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RESENHA DE NOTÍCIAS CULTURAIS Edição 64 [ 17/11/2011 a 23/11/2011 ]

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RESENHA DE NOTÍCIAS CULTURAIS

Edição Nº 64[ 17/11/2011 a 23/11/2011 ]

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Sumário

CINEMA E TV...............................................................................................................4Estado de Minas - Tinta, disciplina e suor ......................................................................................4Folha de S. Paulo - "Tropa de Elite 2" é desclassificado do Globo de Ouro...................................5O Globo - Suprema felicidade / Coluna / Ancelmo Gois..................................................................5O Estado de S. Paulo - Na solidão da cidade.................................................................................5Folha de S. Paulo – Cinema: Holanda celebra documentário brasileiro..........................................6Folha de S. Paulo - Fracasso e solidão guiam personagens de filme mineiro................................7Época - Pelo buraco da fechadura..................................................................................................8Correio Braziliense - Você no controle............................................................................................9Estado de Minas - Para cinéfilos de plantão.................................................................................11Estado de Minas – Brasil exibe seu talento...................................................................................12

TEATRO E DANÇA....................................................................................................12Folha de S. Paulo - Clássico, "O Beijo no Asfalto" revela violência latente de Nelson Rodrigues.12Folha de S. Paulo - Mostra comemora dez anos do grupo XIX de Teatro....................................13Folha de S. Paulo - Atriz busca rejuvenescer em peça de Jô Bilac...............................................14O Globo - São Paulo Companhia de Dança chega hoje ao Rio....................................................15O Estado de S. Paulo - 'A Valquíria' de Wagner volta ao palco do Teatro Municipal após 50 anos......................................................................................................................................................15O Estado de S. Paulo - Da felicidade à loucura.............................................................................16O Estado de S.Paulo - Brasileira e universal.................................................................................18O Estado de S. Paulo - Goldberg e o Ballet dos jovens................................................................19Estado de Minas - Em busca do novo...........................................................................................20O Estado de S. Paulo - 'Cartas de Amor' mistura teatro, vídeo, dança e música..........................21

ARTES PLÁSTICAS...................................................................................................22Folha de S. Paulo - Feira com obras baratas atrai novos colecionadores.....................................22O Estado de S. Paulo - Arte latino-americana reina em Nova York..............................................22O Estado de S. Paulo - Eclético leque de mostras........................................................................23Estado de Minas - Arte feita em aço .............................................................................................24O Globo - Risco Brasil...................................................................................................................24O Globo - Contra o Alfabeto..........................................................................................................28O Globo - Grupo galpão ...............................................................................................................34O Estado de S.Paulo - Triunfo da vontade coletiva.......................................................................35Estado de Minas - Roda da vida....................................................................................................36Estado de Minas - Criando com leveza.........................................................................................37Agência de Notícias Brasil-Árabe - Retratos árabes.....................................................................38Estado de Minas - Visão poética dos objetos................................................................................39

FOTOGRAFIA............................................................................................................40O Globo - Exposição mostra a vida privada de homens públicos em fotografias .........................40Correio Braziliense - O sonho de um museu no planalto..............................................................41Estado de Minas - Registros fotográficos......................................................................................42

MÚSICA......................................................................................................................43Correio Braziliense – Música: Do caipira ao urbano .....................................................................43O Estado de S. Paulo - Dois ídolos em revisão.............................................................................43Correio Braziliense – Na linha de frente .......................................................................................45Estado de Minas - Férias produtivas ............................................................................................46Estado de Minas - Um brasileiro em Nova York ...........................................................................47O Estado de S. Paulo - Mehmari em letra e canto........................................................................48Estado de Minas - Afinidade total..................................................................................................49Estado de Minas - Ao embalo das bandas de praça.....................................................................49Estado de Minas - Mistura bem brasileira.....................................................................................50Estado de Minas – A voz e o tempo..............................................................................................51Folha de S. Paulo - Discografia de Pepeu Gomes volta combinando música e purpurina............52O Globo - Quando a arte desemboca na música..........................................................................53Correio Braziliense - É um pouquinho de Brasil, iá-iá!..................................................................54

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LIVROS E LITERATURA...........................................................................................55Correio Braziliense - Portal de lazer .............................................................................................55Correio Braziliense - No silêncio da noite .....................................................................................56O Estado de S. Paulo- Rolo na tradução.......................................................................................57Época - O romancista tradutor.......................................................................................................58Folha de S. Paulo – Livro reúne textos inéditos da doutora Ruth Cardoso...................................60O Globo - A cidade inventada de Alcione Araújo...........................................................................60Correio Braziliense - Vocação underground..................................................................................61Folha de S. Paulo - Cristovão Tezza faz rara incursão nos contos em "Beatriz"...........................62Folha de S. Paulo - Carência de "espaço" tira brilho das narrativas do escritor............................63

ARQUITETURA E DESIGN........................................................................................64O Globo - Niemeyer no parque .....................................................................................................64Folha de S. Paulo - Design inventivo dos irmãos Campana sofre com rigor.................................65Folha de S. Paulo – Design: Museu da Casa Brasileira anuncia premiados do ano.....................66Folha de S. Paulo - Niemeyer projeta casa de shows no Rio........................................................67Folha de S. Paulo - Novo teatro de Niemeyer parece ter sido criado por fake..............................68O Globo - Legislação impede projeto de Niemeyer no Aterro, diz Iphan.......................................68

POLÍTICA CULTURAL...............................................................................................69Folha de S. Paulo - Orçamento da Cultura não será menor, diz ministra......................................69

MODA.........................................................................................................................70Correio Braziliense - Negritude no penteado.................................................................................70

GASTRONOMIA.........................................................................................................70Folha de S. Paulo - O boi da Amazônia........................................................................................70Folha de S. Paulo - Para críticos, o abate não se justifica............................................................72Istoé - Cerveja com sabores brasileiros........................................................................................72Valor Econômico - Forno de Minas chega a Portugal e aos EUA.................................................73

OUTROS.....................................................................................................................74Folha de S. Paulo - Rio cria circuito histórico para celebrar herança africana..............................74O Globo - Pronto para mais 100 anos...........................................................................................75O Estado de S. Paulo - SP vai ganhar rota turística sobre cultura negra......................................77Istoé - O renascimento da casa dos Buarque de Holanda............................................................78O Globo - O ‘biscateiro’ que faz tudo com prazer..........................................................................80BBC Brasil - Ritual de tribo brasileira é indicado a patrimônio da Unesco....................................82

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CINEMA E TV

ESTADO DE MINAS - Tinta, disciplina e suor

Filme de Luiz Diaz mostra processo criativo do artista plástico mineiro JB Lazzarini, conhecido pelas formas geométricas e por paleta de cores única e inconfundível

Gracie Santos(17/11/2011) JB Lazzarini, de 44 anos, enxerga o mundo com formas geométricas. E traduz seu olhar em pinturas de pequeno e grande portes, com traços que ganham cores fortes, todas criadas em seu organizadíssimo ateliê. Vendo o artista trabalhar, parece que dominar o pincel é fácil; combinar cores, mais simples ainda. Tudo isso pode ser conferido no documentário Metamorfose, com direção de Luiz Diaz e música de Yamandu Costa, que terá lançamento hoje, às 19h, no Museu Inimá de Paula. Curioso no filme (de 23 minutos) é conhecer detalhes do processo criativo do pintor, processo que jamais

poderia ser imaginado. Meticuloso, Lazzarini cataloga suas cores e, antes de traduzir suas ideias em pinturas, cria inimaginável “molde” na tela, numerando cada trecho com o algarismo correspondente à cor.

“É preciso dar condições para a inspiração chegar. Arte é feita com muito trabalho e disciplina, sem chegar ao extremo da caretice, da rigidez”, afirma, explicando que o processo de trabalho com números surgiu a partir do momento em que começou a preparar suas próprias nuances de cores. A organização é premissa básica (“não funciono se tiver tudo bagunçado”). Já o colorido forte, atribui principalmente à mineiridade.

Mas é principalmente em Minas que Lazzarini diz enfrentar maior preconceito do mercado com relação ao excesso de cores de sua obra. “É preciso ter coragem para ousar, não se preocupar com regras de escolas e galerias. Na Guignard, sempre percebi certa tendência a fazer com que o aluno siga determinado caminho. Vi que deveria fazer o que acreditava ou não seria arte mas outra coisa. Prefiro me repetir a buscar referências em outros artistas”, afirma.

Se a natureza é fonte inspiradora, a música é fundamental (o que está bem representado no filme, com músicas de Yamandu Costa). “Yamandu não apenas autorizou a utilização de suas músicas, como disponibilizou quatro inéditas. Há cinco anos, conversando com ele, contei-lhe sobre o título de uma obra minha (Ela e a Lua) e ele prometeu uma canção de mesmo nome. Fez e ela está no documentário”, conta Lazzarini, que se diz ligado à música de Toninho Horta, Juarez Moreira, Gilberto Gil, Rolling Stones, Eric Clapton, Amy Winehouse e do maestro Moacir Santos (“um dos maiores nomes da MPB”).

Personalidade

O diretor Luiz Diaz, de 33, autor de Fé no pé (curta sobre fé e mandinga na Copa do Mundo) e Transitório (documentário poético sobre as barcas de Niterói, Rio), conta que este é seu primeiro filme com um personagem. “Tive vontade de fazer quando conheci suas obras e sua forma de trabalhar. Diante de sua tela fica a curiosidade de saber como ele imagina tudo aquilo. O que se vê em Lazzarini é que ele tem personalidade”, afirma Diaz. Satisfeito com o resultado, o diretor fará novos filmes com o personagem. “As pessoas sempre têm mais a oferecer do que mostram em suas obras. Quando você une criador e criatura tem surpresas. No caso de Metamorfose, é importante que quebre aquele paradigma de que o artista vai para o quarto escuro e pinta compulsivamente. É trabalho como outro qualquer.”

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Em Metamorfose, JB Lazzarini conta que a natureza e a música são suas fontes de inspiração

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FOLHA DE S. PAULO - "Tropa de Elite 2" é desclassificado do Globo de Ouro(17/11/2011) DE SÃO PAULO - O filme "Tropa de Elite 2", de José Padilha, foi desclassificado do Globo de Ouro de 2012 por conta de sua data de estreia.

De acordo com o regulamento da premiação, as produções concorrentes a melhor filme estrangeiro precisam ter estreado entre 1º de novembro de 2010 e 31 de dezembro de 2011. "Tropa de Elite 2" estreou no Brasil em outubro de 2010.

De acordo com o produtor Marcos Prado, a desclassificação foi fruto de uma "desatenção" em relação aos detalhes do regulamento.

"A gente não quer ganhar o Globo de Ouro. A gente só pensa em ganhar o Oscar", brincou o produtor.

Segundo ele, o Globo de Ouro funciona como uma alavanca para filmes americanos, mas é menos importante na campanha de filmes estrangeiros à estatueta. Os indicados ao Oscar serão anunciados no dia 24 de janeiro. A premiação ocorrerá no dia 26 de fevereiro.

O GLOBO - Suprema felicidade / Coluna / Ancelmo Gois

(17/11/2011) O filme “A suprema felicidade”, de Arnaldo Jabor, vai abrir o 4o- Festival do Cinema Brasileiro em Moscou, dia 23.

O ESTADO DE S. PAULO - Na solidão da cidade

Misto de documentário e ficção, filme de Sérgio Borges situa personagens no limite da marginalidade

LUIZ CARLOS MERTEN

(18/11/2011) Sérgio Borges tem se surpreendido com a reação do público a O Céu Sobre os Ombros. Vencedor dos Candangos de melhor filme e direção em Brasília, no ano passado, O Céu é pequeno, possui uma estrutura não convencional e sua história é um pouco diluída. O diretor faz questão do 'pouco', porque diz que a história foi feita com a clara intenção de propor uma evolução dramática dos personagens - "e eles evoluem".

"O público tende a julgar os personagens num primeiro movimento, mas depois a evolução da própria narrativa leva as pessoas a olharem o trio de forma diferente. São personagens multifacetados, que não se pode reduzir a um estereótipo." Esses personagens são a travesti Everlyn, o escritor Lwei Bakongo e o seguidor de hare krishna Murari. São personagens solitários, que vivem no limite da marginalidade e todos possuem uma ligação muito forte com a escrita. É necessário que a empatia do espectador por eles - e pelo filme - se estabeleça para a plena fruição de O Céu, mas, pensando bem, quando não é assim? Se o público não se interessa pelos personagens nem pela história, qual a chance de, mesmo assim, se interessar pelo filme?

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Sérgio Borges pertence ao grupo mineiro Teia. Seu cinema propõe um misto de documentário e ficção - um híbrido. Com a ajuda de uma diretora de elenco, Borges selecionou cerca de 120 possíveis personagens. Eles tinham de satisfazer aos critérios já estabelecidos - solidão, marginalidade, escrita - e mais. "Todo mundo constrói personagens para se situar no mundo, mas eu queria pessoas que, claramente, elaborassem personas para nortear-se. E queria que suas histórias parecessem impossíveis, inacreditáveis."

Dessa combinação, ou dessas exigências, saíram quatro personagens, mas um deles foi eliminado no processo de montagem de O Céu. Sérgio Borges ficou com Everlyn, Lwei e Murari Krishna. É, como ele diz, um filme de processo. Borges teve uma ajuda imprescindível, a da roteirista Manuela Dias. Trabalhando com ela, ele criou um roteiro que não levou ao set. O filme foi feito muito em cima da observação do trio, mas o diretor admite que jogou os atores em situações que criou à revelia deles. Por exemplo, ele pediu a um editor, seu amigo, que telefonasse para Lwei enquanto o filmava. Surgiu aquela conversa em que o próprio Lwei fica em dúvida se o livro deve ser editado.

Outro diálogo provocado foi a cena do bar, com a mulher que puxa o papo sobre suicídio. E, claro, a mãe das cenas 'provocadas' de O Céu é a da relação sexual dentro do carro, quando o espectador fica em dúvida se Everlyn, como profissional do sexo - ela não gosta da definição -, transou mesmo com o cliente. Num debate na Mostra, Everlyn fez mistério e devolveu a pergunta "O que vocês acham?"

A roteirista Manuela Dias é casada com Vinicius Coimbra e roteirizou com (e para) o marido o longa que ele adaptou de A Hora e a Vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa. Manuela também foi a roteirista de O Transeunte, de Eryk Rocha. São filmes diversos. Um de recorte mais clássico, os outros dois híbridos de documentário e ficção, mas com personagens (o idoso de O Transeunte, o trio nos limites da marginália de O Céu) também diferentes, embora compartilhem a solidão urbana.

"Ela foi muito importante na elaboração do que eu pretendia lograr, mesmo que não tivéssemos um roteiro formal, para ser seguido durante a filmagem", avalia o diretor. Borges seguiu seus atores - os quatro, reduzidos a três -, durante um mês. Trabalhou com duas câmeras HDV, uma delas operada pelo fotógrafo Ivo Lopes Araújo a outra por ele mesmo. Reduzir tudo isso a menos de duas horas foi "muito doloroso", ele confessa. Ele ouve a objeção do repórter - leia o texto abaixo. Lwei fica nu quase todo o tempo, mas faz uma ginástica danada para não mostrar a genitália, o que cria um paradoxo. O naturista vira antinatural - "Ele realmente esconde no começo, mas ao posicionar a perna daquele jeito criou um efeito escultórico muito interessante." Afinal, trata-se de um filme. 'Estética' e linguagem são tão importantes quanto 'ética'. Nos festivais de que O Céu participou, os espectadores reagiram com respeito e curiosidade pelos personagens, mas agora é a hora da verdade. Borges está louco para saber como será a reação do público 'normal', mesmo sabendo que essa 'normalidade', de perto, não existe.

FOLHA DE S. PAULO – Cinema: Holanda celebra documentário brasileiroFestival em Amsterdã exibe amostra da produção nacional com filmes de João Moreira Salles e José Padilha

Eduardo Coutinho é tema de retrospectiva; sua obra mais recente compete com longa do alemão Werner Herzog GABRIELA LONGMAN, DE SÃO PAULO

(18/11/2011) Em novos rumos para a história, o Brasil invade a Holanda. Se, no século 17, pintores como Frans Post vieram retratar a paisagem nacional, nesta semana é a vez de os documentaristas brasileiros aportarem em Amsterdã.

Eduardo Coutinho, Marcelo Masagão e João Moreira Salles, entre outros, desembarcam por lá para mostrar as possíveis novas caras do país, os novos olhares.

O cinema documental brasileiro feito nos últimos dez anos é o centro de uma mostra temática do IDFA (International Documentary Film Festival Amsterdam), que inaugurou anteontem sua 24ª edição. Até 27 de novembro, serão exibidos 13 longas e seis curtas na seção intitulada Paradocs do Brasil.

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A seleção inclui "Uma Noite em 67", de Ricardo Calil e Renato Terra, que obteve bom público por aqui ao lembrar a final do Festival de Música Popular Brasileira da Record.

Exibe também o emblemático "Ônibus 174", de José Padilha -o diretor não estará presente, ocupado com a estreia de "Tropa de Elite 2" nos EUA e com a produção do novo "Robocop", mas fala com o público via Skype.

"O Brasil se tornou um centro de produção relevante, com uma linguagem própria e estimulante", sugere Ally Derks, diretora do festival, em entrevista por telefone.

A partir de um interesse pela diversidade do que é produzido, ela programou debates, convidou brasileiros para o júri e montou uma retrospectiva de filmes de Eduardo Coutinho, com "Santo Forte", "Edifício Master", "Peões" e "Jogo de Cena".

O recente "As Canções" está na mostra competitiva, com "Into the Abyss" (para dentro do abismo), de Werner Herzog, e "Letters from Iran" (cartas do Irã), de Manon Loizeau, entre outros. INTERCÂMBIOS

O contato entre o festival e o Brasil é antigo. Faz mais de dez anos que Derks frequenta o É Tudo Verdade a fim de se aproximar da produção brasileira e latino-americana.

Na mão inversa, Amir Labaki, diretor da mostra brasileira, vai desde 1996 a Amsterdã. Foi jurado em diversas edições e atua agora como consultor internacional.

"O cinema de Coutinho é baseado no diálogo, no falar brasileiro. É um cinema difícil de traduzir, de legendar, o que explica que tenha demorado mais para ser descoberto lá fora", sugere Labaki.

O ciclo acontece com um evento maior intitulado Brasil Festival Amsterdam. Ao longo de outubro e novembro, uma mostra brasileira -patrocinada por empresas privadas- reúne exposições e atrações musicais, como Egberto Gismonti.

FOLHA DE S. PAULO - Fracasso e solidão guiam personagens de filme mineiroCrítica Ficção/Documentário

Vencedor do Festival de Brasília em 2010, "O Céu sobre os Ombros" acha tom certo entre a realidade e a ficção CÁSSIO STARLING CARLOS, CRÍTICO DA FOLHA

(18/11/2011) As ficções costumam ter dois tipos de personagens. Os que conhecemos ao longo das narrativas e os que temos a impressão de conhecer ou reconhecer assim que entramos nos relatos. "O Céu sobre os Ombros" faz parte da segunda espécie.

O primeiro longa do diretor mineiro Sérgio Borges foi o grande vencedor do Festival de Brasília do ano passado, no qual abocanhou cinco prêmios.

Borges integra o coletivo Teia, grupo de criação audiovisual que se projetou com uma proposta bem-sucedida de experimentar modulações narrativas em documentários que expandem as fronteiras do gênero.

A estratégia comum ao grupo, de adotar rigor formal para chamar a atenção para camadas invisíveis da existência, marca fortemente "O Céu sobre os Ombros". O longa segue três personagens que perambulam numa franja indeterminada entre realidade e ficção.

Everlyn, "Lwei" e Murari são nomes estranhos de pessoas comuns como aquelas com que esbarramos cotidianamente. Solidão e doses maiores ou menores de sentimento de fracasso os definem e os tornam semelhantes à maioria.

Em vez de falsear um relato para arrancar os três da insignificância, "O Céu sobre os Ombros" prefere captar os desejos deles -um modo de fazer reconhecer como eles são significativos.

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Amor é uma palavra que circula no concreto, pintada num muro ou à venda nas variantes da prostituição praticada pelos personagens. A falta dele os move numa direção que parece aleatória.

Nesse desnorteamento, seus rumos cruzam o nosso. Em vez de olhares, trocamos pontos de vista e o que recebemos de volta nos devolve à humanidade.

ÉPOCA - Pelo buraco da fechadura

Com texto intimista, Lícia Manzo brilha em sua primeira novela

MARTHA MENDONÇA

(21/11/2011) Ela é a nova cronista da família na televisão brasileira. Mais precisamente, da nova família. Lícia Manzo, autora da atual novela das 6 da Rede Globo, A vida da gente, escreve como quem olha pelo buraco da fechadura, com foco na intimidade dos lares. Já foi apontada como uma espécie de Manoel Carlos de saias. Ela se assemelha ao veterano novelista na escolha de sua temática, mas dá um passo à frente ao enfatizar, em sua trama, os novos arranjos familiares e afetivos. Segundos casamentos, meios-irmãos, padrastos, madrastas, laços sem sangue. “Há bastante tempo, as famílias não são mais pai, mãe, filhos e um cachorro. E os novos arranjos são matéria-prima para muitas histórias interessantes”, afirma.

O público tem aprovado a primeira novela de Lícia. Já nos primeiros capítulos, em outubro, A vida da gente bateu recorde de audiência no horário (picos de 29 pontos e 45% dos televisores ligados), com a história do triângulo amoroso de duas irmãs com o

“quase-irmão”, filho do padrasto das moças. A trama traz questões familiares comuns, mas nem sempre retratadas nas novelas atuais, que costumam enveredar por acontecimentos mais grandiosos. Na novela de Lícia, há a mãe que prefere uma das

filhas, Ana, uma tenista em ascensão, em detrimento de outra, Manuela, que tem um pequeno defeito físico.

Há o estranhamento causado pelo amor entre dois jovens criados como irmãos e que terão um filho. E uma mulher que, na volta de um período em coma, percebe que o mundo seguiu seu curso sem ela, e a irmã casou-se com o pai de sua filha. É como um folhetim que gira em torno dos sentimentos de cada personagem. “Meu interesse natural é o olhar sobre o indivíduo, a perspectiva micro. Se vejo um filme de guerra, minha maior atenção vai ser aquele momentinho em que o soldado fala da mãe”, diz Lícia.

Com uma fotografia deslumbrante, esculpida pelo diretor Jayme Monjardim, a novela vai contra as atuais crenças televisivas sobre a importância do ritmo ágil e mostra cenas longas e diálogos mais densos. Em alguns momentos, lembra Pantanal – sucesso do próprio Monjardim na extinta TV Manchete –, mas com grandes closes humanos no lugar dos cenários naturais. Ele se diz “encantado” com o texto de Lícia. “As palavras soam muito naturais, fluem como na vida real”, diz.

Antes de fazer a novela, Lícia foi redatora de séries de humor como Sai de baixo, A diarista e Retrato falado. A ponte para o mundo das novelas aconteceu depois que ela criou a série Tudo novo de novo, que foi ao ar há quase dois anos e contava, com drama e humor, o dia a dia de dois descasados com filhos, que decidiam reconstruir a vida juntos. Embora só tenha havido uma temporada, a série,

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DESCOBERTA

Lícia Manzo na sala de seu apartamento, no Rio. “Estou feliz de perceber que há um espaço autoral real dentro das novelas”, diz (Foto: Stefano Martini/ÉPOCA)

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estrelada por Alexandre Borges e Júlia Lemmertz, serviu para que Lícia mostrasse seu poder na narrativa das relações humanas. Não passou muito tempo até que recebesse o convite para fazer novela. “Ela é uma revelação”, diz Mauro Alencar, doutor em teledramaturgia brasileira e latino-americana. “Eu a comparo a Machado de Assis, pela forma íntima como constrói e expõe seus personagens.”

Antes de chegar à TV, Lícia aprimorou suas habilidades no teatro. É dela um dos maiores sucessos recentes dos palcos: A história de nós dois, há três anos em cartaz (primeiro no Rio de Janeiro, agora em São Paulo). O texto, indicado ao Prêmio Shell, conta a história de um casal que está se separando e, em flashback, mostra os papéis diferentes que as pessoas encarnam dentro do casamento. Na semana passada, estreou no Rio um novo espetáculo da autora: Aquela outra. A peça é encenada por duas mulheres – uma dona de casa que vive nos anos 1950 e uma executiva dos dias atuais. Ambas, frustradas, ambicionam o que a outra tem e, num determinado ponto, criam um diálogo sobre o universo feminino nas últimas décadas. “Gosto de escrever menos sobre os atos e mais o que vai na mente dos personagens”, afirma a autora.

De uma família de classe média da Zona Sul do Rio, Lícia, de 46 anos, estudou em escola de freiras. Não gostava. Adolescente, quis fazer teatro. “Descobri que a distorção num ambiente era virtude em outro”, diz. Foi atriz dos 15 aos 30 anos, integrando o Grupo Além da Lua. Conta que também escrevia um pouco, fazia cenários e figurinos. Aos 28 anos, formada na faculdade de comunicação e fazendo mestrado em literatura brasileira, ainda morava com os pais. “O teatro não me dava independência financeira.” Alguns anos depois, começou a fazer textos teatrais. Um diretor da Globo gostou de um dos espetáculos e a chamou para fazer roteiros na TV. Não saiu mais.

Ao lado de João Emanuel Carneiro (de A favorita) e da dupla Thelma Guedes e Duca Rachid (Cordel encantado), Lícia é uma das grandes apostas da emissora nas novelas. “Nunca pensei em escrever novelas. Na verdade, tinha um pouco de medo dessa produção em escala industrial. Mas estou feliz de perceber que existe um espaço autoral”, diz Lícia. Para fazer um trabalho diferente, ela escalou oito colaboradores que também jamais escreveram novelas. Um deles é Marcos Bernstein, um dos roteiristas do filme Central do Brasil. Outra é a escritora e blogueira Tati Bernardi, expoente do humor no mundo dos relacionamentos. “Meu objetivo é apresentar um texto novo, fresco”, afirma Lícia.

Separada e mãe de Clara, de 12 anos, Lícia tem uma rotina de trabalho organizada. Caminha de manhã cedo no Jardim Botânico, perto de seu apartamento, no bairro vizinho da Gávea, já com a trama povoando seus pensamentos. Chegando em casa, trabalha até o fim da tarde, quando para e assiste ao capítulo da novela. Depois, fala ao telefone com o diretor Monjardim. “Somos dois chatos perfeccionistas”, diz. Brincando, os dois se referem um ao outro pelo nome de uma das vilãs da novela, a treinadora de tênis Vitória, vivida por Gisele Fróes. Quando a novela terminar, Lícia quer um ano de descanso. “Escrever, para mim, é uma forma de entender o mundo, de alquimizar as experiências. Por isso, preciso parar e simplesmente viver”, afirma. Ela espera que sua estreia em novelas tenha final feliz.

CORREIO BRAZILIENSE - Você no controle

Brasília ganha a primeira mostra de filmes interativos da América Latina. Serão 15 produções nacionais e estrangeiras

Felipe Moraes

(22/11/2011) O responsável pelas virtudes e pelos defeitos de um filme é o seu diretor. Mas seria possível, nem que fosse por alguns segundos, inverter as posições? E o espectador, mesmo no conforto da poltrona do cinema, tomar as rédeas da história e do destino dos personagens? Na seleção da Mostra Internacional de Filmes Interativos, em cartaz de hoje a 4 de dezembro, no Centro Cultural Banco do Brasil, 15 títulos brasileiros e estrangeiros respondem positivamente a essas questões, permitindo várias possibilidades de interferência do público durante as projeções. “A plateia molda segundo o que ela gostaria que acontecesse — um casal terminando junto, por exemplo — ou escolhe ver o que nunca viu. Além de ser algo inovador, as pessoas têm uma nova dinâmica, interagem e se divertem”, ilustra Filipe Gontijo, curador e diretor do brasiliense A gruta, presente na programação.

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Seria equivocado categorizar “interativo” como um gênero consolidado de filmes. Mas eles guardam características semelhantes: baixo orçamento, produção coletiva — às vezes universitária —, divulgação por meio das redes sociais, lançamento via internet e preferência por narrativas de suspense, comédia ou terror. O comportamento, define Gontijo, é o de um fenômeno independente e disperso, que ocorre tanto nos Estados Unidos quanto no Leste Europeu. “E exibir no cinema dá um diferencial enorme. Muitos filmes são feitos para a tela do computador ou em formato DVD. Quando você coloca o público para jogar junto, existe um fator ainda mais aleatório: o poder de escolha da maioria”, continua.

Novidades como o terror Twixt, que, segundo as pretensões do diretor Francis Ford Coppola, pode variar de acordo com a reação dos espectadores em cada sessão — cenas adicionais, sequências encurtadas ou alongadas e alterações na trilha sonora, por exemplo —, sinalizam que o filme interativo é uma alternativa plausível para o cinema de arte e até para a indústria do entretenimento. “A gente tentou trazer para a mostra, mas não conseguiu. O envolvimento de Coppola num projeto assim dá uma boa legitimada no filme interativo”, diz Gontijo.

No Brasil e em IsraelDe Bauru, interior de São Paulo, Bruno Jareta apresenta O labirinto, finalizado no último semestre do curso de rádio e tevê, na Universidade Estadual de São Paulo (Unesp). No thriller, rodado com

apenas R$ 3 mil e uma equipe de seis pessoas, o espectador é quem decide quais rumos os personagens devem seguir. Jareta, que participará de mesa-redonda sobre a produção de filmes interativos no Brasil (dia 30, às 20h15, no CCBB), acredita que o estilo e suas variáveis de interferência ainda carecem de identidade. “Acho que existe público. Mas tem que despertar também interesse de empresas e instituições. A gente teve grande dificuldade para exibir o filme por causa do formato. A mostra aproxima os resultados do público e cria um espaço de convivência para os realizadores”, analisa.

O israelense Nitzan Ben-Shaul, de Turbulência, apresenta no Brasil um drama “hipernarrativo”, sobre três amigos que se encontram em Nova York vinte anos após um acontecimento decisivo na vida do trio. Ele explica: “hiper-narrativo se refere a uma divisão crescente de trajetórias a partir da interação. Quero dizer, não apenas uma transição audiovisual por associação, mas braços narrativos, o que significa que as transições devem sempre manter a sensação de causa, coerência, fluência de imagens e conclusões”.

Inscrito numa das mesas de bate-papo (2 de dezembro, às 20h50), Ben-Shaul enxerga possibilidades de diálogo da tela com o público em todos os gêneros: interatividade significa muito mais que o simples poder de manipulação dos personagens, como ocorre em qualquer jogo eletrônico. “Um jogador procura ganhar habilidades,

pontos e vitórias. Uma experiência narrativa não é sobre isso. Elas são ambíguas, contam histórias que soam reais. Acho que os filmes interativos foram dominados por aspectos de jogabilidade dos games, e isso é um problema, não uma qualidade”, avalia.

Não perca

O homem e sua casa (1967)De Radúz Cincera(República Tcheca). Comédia, 63min. Primeira sessão: hoje, às 19h.Primeiro filme interativo da história do cinema, exibido na Expo 67, em Montreal (Canadá), a comédia de humor negro acompanha as angústias do protagonista, Novák, diante de seu apartamento em chamas. E ele conta com a ajuda dos espectadores para poder evitar a destruição total do imóvel.

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Ressaca: cenas de um Brasil e uma família em crise, nos anos 1980 (Eny Miranda/Divulgação)

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Os sete suspeitos (1985)De Jonathan Lynn (Inglaterra). Comédia/suspense, 94min. Primeira sessão: hoje, às 17h.Adaptação do game de tabuleiro Detetive, a fita de mistério desenrola-se numa mansão sombria, onde seis pessoas são envolvidas na investigação de um misterioso assassinato. A plateia precisa escolher um entre os três finais disponíveis. A fita deve ganhar uma refilmagem programada para 2013.

Carinho e cuidado (1997)De David Wheeler (EUA). Drama, 117min. Primeira sessão: amanhã, às 19h.Ritmo e narrativa são definidos segundo questionários psicológicos feitos com o público, que conhece as dores de um casal que acaba de perder a filha num acidente de carro. O voto popular, distribuídoem questões morais, conduz o desenvolvimento emocional dos personagens.

Ressaca (2008)De Bruno Vianna (RJ). Aventura/drama, 100min. Primeira sessão: sábado, às 21h.Ambientado num período instável da política e economia brasileiras, entre 1984 e 1994, o filme se equilibra entre as crises de uma família suburbana e de um país em momento crítico. É editado e musicado em tempo real pelo diretor, através de uma tela tátil (a Engrenagem), e por um compositor de trilha sonora. O processo é chamado por Vianna de live cinema (“cinema ao vivo”).

Turbulência (2010)De Nitzan Ben-Shaul (Israel). Suspense, 83min. Primeira sessão: 1º de dezembro (quinta-feira), às 21h.Usando tablets e smartphones com o sistema operacional Android, o público pode interferir no reencontro do trio principal, composto de amigos israelenses que se veem novamente depois de 20 anos. Alguns aparelhos serão distribuídos na projeção, mas os espectadores podem utilizar seus próprios dispositivos.

ESTADO DE MINAS - Para cinéfilos de plantão

Blog da Associação Brasileira de Críticos de Cinema congrega desde o espectador à classe cinematográfica, postando críticas, debates e discutindo casos em que houve censura

Thaís Pacheco

(22/11/2011) Está no ar o blog da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). O endereço (http://abraccine.wordpress.com) é puro deleite para quem gosta de ler o que os críticos têm a dizer. No blog são reunidas as principais críticas sobre a sétima arte e tudo que a envolva, com uma vantagem: uma vez que o blog é produzido pelos próprios críticos, recebe, por vezes, textos informais ou exclusivos. São críticas, debates, reflexões e uma reunião de pensamentos.

“A ideia da Abraccine de debater e refletir aparece como uma disposição da associação em intervir bastante no debate sobre o cinema em todos os aspectos e possibilidades”, define o crítico Luiz Zanin Oricchio, presidente da entidade.

Como exemplo, ele cita o caso do longa A serbian film, censurado em várias cidades do país. “São casos que consideramos bastante graves. Logo que isso ocorreu, a associação foi uma das primeiras entidades a se manifestar firmemente contrária”, conta Zanin.

Ele diz que a associação de críticos do Rio Grande do Sul organizou um debate no Festival de Gramado e os convidou, além de um jurista, encarregado pela classificação etária dos filmes. “Foi extremamente esclarecedor”, conclui. O resultado do debate foi postado no blog da Abraccine.

Além das questões práticas e políticas, há o debate técnico e filosófico. “Ao ler o post sobre Capitães de areia, você percebe que reunimos uma série de opiniões, tentando destrinchar e ler essa produção como um produto da contemporaneidade”, explica o crítico Heitor Augusto, um dos responsáveis pela atualização do blog.

Na quarta-feira passada, o filme Amanhecer, nova produção da saga Crepúsculo, também ganhou um post com três textos de críticos diferentes. Não se tratava de análise do filme e sim do que uma

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superprodução como essa, que invade milhares de salas, representa para o público e para o cinema brasileiro.

Durante a 35ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, a obra do cineasta Elia Kazan foi discutida entre os críticos, numa troca de e-mails. Para continuar o debate, a conversa foi copiada e colada no blog, com o pedido de participação de outros críticos e leitores.

Acesso democráticoO blog é destinado a qualquer pessoa. “Absolutamente todos interessados em cinema. Desde o público espectador à classe cinematográfica. Quem faz, produz, dirige, distribui… A ideia é que todas as discussões que tentamos levantar sejam dialogadas com seus atores”, avisa Heitor. Mais que isso, a ferramenta permite acesso democrático. “Uma vez que a associação tem abrangência nacional, leitor do Nordeste pode ter acesso a um texto publicado apenas no Sudeste”, diz.

Criado recentemente, o blog começou a funcionar junto à criação da associação, durante a última edição do Festival de Cinema de Paulínia, em julho. Mas já apresenta rico conteúdo, atualizado por três profissionais da área: Heitor Augusto (www.cineclick.com.br), Cid Nader (www.cinequanon.art.br) e Alysson Oliveira (www.cineweb.com.br). A proposta é que a atualização seja, no mínimo, semanal. “A participação dos associados tem sido intensa. Então, estamos conseguindo mais que isso”, celebra Heitor.

De acordo com Zanin, a entidade já tem mais de 70 sócios de 14 estados. “Ela surge para ser suprarregional e nasce para que essa atividade de crítico de cinema seja congregada em nível nacional, sem bairrismos e com a participação das associações estaduais. Para manter a interlocução entre as pessoas”, conta.

Zanin avisa que o objetivo maior da Abraccine é, justamente, melhorar a atividade e o discurso sobre cinema. “A intervenção do crítico não se dá como antes, por meio de jornais e revistas especializadas. Há blogs, sites, críticos atuando em rádio e TV. A gente contempla toda essa modernidade da atuação e trazemos todo mundo para a associação, para colocar todos em contato, ver dificuldades, abordagens e crescer e amadurecer como categoria”, garante.

ESTADO DE MINAS – Brasil exibe seu talento

(23/11/2011) De hoje a domingo, em Moscou, será realizada a Mostra de Cinema Brasileiro na Rússia. A suprema felicidade, de Arnaldo Jabor, abrirá a programação. Serão exibidos 10 filmes com legendas em russo.

Foram selecionados lançamentos recentes como O bem-amado, de Guel Arraes, e Viajo porque preciso, volto porque te amo, de Marcelo Gomes e Karim Aïnouz, além de O primo Basílio, de Daniel Filho; Jean Charles, de Henrique Goldman; e O contador de histórias, de Luiz Villaça, rodado em Belo Horizonte.

Mesas de debates terão a participação da atriz Denise Fraga, produtora de O contador de histórias, e do diretor Luiz Villaça. O cineasta Henrique Goldman, de Jean Charles, também estará em Moscou.

Já participaram do evento Eduardo Coutinho, Beto Brant, Sandra Kogut, Vinícius de Oliveira, André Abujamrae Dan Stulbach.

TEATRO E DANÇA

FOLHA DE S. PAULO - Clássico, "O Beijo no Asfalto" revela violência latente de Nelson Rodrigues

Crítica/Teatro LUIZ FERNANDO RAMOS, CRÍTICO DA FOLHA

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(17/11/2011) O teatro da crueldade brasileira. "O Beijo no Asfalto", encenação de Marco Antônio Braz da peça de Nelson Rodrigues (1912-1980), tem o dom de revelar, na linguagem coloquial do dramaturgo, sua violência latente. É como se as relações passionais que se apresentam ecoassem uma brutalidade primitiva, característica de um Brasil arcaico.

Escrita em 1960 e incluída entre as "tragédias cariocas" do dramaturgo, por combinar um desenlace trágico com a dicção e os hábitos dos subúrbios do Rio de Janeiro, "Beijo no Asfalto" tem uma trama bem-acabada.

A partir de um atropelamento, Nelson arma uma cadeia de fatos verossímeis em que um homem bom tem a honra atirada à lama e a vida destruída por um capricho do destino.

A direção de Braz, um especialista no autor, opta por alcançar camadas menos óbvias do texto. Mantém o rapaz atropelado e morto logo no início como um vulto sempre presente e, ao modo Brecht, os demais intérpretes todo o tempo em cena, ora como espectadores confundidos com o público, ora encarnando seus personagens.

A interferência mais incisiva, contudo, ocorre no tratamento das palavras e no que elas podem sugerir aos atores e atrizes na composição de seus trabalhos.

É nessa exploração, que faz reverberar no desenho físico dos corpos e no espaço cênico a agressividade implícita dos discursos, que o espetáculo se diferencia. É como se, por trás de falas de aparência pitoresca, emergisse uma terrível impiedade.

Nem sempre essa alternativa é bem-sucedida, pois, em alguns casos, a interpretação exacerbada descamba para a caricatura, como no caso da vizinha fofoqueira.

Em outros, como no caso do delegado corrupto que chuta barriga de mulher, o aspecto brutal dos personagens vem à tona.

Renato Borghi, a estrela da montagem, faz o sogro de Arandir, o jovem que beijou na boca um atropelado moribundo. Do alto de sua experiência, dá o diapasão aos jovens atores do Círculo dos Canastrões.

Seu companheiro da companhia Teatro Promíscuo, Élcio Nogueira, intenso como o inescrupuloso repórter, parece disputar o protagonismo.

Lívia Ziotti, como a cunhada solidária de Arandir, e Hudson Senna, como o próprio, também se destacam. No caso de Senna, é um achado sua caracterização como um ser espiritualizado e misericordioso, mas frágil no enfrentamento do mal.

Se Nelson Rodrigues hoje é um clássico, suas peças ainda desafiam os encenadores com muitas possibilidades de leitura. No caso dessa montagem, transparece uma enorme força destrutiva nas falas dos seres por ele imaginados.

FOLHA DE S. PAULO - Mostra comemora dez anos do grupo XIX de TeatroCompanhia celebrizada por "Hysteria" e "Hygiene" exibe seis espetáculos desenvolvidos durante oito meses de investigação(17/11/2011) DE SÃO PAULO - O grupo XIX de Teatro está acostumado a habitar o passado. Apresenta continuamente seu repertório, composto por obras premiadas como "Hysteria", que se passa num hospício do século 19, e "Hygiene", ambientada num cortiço carioca do mesmo período. Mas agora, ao comemorar uma década de existência, a companhia mira apenas o futuro. A partir desta semana, apresenta a Mostra XIX dos Núcleos de Pesquisa, na qual exibe o resultado de oito meses de investigação.

Foram gerados seis espetáculos distintos, que Luiz Fernando Marques, diretor do coletivo, prefere classificar como experimentos.

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Cada um foi elaborado por um integrante do grupo. "Queríamos um lugar de intercâmbio e de reciclagem para o grupo poder experimentar propostas, se transformar e voltar modificado para a criação da nossa nova peça", diz Marques.

No ciclo, Rodolfo Amorim debruçou-se sobre a ausência da memória em "Negativo da Memória", obra que transpõe ao palco sintomas do mal de Alzheimer. Janaina Leite aprofundou sua pesquisa sobre a relação entre realidade e representação em "Possibilidades para uma Cena Documental".

Marques desenvolveu "Aquele Outro Eu que Agora É Você". Se os espetáculos do XIX nascem de intervenções na cidade, neste exercício tal prática é radicalizada. Cabe aos espectadores a tarefa de explorar a cidade.

Cada integrante do público faz uma viagem pela rua Augusta. As tarefas a cumprir são diferentes, e o trajeto é sempre acompanhado por um ator. A ideia é estimular o espectador a pensar em um momento decisivo de sua vida, "aquele que fez você tomar uma decisão de para que lado seguiria", na definição de Marques.

Quem aceita o desafio tem de permanecer no jogo por uma hora. "Queríamos que o público lançasse um novo olhar sobre a cidade e sobre sua individualidade", completa Marques.(GM)

FOLHA DE S. PAULO - Atriz busca rejuvenescer em peça de Jô BilacLucélia Santos é dirigida pelo filho em "Alguém Acaba de Morrer Lá Fora"

Peça conta a história de um encontro entre três estranhos num bar cujos destinos são alterados por série de mortes GABRIELA MELLÃO, DE SÃO PAULO

(17/11/2011) Em "Alguém Acaba de Morrer Lá Fora", espetáculo que estreou no último final de semana em São Paulo, a atriz Lucélia Santos, 54, revigora-se ao lado de Jô Bilac, autor do texto e um dos mais prestigiados dramaturgos surgidos recentemente. A atriz é dirigida por seu filho Pedro Neschling, 29, cuja carreira desponta na cena teatral carioca.

"Enceno essa peça com a perspectiva de me atualizar artisticamente e me tornar assim, sob a direção de Pedro, nascido de mim, uma atriz também contemporânea", disse ela à Folha.

Lucélia acompanhava à distância o trabalho de Bilac. Pediu um texto a ele, que lhe enviou um trabalho inédito, do início de sua carreira, com a ressalva de que talvez fossem necessários ajustes.

"Montamos o texto sem mexer uma linha", conta Lucélia. "Jô é um autor de seu tempo, tira as pessoas da rua e as coloca no palco do jeito que elas falam, de forma inteligente e talentosa. Seus diálogos têm a agilidade e a maluquice de um [Quentin] Tarantino", completa.

"Alguém Acaba de Morrer Lá Fora" é inicialmente um texto realista. Enfoca três estranhos em um bar. Cada um ocupa uma mesa e está à espera de uma pessoa.

A misteriosa Laura, interpretada por Lucélia, deseja acertar as contas com alguém que está para chegar.

Cláudio, um homem solteiro em busca de amor, aguarda uma mulher com uma rosa na mão. Marcela, jovem professora de inglês insatisfeita com a vida, espera a irmã, com quem divide um conjugado no centro.

Após a apresentação dos personagens, a trama se fragmenta. Jô expõe quatro finais possíveis para a história.

O destino de cada um dos personagens é alterado por conta de mortes que ocorrem do lado de fora do bar.

É uma tentativa do dramaturgo de brincar com o destino. "Queria discutir os encontros da vida, o acaso, a sorte, a lei da atração e do imprevisto, a violência e o milagre de estar vivo", avalia Bilac.

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Para Pedro Neschling, Jô apresenta uma sucessão de possibilidades sobre o mesmo fato, cujo resultado é "um nada". "O texto não é pretensioso. É raso e evidencia justamente o quanto as pessoas são rasas hoje em dia", completa a atriz.

"Ao abordar a ideia de morte, embaralho a sorte do dia, redimensiono o banal e dou proporções de trágico à vida cotidiana", filosofa o autor do texto.

O GLOBO - São Paulo Companhia de Dança chega hoje ao Rio

Entre as quatro coreografias que estarão no Municipal, a primeira montagem brasileira de ‘Sechs tänze’, de Jirí Kylián

Audrey Furlaneto - Especial para O GLOBO

(17/11/2011) O bailarino manauense Marcelo Gomes fala português com sotaque americano. Há 14 anos, deixou o Brasil para integrar o American Ballet Theatre e, desde 2002, é primeiro- bailarino da companhia com sede em Nova York. Gomes estará no palco do Teatro Municipal do Rio hoje e sábado, às 21h, e no domingo, às 17h, na estreia da São Paulo Companhia de Dança no Rio de Janeiro. Os ingressos custam entre R$ 10 e R$ 40.

— Dançar no Brasil não é só uma experiência artística, quando se é brasileiro. É mais emocionante ser aplaudido por uma plateia de seu país — diz Gomes, que dividirá a

coreografia “Tchaikovsky Pas de Deux”, de George Balanchine, com a bailarina americana Isabella Boylston. Trata-se de um pas de deux virtuoso, repleto de saltos, piruetas e exigências técnicas.

— Mas o maior desafio está na musicalidade, já que todos os passos correspondem à música, e o bailarino pode dar textura, alongar as frases musicais — ele conta. — Cada vez que danço, faço diferente.

O repertório das apresentações cariocas é eclético: inclui a clássica “Theme and variations”, obra das mais representativas de Balanchine, e as contemporâneas “Sechs tänze”, de Jirí Kylián, e “Inquieto”, composta por Henrique Rodovalho especialmente para a São Paulo Companhia de Dança.

— São obras instigantes para a plateia porque exploram peças clássicas e atuais, com exigências diferentes — afirma Inês Bogéa, que foi bailarina do grupo Corpo por 12 anos e, agora, é uma das diretoras da companhia paulista. — Balanchine é cheio de desafios técnicos. Já Jirí Kylián pede rapidez de movimentos, brinca com as máscaras que usamos. Por fim, Henrique Rodovalho usa gestos do cotidiano para explorar as diversas formas de inquietude — explica Inês.

A companhia de São Paulo é primeira no Brasil a montar uma obra de Kylián. Composta em 1986, “Sechs tänze” agrega à dança o humor e oferece uma espécie de resposta crítica aos valores da época em que Mozart compôs sua “Sechs deustsche tänze KV 571”.

“Inquieto”, de Henrique Rodovalho, leva ao palco três bailarinos: um, quase imóvel, revela sua inquietude em movimentos curtos, outro percorre o cenário, e o terceiro se desdobra em dez, em diferentes intérpretes.

Prestes a completar quatro anos, em janeiro de 2012, a companhia paulista traz ao Rio seus 40 bailarinos e fará, além da programação normal, uma apresentação gratuita hoje, às 15h, para estudantes, e uma no domingo, às 11h. Os ingressos custarão R$ 1.

O ESTADO DE S. PAULO - 'A Valquíria' de Wagner volta ao palco do Teatro Municipal após 50 anos

O retorno da obra, após tanto tempo, fez da produção a mais aguardada da temporada lírica deste ano

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“INQUIETO”, de Henrique Rodovalho, incorpora gestos do cotidiano

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JOÃO LUIZ SAMPAIO

(17/11/2011) Quando o deus Wotan e a valquíria Brunhilde subirem hoje ao palco do Teatro Municipal de São Paulo, não estarão rodeados pela paisagem rochosa que antecede a entrada no Valhalla, a casa dos deuses da mitologia nórdica. Vão se deparar com cenários que evocam uma sala de ex-votos de Aparecida do Norte, no interior de São Paulo - apenas um aspecto do diálogo entre a mitologia e a cultura brasileira que está no centro da concepção da montagem de A Valquíria, ópera de Richard Wagner, que estreia hoje.

Encenada pela última vez em São Paulo nos anos 50 (e, antes disso, nos anos 20), A Valquíria é a segunda parte da tetralogia O Anel do Nibelungo, estreada por Wagner em 1876. O retorno da obra, após tanto tempo, fez da produção a mais aguardada da temporada lírica deste ano. E a expectativa não para por aí: estaríamos diante do primeiro passo de uma montagem completa do Anel, inédita em São Paulo?

Responsável pela regência do espetáculo, o maestro Luiz Fernando Malheiro, diretor do Festival Amazonas de Ópera, no qual produziu o Anel entre 2002 e 2005, é cauteloso. "Sou um maestro convidado no Municipal e não é meu papel discutir a programação", diz. Ele se confessa, no entanto, feliz de poder voltar à obra -

e ajuda a explicar a sua importância. "A questão é que, quando falamos em Wagner, especialmente no caso do Anel ou de Tristão e Isolda, estamos tratando de obras que foram importantes não apenas para a história do gênero e da música como um todo, mas também para todas as áreas da criação artística, que de alguma forma dialogam até hoje com conceitos instituídos por Wagner, como o de obra de arte total", diz ele, no intervalo do ensaio realizado na tarde de domingo.

O diretor cênico André Heller-Lopes concorda - e nos últimos meses estruturou sua produção em torno do diálogo possível do universo wagneriano com a cultura brasileira. Wagner, diz, com o Anel, participou ativamente do processo de formação da cultura alemã. No fim do século 19, no Brasil, se falava da criação de uma Ópera Nacional, em consonância com o momento de discussão do que seria a cultura brasileira. "Estamos acostumados a tratar como brasileiro apenas aquilo que é folclórico, mas isso é redutor. Nós somos africanos, folclóricos, imigrantes, religiosos. E é a convivência da diferença que cria o momento especial que o País vive. Na nossa vida cultural, cabem diversas manifestações - e a ópera é uma delas."

A Valquíria narra a história do deus Wotan que, na busca por um mundo baseado no amor, corrompe-se e é confrontado com sua própria falibilidade. "O que a ópera aborda, fundamentalmente, são as relações humanas, a relação do homem com Deus, do homem com o poder. Na saga da queda dos deuses, do surgimento de uma nova raça livre, está também a discussão da nossa identidade cultural. O grande desafio é unir esse conceito moderno com o tradicional, o clássico que é minha formação como diretor especializado em ópera", diz o diretor. "E quando nos damos conta de que estamos no mesmo palco que, em 1922, abrigou a Semana de Arte Moderna, que também discutiu à sua maneira a identidade nacional, o conceito se fechou na minha mente."

O elenco da produção reúne cantores brasileiros e estrangeiros. A soprano escocesa Lee Bisset divide com a brasileira Eiko Senda o papel de Sieglinde; o tenor gaúcho Martin Mühle será Siegmund e a meio-soprano paulista Denise de Freitas, Fricka; o baixo americano Gregory Reinhart interpreta Hunding; Brunhilde será vivida pela também americana Janice Baird e o alemão Stefan Heidemann canta o papel de Wotan. Mônica Martins, Maíra Lautert, Keila de Moraes, Laura Aimbiré , Veruschka Mainhard, Lídia Schäffer, Adriana Clis e Elayne Casehr interpretam as oito valquírias, reponsáveis pela famosa Cavalgada.

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O tenor Martin Mühle como Siegmund em cena do segundo ato de 'A Valquíria' - Tiago Queiroz/AE

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O ESTADO DE S. PAULO - Da felicidade à loucura

Conto de Dostoievski sobre o fardo do amor inspira Domingos Oliveira

MARIA EUGÊNIA DE MENEZES

(18/11/2011) "Ele é muito melhor que todos os outros", sentencia Domingos Oliveira quando se põe a falar de Dostoievski. "Um observador da alma humana maior do que Shakespeare." A lista de elogios que o dramaturgo tece ao escritor é extensa. Eloquente. E dá conta da admiração que o fez debruçar-se sobre a obra do russo para erigir Um Coração Fraco.

A montagem, que abre hoje temporada no Sesc Santana, é um projeto antigo. No Natal de 1985, Domingos entregou a versão de presente para sua mulher, Priscilla Rozenbaum. Queria que ela, outra devota do autor de Crime e Castigo, assumisse a encenação. "Eu nunca quis dirigir. Por mais de 30 vezes fiz assistência de direção. Ainda continuo achando que é mais divertido atuar, mas agora achei que tinha chegado a hora", resume a atriz. "Outra coisa que me motivou foi a vontade de mostrar um Dostoievski. Acho importante fazer isso e me sentia capaz."

O resultado já foi visto no Rio, passou pelo Festival de Curitiba e chega agora a São Paulo. Com mais de 50 peças no currículo, Domingos Oliveira ainda traz poucas de suas produções à cidade. "Pena, porque sempre achei que em São Paulo me entendem melhor", observa ele.

Na cidade, o espetáculo será encenado com novo elenco. Caio Blat, que estava na primeira temporada, é substituído por Rodrigo Pandolfo. Caberá a ele encarnar o protagonista Vássia, um homem incapaz de lidar com a própria felicidade. Pobre, o frágil rapaz tem uma relação de cumplicidade com o amigo Arkaddi (Cadu Fávero) e se desestrutura ao encontrar o grande amor. Apaixonado por Lisanka (Ludmila Rosa), decide se casar. E, para viver ao lado deles, leva a sogra, o cunhado e Arkaddi.

Decidido a sustentar a casa, passa a trabalhar incansavelmente. Assume um compromisso que renderia um dinheiro extra. Mas não consegue concentrar-se em nada que não seja a própria ideia de amor. "Somos, em geral, amortecidos para os grandes sentimentos. O grande companheirismo, a grande lealdade, o grande amor. E tudo em Dostoievski é grande", diz Priscilla. "No caso dessa história, é possível pensar como a gente se boicota quanto à nossa felicidade. Sempre achando que vai dar errado, que a gente não merece."

Será por não se considerar merecedor desse afeto que Vássia vai enlouquecer. "Ele não consegue entender por que ele, logo ele, teria sido escolhido entre tantos para ser feliz", considera a diretora.

O processo que conduz um homem à loucura é tema mais do que explorado pela dramaturgia e a literatura. A genialidade de Dostoievski, considera Domingos Oliveira, está na forma como ele descreve a experiência. "A primeira vez que li esse conto eu chorei três dias. E até hoje, quando vejo a peça, ainda choro."

Transpor o universo de Dostoievski para a cena não é tarefa das mais triviais. Em cada uma de suas obras embaralham-se o traço do folhetim, os rompantes românticos, o olhar filosófico, as crises do indivíduo, as reflexões sobre fé, moral, ética.

À complexidade temática acresce-se ainda a extensão de cada uma das histórias. Pelos volumes portentosos, desfilam muitos personagens. Cada um deles representantes de um olhar particular, todos detentores de uma voz que dificilmente pode ser eliminada sem prejuízo para o resultado final.

Alguns alcançam maior ou menor sucesso na ingrata missão da adaptação. Recentemente, a diretora Cibele Forjaz conseguiu levar com brilho as mais de 700 páginas de O Idiota ao palco. O mesmo livro também ensejou outra bela versão do encenador lituano Eimuntas Nekrosius.

"Mas sempre escapa alguma coisa", decreta Domingos Oliveira, descrente da capacidade de capturar a essência do autor. "Isso porque não são os acontecimentos que importam. Nem sequer o que está sendo dito importa. Conta o caminho interno dos personagens", diz, lembrando que nem Albert Camus obteve êxito ao resolver adaptar o romancista russo.

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Tal descrença do dramaturgo na fidelidade de uma transposição do livro para o palco ajuda a explicar por que escolheu uma criação tão curta de Dostoievski. "Também não tenho nenhuma paciência para essas peças com quatro ou cinco horas de duração. Essa convenção cinematográfica - de que a história tem entre 1h30 e 2h30 - não é à toa."

Para fazer jus ao conto em que se inspirou, o dramaturgo somou aos diálogos breves narrativas. A fim de elucidar determinadas motivações, os próprios personagens se encarregam de contar aquilo que escapa à encenação. Mas Domingos segue acreditando que existe algo que também não está ali. "Ele não escreve sobre a realidade. Escreve sobre o mistério."

O ESTADO DE S.PAULO - Brasileira e universal

Montagem de A Valquíria no Municipal propõe diálogo estimulante entre Wagner e a cultura brasileira

(21/11/2011) As óperas de Richard Wagner são um caso à parte no repertório operístico. Não são necessariamente mais populares do que suas primas italianas ou francesas. Mas, quando sobem ao palco, títulos como Tristão e Isolda ou O Anel do Nibelungo movimentam expectativa que extravasa o universo da ópera, ainda mais quando ficam tanto tempo longe de um palco, como aconteceu com A Valquíria, segunda parte do Anel, que voltou na noite de quinta ao Teatro Municipal, após mais de 50 anos.

Soprano Janice Baird como Brunhilde em espetáculo que teve como destaque a regência de Luiz Fernando Malheiro

Em sua complexidade e tamanho - quatro óperas em um total de quase 16 horas de música - o Anel é parte indiscutível da tradição cultural do Ocidente: bebeu em fontes como as sagas mitológicas e o pensamento de Schopenhauer, motivou textos de autores como Nietzsche e Bernard Shaw, misturou-se à história com a apropriação que sofreu do Terceiro Reich. Por tudo isso, estabelecer uma produção que respeite o original e ao mesmo tempo o reapresente de maneira viva e significativa para nossa cultura é um enorme desafio, vencido pelo diretor André-Heller Lopes e sua equipe, em uma Valquíria brasileira e, ao mesmo tempo, universal.

Na concepção de Heller-Lopes, o primeiro ato se passa em um apartamento da classe média urbana e o terceiro, em um campo no qual a cavalgada das valquírias evoca as Cavalhadas, recriação abrasileirada das batalhas medievais realizada anualmente em Pirenópolis, no interior de Goiás. Em ambos os momentos está sugerido o diálogo da tradição europeia com a cultura brasileira, mas é o segundo ato, no qual a entrada do Valhala, a terra dos deuses, transforma-se em uma sala de ex-votos de Aparecida do Norte, que oferece o eixo fundamental da dramaturgia do diretor.

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Ao trabalhar sobre personagens e temas da mitologia, Wagner investiga a relação do homem com o poder, com Deus, consigo mesmo. Tudo aquilo que o anel oferece a quem o controla, diz o diretor, é menos importante do que a maldição que ele carrega. O poder, então, se opõe ao sentimento. E está estabelecido assim o diálogo com o sincretismo do povo brasileiro, em uma sala de ex-votos que evocam ao mesmo tempo a crença cristã, a fé em Deus - e o paganismo que a relativiza. Assim, o diretor parte do universo de Wagner ara repensá-lo à luz de uma outra cultura, em um espetáculo eficiente tanto em termos simbólicos quanto narrativos, ponto alto da programação dos últimos anos.

Vocalmente, a Valquíria do Municipal teve um elenco homogêneo e de alto nível: o Siegmund comovente de Martin Müehle; a Sieglinde frágil de Lee Bisset; a intensidade da Fricka de Denise de Freitas; o Hunding autoritário de Gregory Reinhart; o Wotan sensível e inteligente musicalmente de Stefan Heidemann; a Brunhilde eficiente de Janice Baird; as oito valquírias, com destaque para Keila de Moraes, Adriana Clis e Lidia Schaeffer. O ponto alto, no entanto, foi a regência de Luiz Fernando Malheiro que, após um primeiro ato um pouco frio, estabeleceu narrativa de enorme intensidade dramática, atenta a momentos-chave do discurso musical, como o monólogo de Wotan no segundo ato, o dueto de Brunhilde e Siegmund ou a cena final, a música do adeus e do fogo mágico.

A pergunta, agora, é se esta Valquíria credencia o Municipal para um Anel completo, a ser realizado a partir do ano que vem. Cenicamente, seria estimulante ver o diretor André Heller-Lopes desenvolver o conceito aqui apresentado nas demais óperas do ciclo. Em termos musicais, um desempenho menos errático da Sinfônica Municipal seria desejável. Talentos individuais, no entanto, sobram na orquestra - e, nesse sentido, um Anel poderia simbolizar, enfim, o comprometimento artístico com um projeto a longo prazo que tanta falta tem feito ao Teatro Municipal.

O ESTADO DE S. PAULO - Goldberg e o Ballet dos jovens

Obra de Tíndaro Silvano se mostra adequada à formação de um grupo coeso em Minas

HELENA KATZ , ESPECIAL PARA O ESTADO

(21/11/2011) O Ballet Jovem Palácio das Artes, de Belo Horizonte, estreou uma criação de Tíndaro Silvano, seu primeiro diretor (2007-2009), que agora nele atua como coreógrafo convidado. Tíndaro montou Goldberg com as Goldberg Variations que Bach compôs em 1741 para melhorar a qualidade das noites de insônia do Conde Hermann Karl Von Keyserling.

Desejando uma versão "mais suingada para ficar mais próxima do elenco", como declarou em conversa com o Estado, Tíndaro escolheu a que o Jacques Loussier Trio gravou. Com 12 obras no seu repertório, o grupo participa do circuito dos festivais competitivos e já se apresentou em 17 cidades brasileiras. No ano passado, Andrea Maia, ex-Balé da Cidade de São Paulo, assumiu a sua direção.

O modelo de uma segunda companhia acoplada a um grupo oficial foi inventado por Jiri Kylian em 1978, quando dirigia o Nederlands Dance Theater. O objetivo era oferecer uma experiência profissional a talentos promissores entre 17 e 22 anos, de modo a completar a sua formação.

Parece simples, mas não é porque esbarra na questão que mais inquieta a área hoje: como se capacita um bailarino a enfrentar a diversidade de danças que agora invade os palcos? No tempo em que o balé era a língua artística que quase todos falavam, era bem mais fácil.

Vejamos o caso específico do Ballet Jovem do Palácio das Artes. No quesito idade, seu elenco já não pode ser enquadrado na rubrica de Ballet Jovem, com uma média que se equipara a de muitas companhias profissionais. Isso não constitui um entrave ao seu projeto, pois há que manter candidatos a bailarinos em cena, apresentando-se para o público, para que aprendam por si mesmos a diferença entre fazer bem uma aula e dançar bem. Em quatro anos, 14 de seus bailarinos foram contratados por outras companhias.

Mas há um traço circunstancial relevante que, no momento, cabe ser observado. O Ballet Jovem é agora uma "segunda" companhia sem sintonia artística com a "primeira", que Sônia Mota dirige desde março do ano passado. As duas, companhias financiadas com dinheiro público, coabitam no Palácio

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das Artes, instituição mantida pelo governo de Minas Gerais - o que as torna as companhias oficiais de Minas Gerias.

O caminho artístico do Ballet Jovem reproduz o tradicional perfil das companhias oficiais de dança: um rodízio de coreógrafos, tendo como meta treinar o bailarino para a diversidade da produção contemporânea. E, como sucede com todas, ao invés da pretendida especialização em cada linguagem coreográfica, o que ocorre é uma pasteurização delas. O corpo não consegue, com o tempo que é investido em cada criação, estabilizar as sutilezas que distinguem um coreógrafo do outro.

O programa dançado pelo Ballet Jovem, que reuniu duas outras obras à estreia de Goldberg - Sostenuto, de Luis Arrieta (2010), com música de Rachmaninoff, e Iungo, de Adriaan Luteijn (2008), com música de Chopin - confirma essa impossibilidade. E, ao mesmo tempo, confirma também a adesão do Ballet Jovem ao perfil tradicional de companhia oficial. Goldberg, de Tíndaro Silvano, dançado pelos 22 bailarinos da companhia, se ajusta nele. E contribui porque tempera as oportunidades de desenvolver técnica com as de construir presença em cena - o que ainda não está lá, no que se vê no palco, mas, com o tempo, pode vir a estar, pois o elenco parece bastante empenhado.

A companhia dedica a temporada ao jornalista, crítico, professor e diretor Marcelo Castilho Avelar, morto de enfarte aos 50 anos, no dia 1º. Preparou um vídeo com imagens suas assistindo o ensaio. Muitos lugares do Brasil nos quais atuou sentirão a falta da sua argumentação bem fundamentada. Ele soube dosar competência e generosidade.

ESTADO DE MINAS - Em busca do novo

Thaís Pacheco

(23/11/2011) A Companhia Teatral Pierrot Lunar completa 18 anos em 2011. Desde janeiro o grupo vêm realizando diversas apresentações e eventos para comemorar a maioridade. Participou da Campanha de Popularização do Teatro e da Dança, estreou o primeiro espetáculo de rua da história do grupo, Acontecimento em Vila Feliz, de Aníbal Machado, e ocupou a própria sede como espaço cultural.

Chegado o fim de novembro e, com ele, a proximidade do fim do ano, a trupe decidiu fazer uma grande celebração de amanhã até sábado, apresentando os três espetáculos do atual

repertório e o já badalado Bazar de Histórias, que chega à sétima edição. A agenda inclui Atrás dos olhos das meninas sérias, amanhã; Sexo, sexta-feira; e Acontecimento em Vila Feliz, no domingo.

Otimismo Quando para e reflete sobre estes 18 anos, uma das fundadoras do grupo, a atriz Neise Neves, comemora o sucesso de seus projetos. “Para resumir, foram 18 anos de puro amor ao ofício”, diz. “Enfrentamos dificuldades, mas encontramos muitas alegrias que superam as dificuldades.”

Mas, afinal, se uma companhia chega aos 18, é mais fácil celebrar porque se completa mais um ano, ou tentar entender como conseguiu a proeza numa área tão penosa? “Não é um ofício ingrato ou difícil. É muito prazeroso, e a comemoração é em relação às conquistas. É para a frente que vamos olhar. Há altos e baixos. Houve uma época que recebemos muitos ‘nãos’ e decidimos usá-los como mola propulsora para nossos ‘sins’. Diga não para a gente que vamos fazer isso se tornar sim em algum momento”, garante Neise.

É com esse otimismo e paixão que a atriz conta que a trajetória da Pierrot Lunar foi de reinvenção, com um marco especial: “Foi Atrás dos olhos das meninas sérias, em 2007, que nos mostrou a pesquisa que fazemos hoje, de usar texto literário. Tínhamos feito Alice (1996), mas sabíamos que aquilo podia virar nosso mote”.

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A companhia remonta a peça Atrás dos olhos das meninas sérias (Guto Muniz/Divulgação)

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Neise conta que foi a peça que deu a cara da companhia nos últimos anos, sem fechar portas para outras possibilidades. “A entrada do Juarez Dias como diretor trouxe essa pesquisa. Hoje estamos nos aprofundando na encenação de textos literários, o que não impede que a gente extrapole e amplie nossos conceitos. Mais que diversificar, a ideia é ampliar.”Mas tudo que a Pierrot Lunar faz, de acordo com a atriz, tem um objetivo principal: levar um trabalho rico para o público. E essa continuará sendo a meta, que pode ser enriquecida. “E sempre aberto a novas parcerias, sangue novo. Sempre trabalhando com velhos parceiros, mas procurando novas cabeças e tendências, antenados com o que está por vir e o universo em que estamos atuando.”

Saiba mais

Pierrot Lunar

A razão social é Cia. Teatral Trupe Pierrot Lunar, nascida em dezembro de 1993, com fonte de inspiração do nome em peça musical dodecafônica de Arnold Schoenberg, Pierrot Lunaire, e ciclo de poemas de Albert Giraud. O objetivo era “pensar e experimentar a interpretação coletivamente, reunindo talentos, pessoas, ideias, inspirações e pulsões criativas em direção a algo maior”, como descrito no próprio currículo do grupo, fundado por dois alunos do Centro de Formação Artística da Fundação Clóvis Salgado, o Cefar, Neise Neves e Léo Quintão. Desde então, foram sete espetáculos, uma cena curta, uma leitura dramática e o Palco BH, primeiro guia de artes cênicas de Belo Horizonte; o Bazar de Histórias, que promove a integração entre espectador e artista; o Café com Cinema, que resgata o cinema de bairro gratuito; e a curadoria e produção do 21º Encontro Sesi de Artes Cênicas em Araxá (MG). O grupo encenou autores clássicos, como García Lorca e Lewis Carroll; modernos, como Beckett; e também contemporâneos, como Edmundo de Novaes Gomes, Branca Maria de Paula e André Sant’Anna, e uma grande diversidade de linguagens cênicas, a partir do trabalho com distintos encenadores, como Wilson Oliveira, Cida Falabella, Fernando Mencarelli, Juarez Guimarães Dias e Léo Quintão.

O ESTADO DE S. PAULO - 'Cartas de Amor' mistura teatro, vídeo, dança e música

É teatro. Mas essa não é, certamente, a única definição para "Cartas de Amor", espetáculo que estreia hoje no Centro Cultural Banco do Brasil. Com o subtítulo de "Electropoprockoperamusical", a montagem pretende-se uma incursão por vários gêneros. "São muitas camadas. Não é só teatro. Mas é também cinema e musical e ópera e performance e dança. Tudo isso cruzando o mesmo espaço", considera Flavio Graff, que assina a direção ao lado de Emilio de Mello.

Para compor o trabalho, que já foi visto no Rio e em Brasília, Graff debruçou-se sobre a temática amorosa. Em breves histórias, examinam-se as incontáveis possibilidades do afeto. "Fala-se muito da impossibilidade, da incomunicabilidade. Tentamos tratar o amor por uma outra perspectiva. Que possibilidades se abrem a partir de um olhar da generosidade, da gentileza. Aspectos que, comumente, a gente não foca no amor", argumenta Graff.

Tal olhar multifacetado para as relações conjugais acaba se confirmando não apenas como uma opção temática. Mas como um caminho estilístico. A multiplicidade reverbera na própria estrutura da peça. Isso tem a ver com o apelo a várias linguagens artísticas. Só que não para por aí. Também encontra eco no lugar privilegiado que o espectador parece ocupar na criação. "É um trabalho que não está pronto. Só se faz pronto com o olhar do espectador", diz o diretor. Nesse sentido, a encenação delega à plateia a função de editar aquilo que quer ver. Sem eleger um foco ou um único centro de atenção. "É como se o espectador fosse o montador de um filme. Damos a ele muitas possibilidades de enquadramento dentro do espaço do espetáculo. Será ele que terá que escolher para onde e quando vai olhar."

Foi com esse intuito que deslocou-se o público para o centro do espaço. Recobriu-se toda a área da plateia do teatro do CCBB com uma plataforma - com dimensões de 4m x 9m. Dessa forma, aqueles que assistem e os atores devem estar lado a lado.

Ao redor deles, imagens projetadas reiteram a estética do videoclipe - outra das opções declaradas do encenador. "Não queria trabalhar a ideia do musical tradicional, que vem da ópera e do teatro. Queria também usar essas coisas, mas partindo muito dos conceito do cinema."

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A preocupação com o espaço, que mais se assemelha a uma instalação, revela o percurso de Graff também como diretor de arte. Intérprete e dramaturgo ligado ao grupo carioca Cia. Teatro Autônomo, ele desenvolveu uma trajetória paralela, atuando como cenógrafo de espetáculos como "Sonho de Outono" e "Deus da Carnificina". "Esse trabalho veio juntar esses lugares da dramaturgia e da cenografia", diz Graff.

ARTES PLÁSTICAS

FOLHA DE S. PAULO - Feira com obras baratas atrai novos colecionadoresParte começa hoje em São Paulo com trabalhos de no máximo R$ 15 mil

Comprar múltiplos de artistas consagrados e apostar em nomes jovens é o primeiro passo para colecionar SILAS MARTÍ, DE SÃO PAULO

(17/11/2011) Trocando um vício por outro, o designer Albino Papa diz que deixou de "torrar dinheiro" com roupas de grife e começou a comprar obras de arte. "Quando comecei a colecionar, perdi esse peso na consciência de gastar igual um desesperado", conta ele. E cada vez mais gente decidiu usar a fome consumista para montar coleções de arte num universo de feiras e galerias que se multiplicam -em São Paulo, cinco novas casas abriram no último ano.

"Não é gente rica que nasceu em berço de ouro", resume Juliana Freire, da galeria Emma Thomas. "São pessoas que deixam de comprar um carro e andam de bicicleta e metrô para poder comprar alguma obra de arte."

De olho nesse público, e aproveitando a expansão do mercado, uma nova feira, a Parte, abre hoje em São Paulo com obras de até R$ 15 mil.

São peças originais de jovens artistas, entre desenhos, esculturas e pinturas, além de múltiplos de nomes já consagrados no circuito global.

"Se você gosta de gente mais famosa, deve comprar múltiplos", ensina Lina Wurzmann, uma das diretoras da feira. Mas ela lembra ainda que há vários jovens artistas "superbacanérrimos".

Juliana Lowenthal, advogada que hoje tem uma coleção de 26 obras, lembra ter se apaixonado por um desses bacanas anos atrás e desde então não parou de comprar.

"Adorei o desenho da Chiara Banfi, uma plantinha daquelas que você assopra", conta Lowenthal. "Quando a mosquinha pica, você não para mais, mas é importante se envolver com a obra."

No caso dela e de outros colecionadores iniciantes, é mais uma questão de amor, gosto ou vício do que de investimento, já que muitos dos artistas ainda não têm carreira estabelecida no terreno pedregoso das artes visuais.

"É igual arrumar uma namorada, tem que olhar e ver se bate", diz Fabio Cimino, da galeria Zipper. "Só quando a obra passa a valer um monte de dinheiro, ela é vista como uma reserva de capital."

O ESTADO DE S. PAULO - Arte latino-americana reina em Nova York

Recorde do leilão na Christie's é do colombiano Botero

TONICA CHAGAS, ESPECIAL PARA O ESTADO, NOVA YORK

(17/11/2011)Com valores até cinco vezes maiores que os da estimativa mais alta que tinham, obras de Alfredo Volpi (1896-1988), Antonio Bandeira (1922-1967), José Pancetti (1902-1958), Hércules Barsotti (1914-2010) e Franz Weissmann (1911-2005) alcançaram recordes de preço para seus autores no principal leilão de arte latino-americana da Christie's de Nova York esta semana. "A arte brasileira brilhou esta noite", comemorou Virgilio Garza, chefe do departamento responsável pelas

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vendas, no fim da sessão na terça. Quatro dessas obras - três delas vindas da coleção da Olivetti do Brasil - ficaram entre os dez lotes arrematados pelos preços mais altos. Segundo Garza, "isso prova que há um tremendo interesse em arte brasileira e por trabalhos que são frescos no mercado, com estimativas competitivas".

Bandeirinhas Estruturadas, uma têmpera sobre tela que Volpi pintou por volta de 1966, registrou o quarto maior preço da noite. Avaliado entre US$ 250 mil e US$ 350 mil, o quadro foi disputado por dois compradores via telefone, alcançou US$ 700 mil no martelo e, acrescido da comissão da Christie's, saiu por US$ 842,5 mil. O recorde anterior para um Volpi em venda pública era de outra têmpera, de 1960 e com o mesmo tema que distingue o pintor, adquirida por US$ 192 mil também na Christie's, em novembro de 2005.

O valor mais alto do leilão de anteontem foi pago por um colecionador europeu pelo bronze Dancers (2007), de Fernando Botero; avaliada entre US$ 1,5 milhão e US$ 2 milhões, a escultura foi comprada por US$ 1,76 milhão (incluída a comissão da Christie's), marcando recorde para esse tipo de trabalho do artista colombiano. Dancers foi seguido em preço por outro casal de dançarinos de Botero, um óleo sobre tela de 1982, vendido para marchands sul-americanos pelo valor final de US$ 986,5 mil. Vaca Roja (1975), óleo e areia sobre tela de Francisco Toledo avaliado entre meio milhão e US$ 700 mil, também marcou recorde de preço para obra do mexicano ao ser vendido por US$ 902,5 mil.

Dois dos lotes - e recordes para seus pintores - mais aplaudidos foram os óleos sobre tela Blue Streets, que Bandeira pintou em Londres, em 1955, e Abaeté (Série Bahia, n.º 28), um Pancetti de 1957. O primeiro, que pertencia a um colecionador londrino e era estimado entre US$ 60 mil e US$ 80 mil, entrou na lista dos dez preços mais altos com o valor final de US$ 482,5 mil pago por um comprador representado pela própria Christie's; Abaeté, oferecido por uma coleção particular americana segundo indicou a casa, foi uma das obras com maior número de interessados e, comprada por telefone, multiplicou a estimativa de US$ 60 mil a US$ 80 mil para o preço final de US$ 362,5 mil.

Vindo da coleção da Olivetti como o quadro de Volpi, o óleo sobre tela de Di Cavalcânti O Homem e a Máquina (1966) ilustrou a capa do catálogo da Christie's e também entrou na lista dos dez mais: cotado entre US$ 200 mil e US$ 300 mil, foi adquirido por telefone por US$ 386,5 mil. Da coleção da Olivetti saíram mais dois recordes: para o escultor austro-brasileiro Weissmann, com Estructura (1969), estimada entre US$ 60 mil e US$ 80 mil, comprada por US$ 386,5 mil e um dos lotes na lista dos dez maiores preços; e para Barsotti, com a acrílica sobre tela de 1966 Losango - Proposição Multilegível I, avaliada entre US$ 40 mil e US$ 60 mil e adquirida por US$ 170,5 mil em lance por telefone feito pelo mesmo comprador que levou o Volpi.

O ESTADO DE S. PAULO - Eclético leque de mostras

Centro Maria Antonia abriga ciclo e exibe acervos da USP

CAMILA MOLINA

(18/11/2011) O néon rosa formando a palavra Hotel, que a artista Carmela Gross já colocou na fachada do prédio da Fundação Bienal de São Paulo em 2002, está agora no hall de entrada do Centro Universitário Maria Antonia. A obra, que a partir da escritura com luz simboliza a ideia de transitoriedade, pode ser agora um comentário para além do caráter pontual de uma exposição de arte - trata, por que não?, das instituições culturais também. Um trabalho tão simples, direto, mas carregado de sentido, cai, assim, como uma luva para se falar deste momento do próprio centro cultural da Universidade de São Paulo - o Maria Antonia, afinal, vai ocupar, no próximo ano, o Edifício Joaquim Nabuco que abrigava o Instituto de Arte Contemporânea (IAC).

O IAC foi despejado em julho do prédio porque a USP não quis renovar o convênio com a instituição. Sendo assim, agora é apresentada no edifício, até julho de 2012, uma exposição com obras de coleções de museus da universidade (leia mais ao lado). No próximo ano, ainda, espera-se que seja realizada a próxima etapa da necessária reforma do imóvel. "Temos a garantia assegurada pela reitoria que a USP vai bancar a reforma", diz o diretor do Centro Maria Antonia, Moacyr Novaes - e ele calcula que a ação, em processo de licitação, vai superar a quantia de R$ 4,5 milhões, que foi o

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montante usado na primeira etapa da reforma, realizada por meio de recursos incentivados, captados pelo IAC. A partir de agosto de 2012, portanto, está previsto que todas as exposições do Centro Universitário Maria Antonia ocorram no prédio Joaquim Nabuco, como seu tradicional Ciclo de Exposições, que sempre se dedicou a exibir obras de artistas de diferentes gerações. "Teremos assim mais espaço para realizar no prédio Rui Barbosa as atividades acadêmicas e abrir uma biblioteca", conta Novaes.

Mas voltando ao Hotel, de Carmela Gross, essa obra sempre pertinente é mais do que o gancho para se falar da instituição da USP em si. O néon é um dos trabalhos da coletiva Exigências do Presente, que o Maria Antonia apresenta agora para o público como parte de seu atual Ciclo de Exposições. A mostra, concentrada na grande sala climatizada do segundo andar do Maria Antonia, tem curadoria de José Augusto Ribeiro e abriga ainda criações de Leda Catunda, Jac Leirner (que também inaugura retrospectiva na Estação Pinacoteca) e do argentino Jorge Macchi. Questões como "repetição e seriação de formas; acumulação e organização de objetos recolhidos da vida prática; reabilitação de padrões e clichês a um estado de potência, no rigor intelectual dos procedimentos", ressalta o curador, se destacam na concisa Exigências do Presente, fruto de amplo simpósio realizado.

Ao mesmo tempo, o pintor Cassio Michalany exibe, em outra sala do segundo andar, a individual Modulações, com três séries de pequenas pinturas sobre madeira feitas com esmalte acrílico. O branco prevalece como o suporte do "jogo inesgotável", escreve Tania Rivitti, e de sutileza de permutações de cores que o artista promove em suas obras.

Já o jovem artista Marcone Moreira, com a instalação Banzeiro, cria uma metáfora sobre equilíbrio e o movimento da água com 20 esculturas de madeira que remetem às estruturas de embarcações, às "costelas dos navios". Há mais ainda, como as exposições Espaço Gabião, de Camila Sposati, e Retorno, de Lucia Mindlin Loeb.

ESTADO DE MINAS - Arte feita em aço

Ana Clara Brant(18/11/2011) Liga de ferro e carbono bastante resistente, o aço é usado como matéria-prima nos mais

diversos objetos. E não poderia deixar de estar presente em obras de arte. Hoje, será inaugurada no Rio de Janeiro a Mostra em aço de escultores brasileiros, que traz o trabalho de 10 artistas. Três são de Minas Gerais: Paulo Coelho, Helena Netto e Gilberto Lustosa. No ano que vem, a exposição chegará aos Estados Unidos e a países da América Latina.

Vinte peças tridimensionais mostram toda a versatilidade do material – do detalhe mais fino, que parece filigrana, à monumentalidade. “O mais interessante do aço é que, a partir de uma chapa grossa, material rígido, você consegue desenvolver algo que passa a ideia de movimento e leveza”, comenta Paulo Coelho.

Gilberto Lustosa mostrará três peças. De acordo com ele, o aço lhe permite maior “trabalhabilidade”

no que diz respeito à forma e à ocupação do espaço. Helena Netto exporá escultura em inox colorido industrialmente. “Resistente ao Sol e à chuva, é uma peça belíssima”, comenta ela.

A exposição ficará em cartaz até 18 de dezembro no Centro Cultural Banco do Brasil carioca.

O GLOBO - Risco Brasil

Traços nacionais superam expectativas em leilão americano e comprovam valorização da arte do país

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Obra de Gilberto Lustosa

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Uma “excitante revelação”. Assim Virgilio Garza, o mexicano que há seis anos comanda o departamento de arte latino- americana da Christie’s, definiu a participação dos artistas brasileiros nos dois dias de leilão que a casa promoveu nesta semana no luxuoso Rockefeller Center, em Nova York.

Das 26 peças nacionais postas à venda — grande parte delas tesouros ocultos que até então pertenciam à coleção Olivetti —, 24 foram arrematadas em minutos, por telefone. A maioria atingiu valores que superaram em ao menos três vezes o que havia sido estipulado como “justo” pela Christie’s na estimativa de preço que publicou no anúncio do evento. Segundo os cálculos da casa britânica de leilões, as seis peças que ilustram esta reportagem, por exemplo, movimentariam algo em torno de US$ 678 mil, quase quatro vezes menos do que os entusiasmantes US$ 2,2 milhões que levantaram juntas entre quarta e quinta-feira.

A excitação em torno das cifras obtidas pela produção nacional foi tanta que algumas marteladas — como a do quadro “Abaeté”, de José Pancetti — foram seguidas de calorosas palmas da tradicional e conservadora plateia que costuma acompanhar o leilão de dentro do salão nobre da Christie’s. Na quarta-feira à noite, eram cerca de 200 pessoas.

Nos corredores da empresa, o espírito era o mesmo, e os burburinhos pareciam girar sempre em torno da mesma ideia: o Brasil como potência econômica estável e como uma deliciosa descoberta cultural. Um lugar onde os sobreviventes da crise que assola os Estados Unidos e a Europa deveriam investir. E investir pesado.

— O mundo inteiro está olhando para o Brasil — diz Garza, em entrevista ao GLOBO, por telefone. — E a arte brasileira tem sido uma excitante revelação. Ela é sofisticada, tem uma linguagem própria, um quê de ineditismo e preços atraentes. É maravilhoso ver como, num leilão, os colecionadores respondem bem e entram em disputa por peças que são bonitas e têm frescor. O Brasil tem ambos.

E, para Garza, o interesse do mercado pela arte brasileira ainda está longe de se estabilizar, de atingir um platô. Em outras palavras, os preços ainda deverão subir. Cada vez mais e mais.

— Por muito tempo se pensou que os brasileiros produziam apenas nas cores locais, carregando no espírito do carnaval — explica o mexicano. — Agora o mundo descobriu, graças à rapidez das informações e da quantidade de eventos em torno da arte brasileira, que ela vai muito além, que brilha quando o assunto é abstracionismo geométrico, muito em voga nos dias de hoje, que é progressiva e intrigante.

Quem assiste de longe a todo o oba-oba pode imaginar estar diante de uma bolha. Especialistas no mercado de arte garantem que não.

— Os valores registrados lá fora refletem o crescimento do país e são os mesmos que a gente está acostumado a ver no mercado nacional — diz Brenda Osorio, diretora da feira ArtRio.

Para Jones Bergamin, que desde 1985 dirige a Bolsa de Arte do Rio de Janeiro, não há risco algum de a bonança acabar em tempestade.

— O mercado internacional finalmente resolveu pagar pelas obras brasileiras o que já se pagava por aqui. As estimativas da Christie’s é que estavam muito abaixo do valor de mercado. Foi uma tática que a empresa usou para fisgar um número grande de licitantes, cerca de 20 cadastrados na quarta-feira, e de estimulá-los a entrar na disputa. Deu certo.

Garza, da Christie’s, nega a estratégia e explica que calcula suas estimativas com base em registros internacionais de leilões prévios e informações oriundas de galerias.

Com ou sem tática, o resultado impressionou. Segundo Bergamin, que foi a Nova York e viu o leilão, para muitos dos presentes, em especial latino-americanos, os dois dias foram mesmo do Brasil, “o carrochefe do evento”.

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Se a bonança é a tônica do momento no que diz respeito à inserção da arte brasileira no mercado mundial — vide o sucesso registrado nesta semana nos leilões da Christie’s e das vendas feitas pela galeria Gagosian na exposição modernista que mantém em Paris —, artistas, curadores e outros especialistas pleiteiam mais atenção aos museus e espaços artísticos nacionais.

— Que bom que a arte brasileira vive essa euforia! Parece que somos mesmo a bola da vez — exalta Luiz Camillo Osorio, curador do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. — Mas minha esperança é que isso reverbere nas instituições, de modo que a sociedade e o poder público ajudem a fortalecer os museus importantes e que cuidem de acervos fundamentais.

Para Osorio, os bons ventos que rondam o mercado de arte deveriam servir de estopim para a criação de políticas de aquisição de obras e o estabelecimento de uma programação de excelência cultural no Brasil.

— Se isso não acontecer, nossa história da arte acabará sendo escrita de fora, pelo mercado e por instituições estrangeiras, e toda essa euforia não se sustentará no médio prazo. Heitor Reis, um dos responsáveis pelo único fundo de investimento em arte do país, o Brazil Golden Art, gerido pela Plural Capital, segue a mesma linha de raciocínio de Osorio.

— O governo, em todas as suas instâncias, deveria se tocar, aproveitar o momento e criar um modelo para apoiar as instituições culturais — defende.

— O Louvre, que recebe mais de 100 milhões de visitantes por ano, tem 80% de subsídio estatal do governo francês para se manter. Os museus americanos, com toda a sua potência, contam com isenção fiscal. O bom funcionamento das instituições brasileiras deveria ser uma responsabilidade do Estado, e o boom constatado no mercado deveria servir para impulsionar isso.

Brenda Osorio, que, por ter em seu horizonte uma forte aposta na arte brasileira, acaba de lançar a primeira feira de arte internacional do Rio de Janeiro, a ArtRio, pondera, por sua vez, que as novidades no mundo da arte têm seu tempo.

— Estamos no meio de um processo de médio a longo prazo — justifica ela. — Não é de um dia para o outro que vamos conseguir mudar tudo. O primeiro passo foi dado, estamos realizando boas vendas e atingindo excelentes cifras. A mídia, nacional e internacional, está cobrindo o assunto como nunca. É dar tempo ao tempo. (Cristina Tardáguila)

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‘Homem’ Francisco Stockinger (1919-2009) Austríaco naturalizado brasileiro, foi o artista que mais surpreendeu a Christie’s. Desde 2008, seu recorde em leilões da casa era de apenas US$ 1,067 mil. Anteontem, seu homem de bronze (acima) saiu por entusiasmados US$ 47,5 mil.

Bandeirinhas estruturadas’ Alfredo Volpi (1896-1988) O modernista de origem italiana foi o brasileiro mais valorizado do leilão. Suas bandeirinhas azuladas da década de 1960 (à esquerda) foram negociadas por mais que o dobro do preço estimado pela Christie’s. Seu lance final estabeleceu um recorde quatro vezes maior do que ele tinha na casa desde 2005.

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‘Blue streets’ Antonio Bandeira (1922-1967) Pioneiro do abstracionismo brasileiro, o cearense Bandeira pintou “ Blue street” (ao lado) em Londres, em 1 9 5 5 . A o b r a causou furor na quarta-feira ao ser comprada por um valor mais de cinco vezes acima do previsto pelos leiloeiros.

Abaeté’ José Pancetti (1902-1958) Apesar do sucesso no Brasil, o modernista nunca tinha sido negociado na Christie’s. O óleo de 1957 (à esquerda) arrancou aplausos na quarta-feira em seu lance final.

‘‘Losango — Proposição multilegível I’ Hércules Barsotti (1914-2010) Com o acrílico de 1966 (à direita), o neoconcretista fixou um recorde em leilões da Christies’s que é mais de 20 vezes maior do que o anterior.

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O GLOBO - Contra o Alfabeto

Expoente menos lembrado do concretismo, o poeta Wlademir Dias-Pino, aos 94 anos, exibe novos trabalhos, lança antologia e guarda centenas de inéditos

A obra mais recente do poeta Wlademir Dias-Pino não pode ser encontrada em livros. Tampouco pode ser “lida”, ao menos não no sentido convencional do termo. Intitulada “Poemas matemáticos”, ela é formada por um conjunto de gráficos multicoloridos e está exposta no Oi Futuro de Ipanema até 18 de dezembro.

Na abertura da exposição, em 3 de outubro, centenas de gráficos foram projetados na fachada do prédio, à noite, e é possível que, aos olhos desavisados de quem passava pela Rua Visconde de Pirajá, aquela profusão de retas e curvas tenha parecido antes o sonho de um engenheiro que o trabalho meticuloso de um poeta que recusa o alfabeto. Integrante de primeira hora do movimento concretista, nos anos 1950, e criador de obras que transitam entre a poesia, as artes plásticas e o design gráfico, Wlademir Dias-Pino continua, aos 94 anos, buscando novas formas de expandir para além das convenções categorias como “escrita” e “poema”. Em entrevista ao GLOBO no Rio, onde vive, ele repete com gosto a provocação que se tornou quase um lema de sua carreira:

— Eu sou contra o alfabeto — diz, meio irônico, meio a sério. — O código alfabético é uma arbitrariedade. Se ele estabelece que a letra “O” é redonda, eu não posso usar uma cruz no lugar dela. O código se tornou um modelo para todo raciocínio humano, sua carga arbitrária é uma escravidão. Assim como cada povo inventa sua língua, compete a cada poeta, no meu ideal, inaugurar uma escrita própria.

A escrita própria de Dias-Pino começou a tomar forma cedo. Nascido no Rio, em 1927, filho de um tipógrafo, ele brincava com os tipos metálicos da gráfica do pai antes mesmo de aprender a ler. Essa relação lúdica com a escrita está presente já em seus primeiros poemas, escritos durante a adolescência em Cuiabá, no Mato Grosso, onde a família desembarcou em 1936, fugindo da perseguição política ao pai anarquista.

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‘Estructura’ Franz Weissmann (1911-2005) Apesar de sua importância no movimento neoconcreto, o escultor jamais havia sido leiloado pela Christie’s. Arrasou na primeira oportunidade, com a escultura de 1969.

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A antologia “Wlademir Dias-Pino” (Aeroplano Editora e Oi Futuro), lançada por ocasião da exposição, reúne fac-símiles desses primeiros livros e percorre toda a carreira do artista. Estão ali suas obras mais conhecidas, como “Solida”, apresentada na Exposição Nacional de Arte Concreta de 1956, da qual participaram apenas seis poetas (Ferreira Gullar, Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Ronaldo Azeredo e ele), e “A AVE”, considerada o primeiro livro-poema no Brasil. Estão ali também algumas das cinco mil recriações gráficas da letra “A” que fez desde os anos 1990 (“Quando falo mal do alfabeto, não é por despeito, é saturação”, brinca). Didática e bem organizada, a antologia, porém, não aborda (e nem poderia) uma dimensão da obra de Dias- Pino que permanece inédita: o ambicioso e ainda inconcluso projeto da “Enciclopédia visual”, na qual o artista trabalha há décadas.

A utopia de um arquivo visual do mundo

Criador do movimento de vanguarda Poema Processo, artista trabalha há décadas em enciclopédia de imagens

O poeta que só pensa em imagens vive num sobrado de paredes brancas, sem quadros, numa vila centenária do Catete. As gravuras que reúne há décadas estão guardadas, aos milhares, em centenas de pastas organizadas por tema — “Feminino”, “Masculino”, “Arquitetura”, “Aberrações”, “Diabo” —, numa estante de metal cuja última prateleira só se alcança de escada. Elas são a matéria-prima da obra mais ambiciosa de Wlademir Dias-Pino, a “Enciclopédia visual”, projetada como uma coleção de 1.001 volumes, de 84 páginas cada, com intervenções gráficas sobre imagens coletadas em livros e revistas, em viagens pelo Brasil e pelo mundo.

Ao mesmo tempo um corolário de sua carreira como poeta e artista gráfico e um trabalho diferente de tudo que já publicou, a enciclopédia é, segundo Dias- Pino, um gigantesco “ensaio visual”. Cada volume oferece um passeio pelas representações visuais de determinado tema através de diversas épocas e culturas, sem preocupações didáticas.

A pasta “Adão e Eva” reúne imagens do casal, de antigas Bíblias até o presente. Já “Escrita” guarda exemplos de alfabetos dos quatro cantos do mundo.

O poeta e crítico Adolfo Montejo Navas, curador de uma exposição de Dias-Pino no Oi Futuro em 2008, compara a “Enciclopédia visual” a um projeto igualmente grandioso do historiador de arte alemão Aby Warburg (1866-1929), o “Atlas Mnemosine”, coleção de imagens que também buscava estabelecer ligações entre representações visuais ao longo da História.

— O projeto de Warburg está em sintonia com o trabalho do Wlademir, de juntar imagens desconexas de distintas épocas. É um projeto quase utópico, de um arquivo do mundo — avalia Navas.

Enciclopédia é projeto inconcluso por natureza

O atlas de Warburg ficou inconcluso — ou, antes, era um projeto que, por sua natureza livre- associativa, não tinha conclusão. O mesmo pode ser dito da “Enciclopédia visual”, e Dias- Pino é o primeiro a fazê-lo. A determinação de compor 1.001 volumes, ele explica, é uma alusão irônica às histórias sem fim que Sherazade contava para driblar a morte em “As mil e uma noites”.

Aos 94 anos, ele continua elaborando a enciclopédia, como indica o material — gravuras, recortes, cola, tinta, papéis coloridos — que cobre a mesa de trabalho no segundo andar do sobrado, onde fez seu ateliê.

— É um trabalho infinito, que vai ficar inconcluso. Mas a gente não conclui nada na vida, nem a própria vida — pondera Dias-Pino, que tem a ajuda do sobrinho, Octavio, e da companheira, a poeta Regina Pouchain, na digitalização das obras, e se preocupa com a conservação do arquivo em casa, onde está ameaçado por infiltrações.

Apenas seis volumes da “Enciclopédia Visual” foram publicados, em tiragem reduzida, em 1990. Segundo Dias-Pino, as enormes dificuldades técnicas para produzir suas obras restringem a difusão de seu trabalho. Mesmo seus poemas mais conhecidos, como “Solida” e “A AVE”, estão há tempos fora de circulação. Por isso, a recém- publicada antologia “Wlademir Dias-Pino”, organizada por

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Regina Pouchain e Alberto Saraiva (curador da exposição em cartaz no Oi Futuro), oferece uma rara oportunidade para se acompanhar a evolução do artista ao longo de sete décadas.

Os títulos mais antigos incluídos na antologia, como “A fome dos lados” (1940) e “ A maquina que ri” (1941), foram publicados por Dias-Pino ainda durante a adolescência, em Cuiabá. Embora sejam marcados por versos mais convencionais (“rosto humilde/ e murcho/ que tem como cor/ um silêncio/ amarrado então/ de rugas”, lê-se em “A fome dos lados”), esses livros já demonstram o interesse do autor pela variação tipográfica e pelo jogo entre mancha textual e espaços em branco.

Com base nesses preceitos, em 1951, ainda em Mato Grosso, fundou o intensivismo, movimento literário que deixou poucos rastros.

Dias-Pino voltou em 1952 ao Rio, onde viveu pelas duas décadas seguintes o período mais fervilhante de sua vida literária.

Nos primeiros anos, publicou obras que aprofundavam as técnicas intensivistas, como “Os corcundas” (1954). Mas foi com “A AVE”, um livro-poema pioneiro no qual trabalhava desde Cuiabá, que entrou no radar do então nascente movimento concretista brasileiro.

A dificuldade de descrever “A AVE” é provavelmente a melhor indicação de que, com ela, Dias- Pino deu um passo significativo para libertar sua obra da “arbitrariedade” do alfabeto, como gosta de dizer. No plano mais evidente, o livro é formado por um conjunto de versos (“A ave voa dentro de sua cor”, “Sua aguda crista completa a solidão”) com as palavras espalhadas pela página, ligadas por um traço negro contínuo. Mas é mais que isso. Os versos vinham em folhas soltas, numa caixa, com uma tabela com as palavras empregadas e versões que usavam elementos algébricos e geométricos para recompor o poema.

Foram impressos apenas 300 exemplares, em 1956, e Dias- Pino nunca quis reeditar “A AVE”, por considerá-la quase uma instalação, em que o manuseio é essencial para a leitura. A repercussão da obra (“Os críticos diziam: ‘Agora poema vem em caixinha?’”, ironiza Dias- Pino) credenciou o artista a participar do seleto grupo de seis poetas que integraram a Exposição Nacional de Arte Concreta, realizada em 1956, em São Paulo, e no ano seguinte, no Rio, e onde predominavam artistas plásticos como Amilcar de Castro, Hélio Oiticica e Alfredo Volpi. Mesmo então, a poesia concreta já não era um movimento coeso, com muitas diferenças entre o grupo paulista, formado pelos irmãos Campos e Décio Pignatari em torno da revista “Noigandres”, e um grupo carioca mais disperso, no qual se destacava Ferreira Gullar.

Dias-Pino levou para a exposição a primeira versão de “Solida”, que radicalizava os procedimentos desenvolvidos em “A AVE”. Em uma série de painéis, o poema explorava todas as combinações possíveis das seis letras da palavra-título, formando a frase “Sólida solidão só sol saído da lida do dia”. Uma versão posterior do poema vinha também “em caixinha”, com as letras da palavra “Solida” correspondendo a áreas demarcadas em quadrados de papel. As combinações eram feitas pelo manuseio dos quadrados. Cada palavra se tornava uma pequena escultura de papel.

Gullar recorda que os trabalhos do artista se destacavam pela exploração gráfica sem igual entre os concretistas:

— O Wlademir foi além da poesia concreta, com um trabalho gráfico que tinha a marca de uma sensibilidade muito aguda — diz o poeta, que pouco depois da exposição liderou a ruptura com o grupo paulista e a criação no Rio do movimento neoconcreto, do qual Dias-Pino não participou.

— A originalidade do Wlademir fez com que ele desenvolvesse um caminho próprio.

Esse caminho começou a se delinear em 1967, quando Dias-Pino fundou o movimento Poema Processo, que teve a adesão de dezenas de poetas em todo o país.

Muitos se conheceram depois de serem desclassificados em um concurso porque suas obras “não eram poesia” segundo o júri. Cristalização das reflexões de Dias-Pino, os manifestos do grupo propunham uma separação entre poesia e poema — a primeira seria apenas uma das muitas formas

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em que o segundo pode se manifestar. A poesia era só um punhado de versos, mas o poema podia estar na arquitetura, na escultura, na matemática, num gesto individual ou coletivo, em imagens.

Nessa época, o trabalho de Dias-Pino se concentrou em colagens com recortes de revistas e jornais e imagens mais abstratas.

Outros artistas criaram obras como a sigla do FMI formada por minúsculos cifrões, instruções para um poema-casa, um pão repartido coletivamente no Aterro do Flamengo. Em janeiro de 1968, um grupo rasgou livros de Drummond e Cabral nas escadarias do Teatro Municipal, acusando-os de serem “poetas discursivos”.

O movimento Poema Processo terminou em 1972, com a publicação do “Manifesto de parada tática” e, depois disso, Dias-Pino publicou pouco. Mas não parou de produzir:

— Quando a gente está na vanguarda, você tira um poema do bolso e o outro diz: “Mas que coisa fantástica! É desmontável!” É tudo uma emoção, tudo muito acelerado. A vanguarda é uma explosão. Mas eu preferi ficar quieto e guardar o que fiz. Só publiquei o que quis deixar registrado — diz Dias-Pino, que calcula que os inéditos guardados chegam às centenas.

No fim dos anos 1970, voltou para o Mato Grosso. Só se instalou definitivamente no Rio nos anos 1990. Sua produção nesse período envolve um conjunto de “poemas-conceito”, em que imagens semelhantes às da “Enciclopédia Visual” ganham legendas poéticas, e as séries “Numéricos” e “Poemas sem palavras”, que se aproximam do uso das ciências exatas observado nos “Poemas matemáticos” exibidos no Oi Futuro. Também deu aulas de comunicação visual no Rio e no Mato Grosso, trabalhou com diagramação de revistas e publicou, em 1974, o livro “A marca e o logotipo brasileiros”, referência entre designers até hoje.

Obra artesanal dificulta reprodução e divulgação

A amplitude e a originalidade do trabalho de Dias-Pino fizeram com que Augusto de Campos, no auge do concretismo, se referisse a ele como “Poesia e/ou pintura”. Indo mais longe, o próprio Dias-Pino se orgulha de um verbete de enciclopédia que o define como um artista “que não faz diferença entre gêneros”.

Para o professor da Universidade de Brasília Rogério Câmara, que fez um levantamento de sua obra no site <www.enciclopediavisual. com>, ele só não é tão lembrado hoje quanto os colegas de movimento devido ao caráter “essencialmente artesanal e de difícil reprodução” de suas criações, ao contrário de obras como os poemas-cartazes do grupo Noigandres. Mas o legado de Dias-Pino, acredita Câmara, é central para a poesia e as artes visuais brasileiras:

— A vida inteira Dias-Pino investiu num pensamento visual e gráfico que resultasse do olhar direto sobre as coisas. Numa entrevista, ele me disse algo fundamental para compreendê-lo: “A arte no fundo não existe, o homem a vê. É só isso que existe — o ver do homem”. Este seria o fundamento e o legado de Dias- Pino, um olhar aberto e direto sobre o mundo.

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“SOLIDA”: uma das versões do poema “Solida”, apresentado pela primeira vez na Exposição Nacional de Arte Concreta de 1956

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“A AVE”: um dos versos (“Polir o voo mais que a um ovo”) da obra produzida entre 1953 e 56, precursora do “livro-poema”

“SÉTIMO ELOGIO DO A//a”: parte de uma série de milhares de recriações gráficas da letra “A”, feitas desde os anos 1990OBRAS DA “Enciclopédia Visual” planejada por Wlademir Dias-Pino com 1.001 volumes de 84 páginas cada: trabalho inconcluso feito a partir de intervenções gráficas em imagens coletadas em viagens pelo Brasil e pelo mundo

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O GLOBO - Grupo galpão

Próximo na lista das UPPs, Complexo da Maré ganha centro de artes visuais com exposições, oficinas e festas

Joana Dale

(20/11/2011) Matheus Rocha Pitta planeja estacionar um micro-ônibus cheio de maquetes em frente ao número 169 da Rua Bitencourt Sampaio, um dos acessos à Nova Holanda, na Maré, para apresentar o trabalho “Circular”. Lucia Koch vai cobrir as casas da comunidade com lonas plásticas coloridas na execução da obra “Luz e sombra na Maré”. Em uma referência às clássicas tirinhas “Amar é...”, Marcos Chaves pretende espalhar camisetas, adesivos e faixas com os dizeres “Amar é complexo” e “Amar é simples” entre os frequentadores de botecos, oficinas mecânicas e demais estabelecimentos

do pedaço.

Os três artistas plásticos fazem parte de um grupo de 17 convidados para criar instalações sob medida para o projeto Travessias, que inaugura o Galpão Bela Maré no sábado que vem, dia 26, e inclui oficinas e festas na programação. A partir de uma iniciativa do Observatório das Favelas, os curadores Daniela Labra, Frederico Coelho e Luisa Duarte convocaram um time de peso.

— Chamamos artistas acostumados a trabalhar com o entorno contemporâneo e, de uma forma natural e nada literal, eles criaram projetos que dialogam com a comunidade — explica Daniela.

O Bela Maré estreia às vésperas da pacificação da favela mais populosa do Rio, onde moram 130 mil, segundo o Censo do IBGE de 2010. Após a ocupação da Rocinha, a Secretaria de Segurança informou que a Maré será a próxima a ganhar uma UPP.

Coordenador do Observatório das Favelas, Jailson de Souza e Silva paquerava o imenso galpão escondido pela fachada detonada há um ano. Faltava dinheiro. Até que o artista plástico Vik Muniz se dispôs a botar um autorretrado para ser leiloado na Sotheby’s, em Londres, e arrecadou 65 mil libras, o equivalente a R$ 195 mil, para dar entrada na compra do imóvel, onde funcionava uma fábrica de copos e pratos de plástico.

— Ainda faltam R$ 120 mil para fechar o pagamento do galpão, mas vamos conseguir. Não temos mais como devolvêlo — diz Jailson, que tem parcerias com empresas públicas e privadas em andamento.

A ideia é que ano que vem o Bela Maré esteja funcionando a pleno vapor como um centro de artes visuais de portas abertas para um público formado não só por moradores da comunidade mas também por gente de todos os cantos da cidade.

— Além de formar uma plateia, queremos formar técnicos em montagem de exposições, curadores e artistas — lista a diretora executiva do Bela Maré, Letícia Monte, irmã de Marisa Monte e dona da produtora Espiral.

Semana passada, o cheiro de tinta fresca dominava o espaço. O mestre de obras Gilberto da Silva tentava trabalhar sem mexer na instalação montada no mezanino pelo artista paraense Emmanuel Nassar: uma escada de madeira conectada a uma gambiarra instalada no teto.

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— Tudo é cultura — diz Gilberto, que mora na comunidade há 30 anos e é casado com Galega, a responsável pelo tempero do melhor restaurante da redondeza.

Foi no restaurante dela que organizadores se reuniram pela primeira vez, em setembro. Numa incursão pós-almoço, o artista plástico mineiro Thiago Rocha Pitta resolveu comprar tijolos, azulejos e gesso numa lojinha de material de construção para montar as maquetes que estarão no interior do tal micro-ônibus.

— Sem assistencialismo, a ideia é fazer o comércio girar — explica Thiago. — Os visitantes poderão levar os tijolos para casa e começar a fazer suas construções.

Outra instalação sobre rodas é a do coletivo Pandilla Fotográfica. Dez motos vão circular na comunidade com fotografias coladas no tanque de gasolina.

— São as motos que fazem a travessia na Maré — explica o fotógrafo Leonardo Melo, nascido na Baixada Fluminense.

Já o carioca Alexandre Sá vai emprestar o corpinho na performance “A revolta do invólucro — Última versão”, marcada para 3 de dezembro no meio do comércio da Rua Bitencourt Sampaio. Durante o happening, Alexandre vai convidar o público a se enroscar com ele em 700 metros de plástico-bolha:

— Nasci em Irajá e conheço bem a comunidade, mas estou na expectativa para saber se os moradores vão entrar no clima.

Até 18 de dezembro, um vídeo da performance de Alexandre estará em exibição no galpão, ao lado de obras grandiosas como a escultura-labirinto do paulistano Henrique Oliveira e a série “Balanço”, do carioca Raul Mourão.

— Não seria possível fazer um projeto como este num museu. O galpão, por suas dimensões, é uma oportunidade inédita de ocupação de arte na história carioca — comemora o curador Frederico Coelho.

O ESTADO DE S.PAULO - Triunfo da vontade coletiva

Exposição no MAM do Rio é mais novo caso de crowdfunding bem-sucedido

ROBERTA PENNAFORT / RIO

(20/11/2011) Um catálogo, um livro, um poema, um convite para a vernissage. Foram as recompensas oferecidas a quem investisse R$ 15 ou até R$ 2 mil na viabilização da exposição Tudo Vai Ficar da Cor Que Você Quiser, de telas de Rodrigo de Souza Leão (1965-2009), no Museu de Arte Moderna do Rio.

É a primeira vez que o financiamento de uma mostra do MAM se dá pelo público nela interessado, e não pelo museu ou uma empresa patrocinadora. Em cartaz até janeiro, ela fecha o ano de expansão no Brasil do crowdfunding na área cultural.

O esquema de financiamento coletivo surgiu nos Estados Unidos e chegou aqui em 2010, levantando dinheiro para shows, livros, CDs, filmes e peças de teatro sob risco de não se realizar, e livrando produtores dos apuros dos editais de patrocínio.

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Tela de Rodrigo de Souza Leão: mobilização do Catarse viabilizou a exposição, em cartaz até janeiro

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Poeta, ficcionista, letrista e pintor nos últimos três meses de vida, depois que passou a frequentar a Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Souza Leão, diagnosticado esquizofrênico paranoico e vítima de ataque cardíaco durante uma internação voluntária, fez sua trajetória na internet. E é na rede que se espalha o culto à sua curta obra.

Foram os fãs do rico universo interior e de seu estilo cortante, lírico e irônico, que contribuíram - não só com dinheiro, mas também com divulgação em redes sociais -, para que Ramon Mello, o curador, chegasse aos R$ 33 mil necessários para custear cada etapa: o transporte das 30 telas, o aluguel dos equipamentos de vídeo, a plotagem dos textos.

"As pessoas se sentem donas do projeto. Conseguir realizar é uma alegria imensa, que não tem nome", conta Ramon. "Elas falam 'a minha exposição', 'o meu catálogo'. Quando vieram, ficaram muito emocionadas", exemplifica Marta Mestre, curadora-assistente do MAM.

É a vontade de fazer acontecer que parece diferenciar os colaboradores amealhados por grupos como Queremos (cujo portfólio tem 19 shows internacionais e um festival), Catarse, Embolacha, Movere e Incentivador, que apostam previamente num projeto artístico, daqueles que vão ver a exposição, o show, o filme ou a peça já em cartaz.

Se o montante necessário não é atingido no prazo estipulado (um mês, 45 dias, 90), os que se cotizaram são ressarcidos. Ou seja, é satisfação garantida ou seu dinheiro de volta.

No caso de Souza Leão, a mobilização foi pelo Catarse, que atua em São Paulo, no Rio e no Sul do País. Inspirado no modelo "tudo ou nada" norte-americano do Kickstarter, a maior plataforma do gênero no mundo, com milhares de projetos em andamento, e em atividade desde janeiro, o Catarse conseguiu levantar R$ 1,1 milhão, com 9 mil apoiadores.

Foram 110 projetos, em 23 áreas - do CD de estreia d'A Banda Mais Bonita da Cidade, que teve entre suas compensações um "desenho tosco" da vocalista e uma festa na casa onde foi gravado o famoso videoclipe, a livro de moda, espetáculo de dança, revista sobre crítica de arte... Os valores, que determinam o nível da recompensa, podem ser R$ 5 mil ou R$ 50 mil, ou até mais.

Noventa proponentes fracassaram. "Não tem uma regra. É algo muito novo no Brasil, um trabalho de divulgação que não é só on-line", conta Pedro Struchiner, um dos sócios. "De literatura não conseguimos ter um projeto bem-sucedido até agora."

Ele, Ramon e outros envolvidos em iniciativas de crowdfunding participaram semana passada do debate Aperte F5, no Sesc Tijuca. Foi levantada a possibilidade de se pleitear junto ao Estado um estímulo a este modelo; por exemplo, com a dedução de impostos de pessoas físicas e empresas colaboradoras. Não é algo que agrade a todos, uma vez que o segredo do sucesso do crowdfunding pode estar em seu descomplicado sistema.

ESTADO DE MINAS - Roda da vida

Mostra com obras de G.T.O., que será aberta hoje no Sesc Palladium, resgata a significação universal do artista. Em Divinópolis, família trabalha na preservação do estilo do escultor

Walter Sebastião

(22/11/2011) A vida é uma roda que se movimenta, fazendo com que as pessoas ora sejam levadas para o alto, ora para baixo. Visão de mundo entalhada caprichosamente na madeira pelo mineiro Geraldo Teles Oliveira (Itapecerica, 1913 – Divinópolis, 1990), o G.T.O.

Ele é um dos mais importantes escultores brasileiros. Foi o homem simples que, desempregado, encontrou na arte um modo de sustentar a família. Vendeu peças nas ruas,

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G.T.O. cultivava cabelos longos por sugestão de seu barbeiro, para parecer "playboy"

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viu seus trabalhos em bienais no Brasil e no exterior, ensinou os filhos a cultivar o ofício. Vinte e um anos depois de sua morte, e próximo das comemorações do centenário de nascimento, em 2013, o artista ganha homenagem em Belo Horizonte.

Dezesseis esculturas, mostrando produção dos anos 1960 até 1980, estão em exposição que vai ser aberta hoje, às 19h30, no Sesc Palladium. É mostra completa: trabalhos restaurados, catálogo, documentário com depoimento de familiares e amigos do artista. O local da exposição, em mais uma deferência merecida, ganha o nome de Galeria de Arte G.T.O.

“É obra que tem profundidade de pensamento, linguagem original. Trata-se de poética diferenciada, que convida à reflexão sobre a passagem do artesanato para a arte popular e desta para a arte erudita”, observa Jorge Cabrera, curador geral da mostra. “Gostaríamos que a exposição fosse estímulo à pesquisa sobre o artista, que anda esquecido e merece ser mais valorizado”, acrescenta.

G.T.O.Mostra Um dia a árvore dos sonhos inopinados: acrobacias, totens, mandalas e oroboros do escultor Geraldo Teles de Oliveira. Abertura hoje, no Sesc Palladium, Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro, (31) 3214-5350. De terça a domingo, das 9h às 21h. Entrada franca. Até dia 22 de janeiro.

Museu G.T.O.

Criada em 2007, em Divinópolis, a Associação de Amigos G.T.O. foi responsável pela elaboração do projeto de revitalização e transformação da casa que foi o ateliê do artista em Museu Residência G.T.O.. A proposta é que no local seja abrigado acervo da família e peças do artista, hoje no Museu Histórico de Divinópolis. Como conta Celma Bosque, gestora do Museu G.T.O., já existe projeto de reforma do local, mas tudo está na dependência da aquisição do imóvel, pela prefeitura. A casa onde G.T.O morou e trabalhou fica na Rua Rubi, 283, Bairro Niterói. No local, trabalham e mostram suas obras Mário Teles, Geraldo Fernandes Oliveira e Milton Marcolino. O trio avisa que o público pode visitar o local, de segunda a sexta-feira, tanto na parte da manhã quanto da tarde.

ESTADO DE MINAS - Criando com leveza

(22/11/2011) O papel entrou mesmo no artesanato brasileiro. Depois de se limitar, durante muitos anos, à técnica de papier mâché, os artesãos usam a matéria para fazer tudo que a imaginação

sugere. Desde aquelas peças de tiras de papel enroladinho usadas para criar cestas, cortinas, sousplat, bandejas até verdadeiras obras de arte. Por causa disso, torna-se ainda mais atrativa a 12ª Feira de Papel, que vai funcionar no Mercado Distrital do Cruzeiro, de sexta-feira a domingo. Será um encontro de papeleiros, não só aqueles que fazem seu próprio papel artesanalmente, mas todos que criam artesanato cuidadoso e de beleza incontestável com papel industrial.

Um dos objetivos principais da Artesania do Papel sempre foi a divulgação de Minas como estado papeleiro, com produção diversa e de muita qualidade. E é essa a função que a Feira de Papel vem cumprindo, oferecendo ao público

produtos de papelaria artesanal, papel reciclado, papel marmorizado, produtos de design, encadernações artesanais (álbuns, agendas, livros de assinatura), cartões, convites, cartonagem, objetos, origamis, esculturas, desenho e gravuras em papel artesanal, papier mâché, quillings, obras de arte e tudo que a imaginação pode criar com essa matéria-prima.

Outro objetivo da Artesania do Papel é contribuir para o crescimento de todos os seus integrantes, na medida em que a exposição e comercialização dos produtos estimula a produção em termos de qualidade e criatividade, propiciando o desenvolvimento de cada um. Para isso foram reunidos 20 artesãos, que terão estandes fixos, que acreditam na feira e trabalham por ela, participando sempre e

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Sopeira moderna, para enfeitar centro de mesa

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se comprometendo para o alto nível de sua realização. O ponto importante é que a feira é realizada sem qualquer patrocínio, sendo bancada pelos próprios participantes, que cuidam de tudo: da divulgação e convite à infraestrutura.

A montagem deste ano vem com uma novidade. Os integrantes da Artesania do Papel se reuniram no último semestre para planejar os espaços artesanalmente, utilizando papel para a construção dos estandes. Isso quer dizer que não só as peças, mas também os espaços de cada artesão, serão atração extra. Os promotores esperam a participação de 3 mil visitantes. A abertura será às 12h de sexta.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS BRASIL-ÁRABE - Retratos árabesExposição no Clube Monte Líbano homenageia os 100 anos de nascimento do pintor paulista Azor Feres. Descendente de libaneses, o artista, morto em 2005, retratou cenas do mundo árabe.(23/11/2011) Marcos Carrieri - São Paulo – Azor Feres pintou paisagens, retratos, viagens e cenas do dia a dia. Não se especializou em um assunto específico, apenas retratava o que via ou sentia. Era comum, por exemplo, vê-lo pegar o carro e dirigir pela Rodovia Fernão Dias sem caminho definido. Se, no decorrer da viagem, via uma cena que lhe atraía, estacionava, pegava o cavalete, tintas, pincel e colocava na tela o que via. Assim foram feitas muitas das cerca de 40 pinturas que serão expostas no Clube Monte Líbano, em São Paulo, para celebrar os cem anos de Feres, que nasceu em abril de 1911 e morreu em 2005. A exposição vai de 24 de novembro a 04 de dezembro.

Feres era o sétimo dos 12 filhos do casal de libaneses Yousseff e Helena. Ele começou a pintar antes dos dez anos, em uma escola de Amparo, cidade do interior paulista em que nasceu. Seu talento, no entanto, nunca foi apreciado pelo pai, que até jogava no lixo suas tintas e pincéis. Feres não desistiu e sempre pintou, às vezes escondido dentro da loja do próprio pai.

Ele entrou na faculdade de Medicina e fez o curso até o quarto ano. Quando seu pai morreu ele trancou o curso e concluiu outra faculdade, de Direito. Nos anos 1940, Feres comprou a tecelagem de um cliente e ficou com ela até os anos 1960. Ele ainda teria uma fábrica de meias antes que sua mulher, Walderez, o incentivasse a investir na carreira de pintor.

"A primeira exposição coletiva dele foi realizada em 1974. A primeira individual, em 1978. Ele pintava desde os anos 1920. Antes disso ele vendeu muito pouco,

até que a minha mãe o incentivou a ser um pintor profissional, a participar de leilões, a colocá-lo no 'circuito'", recorda o terceiro dos quatro filhos do pintor, Carim José Feres. Depois que entrou no "circuito", Feres tomou gosto pelas exposições e chegou a fazer seis mostras por ano.

Quadros que pertencem à família serão exibidos juntos à obras de coleções particulares cedidas para esta mostra. Além das telas, os visitantes que forem à abertura da

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Telas retratam locais como Síria e Líbano

Cedros do Líbano foram tema de telas

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exposição assistirão a uma entrevista gravada em 2005 com Feres intercalada com cenas da sua lua de mel no mundo árabe, em 1962.

Nesta mostra, os quadros serão organizados por décadas, desde os anos 1920, quando Feres fez seus primeiros trabalhos, até os últimos anos de vida. Segundo Carim, seu pai só parou de pintar em 1988, quando Walderez morreu. "Ele ficou desanimado e passou uns dois anos sem pintar", diz. Quando voltou à ativa, Feres já não dirigia mais sem rumo pelas estradas paulistas nem se aventurava pelo mundo. Mesmo assim, continuou a pintar imagens de todos os lugares.

"Ele sempre andava com um bloco de anotações e um lápis de crayon. Quando via uma cena que achava bonita, ele fazia um rascunho nesse bloquinho e depois passava para o quadro maior. Ele guardava a cena na memória", diz Carim. Foi dessa forma que Feres pintou quadros sobre Veneza. Foi assim, também, que ele pintou o que chamava de "cenas árabes", imagens de tendas, camelos, homens no deserto.

Apreciador de pintores do século 19, como Claude Monet e Édouard Manet, Feres costumava aplicar nas suas telas a mesma técnica desenvolvida pelos mestres do impressionismo: pinceladas curtas e rápidas, desenhos pouco nítidos e que registravam o exato efeito das ondas no mar, do vento sobre as copas das árvores ou, ainda, das areias no deserto.

Além do pincel, Feres utilizava um outro instrumento para pintar: espátula. "Ele utilizava uma espátula de pintor, especial, que exigia força e técnica. Chegava a sentir dores nas mãos. Os impressionistas até utilizavam essa técnica em parte da pintura, mas não na tela toda, como ele chegou a fazer", diz Carim.

ESTADO DE MINAS - Visão poética dos objetos

Priscila Freire abre mostra com trabalhos criados a partir da reunião de objetos que recolheu ao longo da vida. Em exposição na Memorabilia ad Vintage, caixas que contam histórias

Walter Sebastião

(23/11/2011) Priscila Freire, além de diretora e criadora de museus, já foi atriz de teatro e cinema, apresentadora de televisão e escreveu livros. Amanhã, ela faz exposição na Memorabilia ad Vintage, mostrando caixas nas quais cria histórias reunindo objetos coletados ao longo da vida (conchas, azulejos, cacos de espelhos, santos, tecidos, postais, livros etc.). Os trabalhos foram

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Azor apreciava quadros de

impressionistas

Lulu ou a mala do crime, obra de Priscila Freire da exposição em cartaz na Memorabilia ad Vintage (Guilherme Horta/Divulgação)

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realizados am partir de 2009 e têm nomes como África, O gabinete do lendário Bonclair, Mar de Minas e Boiadeiro, entre outros.

“Não fiz as peças com intenção artística, mas quem viu disse que é arte. Deixo para as pessoas decidirem”, conta Priscila Freire, explicando que se trata de uma visão poética dos objetos. O trabalho mais antigo é uma coleção de chaves. “Ao longo da vida recolhemos milhões de chaves que abrem e fecham portas. E hoje vemos que não há chave que nos proteja, melhor rezar pedindo ajuda”, ironiza. O trabalho mais recente é Lulu ou a mala do crime. Tem como personagem uma boneca comprada em Ouro Preto. Além das caixas, estarão na exposição cartazes, figurinos, roupas alusivas às muitas atividades que ela desempenhou.

Como os objetos usados para criar as obras são dela, reconhece Priscila Freire, são trabalhos autobiográficos. “Mas o que estou fazendo é inventar condições para que outros possam se encantar com esses objetos, tanto quanto me encantei”, observa. “Estou perto de completar 80 anos, não tenho condições de ficar guardando coisas e fiquei pensando no que fazer da minha vida. Decidi recolher pedaços dela e mostrar para outras pessoas, criando a chance de as pessoas participarem do que vivi.”

Priscila Freire até estudou na Escola Guignard, mas, como conta, nunca se dedicou às artes plásticas. “Mas vi muita coisa, o que me deu vontade de fazer algo diferente do visto”, observa. Não esconde encanto com o teatro, seja atuando ou dirigindo: “Compor as cenas, ir acrescentando luz, música, figurino, era como compor um quadro. Sentar e ver a peça sendo apresentada é uma emoção indescritível”, garante, vendo afinidades entre as caixas que está mostrando e as peças que dirigiu. Não se esquece dos museus: “Dirigi alguns, criei outros, vê-los abertos, funcionando, é uma alegria”, afirma.

FOTOGRAFIA

O GLOBO - Exposição mostra a vida privada de homens públicos em fotografias

Intimidade de políticos brasileiros do século XX é exposta em espaço da FGV

Bruno Góes

(20/11/2011) O leitor já viu a fotografia do banho de mar do general Ernesto Geisel no Havaí ou a de Tancredo Neves, com menos de 10 anos de idade, fantasiado no carvanal de São João del Rei? Essas imagens e de outras figuras importantes na História do Brasil ao longo do século XX estarão na exposição “Álbum de família: a vida privada no acervo do CPDOC”, aberta ao público a partir de amanhã no Espaço Cultural da Fundação Getúlio Vargas, no Centro do Rio.

Flagrantes da vida pessoal de personalidades como Getúlio Vargas, João Goulart e Ulysses Guimarães fazem parte da mostra, que tem a intenção de revelar o lado íntimo de pessoas acostumadas com a esfera pública e mostrar as mudanças na interação entre pessoas e a fotografia ao longo do tempo. A

exposição é dividida em três módulos: Retratos de Família, que expõe as fotos clássicas, em geral feitas em estúdio; Lazer, com fotos de viagens e férias; e Comemorações, que relaciona momentos festivos como casamentos, nascimentos e aniversários.

— Sempre se procurou a dimensão política do acervo do CPDOC — diz a historiadora Mônica Kornis, uma das curadoras da mostra, sobre o arquivo que tem mais de dez mil imagens. — E esse acervo tem como característica ser a reunião de arquivos pessoais que incluem a vida pública e a privada. O

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foco dessa exposição é trabalhar exclusivamente com as fotos privadas. A nossa ideia foi marcar também a dimensão de ineditismo da maior parte dessas imagens.

Cerca de 150 fotos marcam a passagem do tempo: da austeridade das fotos de estúdio ao momento pré-digital, com a espontaneidade típica das polaroides.

CORREIO BRAZILIENSE - O sonho de um museu no planalto

Irlam Rocha Lima

(22/11/2011) O poeta e letrista carioca Bernardo Vilhena alimenta um sonho longe das praias ensolaradas do Rio: planeja criar em Brasília o Museu da Fotografia Brasileira. “A escolha da capital do país, em minha imaginação, se deveu ao modernismo que inspirou a cidade, à famosa luminosidade do céu do Planalto Central e ao clima seco, que contribui enormemente para a conservação do objeto fotográfico.”

A ideia de Vilhena vem ao encontro das ações da ministra da Cultura, Ana de Holanda, e do governador Agnelo Queiroz. No último dia 7, foi anunciada uma parceria entre a pasta e o Governo do Distrito Federal, com o objetivo de construir dois novos museus na capital até a Copa do Mundo de 2014, e mais três posteriormente. Todos farão parte do programa Esplanada dos Museus.

Ficou decidido que caberá ao GDF fornecer terrenos para a instalação dos museus, enquanto o ministério ficará responsável pela captação de recursos e pelo estabelecimento de parcerias para a construção das unidades. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional será consultado para se manifestar sobre a viabilidade do empreendimento.

Há muito Vilhena sonha com seu projeto. De acordo com ele, o Museu da Fotografia abriria espaço para cursos, exposições e a manutenção de arquivos. “Penso num espaço que possa contar a história do Brasil a partir do momento em que o país, ao olhar para o centro, e não apenas para o litoral, se redescobriu e experimentou um crescimento que hoje aumenta sua responsabilidade diante de outras nações.” O poeta acrescenta: “Temos assistido à ocupação, cada vez maior, da fotografia no espaço dos museus. Então, por que não idealizar um local dedicado exclusivamente a essa arte, baseado em memória, conectividade e interatividade?”.

Sobrinho e primo de museólogas, que influenciaram em sua formação, Vilhena fez curso de fotografia no Museu de Arte Moderna (MAM), no Rio de Janeiro, e se envolveu com quatro fotógrafos, os quais tomou como mestres e amigos: Antônio Penido, Lauro Escorel, Douglas Lynch e Afonso Beato. Com eles, aprofundou o aprendizado da técnica, da estética e da história da fotografia. Segundo ele, o fato de o curso ter sido realizado no MAM lhe deu a possibilidade de enxergar através das paredes do museu e aprender toda a movimentação em torno de uma exposição, desde sua montagem até a repercussão por ela causada.

Vilhena vê o Brasil intimamente ligado ao surgimento da fotografia no mundo e lembra que Hercule Florence, um dos pioneiros da arte fotográfica, morava em Campinas (SP), quando, em 1833, registrou seu invento baseado no processo de reprodução — positivo e negativo. Ao referir-se ao período imperial, extrai de lá o fato de Dom Pedro II ter sido fotógrafo e dono de uma expressiva coleção de retratos, o que influenciou outros integrantes da corte.

Poeta e agitador culturalO carioca Bernardo Vilhena, aos 62 anos, tem dado importante contribuição à arte e à cultura brasileira, em diferentes áreas. Fundador e editor das revistas Ponte e Malasarte, integrou o grupo poético Nuvem Cigana, ao lado de Chacal, Ronaldo Bastos e Ronaldo Santos, entre outros, pelo qual lançou os livros Retrato de Época e Poesia Marginal Anos 70 . Em 1975, publicou o livro O rapto da vida e participou da antologia 26 Poetas Hoje, coordenada por Heloisa Buarque de Holanda. Como letrista, é parceiro de Ritchie no clássico Menina veneno; e, com Lobão, das músicas Vida bandida, Essa noite não e Chorando no campo. Há três anos promove a Copa Fest, festival de música instrumental realizado no Copacabana Palace, no Rio de Janeiro. Foi curador do projeto Live P.A, no Centro Cultural Banco do Brasil, que trouxe a Brasília artistas como Nina Becker, Moreno Veloso, Pedro Sá, Cibelle, Dado Villa-Lobos, Cláudio Zolli, China e Sílvia Machemte.

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Duas perguntas - Bernardo Vilhena

Como e quando surgiu a ideia da criação do museu da fotografia?Surgiu há quase quatro anos, no início do renascimento do Rio de Janeiro, quando circulavam várias ideias de criação de museus de todo tipo. Fui consultado a esse respeito e me lembrei de um antigo projeto meu intitulado A Fotografia através da Família e as Famílias através da Fotografia. A proposta era fazer duas mostras paralelas: uma reunindo antigas fotografias de família — uma velha prática de uma época em que fotógrafos profissionais percorriam cidades do interior, visitando fazendas e oferecendo seus serviços — entre o fim do século 19 e o início do 20. A qualidade dessas cópias é impressionante, resiste ao tempo, aos modismos e às comparações com as novas tecnologias. A outra era garimpar fotógrafos amadores com qualidade profissional. Esse projeto tinha, ao mesmo tempo, caráter de preservação e de apuro estético. Acredito que possa ter sido o marco zero do que poderia vir a ser o Museu da Fotografia do Brasil.

O que falta para a ideia ser desenvolvida?Arregaçar as mangas e começar a trabalhar em cima do projeto. Desenvolver, planejar e viabilizar. Existem várias coleções espalhadas por museus não especializados, que carecem de conservação, classificação e, sobretudo, exposição. Já imaginou o excitamento que pode causar entre os arquitetos de todo o mundo projetar um museu da fotografia em Brasília?

ESTADO DE MINAS - Registros fotográficos

Fotoinstalação e variadas imagens integram mostra da Celma Albuquerque Galeria de Arte, que reúne trabalhos dos mineiros João Castilho e Alan Fontes e da gaúcha Rochelle Costi

Mariana Peixoto

Hotel tropical, de João Castilho, reúne várias fotografias feitas em hotéis do interior do estado (JOÃO CASTILHO/DIVULGAÇÃO)

(22/11/2011) Em sua última exposição do ano, a Celma Albuquerque Galeria de Arte apresenta para o público, a partir de hoje, obras de três artistas: os mineiros João Castilho e Alan Fontes (este no projeto mezanino) e a gaúcha radicada em São Paulo Rochelle Costi. Hotel tropical, de Castilho, traz ao todo 55 imagens, divididas em quatro eixos cromáticos: azul, vermelho, verde e branco. A mostra, vista há poucas semanas em São Paulo, é chamada pelo fotógrafo de fotoinstalação. Todas foram feitas em hotéis no interior de Minas Gerais, Bahia, Goiás, Mato Grosso e Mali, na África.

“Essas imagens (cada uma tem 25 x 37cm) ganham, na parede, forma um pouco orgânica, não muito tradicional, inspirada também nas plantas desses hotéis, que não têm um arquiteto por trás e, muitas vezes, são feitos por meio de gambiarra”, explica Castilho. Os registros vêm sendo feitos há muitos anos e a ideia de transformar as fotos numa obra veio a partir do mestrado que Castilho fez sobre a obra Hotel Palenque, um hotel no interior do México, do norte-americano Robert Smithson. “Como

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estudei essa obra um pouco mais profundamente, resolvi fazer um paralelo com meu próprio trabalho.”

Cada conjunto de imagens (a do azul, que está nesta página, tem 18 fotos) apresenta diferentes hotéis. “Esse hotel é um lugar imaginário”, diz Castilho, acrescentando a importância que um pequeno hotel tem para fotógrafos viajantes. “É um lugar em que você, geralmente sozinho, dá um tempo para relaxar. Mas a câmera está sempre ali, como uma possibilidade de trabalho”, completa Castilho.

Já Residência, de Rochelle Costi, apresenta o registro de um conjunto de ações de função indeterminada, situadas entre o processo artístico e o uso cotidiano do espaço vazio. O prédio vazio da Bienal é o espaço que a artista escolhe para interferir no cenário e criar situações que dialogam com a arquitetura de Oscar Niemeyer. Por fim, Entre casas e cidades ou sweet lands, de Alan Fontes, reúne trabalhos recentes em pintura produzidos a partir de desenhos e fotografias aéreas de cidades.

MÚSICA

CORREIO BRAZILIENSE – Música: Do caipira ao urbano

Show de Aparício Ribeiro e Marcos Mesquita marca retorno da dupla de viola aos palcos, numa mistura de rock progressivo e composições tradicionais

Felipe Moraes

(17/11/2011) A apresentação que os violeiros Marcos Mesquita e Aparício Ribeiro fazem hoje, às 21h, no Centro Cultural de Brasília é, antes de tudo, um reencontro de velhos amigos. Mesquita, chegado a um som que une acordes rurais e urbanos, e Ribeiro, lado caipira da dupla, tocam juntos há 20 anos, mas andavam longe um do outro fazia tempo. “Queremos mostrar um lado amplo da viola, com composições de rock progressivo e faixas instrumentais”, avisa o carioca Mesquita, professor da Escola de Música de Brasília há 25 anos — há 20 lecionando viola caipira. Integram o

show os músicos de apoio Fábio Pessoa (violão, baixo elétrico e voz), Fabrício Ribeiro (baixo elétrico), Michel Venâncio (violão e baixo elétrico) e Vitor Mesquita (viola caipira, violão e gaita).

Ele chegou à capital federal em 1960, com apenas 4 meses de vida, e não pisava num palco há quase seis meses. Ribeiro, mineiro de Patos de Minas, veio em 1974, e já acumulava dois anos de sumiço. No total, na formação de dupla, os músicos estavam há cinco anos sem projetos em colaboração. “Estávamos meio parados. A gente quer reaquecer a cena e se preparar para o ano que vem. Estamos com vários projetos, incluindo violeiros, instrumentistas e cantores”, conta Mesquita.

O valor da violaEntre as atividades planejadas para 2012, Mesquita quer reeditar a Viola no Parque, organizada em 2005 e 2006, ao ar livre, no Parque da Cidade e no Parque Olhos D’Água. “A gente chamou dezenas de profissionais, trabalhamos até com dupla de palhaços. Vinha gente de todo jeito. Pessoas que faziam caminhadas, outras arrumadas, algumas sem camisa. Todo mundo sempre sorrindo”, lembra.

Na música brasiliense, ele destaca a organização dos chorões, que recentemente inauguraram o novo Espaço Cultural do Choro. “É a concretização de um movimento de artistas, que forma músicos, congrega profissionais e promove o acesso da população à cultura. O que a gente necessita é se organizar melhor. O pessoal que mexe com produção também precisa acordar e notar que aqui temos um grande celeiro de talentos, com potencial comercial. Já tivemos um clube da viola funcionando ativamente, que poderia estar estruturado hoje em dia. Mas cada classe tem o seu poder de união”, compara.

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A dupla Marcos Mesquita e Aparício Ribeiro se apresenta no Centro Cultural de Brasília

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O ESTADO DE S. PAULO - Dois ídolos em revisão

Bethânia revisita Chico e Lulu canta Roberto e Erasmo em série que inclui Sandy

LAURO LISBOA GARCIA, RIO

(17/11/2011) Maria Bethânia cantar Chico Buarque é algo tão corriqueiro quanto os bons motivos que a levam a ser considerada por ele sua melhor intérprete. Porém, é a primeira vez que a cantora faz um show inteiro só com o cancioneiro buarquiano. E acena com novidades no repertório, além dos clássicos dele que já gravou.

O show - que estreia domingo em Curitiba, no Teatro Guaíra, e aporta em São Paulo na terça, na Via Funchal - integra a série do Circuito Cultural Banco

do Brasil. Idealizado e dirigido por Monique Gardenberg, com assistência de Toni Platão na curadoria, o projeto traz ainda Lulu Santos ressaltando o componente mais rhythm and blues de Roberto Carlos e Erasmo Carlos (amanhã em Curitiba e quarta em São Paulo) e Sandy revisitando Michael Jackson. Depois eles seguem para Ribeirão Preto, Goiânia e Recife.

Bethânia diz que quando Monique fez a proposta para esse show nem vacilou. "Mesmo porque estou trabalhando na obra de Chico, mas é uma coisa para mim. Estou estudando, revendo Chico todo. Então foi bom esse convite, porque é como quando fui gravar Vinicius (de Moraes) - os dois com uma obra imensa e de uma qualidade rara", diz.

Para Bethânia subir no palco, mesmo que seja projeto dos outros, tem de ter "uma linha de dramaturgia". "Preciso ter uma condução, às vezes lembrar um trecho de uma canção de Chico para que ela prepare a outra que vou fazer, como às vezes uso texto em cena. Tive de escolher assim."

Por ter poucos ensaios, ela deu preferência ao que já está acostumada, "para poder ficar mais prazeroso, menos tenso de fazer". Porém, também escolheu canções dele que nunca cantou, como A Rita, Funeral de Um Lavrador, Soneto. "Vai Trabalhar Vagabundo não vejo a hora de cantar, é o que mais me atrai", diz, rindo. Do roteiro "gigantesco" devem ficar 42 canções entre inteiras e citações, incluindo Com Açúcar, Com Afeto, que ela cantou apenas na temporada do show Comigo me Desavim, em 1967, Sem Açúcar, Cotidiano, Valsinha.

Entre os segmentos temáticos do roteiro há os que tratam de abandono e de heroísmo. "Por exemplo, falar em Chico e não se tocar em Morte e Vida Severina é errado. Isso é o garoto Chico. Monique descobriu e me mandou coisas deslumbrantes dos cadernos dele quando menino, com aquela letrinha. Alguma coisa disso ela vai usar cenicamente."

A maior novidade é Sinhá (parceria com João Bosco), a canção mais forte do novo álbum dele, Chico. "Pra mim é a música mais bonita que ele já fez na vida, esse disco dele pra mim é o mais importante, o mais bonito da música popular brasileira depois de Elizeth (Cardoso) cantando Chega de Saudade. No primeiro acorde que ouvi tive vontade de chorar."

Música de preto. Com Lulu Santos, Monique não acertou de primeira. A proposta inicial era para ele cantar Beatles, mas não topou por ser óbvio e desgastado demais. A segunda sugestão foi Elvis Presley, que não tem nada a ver com ele. Depois de muito matutar acabou optando por Roberto e Erasmo, juntos e individualmente, a começar por Sentado à Beira do Caminho. "Com Erasmo foi mais solto, porque ele continua pop-rock até hoje. De Roberto escolhi mais a parte imatura mesmo, de iê-iê-iê, mas tem também As Curvas da Estrada de Santos e É Preciso Saber Viver", conta Lulu, que aos 21 anos, em 1974, tocou na banda que acompanhava Roberto, fazendo uma substituição.

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Lulu já contou com Erasmo cantando música sua ao lado de Rita Lee (Ronca, Ronca) e gravou O Calhambeque (hit de Roberto, versão de Erasmo para Road Hog), além de Se Você Pensa (da dupla). "Para mim é importante a história do amor deles por música americana, pelo rhythm & blues, pelo blues, pelo que é formativo, porque eles, assim como Tim Maia e Jorge Ben, têm uma formação que Beatles e Rolling Stones mais ou menos tinham", compara.

A diferença é que os ingleses "eram mais fissurados na história do blues mais puro, tinham isso como um hobby, um fetiche". "Já os nossos pegavam mais a onda do doo-wop, do R&B não adulterado. Eu faço música por causa de música de preto americano. E quanto mais o tempo passa mais tenho certeza disso." E é nessa levada de R&B que ele montou esse show, em que "tem uma reavaliação verdadeira e honesta do valor da música dos dois".

CORREIO BRAZILIENSE – Na linha de frente

O baterista Anderson Nigro assume a carreira de compositor e grava com os amigos o primeiro disco solo

Pedro Brandt(18/11/2011) Quem é baterista sabe como pode ser frustrante ficar responsável apenas pela parte percussiva de uma música, sem direito a dar pitaco em outros aspectos da composição. Anderson Nigro vivenciou essa situação durante muito tempo. O músico brasiliense de 31 anos passou metade da vida tocando em bandas (PUS, Satanique Samba Trio, Mákina du Tempo, João Ninguém, Super Stereo Surf , entre outras), acumulando a vontade de dar voz e melodia às próprias letras, ideias e canções.

Nigro, primeiro disco solo do baterista, surgiu desse desejo de se expressar. O sobrenome do músico batiza não apenas o CD, mas a banda que se juntou para tocar suas músicas ao vivo.

Esta noite, a Nigro faz sua estreia no palco do Cult 22 Rock Bar.

Diferentemente de bateristas que trocaram as baquetas pelo microfone — a exemplo de Dave Grohl, ex-Nirvana, hoje à frente do Foo Fighters, e Phil Collins, ex-Genesis — , Anderson Nigro nunca quis ser vocalista. “Eu não consigo cantar e não gosto da minha voz”, justifica o batera. Por isso mesmo, ele convidou vários amigos para integrar o disco, cantando ou tocando algum instrumento. Trinta e dois músicos participaram do álbum. Nas gravações, além de bateria, Anderson executou baixo, teclado, percussão, guitarra e backing vocals em quase todas as faixas.

O ecletismo de Nigro está impresso nas composições, que têm o rock dos anos 1970 como fundação, mas bastante espaço para outras referências (um samba aqui, algo de

vanguarda paulistana ali, ritmos regionais acolá…). As músicas são intercaladas por vinhetas (com diálogos, cançonetas, falatórios, ruídos e brincadeiras), que servem como ponte entre uma faixa e outra. As letras refletem as observações cotidianas do compositor. “Minhas primeiras letras falavam muito sobre amor, mas fui deixando essa faceta romântica de lado para tratar de outros assuntos, coisas mais concretas e diretas sobre o que vejo por aí”, conta o músico.

Na formação da banda estão Nigro como baixista, Daniel Goulart (coprodutor do disco) na bateria, o vocalista Rafael Cury, os guitarristas Rodrigo Terra e Marcos da Costa e as vocalistas Júlia Ferrari e Sara Mariano.

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Além da bateria, Nigro gravou baixo, teclado, guitarra e backing vocal

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A banda se prepara para fazer desta noite uma celebração, uma minifesta de aniversário, com direito a bolo e salgadinho para os presentes.

ESTADO DE MINAS - Férias produtivas

A roqueira Pitty e o guitarrista Martin Mendonça experimentam novas sonoridades no projeto paralelo Agridoce. Até passarinho dá show no CD, gravado em uma casa na Serra da Cantareira

Thaís Pacheco(18/11/2011) Há um ano e meio, Pitty e sua banda entraram de férias. Assim que a agenda de shows foi cumprida, cada um seguiu o seu destino. A cantora e o guitarrista Martin Mendonça optaram por não viajar. “Como ficamos em São Paulo, fomos trocando ideias e fazendo um som. Acabamos criando esse projeto”, conta Martin, referindo-se ao CD Agridoce, com 12 faixas.

Em nada o disco se assemelha ao trabalho solo de Pitty. “A coisa foi concebida de forma bem diferente. Sempre ficou muito óbvio que se tratava de algo distinto, com outros elementos e sonoridade”, explica a roqueira baiana.

Vale lembrar: Pitty e sua banda continuam na ativa. Agridoce é apenas iniciativa paralela, sem a intenção de excluir ou incluir ninguém. O baterista Duda, por exemplo, mantém com Martin outro projeto de rock: o disco Dezenove vezes amor, lançado em formato digital e disponível apenas na internet.

Para gravar Agridoce, Pitty, Martin, o produtor Rafael Ramos, diretor artístico da Deckdisc (a gravadora da cantora), o engenheiro de som Jorge Guerreiro e o fotógrafo e cinegrafista Otávio Sousa se mudaram para uma casa no meio da Serra da Cantareira, em São Paulo. Moraram lá por 22 dias, período em que o CD foi gravado.

“Nossa vontade era encontrar a casa onde ficava o estúdio dos Mutantes, mas não a achamos. Acabamos escolhendo outra por ali. Foi até uma questão de conveniência, por ser perto de onde a gente mora”, diz Martin.

O fato de a gravação ocorrer numa casa em vez de no estúdio não interferiu na qualidade do som.

Pitty conta que Rafael Ramos levou todo o equipamento. “A casa não tinha infra de estúdio, mas o hardware para funcionar como um deles. Começando pela coleção maravilhosa de microfones do Rafael”, lembra.

Sino Outra proposta de Agridoce: a dupla poder fazer o que tinha vontade. “Se chovia, a gente dava um tempo na gravação ou inseria aquele som na música”, lembra Pitty. “Rolava o que a música pedisse. Catamos todos os instrumentos, até sininho de campainha levamos. A porta virou bumbo, o tanque de gás do quintal, que soava como sino, virou instrumento”, revela Martin.

Tem até piano em Agridoce. Só não há bateria, mas Rafael Ramos deu um jeito: sampleou batidas e tocou percussão em algumas faixas. André T, produtor de Salvador, acrescentou texturas de orquestra em duas faixas na etapa de pós-produção. Com exceção dessas interferências, tudo foi criado e tocado apenas por Pitty e Martin.

Outra participação especial ficou por conta de um passarinho que cantava enquanto a dupla gravava a faixa 130 anos. Pitty garante: o pio não foi editado. “Pelo contrário. Aquilo foi gravado em um canal só. O violão e a escaleta foram estão num único canal, não tem como editar. Mas a gente não programou. Estávamos sentados do lado de fora da casa, fazendo uma jam, e o Rafael ouviu o piado,

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Pitty e Martin Mendonça aproveitaram a pausa na agenda de shows para mudar de ambiente e gravar um disco diferente

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mandou descer o gravador de rolo e um microfone. Fizemos três takes, o mais legal ficou. Depois, só gravei a voz por cima”, revela a cantora.

Pitty conta que, por vezes, o grupo até chegou a discutir o que fazer com o passarinho. Os músicos acabaram se lembrando de que os invasores eram eles, e não o bichinho. “Ele já estava cantando lá o dia inteiro”, diverte-se ela.

A proposta da dupla era experimentar, deixar fluir. Isto é Agridoce, que disponibilizou seis faixas na web e agora tem 22 gravadas – 12 foram para o CD. Com letras em português, inglês e francês, Pitty, propositadamente irônica, canta “Digo tudo isso enquanto faço beicinho/ Digo tudo isso com carinho/ Mas eu não falo francês”.

O som é agradável, adulto, pacífico – mistura de romance com o lado suave do pop. Confira o novo projeto da roqueira baiana em www.facebook.com/agridoceoficial.

ESTADO DE MINAS - Um brasileiro em Nova York

Radicado nos EUA há 17 anos, Vinícius Cantuária lança CD sobre o samba carioca e já planeja álbum em que pretende contar a história do Brasil

Ailton Magioli(18/11/2011) Vinte anos depois do último disco brasileiro – Rio Negro, do selo Chorus/Som Livre –, Vinícius Cantuária lança no país o CD Samba carioca, gravado e originalmente lançado em 2009, nos Estados Unidos, onde mora há 17 anos. “Já são cerca de 10 discos lá fora, que são como primos-irmãos, diante do fato de serem muito similares”, afirma o próprio cantor, compositor e instrumentista amazonense, que, radicado em Nova York, passou a integrar o que ele mesmo classifica de New York downtown music, ao lado de Arto Lindsay, Laurie Anderson e Ryuich Sakamoto, entre outras estrelas internacionais que circulam naquele circuito.

Preparando-se para fazer um novo disco brasileiro e aguardando a nomeação de Lágrimas mexicanas, que gravou com o guitarrista Bill Frisell, para pelo menos uma das três categorias do Grammy (álbum, world music e solista) para as quais está cotado, Cantuária diz que o disco, elogiado pela crítica, também vai chegar ao mercado nacional ainda este ano. Com direito a releituras de Vagamente, de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli, e Inútil paisagem, de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira, o econômico Samba carioca, de apenas nove faixas – sete delas autorais: Praia Grande, Berlim, Julinha botas, Fugiu, Orla, Conversa fiada e Só ficou saudade, algumas em parcerias – é retrato fiel do estilo Vinícius Cantuária de fazer música.

Segundo revela, ele faz do estúdio nova-iorquino espécie de ateliê em que vai “pintando quadros” até chegar a hora de reuni-los em um produto. Daí a decisão de classificar o trabalho de uma espécie de reciclagem, em que os últimos discos, por exemplo, são todos mais ou menos iguais. “A busca é pela sonoridade”, esclarece Cantuária, que diz ter se tornado “mais brasileiro” em Nova York. Na opinião do artista, “Samba carioca representa mais o gênero carioca do que o próprio samba carioca”. “É resultado de tudo que me ocorreu de mais brasileiro lá fora”, avalia, salientando o fato de, por estar em outro país, ter a oportunidade de sentir o Brasil de forma diferente.

Chama a atenção no disco a reunião de feras do instrumental: no piano, por exemplo, revezam-se João Donato, Marcos Valle e Brad Mehlday. Já as guitarras ficam por conta de Bill Frisell e Dadi, enquanto Paulo Braga (bateria), Luiz Alves e Liminha (contrabaixo), Jesse Sadoc (flugelhorn) e Sidinho (percussões) também estão lá. Característica marcante do artista, as amizades, segundo admite, vão além do ambiente musical. A Chico Buarque, por exemplo, ele é ligado pelo futebol, pela cozinha e, claro, pela parceria musical. “Tenho um lado pessoal muito fluido”, justifica, salientando o fato de as pessoas gostarem dele e do trabalho dele. “Acabei levando isso para Nova York”, orgulha-se Cantuária, lembrando que os gringos adoram a música brasileira.

Reaproximação Amadurecendo a ideia de um disco para o Brasil, o artista, que mantém uma casa na Gávea, Zona Sul carioca, diz gostar de sair andando pelo Rio quando, além de ouvir as pessoas, aproveita para ler publicidades e tomar outras atitudes de (re)aproximação. A pergunta que ele mais se tem feito é: “O que o Brasil quer ouvir?”. “Vou fazer o disco pensando no Brasil. Quero encontrar

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uma linguagem para encaixar com o que se está falando no país”, acrescenta. A ideia é fazer um disco como se fosse um livro, para contar a sua história do Brasil. “Será algo muito individual e pessoal”, conclui com entusiasmo.

O ESTADO DE S. PAULO - Mehmari em letra e canto

Pela primeira vez,André Mehmari lança CD duplo inteiramente dedicado à canção

Lucas Nobile

(20/11/2011) Hermeto Pascoal diz que "um instrumentista não pode ser instrumento de seu próprio instrumento". André Mehmari é um dos maiores sabedores disso em sua geração. As 88 teclas do piano nunca o limitaram e ele sempre as usou a serviço da emoção e da originalidade. Consagrado no campo da música instrumental, aos 34 anos, ele lança o disco duplo Canteiro, um trabalho autoral dedicado à canção.

Mehmari, que sempre compartilhou alumbramentos por meio de melodias e harmonias, tem, enfim, temas revestidos de versos e vozes. O que já fora revelado de modo mais tímido - em Eternamente (parceria com Rita Altério) e O Voo da Bailarina (com Cristina Saraiva), no disco Piano e Voz (2005), de Mehmari e Ná Ozzetti -, aparece agora inteiramente com o compositor criando músicas que receberam letras e canto de parceiros e intérpretes, respectivamente.

"Eu venho compondo há um longo tempo. Esse lado de cancionista se intensificou nos últimos três, quatro anos. A canção sempre esteve amalgamada à minha produção instrumental. Eu já naveguei muito neste universo e quero investir nesse cancioneiro, que é a grande riqueza do País. Penso em uma continuidade, um Canteiro II", diz Mehmari.

Nas 30 faixas do disco, ele conta com parceiros, intérpretes e instrumentistas com estilos bem diferentes entre si, passando por diversos gêneros musicais, como bossa nova, valsa, frevo, fado, baião, entre outros.

No álbum, Mehmari assina parcerias com Carlos Fernando (À Beira da Canção e Insisto), Tiago Torres da Silva (Apenas o Mar e Meia Lágrima), Sérgio Santos (Baião de Reza, Última Valsa e Vento Bom), Bernardo Maranhão (O Cântico dos Quânticos, Cruce, Desalvorada, Amor da Terra, Pra Amada Imortal e Festa dos Pássaros), Silvio Mansani (Clara e Florbela), Makely Ka (Guardar), Rita Altério (Ida e Volta), Simone Guimarães (Ninguém Compreende), Luiz Tatit (Brilha o Carnaval, Tentar Dormir e Modular Paixões), Arthur Nestrovski (Viagem de Verão), Leandro Maia (Valsa Russa, Sal Saudade e Luzidia).

Além das tabelinhas - em 80% das vezes tendo a música como ponto de partida, ganhando versos depois -, Mehmari também se revela completo, compondo sozinho em Velha Inquietude.

O disco não nega a tradição europeia, mas é essencialmente brasileiro. Com uma estética bem definida, Canteiro tem a maioria de suas faixas imagéticas e cinematográficas, literalmente bem amarradas por um fio condutor. Literalmente, porque Mehmari liga algumas músicas por um som proposital conseguido pela região mais aguda do acordeom.

Outro ponto interessante em Canteiro é o fato de Mehmari tocar diversos instrumentos em várias faixas do disco. Não que o piano tenha ficado pequeno para ele. Trata-se de uma opção, com o compositor gravando em alguns momentos violão, flauta, acordeom, rhodes, viola, violino, contrabaixo e fazendo também programações de bateria.

Além, obviamente, de assinar os arranjos, Mehmari é responsável pela gravação, mixagem e masterização do disco, graças às facilidades de ter um ótimo estúdio montado em casa.

"Eu quis buscar a simplicidade e deixar a canção falar mais alto. Por isso a escolha de tocar instrumentos nos quais eu não tenho a mesma facilidade que tenho no piano. Se este disco fosse gravado por uma orquestra profissional, teria outro som. Comigo tocando vários instrumentos, com o meu jeito 'errado' de tocar, como em Valsa Russa, a gente tem o som como se fosse de uma orquestrinha idiossincrática", comenta Mehmari.

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Canteiro também conta com instrumentistas de grande respeito, como Sérgio Reze, Neymar Dias, Teco Cardoso, Hamilton de Holanda, Luca Raelle, Chico Pinheiro, além de participação estupenda da Orquestra à Base de Sopro de Curitiba, no frevo Brilha o Carnaval, no qual Mehmari "quis dar enfoque à sua caneta de arranjador".

No disco, alguns dos compositores cantam seus próprios temas, como Sérgio Santos, Silvio Mansani, Simone Guimarães, Leandro Maia e Luiz Tatit. Canteiro tem ainda gravações de intérpretes de peso, como Mônica Salmaso (Apenas o Mar e Modular Paixões), Ná Ozzetti (Festa dos Pássaros), Jussara Silveira (Viagem de Verão), o argentino Carlos Aguirre (Cruce) e o português Antonio Zambujo (Meia Lágrima).

Outra novidade do álbum é Mehmari cantando. Ele, que já havia dado demonstrações de sua voz, assume o papel de intérprete em oito faixas do CD. Com o ano terminando, Canteiro deve chegar aos palcos apenas em 2012, tendo como benefício a possibilidade de ser apresentado em diversas formações.

ESTADO DE MINAS - Afinidade total

Carolina Braga

(22/11/2011) Era tempo de laranjais carregados quando os músicos Alexandre Andrés, Gustavo Amaral e Luiz Gabriel Lopes resolveram se recolher na Fazenda das Macieiras, em Entre Rios de Minas, para fazer um som diferente. Não é que deu caldo? Com CD praticamente pronto para ser lançado no início do ano que vem, eles formam o Trio Laranjeiras, atração desta noite do projeto Paratodos, no Conservatório UFMG.

“O nome foi uma brincadeira dos meninos. Chupávamos muita laranja nos intervalos da gravação”, conta Alexandre Andrés. Para ele, é tarefa praticamente impossível tentar definir o som do trio, principalmente pelas múltiplas referências de cada integrante. Todos mantêm carreiras paralelas: enquanto investe na carreira solo, Alexandre toca com Gustavo Amaral no grupo Diapasão; por sua vez, Luiz Gabriel é cantor e compositor do grupo Graveola e o Lixo Polifônico.

Autoral, o trabalho do Trio Laranjeiras é marcado por formações diferenciadas. “Valorizamos muito a questão vocal. Por causa da nossa formação, conseguimos fazer um show só com os três no palco”, detalha o flautista. Além dos violões, do baixo e das flautas, o Laranjeiras toca kuatro – uma espécie de viola venezuelana.

Os instrumentistas se revezam também nas vozes. “Aproveitamos os instrumentos de maneira que o resultado seja uma coisa consistente, interessante para as pessoas. Algumas canções tocamos com três violões, fazemos três vozes, duas ou uma. Sempre tive vontade de experimentar essas formações diferentes, explica Andrés.

Alexandre, Luiz Gabriel e Gustavo são primos distantes. Além de passar a infância e a adolescência “brincando” de fazer música, como profissionais eles cultivam afinidades artísticas. “Resolvemos fazer uma coisa bem solta para ver no que ia dar. Começamos a nos encontrar na casa do Luiz e percebemos que falávamos a mesma língua. De cara, montamos repertório com três músicas de cada um”, detalha Alexandre. Esse é o conteúdo do primeiro CD do trio, Terra das laranjeiras. Todas as faixas são inéditas. “Vamos tocar três músicas de cada”, adianta Alexandre sobre o show desta noite.

ESTADO DE MINAS - Ao embalo das bandas de praça

(22/11/2011) “Era dia de festa quando a banda tocava no coreto da praça. Lembro-me das procissões, das barraquinhas ao lado da igreja, do cheiro de quentão, das comidas e das paqueras nos bancos da praça”. É assim que Eduardo Garcia, mais conhecido como Garbo, descreve as lembranças que o levaram a gravar seu primeiro disco. Leveza e sofisticação resumem o trabalho 100% autoral, que será lançado hoje, às 20h, no Museu Inimá de Paula.

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Com o nome de Discurso romântico com finalidade erótica, o CD traz bagagem de mais de uma década de trabalho na área musical. “É um apanhado da minha história, de um tempo sem rigidez cronológica, alinhavado por sentimentos vividos”, conta. A ideia da gravação surgiu a partir de pesquisa sobre as bandas de praça. “Podemos dizer que é uma homenagem às centenas de bandas de Minas, que estão tanto em eventos solenes como em festividades, de procissões a desfiles de carnaval. Não dá para rotular, é passeio por todas as esferas musicais, povoadas pelas bandas de praça”, ressalta Garbo.

O repertório do álbum traz composições influenciadas pela época em que ele viveu no Rio de Janeiro trabalhando para Ronaldo Bastos, compositor de estética refinada, e sob a inspiração da liberdade maldita do poeta Waly Salomão. Das mais de 200 canções espalhadas em cadernos, foram escolhidas 10. “A intenção era fazer um disco leve, com clima de sábado à tarde na praça”, diz. A ideia saiu do papel e se concretizou com apoio do músico e artista plástico Júlio Curi, responsável pela regência e arranjos.

Além de Curi, outros amigos experientes vieram se somar ao time. O disco, que será lançado pelo Estúdio 304, tem produção musical de Chico Neves, responsável, entre outros trabalhos, por CDs de Los Hermanos, O Rappa e Lenine. A mixagem e masterização são de Ben Findlay, que trabalha com Jeff Beck, Paul McCartney e Peter Gabriel. Para Garbo, o grupo contribuiu para a união de sensações representada por músicas bem descontraídas e outras mais delicadas.

Um dos elementos que mais chamam a atenção é a atmosfera malandra dos metais, criada a partir da união de voz, sopros e bateria. Para isso, o cantor formou banda “pesadíssima”, composta por Leonardo Brasilino (trombone), Juventino Dias (trompete e frugelhorn), Sérgio Danilo (sax, clarinete e flauta transversal) e Isaque Macedo (tuba). Na bateria, Lincoln Cheib, que será substituído na apresentação de hoje por Luiz Paulo.

GarbosoOscar Wilde, Fiodor Dostoièvski, Murilo Mendes, a trindade – Sarah, Billie e Ella – Waly Salomão, Luis Capucho, Marina Lima e Bia Grabois são fontes de inspiração para o cantor, que começou a compor aos 16 anos. O músico Pedro Luiz e a Parede não poderia ter acertado mais ao escolher seu apelido. Aos 21, Garbo já frequentava estúdios de gravação e, naquela época, começou a tocar em bares de BH. No ano seguinte, concorreu à categoria de melhor cantor de Minas e não parou mais. Participou de várias bandas de rock e pop, entre elas o Jota Quest, da qual foi o primeiro vocalista. Mas foram as canções americanas e seus intérpretes que o emocionaram.

De 1991 a 1996, experimentou cantar seus ídolos ao lado de Flávio Henrique. Em seguida, foi morar no Rio, onde trabalhou no selo Dubas, a convite de Ronaldo Bastos. Esse período de fertilidade profissional serviu de inspiração para compor as canções do novo disco, que hoje vem coroar uma história na produção musical brasileira assumida pelo músico.

ESTADO DE MINAS - Mistura bem brasileira

Ailton Magioli

(23/11/2011) Coisa rara na cena paulistana, na qual a música pop predomina nos últimos tempos, aos poucos grupos com trabalho autoral começam a mostrar a cara. O exemplo mais recente é a banda Pitanga em Pé de Amora, formada por uma turma jovem, assumidamente adepta da brasilidade, cuja faixa etária varia dos 24 aos 26 anos. “Passou do ponto/ Bebeu, perdeu a hora/ Tá sempre mais perdido/ Que pitanga em pé de amora”, sugere a divertida letra da marchinha que, mesmo responsável pelo inspirado batismo da turma, acabou ficando fora do repertório do CD independente de estreia, integralmente disponibilizado para download no site www:pitangaempedeamora.com.br.

Diego Casas (voz, letras, violão e percussão), Daniel Altman (violão sete cordas, voz e composição), Gabriel Setúbal (sopros, composição, violão e percussão), Angelo Ursini (sopros, composição e percussão) e Flora Poppovic (voz e percussão) integram o quinteto, cujo potencial reside exatamente no trabalho autoral que esbanja ritmos e gêneros brasileiros. Letrista oficial da banda, Diego Casas, cuja voz parece querer incorporar um Carlinhos Vergueiro e um Chico Buarque quando jovens, diz que o bom no trabalho do grupo é que “todos querem meter a mão”. Apesar de Diego e Flora

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Poppovic – além de Daniel Altman – dividirem os solos, na hora do instrumental, todos deixam claro ter uma ligação muito forte principalmente com o choro.

Além do próprio choro, samba, toada, valsa, marchinha e a canção urbana perpassam o trabalho do Pitanga em Pé de Amora, cuja instrumentação acústica privilegia as cordas, com direito às indispensáveis intervenções dos sopros. A banda começou como um grupo de compositores, quando Diego, Daniel, Gabriel e Angelo Ursini perceberam que todos faziam música, a começar da letra. “Acabei responsável pela reunião de todos, sendo Gabriel e Flora Poppovic os últimos a chegarem”, recorda Diego Casas, salientando que, compostas as músicas, restou à turma cuidar dos arranjos.

O café-teatro Casa de Francisca, nos Jardins, foi o primeiro palco da banda, em 2008, de onde o grupo partiu para outras apresentações. Depois de começar a conquistar o rádio, via São Paulo e Rio de Janeiro, a banda começa a planejar a primeira turnê para o ano que vem, com provável passagem por Belo Horizonte, onde já cativa fãs. “A nossa cara é bem Brasil”, anuncia Diego. E, é bom reforçar, com direito a sotaque musical diferenciado, graças às pequenas pérolas do repertório, formado pelas inéditas Quem ouvirá, Sempre adiante (Andina), Frevo, Chegou, Quando eu te encontrar, Ninguém viu, Meu caminho, Shot, Choro (Bate boca), Melhor assim, Maré baixa e Laura.

ESTADO DE MINAS – A voz e o tempo

Caixa com 16 álbuns reúne trabalhos lançados por Ney Matogrosso entre 1993 e 2009. Metamorfoses apresenta fase mais pessoal do cantor e traz disco duplo com raridades

Ailton Magioli

(Universal Music/Divulgação)

(23/11/2011) Estrela de primeira grandeza, que figura entre os artistas mais conceituados da MPB, Ney Matogrosso, de 70 anos, não bota banca e muito menos é chegado a estrelismo. “O sucesso não subiu à cabeça dele porque, além de passar por dificuldades em sua fase hippie, quando vendeu artesanato, ele começou a carreira tarde (32 anos), estando preparado para o estrelato. Fora o fato de ter buscado a espiritualidade e o autoconhecimento. Ney tem o pé no chão, tem conhecimento do que é”, justifica o pesquisador Rodrigo Faour, que produziu para a Universal Music a segunda e última caixa com a qual aborda a obra solo completa da cantor, à exceção do recém-lançado Beijo bandido ao vivo.

Depois de Camaleão, de 2008, em que reuniu desde o primeiro disco solo de Ney (Água do céu – Pássaro, de 1975) até À flor da pele (1990), chega às lojas Metamorfoses, que vai de As aparências enganam, de 1993, a Beijo bandido, de 2009, com direito a álbum duplo de raridades. No livreto que acompanha o box, o próprio cantor revela que foi a partir do CD O cair da tarde, de 1997, que ele assumiu a frente do seu trabalho. “Cantei só o que quis, com os arranjos supervisionados por mim. Até então era tudo na mão do (Marco) Mazzola”, justifica Ney, que trabalhou com o produtor de 1978

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até 1996. Se na primeira caixa a maioria dos discos nem sequer havia sido lançada em CD, desta vez Faour teve acesso aos originais, contribuindo para a elaboração do livreto à parte, com textos.

Na opinião de Rodrigo Faour, Ney Matogrosso é dos poucos artistas que conseguem gravar qualquer gênero, num ecletismo impressionante que o deixa sempre à vontade, independentemente de ritmo, estilo ou época. Impressionado com a acessibilidade do artista, o pequisador conta que de todos os artistas com os quais ele produziu caixas – Maria Bethânia, Caetano Veloso e Simone, entre outros – Ney foi o único que foi à casa dele, no Rio. Detalhe: a pé. “Ele é incrível. É uma pessoa normal, de carne e osso”, elogia Faour, ressaltando o “prestígio inabalado” do cantor, que, mesmo diante da crise do mercado fonográfico, conseguiu fazer temporada de três semanas de casa lotada, em São Paulo.

“Trata-se de profissional ético, criterioso e rigoroso no trabalho” prossegue Rodrigo Faour, que prepara para o fim do mês o lançamento da caixa de seis CDs de Inezita Barroso, paralelamente aos boxes de Elis Regina e Nana Caymmi que vão chegar ao mercado apenas no ano que vem.

EssênciaPor mais que Metamorfoses reúna discos essenciais na carreira de Ney – em 1995, por exemplo, ele prestou tributo à diva Angela Maria, em Estava escrito, seguido de Um brasileiro, de 1996, em que cantava a obra de Chico Buarque. Já em Olhos de farol, de 1999, volta a repertório inédito, cantando Pedro Luís, Flávio Henrique e Celso Viáfora, entre outros, enquanto em Vagabundo, de 2004, celebrava a parceria com Pedro Luís e A parede, voltando a surpreender em 2008 com o apropriado Inclassificáveis, de sonoridade assumidamente pop-rock – a surpresa da caixa fica por conta das 31 raridades, reunidas em álbum duplo. Como na época de Camaleão não foi possível conseguir a liberação de alguns fonogramas, foram incluídas agora pérolas como o dueto de Ney como a conterrânea Tetê Espíndola, em Na chapada.

E mais: em meio às raridades de Metamorfoses encontra-se, ainda, o duo com o argentino Pedro Aznar, em Joana Francesa, de Chico Buarque, além do encontro com o português Pedro Jóia, com quem gravou Duas nuvens no CD Canto em qualquer canto. Roqueiro (Você não entende o que é o amor, em dueto com Rodrigo Santos, do Barão Vermelho, e 4 letras, com George Israel, do Kid Abelha) e carnavalesco (Chuva, suor e cerveja, de Caetano Veloso, gravada por ele com Edson Cordeiro, além da marchinha Lig, lig, lig, lé, que foi abertura da novela Negócio da China, da Globo), Ney ainda canta a nova geração da MPB na bossa Lavoura, de Teresa Cristina e Pedro Amorim, em duo com Roberta Sá.

FOLHA DE S. PAULO - Discografia de Pepeu Gomes volta combinando música e purpurina

Álbuns do cantor misturavam virtuosismo instrumental e elementos visuais do pop mundial

Artista afirma que suas referências estéticas eram o inglês David Bowie e o americano Michael Jackson MARCUS PRETO, DE SÃO PAULO

(23/11/2011) Passados dez anos de vida hippie na comunidade dos Novos Baianos, banda que o lançou, Pepeu Gomes recebeu um cheque em branco da gravadora Warner. Podia preencher o valor que bem entendesse para deixar o barco e seguir em carreira solo. "Eles queriam um artista pop, que fosse bonito, bom guitarrista e compusesse bem para ser um homem de frente. Eu não aceitei", diz Pepeu.

Mas topou outra proposta: fazer um álbum instrumental, acompanhado justamente dos irmãos Gomes, que eram a banda que acompanhava os Novos Baianos.

Foi assim que estreou sozinho, em 1978. "Geração do Som" deve chegar às lojas até o Carnaval de 2012, dando seguimento à reedição de sua obra completa em CD. Nove títulos já foram relançados.

Em 1979, com os Novos Baianos já agonizando, Pepeu decidiu aceitar o cheque. E, aos poucos, se tornar o "homem de frente" que a gravadora esperava dele.

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Começou timidamente com "Na Terra a Mais de Mil", disco em que se assumia cantor só pela metade. Na outra metade, reinava o guitarrista em faixas instrumentais.

Até que começou a se apresentar em festivais de jazz no exterior. De cabelo na cintura. E saia. Roxa e de bolinhas.

"Teve gente que perguntou: 'Qual é o nome dessa menina?'", lembra. "Eles me diziam que eu era o David Bowie brasileiro. Como amava o Bowie, achei que era um caminho. A partir disso, encontrei minha personalidade."

Vestiu o personagem fisicamente: roupas de paetê, cabelos verdes, amarelos, maquiagem pesada, purpurina. Casado com Baby Consuelo, entrou de cabeça na loucura.

"Fomos para Nova York e vi uma mulher com cabelo verde. Entrei no salão do jeito que eu estava e saí uma arara da Amazônia", diz. "Virei o Michael Jackson tupiniquim, mas com elegância."

Sim, estávamos em 1982 e a gravadora queria produzir aqui uma versão de Michael.

Pepeu conta que ia assim aos jogos no Maracanã. E que não enfrentava nenhum tipo de preconceito. Afirma que não havia, naquela atitude, nenhuma bandeira sexual.

"Eu só queria um mundo mais alegre. O Brasil tinha problema sérios: quem jogasse um blush no rosto era viado. E minha proposta era outra: se o brilho está no mundo, vamos usar."

O som de Pepeu, no entanto, não seguia a linha de Bowie nem a de Michael. Ele continuava a escola dos Novos Baianos, experimentando fusões de música brasileira com o tecnopop que reinava nas rádios então. E tocando guitarra cada vez melhor.

Terminado o casamento com Baby, Pepeu quis se livrar de todo o passado. Em seu LP de 1988, começou a usar terno. David Bowie, sua referência, também acabara de adotar visual semelhante.

"É o Pepeu que permanece", diz. "Passei por três overdoses, entre os 20 e 40 anos. Overdoses de vida e de drogas, todas as que você imaginar. Sou um sobrevivente. Hoje, sou um cara bacana."

O GLOBO - Quando a arte desemboca na músicaA multidisciplinar banda AVA estreia em disco, liderada pela filha de Glauber

Leonardo Lichote

(23/11/2011) Ava Rocha faz cinema — seu primeiro longa metragem, “Ardor irresistível”, acaba de participar da III Semana dos Realizadores. Ava Rocha também faz música — a banda AVA, que integra ao lado de Daniel Castanheira, Emiliano 7 e Nana Carneiro da Cunha, está lançando seu CD de estreia, “Diurno” (Warner). Ava Rocha, e talvez seja isso o mais importante a se dizer sobre o disco, faz música como quem faz cinema — ou pintura, escultura ou teatro.

— A nossa minha relação com a música não passa por interesses estritamente musicais — diz a cantora e compositora, filha dos cineastas Glauber Rocha e Paula Gaitán. — Existe uma relação com cinema, artes plásticas, teatro. Gosto do conceito de (José Miguel) Wisnik de canção expandida.

Macalé, Capinam e Torquato

Wisnik já definiu canção expandida como “aquela que passeia por temas mais ou menos fortuitos, difusos, nem sempre definíveis com clareza, e traz com eles uma massa sonora de fundo que se expande e às vezes abre lagoas musicais autônomas, ou que levam a canção para lugares inesperados”. Parece AVA, sim. Ao mesmo tempo em que constrói canções — e as puxa para si,

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AVA ROCHA (à direita) e o AVA: som com um lado extramusical

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como quando grava “Movimento dos barcos”, de Jards Macalé e Capinam, “Pra dizer adeus”, de Edu Lobo e Torquato Neto, e “Bons momentos”, composta por Michel e Marquinhos, sucesso na voz de Tim Maia —, a banda força os limites da canção. Seja trafegando por gêneros diferentes na mesma faixa, seja usando um piano preparado num frevocanção lisérgico ou uma guitarra noisy de Arto Lindsay, ou explorando uma poética mais sensorial que narrativa. Como na imagem da capa do CD, assinada por Tunga: quatro cabeças decepadas, mas dispostas com harmonia e unidas num mesmo emaranhado de cabelos sobre a areia da praia.

— O nosso som tem esse cruzamento do lugar afetivo da canção com esse desejo de mover, de passar de um lugar para o outro — explica a cantora. — Mas não existe aí nada contra nada, nenhuma pretensão de quebrar paradigmas.

A rede de referências declaradas que saltam do disco é complexa e bem tramada. Vai de Tim a Macalé, de Edu a Torquato, de Frida Kahlo e Clarice Lispector (ambas inspiram canções do CD), de Nelson Sargento (“Ela é o samba”, parceria de Ava com Fredy Állan revira pelo avesso “Agoniza mas não morre”) a Capinam. Tudo em seu lugar, com suas razões: — Sempre quis cantar “Movimento dos barcos”, mesmo antes de sonhar em ser cantora.

O Tim Maia poderia ter entrado com qualquer uma, me sinto às vezes um pouco Tim Maia na minha viagem pessoal, tento imitar um pouco ele com os graves. “Bons momentos” vai num lugar da emoção popular, uma coisa que me motiva muito — diz Ava. — A canção traz a letra em seu próprio corpo, na sonoridade. “Pra dizer adeus” chega através da Nana (Carneiro da Cunha, que divide os vocais com Ava na faixa) e está no CD por se tratar de Edu, de Torquato, de Bethânia.

‘Não é um roteiro fechadinho’

“Diurno” — que tem produção de Felipe Rodarte — consolida um processo iniciado em 2008, quando o AVA se formou e montou um show com um repertório com muitos pontos em comum com o que se ouve, amadurecido, agora.

E com reforços — o baixo acústico de Rodrigo Sebastian e o piano, acordeon e teclado de Otávio Ortega. Nas canções alheias ou nas próprias (dos integrantes da banda e do parceiro Pedro Paulo Rocha), nos arranjos e referências, as ideias se ligam como num roteiro, nota Ava, reafirmando a ligação da banda com o cinema:

— Mas não dá para fazer uma sinopse, tem muita coisa ali. Existem elementos ligados a sensações, ao mar, à densidade, ao amor, ao coração. Mas você também corpa os pulsos com ele. Não é um roteiro fechadinho.

CORREIO BRAZILIENSE - É um pouquinho de Brasil, iá-iá!

Pedro Brandt

(23/11/2011) Na primeira passagem do grupo Marambaia pela França, em 2008, o bandolinista Marcelo Lima se impressionou com a boa recepção que a música brasileira recebe no país. “Como fazemos música instrumental, não existe a barreira da língua. E nossos ritmos, o samba, o choro, o frevo, o baião, são muito contagiantes. Então nossa experiência por lá foi muito bacana”, comenta o músico.

Grupo brasiliense formado em 2001, o Marambaia está mais uma vez na capital francesa. Hoje, eles fazem a primeira de três apresentações na Europa. O Marambaia é o representante de Brasília no projeto da

Embratur Ritmos do Brasil, que tem como objetivo apresentar ao público estrangeiro as 12 cidades sedes da Copa do Mundo de 2014 por meio da música. Depois de Paris, o sexteto brasiliense passará por Milão, no sábado, e por Berlim, em 1º de dezembro.

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Na ativa desde 2001, os integrantes do grupo brasiliense Marambaia promovem em sua música uma fusão de ritmos tupiniquins (Sávia Gabi /Divulgação)

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Nas três cidades, além dos shows, o Marambaia ministrará oficinas de instrumentos musicais brasileiros — uma atividade, aliás, que eles vêm desenvolvendo também pelo Brasil. Os participantes da iniciativa receberão como brindes minipandeiros, reco-recos, berimbaus, maracas e tamborins. Marcelo Lima explica que a ideia não é fazer com que as pessoas aprendam a tocar os instrumentos, mas sim terem um primeiro contato com eles, entender seus fundamentos, como eles funcionam.

Durante a uma hora e meia da oficina, o Marambaia mostrará uma música brasileira e como esses instrumentos podem ser usados para acompanha-lá — até para que os alunos mais animados, possam interagir com a banda durante a apresentação. “Sempre escolhemos uma música emblemática e preparamos um arranjo com movimentos bem simples para que as pessoas consigam tocar”, explica Marcelo. A escolhida para as oficinas foi o clássico Brasileirinho, de Waldir Azevedo.

Clássicos nacionaisO repertório para ser interpretado no Velho Continente pelo grupo brasiliense foi escolhido a dedo. São músicas que representam o Brasil, muitas delas standards já internacionalmente conhecidos. Entre as selecionadas estão Garota de Ipanema, Wave (Tom Jobim), Aquarela do Brasil (Ary Barrosos), Mas que nada (Jorge Ben) e Tico-tico no fubá (Zequinha de Abreu).

Mas o grupo — além de Marcelo Lima, formado por Marcus Moraes, no violão; Alexandre Macarrão, no baixo; Célio Maciel, na bateria; e Leonardo Barbosa, na percussão — não pretende apenas interpretar esses clássicos. O grupo é conhecido pelas misturas de ritmos (nacionais e estrangeiros, como rock e jazz), pot-pourris, inserção de uma música dentro de outras e outras brincadeiras musicais. A ideia do roteiro, conta Marcelo, é passar pelas possibilidades de ritmos da música brasileira. Além de samba, choro, frevo e bossa, o quinteto vai mostrar uma música de trio elétrico com guitarra baiana e um samba-reggae.

A pedido da produção do evento, eles também incluirão músicas cantadas no set list: Homenagem ao malandro, de Chico Buarque; Frevo mulher, de Zé Ramalho; Trem das onze, de Adoniran Barbosa; e duas composições de Jorge Aragão, Coisinha do pai e Vou festejar. Mais do que fazer shows e oficinas, Marcelo Lima diz que a viagem tem outros objetivos: “Queremos mostrar a variedade da música do nosso país na Europa, mudar essa imagem de que somos só futebol e mulata. Queremos levar a cara de um Brasil novo, mostrar outra perspectiva”.

LIVROS E LITERATURA

CORREIO BRAZILIENSE - Portal de lazer

Focada no entretenimento, a 30ª Feira do Livro de Brasília aposta nas atrações infantis e na diversidade das palestras e mesas-redondas. A programação segue até domingo

Ricardo Daehn

(17/11/2011) “O livro, na minha época, ficava na prateleira. Aqui, não. Vi mães sentadas no chão, interagindo com os filhos e com os livros”, disse, em tom de comemoração, a pedagoga Roseane Bezerra. Recém-chegada de Fortaleza, ela foi estimulada pelos comentários ouvidos de colegas para comparecer à 30ª Feira do Livro de Brasília, que tem programação até domingo, no Pavilhão de Exposições do Parque da Cidade. “A impressão geral é muito boa: parece que querem abranger todos os leitores”,

comentou ela, que levou os filhos Igor Alves, 13 anos, e Ítalo, 7 anos, para acompanhar o desempenho do contador de histórias Tino Freitas, numa arena lúdica. “É legal a maneira dele falar

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Tino Freitas conta histórias para atenta plateia infantil

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com as crianças. Ele contou de viagens, algumas nos livros”, comentou Igor, aluno do Colégio Militar. Ao contrário dos dias anteriores, o feriado teve um movimento maior de pessoas.

Às vésperas de lançar o livro Os três porquinhos de porcelana (amanhã, na feira), Tino Freitas — que é mediador do projeto infantil Roedores de Livros, na Ceilândia — deposita esperanças de que os livros vendam, mas não toma o comércio como fim. Inseparável das obras, durante a apresentação, e ocasionalmente munido de recursos musicais, Tino provou o magnetismo junto a 70 crianças. “Venho para entreter. Como retorno do público tenho a motivação para contar, futuramente, uma história ainda melhor. O contato com as crianças é muito verdadeiro”, observa o autor, há cinco anos cercado pelo universo dos pimpolhos.

Bastante assediada, nos corredores da feira, a patrona do evento Dad Squarisi ressalta a diversificação como ponto estratégico da feira, pelos espaços como o terceira idade, o da Arena Cultural e o reservado às palestras, no Café Literário. “Estamos numa nova era de alfabetização: a internet exige que as pessoas leiam cada vez mais”, comenta a editora de Opinião do Correio. No sábado, o neto João Marcelo Squarisi lançará Horta em figurinhas, formatado por princípios ecológicos.

Monstro escuroSem distinções entre leitores jovens ou adultos (“eles têm o mesmo peso”), a palestrante Marina Colasanti, na última quarta, dividiu com o público o bom momento de ter vencido o prêmio Jabuti, numa carreira que alcança 33 publicações. “O ego expandido é uma falta de elegância. Claro que há o orgulho e prazer pela ressonância de um trabalho. O ego dilatado invalida você”, comentou, para o público de 50 interessados. Recentemente premiado, Antes de virar gigante e outras histórias, na opinião dela, ganha unidade, em muito, com as ilustrações dela, sempre animada com a técnica do óleo sobre tela. Diferentes escalas de leitores é motivo de ânimo. “O envolvimento, na escrita, é o mesmo. O monstro escuro debaixo da cama, que num texto pode assustar crianças, é aquele monstro que mora no nosso coração: está no medo da vida, da morte e do abandono”, exemplificou.

Leitora desde os 4 anos de idade, a estudante Gabriela Garavelli, 17 anos, estranhou a falta do público da idade dela, pelos corredores da feira. Depois de adquiri o livro Mentes inquietas e um exemplar de mangá, ela arriscou atrelar o relativo desinteresse dos jovens com as facilidades de leitura dadas pela internet. “Vim à feira para me informar do novo e para trazer minha filha”, comentou, a mãe de Gabriela, “sempre crucificada, por causa dos pais professores”, Isa. Também consumidora, ela percebeu certo interesse dos vendedores de popularizar o livro. “O pessoal deve estar comprando mais”, avaliou a professora de português aposentada.

Numa rotina de conferências, traduções e publicações de artigos — “além do cuidado de quatro filhos e de um gato” —, o tradutor israelense Yoram Meltcer dividiu parte da sistemática de trabalho com o público atento às experiências dele com espanhol, francês, catalão, português e italiano. “É muito bonito ver nos diferentes países, o mesmo público, que tem brilho nos olhos”, comentou. Há 20 anos na lida, ele responde por versões para obras como as de Julio Cortázar e de António Lobo Antunes (Os cus de Judas e Auto dos danados), ele pontuou desafios “pessoais e textuais”. “A língua é intraduzível, o objeto do tradutor é o texto”, disse Meltcer. Na plateia, o escritor Nelson Carvalho (A noite em que dormi com Che) comemorava a oportunidade do encontro propiciado pela feira. “Imagina! Levar para o hebraico os nossos livros. Que experiência fascinante!”, concluiu.

CORREIO BRAZILIENSE - No silêncio da noite

Felipe Moraes (18/11/2011) Numa época em que escritores iniciantes começam em blogs pessoais, postando entradas como quem cria pequenas histórias ou capítulos de romances, o ritual de Adriana Kortlandt até parece antiquado. Se é para usar caneta e papel, ela prefere a maciez de um exemplar de bico de pena e uma folha cor de marfim ou reciclada. Deixa os instrumentos de trabalho do lado da cama. De madrugada, os contos

57Adriana Kortlandt lança livro de contos nascidos durante a madrugada

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que publica em seu livro de estreia, Almagesto: contos anímicos (Thesaurus), cuja segunda edição ela lança hoje (às 18h30, no Carpe Diem), saltam dos sonhos direto para a ponta dos dedos.

Desperta, a psicóloga rabisca frases soltas e até parágrafos inteiros. “O primeiro conto que escrevi na vida, A estrela e o tempo, foi assim: acordei às 4h com imagens dele. Fiz um café, levei para a cama e escrevi o dia inteiro até terminar”, ilustra.

Como sugere o título, a reunião de textos curtos versa sobre sentimentos primitivos. Segundo a escritora, que há 30 anos toma notas dos sonhos e registra o cotidiano em diários, a morte é o fio condutor de todas as narrativas. “O livro fala do fenômeno de morrer. De coisas que vão morrendo.

Numa vida só, existem várias mortes, várias transformações. A gente muda de trabalho, de cidade, despede-se das pessoas. Fecha uma porta, deixa coisas passarem”, enumera a carioca, que também divide a autoria de Fios da memória — Um guia para escrever sobre si (Thesaurus) com Helena Silveira.

A primeira edição de Almagesto, divulgada há dois anos, com cerca de 550 exemplares, esgotou rápido e conquistou as leitoras — a reedição apresenta o inédito Gioconda. “É um livro basicamente de mulheres. Só tem dois ou três homens no total”, justifica.

Já que os personagens vêm quando não está consciente, ela não sabe dizer com certeza se o que faz tem raízes na imaginação ou em experiências vividas. “É um processo de elaboração dos meus

conteúdos psíquicos, da minha biografia restrita e do que observo do mundo, que também acaba participando da minha biografia. Isso tudo chacoalha na minha cabeça e me acorda à noite”, ela tenta decifrar.

O ESTADO DE S. PAULO- Rolo na tradução

MinC seleciona Leite Derramado para bolsa e põe fogo nas críticas a Ana de Hollanda

JOTABÊ MEDEIROS

(18/11/2011) O Ministério da Cultura, por intermédio da Biblioteca Nacional, aprovou apoio à tradução do livro Leite Derramado, de Chico Buarque, para publicação na França pela Editora Gallimard. O valor do subsídio é de US$ 4 mil (cerca de R$ 7 mil). O autor é irmão da ministra da Cultura, Ana de Hollanda, o que suscitou protestos de algumas editoras cujos projetos foram preteridos.

A ministra da Cultura não escolheu o livro de Chico. Foi o Conselho Interdisciplinar de Pesquisa e Editoração (Cipe) da Fundação Biblioteca Nacional, que tinha também a prerrogativa de solicitar apoio de consultores externos para a sua decisão. Os critérios estabelecidos para a seleção de um livro eram os seguintes: relevância do autor e da obra a ser traduzida; consistência da proposta e qualidade do catálogo editorial da editora; currículo do tradutor e importância da publicação da obra para a promoção e divulgação da literatura brasileira no exterior. Para definir o valor, a complexidade do texto era o principal critério.

Consultada, a Assessoria de Comunicação do Ministério da Cultura não quis se pronunciar a respeito do caso, ao menos até o fechamento desta edição. Foram selecionados 28 livros para receber a bolsa, constante do Programa de Apoio à Tradução e Publicação de Autores Brasileiros no Exterior, que estará em ação até 2020. Todo o programa prevê a utilização de recursos no valor de R$ 2,7 milhões, provenientes do Fundo Nacional de Cultura.

O programa foi criado pela Fundação Biblioteca Nacional (FBN), instituição vinculada ao Ministério da Cultura, para difundir a cultura e a literatura brasileiras no exterior, com a concessão de Bolsas de Tradução e Publicação, com a finalidade de apoiar a publicação, em língua estrangeira, de obras de autores brasileiros no exterior.

O programa incluía os seguintes gêneros: romance, conto, poesia, crônica, infantil e/ou juvenil, teatro, obra de referência, ensaio literário, ensaio de ciências sociais, ensaio histórico e antologias de

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poemas e contos. Um dos vencedores foi o livro Se Eu Fechar Meus Olhos Agora, de Edney Silvestre, que será publicado na Holanda. Outro que será publicado na França, pela Anacaona Éditions, é Elite da Tropa 2, de Luiz Eduardo Soares, Claudio Ferraz, André Batista e Rodrigo Pimentel.

Foram aceitas inscrições para tradução e publicação em qualquer idioma, e as bolsas poderiam ser atribuídas às editoras que inscrevessem projetos que contemplassem obras nunca traduzidas para o idioma indicado ou que se destinassem ao custeio de nova tradução. Outros títulos selecionados foram: O Movimento Pendular, de Alberto Mussa, e Sinfonia em Branco, de Adriana Lisboa (para a Romênia), A Guerra no Bom Fim, de Moacyr Scliar (para a Alemanha), Mastigando Humanos, de Santiago Nazarian, e O Cemitério dos Vivos, de Lima Barreto (para a Espanha), e duas obras de Luis Fernando Verissimo, O Opositor e Os Espiões, também para a Romênia.

Agenda. À beira de uma reforma ministerial, a ministra da Cultura tem mantido uma agenda focada principalmente em despachos internos e longe de eventuais conflitos com artistas desgostosos com os rumos de sua gestão - fora vaiada em Brasília durante o festival de cinema. No dia 9, entregou a personalidades de destaque no Teatro Santa Isabel, no Recife, a Ordem do Mérito Cultural, o que incluiu curiosamente uma medalha para si mesma - a distinção é fruto de um decreto de 2009, que reza que todo ministro da Cultura deva ser condecorado no seu primeiro ano de gestão, conforme esclareceu o MinC.

O ProCultura, que embute a reforma da Lei Rouanet, está praticamente parado no Congresso, assim como o projeto do Vale Cultura. Isso, somado a uma execução pífia do orçamento, tem levado muita gente importante a se manifestar a respeito das políticas do MinC sob o governo Dilma, caso do diretor de teatro José Celso Martinez Corrêa. Este postou uma carta aberta em seu blog na semana passada.

"Depois do horizonte aberto por ministros como Gil e Juca no governo Lula, sacrifica-se uma artista como Ana Buarque de Hollanda como bode da situação", diz Zé Celso. "Dilma não pode fazer isso com os artistas, inclusive com sua ministra, não lhe dando condições de ação criadora. Precisa se encontrar com artistas brasileiros direta e imediatamente, corpo a corpo, para receber esta energia pré-sal da cultura que neste momento os artistas trazem no corpo e em suas obras."

Outro que afirmou sua dissidência foi o ator José de Abreu. Ele postou no Twitter, recentemente: "O MinC é tão insignificante que nem escândalos colam. R$ 200 milhões não foram aplicados este ano, e a ministra vai pra Buenos Aires no feriado", alfinetou. Militantes da área do Circo soltaram um manifesto contra a Funarte sob a gestão da ministra - tinha prometido pagar edital Pró-cultura/Lonas de Circo/2010 em agosto e os artistas dizem que nada saiu.

Depois de passar o feriado da Proclamação da República em Buenos Aires, em reunião com a Secretaria Nacional de Cultura da Argentina, Ana deve embarcar na segunda-feira para a Europa. De terça a sábado, acompanhada de Sergio Mamberti (secretário de Políticas Culturais), ela estará em Bruxelas acompanhando o Festival Europalia/Brasil.

ÉPOCA - O romancista tradutorRubens Figueiredo, o autor nacional mais premiado deste ano, lança a primeira tradução brasileira de Guerra e paz, de Tolstói

LUÍS ANTÔNIO GIRON

(21/11/2011) As funções do ficcionista e do tradutor parecem se excluir. Um se dedica a suas criações e não tem tempo para pensar em outros autores, quanto mais traduzi-los. O outro se ocupa em passar textos alheios para o idioma vernáculo, e sua assinatura é ofuscada pela dos autores. Em Rubens Figueiredo, ambos se fundem na mesma pessoa. Ele escreve ficção e traduz com igual entusiasmo. Esse trânsito dá a seu trabalho uma qualidade peculiar. Seus contos e romances – oito em 30 anos de carreira – falam de memória e cotidiano, com doses de sarcasmo e crítica. As 70 traduções que fez do inglês e nove do russo exibem uma fluência difícil de encontrar numa área cada vez mais entregue a amadores e arrivistas.

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Neste ano, Figueiredo é autor de duas façanhas. Tornou-se o escritor mais premiado do Brasil ao ganhar os prestigiosos – e bem pagos – prêmios São Paulo de Literatura (R$ 200 mil) e Portugal Telecom (R$ 100 mil) por seu último romance, Passageiro do fim do dia (Companhia das Letras, 200 páginas, R$ 40), de 2010. A segunda façanha está em lançar nesta semana a tradução do romance Guerra e paz, de Liev Tolstói (CosacNaify, 2.536 páginas em dois volumes, R$ 198). Trata-se da primeira tradução brasileira feita diretamente do russo da obra-prima de Tolstói (1828-1910), publicada 142 anos atrás.

Mesmo assim, ele não se acha consagrado. “Fiquei surpreso com os elogios”, diz. “Mas sigo no meu canto, fazendo o que sempre fiz.” Aos 55 anos, Rubens é um carioca pacato, casado há 20 com a escritora Leni Cordeiro. Tem dois enteados e vive entre o Rio de Janeiro e a cidade serrana de Teresópolis. Na serra, gosta de escrever. Lá terminou Guerra e paz e seu último romance.

Sua produção não o impede – nem o poupa – de trabalhar. Professor do ensino médio há mais de 30 anos, ele dá aulas de português no curso noturno e no supletivo do colégio estadual Manoel Cícero, na Gávea. Ele se formou e fez mestrado em português e russo na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Começou nos anos 1990 a traduzir ficção em língua inglesa, livros de Paul Auster e Susan Sontag. Há dez anos, passou aos clássicos russos: Pais e filhos, de Ivan Turguêniev, contos de

Anton Tchékhov e dois romances de Tolstói: Anna Kariênina e Ressurreição, entre outros. “Cheguei a Tolstói a pedido dos editores”, diz. “Mas ele acabou por marcar minha vida.”

Nada disso havia no início, quando fazia humor – “Talento de família”, diz (é irmão de Reinaldo Figueiredo, redator de humor da TV Globo). Seus três primeiros livros – O mistério da samambaia bailarina (1986), Essa maldita farinha (1987) e A festa do milênio (1990) – eram cômicos. “A vida me parecia leve na juventude”, diz. “Curiosamente, o humor foi diminuindo de livro para livro.”

Passageiro do fim do dia tem um tom sério: relata um dia na vida de Pedro – quase homônimo de um dos protagonistas de Guerra e paz, Pierre. Pedro é pobre. Num ônibus, dirigindo-se à casa da namorada na favela, ele pensa na vida. Ao saltar, já não é o mesmo, pois se dá conta da opressão e da finitude, as grandes questões de Tolstói. A influência não é casual. Figueiredo está às voltas com ele há sete anos, três com Guerra e paz. “Tolstói me impressiona pela consciência crítica”, diz. “Assim, ele questiona o

caráter científico da história e demonstra a força do acaso. Despreza os heróis. Nivela generais, camponeses, animais e plantas.”

A transformação do pobre Pedro lembra a do nobre Pierre. Ele também amadurece, só que ao longo de 20 anos. De 1805 a 1825, esse corpulento filho ilegítimo de um conde envolve-se em orgias, herda a fortuna do pai, casa-se com a bela princesa Hélène, separa-se ao descobrir que ela é “depravada”, entra na Maçonaria e, apesar de pacifista, luta na guerra. Casa-se com a plácida Natasha e se estabelece. Nesse meio-tempo, as tropas napoleônicas invadem a Rússia e são derrotadas pelo exército do czar Alexandre I em 1812. A conquista da paz interior de Pierre corresponde à da paz nacional. Escrito entre 1863 e 1869, Guerra e paz faz um painel histórico, com 500 personagens, quase todos reais.

Rubens procurou transferir ao português as inovações, a sintaxe e o léxico do romance. Segundo ele, Tolstói renovou o romance não só criando o épico moderno ao articular a vida íntima dos membros de cinco famílias nobres (fictícias) às campanhas militares do início do século XIX. “Ele registrou a fala de classes distintas. Há passagens intraduzíveis, como os diálogos dos camponeses e dos soldados. Tentei buscar correspondências coloquiais”, diz. Outra dificuldade foi manter o ritmo da narrativa, cheia de orações longas e interrupções, além do tom crítico. “Tolstói queria ser um bárbaro entre

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PRODUTIVORubens Figueiredo em seu apartamento no Rio de Janeiro. Ele traduziu 79 livros e escreveu nove. E tem tempo para dar aulas no curso supletivo (Foto: Daryan Dornelles/ÉPOCA)

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civilizados. Questionava a dominação cultural da Europa ocidental sobre o resto do mundo – encarnada em Napoleão, a figura mais saliente e atacada do livro.” O resultado é um texto nítido, sem frases intrincadas. Se em ficção ele é conciso, em tradução dá espaço à retórica de Tolstói.

A professora Regina Dalcastagnè, da Universidade de Brasília, especialista em literatura brasileira atual, afirma que a obra de Figueiredo se distingue da ficção urbana atual pela densidade. “Ele aborda cenários pobres, mas seus personagens não são violentos. Eles refletem, e isso cria estranhamento. Seu estilo é amarrado, o que a gente nota em suas traduções.” Para o tradutor do russo Paulo Bezerra, o que conta não é Figueiredo ser ficcionista, mas conhecer a língua e a cultura russas. “O ficcionista cria sua ficção, mas quando traduz se coloca na mesma condição do ‘não ficcionista’: opera com ficção alheia e desaparece como ficcionista. E isso Figueiredo faz bem.”

Para Rubens, não há segredo em ser a um tempo tradutor e romancista. “Tanto um como outro se expressam numa língua. O objetivo do tradutor é recriar no vernáculo um texto de outro idioma; o do ficcionista, exprimir sua experiência.” Por isso, ele

traduz com disciplina, mas faz ficção só quando tem o que dizer. Enquanto não lhe vem à cabeça uma trama, dá aulas e traduz. Planeja traduzir as memórias e os contos de Tolstói. “Não me forço. Escrever é uma necessidade que nasce da vida diária. Tanto fazer ficção como traduzir não envolvem apenas palavras. É bem mais que isso.”

FOLHA DE S. PAULO – Livro reúne textos inéditos da doutora Ruth Cardoso

(21/11/2011) Hoje, às 19h, ocorre o lançamento do livro “Ruth Cardoso: Obra Reunida” (editora Mameluco, 568 páginas, R$ 78), organizado por Teresa Pires do Rio Caldeira, que reúne textos de Ruth Cardoso (1930-2008).

A obra traz 41 artigos que, segundo a organização, são a íntegra da obra acadêmica da antropóloga e primeira-dama durante os mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).

O encontro, que ocupa o Centro Ruth Cardoso (r. Pamplona, 1005, Cerqueira César), tem entrada gratuita. A homenagem terá a presença do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e de Teresa Pires do Rio Caldeira.

O GLOBO - A cidade inventada de Alcione Araújo

Escritor descarta traços autobiográficos em ‘Ventania’, que lança hoje

Luiz Fernando Vianna

(21/11/2011) Depois de dois romances (“Nem mesmo todo o oceano” e “Pássaros de voo curto”) em que suas vivências compunham, pelo menos, o pano de fundo, Alcione Araújo lança hoje (na Livraria Argumento, às 19h) uma história que diz ser completamente ficcional. “Ventania” se passa numa inventada cidade de interior — e o escritor mineiro radicado no Rio nunca viveu em uma — tendo como protagonista um adolescente com dificuldades para estudar e ler.

— É o oposto de mim — afirma Alcione, que também nunca criara um personagem de 13 anos para um livro seu. — Sempre me intrigou que as notas atribuídas pelas escolas sirvam para eleger os bemvindos à produção, ao emprego.

E o que acontece com os que não são aceitos? Acho que a educação devia ser destinada aos não aceitos.

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Passageiro do fim do dia

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A reflexão não significa que “Ventania” seja um romance de tese. Está mais próximo de um romance de formação — não do autor, mas dos personagens: tanto o narrador (Delfos, de 47 anos) como o adolescente (Zejosé) encontram novos rumos para suas vidas por meio da descoberta da leitura.

O aspecto mais quente da trama, no entanto, é o triângulo formado pelas duas figuras masculinas e por Lorena Krull, de 31 anos, a bela criadora da biblioteca da cidade.

— A relação entre Lorena e o menino me interessa mais como metáfora da apropriação de conhecimento do que como sexo. Para ele, ela é a bibliotecária, a professora, a namorada, tudo — diz o autor. Alcione situou a história em 1961, o ano em que Jânio Quadros assumiu a Presidência da República e renunciou.

— Quis aquele momento em que o Brasil começou a caminhar num rumo do qual demorou a se livrar — afirma ele. — E quis parar o tempo num mundo sem TV, sem computador, uma época que passou.

Antes se brigava por um livro novo, e hoje a briga é por um novo iPod, que tem grande encantamento. Tenho esperança, mas não nego a realidade: nós, escritores, somos sobreviventes de uma contestação que perdeu audiência.

Hoje, no lançamento, haverá leitura de trechos da peça “Deixe que eu te ame”, de Alcione, pelos atores Maria Luísa Mendonça, Daniel Dantas, Thelmo Fernandes e Isabel Lobo.

CORREIO BRAZILIENSE - Vocação underground

Ousadia é a marca da recém-inaugurada A Bolha Editora, cujo catálogo privilegia propostas artísticas pouco convencionais

Pedro Brandt

(22/11/2011) Insatisfeita com o que considera mesmice, falta de ousadia do mercado editorial brasileiro, Rachel Gontijo Araújo resolveu publicar os livros de que gosta. Para a empreitada, não poderia ter escolhido nome mais apropriado. A Bolha Editora começou a atuar neste ano e, nos primeiros títulos, deixou clara a proposta.

Vá para o diabo, do argentino Federico Lamas, por exemplo, apenas parece um caderninho do tipo moleskine repleto de ilustrações. Mas, vistos com o auxílio de um visor que acompanha a publicação (chamado de visão infernal), os desenhos revelam segredos (escabrosos e divertidos). Mostram o que, a olho nu, o leitor não consegue perceber.

A celebração, do moçambicano Rui Tenereiro, Powr mastrs vol.1, de Christopher “CF” Forgues, e 0-800-Ratos, de Matthew Thurber, ambos americanos, são histórias em quadrinhos com artes e tramas pouco convencionais. Seu corpo figurado, de Douglas A. Martin (com tradução do escritor gaúcho Daniel Galera), é o primeiro lançamento da coleção Just a Bubble (dedicada à prosa) e apresenta uma análise dos trabalhos dos pintores Balthus e Francis Bacon e do poeta Hart Crane. Até o fim do mês, mais dois livros da coleção serão lançados (em coedição com a editora Autêntica).

Rachel conta que, por enquanto, o retorno que A Bolha recebe chega mais na forma de reconhecimento pela iniciativa do que em número de vendas. Ainda assim, a receita gerada pelos livros tem lhe dado condições de pagar algumas das contas da editora e acreditar em seu futuro. A Bolha, afirma a editora, é um projeto de vida.

Antes de começar A Bolha, essa brasiliense de 33 anos estava nos Estados Unidos, terminando um mestrado no Instituto de Arte de Chicago e dando aulas na Universidade de Columbia. “Escrevendo e

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ALCIONE ARAÚJO cria no terceiro romance triângulo amoroso em que os livros têm forte influência

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passando frio”, ela lembra sobre esses anos que foram fundamentais para sua formação e para a decisão de montar a editora. Antes disso, na Universidade de Brasília, ela fez mestrado em filosofia (curso que estudou na França) e, na cidade, trabalhou como editora assistente na Unesco. De volta ao Brasil, Rachel escolheu o Rio de Janeiro para morar. Lá, montou a sede de A Bolha, no terraço do prédio onde funcionava a fábrica de chocolates Bhering. É onde vendeu os livros de sua editora e diversas outras publicações nacionais e importadas, todas de artistas com afinidades com a proposta da Bolha.

Linguagem como corpoA Bolha, nas palavras de Rachel, busca trabalhos de investigações estéticas quase marginais, malcomportadas. A escolha deles, ela diz, é estritamente pessoal. “Não existe curadoria que não seja pessoal, e se existe, não me interessa. Gosto do trabalho e publico. Pode até parecer ingênuo, mas não acredito em nenhum outro tipo de escolha editorial. Acho que esse negócio do gostar nas artes tem menos porquês do que geralmente se imagina. É visceral. Tem que ser, se não, qual a graça?”, explicita Rachel. “Gosto de artistas e de escritores que arriscam a própria linguagem como corpo. Acredito muito no que a Hilda Hilst dizia, que ‘a carne é que sente’. Gosto de artistas que não têm medo da própria carne”. E por falar em Hilst, em 2012, A Bolha publicará nos Estados Unidos (em parceria com a Nightboat Books, de Nova York), A obscena senhora D, célebre romance de escritora paulistana. “O segundo título de Hilda, Cartas de um sedutor, está sendo traduzido e só deve ser lançado em 2013. E Fluxo-floema, em 2014”, adianta Rachel.

Duas perguntas - Rachel Gontijo

Como Brasília te influenciou no gosto pelas artes?Nasci em Belo Horizonte, mas sou brasiliense. Demorei muito tempo para me sentir confortável suficiente na minha relação com Brasília para poder afirmar isso. Não tem como um lugar onde se vive tanto tempo não influenciar de alguma forma. Mas, para ser sincera, acho que Brasília me influenciou pelas próprias limitações — da cidade e das minhas limitações em relação à cidade. Aqui se vive numa espécie de estética da imposição e/ou imposição estética. E são justamente esses movimentos de imposição que não me interessam nas artes, e que tento combater diariamente, tanto no meu trabalho de editora como na minha própria escrita.

Como tem sido o contato com as editoras estrangeiras? E o que é mais difícil nessas negociações?Meu contato é quase que só diretamente com autores. Eles apostam em mim e eu neles. Foi assim em todos os casos. O que faz todo processo ser muito mais prazeroso. Mas difícil e desinteressante é a negociação com agentes. É um diálogo baseado em números, seco. Então tento evitar.

FOLHA DE S. PAULO - Cristovão Tezza faz rara incursão nos contos em "Beatriz"Autor de "O Filho Eterno" diz que evita textos curtos por não gostar de desperdiçar os personagens criados

Coletânea, que tem lançamento hoje em SP, serviu como exercício literário para outras obras do catarinense RAQUEL COZER, DE SÃO PAULO

(23/11/2011) "Beatriz", que Cristovão Tezza lança hoje em São Paulo, é um livro de contos, mas também um tubo de ensaios. Nele estão os estudos para dois outros títulos do autor. Um deles é claro para quem leu "Um Erro Emocional", o livro anterior do catarinense.

A personagem-título do novo livro é a protagonista do romance de 2010. Além dela, reaparece nos contos o romancista Paulo Donetti, com quem Beatriz divide as páginas de "Um Erro Emocional".

Isso tudo Tezza explica no prólogo da coletânea: as narrativas ali presentes, embora possam ser lidas de forma autônoma, surgiram durante o esforço de criação de personagens para o romance.

O outro exercício literário é o prólogo em si, como esclarece o escritor, 59, por telefone à Folha, de Curitiba, onde mora desde a infância.

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"Estou concluindo um ensaio autobiográfico sobre a prosa, um livro não acadêmico. Estava com essas ideias na cabeça quando resolvi escrever o prólogo de 'Beatriz', abrindo uma discussão sobre a composição dos contos."

Previsto para sair em maio pela Civilização Brasileira, sob o título "O Espírito da Prosa", o próximo livro será uma espécie de "conversa com o leitor" sobre criação literária e a formação do autor.

Em "Beatriz", esse exercício traz informações importantes. O leitor fica sabendo, por exemplo, porque é raro ler contos de Tezza -em resumo, ele acha um desperdício criar personagens para usar em tão poucas páginas.

"Na minha política de criação de personagens, sou um escritor econômico, morrinha mesmo", escreve. A única grande incursão nessa seara foi em 1980, com "A Cidade Inventada" (CooEditora).

De resto, o autor de "O Filho Eterno", romance nacional mais premiado de 2008, escreveu dois ou três contos, para revistas como a "Pesquisa Fapesp" e a "Bravo!".

CAMADAS NARRATIVAS

Com dois personagens intimamente ligados ao ato da escrita -uma revisora de textos e um autor mais talentoso que bem-sucedido-, "Beatriz" tem parte de suas histórias inventadas por eles.

No decorrer do livro, os dois elucubram em cima do que dizem outros personagens, constituindo novas camadas narrativas. Tezza diz que isso foi intuitivo, embora não seja fã do expediente.

"Para o escritor contemporâneo, é meio inescapável tratar da construção narrativa no texto. Mas não gosto de fazer da literatura o tema da literatura, essa coisa pós-moderna típica. Busco homenagear o realismo."

O pé no realismo, aliás, pode até confundir o leitor. Por via das dúvidas, Tezza acha bom esclarecer: a visão altamente debochada de Paulo Donetti contra festivais literários no primeiro conto, "Beatriz e o Escritor", não corresponde ao pensamento dele.

FOLHA DE S. PAULO - Carência de "espaço" tira brilho das narrativas do escritorMARCELO PEN é professor de teoria literária da USP / ESPECIAL PARA A FOLHA

(23/11/2011) Podemos considerar o mais recente livro do escritor Cristovão Tezza como uma coletânea de contos ou como uma perseguição a uma personagem.

Criada com o nome de Alice no conto "Beatriz e o Escritor" (originalmente publicado como "Alice e o Escritor"), a personagem da jovem revisora de textos foi pouco a pouco, em narrativas subsequentes, ganhando corpo, adquirindo traços biográficos e psicológicos, assumindo uma densidade de que não dispunha, misteriosa com seus olhos verdes brilhantes.

Enfim conquistou autonomia a ponto de destacar-se como personagem de romance -o idílio claustrofóbico de "Um Erro Emocional"- em dueto com a figura do escritor Paulo Donetti.

Assim, Tezza foi se apropriando de Beatriz/Alice, bem como do amargurado escritor Donetti (inicialmente Antônio). O autor mudou os nomes, mas continuou a perseguir-lhes a essência, a perscrutar-lhes o enigma.

Donetti é o narrador de duas histórias desta coletânea, em que Beatriz surge como objeto de cobiça misturada a um desejo de vingança e, depois, como lembrança melancólica. Nos dois casos ela figura mais como um fantasma de suas obsessões do que como um ser autônomo.

Quando ela obtém status independente, porém, nos outros contos, algo acontece que a faz titubear. Lidas na sequência, as histórias parecem estudos de Tezza para a construção da personagem. Certas situações se repetem; atitudes, idem. Beatriz como que derrapa.

São contos bons para serem lidos em separado, no seu oferecimento de humor tácito, evolução segura de enredo com alguma surpresa de caráter equívoco bem guardada para o leitor. Mas perdem o brilho quando vistos no conjunto.

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Beatriz, igualmente, não evolui muito, digamos, entre "Aula de Reforço" e "Beatriz e a Velha Senhora" ou "Um Dia Ruim". A exceção é a última narrativa, "O Homem Tatuado". Não só esse relato é mais alongado, quase uma pequena novela, como Beatriz ali aparece mais inteira, menos esquemática.

Salvo engano, não seria tanto a dificuldade com a criação de personagens o que de fato desautoriza Tezza a frequentar o conto, mas a carência de "espaço".

Dê-lhe terreno maior e ele reencontra o seu norte artístico, quer seja na força das descrições, quer seja na fluidez narrativa, quer seja no vislumbre de certo viés vertiginoso, quer seja na introdução de outros personagens verdadeiramente vívidos. Ganha assim o autor, ganha também o leitor.

ARQUITETURA E DESIGN

O GLOBO - Niemeyer no parque

Perto dos 104 anos, arquiteto cria teatro para o Aterro e mostra novos projetos

Luiz Fernando Vianna

(20/11/2011) Oscar Niemeyer completará 104 anos em 15 de dezembro. Avesso a comemorações, prevê receber amigos em seu escritório, em Copacabana, para o lançamento do 11o- número de “Nosso Caminho”, revista trimestral e trilíngue (português, espanhol e inglês) que criou e a que se dedica com

especial carinho. A edição trará novos projetos do arquiteto, que continua passando as tardes fazendo os traços originais daqueles que levam sua assinatura.

Dentre as mais recentes criações está uma que provocará polêmica: o Teatro Musical Rio’s, um enorme espaço destinado a shows e musicais, situado no Parque do Flamengo, com uma cúpula que dialoga com as curvas do Pão de Açúcar. O projeto foi encomendado pelo Brasil Foodservice Group (BFG), que controla a rede de churrascarias Porcão, cuja unidade no parque continuará existindo

ao lado do teatro no caso de ele ser mesmo construído.

Idealizado pela urbanista Lota Macedo Soares, o parque feito sobre o Aterro do Flamengo é tombado pelo patrimônio público desde 1965. Isto significa que só pode passar por qualquer alteração se o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) autorizar.

Os planos de modificação da Marina da Glória visando aos Jogos Panamericanos de 2007, por exemplo, foram vetados porque dificultavam a vista do Pão de Açúcar. Em maio passado, o empresário Eike Batista conseguiu, mesmo sob protesto dos ambientalistas, ter aprovada sua reforma para a Marina, argumentando que muitas instalações ficarão no subsolo da edificação, poupando a paisagem.

O BFG ainda não quer falar sobre o teatro, pois está preparando a documentação necessária para apresentar seus planos ao Iphan e à Prefeitura do Rio, proprietária do terreno. Atendendo a pedido de seu cliente, o escritório de Niemeyer não comenta o projeto, que está na fase de estudos preliminares.

A obra prevê uma plateia de 2 mil lugares e um balcão com mais 500, além de camarotes. No térreo, um auditório para eventos e um salão de exposições. Na revista “Nosso Caminho”, há um comentário de Niemeyer:

“Fiquei muito entusiasmado, desde o primeiro momento, em conceber um novo espaço destinado a espetáculos musicais. E logo me ocorreu uma solução capaz de provocar surpresa e atrair o público:

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uma cúpula magnífica a ser construída ao lado do restaurante, localizando- a em frente ao Pão de Açúcar.”

Se vingar, o teatro será uma das principais obras do arquiteto na cidade, ao lado do Sambódromo e dos Cieps. Por sua natureza, o parentesco maior será com o Museu de Arte Contemporânea de Niterói.

Quando pertencia aos irmãos gaúchos Mocelim, a rede Porcão travou uma disputa com o Garcia & Rodrigues pelo restaurante do Parque do Flamengo. Hoje, ambos pertencem ao BFG. Em 2012, será inaugurado um Porcão onde era o Garcia, que irá para outro endereço no Leblon.

Harmonia com a natureza

Outra novidade é o projeto de uma casa em Londres, pensada para ser um exemplo de beleza e convivência harmônica com a natureza sob a ótica da arquitetura modernista. A encomenda foi feita por Julia Peyton-Jones, diretora da Serpetine Gallery — que já pedira a Niemeyer um pavilhão em 2003, montado no Hyde Park. A obra deve acontecer em 2012, e o projeto guarda afinidade com a Casa das Canoas, criada em 1952 para ele mesmo morar.

— São duas residências que foram projetadas com extremo apuro, de modo a sublinhar a leveza de suas formas e o modo singular de integração com a natureza — diz Niemeyer, em resposta enviada por escrito.

Em agosto, começaram as obras da Universidade Federal da Integração Latino- Americana (Unila), em Foz do Iguaçu. A primeira etapa vai até o fim de 2013. A instituição quer iniciar em seguida a fase final.

— Será um espaço onde alunos e professores de distintas nacionalidades poderão realizar trocas sociais significativas — acredita Niemeyer.

Na nova “Nosso Caminho”, o arquiteto lembra o amigo Vinicius de Moraes no texto “Num teatro em Paris” — “como era bom e afetuoso este velho companheiro, a nos contar, animado, sua vida cheia de alegrias e flores!”. Em depoimentos à jornalista Regina Zappa, o compositor Edu Lobo e o cineasta Miguel Faria Jr. também recordam o poeta. Ainda há um texto do escritor uruguaio Eduardo Galeano, “Haiti, país ocupado”.

Sobre a chegada dos 104 anos, Niemeyer procura não torná-la especial:

— O futuro se revela problemático e incerto para todos nós. A vida é um sopro, não canso de repetir. O que ainda nos conforta é ter a nosso lado uma mulher, uma boa companheira (Vera). O resto, conforme já confessei a amigos de “O Pasquim”, seja o que Deus quiser...

FOLHA DE S. PAULO - Design inventivo dos irmãos Campana sofre com rigor

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FABIO CYPRIANO, CRÍTICO DA FOLHA

(22/11/2011) Fernando e Humberto Campana são hoje os mais celebrados designers brasileiros. A trajetória da dupla, mais conhecida como irmãos Campana, é tema da mostra "Anticorpos", no Centro Cultural Banco do Brasil, organizada por Mathias Schwartz-Clauss, que teve início no Vitra Design Museum, na Alemanha.

Não é de hoje que o design brasileiro ganha atenção no cenário internacional.

De certa forma, Sérgio Rodrigues e Joaquim Tenreiro são os precursores, com seu desenho modernista aliado a materiais brasileiros.

Os Campana, que começaram a produzir na década de 1980, ganharam destaque justamente por transformarem essa equação: afastaram-se do funcionalismo moderno, mas radicalizaram na apropriação de elementos da cultura popular.

Bonecas de pano, construções simples com restos de madeira e plantas da Amazônia são alguns dos elementos que inspiraram, respectivamente, a cadeira Multidão, a cadeira Favela e os bancos Vitória Régia, todos na mostra.

Esse imaginário, com grande apelo aos olhos, reforça um estereótipo do caráter exótico da cultura brasileira e pode ajudar a compreender o crescente interesse internacional pelo trabalho da dupla de designers.

DIDATISMO

Nesse sentido, a mostra, que ocupa todos os andares do CCBB com cerca de 70 trabalhos, é bastante didática.

Ela ensina que o sofá Kaiman Jacaré (2006) "foi inspirado nos jacarés caiman da bacia amazônica, que podem chegar a mais de seis metros de comprimento", ou que o assento Diamantina, com o mesmo nome da cidade mineira que foi rica em diamantes, "simboliza os muitos tesouros escondidos e ameaçados no Brasil".

Assim como as peças de estética fácil e agradável, os textos utilizados para explicá-las beiram o kitsch.

O que não necessariamente representa um caráter negativo para a obra. Foi assim com outro grande nome do design internacional, Philippe Starck, que sobressaiu exatamente por criar um corpo de trabalhos bem apelativos, nos quais a forma também se sobrepõe à função.

Os Campana, afinal, levam ao mundo a mensagem de que o Brasil também é capaz de ser pós-moderno.

Contudo, para uma mostra de design, há um rigor dispositivo que não combina com esse conjunto de trabalhos.

A sinalização é um tanto confusa, já que muitas vezes é preciso buscar as legendas para entender o nome das obras, e a disposição é formal demais para peças que são tão orgânicas.

Fica contraditório expor um design tão inventivo de maneira tão careta.

FOLHA DE S. PAULO – Design: Museu da Casa Brasileira anuncia premiados do ano(22/11/2011) DE SÃO PAULO - Serão anunciados hoje, em cerimônia no Museu da Casa Brasileira, os vencedores da 25ª edição do prêmio de design da instituição.

Na categoria mobiliário, serão premiados dois projetos de Jader Almeida, o banco Blade e a cadeira Phillips.

Renata Meirelles venceu na categoria têxtil, com uma técnica de tear e recorte a laser.

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No campo dos eletroeletrônicos, Mario Fioretti e equipe ganharam com o projeto de um climatizador para a Consul.

Não houve premiado em iluminação, mas uma menção honrosa ficou para a luminária de LED dos designers Thiago de Salles Penteado, Luís Gustavo Soares Santos, Eduardo Ponzoni Dognini e Érik Gurski Lima. (SILAS MARTÍ)

FOLHA DE S. PAULO - Niemeyer projeta casa de shows no RioCom vista para o Pão de Açúcar, teatro no Aterro do Flamengo terá 3.000 lugares e programação "para turistas"

Projeto deverá ser apresentado à prefeitura e ao Iphan no início de 2012; há o risco de desaprovação (23/11/2011) DO RIO - Um dos cenários mais bonitos e famosos do Rio, a orla do Aterro do Flamengo, pode ganhar uma casa de shows para 3.000 pessoas, projetada por Oscar Niemeyer e com vista para o Pão de Açúcar e a baía de Guanabara. O projeto, orçado em R$ 200 milhões, foi encomendado ao arquiteto pelo Brazil Foodservice Group (BFG), grupo que administra a rede de churrascarias Porcão.

É ao lado da churrascaria que o grupo planeja "um teatro para shows, com programação voltada para os turistas", segundo o diretor-executivo Lucas Zanchetta.

O projeto, ainda sem nome, foi revelado em reportagem do jornal "O Globo" e vai aparecer na edição de dezembro da revista "Nosso Caminho", dirigida por Niemeyer.

"Fiquei muito entusiasmado", escreveu o arquiteto na revista."E logo me ocorreu uma solução capaz de provocar surpresa e atrair público: uma cúpula magnífica a ser construída ao lado do restaurante, localizando-o em frente ao Pão de Açúcar."

Como o parque do Aterro do Flamengo é tombado pelo patrimônio público, o BFG precisa de autorização do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e da Prefeitura do Rio para realizar a obra.

"Estamos terminando as questões básicas do projeto para apresentá-lo, no início do ano que vem, à prefeitura e ao Iphan", diz Zanchetta, que admite haver o risco de não conseguir a aprovação.

A prudência do executivo é justificada -ouvido pela Folha, o instituto se mostra, a priori, refratário à obra.

"Fazer uma casa de shows ali é impossível", diz Carlos Fernando Andrade, superintendente do Iphan no Rio.

"O tombamento [de 1965] já especifica o que poderia ser construído no parque do Flamengo. Naquela área ficaria o restaurante e, nas áreas em torno, jardins. Se ele quiser trocar o restaurante A pelo restaurante B, que não me parece ser o caso, aí o Iphan pode examinar."

O BFG não cogita o fim do Porcão, mas se diz disposto a negociar e deve apresentar um projeto elaborado, no qual usará como trunfo o nome de Niemeyer e o desenho do prédio.

"Ele é redondo, espalhado e todo vazado em vidro para não perder a vista do Pão de Açúcar", diz o executivo.

No desenho do arquiteto, o teatro terá um plateia de 2.000 lugares, balcões e camarotes com 500 (cada um).

Zanchetta quer inaugurar a casa "com um show de escolas de samba do Rio, para mostrar a cultura brasileira aos turistas".

OBRAS EM LONDRES E FOZ

Niemeyer, 103, mostrará em sua revista projetos como o campus da Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana), em Foz do Iguaçu, e a Casa de Londres, no Reino Unido. A Unila teve

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obras iniciadas em agosto. A primeira fase será concluída em 23 meses, a um custo de R$ 241,2 milhões.

FOLHA DE S. PAULO - Novo teatro de Niemeyer parece ter sido criado por fakeFERNANDO SERAPIÃO é arquiteto e editor da revista "Monolito" - ESPECIAL PARA A FOLHA

(23/11/2011) Oscar Niemeyer é uma lenda viva, dentro e fora do país. Não há advogado, médico ou engenheiro tupiniquim no mesmo patamar profissional.

Tampouco há um artista brasileiro mais reconhecido internacionalmente: ele ganhou todos os prêmios importantes de sua área.

Se Niemeyer fosse um cineasta, ostentaria em sua lareira meia dúzia de estatuetas -tanto europeias quanto norte-americanas.

É um gênio da raça -autor de mais de uma dezena de obras-primas- responsável por moldar com a plástica do concreto armado fantasias espaciais fundamentais para cristalizar o imaginário do Brasil moderno.

Contudo, a longevidade exauriu suas fórmulas compositivas. Dentre os projetos recentes, o teatro do Aterro do Flamengo, no Rio, é inspirado em projetos semelhantes -da Oca do Ibirapuera, em São Paulo, ao Museu da República, em Brasília.

Buscando a novidade a qualquer preço, o novo teatro possui estranhos recortes. A primeira vista até parece alguém sem o mesmo talento querendo se passar por ele -um Niemeyer falso.

A universidade em Foz do Iguaçu (PR), por sua vez, é uma piorada Universidade de Argel, criada por ele nos anos de 1960, na Argélia. Ele não detém mais o controle absoluto sobre sua produção (mais do que nunca, está na mão de sua equipe).

Comparado com ele mesmo -Niemeyer do presente com o do passado-, infelizmente, o arquiteto está terminando seus dias produzindo sua fase mais fraca.

Há quem acredite, contudo, que um Niemeyer ruim é melhor que a maioria dos arquitetos em plena forma.

Mas não é somente o beco sem saída formal que faz com que sua recente produção não emocione.

Para o bem ou para o mal, estamos distante meio século da época em que se acreditava em um futuro lírico para o país.

Como a arquitetura é uma manifestação cultural que tem um compromisso com o que está por vir, a obra recente de Niemeyer parece fora de seu tempo, insistindo com a ideia de futuro do passado que soa melancólica.

A realidade e os desafios brasileiros são outros e, esperar que ele -com quase 104 anos- proponha a cara do novo Brasil seria exigir o impossível.

Essa responsabilidade é da geração de arquitetos que poderiam ser seus netos.

O GLOBO - Legislação impede projeto de Niemeyer no Aterro, diz IphanDecreto de tombamento não prevê um teatro no Parque do Flamengo

(23/11/2011) Revelado pelo GLOBO no último domingo, o projeto encomendado a Oscar Niemeyer de um grande teatro no Parque do Flamengo “é impossível de ser aprovado” se for respeitado o que está estabelecido no decreto que tombou a área, em 1965. A afirmação é do superintendente no Rio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Carlos Fernando Andrade. — O decreto especifica e enumera os equipamentos que o parque pode conter. Já que não existe qualquer teatro previsto, não há, na instância técnica do Iphan, como aprovar — diz o superintendente.

‘Perguntar não ofende’

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Segundo ele, o grupo BFG, que controla o Porcão e fez a encomenda ao arquiteto de um teatro para ser vizinho à churrascaria, poderá fazer uma consulta prévia ao Iphan, como é o procedimento padrão. No entanto, diz Andrade, a legislação é muito clara ao determinar as áreas do Aterro do Flamengo em que podem surgir edificações e o que ainda poderia ser erguido no parque: uma biblioteca e um aquário, por exemplo.

— Naquela área (para onde o teatro foi concebido), está previsto um restaurante, que já existe. Um teatro não está previsto — ratifica ele, lembrando que qualquer consulta será respondida pelo instituto.

— Perguntar não ofende. O projeto de Niemeyer, que está na edição da revista “Nosso Caminho” a ser lançada em 15 de dezembro, dia do 104º aniversário do arquiteto, prevê um Teatro Musical Rio’s — alusão ao nome do primeiro restaurante do local, mais tarde transformado em Porcão Rio’s — com 2 mil lugares na plateia e mais 500 no balcão, além de camarotes. O acesso seria por rampas em torno de uma grande cúpula. No térreo haveria um auditório e um salão de exposições.

O terreno pertence à Prefeitura do Rio. A assessoria de Eduardo Paes diz que o prefeito só se pronunciará se for consultado oficialmente pelos interessados na construção do teatro e após o projeto ser avaliado pelo Iphan.

O secretário municipal de Cultura, Emilio Kalil, afirma ter sido surpreendido pela notícia e que só poderá fazer uma avaliação diante do detalhamento do projeto.

— Oscar é o nosso grande arquiteto, um projeto dele é sempre lindo, mas precisamos saber se é viável, como será o estacionamento, o impacto no entorno — diz. O BFG não se pronunciou até o fechamento desta edição.

POLÍTICA CULTURAL

FOLHA DE S. PAULO - Orçamento da Cultura não será menor, diz ministraAna de Hollanda afirmou, entretanto, que veto a convênios com entidades privadas dificultou atuação da pasta em 2011

MinC tem previsão de verba de R$ 1,79 bilhão no ano que vem, mas valor não leva em conta emendas parlamentares SYLVIA COLOMBO, DE BUENOS AIRES

(17/11/2011) A ministra da Cultura do Brasil, Ana de Hollanda, disse em Buenos Aires que não haverá redução orçamentária em sua pasta em 2012. Afirmou, porém, que o ministério está tendo mais dificuldades para concretizar projetos neste ano do que em 2010, quando teve verba de R$ 2,13 bilhões.

Isso por conta das dificuldades impostas pela Lei de Diretrizes Orçamentárias, que proibiu o MinC de fazer convênios com entidades privadas para eventos, e de um decreto presidencial que generalizou o veto.

O projeto da Lei Orçamentária Anual (Ploa) indica o valor de R$ 1,79 bilhão para 2012. "O cálculo não contabiliza as emendas, que ainda serão somadas a ele. Só vamos saber o valor em 31 de dezembro", desconversou.

Em entrevista à Folha, a ministra afirmou que a taxa de execução do orçamento da pasta neste ano está em 67%, deve atingir 80% ao fim do mês e 100% até 31/12.

Em sua primeira visita oficial à Argentina como ministra, Ana de Hollanda firmou um acordo de cooperação entre o MinC e a secretaria de Cultura local.

O trato prevê apoio à criação de mais pontos de cultura na Argentina (que também possui esse programa) e estímulo à tradução de obras de ambos os países. Também se discutiu a organização

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conjunta de uma bienal sobre indústrias culturais, a ser realizada alternadamente na Argentina e no Brasil.

Com relação à reforma da lei do direito autoral, a ministra disse já haver "um consenso sobre uma proposta", atualmente na Casa Civil. Segundo ela, será feito um registro de obras culturais no site do MinC: "Vamos abrir tudo na internet. Todo mundo vai ter acesso ao que está em domínio publico, ao que não está, e de quem são os direitos."

MODA

CORREIO BRAZILIENSE - Negritude no penteado

(22/11/2011) O uso do cabelo afro como representação de uma identidade cultural é o tema da exposição Quieto Pelo. Fotos e vídeos produzidos pela colombiana Liliana Angulo mostram o trabalho de cabeleireiras, especializadas em penteados afros, de comunidades da Colômbia e de Havana, capital cubana. Ela utiliza o penteado como expressão de beleza e também como símbolo de resistência política, contra o preconceito.

A artista explica que o projeto surgiu do interesse de analisar como a tradição de arrumar os cabelos se conserva até hoje entre as populações da diáspora africana na América Latina. “Os penteados têm códigos e significados. Negros escravizados costumavam esconder nos penteados o ouro das minas, para depois comprarem sua liberdade; era uma prática comum. Quando fugiam também, guardavam nos cabelos as sementes para cultivar em outro lugar. Então, são muitas histórias que as pessoas estão resgatando, histórias que se ligam com formas de resistência cultural”, destaca a colombiana.

A estética visual também é um atrativo da exposição. Para Liliana Angulo, esses penteados reafirmam a beleza negra, pois “ainda existem pessoas que associam o aspecto físico a termos pejorativos: ‘ai, que cabelo feio’, ‘vai domar o pelo’, ‘ ai, cabelo ruim’. Aí algumas pessoas alisam os cabelos para não se sentirem excluídas. Isso é ruim, porque compromete a resistência cultural e social”.

E foi a partir dessas expressões que, ironicamente, surgiu o nome da mostra, em alusão a “pelo quieto” (cabelo sarará).

Apesar de trabalhar há quase uma década com a temática da afro-descendência na América, Quieto Pelo “é um projeto um pouco distinto, porque tem a participação das pessoas, é uma construção coletiva”. A interação com o público ocorre com a presença de cabeleireiras que fazem penteados ao vivo. Essa experiência já foi feita em Cuba e na abertura da mostra, em Brasília.

Liliana Angulo diz que esse conjunto de ideias e ações tem o objetivo de registrar uma tradição e mostrar para as pessoas que a cultura da África está “viva” e presente nos países americanos. “As pessoas afrodescendentes precisam se afirmar”, defende ela.

GASTRONOMIA

FOLHA DE S. PAULO - O boi da AmazôniaDois top endereços de SP já ensaiam receitas com a carne da tartaruga-da-Amazônia para resgatar pratos que marcaram a cultura gastronômica brasileira; o animal, que teve a caça proibida nos anos 60, começa a ser comercializado por criadouros certificados pelo Ibama

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Mostra destaca a resistência dos afrodescendentes latino-americanos (Liliana Angulo/Divulgação)

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LUIZA FECAROTTA, ENVIADA ESPECIAL AO ACRE

(17/11/2011) Para entender a tímida, rara e recentíssima presença da carne de tartaruga em endereços da alta gastronomia é preciso ir longe. Precisamente, a Xapuri, cidade a duas horas de Rio Branco, no Acre.

Lá, na fazenda Três Meninas, há um programa de auxílio ao repovoamento e de comércio do animal.

Com proposta semelhante, o projeto Tamazon, primeiro criatório do Acre, é responsável pela chegada a São Paulo de um lote de 60 kg dessa carne. Pela primeira vez, um criadouro daquele

Estado comercializa o lombo da tartaruga nessa quantidade.

A caça no Brasil foi proibida em 1967 e houve campanha de órgãos públicos para sua conservação na natureza. "Hoje não é um animal ameaçado e é facultada sua criação comercial", diz Messias Costa, do museu Emilio Goeldi, o mais importante órgão de pesquisa sobre a Amazônia, em Belém (Pará).

"O aumento das comunidades [ribeirinhas e indígenas] e a agressão ao ambiente haviam levado ao declínio das populações de tartaruga-da-Amazônia", diz Costa.

Para Caloca Fernandes, autor de "Viagem Gastronômica Através do Brasil", não faz sentido a caça ser proibida no país. Para ele, deveria ter sido feito um trabalho de prevenção, com a caça restrita a determinadas épocas do ano.

Após quase 30 anos de proibição, a carne ficou de fora até dos cardápios do Norte do país. Para reintroduzi-la, será preciso superar um "conflito cultural", já que as tartarugas são consideradas animais domésticos.

Em 1992 houve liberação de criatórios. E foi somente em 1996 que a comercialização foi regularizada -hoje, ainda é burocrática e depende de certificados do Ibama.

É quando entram em cena figuras como Valmir Ribeiro, do projeto Tamazon, e Miguel Fernandes de Araújo, da fazenda Três Meninas, que sustentam programas de auxílio ao repovoamento da espécie, antes ameaçada de extinção, e começam a dar vida ao comércio dessa carne.

Segundo Costa, os investimentos são altos para sustentar os açudes e a ração -e é preciso aguardar cerca de cinco anos para que as tartarugas atinjam o peso para abate e outros 15 para reprodução. "Muitas espécies se perpetuaram com domesticação e uso alimentar", diz.

SABOR

A chef Ana Luiza Trajano, do Brasil a Gosto, servirá o lombo, a parte "mais sutil da tartaruga", a partir do dia 22. Servida como entrada fria no cardápio que homenageia o Acre, essa carne passará a noite em marinada de azeite e especiarias. Depois, será cozida em baixa temperatura. Completa o prato uma emulsão de leite de castanha, alfavaca, chicória e um crocante de mandioca (R$ 49). Alex Atala, que estuda a introdução da tartaruga no seu menu-degustação, inspirou-se em uma receita clássica, que conheceu no Japão, para fazer o consomê que serviu no D.O.M. na semana passada (leia na página ao lado).

Ele mesclou sabores brasileiros, como ervilha-torta, hortelã, limão, cogumelo e tapioca, a um caldo denso feito com patas e pescoço de tartaruga (as partes que têm mais pele) e alga kombu. A carne foi cozida por oito horas em baixa temperatura.

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Lâminas de tartaruga-daAmazônia servidas a partir de terça, dia 22, no Brasil a Gosto, de Ana Luiza Trajano

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Em outro prato, explorou o jeito amazonense: da carne cozida aproveitou o caldo, para um pirão. Do fígado, de sabor potente, fez base para a farofa. Da pele, torresmo.

Os chefs usam tartarugas certificadas pelo Ibama, de criatórios regularizados.

FOLHA DE S. PAULO - Para críticos, o abate não se justifica

(17/11/2011) (LUIZA FECAROTTA) - DE SÃO PAULO - O principal argumento dos entrevistados que se posicionam contra o abate da tartaruga é a falta de justificativa para a morte do animal.O professor de direito da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Daniel Braga Lourenço, autor do livro "Direito dos Animais: Fundamentação e Novas Perspectivas" (editora safE), defende que não se pode matar para satisfazer o que ele chama de "um mero prazer gastronômico", já que existem outros alimentos na natureza que não implicam na morte dos animais."A morte é contrária ao interesse biológico fundamental de continuidade da vida", diz Lourenço. "Do mesmo modo, não justifica abate o fato de que ele possa gerar benefícios econômicos", diz.Para Izabel Cristina Nascimento, 60, presidente da Suipa (Sociedade União Internacional Protetora dos Animais), o ser humano não tem necessidade de comer animais. "Quem disse que a tartaruga quer virar comida?"Há 18 anos membro da Suipa, ela levanta outra questão: "Se o Ibama está protegendo os animais silvestres, exóticos, por que libera criadouros para o bicho ser vendido?".

ISTOÉ - Cerveja com sabores brasileiros

Jabuticaba, guaraná, mandioca e bacuri são alguns dos novos ingredientes da bebida tão apreciada pelo brasileiro

João Loes

(23/11/2011) Fim de ano, tempo de férias, calor, praia e, claro, cerveja. O Brasil é o quarto país que mais consome a bebida no mundo. São 10,3 bilhões de litros vendidos por ano. Cerca de 98% desse mercado é dominado pelas grandes cervejarias. Porém, os outros 2%, apesar de representar uma pequena fatia do segmento, têm feito barulho. Composto pelas cervejarias artesanais, esse nicho tem se dedicado ao que só o pequeno produtor pode fazer: experimentar. De frutas tropicais à rapadura, passando por raízes e até café, o cervejeiro brasileiro tem se aventurado nas misturas para dar sabores inesperados à bebida. “É um jeito genuinamente brasileiro de fazer cerveja”, diz Cássio Piccolo, dono do Bar Frangó, em São Paulo, que tem uma carta com mais de 400 rótulos.

Uma das estrelas da nova leva é a Amazon Beer Bacuri, produzida no Pará com o bacuri, fruto amazônico de sabor agridoce. A polpa da fruta é misturada à cerveja no final da maturação e, depois, filtrada. Engarrafada, ela chega ao consumidor por valores que vão de R$ 5 a R$ 8, dependendo da região do País. “Vendemos 12 mil garrafas por mês”, diz Caio Guimarães, diretor da Amazon Beer, sobre o sucesso

da cerveja principalmente entre as mulheres, já que ela tem teor alcoólico de 1,5%, abaixo dos 4,5% usuais. Até o final de 2012 a Amazon Beer lançará mais quatro produtos – dois com frutos, um com semente e um com uma raiz.

Não será a primeira cerveja brasileira com uma raiz em sua composição. A Colorado, de São Paulo, já produz a Cauim com fécula de mandioca. Fermentado junto com a cevada, o ingrediente dá corpo e adoça o líquido. “Trabalhamos em três turnos para dar conta da demanda”, diz Marcelo Carneiro da Rocha, diretor da Colorado, que aumentou sua produção em 30% no último ano. Crescer, porém, não é o objetivo de todos. A mineira Falke Bier, por exemplo, leva três anos para fazer sua Vivre pour

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VARIEDADE

O beer sommelier Fabiano Bellucci: o interesse pelas cervejas inusitadas só cresce

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Vivre, cerveja que leva jabuticaba em sua composição. “Em todo salão do automóvel tem o carro-conceito, construído para testar limites da indústria. Nós fazemos a cerveja-conceito”, explica Marco Falcone, dono da cervejaria. Com tanto apetite por novidade, as cervejas exóticas estarão cada vez mais presentes na mesa do bar.

VALOR ECONÔMICO - Forno de Minas chega a Portugal e aos EUA

Por Vera Saavedra Durão | Do Rio - Em plena crise, Portugal rende-se aos pães de queijo da mineira Forno de Minas (FM), da família Mendonça. A entrada na Europa via Lisboa é parte da estratégia de internacionalização da empresa, que começa a sair do papel no ano em que completa 20 anos. Na mira de Helder Mendonça, diretor presidente da Forno de Minas, os Estados Unidos são outro desafio. O executivo está em Miami, de onde falou por telefone ao Valor. Foi estruturar a abertura do escritório na cidade.

A Forno de Minas firmou, em janeiro, um contrato exclusivo de exportação de pão de queijo para a Pingo Doce - uma das maiores redes de supermercados de Portugal, do grupo Jerônimo Martins, ex- dono da rede Sé no Brasil, comprada pelo Pão de Açúcar.

Em apenas seis meses, o consumo do pão de queijo pelos portugueses saltou de 40 mil para 200 mil unidades por semana. O que vai garantir este ano um faturamento de € 1 milhão no mercado português. "Se não fosse a crise europeia, a velocidade do negócio teria sido maior ", diz Mendonça.

O próximo passo da empresa mineira na terra de Camões é colocar nas gôndolas do Pingo Doce pacotinhos de pão de queijo congelado para o freguês levar para casa. "Nossa ideia na Europa é construir um 'case' de sucesso com números e tudo. Estamos fazendo um aquecimento para partirmos para o gigantesco mercado americano", diz o empresário.

Mendonça espera fazer do escritório em Miami um centro distribuidor para todo território americano. Antes, a empresa contava com o suporte do escritório da Apex, na Flórida. "Daqui do nosso escritório, vamos organizar uma plataforma logística para chegar a qualquer lugar do país".

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Nos Estados Unidos, o executivo já conseguiu acertar a distribuição do pão de queijo da marca Forno de Minas por toda costa leste através de uma grande distribuidora nova iorquina, a Triunph. Mendonça vem negociando a entrada do pão de queijo no sofisticado circuito de produtos orgânicos.

"Começamos a fornecer o produto para a Whole Foods, rede classe A, dos mais ricos, focada em orgânicos, que tem 270 lojas no país", informou, satisfeito. Na rede Whole Foods a empresa mineira já conseguiu colocar o pacotinho do produto congelado.

Outro negócio em andamento é a fabricação de "frozen yogurt" nos Estados Unidos, com a marca Forno de Minas pela americana Kemps. Mendonça está ultimando a distribuição de pão de queijo no Canadá, através da BR4 Trade.

O presidente da Forno de Minas está cheio de planos para a empresa fundada por sua mãe, Dalva Mendonça. Entretanto, reconhece que 2009 foi um ano muito duro, de retomada da Forno de Minas, que tem uma história peculiar, inversa da maioria das empresas familiares brasileiras.

Em 1999, a Forno de Minas foi vendida pela família para a americana General Mills. "Vendemos porque consideramos a proposta irrecusável", justifica o executivo. Na época da venda, a empresa detinha 60% do mercado doméstico de pão de queijo e crescia a 30% ao ano. A General Mills queria comprar uma líder de mercado e conseguiu. "Mas ficou 10 anos com o negócio e depois desistiu", diz Mendonça.

Nesse período, o faturamento da Forno de Minas encolheu pela metade e foi perdendo participação de mercadp nos supermercados porque a qualidade do produto piorou. " O pão de queijo deixou de ser artesanal para ser industrializado", disse Mendonça. A General Mills optou, então, por encerrar o negócio e a família Mendonça renegociou sua compra.

A retomada do negócio ocupa 24 horas por dia na vida de Macedo. Ele espera faturar em 2011 um total de R$ 110 milhões, ante R$ 60 milhões em 2010. Este resultado inclui € 1 milhão com exportações para a Europa e US$ 1,5 milhão para os Estados Unidos.

Para capitalizar a Forno de Minas, a família vendeu 29% de participação para o Mercatto, um fundo de private equity carioca em 2010, ficando, porém, majoritária com 71%.

Entre 2010 e 2012 a empresa planeja investir R$ 40 milhões na ampliação da unidade industrial onde fabrica laticínios, na diversificação de produtos no mercado doméstico e na estratégia de internacionalização.

A meta de Mendonça é a empresa estar faturando R$ 250 milhões até 2014. "Naturalmente a empresa quer crescer e precisa de recursos para isso. Já fizemos um planejamento que está nos possibilitando reconquistar o 'market share' no mercado interno e avançar no exterior".

O executivo não descarta abrir o capital da empresa na Bovespa, mas acha que ainda é cedo. "O que podemos fazer, nos próximos três anos, caso tenhamos necessidade de nos capitalizar mais, é buscar um parceiro, um sócio estratégico para o futuro", adiantou Mendonça.

OUTROS

FOLHA DE S. PAULO - Rio cria circuito histórico para celebrar herança africana(17/11/2011) DO RIO - Uma parte histórica do Rio de Janeiro, que guarda vestígios arquitetônicos e arqueológicos das comunidades de escravos trazidos da África, será transformada em rota cultural pela prefeitura.

O Circuito Histórico e Arqueológico de Celebração da Herança Africana fica na zona portuária, no centro, área degradada e que atualmente recebe as obras do projeto de recuperação Porto Maravilha.

A criação do roteiro cultural deriva desse projeto maior -no início do ano, as escavações na região encontraram sinais do cais do Valongo, local de chegada de escravos construído em 1811.

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Além do cais, outros pontos que integrarão o circuito histórico são a Pedra do Sal (onde os escravos descarregavam a mercadoria e onde surgiram os primeiros ranchos carnavalescos), o largo do Depósito (local dos armazéns de mercadores negreiros) e o jardim do Valongo.

O Centro Cultural José Bonifácio, que ocupa o palacete onde dom Pedro 2º inaugurou o primeiro colégio público da América do Sul, em 1877, também está no roteiro.

Ele sedia o Centro de Referência da Cultura Afro-brasileira e será reformado em dez meses, ao custo de R$ 3,2 milhões -única parte do projeto já orçada e aprovada.

Outro prédio que estará na rota da herança africana é o do Instituto Pretos Novos, sob o qual está um cemitério de escravos descoberto em 1996.

O GLOBO - Pronto para mais 100 anos

(17/11/2011) Após reforma estrutural que custou R$ 2,9 milhões, Paço Imperial reabre com exposição que reúne um século de arte brasileira

Catharina Wrede

(17/11/2011) Em 13 de maio de 1888, após assinar a Lei Áurea, a princesa Isabel correu para a sacada do Paço Imperial e anunciou ao povo a abolição da escravatura. Talvez uma das sacadas mais importantes do Brasil, o lugar histórico só podia ser admirado da Praça XV, do lado de fora do prédio. Entrar e conhecer, não podia. Até agora.

Depois de ficar fechado por oito meses e passar por uma importante reforma estrutural no valor de R$ 2,9 milhões, o Paço reabre suas portas evidenciando ainda mais seu projeto arquitetônico e permitindo que o público tenha acesso a áreas antes fechadas.

Para celebrar a reabertura, o espaço inaugura a grande exposição “1911-2011 — Arte brasileira e depois, na coleção Itaú”, um recorte da produção artística realizada no país nos últimos cem anos, com obras de nomes que vão de Lasar Segall e Candido Portinari até Nuno Ramos e Cabelo.

Sem passar por restaurações desde o início dos anos 1980 — entre 1982 e 1985, foi feita a obra que permitiu que a construção fosse o primeiro prédio tombado

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A FACHADA do Paço Imperial, tombado pelo Iphan: reforma foi feita para evitar uma grande obra nos próximos anos

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do Brasil transformado em espaço expositivo de arte contemporânea —, o Paço Imperial foi fechado em março para uma reforma cujo objetivo é evitar que o edifício tenha de passar por uma maior e mais complicada obra no futuro.

— Com esse restauro, acredito que o prédio não vá precisar de reformas pelos próximos 50 anos — prevê Lauro Cavalcanti, diretor do Paço. — Mas é claro que são necessários cuidados. Um edifício como esse tem uma manutenção igual à de um avião.

Os seis mil metros quadrados do prédio, construídos paulatinamente desde o século XVIII, foram reformados com a preocupação, segundo Lauro, de evidenciar os aspectos arquitetônicos da construção.

Agora, as salas passam a ter sinalização que conta suas histórias e ficam visíveis, pelo lado interno do prédio, a janela da qual D. Pedro I comunicou sua permanência no Brasil — o Dia do Fico — e a sacada da Lei Áurea. A Sala dos Archeiros ganhou novo tratamento acústico e sistema de ar condicionado silencioso.

Antes sem poder receber grandes esculturas e vitrines devido ao desnível do chão, a sala do Dossel teve as fundações de seu piso restauradas. Além disso, todas as esquadrias de madeira foram revistas, a parte elétrica, refeita, e o telhado, recuperado. O teto e os dutos de refrigeração ganharam um tom mais claro de cinza e o piso de madeira foi clareado.

Tudo em nova ordem para receber a enorme mostra do Itaú. A cargo de Teixeira Coelho, curador-diretor do Museu de Arte de São Paulo (Masp), a exposição reúne 186 obras selecionadas entre as mais de 3,6 mil pertencentes à coleção da família Setubal. São 137 artistas brasileiros, de José Pancetti a Rodolpho Parigi (que possui a obra mais recente, “Vermelho Grace Jones”, de 2011) passando por Iberê Camargo, Maria Martins e Beatriz Milhazes, entre outros. Para que o visitante assimile melhor cada trabalho, Coelho dividiu as obras em uma série de grupos e subgrupos. Em “A marca humana”, primeiro módulo da exposição, o curador reuniu apenas os trabalhos em que a figura do homem ainda é central. São obras do início do modernismo, como “Seringueiros”, de Cândido Portinari, e “A pequena aldeã”, de Lasar Segall— feita em 1911, é a mais antiga da mostra.

O espectador segue então observando mais cinco módulos principais: “Irrealismos”, que foca uma realidade mais fantástica; “Modos de abstração”, em que estão presentes trabalhos abstratos, concretos e neoconcretos, de Volpi a Oiticica; “A contestação pop”, que reúne artistas de forte caráter questionador, como Rubens Gerchman e Paulo Bruscky; “Na linha da ideia”, com 56 obras de artistas que ignoram a funcionalidade e a finalidade dos trabalhos; e “Outros modos, outras mídias”, conjunto que apresenta obras em diversos suportes, como a videoinstalação “Marca registrada”, de Leticia Parente.

— Não é uma exposição cansativa — afirma Coelho. — Não gosto de fazer mostras para crítico ou artista. Meu objetivo é fazer exposições para o grande público, e acho que essa é muito interessante, porque aborda a história da arte brasileira sem ser monótona. Tem obra para todos os gostos.

Agora com a infraestrutura necessária para receber grandes exposições, o Paço já marcou as próximas, entre elas uma dedicada aos trabalhos gráficos do pintor britânico Lucian Freud (1922- 2011), em novembro de 2012, e uma retrospectiva de Beatriz Milhazes, em 2013.

O ESTADO DE S. PAULO - SP vai ganhar rota turística sobre cultura negra

Guia deve ser lançado até o fim do mês; roteiro inclui os Largos do Arouche e do Paiçandu e outros 16 locais com influência afro na cidade

FELIPE FRAZÃO

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O VÍDEO de Leticia Parente, de 1975

TRABALHO de Cícero Dias, de 1928

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Lugares que mostram a história, a cultura e a influência da população negra na cidade de São Paulo já podem ser conhecidos por qualquer paulistano ou turista. Basta percorrer a recém criada Rota Turística Afro-brasileira Luiz Gama.

O roteiro passa pelos chamados territórios negros da cidade dos séculos 18 e 19. São áreas que eram ocupadas pelos negros que ali trabalhavam como carregadores, serventes e quitandeiros. A maioria desses 18 pontos turísticos fica no centro expandido. Eles foram escolhidos a partir de visitas aos locais e de estudo com documentos, livros, jornais e revistas.

Regiões mais distantes, como a zona sul, também foram mapeadas. Consta na nova rota, por exemplo, o Samba da Vela, em Santo Amaro, o terreiro de Candomblé Ilê Alákétu Asé Ibualamo, no Grajaú, e o centro de cultura Asé Ylê do Hozooane, em Parelheiros.

A Rota Afro foi lançada neste mês por causa do Dia da Consciência Negra, comemorado amanhã. O nome é uma homenagem ao escritor, advogado e jornalista abolicionista Luiz Gama, que nasceu em Salvador, mas trabalhou e conseguiu a própria liberdade e a de outros escravos em São Paulo.

O percurso básico começa no Largo do Arouche - onde há um busto de Luiz Gama -, segue para o Largo do Paiçandu - endereço da Igreja Nossa Senhora do Rosário e da estátua da Mãe Preta (homenagem às escravas que educavam crianças na era colonial) -, continua pelo Parque do Ibirapuera - por causa do Museu Afro-Brasil - e vai até o Sítio da Ressaca, que faz parte do Museu da Cidade de São Paulo e onde está sendo instalada biblioteca temática voltada à cultura negra.

"A população negra é invisível em São Paulo. Trazer esses pontos e ícones à tona é uma forma de mostrar aos paulistanos uma cultura que ajudou a formar a cidade e bairros como Vila Madalena e Bexiga", diz a coordenadora da Coordenadoria do Negro (Cone), Maria Aparecida de Laia.

Na internet. Para incentivar a visitação, a Cone, a Secretaria de Participação e Parceria e a São Paulo Turismo (SPTuris) estão editando um guia que começará no fim do mês a ser distribuído em hotéis, agências de viagem e postos de informação turística. A versão digital já está no site www.cidadedesaopaulo.com.

"A rota vai enriquecer nosso turismo e realçar a contribuição do negro para o desenvolvimento de São Paulo", diz o secretário municipal de Participação e Parceria, Uebe Rezeck.

O presidente da SPTuris, Caio Luiz de Carvalho, acredita que a rota terá muita procura. "O turista hoje quer consumir temas, nichos. O roteiro afro será um a mais a ser explorado."

No ano que vem, o plano da Cone é instalar placas indicativas com a história de cada um dos 18 pontos que compõem a Rota Afro. Além disso, devem ser contratados guias especializados no tema para acompanhar os passeios. O roteiro ainda poderá ser ampliado.

A criação da Rota Afro-brasileira Luiz Gama foi oficializada no dia 25, por decreto do prefeito Gilberto Kassab (PSD) publicado no Diário Oficial da Cidade.

ISTOÉ - O renascimento da casa dos Buarque de Holanda

Local onde Chico viveu com os pais e irmãos em São Paulo, palco de grandes encontros da intelectualidade no século passado, será reaberta em dezembro

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João Loes

(23/11/2011) Desde 1983, a casa da família Buarque de Hollanda, na rua Buri, 35, localizada no bairro nobre do Pacaembu, região central de São Paulo, não via grande movimento. Foi naquele ano, quase três décadas atrás, que os últimos dez mil livros do patriarca do clã, o historiador Sérgio Buarque de Hollanda, morto em 1982, foram retirados do espaço pela Universidade de Campinas (Unicamp), que os arrematou em leilão. Fechada, a residência passou por disputas judiciais e invasões, foi desapropriada e tombada como patrimônio público pela Prefeitura em 2002 e agora, nove anos depois, está, finalmente, às vésperas de ser reinaugurada como espaço da Secretaria Municipal de Educação.

Embora sem função definida – a secretaria ainda não resolveu se o espaço será um Centro de Referência em Estudos de Educação ou sede do Conselho Municipal de Educação (CME) –, o município garante que a casa da rua Buri estará pronta em meados de dezembro. “Eu torço para que seja um centro de memória de Sérgio Buarque de Hollanda”, diz o jornalista Fernando Morais, que, como secretário de Cultura do governo Orestes Quércia (PMDB-SP) entre 1988 e 1991, tentou, sem sucesso, transformar o espaço em centro cultural. “Virar sede do Conselho Municipal de Educação, ou seja, mais um escritório público, seria um desperdício”, afirma. “A casa merece um destino melhor.”

Morais sabe o que fala. O número 35 da rua Buri foi protagonista de grandes momentos da história política, cultural e social do Brasil. A partir de 1957 lá viveu não só Sérgio Buarque de Hollanda, um dos mais importantes historiadores do País, autor do seminal “Raízes do Brasil” (1936) e de outros tantos tomos fundamentais para a compreensão de nossa história, como também sua mulher, Maria Amélia, e seus sete filhos: Maria do Carmo, Ana, Heloísa, Cristina, Sérgio, Álvaro e Francisco. Ana é

hoje ministra da Cultura no governo Dilma Rousseff, enquanto Sérgio, o filho, é economista e professor da Universidade de São Paulo. Heloísa, conhecida como Miúcha, é ícone da música popular brasileira e Francisco, Chico Buarque de Hollanda, um dos compositores e autores nacionais mais importantes em atividade.

Como não poderia deixar de ser, em uma família ativa em tantas esferas diferentes, não foram poucos os encontros históricos ocorridos no bucólico endereço de estilo normando. Pelas festas e saraus organizados primeiro por Sérgio e Maria Amélia e depois pelos filhos passaram figuras como os poetas e compositores Vinicius de Moraes, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Toquinho e Paulo Vanzolini, os acadêmicos Fernando Henrique Cardoso, Gilberto Freyre,

Caio Prado Jr., Florestan Fernandes e Antônio Cândido, os autores Manuel Bandeira, Jorge Amado e Fernando Sabino, além de cineastas, artistas plásticos e lideranças políticas.

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RENOVADA

Construída nos anos 1950 em estilo normando, a casa passou por quatro meses de reforma, que termina em dezembro

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ILUSTRE

Os acadêmicos Gilberto Freyre (à esq.) e Caio Prado Jr. (abaixo) visitavam o número 35 da rua Buri com frequência

Mas, além de polo de concentração de figuras ilustres da segunda metade do século XX, o número 35 da rua Buri também era a residência de uma família comum, com direito a sete filhos. Foi de lá, por exemplo, que Chico Buarque, então com 17 anos, saiu para uma noite de aventuras com um amigo, com quem foi flagrado tentando roubar um carro. Ambos foram presos e a história foi parar na capa do jornal “Última Hora”, para ira dos pais Sérgio e Maria Amélia, que estavam em viagem por Minas Gerais. Em relato do jornalista Cláudio Renato Passavante, autor de publicações sobre a família Buarque de Hollanda, também consta que Chico cruzava o bar Riviera, que tinha portas tanto para os arredores da rua Buri quanto para a rua da Consolação, para fugir de táxi sem pagar a conta. E que as festas mais animadas no casarão chegavam a reunir 500 pessoas. “O simples fato de ver a prefeitura investindo para recuperar a casa já é positivo”, diz Morais. “Tenho um certo medo, porém, de que com a instalação do Conselho Municipal de Educação o espaço vire mais um aparelho da burocracia.” Em breve, saberemos.

O GLOBO - O ‘biscateiro’ que faz tudo com prazer

Exposição mostra produção de Haroldo Costa no teatro, na música, no cinema, no rádio, no samba, na TV e na literatura

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Tente resumir o que Haroldo Costa faz para você ver a dificuldade.

Mauro Ventura

(21/11/2011) Ele é escritor, compositor, ator, produtor, jornalista, historiador de música popular, comentarista dos desfiles de escola de samba e diretor de rádio, TV, teatro e música. — Eu me autoproclamo um biscateiro. Não tenho uma atividade preferencial, faço com igual prazer todas elas. Mas, quando tem que aparecer o crédito na TV, ele opta por “produtor cultural”. — Não quer dizer nada, mas ao mesmo tempo quer dizer tudo — diz, com um bom humor que se repete ao longo de toda a entrevista. — Mas é que tudo em que estou envolvido tem um compromisso cultural.

Estreia no grupo de Abdias Tem sido assim desde que estreou, aos 18 anos, como ator em “O filho pródigo”, de Lúcio Cardoso. Os 63 anos de carreira estão resumidos na exposição “Haroldo Costa — Samba & outras coisas”, em cartaz no Teatro Sesi, no Centro. O começo foi por acaso. Dava aula de alfabetização no prédio da UNE, que cedia salas para grupos de balé e teatro. O Teatro Experimental do Negro, de Abdias do Nascimento,

ensaiava a peça de Cardoso quando faltou o ator que interpretava um dos papéis principais. Haroldo estava à mão e foi convocado para ajudar.

— Era só para ler naquele ensaio. Mas o outro ator nunca mais voltou, e eu nunca mais saí — lembra. Numa ida a Paris, onde falou sobre cultura brasileira na Unesco, conheceu o então adido cultural, Vinicius de Moraes, que lhe mostrou o primeiro ato de um espetáculo que havia escrito: “Orfeu da Conceição”. Era 1955 e, um ano depois, após passar no teste, Haroldo estava no palco na célebre montagem no Teatro Municipal, com músicas de Tom Jobim, cenários de Oscar Niemeyer e cartazes de Djanira e Carlos Scliar. No piano, Tom, e no violão, Luiz Bonfá, que tocava e chorava.

— Quando terminou a abertura da orquestra, e o pano se abriu para começar o espetáculo, as pessoas aplaudiram o cenário, tamanho o impacto.

Quem passasse pela rua naquele momento ia pensar que a peça tinha acabado, mas ela tinha começado. Nunca vi isso na vida — diz ele, que tem em seu baú uma carta de Vinicius em que o poeta diz: “Ao Haroldo, o melhor Orfeu, o carinho inalterável do seu velho e sempre Vinicius”.

Assim como virou ator por acaso, Haroldo tornou-se diretor de cinema sem querer. O cronista de turfe da “Última Hora”, Wilson Nascimento, chamou- o para escrever uma história junto com Jaime Faria Rocha, redator de textos comerciais da Rádio Record. Para dirigir, foi convocado o roteirista, cineasta e produtor Jorge Ileli, mas, como ele não pôde, acabou sobrando para Haroldo. Surgia “Pista de grama”, que rendeu a ele o prêmio de melhor roteiro num festival de cinema do Rio.

— Aí virei cineasta de um filme só, até que há dois anos Pedro Flores me convidou para dirigir com ele um documentário, o curta-metragem “O samba

mandou me chamar”.

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“PISTA de grama”: as únicas cenas de João Gilberto (ao violão) no cinema

HAROLDO COSTA, que fez “Orfeu da Conceição”: homenagens

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“Pista de grama”, de 1958, é uma história de amor no ambiente do turfe. Yoná Magalhães, em sua estreia nas telas, é dona de um haras e se envolve com o personagem de Paulo Goulart. O filme traz as únicas cenas de João Gilberto no cinema. Ele aparece acompanhando ao violão Elizeth Cardoso, que canta “Eu não existo sem você”.

— Vinicius e Tom estavam preparando “Canção do amor demais”, e essa música ia fazer parte do disco. Eles acabaram incluindo-a primeiro no filme.

A gravação foi em Jacarepaguá, e João não faltou. Antes de “Orfeu da Conceição”, Haroldo passou cinco anos percorrendo 25 países da América Latina e Europa com a turnê “Brasilianas”. Era o diretor e roteirista do espetáculo, além de atuar. Nem uma prótese no pé direito o impedia de dançar. — Caí do bonde com dez anos — diz ele, que teve que amputar até um palmo acima do tornozelo.

As homenagens a Haroldo não se resumem à exposição. Está sendo exibido diariamente o curta “Odun — Haroldo Costa, luz & tempo”, de Renato Vallone. “Pista de grama” e o "Samba mandou me chamar” serão mostrados no início de janeiro. Em 2010, Haroldo completou 80 anos. Por que então só agora chegam as comemorações? É que as homenagens têm a ver com o sucesso do projeto do Sesi Samba & Outras Coisas, que ele produz, com shows gratuitos nas unidades do Sesi na hora do almoço e convidados que vão de Gilson Peranzzetta e Mauro Senise a Monarco e Nelson Sargento.

— Fugi desse papo de 80 anos. Você fica carimbado. As pessoas veem você como “aquele velhinho”. Felizmente, ninguém se lembrou da data no ano passado, e fiquei na moita. Mas neste ano vieram com esse papo e eu disse: “Pelo amor de Deus, não façam isso.” Não é modéstia, é algo fisiológico, passo mal, durmo mal. Insistiram, e a exposição está rolando (vai até dia 9 de dezembro, interrompe para recesso, volta em 10 de janeiro e

termina no dia 27). Na abertura, vieram os amigos, a bateria do Salgueiro, e, apesar de nervoso, fiquei contente. Me deu fôlego para continuar por mais 80 anos.

A julgar pela agenda sempre movimentada, ele não tem mesmo que se preocupar com comentários depreciativos sobre a idade. Agora mesmo tem novo projeto, com Emanuel Araújo: um livro sobre o panorama do negro nas artes brasileiras. — Estou sempre pronto para desafios.

BBC BRASIL - Ritual de tribo brasileira é indicado a patrimônio da Unesco

(23/11/2011) Um ritual de um povo indígena brasileiro, voltado para "manter a ordem social e cósmica", foi indicado para integrar uma lista de patrimônios culturais imateriais "em necessidade urgente de proteção" elaborada pela Unesco, a agência da ONU para a educação e a cultura.O yaokwa é a principal cerimônia do calendário ritual dos enawenê-nawê, povo indígena cujo território tradicional fica no noroeste do Mato Grosso.

O ritual, que marca o início do calendário enawenê, dura sete meses e é realizado com a saída dos homens para realizar uma pesca coletiva com o uso de uma barragem e de armadilhas construídas com cascas de árvore e cipós.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) registrou o ritual Yaokwa como bem cultural em 2010. Segundo dados da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), o povo enawenê-nawê - que fala a língua aruak - é formado por cerca de 560 integrantes.

A partir desta quarta-feira, a comissão intergovernamental da Unesco pela salvaguarda do patrimônio cultural imaterial se reúne em Bali, na Indonésia, para avaliar os rituais e tradições indicados para ser protegidos. A reunião se encerra no próximo dia 29.

O Brasil país conta com 18 bens inscritos na lista do Patrimônio Mundial da Unesco.

Entre o patrimônio imaterial, dedicado a tradições orais, cultura e a arte populares, línguas indígenas e manifestações tradicionais, estão as Expressões Orais e Gráficas dos Wajãpis do Amapá e o Samba de Roda do Recôncavo Baiano.

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A CARTA autografada de Vinicius

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Se entrar na lista, o ritual dos enawenê-nawê passará a contar com apoio da entidade na sua preservação.

Muitas atividades da Unesco estão prejudicadas desde que os Estados Unidos retiraram o seu financiamento da agência, depois que ela aceitou a Palestina como Estado-membro pleno.

Seres subterrâneos

Com o ritual Yaokwa, os enawenê-nawê acreditam entrar em contato com seres temidos que vivem no subterrâneo, os yakairiti, cuja fome deve ser saciada com sal vegetal, peixes e outros alimentos derivados do milho e da mandioca, a fim de manter a ordem social e cósmica.

Para a realização do ritual, os indígenas se dividem em dois grupos: um que fica na aldeia junto às mulheres, preparando o sal vegetal, acendendo o fogo e oferecendo alimentos, e outro que sai para a pesca, com o objetivo de retornar para a aldeia com grandes quantidades de peixe defumado, que é oferecido aos yakairiti.

Os indígenas realizam a pesca em rios de médio porte da região. Com os peixes e os demais alimentos, os enawenê-nawê realizam banquetes festivos ao longo de meses, acompanhados de cantos com flautas e danças.

Encantamento de camelos

Além do yaokwa, outro ritual indicado para proteção urgente na América do Sul é o eshuva, composto pelas orações cantadas do povo huachipaire, do Peru.

A lista de proteção urgente também inclui como indicados a dança saman, da província indonésia de Aceh, as tradições de relatos de histórias no nordeste da China e o "encantamento de camelos" da Mongólia, no qual as pessoas cantam para as fêmeas, a fim de persuadi-las a aceitar os filhotes de camelo órfãos.

Já para a lista representativa de patrimônio cultural imaterial da humanidade (sem indicativo de necessidade urgente de proteção), são indicados, pela América do Sul, o conhecimento tradicional dos xamãs jaguares de Yurupari (Colômbia) e a peregrinação ao santuário do senhor de Qoyllurit’i (Peru).

Outras tradições indicadas pela Unesco são as marionetes de sombras chinesas, o kung-fu dos monges Shaolin (China), a porcelana de Limoges (França), a música dos mariachis mexicanos e o fado (música tradicional portuguesa).

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