resenha178marx e a pedagogia moderna. [mario alighiero manacorda]

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  • Marx e a pedagogia moderna 169

    Marx e a pedagogia modernaMARIO ALIGHIERO MANACORDA

    Campinas, Editora Alnea, 2007, 206p.

    Leda Maria de Oliveira Rodrigues*

    O livro de Mario Alighiero Manacorda trata da relao marxismo e educao. A parte central do livro fruto de pesquisa realizada por Manacorda em 1960. No Brasil, foi traduzido e editado pela primeira vez em 1991.

    Para esclarecer o pensamento marxista sobre o ensino, Manacorda parte da anlise filolgica dos primeiros textos de Marx e Engels. Conclui: h necessidade de se enfrentar a sociedade capitalista de modo a eliminar a propriedade privada, a diviso do trabalho, a explorao e a unilateralidade do homem, para atingir o pleno desenvolvimento das foras produtivas e a recuperao da unilateralidade. Eis os princpios da pedagogia marxiana.

    Situando o contexto das afirmaes sobre ensino, ou ainda, sobre a pedagogia marxiana, Manacorda recorre entre outros textos ao Princpios do comunismo, primeira verso redigida em forma catequstica por Engels, em novembro de 1847, do que viria a ser o Manifesto do partido comunista, e depois o texto definitivo desse manifesto, redigido por Marx no ms de janeiro de 1848 (Manacorda, p.35).

    Destacamos do Princpios... uma das afirmaes de Engels que indica qual seria o primeiro passo, aps a revoluo comunista, para instaurar um novo poder que permitisse a adoo de medidas destinadas a eliminar a propriedade privada

    * Professora do Programa de Estudos Ps-Graduados em Educao: Histria, Poltica, Sociedade da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo.

  • 170 Crtica Marxista, n.29, p.169-171, 2009.

    e a garantir os direitos ao proletariado. Imediatamente, Engels relaciona a essa medida a seguinte: Instruo a todas as crianas, assim que possam prescindir dos cuidados maternos, em instituies nacionais e s expensas da nao. Instruo e trabalho de fbrica vinculados (cf. Marx e Engels, 1948, p.276-80).

    Foi essa afirmao de Engels que gerou a polmica com Marx, que ao redigir o Manifesto destaca o carter reformista e utpico desse princpio educacional proposto por Engels. A base de sua crtica apontar que a ideia preferida pelos burgueses o ensino, em especial o ensino industrial universal. Verdadeiramente, afirma Marx, o significado de ensino para os economistas filantrpicos treinar cada operrio no maior nmero possvel de ramos de trabalho, de modo que se ele vier a ser retirado de um desses ramos (por desenvolvimento da mquina ou por mudanas na diviso do trabalho) possa mais facilmente ser alocado em outro.

    No Manifesto (Marx e Engels, 1948) Marx formula sua tese sobre o ensino com a seguinte redao: Ensino pblico e gratuito a todas as crianas. Abolio do trabalho das crianas nas fbricas em sua forma atual. Unificao do ensino com a produo material. V-se que a formulao muito prxima da de Engels, entretanto destacam-se algumas nuances de fundamental importncia que diferen-ciam as duas propostas. A formulao da tese de Marx mais rpida, adequada a um programa de partido. A expresso em instituies nacionais e s expensas da nao substituda de forma mais concisa por pblica e gratuita; distingue entre um possvel momento de ensino apartado do trabalho e um momento a ele vinculado; no fim da proposta substitui a expresso fbrica por produo ma-terial. compreensvel que Marx, aps a exigncia da abolio do trabalho das crianas nas fbricas, prefira evitar a expresso industrial, pois sem a abolio a unificao do ensino com a produo material no seria uma hiptese possvel.

    As propostas de ensino de Max e Engels tm como alicerce a anlise da concepo de trabalho na sociedade capitalista e por isso lutam pela concepo de trabalho libertrio, possvel somente numa sociedade socialista. O trabalho na sociedade capitalista a essncia subjetiva da propriedade privada que estranha ao homem e natureza e, assim, conscincia e vida; na sociedade socialista o trabalho humano est liberto da propriedade privada e unilateral.

    Especificando a relao entre escola e sociedade, os textos de Marx, segundo Manacorda, explicitam que o Estado e o governo so duas coisas diversas: o en-sino pode assim ser estatal sem estar sob controle do governo. No socialismo, o Estado deve limitar-se a determinar por lei os recursos para as escolas, o nvel de ensino dos professores e as matrias de ensino, assim como supervisionar, com seus inspetores, o cumprimento dessas disposies. Isso no quer dizer nomear o Estado educador do povo, pelo contrrio; deve-se excluir qualquer influncia sobre a escola, seja do governo, ou da igreja.

    Na segunda parte do livro, o autor compara diferentes concepes pedaggicas, entre as quais se destacam as concepes do marxismo gramsciano. Para Gramsci, o trabalho essencialmente um elemento constitutivo do ensino, semelhante ao que o aspecto prtico no ensino tecnolgico em Marx; o trabalho se insere

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    no ensino pelo contedo e pelo mtodo. A inspirao gramsciana claramente marxista e nunca confundida com as demais pedagogias; nem com o trabalho profissional das tradicionais e subalternas escolas de ofcios, nem com o traba-lho snob e de recreao das tendncias pedaggicas progressistas (Manacorda, p.136). Ao lado dessa anlise, polemiza a posio da Igreja Catlica e das escolas pedaggicas no marxistas sobre educao. Critica o liberalismo, o autoritarismo jesutico, o espontanesmo e a educao profissionalizante precoce, til apenas aos interesses do capital.

    Das ideias marxianas sobre ensino, destaco ainda a discusso sobre ensino politcnico e tecnolgico. Para Marx, o primeiro sublinha o tema da disponibilidade para diferentes trabalhos e suas variaes, ao passo que o segundo sublinha, com sua unidade teoria e prtica, o carter de totalidade ou unilateralidade do homem, no mais dividido ou limitado apenas ao aspecto manual ou apenas intelectual (prtico-terico) da atividade produtiva. O ensino tecnolgico (cincias aplicadas produo) o que caminha para uma perspectiva de sociedade socialista, ao passo que o ensino politcnico caminha para o ensino industrial universal que Marx criticou, j que no essencial para modificar a relao de trabalho do operrio.

    Na ltima parte do livro o autor discute com leitores crticos de Marx temas como trabalho e liberdade; a relao de Marx com os utpicos e com alguns de seus leitores catlicos. Aqui, como muitos desses crticos no conhecem os textos originais de Marx e Engels, algumas crticas ao pensamento dos autores sobre o ensino no so fundamentadas em suas ideias originais, ou ainda, so tendenciosas.

    Das ideias de Marx e Engels sobre ensino, pesquisadas por Manacorda, res-salta-se a importncia do ensino unilateral, pois este ensino considera a existncia da propriedade privada e da diviso do trabalho como causa da degradao do homem, observando que o operrio, limitado a uma habilidade muito particular e impossibilitado de passar de uma ocupao a outra mais moderna s poder viver se agregado a uma mquina particular num trabalho particular.

    A grandeza dos aspectos sublinhados por Marx e Engels para o ensino faz lem-brar contradies da pedagogia moderna, em especial da tendncia escolanovista, influenciada por Dewey. Essa tendncia educacional se equivoca ao priorizar o indivduo, suas expectativas pessoais de aprendizagem e a importncia da prtica voltada para o ensino profissional. Tais aspectos passam a ocupar negativamente a posio que o conhecimento livresco ocupava no ensino primrio. Aqui, o pensa-mento escolanovista poder se confundir, em uma leitura superficial, com o Marx defensor de uma escola de tipo prtico-profissional. Mas, como vimos acima, necessrio rejeitar claramente essa interpretao do pensamento marxiano. O ensino prtico da pedagogia moderna tem o objetivo de fortalecer as relaes de produo capitalistas, ao passo que a relao prtico-terico do ensino de Marx e Engels almeja relaes sociais igualitrias, o socialismo.

    O livro de Manacorda interessa aos profissionais da educao, progressistas e marxistas, desvendando problemas atuais da educao, inclusive da atual edu-cao brasileira.