A parte suprimida do arquivo não adiciona informações a análise aqui proposta. 37 Harald Schultz, etnógrafo, permaneceu no SPI de 1939 até 1945, indo trabalhar como assistente de Hebert Baldus e ingressando na Escola de Sociologia e Política (SP). Tornou-se professor da Universidade Nacional de Brasília (CAMPOS, 1999).
A parte do documento titulada como Aproveitamento, Divulgação e Finalidades das
Fotografias e Filmes Cinematográficos obtidos nas Expedições apresenta uma lista
definida de espaços e momentos onde é relevante a produção e utilização de
fotografia (nesse caso, a fotografia enquanto documento) no trabalho de campo. O
papel do Arquivo Fotográfico (classificado e organizado) aparece em destaque,
definindo-se as regras arquivísticas para a produção da SE. Segundo Schultz, “a
classificação e organização deverá ser feita de tal maneira que sua procura (...) será
de maior simplicidade possível”, acrescentando que os acervos devem respeitar “a
ordem alfabética, numérica e etnográfica” e que esse sistema respeita o sistema
Hollerith para acervos. Percebemos que é ignorada na catalogação características
como a autoria, que não se pode confirmar no caso das expedições aos Kaapor.
Não é este um caso isolado, pois nos acervos fotográficos ligados a antropologia a
autoria e data são, em geral, suprimidas, relegadas a um plano sem importância.
Isso se deve a idéia de que a fotografia etnográfica é o presente etnográfico.
Ainda segundo o documento, a divulgação se daria através da exposição de
exemplares e coleções específicas destinadas às instituições de ensino. Por último,
é dada a possibilidade das fotografias estarem presentes em publicações oficiais do
SPI, atestando e garantindo veracidade aos textos publicados. Em nenhum
momento do documento é citada a utilização das fotografias em trabalhos
monográficos e publicações no âmbito científico (revistas, jornais, anais, etc.)
Atendo-me brevemente ao documento, creio que os pontos aqui levantados sejam
suficientemente esclarecedores para compreendermos a produção e utilização das
fotografias no âmbito das publicações de autoria de Darcy Ribeiro.
Publicações:
As publicações que são frutos das expedições as tribos Kaapor do Maranhão feitas
por Darcy Ribeiro estão listadas no Anexo Dois. Dentre estas destaco duas
publicações (1957 e 1996) para analisar, tendo sempre em vista as formas de
utilização da fotografia na composição dos livros.
Atenta-se ao fato de que, nas publicações tidas como “monográficas”, a fonte
imagética está totalmente excluída. Isso corresponde a uma tendência metodológica
adotada pela disciplina (como já foi discutido no Capítulo II). O que representa
portanto o uso de imagens nas publicações de 1957 e 1996? Uma primeira
indicação plausível seria que: O livro de 1957 é extremamente específico e, se
tratando da temática “plumária Kaapor”, requer ilustrações que complementem e
exemplifiquem o texto; O livro de 1996, além de estar inserido em outro contexto
editorial e histórico da disciplina antropológica, é claramente um livro de memórias e
aventuras reais, sendo estas características ilustradas através das fotografias.
Arte plumária dos índios Kaapor – 1957
Em co-autoria com Berta Ribeiro, Darcy publica Arte plumária dos índios Kaapor
(1957). O livro tem como questão central o estudo da plumária indígena, arte
material e simbólica. O livro é composto pelos capítulos: introdução, Os índios
Urubu-Kaapor (subdividido em: 1. Caçadores de pássaros, 2. Jóias de penas, 3. As
técnicas do plumista, 4. Paramentália Kaapor, 5. A arte e a vida), Policromias,
Kaapor art in featherwork.
Neste livro estão publicadas trinta e três fotografias, sendo dezenove de autoria de
Darcy Ribeiro e Quatorze de autoria de Heinz Foerthmann. Constam também
cinqüenta e três vinhetas e quatorze pranchas de autoria de Georgette Dumas.
Pelas características da publicação, as pranchas assumem maior importância em
relação às fotografias, que são usadas em relação direta ao texto.
Todas as fotografias são acompanhadas de legendas. As legendas atentam aos
detalhes da plumária que os índios estão utilizando e algumas para as técnicas de
produção da plumária. O mais importante das fotografias presentes no livro é o fato
de mostrarem a plumária e os adornos sendo utilizados, enquanto ainda são
material vivo e simbólico na cultural dos índios Kaapor. Essa característica é muito
importante no trabalho de Darcy, como ele mesmo irá destacar no livro Diários
Índios. Não obstante, “a fotografia é pensada como técnica de coleta, como
instrumento mecânico para a descrição do objeto” (SEGALA, 1999); Creio ser essa a
tônica com que Darcy e Berta Ribeiro utilizam os exemplares do acervo das
expedições aos Kaapor dentro dessa publicação.
A relação entre imagens fotográficas se dá, evidentemente, na presença dos
elementos plumários sendo utilizados pelos retratados. A presença desses objetos é
a razão da presença e do posicionamento das imagens dentro do livro. Aparecem
individualmente ou duas em uma mesma página.
Existe, também, uma relação entre as imagens fotografadas e as desenhadas. Os
desenhos se espalham dentro do livro, aparecendo em abundância no princípio do
livro. A parte referente às policromias dá destaque aos desenhos, sendo que na
primeira página de cada prancha virá uma vinheta e a segunda página apresenta a
policromia inteira e sozinha. Ao todo são quatorze pranchas seguindo este mesmo
padrão.
Diários Índios - 1996: convite à aventura expedicionária
No ano de 1996, 45 anos após a última expedição aos Kaapor é lançado pelo autor
o livro Diários Índios: os Urubus Kaapor (1996). A parte textual desta publicação
compreende os diários de campo38 de Darcy, transcritos na sua totalidade. Além,
constam fotografias, mapas, desenhos, diagramas de parentesco e genealogia, que
foram produzidos no período de convivência com os índios. Em entrevista
concedida39 logo antes da publicação de Diários Índios, Darcy conta que pretende
“dar um livro ao leitor, mais legível, porque é um livro em que, dia-a-dia, eu descrevo
a minha vivência com os índios. O leitor tem a possibilidade de me acompanhar e de
ter uma aventura espiritual”.
Podemos extrair daí uma diferenciação feita pelo próprio autor. Monografia
antropológica é “menos legível”, não é para qualquer um ler e compreender,
enquanto o livro Diários Índios se propõe “mais legível”, narrativo, vivencial.
Atentando para o fato de o livro ser escrito em primeira pessoa e na forma de carta
(endereçada a Berta Ribeiro), percebemos a possibilidade de o leitor ter uma maior
38 Segundo Raquel Viana, os diários de campo estavam em posse de Berta Ribeiro até 1995 quando, em função do agravamento de seu estado de saúde, retornaram a Darcy Ribeiro, tendo surgido assim a idéia de publicá-los na integra como um livro. Hoje, os originais dos diários compõem o acervo da FUNDAR.
39 Entrevista de Darcy Ribeiro a Luís Donisete B. Grupioni (USP) e Denise Fajardo Grupioni (USP), extraído de http://www.unicamp.br/aba/boletins/b27/08.htm. (AGO/07)
proximidade/identificação com o autor: um viajante, estudante, desbravador,
cidadão. Em resumo, o livro apresenta um homem por trás de um nome. Nos cinco
cadernos que escreveu em campo o autor constrói narrativas de episódios,
personagens, histórias locais; sempre de forma individualizada, através do contato
direto e das surpresas no decorrer do convívio e do maior conhecimento das
sociedades indígenas. As fotografias em questão estão presentes neste livro de
modo intenso.
O livro se apresenta como um texto ilustrado, onde as fotos são mediadoras, além
do modo narrativo, textual. As fotos são, antes, o testemunho de que aquilo que está
escrito existiu, que aqueles indivíduos narrados estão identificados; são
evidenciados nas fotografias que os caracterizam. As fotografias funcionam, então,
na construção da proximidade com o leitor pretendida pelo autor. Por outro lado,
sublinham e consagram o fazer antropológico, a aventura do trabalho de campo,
ritual de passagem central na afirmação cientifica da disciplina.
Complementarmente, é importante nesta pesquisa, o levantamento do processo de
produção gráfica, a fim de compreender a relação texto imagem do ponto de vista
editorial da publicação. Assim, seguem informações relevantes obtidas através de
contatos com responsáveis40 no processo editorial: 1) As fotografias foram
selecionadas por Darcy Ribeiro (ou seu/sua assistente à época) e já chegaram
definidas aos editores, inclusive com as respectivas legendas, 2) Foram privilegiadas
as fotos onde aparecem personagens citados no texto, 3) A ordem das fotografias e
localização em relação ao texto também foi feita por Darcy Ribeiro, mas houve
mudanças inevitáveis dentro do projeto gráfico, 4) A opção pelas fotos laterais41 (ao
invés de encadernadas) foi sugerida por Hélio de Almeida, mantendo a preocupação
do autor em aproximar determinados textos e imagens, 5) As fotos que aparecem
em destaque (meia-página ou página inteira) também foram sugeridas por Darcy
Ribeiro, mas houve participação dos editores na seleção final, 6) As outras fontes
iconográficas, além dos diagramas, mitos e demais fontes presentes no livro também
foram diagramadas por Hélio de Almeida. A idéia inicial era produzir um livro de
40 Agradeço a colaboração dos entrevistados. São eles: Hélio de Almeida (responsável pelo projeto gráfico), Eliza Braga (Companhia das Letras), Daniela Florence Rolon (responsável pela diagramação/esquemas) e Raquel Viana (FUNDAR). 41 Hélio de Almeida afirma que essa opção lateral é chamada de “roda-braço” no meio editorial.
capa dura, o que foi descartado por seu alto custo, 7) As fotos foram recebidas
impressas (ampliações fotográficas) e digitalizadas na editora, pois o processo de
impressão já era informatizado. Mesmo assim, foi feito através de fotolito.
Tendo essas informações a respeito do processo editorial, podemos afirmar a
participação ativa de Darcy Ribeiro na seleção, encadeamento e posicionamento
das imagens apresentadas no livro: retratos, usos do corpo, adornos, cultura
material, praticas rituais, como se vera adiante. É explícita e intencional a relação
que existe entre texto � imagem � legenda. Esses três elementos se relacionam de
forma singular nas publicações antropológicas, mas neste livro, com tiragem para
“não antropólogos”, a imagem ganha relevo como álbum de viagem e de
consagração do próprio antropólogo, celebrando-o junto aos grandes marcos visuais
da disciplina: as “sociedades primitivas”, o trabalho de campo, a observação
participante e interpretação autorizada pelos laços de cordialidade explicitados nas
imagens.
A imagem está associada a legendas, como forma de guiar a relevância do que
aparece registrado no papel. Quando Darcy Ribeiro anexa a legenda “Matã, filha de
Iawaruhú. Observem o cuidado do repuxado da tanga” (1996, 393) à foto que retrata
uma índia Kaapor, busca individualizar a retratada, rompendo com categorias
classificatórias genéricas (com seu nome e parentesco) e, além, apresentar detalhes
descritivos considerados importantes42 pelo autor (no caso, o repuxado da tanga),
mas que poderiam passar despercebidos pelos receptores da imagem.
Outra utilização recorrente das legendas no livro é a valorização afetiva dos
retratados. São textos valorativos, que sublinham uma intimidade com o Outro, que
identificam, individualizam e distinguem os nativos figurados. São exemplos as
legendas “Xenxin, a beleza maior do povo Kaapor” (1996, p. 177), “Cezário, meu
velho cozinheiro preto” (128) e “Itsin, a guria mais trabalhadora da aldeia, logo
42 A importância dos detalhes, ressaltados na legenda, estão em concordância com o texto que se desenrola na mesma página. Darcy escreve, no dia 02/09/1951, sobre a existência de pudor entre as índias, representada pela forma como utilizam as tangas. “Não usam a tanga simplesmente jogada sobre as pernas; só as velhas, já esquecida das vaidades são assim descuidadas. As moças que se prezam, depois de vestir-se, puxam um pouco o pano que lhes cai na frente e o prendem sob o cordel que sustém a tanga, bem debaixo do umbigo” (1996, p. 393). Daí a importância em ilustrar o texto com uma foto que apresente essa característica do vestuário das índias e que transparece a questão da pudicícia que Darcy busca explicar.
depois se casaria” (1996, p. 117). Esta última é a legenda que acompanha um
retrato da menina (de aproximadamente oito anos) sentada no chão e trabalhando
com as mãos. O texto da página ao lado (do diário, na data de 06/01/50) descreve
cenas em que Darcy observou a mesma menina realizando diferentes funções
durante o dia. A afirmação de que “é a única menina bonita daqui. Gordinha, de
olhos limpos – os outros todos remela de terçol – e sempre sorridente” (pg. 116) dá
indícios para responder o por que Darcy Ribeiro voltou tanto interesse àquela
menina. Até aquele momento da viagem as “doenças brancas” (basicamente
sarampo, terçol e “catarro”) vinham surpreendendo o antropólogo por sua
intensidade, devastando aldeias e interferindo na organização social e familiar dos
índios. Em uma passagem angustiante do diário Darcy narra a seguinte cena:
Estou voltando do pouso onde se arrancharam os índios. Não há
nada de roça, nem de aldeia nova, estão é fugindo da doença que
aqui, no descampado, talvez os veja. Armaram seus minúsculos
tapiris lançando uma corda entre duas árvores, amarraram tudo com
cipós e cobriram com algumas folhas de palmeira. Aí armaram as
redes (...).
Há sete pocilgas dessas, vinte e poucas pessoas morrendo dentro,
no meio daquela umidade da mata, ouvindo tossidos, gemidos,
peidos, escarros de todos os lados. Já morreram três, só um
homem e uma mulher restam fortes, mas mesmo estes, já atacados,
começam a tossir. Nunca vi nada mais horrível. Não tem o que
comer, porque ninguém pode ir à roça buscar mandioca e torra-la,
nem caçar, nem pescar, nem catar frutos, nem nada. Ninguém pode
nem mesmo buscar água. Vi uma mão pressionando uma
menininha para que fosse longe buscar uma latinha d’água. O fedor
é insuportável, porque todos se sujam nas próprias redes. Alguns
estão tão quietos no fundo delas que temo até que estejam mortos.
(pg. 108)
A partir das afirmações e imagens transcritas por Darcy no decorrer do livro, percebo
que não era essa imagem (de desolamento, epidemia, desmonte das aldeias) que o
pesquisador procurava dos Kaapor. Porém, esta foi a dura situação com a qual
Darcy teve que lidar e compreender. Questionando-se à cerca das causas, irá incluir
o projeto de pacificação e as políticas públicas voltadas aos índios. Na aldeia
seguinte, onde também as doenças já haviam alcançado, percebe que “aqui é a
mesma tristeza, mas uma tristeza de índios que, mesmo abatidos por tantas
misérias, não negam esse seu riso bom e confiante” (pg. 113). Assim, a figura de
Itsin – sadia, trabalhadora e risonha – significou muita coisa para o pesquisador;
talvez um sentimento de esperança na busca de compreender melhor a situação e a
estrutura das comunidades indígenas em questão. A “menina índia” que atrai a
atenção de Darcy representa os tipos que estão sendo procurados por ele:
Estive todo o dia espreitando o tempo para tirar umas fotografias
desse pessoal, mas qual... Sempre essas nuvens de chuva e esse
calor. O velho Domingos, algumas crianças e uma mulher são
ótimos tipos. O farei, depois, talvez, se eu voltar aqui, o que não é
impossível. (pg. 120).
Os dois fotogramas de Itsin apresentados no livro possuem características de
retratos “casuais”, onde a pose não é controlada, dando um caráter de
espontaneidade, caminhando em direção a uma linguagem que será usada ao longo
de todos os retratos do livro (tanto nas fotografias de Foerthmann quanto de
Ribeiro). Ao longo do livro, nos deparamos com outros retratos de crianças que são
compostos da mesma forma, com muitas características observadas nas fotos de
Itsin. As páginas 141, 225, 251, 381, 387, 411, 432, 450, apresentam retratos de
diferentes crianças, sempre tirados de frente, sem pose pré-determinada, tendo
como conteúdo, por exemplo, a aprendizagem do manejo do arco-e-flecha (caçada),
a relação com os cherimbabos e com os adultos (mãe ou pai), além de momentos
do dia-a-dia: comendo, pintando-se, etc. As legendas classificam e explicitam
características tomadas como importantes pelo pesquisador sobre os personagens
(ex.: “Maxin, o rapazote mais simpático da aldeia Koatá” ou “Xaé e Arixihú,
excelentes flecheiros”)43.
Em outro episódio narrado pelo pesquisador, a fotografia aparece como fundamental
para comprovar/exemplificar a história do contato entre os índios Kaapor e a
civilização. Nas palavras dele:
O capitão auxiliar, irmão do Piahú, trouxe um colar de dentes de onça que
preparou para mim (...). É tipicamente um artigo para turista (...). Fiz o
Foerthmann tirar um retrato dele com o colar, estava vestido com uma
camisa de meia, calças de mescla, tinha na cabeça um casquete vermelho
43 Ver Capítulo1, páginas 17-18.
e, no olho, um terçol. Será um retrato fiel de vinte anos de pacificação.
Posta ao lado de outra fotografia deles, como ainda os encontrei, com seus
adornos, em sua nudez e vigor, será um antes e depois. O etnólogo que
tiver de visitar esse grupo daqui há vinte anos terá nela uma fotografia atual
da gente que irá estudar; até o terçol estará lá para marcar o que ganharam
com a pacificação. (1996, p. 262)
A dualidade existente nas imagens (físicas ou mentais) entre o antes e o depois é
muito importante na compreensão do ponto de vista do pesquisador, além de estar
historicamente muito presente. Darcy considera-se no meio termo entre esses dois
tempos: vive o antes, com a “pureza” idealizada dos índios e, ao mesmo tempo, o
depois, com as conseqüências e mazelas do contato com a civilização. Embora a
foto em questão não ilustre a página referente, podemos extrair desse trecho o papel
atribuído por Darcy às imagens. É marcante a longevidade que as fotos conferem
aos retratados e, assim, o que está sendo fotografado em 1950 será referência para
os pesquisadores seguintes. A tensão entre o antes e depois proposta por Darcy
ilustra não apenas as mudanças comportamentais (como a confecção de “colares
para turistas” ou as roupas introduzidas às populações índias44), mas todo um
processo de aculturação, flagrante para Darcy, que é representado visualmente,
entre outros aspectos, pelo terçol, uma das epidemias trazidas junto à pacificação e
integração com o “mundo dos brancos”.
É importante observar o sentido que as imagens do livro, isoladas do texto, podem
conter. As temáticas estão condensadas, estão seriadas? As fotos seguem uma
ordem cronológica? Existem cortes nas imagens? Todas as respostas a estas (e
outras) perguntas indicam a narrativa visual constitutiva do livro. As fotos não
seguem uma ordem cronológica exata, uma vez que fotos da primeira expedição
localizam-se na parte da segunda expedição e vice-versa45. Mas em alguns
momentos é importante uma ordem – se não exatamente cronológica – condensada
e seriada. São exemplos as primeiras e últimas fotos do livro: da página 53 a pagina 44 TACCA (1998) analisa quatro fotografias onde aparece um oficial do SPI distribuindo roupas e vestindo índios. Essa prática denuncia a política indígena do órgão oficial que pretende civilizá-los e ter “mais estes trabalhadores no convívio da nossa sociedade (REIS, 1945 apud TACCA, 1998, p. 95). “Mais do que apresentá-los vestidos, era preciso mostrá-los sendo vestidos, impondo-lhes uma semelhança que se aproximava da imagem de um índio integrado” (TACCA, 1998, p. 82). No caso de estudo proposto, observo que Darcy Ribeiro se queixa diversas vezes da introdução das roupas na vida social dos índios, buscando “fugir” dessa imagem em busca da imagem estereótipo, dos índios nus ou seminus. 45 De um modo geral, os acervos etnográficos não colocam a ordem cronológica como dominante, uma vez que as temáticas, localizações, e outros aspectos se sobrepõe no grau de importância atribuído ao acervo.
70, todas as fotografias são referentes à estadia dos pesquisadores em Camiranga e
Vizeu e são retratos e instantâneos de não-índios, na maioria negros. Nas últimas
páginas (desde 588 até 598), apresenta-se uma série grande da cerimônia de
nominação que Darcy presenciou e registrou fotograficamente – seguindo
recomendação presente na etnografia que preza a exaustividade no registro. Nesta
série (e em algumas outras imagens do livro) percebemos cortes de fotogramas,
utilizados assim por questões editoriais ou para ressaltar determinado elemento da
foto. Além dessas, existem algumas pequenas séries (de até 10 imagens), sobre
praticas rituais e cultura material, que se justapõe, mas na maior parte do livro, as
imagens estão “soltas” e não se relacionam com a precedente ou posterior. A
narrativa visual do livro não pode ser considerada incompleta ou desordenada, mas
ela não assume uma autonomia com relação ao texto, talvez, sublinhando o sentido
ilustrativo e redundante da imagem.
No dia 15 de fevereiro de 1950, Darcy Ribeiro escreveu em seus diários o seguinte
trecho:
Estou trabalhando hoje numa relação de assuntos e motivos mais
importantes para serem documentados fotograficamente. Temos
oportunidade de fazer nesse campo um trabalho completo e não podemos
perdê-la. Alguns assuntos são muito gratos e basta estar de olhos abertos,
daqui para frente, para apanhá-los assim que se apresentem. Já temos boa
documentação sobre couvade, enterramento, mas o principal está por fazer.
Quero dar o melhor cuidado na documentação da plumária. Será ótimo se
obtivermos fotografias de homens e mulheres usando seus adornos de
penas, em cores, de modo que fiquem bem documentados. Nos livraremos,
assim, daquela trabalheira de fazê-los fotografar como artefatos mortos aí
no Rio. Os teremos funcionando. Com esse mesmo critério se pode bem
conseguir conjuntos homogêneos que dêem para ilustrar qualquer estudo
parcial que venha a fazer. Alguns deles poderiam ser:
• Tipos – com variação de sexo, idade e cor, pois temos
desde brancos até morenos bem escuros.
• Uma economia agrícola e extrativa – focalizando a coleta de
pequenos animais, plantas, resinas, a caça e a pesca com
todas as suas formas, além da lavoura.
• Tecnologia – trançados, tecidos, cordaria, cerâmica,
plumária, trabalhos em madeira, ferro e outros materiais.
• A casa – mostrando a residência, os móveis que não tem e
as ferramentas em função da rotina diária de uma família.
• Alimentação – preparo e consumo de alimentos, bebidas,
fumo e condimentos
• Parafernália – os arranjos plumários, vestimentas, adornos,
pintura de corpo.
• A presença da beleza – desenho em cascas de árvores,
música, dança, oratória.
• Cerimoniália – compreendendo desde o nascimento,
resguardo, couvade, nominação, iniciação e casamento até
enterramento.
• A caça e a pesca – como atividades coletivas mais
movimentadas, interessantes e rendosas.
• Transporte e higiene – todas essas coisas podem ser feitas
e bem feitas aqui, além de muitas mais, como transporte,
higiene, etc.
Uma cultura, mesmo singela, tem inumeráveis conteúdos comportamentais
e técnicos que devem ser registrados criteriosamente. Não basta, porém,
descrevê-los. É preciso entendê-los no contexto em que operam e
significam. Daqui deste diário eu os extrairei ou subsumirei numa
monografia etnográfica que os retratará de corpo inteiro. Melhor, entretanto,
os retratará nosso filme. (1996, p. 208-209)
O trecho escrito por Darcy Ribeiro é de fundamental importância para
compreendermos as finalidades da utilização da fotografia na etnografia, na
publicação Diários Índios. Uma das noções fundamentais, que norteia a produção
imagética, é a de registrar a funcionalidade dos artefatos. Esta é a premissa utilizada
no momento do registro dos tipos, das tecnologias, das tarefas de caça, pesca e
colheita, e dos rituais.
A partir do posicionamento de Darcy Ribeiro, gostaria de re-tomar o que apresentei
no capítulo anterior sobre o paralelo entre atividade etnográfica e fotográfica.
Etnograficamente o diário de campo contém registrado um material bruto, muito
denso e emaranhado, sobre os “inumeráveis conteúdos comportamentais”. Mas é
desta fonte que se chega ao trabalho monográfico que “retrata de corpo inteiro” a
cultura em questão. A atividade fotográfica é vista como uma forma de acumular
“material bruto”, uma descrição que é tida como útil enquanto ilustração.
Darcy descreve como orientação os assuntos que podem ser apanhados “assim que
se apresentarem” utilizando-se da máquina fotográfica e sua capacidade de
congelamento do instante46. Segue esse critério para “conseguir conjuntos
homogêneos”, cujos elementos se equivalem comparativamente, que servem para
ilustrar um “estudo parcial”.
Dos pontos de “interesse fotográfico” levantados pelo próprio Darcy Ribeiro, é
possível que quantifiquemos as fotografias apresentadas no Diários Índios47. Esta
classificação é pertinente, uma vez que podemos observar quais categorias são
mais recorrentes, como elas se refletem na parte escrita, nos objetivos da pesquisa
(pretendidos e alcançados) e outras observações instigadas pela tabela abaixo:
Categorias Total de fotos
Tipos (sexo, idade e cor)
42
Tecnologia (trançados, tecidos, cerâmica, pintura, etc.)
20
Casa
11
Alimentação
10
Parafernália (plumária, vestimentas, adornos, etc.)
6
Presença da Beleza (desenhos em árvores, música, dança, oratória)
0
Cerimoniália 23
A caça e a pesca
11
Economia Agrícola e extrativa
0
Transporte, Higiene [e doenças*] 1
46 Este conceito de instantaneidade surge na fotografia a partir dos avanços técnicos produzidos na primeira metade do século XX. Sob a máxima “you press the buttom, we do the rest” desenvolveram-se filmes mais sensíveis comercializados em rolos, máquinas compactadas e populares, processos químicos de revelação mais rápidos e elaborados. 47 Nessa quantificação, utilizei como método, uma única entrada para cada foto (ou seja, nenhuma foto está compreendida em mais de uma categoria). Devemos ter em mente que os assuntos muitas vezes se entrelaçam, mas para fins didáticos, creio ser esse o melhor critério de análise. De toda forma, seria melhor realizar esse processo sobre toda a coleção, considerando-se o acervo do Museu do Índio e da Fundação Darcy Ribeiro.
Retratos dos pesquisadores *
21
Natureza * 4 TOTAL 155 * Estas categorias foram acrescentadas para englobar algumas imagens que não se encaixam nas categorias propostas por Darcy.
A maior parte das fotografias se enquadra na categoria Tipos. Em seguida estão as
categorias Cerimoniália, Tecnologia e Retratos dos Pesquisadores. Essa proporção
reflete interesses etnográficos explícitos de Darcy Ribeiro. Os Tipos, os retratos dos
indivíduos com quem o pesquisador conviveu, variam de acordo com as pré-
definições do trecho aqui transcrito. São fotos de crianças, jovens, adultos e idosos
que apresentam características variantes entre si. Uma primeira parte dessas fotos
dos Tipos se deu em Camiranga/Vizeu, onde fotografou uma comunidade negra.
Vale atentar para as diferenças entre as fotos publicadas no livro dos negros e dos
índios. Os primeiros são retratados em festas (como o samba e o bumba-meu-boi) e
estão muito mais associados ao mundo “civilizado”. Essa associação se dá de forma
sutil, como um retrato onde um negro aparece bebendo cachaça. Os negros
parecem ter muito mais consciência de como se portar frente a uma máquina
fotográfica do que os índios.
Outra informação importante que fica nítido a partir da tabela são os Retratos dos
pesquisadores, sendo esta categoria ignorada por Darcy quando listou as temáticas
fotográficas, mas estando presente de forma significativa na publicação. Afinal, o
objetivo dos pesquisadores na expedição não é retratar suas próprias vivencias, mas
as fotos em que os pesquisadores aparecem (seja trabalhando e filmando, posando
ou não, na presença de índios ou não) chamam atenção pela recorrência da
temática. Dessa perspectiva, o antropólogo se auto-consagra, o fotógrafo se
promove profissionalmente na relação com o retratado, comprovando-se o “isto foi” e
o “eu estive lá”.
As outras duas categorias mais recorrentes (cerimoniália e tecnologia) são
relacionadas ao interesse descritivo e interpretativo do pesquisador. Na parte sobre
a cerimônia de nomeação descreve o uso social das plumárias. As imagens da
tecnologia Kaapor ilustram as formas de preparação dos alimentos, os aparatos de
caça e pesca, aspectos da cerâmica e outros elementos considerados originais da
cultura Kaapor.
No dia 18/09/51, Darcy Ribeiro descobre “no meio da roça um xipá muito rústico,
onde a mulher do capitão velho trabalhava fazendo potes. Armei-me de filmes e fui
para lá; era a primeira vez que via aquilo e precisava documentar” (1996, p. 443).
Além dessa passagem, a maioria das outras imagens de tecnologia são
consideradas estritamente documentais e, por vezes, contemplam todas as etapas
da produção de objetos ou de processos de trabalho.
É importante considerar, por fim, o quadro comparativo das fontes iconográficas do
livro:
Tipo de fonte Quantidade Porcentagem do total
Fotografias 155 73,80%
Desenhos 28 13,33%
Quadros e Mapas 27 12,87%
Total 210 100%
Embora se trate da transcrição dos cadernos de campo do autor, podemos
considerar as fontes iconográficas como uma parte importante da publicação. Dentre
essas fontes, a fotografia é a mais significativa em termos absolutos. O papel da
fotografia em ilustrar situações, descrever tipos e guardar a memória do trabalho se
sobrepõe ao papel dos desenhos, quadros e mapas, que conseguem situar o leitor e
ilustrar as técnicas (principalmente das tecnologias Kaapor que Darcy desenhou em
campo), e ao mesmo tempo prova e testemunha o trabalho de campo desenvolvido
pelo Antropólogo.
O último ponto a ser considerado diz respeito à distância temporal entre a produção
das fotos (entre 1949 e 1951) e a publicação do Diários Índios. As mudanças na
forma de se pensar e fazer a Antropologia entre a produção e a publicação é um
modo de explicar a utilização das imagens da publicação. Utilizando-me da
discussão sobre a Matriz Disciplinar proposta por OLIVEIRA (1988) é possível situar
Darcy Ribeiro com maior influência da Escola Histórico-Cultural (paradigma
culturalista), que tem como maior representante Franz Boas. Esta corrente de
pensamento está inserida na tradição Empirista e considera o tempo Diacrônico
(determinador dentro da pesquisa). Embora não seja possível engessar as
influências teóricas que o autor sofria na época, o paradigma culturalista48 se faz
presente na análise das ações propostas por Darcy Ribeiro no âmbito das Políticas
destinadas às populações indígenas. Já na década de 90 do Séc. XX, as discussões
dentro da disciplina tomaram rumos em direções divergentes, mas houve re-
posicionamento dos paradigmas49 precedentes para o que se chama de
“Antropologia Interpretativa”, ou Paradigma Hermenêutico. Nesse contexto, a
“interiorização do tempo não significa outra coisa que a admissão tácita pelo
pesquisador hermeneuta de que a sua posição histórica jamais é anulada; ao
contrário, ela é resgatada como condição do conhecimento” (OLIVEIRA, 1988, p.
21). O livro Diários Índios parece uma clara tentativa de o pesquisador assumir sua
posição histórica, resgatada através de um objeto de memória afetiva e de papel
central na atividade etnográfica: os diários de campo.
48 “Contra o evolucionismo de Tylor, de um Comte ou de um Spencer, a ‘escola’ opõe o estudo de mudanças culturais aferidas através da análise de processo de transformações, a serem acompanhadas muitas vezes passo a passo pela via da reconstrução histórica e pela observação comparada” (OLIVEIRA, 1988, p. 95). Assim, os culturalistas estão em busca, não mais de etapas evolutivas, mas de processos sócio-culturais. 49 A principal característica do Paradigma Hermenêutico é a negação radical do discurso cientificista exercido pelos paradigmas precedentes (OLIVEIRA, 1988).
CONCLUSÃO
Para concluir, gostaria de me debruçar sobre a comparação entre duas fotografias.
A da esquerda, já muito conhecida e debatida, nos mostra B. Malinowski, nas ilhas
Trobriand (local de sua pesquisa de campo). A imagem é datada entre set/1914 e
jul/1918. Na foto da direita está Darcy Ribeiro, nas aldeias Kaapor (Pará/Maranhão)
e é datada da 1ª expedição feita pelo autor aos índios, em 1949/50.
Estas duas imagens ilustram capas de livros. A da esquerda na versão francesa do
Diário de Malinowski e a da direita o livro Diários Índios, de Darcy Ribeiro. Outra
similaridade é que as duas fotos retratam a tensão complementar entre nós e eles,
o encontro entre um indivíduo civilizado, representado pelos pesquisadores em
questão e um indivíduo selvagem, um ilhéu Trobriand e um índio Kaapor,
respectivamente. As aproximações terminam por aí e será mais interessante analisar
as diferenças implícitas nas imagens.
A distância temporal da produção das imagens dará indícios da forma como foram
feitas, refletindo também no seu conteúdo. Assim, podemos afirmar que a primeira
apresenta características da pose premedita, enquanto na segunda está explicito a
noção de pose espontânea da cena. Na foto de Malinowski, está em quadro
Togugu’á, nativo das ilhas Trobriand. O Nativo está afastado corporalmente de
Malinowski, apoiado sobre a piroga de pesca que compõe a cena e, aparentemente,
não partilha da preocupação (evidente em Malinowski) com relação a sua própria
imagem perante a máquina fotográfica e a conseqüente representação fotográfica
(ato ao qual também está, aparentemente, alheio). Em oposição, Malinowski posa
para a fotografia da seguinte maneira: “Em pé, ereto, de perfil, as mão sobre as
ancas, a perna esquerda apoiando-se sobre a estrutura de um dos flutuadores de
uma piroga de pesca. De camisa e calças brancas, com polainas e sólidos sapatos
de couro (...)” (SAMAIN, 1995, p. 30). Na foto de Darcy Ribeiro a situação
apresentada é bem diferente. Também figura na fotografia a imagem de Kosó, índio
Kaapor, personagem a quem Darcy e Foerthmann irão recorrer várias vezes, como
sujeito e como personagem. Foi este o índio, junto com sua esposa e filho, escolhido
para compor o “elenco” do filme Um dia na vida de uma tribo da floresta tropical,
rodado pelos pesquisadores nas expedições. Nesta imagem, Darcy e Kosó
aparecem abraçados, corporalmente em contato. É visível a dinâmica e movimento
na cena e, aparentemente, as ações representadas não foram premeditadas e não
existe a pose intencional. Darcy veste calças e camisas brancas, sujas com o tempo
de uso, e um relógio no pulso esquerdo. Além, usa um adorno na cabeça que deve
ter sido presente fornecido pelos índios. O pesquisador toca este artefato com a
mão. Kosó está nu, ornamentado com colares, cocares de penas, braceletes e um
adorno na cintura. Seu rosto e metade do seu corpo estão na sombra, sendo a cena
iluminada pelo sol que entra pela direita dos personagens. Vemos um sorriso em
seu rosto, que também está parcialmente coberto pela sua mão.
Podemos comparar as ações em execução nas imagens e perceber que, no caso da
fotografia de Darcy, existe montada uma relação de reciprocidade equilibrada, uma
relação humana negociada latente, em andamento, acontecendo. Não à toa esta foi
a fotografia escolhida para ilustrar a capa do livro Diários Índios: representa a
proximidade, as fricções interétnicas, conexões pretendida entre os dois mundos.
Esta não é a única fotografia do livro Diários Índios onde Darcy dividirá o quadro
com outro índio.
A fotografia que ilustra a capa do livro Diários Índios soleniza a mediação do
antropólogo nos processos complexos de comunicação entre diferentes no país. Por
esse motivo, Kosó era um “bom exemplar” de alteridade radical: andava nu e
adornado como sua cultura prescrevia, constituía uma família índia e tinha papel
fundamental na comunidade de sua aldeia como Tuxaua.
O pesquisador está ciente, no momento que escreve os diários, do avassalador
processo de contato com os brancos e o que isso significaria, num futuro próximo,
em termos de desaparecimento dos costumes Kaapor. Colocando-se do ponto de
vista dos índios com quem convivia, Darcy afirma que:
Devem sentir que estão acabando, que não há reação possível contra o
avassalamento e a destruição. (...) É fatal que cada povo goze e sofra o
destino que ele próprio concebeu. (...) com alguns anos mais de convívio
conosco, quando o impacto com nosso sistema econômico destruir o seu
próprio sistema social, (...) talvez encontrem uma saída na espera e no
desejo do cataclismo final. Mas deixemos ao menos que andem para lá com
seus próprios pés.
Relacionado a estas últimas afirmações e a análise visual aqui proposta, gostaria de
trazer reflexões propostas por SEEGER (1980), na apresentação – intitulada
Imagens no espelho – de um livro sobre os índios Suyá, onde o autor afirma que “as
principais preocupações dos antropólogos no estudo de outras sociedades
estiveram sempre ligadas às preocupações gerais quanto a sua própria sociedade”
(1980, p. 14). No âmbito do século XX, “muitos autores alteraram sua preocupação:
se anteriormente os antropólogos usavam sua sociedade como medida da
humanidade, eles hoje usam a humanidade como medida de si mesmos” (1980, p.
15). Essas afirmações são aplicáveis ao caso das pesquisas etnográficas de Darcy
Ribeiro: as preocupações transcritas nos diários de campo falam do esforço (que
não é unilateral) no fazer antropológico.
Retomando para a questão das fotografias nas publicações, SEEGER (1980) analisa
a foto que ilustra a capa de seu livro, considerando a possibilidade de ser reescrito
um livro a partir do ponto de vista dos índios Suyá, “a que daríamos o título de Os
Brancos e Nós. Seria um livro sobre a percepção Suyá da nossa sociedade, com o
meu retrato (...) na capa, ao invés de um Suyá. Afinal as imagens refletidas nos
olham de volta” (1980, p. 21).
A comparação entre as capas das publicações de Malinowski, Ribeiro e Seeger abre
um leque de possíveis interpretações sobre o papel da disciplina Antropologia e o
modo como se fez e se pensou essa ciência ao longo da história. A perspectiva de
Bronislaw Malinowski é de um sujeito que, de forma convencionalizada, estuda os
nativos à distância, sem a aproximação corporal ou o envolvimento político e afetivo
que fica explícito no estudo de Darcy Ribeiro. Para Darcy, o Outro confunde-se no
imaginário da identidade nacional com a própria idéia de ancestralidade. Anthony
Seeger, norte-americano, ilustra a capa de seu livro com a imagem de um de seus
informantes entre os Suyá e ao longo do livro ficará claro seu envolvimento
emocional e profissional com eles. Mas, indo além dos outros antropólogos
precedentes, Seeger evoca a possibilidade de uma inversão de papéis, um ponto de
vista que havia sido, até então, descartado pela antropologia: como seria a capa do
livro escrito pelos índios ou nativos? Quais seriam suas interpretações sobre a
nossa sociedade e forma de organização, se tivessem a possibilidade de escrever e
publicar sobre isso? É a máxima de que o outro é a possibilidade de compreensão
de nós mesmos: esse olhar, mais contemporâneo, deve ser voltado para a análise
do que foi feito na disciplina até então e, no caso de análise, às imagens produzidas
no contexto de pesquisa em campo.
Para finalizar, gostaria de aprofundar mais a análise a cerca da foto que ilustra a
capa do livro Diários Índios, pretendendo uma breve análise da série inteira. São três
fotos de médio formato, tiradas por Heinz Foerthmann. De antemão, só a certeza de
autoria das imagens já nos comprova a tese de que o fotógrafo alemão utilizava as
duas câmeras da expedição e que, grande parte dos 6x6cm do acervo, deve ser de
sua autoria.
Duas das fotos mostram Darcy abraçado com Kosó50 e, na outra, o pesquisador está
ao lado de Xiyra. Pode-se confirmar que fazem parte da mesma série, pois o plano
de fundo assemelha-se, a luz é a mesma, a fotometragem aproxima-se e elas estão
próximas na catalogação do acervo.
A opção editorial foi por cortar a fotografia da capa para encaixar ao formato do livro.
O corte foi feito nas duas laterais (mas apenas excluindo o plano de fundo) e na
parte inferior (cortando parte das pernas dos personagens). Essa opção destacou,
ainda mais, a ação latente na imagem: o abraço e a fraternidade mútua (como era
de se esperar, essa fraternidade é expressa mais livremente entre os homens –
amigos – do que entre um homem – estranho – e uma mulher)
As fotografias compravam: Darcy esteve lá, o trabalho de campo existiu e os papéis
desempenhados estão nítidos. Até Heinz Foerthmann está presente, na sua
ausência, na foto. A série é simbólica: a capa do livro Diários Índios, nos olhando de
volta, reflete a complexidade com que se deu (e ainda se dá) as relações interéticas
neste país. O abraço entre Kosó e Darcy Ribeiro condensa as aventuras vividas no
período em que percorreu o sertão maranhense, em busca de uma identidade do
povo brasileiro51.
50 Kosó e Xiyra e o filhinho deles foram os escolhidos para serem o “elenco” do filme rodado por Darcy e Foerthmann. Além, Darcy afeiçoou-se a eles durante as expedições. 51 Essa busca se deu desde a escolha da tribo à qual Darcy investiria as expedições. Em entrevista, Darcy explica a escolha dos Kaapor:
Porque eram os índios mais próximos dos Tupinambá que viviam na costa em 1500. Mas, em 500 anos, a língua deles mudou, os hábitos deles mudaram e eles são outros, mas são outros muito próximos, os mais próximos (...) Então fui procurar uma tribo, a mais próxima dos Tupinambá para estudar o que eram as populações indígenas brasileiras.
Foto 14: Foto de Heinz Foerthmann, 1949. Museu do Índio – RJ. SPI A 2604
Foto 15: Foto de Heinz Foerthmann, 1949. Museu do Índio – RJ. SPI A 2605
Foto 16: Foto de Heinz Foerthmann, 1949. Museu do Índio – RJ. SPI A 2602
BIBLIOGRAFIA CITADA ARRUDA, Lucybeth Camargo. . Construções Discursivas - A Indianidade Umutina sob as Lentes do Etnólogo do SPI Harald Schultz. In: 25ª Reunião Brasileira de Antropologia - Saberes e Práticas Antropológicas: desafios para o século XXI, 2006, Goiânia. Anais Eletrônico da 25ª Reunião Brasileira de Antropologia, 2006. p. 199. BITTENCOURT, Luciana Aguiar. Algumas Considerações sobre o uso da imagem fotográfica na pesquisa antropológica. In FELDMAN-BIANCO, B.; MOREIRA LEITE, M. L. (orgs) Desafios da Imagem: Fotografia, Iconografia e vídeo nas Ciências Sociais. p197-212. Campinas, Papirus. 1998 BORGES, Paulo Humberto Porto. Fotografia, História e Indigenismo: A representação do real no SPI. Campinas, 2003. CAMPOS, Sandra de La Torre Lacerda. Por uma antropologia do olhar: a coleção Harald Schultz no Museu de Arqueologia e Etnologia. In Cadernos de Antropologia e Imagem, 8(1): 145-160, 1999. COLLOMB, Gerard. Imagens do outro, imagem de si. In Cadernos de Antropologia e Imagem, 6(1): 65-80, 1998. DUBOIS, Phillippe. A linha Geral (as máquinas de imagens). Cadernos de Antropologia e Imagem, Rio de Janeiro, 9 (2), 1999. EDWARDS, Elizabeth. Antropologia e Fotografia. In Cadernos de Antropologia e Imagem, 2: : 11-28, 1996. GURAN, Milton. Fotografar para descobrir, fotografar para contar. In Cadernos de Antropologia e Imagem, 10(1): 155-165, 2000. HEYMANN, Luciana Quillet. Os fazimentos do arquivo Darcy Ribeiro: memória, acervo e legado. In CPDOC/FGV, Estudos Históricos, Rio de Janeiro, Nº 36, 2005.
KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. Caixões infantis expostos: o problema dos sentimentos na leitura de uma fotografia. In FELDMAN-BIANCO, B.; MOREIRA LEITE, M. L. (orgs) Desafios da Imagem: Fotografia, Iconografia e vídeo nas Ciências Sociais. P65-74. Campinas, Papirus. 1998. LUGON, Olivier. In: ANGOTTI-SALGUEIRO, Heliana (org). O Olho fotográfico; Marcel Gautherot e seu tempo. São Paulo: Fundação Armando Alvares Penteado/ Museu de Arte Brasileira, 2007. MARESCA, Sylvain. Refletir as Ciências Sociais no espelho da fotografia. In REIS, E.; ALMEIDA, M.H.; FRY, P. orgs. Pluralismo, espaço social e pesquisa. São Paulo: Hucites / Ampocs. 1995. MONTE-MOR, Patrícia. No Garimpo do Nitrato: A experiência da mostra internacional do filme etnográfico. In FELDMAN-BIANCO, B.; MOREIRA LEITE, M. L. (orgs) Desafios da Imagem: Fotografia, Iconografia e vídeo nas Ciências Sociais. P143-158. Campinas, Papirus. 1998. MOREIRA LEITE, Miriam Lifchitz. Texto visual e texto verbal. In FELDMAN-BIANCO, B.; MOREIRA LEITE, M. L. (orgs) Desafios da Imagem: Fotografia, Iconografia e vídeo nas Ciências Sociais. P37-50. Campinas, Papirus. 1998. OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. Sobre o pensamento antropológico. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1988. PORTO ALEGRE, Maria Sylvia. Reflexões sobre iconografia etnográfica: Por uma hermenêutica visual. In FELDMAN-BIANCO, B.; MOREIRA LEITE, M. L. (orgs) Desafios da Imagem: Fotografia, Iconografia e vídeo nas Ciências Sociais. 51-64. Campinas, Papirus. 1998. RAMOS, Alcida Rita. Uma crítica da desrazão indigenista. In Mesa Redonda Movimentos indígenas, estruturas estatais e organismos transnacionais. Encontro Anual da ANPOCS, Outubro de 1998. Brasília. 1998. RIBEIRO, Darcy. Diários Índios: Os Urubus Kaapor. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. SAMAIN, Etienne. Questões heurísticas em torno do uso das imagens nas Ciências Sociais. In FELDMAN-BIANCO, B.; MOREIRA LEITE, M. L. (orgs) Desafios da Imagem: Fotografia, Iconografia e vídeo nas Ciências Sociais. 51-64. Campinas, Papirus. 1998. SAMAIN, Etienne. “Ver” e “dizer” na tradição etnográfica: Bronislaw Malinowski e a Fotografia. In Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, n. 2, p. 23-60, jul/set. 1995 SCHERER, Joanna. Documento fotográfico: Fotografias como dado primário na pesquisa antropológica. In Cadernos de Antropologia e Imagem, 3, ano 2: 69-83. 1996.
SEEGER, Anthony. Os índios e nós: Estudos sobre sociedades tribais brasileiras. Rio de Janeiro, Campus, 1980. SEGALA, Lygia. Ensaio das Luzes sobre um Brasil Pitoresco: o projeto fotográfico de Victor Frond (1857-1861). UFRJ. Dissertação de mestrado. 1998. _____________. Fotografia, Folclore e Cultura Popular. . In Cadernos de Antropologia e Imagem, 8(1), 79-98. 1999. SOUZA LIMA, Antonio Carlos de. Indigenismo no Brasil: migração e reapropriações de um saber administrativo.. In: Benoît de L'Éstoile; Federico Neiburg; Lygia Sigaud;. (Org.). Antropologia, Impérios e Estados Nacionais. 1a. ed. Rio de Janeiro: Reulme-Dumará/FAPERJ, 2002, v. , p. 159-186. TACCA, Fernando Cury de. O feitiço abstrato: do etnográfico ao estratégico: a imagética da comissão Rondon. São Paulo: 1999. _____________________. O índio “pacificado”: uma construção imagética da Comissão Rondon. In Cadernos de Antropologia e Imagem, 6(1), 81-101. 1998. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ARGAN, Giulio C. A história da Arte como História da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1992. BARBOSA, Carolina de Castro. A fotografia em Levi-Strauss. Monografia (Bacharelado em Ciências Sociais) – UFES. Vitória, 2005. BARTHES, Roland. A Câmera Clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta (ensaios para uma futura filosofia da fotografia). São Paulo: Hucitec, 1985. GALANO, Ana Maria. Iniciação à pesquisa com imagens. LPS / IFCS / UFRJ. GALVÃO, Eduardo. Encontro de sociedades: índios e brancos no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra. 1979 HARTMANN, Thekla. A contribuição da iconografia para o conhecimento dos índios brasileiros do século XIX. Coleção Museu Paulista, série de etnologia, São Paulo: USP, 1975. KOSSOY, Boris. Fotografia e História. São Paulo: Ática, 1989. ________. Origens e expansão da fotografia no Brasil – século XIX. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1980.
________. Realidades e ficções na trama fotográfica. São Paulo: Ateliê, 2000. ________. A fotografia como fonte Histórica (Introdução à pesquisa e à interpretação das imagens do passado). São: Museu da Indústria, Comércio e Tecnologia de SP, SICCT, 1980. LEVI-STRAUSS, Claude. Tristes trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. MAUAD, Ana Maria. Através da Imagem: fotografia e história interfaces. Revista Tempo, Departamento de História da Universidade Federal Fluminense, I (2): 73-98, dez. 1996. MENDES, Marcos de Souza. Heinz Foerthmann e Darcy Ribeiro: Cinema Documentário no Serviço de proteção aos Índios, SPI, 1949-1959. Tese (doutorado ligado ao DEPARTAMENTO DE MULTIMEIOS), UNICAMP. 2006. ________________________. Heinz Foerthmann: filme documentário e texto. Tese (mestrado na UNB), 1993. MONTE-MOR, Patrícia e PARENTE, J.J. Cinema e Antropologia: Horizontes e caminhos da antropologia visual. Rio de Janeiro: Interior Produções, 1994. SAMAIN, etienne (org.) O fotográfico. São Paulo: Hucitec, 1998. TACCA, Fernando Cury de. A imagética da Comissão Rondon: etnografias fílmicas estratégicas. 2001: Rio de Janeiro. Papirus ___________________. Imagem Fotográfica: Aparelho, representação e significação. In Psicologia e Sociedade, 17(3), 09-17, set/dez, 2005.
ANEXO UM Resumo dos Planos de trabalho para a seção de CINEMATOGRAFIA e FOTOGRAFIA do Serviço Nacional de Proteção aos Índios52 DAS EXPEDIÇÕES: 1) Trabalhos fotográficos: Fotografias etnográficas:
a) Vistas gerais e parciais das aldeias, das malocas internas e externas. Sistemas de construção, material empregado. Preparo do material de construção e métodos de empregá-lo.
b) Os índios: fotografias um por um, apresentando de frente, de trás e de perfil, inteiros e somente a cabeça (tirar medidas etnográfico-antropológicas). Grupos de índios típicos caminhando, sentados, em palestra, no trabalho, pescando, caçando, dançando, lutando, etc. etc... Fotografias só das mãos, dos pés, dos rostos, modo de sentar e de andar, nadar, etc. etc...
c) Vida social, familiar e ritos: festas de nascimento, danças, festas diversas, ritos de óbitos, casamentos, etc. etc... Higiene e moralidade indígena. Preparo das refeições.
d) Caça e pesca: métodos de caça, sistemas de pesca. Animais de caça e pesca regionais (seus nomes indígenas e vernáculos regionais).
e) Cultivo agrícola. f) Objetos de uso e arte indígena (armas de caça e confecção, canoas e balsas
e seu fabrico, plumagem – fotografar em cores naturais pelo processo Kodachrome.
g) Fauna e flora regionais. Fotografias Documentais e Jornalísticas:
a) Estas fotografias devem representar cenas da vida e dos costumes dos indígenas, tipos característicos, destacando-se por seu aspecto interessante e às vezes sensacional, despertando a curiosidade pública, obedecendo, porém, em seu conjunto de normas anteriormente prescritas.
2) Trabalhos Cinematográficos: (...)
52 Museu do Índio – SARQ. Filme 335 / fotogramas 0581, 0582, 0583.
APROVEITAMENTO, DIVULGAÇÃO E FINALIDADES DAS FOTOGRAFIAS E FILMES CINEMATOGRAFICOS OBTIDOS NAS EXPEDIÇÕES:
1) As fotografia serão copiadas e organizadas em um arquivo permanente da seção [de estudos]. A classificação e organização deverá ser feita de tal maneira que sua procura (...) será de maior simplicidade possível. Uma cartoteca ilustrada com cópias em miniatura, que obedecerá a ordem alfabética, numérica e etnográfica servirá de base para isso. (sistema Hollerith)
2) As melhores fotografias poderão ser ampliadas para o formato de 75 x 100cm, (...) com o fim de organizar anualmente expedições ambulantes, (...)
3) Deverão ser confeccionados coleções de diapositivos, (...) destinadas as Universidades e colégios nacionais, intercâmbio com institutos científicos nacionais ou internacionais (...)
4) Poderá ser editada uma revista pelo Serviço Nacional de Proteção aos Índios, com a finalidade de levar ao conhecimento público os trabalhos daquele instituto (...). As fotografias das expedições poderão servir de base para a garantia da revista.
5) Os filmes destinados ao público serão confeccionados em “shorts” e apresentados pelas empresas de divulgação existentes.
6) Os filmes etnográficos poderão ser reduzidos para a bitola usual de 16mm e aproveitados nos colégios e universidades, museus e institutos científicos nacionais e estrangeiros.
7) As gravações sonoras, sejam elas feitas em discos ou filme, podem ser copiados e multiplicados, passando de discos para filme e vice-versa.
DOS TRABALHOS INTERNOS DA SEÇÃO DE CINEMATOGRAFIA E FOTOGRAFIA
1) Os trabalhos fotográficos serão executados completamente no laboratório independente da seção, não necessitando este de recorrer a outros laboratórios idênticos.
2) Os trabalhos de cinematografia serão também executados no laboratório próprio, com execução dos trabalhos de revelação e copiação dos filmes, aproveitando-se para isto os laboratórios especializados existentes nesta capital. A confecção dos filmes porém, compreendendo-se com isso legendas, deverá ser executado no laboratório próprio, a bem de suas qualidades que deverão superar o standard dos demais filmes.Tornar-se-há necessária a aquisição e instalação de limitada maquinaria, indicada no orçamento em separado.
3) Durante as ausências da equipe de expedição, o pessoal interno da seção fotográfica poderá ser incumbido com os trabalhos finais de laboratório, conservação e administração. a) Poderá ser criado um arquivo de fotografias dos objetos indígenas
existentes no Museu Nacional e em outras coleções oficiais ou particulares.
b) Para completar o arquivo poderão ser reproduzidos por processo fotográfico todos os gráficos, gravuras, e desenhos sobre indígenas brasileiro ou sul-americanos existentes na Biblioteca Nacional e em outras instituições oficiais ou particulares, permitindo dessa maneira uma visão em conjunto sobre a história e vida atual do índio no Brasil
Rio de Janeiro, 14 de Março de 1942 Harald Schultz
ANEXO DOIS
Publicações de Darcy Ribeiro sobre os Urubu-Kaapor:
RIBEIRO, Darcy. Atividade científica da secção de estudos do Serviço de Proteção aos Índios. Sociologia, s.l. : s.ed., n. 8, p. 363-85, 1951.
_____ -. Convívio e contaminação : efeitos dissociativos da depopulação provocada por epidemias em grupos indígenas. Sociologia, s.l. : s.ed., n. 18, p. 3-50, 1956.
_____. Diários índios : os Urubu-Kaapor. São Paulo : Companhia das Letras, 1996. 628 p.
_____. Os índios Urubus : ciclo anual das atividades de subsistência de uma tribo da floresta tropical. In: SCHADEN, Egon. Leituras de etnologia brasileira. São Paulo : Companhia Editora Nacional, 1976. p. 23-43. (Originalmente saiu nos Anais do XXXIo Congresso Internacional de Americanistas, v. 1, São Paulo : Anhembi, 1955. p. 127-57. Republicado em Boletim Geográfico, Rio de Janeiro : s.ed., v. 20, n. 169, 1962 e em Uirá sai a procura de Deus, p. 31-59, obra citada abaixo).
_____. Uirá sai à procura de Deus. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1974.
_____. Uirá vai ao encontro de Maíra. Carta, Brasília : Gab. Sen. Darcy Ribeiro, n. 9, p. 255-67, 1993. (Publicado originalmente em Anhembi, São Paulo : s.ed., v. 26, n. 76, 1957 e republicado em Uirá sai à procura de Deus, p. 13-29, obra citada acima).
_____; RIBEIRO, Berta G. Arte plumária dos índios Kaapor. Rio de Janeiro : ed. dos Autores, 1957. (Existe outra edição do mesmo ano, com texto condensado e tratamento especial das policromias, feita para os Laboratórios Silva Araújo-Roussel S.A.).
Separata dos Anais do XXXI Congresso Internacional de Americanistas, vol.I, p. 127-157, São Paulo, 1955 (reproduzido em Uirá e em uma coletânea de ensaios organizada por Egon Schaden).