reprodução da vida cotidiana

Upload: william-cruz-fonseca

Post on 08-Mar-2016

213 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Nome do arquivo:Andreescu - Contests Around the World 1997-1998.pdfNome do arquivo:Andreescu - Contests Around the World 1997-1998.pdf

TRANSCRIPT

REPRODUO DA VIDA COTIDIANAFredy Perlman

ndice:VIDA COTIDIANA NA SOCIEDADE CAPITALISTA

ALIENAO DA ATIVIDADE VITAL

O FETICHISMO DAS MERCADORIAS

TRANSFORMAO DA ATIVIDADE VITAL EM CAPITAL

ESTOQUE E ACUMULAO DA ATIVIDADE HUMANA

"O objetivo dessa comunidade e desses indivduos areproduo dos especficos meios de produoe dos indivduos com suas caractersticas particulares, com as relaes e estruturas sociais que os determinam e que eles sustentam ativamente. Todos eles te dizem que em princpio, ou seja, consideradas como idias abstratas, competio, monoplio, etc., so as nicas bases de vida, mas na prtica eles deixam muito a desejar. Todos eles querem a competio sem os efeitos letais da competio. Todos eles querem o impossvel: as condies burguesas de existncia sem as necessrias conseqncias destas condies. Nenhum deles compreende que a forma burguesa de produo histrica e transitria, exatamente como a forma feudal o foi. Esse erro decorre do fato de que o homem burgus para eles a nica base possvel de cada sociedade; eles no so capazes de imaginar uma sociedade na qual os homens tenham deixado de ser burgueses." Karl MarxA atividade prtica diria dos homens da comunidade tribal reproduz ou perpetua a tribo. Esta reproduo no apenas fsica, mas tambm social. Atravs de suas atividades dirias, os homens da tribo no se reproduzem apenas como um grupo de seres humanos; eles reproduzem a tribo, ou seja, umaforma socialparticular no interior da qual esse grupo de seres humanos desempenha atividadesespecficasde uma maneiraespecfica. As atividades especficas dos homens tribais no so o resultado de caractersticas "naturais" dos homens que as desempenham, j o estilo de produo do mel, decorre da natureza da abelha. A vida cotidiana produzida e perpetuada pelos homens tribais uma respostasocialespecfica s condies materiais e histricas muito peculiares.A atividade cotidiana dos escravos reproduz a escravido. Atravs de suas atividades dirias, os escravos no apenas reproduzem a si mesmos e seus senhores fisicamente; eles tambm reproduzem os instrumentos com os quais o senhor os reprime, alm de sua prpria submisso autoridade do senhor. Para homens que vivem numa sociedade escravocrata, a relao senhor-escravo parece como uma relao eterna e natural. Entretanto, os homens no nascem senhores ou escravos. A escravido uma forma social especfica, e os homens se submetem a ela apenas em condies materiais e histricas particulares.A prtica cotidiana dos trabalhadores assalariados reproduz o trabalho assalariado e o capital. Atravs de suas atividades dirias, os homens "modernos", como os homens tribais e escravos, reproduzem a populao, as relaes sociais e as idias da sociedade em que vivem; eles reproduzem aforma socialda vida cotidiana. Como a tribo e o sistema escravocrata, o sistema capitalista tampouco a forma natural ou final da sociedade humana. Como as anteriores formas sociais, o capitalismo uma resposta condies histricas e materiais especficas.Diferentemente das formas antecedentes de organizao da atividade social, a vida cotidiana na sociedade capitalista transformasistematicamenteas condies materiais a que o capitalismo originalmente correspondeu. Alguns destes limites materiais para a atividade humana so gradualmente submetidos ao controle humano. Num alto nvel de industrializao, a atividade prtica cria suas prprias condies materiais assim como sua forma social. Portanto, o tema em anlise no apenas como a atividade prtica na sociedade capitalista reproduz a sociedade capitalista, mas tambm como essa atividade por si mesma elimina as condies materiais a que o capitalismo correspondia.VIDA COTIDIANA NA SOCIEDADE CAPITALISTAA forma social das atividades regulares das pessoas no capitalismo a resposta para uma determinada situao material e histrica. A condio material e histrica explica a origem da forma capitalista, mas no explica porque esta forma continua depois que a situao inicial desapareceu. O conceito de "atraso cultural" no explicao para a continuidade da forma social depois do desaparecimento das condies iniciais s quais ela correspondia. Este conceito meramente um nome para a continuidade da forma social. Quando o conceito de "atraso cultural" funciona como um nome para a "fora social" que determina a atividade humana, isto uma ofuscao na qual est presente o produto da atividade das pessoas como uma fora exterior e fora de seu controle. Isto no verdadeiro apenas para um conceito como "atraso cultural". Muitos dos termos usados por Marx para descrever atividades das pessoas tm sido elevados ao status de fora externa e at mesmo "natural" que determina essa atividade. Portanto, conceitos como "luta de classes", "relaes de produo" e particularmente "A Dialtica", desempenham a mesma funo nas teorias de alguns "marxistas" que "Pecado Original", "Destino" e "A Mo Do Destino" desempenharam nas teorias msticas medievais.Em suas atividades cotidianas, os membros da sociedade capitalista efetuam simultaneamente dois processos: reproduzem a forma de suas atividades e eliminam as condies materiais na qual essa forma de atividade inicialmente correspondeu. Mas eles no percebem que efetuam esses dois processos. Suas prprias atividades no so transparentes para eles. Eles esto sob a iluso de que suas atividades so respostas a condies naturais acima de seu controle, e no vem que eles mesmos so os autores dessas condies. A tarefa da ideologia capitalista manter o vu que impede as pessoas de ver que suas prprias atividades reproduzem a forma de sua vida cotidiana: a tarefa da teoria crtica desvendar as atividades da vida cotidiana, torn-las transparentes, fazer com que a reproduo da forma social da atividade capitalista seja visvel nas atividades cotidianas das pessoas.Sob o capitalismo, a vida cotidiana consiste em atividades relacionadas que reproduzem e expandem a forma capitalista de atividade social. A venda do tempo de trabalho por um preo (salrio), a objetivao do tempo de trabalho em mercadorias (bens vendveis, tangveis e intangveis) , o consumo de mercadorias tangveis e intangveis (tais como consumidor de bens e espetculos) - essas atividades que caracterizam diariamente a vida sob o capitalismo no so manifestaes da "natureza humana"; tampouco so elas impostas ao homem por foras acima de seu controle. (...)ALIENAO DA ATIVIDADE VITALNa sociedade capitalista, a atividade criativa assume a forma de produo de mercadorias e os produtos da atividade humana assumem a forma de mercadorias. Os produtos da atividade humana necessrios para a sobrevivncia so mercadorias vendveis: elas so obtidas em troca de dinheiro. E o dinheiro s obtido na troca por mercadorias. Se os homens aceitam a legitimao dessas convenes, se aceitam que as mercadorias so um pr-requisito para o dinheiro e o dinheiro um pr-requisito para a sobrevivncia, ento eles esto aprisionados num crculo vicioso. Para aqueles que no possuem mercadorias, a nica sada desse crculo considerar a si mesmo ou parte de si mesmo como mercadoria. E esta , de fato, a "soluo" peculiar que o homem imps a si mesmo em condies materiais e histricas especficas. Os homens no trocam seus corpos ou partes de seus corpos por dinheiro. Eles trocam o contedo criativo de suas vidas, sua atividade prtica diria, por dinheiro.To logo o homem aceita o dinheiro como um equivalente para a vida, a venda da atividade torna-se uma condio para sua sobrevivncia fsica e social. A vida trocada pela sobrevivncia. Criao e produo passam a significar atividade vendvel. E o prprio homem se torna um membro produtivo da sociedade apenas se ou na medida em que as atividades de sua vida cotidiana so atividades vendveis. A atividade do homem "produtiva", til sociedade, apenas quando uma atividade vendida. To logo as pessoas aceitam os termos desta troca, a atividade diria toma a forma de prostituio universal.O poder criativo vendido, ou a atividade diria vendida, assume a forma detrabalho. O trabalho uma forma historicamente especfica de atividade humana. O trabalho uma atividade abstrata que possui apenas uma peculiaridade: a de ser trocado ou comercializado, de poder ser vendido por uma dada quantidade de dinheiro. O trabalho uma atividadeindiferente: indiferente tarefa particular desempenhada e indiferente finalidade para a qual direcionada. Escavar, imprimir e esculpir so atividades diferentes, mas todas as trs sotrabalhona sociedade capitalista. Trabalho simplesmente "ganhar dinheiro". A atividade que assume a forma de trabalho uma maneira de se obter dinheiro. A vida se torna ummeio de sobrevivncia.Este reverso irnico no um clmax dramtico de uma novela imaginria; um fato da vida diria na sociedade capitalista. Sobrevivncia, ou seja, produo e reproduo, no so objetivos de uma atividade prtica criativa. Muito pelo contrrio, a atividade criativa sob a forma detrabalho, ou seja,atividade vendida, umanecessidade penosapara a sobrevivncia; trabalho meio de auto-preservao e reproduo.A venda da atividade leva outro reverso. Atravs da venda, o trabalho de um indivduo torna-se propriedade de um outro, isto , apropriado por um outro, fica sob controle de um outro. Em outras palavras, a atividade de uma pessoa torna-se atividade de uma outra, a atividade de seu proprietrio; ela torna-sealienadada pessoa que a desempenha. Portanto, avida, a realizao de um indivduo no mundo, a diferena que sua vida faz na vida da humanidade, no so apenas transformadas emtrabalho, uma condio dolorosa para a sobrevivncia; elas so transformadas em atividadealienada, atividade desempenhada pelo comprador daquele trabalho. Na sociedade capitalista, os arquitetos, os engenheiros, os trabalhadores no so os construtores; o homem que compra o seu trabalho o construtor; seus projetos, clculos e atos so alienados, pois suas atividades, suas realizaes pertencem ao capital.Socilogos acadmicos (que encaram a venda da fora de trabalho como uma concesso) entendem a alienao do trabalho como um sentimento: a atividade dos trabalhadores "aparece" alienada do trabalhador, este "parece" ser controlado por outro. Entretanto, qualquer trabalhador capaz de explicar a um socilogo acadmico que a alienao tampouco sentimento ou uma idia na cabea, mas um fato real na vida cotidiana dos trabalhadores. A atividade vendida ,de fato, alienada do trabalhador; seu trabalho ,de fato, comprado pelo capitalista.Em troca de sua atividade vendida, o trabalhador recebe dinheiro, o meio de sobrevivncia convencionalmente aceito na sociedade capitalista. Isto revela uma diferena peculiar ao dinheiro, como "equivalente universal". Uma pessoa pode vender mercadorias por dinheiro e pode comprar as mesmas mercadorias com dinheiro. Pode vender sua atividade por dinheiro, mas no pode comprar sua atividade com dinheiro.As coisas que o trabalhador compra com seu salrio so antes de tudo mercadorias de consumo necessrias sua sobrevivncia, para produzir sua fora de trabalho, de modo a poder continuar vendendo-a. Mas essas mercadorias so tambm objetos para admirao passiva: espetculos dos quais ele o espectador. O trabalhador consome e admira os produtos da atividade humana passivamente. Ele no existe no mundo como um sujeito ativo que o transforma, mas como um coitado, um espectador impotente; ele pode chamar esse estado de impotente admirao de "felicidade". E mesmo que o trabalho sejapenoso, ele pode desejar ser "feliz", ou seja, no-ativo por toda sua vida (uma condio similar a estar morto em vida). As mercadorias, os espetculoso consomem; ele consome energia viva em admirao passiva; ele consumido pelas coisas. Neste sentido, quanto mais ele tem, menos ele . (Um indivduo pode superar sua morte em vida atravs de atividades criativas marginais; mas a populao no pode, exceto abolindo a forma capitalista de atividade prtica, abolindo o trabalho assalariado e portanto desalienando a atividade criativa).O FETICHISMO DAS MERCADORIASAlienando suas atividades e incorporando-as em mercadorias (receptculos materiais de trabalho humano), as pessoas reproduzem a si mesmas e criam o capital. Do ponto de vista da ideologia capitalista, e particularmente dos economistas acadmicos, esta afirmao falsa: as mercadorias "no so produtos do trabalho somente"; elas so produzidas pelos "fatores de produo" primordiais, Terra, Trabalho e capital, a Santssima Trindade capitalista. O "fator" principal e, obviamente, o heri dessa pea o capital.O objetivo dos defensores dessa trindade superficial no a anlise, posto que a anlise no aquilo que esses especialistas so pagos para fazer. Eles so pagos para ofuscar a forma social de atividade prtica sob o capitalismo, para encobrir o fato de que os produtores reproduzem a si mesmos, seus exploradores, assim como os instrumentos com os quais eles so explorados. A frmula da trindade no suficientemente convincente. bvio que aTerrano produz mercadorias, assim como a gua, o ar ou o sol. (...) Mesmo os instrumentos de produo que so o Capital de um capitalista so "fatores de produo" primordiais apenas se algum limita seu campo visual a uma firma capitalista isolada. A viso da economia como um todo revela que o Capital de um capitalista suga o trabalho alienado por outro capitalista. Entretanto, ainda que a 'formula da Trindade no convena, ela cumpre sua tarefa de ofuscao ocultando o essencial da questo: em vez de perguntar porque a atividade das pessoas sob o capitalismo assume a forma de trabalho assalariado, analistas em potencial da vida cotidiana capitalista transformados em acadmicos marxistas domesticados perguntam se o trabalho ou no o nico "fator de produo".Portanto, a economia (e a ideologia capitalista em geral) trata a terra, o dinheiro e os produtos do trabalho como coisas que possuem o poder de produzir, de criar valores, de trabalhar para seus proprietrios, de transformar o mundo. Isto o que Marx chamou defetichismo, que caracteriza as opinies das pessoas, e que so elevadas ao nvel de dogma pela economia. Para o economista, as pessoas vivas socoisas("fatores de produo") e as coisasvivem(o dinheiro "trabalha", o Capital "produz").O adorador de fetiches (fetichista) atribui o produto de sua atividade ao seu fetiche. Como resultado, ele cessa de exercer sua potncia (de transformar a natureza, de determinar a forma e o contedo de sua vida cotidiana); ele exerce apenas aqueles "poderes" que atribui para seu fetiche (o "poder" de comprar mercadorias). Em outras palavras, o fetichista se castra e atribui virilidade ao seu fetiche.Mas o fetiche uma coisa morta, no um ser vivo; ele no possui virilidade. O fetiche no nada mais do que uma coisa para a qual e pela qual as relaes capitalistas so mantidas. O misterioso poder do capital, seu "poder" de produzir, sua virilidade, no reside nele mesmo, mas no fato de que as pessoas alienam suas atividades criativas, de que elas vendem seu trabalho aos capitalistas, que eles materializam ou reificam (coisificam) seu trabalho em mercadorias. Em outras palavras, as pessoas so compradas com o produto de suas prprias atividades, todavia vem suas prprias atividades como atividades do Capital e seus prprios produtos como produtos do capital. Atribuindo poder criativo ao Capital e no sua prpria atividade, abdicam de sua atividade, de sua vida cotidiana em benefcio do capital. Isto significa que, diariamente, os trabalhadores se coisificam,sacrificando-separa a personificao do capital, o capitalista.Vendendo seu trabalho, alienando sua atividade, as pessoas reproduzem diariamente as personificaes das formas dominantes de atividade sob o capitalismo, elas reproduzem o trabalhador assalariado e o capitalista. Eles no apenas reproduzem os indivduos fisicamente, mas tambm socialmente; eles reproduzem indivduos que so vendedores da fora de trabalho e indivduos que so proprietrios dos meios de produo, eles reproduzem os indivduos assim como suas atividades especficas, a venda assim como a propriedade.Toda vez que as pessoas desempenham uma atividade que elas mesmas no definiram e no controlam, toda vez que pagam por mercadorias que produziram com dinheiro recebido em troca de sua atividade alienada, toda vez que admiram passivamente os produtos de sua prpria atividade como objetos alienados adquiridos pelo dinheiro, elas do vida nova ao Capital e aniquilam suas prprias vidas.O resultado desse processo a reproduo da relao entre o trabalhador e o capitalista. Entretanto, no esse o objetivo dos indivduos envolvidos. Suas atividades no so transparentes para eles; seus olhos esto fixados nofeticheque se mantm entre o ato e o resultado. O agente individual mantm os olhos fixados nascoisas, principalmente naquelas coisas pelas quais as relaes capitalistas so estabelecidas. O trabalhador como produtor deseja trocar seu trabalho dirio por salrio em dinheiro, ele deseja precisamente as coisas que os capitalistas tm para vender, visando a realizar seu capital.A transformao diria da atividade vital em Capital mediadapor coisas, mas no efetuadapelas coisas. O fetichista no sabe disso: para ele trabalho e terra, instrumentos e dinheiro, empresrios e banqueiros, so todos "fatores" e "agentes". Quando um caador, que porta um amuleto, abate um cervo com uma pedra, ele talvez considere o amuleto um "fator" essencial para o seu xito, at mesmo efetuando magicamente a presena do cervo como uma presa a ser abatida pelo caador. Se ele um fetichista responsvel e bem educado, devotar ateno para seu amuleto, cuidando-o e admirando-o. Para melhorar as condies materiais de sua vida, tentar aperfeioar o seu fetiche, no a maneira de atirar a pedra; ele talvez at envie seu amuleto para "caar" por ele. Suas prprias atividades dirias no so transparentes para ele: quando come bem, no consegue ver que sua prpria ao de atirar a pedra e no a ao do amuleto, que prov sua comida; quando est faminto, no consegue ver que sua adorao do amuleto ao invs de caar, e no a ira de seu fetiche, a causa de sua fome.O fetichismo das mercadorias e do dinheiro, a mistificao das atividades dirias das pessoas, a religio da vida cotidiana que atribui atividade a coisas inanimadas, no um capricho mental nascido das imaginaes dos homens; ele tem origem no carter das relaes sociais sob o capitalismo. Os homens de fato se relacionam uns com os outros atravs de coisas; o fetiche de fato a ocasio na qual eles agem coletivamente e atravs da qual eles reproduzem suas atividades. Mas no o fetiche que atua. No o Capital que transforma matrias primas, nem tampouco o Capital produz mercadorias. Se a atividade vital dos homens no transformasse esses materiais, eles se manteriam inertes, matria morta. Se os homens no se dispusessem a continuar vendendo sua atividade, a impotncia do Capital seria revelada. O Capital deixaria de existir, sua ltima potncia remanescente seria o poder de lembrar as pessoas de um passado em que a vida cotidiana se caracterizava pela prostituio universal e diria.O trabalhador aliena sua vida para preservar sua vida. Se ele no vendesse sua atividade ele no ganharia um salrio e no poderia sobreviver. Entretanto, no o salrio que faz da alienao a condio de sobrevivncia. Se os homens decidissem coletivamente no vender suas vidas, se eles estivessem dispostos a assumir o controle sobre suas prprias atividades, a prostituio universal no seria uma condio para a sobrevivncia. a disposio das pessoas para continuar vendendo sua atividade, e no ascoisaspelas quais eles a vendem que faz com que a alienao da atividade seja necessria para a preservao da vida.A atividade vendida pelo trabalhador comprada pelo capitalista. E apenas essa atividade que respira vida no Capital e o faz "produtivo". O capitalista, "proprietrio" de matrias-primas e instrumentos de produo, exibe os objetos naturais e produtos do trabalho de outras pessoas como sua prpria "propriedade privada". Mas no o misterioso poder do Capital que cria a "propriedade privada" do capitalista; a atividade vital que cria a "propriedade privada" e a forma dessa atividade o que a mantm "privada".TRANSFORMAO DA ATIVIDADE VITAL EM CAPITALA transformao da atividade vital em Capital efetua-se diariamenteatravsdas coisas, mas nopelascoisas. As coisas que so produtos da atividade humanaparecemser agentes porque as atividades e contatos so estabelecidos para e atravs de coisas e porque a atividade das pessoas no so transparentes para elas. Elas confundem a mediao do objeto com a causa do processo.No processo capitalista de produo, o trabalhador incorpora ou materializa sua energia alienada num objeto inerte usando instrumentos que so materializaes de atividades de outras pessoas (instrumentos industriais sofisticados incorporam a atividade intelectual e manual de incontveis geraes de inventores, aperfeioadores e produtores do mundo inteiro e das mais variadas formas de sociedade). Os instrumentos por si mesmos so objetos inertes; eles so a incorporao material da atividade vital, mas no esto vivos. O nico agente ativo no processo de produo o trabalhador. Ele usa produtos do trabalho de outras pessoas e infunde-lhes vida, que a vida dele mesmo; ele no capaz de ressuscitar os indivduos que estocaram atividades em seu instrumento. O instrumento talvez lhe permita fazer mais durante um perodo dado, e neste sentido, talvez eleve sua produtividade. Mas apenas o trabalho vivo capaz de produzir e pode ser produtivo.Por exemplo, quando um trabalhador industrial dirige um torno mecnico, ele usa produtos do trabalho de geraes de fsicos, inventores, engenheiros, fabricantes de torno mecnico. Ele obviamente mais produtivo do que o arteso que esculpe o mesmo objeto. Mas no faz sentido considerar que o "capital" a disposio do trabalhador industrial mais "produtivo" do que o "capital" do arteso. (...)A noo de "produtividade do capital", e particularmente, a medio detalhada da "produtividade" so invenes da "cincia" da Economia, aquela religio da vida diria do capitalista que consome a energia das pessoas na adorao, admirao e adulao do fetiche central da sociedade capitalista. Colegas medievais desses "cientistas" efetuaram detalhadas medidas de largura e altura dos anjos no cu, sem ao menos perguntar se os anjos e o cu existiam, porque tinham certeza da existncia de ambos.O resultado da atividade alienada do trabalhador o produto que no lhe pertence. Este produto uma mercadoria, uma incorporao de seu trabalho, a materializao de parte de sua vida, o receptculo que contm sua atividade alienada. Ele no decide o que, como e quando fazer; ele no dirige sua atividade nem dono do que faz. Se ele quiser apossar-se do que fez, ser como comprador. Mas o que ele tem feito no apenas um produto com algumas utilidades. Se ele no precisasse vender seu trabalho para o capitalista em troca de um salrio, teria apenas que escolher os materiais necessrios e as ferramentas disponveis para produzir, guiado pelos seus objetivos e limitado por seus conhecimentos e habilidades. ( bvio que um indivduo s pode fazer isso marginalmente. A livre apropriao e o uso de materiais e ferramentas disponveis pelos homens somente acontecero quando o trabalho, enquanto atividade alienada pelo capital, e o prprio Capital forem abolidos).O que o trabalhador produz em condies capitalistas um produto com uma propriedade muito especfica, a de ser vendido. O que sua atividade alienada produz umamercadoria.A produo capitalista produo de mercadorias. Logo, afirmar que o objetivo do processo a satisfao de necessidades humanas falsa; isto , uma racionalizao e uma apologia. A satisfao de necessidades humanas no o objetivo do capitalista ou do trabalhador engajado na produo, tampouco o resultado do processo. O trabalhador vende seu trabalho por um salrio; o contedo especfico do salrio indiferente para ele; ele no aliena seu trabalho para um capitalista que no lhe d um salrio, no importa quantas necessidades humanas esses produtos capitalistas possam satisfazer. O capitalista compra trabalho e o engaja na produo de mercadorias. O capitalista permanece indiferente s propriedades especficas do produto e s necessidades das pessoas. Tudo que lhe interessa a respeito do produto por quanto ele ser vendido, e tudo que lhe interessa a respeito da necessidade das pessoas quanto elas "precisam" para comprar e como elas podem ser coagidas, atravs da propaganda e do condicionamento psicolgico para "precisar" de mais. O objetivo do capitalista satisfazersuanecessidade de acumular o capital, e o resultado desse processo a reproduo ampliada do trabalho assalariado e do Capital (que no so exatamente "necessidades humanas").A mercadoria produzida pelo trabalhador trocada pelo capitalista por uma especfica quantidade de dinheiro. A mercadoria umvalorque se troca por umvalorequivalente. Em outras palavras o trabalho (passado e presente) materializado no produto pode existir sob duas formas distintas e equivalentes, mercadoria e dinheiro, ou no que comum a ambos,valor. Isso no significa que valor trabalho. Valor umaformasocial de trabalho reificado (coisificado) na sociedade capitalista.Sob o capitalismo, as relaes sociais no so estabelecidas diretamente; elas so estabelecidas atravs do valor. A atividade cotidiana no trocada diretamente; ela trocadasob a forma de valor. Consequentemente, o que acontece com a atividade sob o capitalismo no pode ser descrito observando a atividade em si mesma, mas apenas seguindo as metamorfoses do valor.Quando a atividade das pessoas toma a forma detrabalho(atividade alienada), torna-se possvel compr-la, porque adquire a forma de valor. Em outras palavras, o trabalho pode ser trocado por uma quantidade de dinheiro "equivalente" (salrio). A alienao deliberada da atividade, que percebida como necessria para a sobrevivncia pelos membros da sociedade capitalista, reproduz a forma capitalista na qual a alienao necessria para a sobrevivncia. Porque a atividade tem a forma de valor, os produtos dessa atividade devem tambm assumir a forma de valor: eles devem ser cambiveis por dinheiro. bvio que, se os produtos da atividade humana no assumem a forma de valor, mas a de objetos teis disposio da sociedade, ento eles permaneceriam nas fbricas ou iriam ser pegos de graa pelos membros da sociedade quando a necessidade surgisse; neste caso, o dinheiro no teriavalore a atividade no poderia servendidapor uma quantidade de dinheiro "equivalente". A atividade no poderia ser alienada. Consequentemente, assim que atividade assume a forma de valor, os produtos dessa atividade assumem a forma de mercadoria e a reproduo da vida cotidiana toma lugar atravs das mudanas ou metamorfoses do valor.O capitalista vende os produtos do trabalho no mercado; ele os troca por uma equivalente quantidade de dinheiro; ele realiza um determinado valor. A magnitude especfica desse valor num mercado particular opreodessas mercadorias. Para o economista acadmico, o preo a chave de So Pedro para os portes do cu. Como o prprio capital, o preo se move num mundo maravilhoso que consiste inteiramente de objetos; os objetos tem relaes humanas uns com os outros e so vivos; transformam-se uns aos outros, comunicam-se uns com os outros, eles se casam e tm filhos. E claro, somente atravs desses inteligentes, poderosos e criativos objetos que as pessoas podem ser felizes na sociedade capitalista.Nas pinturas dos economistas, os anjos, trabalhadores celestiais, fazem tudo e os homens nada fazem. Os homens simplesmente gozam o que os anjos fazem para eles. No apenas o Capital produz e o dinheiro trabalha; outros misteriosos seres possuem virtudes similares. Portanto, Oferta, uma quantidade de coisas que so vendidas; e Procura, uma quantidade de coisas que so compradas, determinam o preo, uma quantidade de dinheiro. Quando a Oferta e a Procura se casam num ponto particular do diagrama, elas do luz o ponto de equilbrio dos preos, que corresponde a um estado universal de bem-aventurana. As atividades da vida cotidiana so desempenhadas pelas coisas, e as pessoas so reduzidas coisas ("fatores de produo") durante suas horas "produtivas" e em espectadores passivos de coisas durante o seu tempo de lazer. O mrito do economista consiste em atribuir o produto da atividade cotidiana das pessoas s coisas e em no ver a atividade das pessoas por trs da extravagncia das coisas. Para o economista, ascoisas(por meio das quais a atividade das pessoas regulada pelo capitalismo) so elas mesmas mes e filhos, causas e efeitos de sua prpria atividade.A magnitude do valor - ou seja, do preo da mercadoria, a quantidade de dinheiro pela qual trocada - no determinada pelas coisas mas pela atividade diria das pessoas. Procura e oferta, concorrncia perfeita e imperfeita nada mais so do que formas sociais de produtos e atividades na sociedade capitalista; elas no tm vida prpria. O fato de aquela atividade ser alienada, de que o tempo de trabalho vendido por uma quantidade especfica de dinheiro, de que isso possui um certo valor tem algumas conseqncias para a magnitude do valor dos produtos daquele trabalho. O valor das mercadorias vendidas deve serno mnimoigual ao do tempo de trabalho que nelas foi incorporado. Isto aplicvel tanto firma capitalista como sociedade. Se o valor das mercadorias vendidas pelo capitalista individual fosse menor do que o valor do tempo de trabalho nelas, a firma logo iria falncia. Socialmente, se o valor das mercadorias produzidas for menor do que o valor investido em sua produo, a fora de trabalho no consegue reproduzir-se, nem tampouco reproduzir os capitalistas. Todavia, se o valor das mercadorias for igual ao do tempo investido na sua produo, os trabalhadores reproduzem meramente a si mesmos e a sociedade j no seria uma sociedade capitalista; sua atividade poderia consistir em produo de mercadorias mas no seria uma produo capitalista de mercadorias.Para o trabalho criar capital, o valor dos produtos de trabalho devem ser maiores do que o valor do trabalho. Em outras palavras, a fora de trabalho deve produzir umsobreproduto, uma quantidade de bens que ela no consome e esse sobreproduto deve ser transformado em sobrevalor oumais-valia, uma forma de valor que no apropriada pelos trabalhadores como salrios, mas pelos capitalistas como lucro. Posteriormente, o valor dos produtos do trabalho deve ser ainda maior, porque o trabalho vivo no a nica espcie de trabalho materializado neles. No processo de produo, os trabalhadores gastam sua prpria energia, mas tambm utilizam o trabalho morto, estocado sob a forma de instrumentos, e transformam matrias-primas nas quais foi dispendido um trabalho prvio.Isso leva a um estranho resultado: o valor dos produtos do trabalhador e o valor de seu salrio so de magnitudes diferentes, ou seja, que a quantidade de dinheiro recebida pelo capitalista quando vende as mercadorias produzidas por seus trabalhadores empregados diferente da quantidade que ele paga aos trabalhadores. Esta diferena no explicada pelo fato de que os materiais usados e ferramentas devem ser pagos. Se o valor de uma mercadoria vendida fosse igual ao valor de um trabalho vivo e os instrumentos, no haveria lugar para os capitalistas. O fato que a diferena entre essas duas magnitudes deve ser grande o bastante para sustentar a classe capitalista - no apenas os indivduos, mas tambm a atividade especfica que estes indivduos esto engajados, ou seja, a compra da fora de trabalho. A diferena entre a venda total dos produtos e o valor do trabalho gasto em sua produo a mais-valia, a essncia do capital.Para desvendar a origem da mais-valia necessrio examinar porque o valor do trabalho menor do que o valor das mercadorias produzidas por ele. A atividade alienada do trabalhador transforma materiais com a ajuda de instrumentos e produz uma certa quantidade de mercadorias. Entretanto, quando essas mercadorias so vendidas e os materiais e instrumentos usados foram ressarcidos, os trabalhadores no recebem o valor remanescente como salrios; a eles dado menos. Em outras palavras, durante o dia de trabalho, os trabalhadores exercem uma certa quantidade de trabalho no pago,trabalho forado, pelo qual eles no recebem o equivalente.Esse trabalho no pago, esse trabalho forado outra "condio de sobrevivncia" para a sociedade capitalista. Entretanto, como a alienao, essa condio no imposta pela natureza, mas pelas pessoas, por suas atividades cotidianas. Antes da existncia de sindicatos, o trabalhador individual aceitava qualquer trabalho forado, pois a rejeio do trabalho implicaria que outros trabalhadores o aceitariam, e o trabalhador individual no receberia salrio. Os trabalhadores competiam uns com os outros pelos salrios oferecidos pelos capitalistas; se um trabalhador desistia do emprego por considerar o salrio muito baixo, um trabalhador desempregado no via a hora de substitu-lo, porque para o desempregado um salrio baixo melhor do que salrio nenhum. Essa competio entre trabalhadores chamada de "trabalho livre" pelos capitalistas, que fazem grandes sacrifcios para manter essa liberdade dos trabalhadores, uma vez que foi precisamente essa liberdade que preservou a mais-valia do capitalista e tornou-lhe possvel acumular capital. No por vontade prpria que o trabalhador produz mais mercadorias do que pago para isso. Seu desejo ganhar um salrio o mais alto possvel. Entretanto, a existncia de trabalhadores desempregados, que no ganham salrio algum, e cuja concepo de um salrio alto era consequentemente mais modesta do que a de um trabalhador empregado, fez com que fosse possvel para o capitalista empregar trabalho por um salrio mais baixo. De fato, a existncia de trabalhadores desempregados permite ao capitalista pagar o salrio mais baixo que os trabalhadores estivessem dispostos a receber para trabalhar. Portanto, o resultado da atividade diria coletiva dos trabalhadores, cada um lutando individualmente pelo maior salrio possvel, foi baixar o salrio de todos. O efeito da competio dos trabalhadores, do cada um por si e contra todos os outros, foi que cada um ganhou o mnimo possvel, e o capitalista extraiu o mximo de mais-valia possvel.A prtica diria de todos anula os objetivos de cada um. Mas os trabalhadores no sabem que sua situao resulta de sua atitude diria; suas prprias atividades no so transparentes para eles. Para os trabalhadores, o salrio baixo parece ser uma simples parte natural da vida, como a doena e a morte, e a reduo do salrio uma catstrofe natural, como uma enchente ou um inverno intenso. As crticas de socialistas e as anlises de Marx, assim como o aumento do desenvolvimento industrial que liberou mais tempo para reflexo, retirou alguns dos vus e fez com que os trabalhadores enxergassem alm de suas atividades. Entretanto, na Europa Ocidental e nos EUA, os trabalhadores no repudiaram a forma capitalista da vida cotidiana; eles formaram sindicatos. E em condies materiais diferentes, na Rssia e na Europa Oriental, os trabalhadores substituram a burguesia por um estado burocrtico que compra trabalho alienado e acumula Capital em nome de Marx.Com os sindicatos, a vida cotidiana semelhante ao que era sem eles. Na verdade, quase igual. A vida cotidiana continua a consistir em trabalho (atividade alienada) forado e no pago. O trabalhador sindicalizado no mais negocia os termos de sua alienao; funcionrios do sindicato fazem isso por ele. Os termos pelos quais a atividade do trabalhador alienada no so mais guiados pela necessidade individual do trabalhador de aceitar o que possvel. Agora, os trabalhadores so guiados pela necessidade burocrtica do sindicato de manter sua posio como um intermedirio entre os vendedores e compradores de trabalho.Com ou sem sindicatos, mais-valia no um produto da natureza ou do capital; criada pela atividade cotidiana das pessoas. No desempenho de suas atividades cotidianas, as pessoas no esto somente dispostas a alienar essas atividades, elas tambm esto dispostas a reproduzir as condies em que so foradas a alienar suas atividades, reproduzir Capital e portanto o poder do Capital para comprar trabalho. Isto no porque eles no saibam "qual a alternativa". Uma pessoa que incapacitada por indigesto crnica porque come muita gordura no continua comendo gordura porque no sabe "qual a alternativa". Ou ela prefere ser incapaz de desistir da gordura ou no claro para ela que seu consumo dirio de gordura causa sua incapacidade. E se seu doutor, pastor, professor e poltico diz ela, primeiro, que a gordura o que a mantm viva, e segundo, que eles j fazem tudo que ela faria se ela estivesse bem, ento no surpreende que sua atividade no seja transparente para ela e que ela no se esforce para faz-la transparente.A produo de mais-valia uma questo de sobrevivncia, no para a populao, mas para o sistema capitalista. A mais-valia a poro do valor das mercadorias produzidas pelo trabalho que no retorna aos trabalhadores. Pode ser expressa em mercadorias ou em dinheiro (exatamente como o Capital pode ser expresso como quantidade de mercadorias ou de dinheiro), mas isso no altera o fato de que uma expresso para o trabalho materializado que estocado numa dada quantidade de produtos. Desde que os produtos podem ser trocados por uma "equivalente" quantidade de dinheiro, o dinheiro representa o valor dos produtos. O dinheiro pode, de volta, ser trocado por outra quantidade de produtos de valor "equivalente". O conjunto dessas trocas, que ocorrem simultaneamente na vida cotidiana capitalista, constitui o processo capitalista de circulao. assim que a metamorfose da mais-valia em Capital acontece.A poro de valor que no retorna ao trabalhador, ou seja, a mais-valia, permite a existncia do capitalista, e tambm lhe permite fazer muito mais do que simplesmente existir. O capitalista investe uma poro da mais-valia; ele emprega novos trabalhadores e compra novos meios de produo; ele expande seu domnio. Isso significa que ocapitalista acumula novo trabalho, ambos na forma de trabalho vivo que ele emprega e do trabalho passado (pago e no pago), que estocado nos materiais e mquinas que compra.A classe capitalista como um todo acumula a mais-valia do trabalho da sociedade, mas esse processo ocorre numa escala social e consequentemente no pode ser visto se observarmos apenas as atividades de um capitalista. Cabe lembrar que os produtos comprados por um capitalista como instrumentos tem as mesmas caractersticas dos produtos que ele vende. Um capitalista vende instrumentos para outro capitalista por uma dada quantidade de valor, e apenas uma parte desse valor devolvido aos trabalhadores como salrios, a parte restante mais-valia, com a qual o primeiro capitalista compra novos instrumentos e trabalho. O segundo capitalista compra os instrumentos por um dado valor, o que significa que ele paga pela quantidade total de trabalho extorquida pelo primeiro capitalista, tanto o trabalho pago quanto o trabalho no pago. Isso significa que os instrumentos acumulados pelo segundo capitalista contm o trabalho no pago extorquido pelo primeiro. O segundo capitalista, de volta, vende seus produtos por um dado valor e devolve apenas uma poro de seu valor a seus trabalhadores; ele usa o restante para novos instrumentos e trabalho.Se todo o processo fosse comprimido num nico perodo de tempo, e se todos os capitalistas fossem agregados em um, seria visto que o valor com o qual o capitalista adquire novos instrumentos e trabalho igual ao valor dos produtos que ele no retornou aos produtores. Esse trabalho acumulado em mais-valia capital.Nos termos da sociedade capitalista como um todo, o Capital total igual a quantidade de trabalho no pago efetuado por inumerveis geraes de seres humanos, cujas vidas consistiram na alienao diria de sua atividade. Em outras palavras, o Capital para o qual os homens vendem seus dias de vida, o produto da atividade vendida de homens, e reproduzido e expandido sempre que um homem vende outro dia de trabalho, a cada momento que ele decide continuar vivendo na forma capitalista da vida cotidiana.ESTOQUE E ACUMULAO DA ATIVIDADE HUMANAA transformao do trabalho excedente em Capital a forma histrica especfica de um processo mais geral, o processo de industrializao, a transformao permanente do meio ambiente material do homem.Certas caractersticas essenciais dessa conseqncia da atividade humana sob o capitalismo podem ser compreendidas por meio de uma ilustrao simplificada. Numa sociedade imaginria, as pessoas gastam a maior parte de seu tempo ativo produzindo comida e outras necessidades. A atividade excedente pode ser dedicada produo de alimentos para sacerdotes e guerreiros, ambos improdutivos. Pode, tambm, ser dedicada para produzir bens que so queimados em rituais sagrados ou mesmo usados em cerimnias ou exerccios de ginstica. Em qualquer um desses casos, as condies materiais de existncia dessas pessoas no mudam, de uma gerao para outra, como resultado de suas atividades cotidianas. Todavia, uma gerao pode estocar a produo excedente, em vez de consumi-la. O trabalho excedente estocado da gerao anterior ir prover a nova gerao com uma quantidade ainda maior de tempo de trabalho excedente. Num perodo relativamente curto, o trabalho estocado ir exceder o tempo de trabalho disponvel para qualquer gerao; com o baixo consumo de energia, as pessoas dessa sociedade imaginria seriam capazes de provisionar-se para a maioria das tarefas necessrias e tambm para as tarefas das futuras geraes. A maioria das horas que eles gastaram produzindo utilidades seria agora disponvel para atividades ditadas no pela necessidade mas pela imaginao. primeira vista, no parece razovel que as pessoas se dediquem bizarra tarefa de produzir e estocar excedentes. Isso lhes parece um absurdo: se elas mesmas podem consumir, improvvel que estoquem para futuras geraes o que seria apenas suficiente para realizar um maravilhoso espetculo em dias festivos.Entretanto, se as pessoas no se dispuseram de suas prprias vidas, se sua atividade no lhes pertencia, se sua prtica consistiu emtrabalho forado, ento essa atividade humana alienada pode muito bem ser orientada para a tarefa de estocar tempo de trabalho excedente em receptculos materiais. A funo histrica do capitalismo, funo preservada pelas pessoas que aceitaram a legitimidade de outros disporem de suas vidas, consistiu precisamente na estocagem de atividade humana (valor) em receptculos materiais (mercadorias) por meio do trabalho forado.Quando se submetem ao "poder" do dinheiro para comprar trabalho estocado assim como atividade vital, quando aceitam o ''direito" fictcio de guardadores de dinheiro para controlar e dispor do estocado tanto quanto da atividade vital da sociedade, as pessoas transformam dinheiro em Capital e os donos do dinheiro em capitalistas.Esta dupla alienao, a alienao da atividade vital em trabalho assalariado e a alienao da atividade das geraes passadas na forma de trabalho estocado (meios de produo), no um ato nico da histria. A relao entre trabalhadores e capitalistas no uma coisa que se imps na sociedade em algum momento passado, de uma vez e para sempre. Os homens nunca assinaram um contrato, nem mesmo fizeram um acordo verbal, no qual abdicavam do poder sobre suas atividades e no qual eles desistiam do poder da atividade de todas as geraes futuras, no mundo inteiro.O Capital veste a mscara da fora natural; parece to slido como a prpria terra; seu movimento aparece to irreversvel como as mars; sua crise apareceu to inevitvel como terremotos e enchentes. Mesmo quando se admite que o poder do Capital criado pelos homens, talvez seja meramente para inventar a mscara de uma fora feita pelo homem, um Frankenstein, cujo poder inspira mais terror do que qualquer outra fora natural.Mas o Capital no uma fora natural nem um monstro, criado pelo homem em algum tempo no passado e que desde ento domina a vida humana para sempre.O poder do Capital no reside no dinheiro, desde que o dinheiro uma conveno social a qual no tem mais "poder" do que os homens lhe concedem. Quando o homem se recusa a vender seu trabalho, o dinheiro no executa sequer as tarefas mais simples, porque o dinheiro no "trabalha".(...)Assim que uma pessoa vende seu trabalho para um capitalista e aceita apenas uma parte de seu produto como pagamento, cria condies para compra e explorao de outras pessoas. Nenhum homem daria voluntariamente seu brao ou seu filho em troca de dinheiro. Todavia, quando um homem deliberada e conscientemente vende sua fora de trabalho para adquirir o que necessita para sobreviver, ele no apenas reproduz as condies que continuam a fazer da venda de sua vida uma necessidade para a sua preservao, ele tambm cria condies que fazem da venda da vida uma necessidade para outras pessoas.Para transformar o trabalho excedente em capital, o capitalista tem de descobrir uma maneira de guard-lo em recipientes materiais, em novos meios de produo, e deve empregar novos trabalhadores para ativar os novos meios de produo. Em outras palavras, ele deve aumentar sua empresa, ou comear uma nova empresa noutro ramo de produo. Isso requer a existncia de compradores de novos produtos e a existncia de pessoas que so pobres o suficiente para desejarem vender sua fora de trabalho.Os capitalistas no reconhecem limites ou obstculos para suas atividades; a democracia exige liberdade absoluta para o capital. O imperialismo no apenas o "ltimo estgio" do capitalismo, ele tambm o primeiro.Qualquer coisa que possa ser transformada em em mercadoria lanada no moinho do capital, esteja na terra dos capitalistas ou na terra do vizinho, seja subterrnea ou esteja sobre a terra, no mar ou no ar, em outros continentes ou mesmo outros planetas, todas as conquistas e conhecimentos obtidos pela explorao da natureza, da alquimia fsica, so mobilizados para buscar novos receptculos materiais que estoquem trabalho, para encontrar novos objetos que algum possa ser convencido a comprar.Compradores de velhos e novos produtos so criados por todos os meios possveis. Novos meios so descobertos e "mercados abertos" pela fora e pela fraude. Se falta dinheiro para as pessoas comprarem os produtos dos capitalistas, elas so empregadas pelos capitalistas e pagas para produzir os bens que desejam comprar. Se artesos locais j produzem o que os capitalistas tem para vender, os artesos sero arruinados. Se leis ou tradies probem o uso de certos produtos, as leis e tradies so destrudas. Se as pessoas no tm desejos fsicos ou biolgicos, ento os capitalistas "satisfazem" seus "desejos espirituais" e empregam psicologos para cri-los. Se as pessoas esto to saciadas com os produtos dos capitalistas que elas no podem mais usar outros, elas so ensinadas a comprar objetos e espetculos que no tem uso mas podem ser simplesmente observados e admirados.Os pobres so encontrados em comunidades pr-capitalistas em cada continente. Se eles no so pobres o bastante para desejar vender seu trabalho quando os capitalistas chegam, eles so empobrecidos pelas atividades dos capitalistas. As terras de caadores gradualmente tornam-se "propriedade privada" de "proprietrios" que usam da violncia estatal para restringir os caadores "reservas" que no contm caa suficiente para mant-los vivos. As ferramentas dos camponeses gradualmente tornam-se disponveis apenas para o mesmo comerciante que generosamente empresta-lhe o dinheiro com o qual compraram as ferramentas, at que as "dvidas" dos camponeses so to grandes que eles so forados a vender a terra que nem eles ou qualquer um de seus ancestrais havia comprado. Os compradores de produtos artesanais gradualmente subjugam os vendedores, at chegar o dia em que o comprador decide instalar seus artesos debaixo do mesmo teto, e prov-los com os instrumentos que facilitam-lhes concentrar suas atividades na produo dos itens de maior lucro. Caadores independentes como no independentes, camponeses e artesos, homens livres assim como escravos, so transformados em trabalhadores assalariados. Aqueles que previamente dispunham de suas prprias vidas cessaram de dispor delas precisamente quando mudaram suas condies materiais de vida. Aqueles que, antes, eram conscientes criadores de suas prprias magras existncias tornam-se vtimas inconscientes de suas prprias atividades, mesmo enquanto abolem a magreza de suas existncias. Os homens que foram muito mas tinham pouco agora tem muito mas so pouco.A produo de novas mercadorias, a "abertura" de novos mercados, a criao de novos trabalhadores no so trs atividades em separado; so trs aspectos da mesma atividade. Uma nova fora de trabalho criada precisamente para produzir as novas mercadorias; os salrios recebidos por esses trabalhadores so eles mesmos o novo mercado; seu trabalho no pago a fonte da nova expanso. Barreiras naturais ou culturais no impedem a expanso do capital, a transformao da atividade cotidiana das pessoas em trabalho alienado, a transformao de seu trabalho excedente em "propriedade privada" dos capitalistas. Entretanto, o Capital no uma fora natural; ele uma srie de atividades executadas por pessoas todos os dias; a forma da vida cotidiana; sua contnua existncia e expanso pressupe apenas uma condio essencial: a disposio das pessoas para continuar alienando suas vidas no trabalho e, portanto, reproduzir a forma capitalista da vida cotidiana.Kalamazoo, 1969