resenha_etnografia e educação

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  • 7/25/2019 Resenha_Etnografia e educao

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    @ Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, v.3, n.2, jul.-dez., p.147-154, 2011

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    DAUSTER, Tania; TOSTA, Sandra P. & ROCHA, Gilmar (orgs.).

    Etnografia e educao: culturas escolares, formao e sociabilidades

    infantis e juvenis.Rio de Janeiro: Lamparina, 2012, 248 pginas.

    Nicolau Dela Bandera Arco Netto

    A publicao do livroEtnografia e educao, organizado por Tnia Dauster, Sandra

    Tosta e Gilmar Rocha, retrata a consolidao de um campo de estudos na antropologia

    brasileira, assim como apresenta um emaranhado de questes que ainda precisam ser

    destrinchadas para seu desenvolvimento. Durante muito tempo, a antropologia da

    educao orbitou ao redor de outras vertentes da pesquisa educacional, como, por

    exemplo, a sociologia da educao, ao tentar responder s questes clssicas: o que

    produz o sucesso e o fracasso escolar? Hoje, a antropologia da educao lana suas

    prprias questes e, principalmente, utiliza-se dos mtodos prprios dessa cincia, como

    a etnografia, para pensar o fenmeno educacional em suas mltiplas faces. Esse campo

    de estudos, contudo, no se fecha em si mesmo, mas se abre para o dilogo com outras

    disciplinas, como a prpria sociologia, a filosofia, a psicologia e a pedagogia. Alis, em

    outras tradies nacionais, como a Frana, as fronteiras que separam a antropologia e a

    sociologia da educao so muito borradas, havendo um constante trnsito entre elas. O

    livro Etnografia e educao lana, justamente, o desafio de colocar vrias disciplinas

    cientficas para conversar e pensar o que , afinal de contas, a educao no Brasil.

    A forma como o livro foi organizado e escrito apresenta as marcas de um debate

    ainda quente e recente: a oralidade, as diferentes abordagens dos autores, a conciso das

    notas, o projeto grfico arrojado. Poderamos dizer que a coletnea apresenta um

    mosaico extremamente rico, composto por peas independentes umas das outras, mas

    que unidas conformam uma imagem expressiva e significativa. Nesta resenha, pretendo

    capturar essa imagem, me dispensando de apresentar, sequencialmente, os captulos do

    livro.

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    A antropologia permite, segundo a maioria dos autores da coletnea, alargar as

    fronteiras do que se entende por educao para alm dos muros da escola. Gilmar Rocha

    nos lembra que nas sociedades indgenas h a representao de um paradigma de fato

    social total, onde a educao no se restringe ao espao escolar, nem ao tempo das

    aulas. No h, portanto, a possibilidade de distinguir, to facilmente, as esferas do

    trabalho, da escola e da brincadeira. Tnia Dauster, por exemplo, apresenta no captulo

    Escrever: formao e identidade num universo de escritoras o resultado de uma

    pesquisa sobre a construo identitria de escritoras brasileiras laureadas com prmios

    literrios. Essa construo ocorre em diversos contextos: a infncia cercada de livros; a

    universidade; os trabalhos de revisora, tradutora, artista; o cotidiano familiar. A

    formao, segundo a autora, no se restringe, portanto, experincia escolar, sendo

    composta a partir da cultura e estilo de vida ou prticas de cotidiano e consumo, sem

    ser restrita a fase inicial da histria de cada uma (p. 71). Tal concepo de educao e

    formao reverbera o aprendizado de Gilberto Velho, a quem a coletnea presta uma

    homenagem ao ser dedicada. As prticas de escrita permitem, s escritoras, transitar

    entre uma multiplicidade de identidades e espaos de atuao, profissional e pessoal.

    Sobressai do material emprico extremamente rico trabalhado pela autora alguns dados e

    interpretaes: 1) o passado familiar ganha destaque na construo de suas identidades

    como leitoras e escritoras; 2) os projetos literrios so permeados de emoes em relao

    aos livros, aos personagens; 3) os prmios constituem ritos de passagem, legitimando

    suas identidades de escritoras; 4) muitas escritoras so ps-graduadas, com atividades

    universitrias, ainda que mantenham uma relao bem crtica com a cena acadmica,

    por limitar, em funo das atividades burocrticas e de ensino, o tempo dedicado

    pesquisa e criao literria; 5) a literatura retratada como uma linguagem, um fazer

    artstico.

    Para alm das condies objetivas e representaes subjetivas que unificam essas

    mulheres em um grupo, h matizes, explorados magistralmente pela autora, que as

    diferenciam, principalmente na concepo do que uma literatura produzida por

    mulheres. Algumas iro enfatizar o carter hbrido e andrgino da escrita literria, no

    vendo diferenas de sensibilidade e de expresso entre escritores e escritoras; outras

    enfatizam as diferenas, principalmente na matria prima da escrita literria, a memria;

    outras, ainda, afirmam as diferenas, mas reivindicam a capacidade da escritora criar

    personagens e realidades a partir do prisma do homem e da mulher.

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    Raul Iturra, antroplogo portugus, reflete no artigo A epistemologia da

    infncia sobre as concepes de infncia e educao que esto presentes nas cincias

    sociais. Tais concepes partem do pressuposto que as crianas so como receptculos

    passivos de conhecimentos e valores transmitidos pelos adultos na famlia e na escola.

    Iturra apresenta as concepes clssicas de infncia presentes na histria da filosofia, de

    Descartes a Durkheim, demonstrando como h uma tenso constitutiva entre a lgica da

    criana e a onipotente sabedoria que o adulto pretende ter sobre esse saber infantil. Ao

    abordar duas searas de socializao onde as crianas so protagonistas de suas

    interaes, os jogos infantis e a aprendizagem da linguagem, Ricardo Vieira apresenta no

    artigo Do lar escola: a hegemonia das prticas escolares e antropologia da educao

    em Portugal um estado da arte da produo cientfica sobre o tema em Portugal.

    Segundo o autor, os jogos e as brincadeiras infantis no servem apenas para preparar as

    crianas para o mundo tal como a viso funcionalista de Florestan Fernandes um dia

    imaginou e descreveu de maneira brilhante em As trocinhas do Bom Retiro; trata-se

    tambm de uma construo social da pessoa, num processo gradual de ordenao,

    integrao e identificao, tanto em relao a si mesmo como em relao aos outros.

    No captulo Pelos mares da baia da Ilha Grande, Anderson Tibau nos apresenta

    um ensaio perspicaz e belssimo sobre as viagens dirias do barco Irmos Unidos II, que

    transporta os estudantes do ensino mdio da ilha para o continente. Nesse trajeto

    cotidiano, uma trama de relaes tranada, onde as influncias entre a ilha e o

    continente so evidenciadas, principalmente no corpo dos jovens, divididos entre o

    conhecimento prtico de navegar e as novas tecnologias de comunicao. O barco,

    contraditoriamente, pode ser visto tanto como um meio de transporte, quanto como um

    projeto, um futuro que esses jovens vislumbram e lutam por se aproximar ou se

    distanciar, ao ter na navegao turstica a principal atividade econmica que os prendem

    ilha.

    H conflitos e tenses inclusive no processo identitrio entre ser ou deixar de ser

    caiara, entre o projeto de ficar na ilha e o de sair para estudar e buscar novos empregos.

    Esses conflitos so revelados nas imagens contrastantes que os jovens possuem de Ilha

    Grande: a imagem de um universo idlico, como o melhor lugar do mundo, e a imagem

    do lugar do caiara, representao nativa de um povo atrasado, pobre, artesanal, sem

    muita instruo. Os jovens, nesse sentido, buscam imitar o estilo de vida do continente

    para se diferenciar dos velhos da ilha, representando a contradio entre o ficar e o sairdo local: eles no querem perder-se da vida ingnua da ilha, da aura paradisaca do

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    lugar, do status extico de paraso, mas ao mesmo tempo querem pertencer ao mundo

    globalizado, incorporar-se cultura urbana, aderir ao consumismo, participar do

    cotidiano do continente (p. 159). O barco e o contato com o continente, propiciado por

    uma escolarizao mais extensa que a obtida por seus pais, representa para esses jovens o

    intercmbio entre culturas, recolocando-os em contato com o mundo globalizado.

    Alteram-se os hbitos, as noes de nativo e estrangeiro, de local e global. A mar de

    interaes, noo explorada pelo autor, sugere que seu objeto fluido, marcado pela

    ausncia de uma solidez abrasiva, que no se deixa capturar facilmente pelo olhar do

    etngrafo. impossvel em tal realidade descrever um territrio circunscrito a

    determinadas fronteiras. Em diversos momentos, o autor aborda o que designa como a

    solido do campo, produzida por seu mpeto fotogrfico, que quase impediu uma

    observao metdica e uma interao com os viajantes. Alis, a fotografia foi pouco

    explorada ao longo do texto, e quando utilizada, aparece muito mais como um registro

    documental, quase um retrato da realidade, e no um produto, como qualquer dado

    etnogrfico, da negociao entre nativos e pesquisador/fotgrafo.

    Alexandre Pereira apresenta no captulo Jovens e rituais escolares as formas

    juvenis de sociabilidade que tm desestabilizado o cotidiano escolar das periferias de So

    Paulo. Segundo o autor, os rituais escolares permitem capturar etnograficamente tanto o

    aparato institucional que mobiliza a forma escolar de transmisso e reproduo dos

    conhecimentos e relaes sociais, quanto pensar nos rituais que os jovens produzem

    como formas de assimilao ou resistncia a esse mesmo aparato institucional. O conflito

    entre esses rituais evidente, principalmente entre a concepo dos professores, pautada

    por uma viso disciplinar da escola, marcada pelos rituais de ordem, disciplina e

    respeito, e a viso de zoeira dos estudantes, que colocam em xeque a todo momento,

    pela brincadeira e gozao, a autoridade da instituio e do professor. O autor trabalha

    com duas noes nativas dos estudantes, a zoeira e o causar: O zoar ou a zoeira,

    como os alunos denominavam, consiste numa forma de relacionar-se baseada na

    jocosidade e na ludicidade. Pregar peas, contar piadas, inventar apelidos para os

    colegas, tudo isso fazia parte da dinmica das zoeiras, engendradas no exclusivamente,

    mas principalmente pelos meninos [...]. Acionar elementos que desestabilizassem as

    relaes-padro do cotidiano escolar, principalmente na sala de aula, era o principal

    significado que poderia ser atribudo ao termo causar (p. 177-78). J os professores,

    procuram rituais que estabilizem sua posio de autoridade, buscando se impor, se fazerouvir.

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    H um sentimento de frustrao entre os professores, que sabem, melhor do que

    qualquer um, que seus rituais no so mais eficazes e que a escola deixou, h muito

    tempo, de exercer uma disciplina capaz de transmitir as tcnicas corporais elementares

    para o convvio escolar: para ficarmos apenas com um exemplo, essa escola pblica da

    periferia no mais consegue transmitir a tcnica corporal necessria para o domnio da

    leitura e escrita. O ltimo recurso que lhe resta o controle da passagem para o interior

    ou o exterior do edifcio da escola, da a obsesso do bedel de impedir que os alunos

    entrem depois que o sinal toque, e saiam depois que os portes se fechem. A escola se

    encerra simbolicamente sobre si mesma, como nica tcnica disciplinar e de controle que

    ainda lhe restou. A prpria entrada do pesquisador nessa instituio dificultada,

    principalmente quando o objetivo da pesquisa realizar uma etnografia, observar o

    tempo morto do trabalho pedaggico, os micro-conflitos que pipocam a todo momento

    no cotidiano escolar.

    O mrito da pesquisa de Pereira justamente apresentar o jogo que os jovens

    promovem com a instituio, no se reduzindo a meros receptores das injunes

    disciplinares da escola; ao trazer para intramuros a lgica de sociabilidade da rua e do

    bairro, os jovens conseguem desestabilizar o ambiente escolar, escancarando os conflitos

    sociais antes velados. Por mais que os agentes institucionais da escola queiram, essa

    instituio no se encontra apartada da cidade e de outras lgicas de sociabilidade dos

    jovens. Alis, essa outra lio de Gilberto Velho, lembrada por Sandra Tosta e Pollyana

    Alves, que os autores deste livro levam a srio: h um constante risco metodolgico nas

    pesquisas urbanas de ver segmentos sociais, como a escola, como se fossem unidades

    independentes, autnomas e isoladas. A escola, assim como a famlia, est mergulhada

    em um emaranhado de relaes com a cidade, que no pode ser simplesmente apagado

    da descrio e da interpretao antropolgicas.

    Sandra Tosta e Pollyana Alves apresentam, por sua vez, no captulo Cultura e

    cor na escola: uma etnografia com adolescentes negros da elite, a descrio das

    experincias singulares de jovens negros no interior de uma escola da elite carioca. As

    autoras refutam o ditado popular adotado por determinadas interpretaes cientficas

    de que o dinheiro embranquece ao descrever as experincias dos jovens negros do

    colgio: todos os estudantes negros entrevistados afirmaram que j passaram por

    situaes de preconceito racial na escola e fora dela. A pesquisa ainda demonstra que a

    identificao em relao cor marcada pela ambiguidade. Na fala de uma dasentrevistadas: Infelizmente eu sofro o maior preconceito dentro da minha famlia sobre

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    a questo [...] de me assumir uma pessoa negra, porque a minha famlia negra, mas ela

    no se assume (p. 210). As autoras demonstram como a construo da identidade tnica

    pode ser, portanto, um processo muito doloroso e marcado por conflitos em casa e nos

    espaos pblicos frequentados pelos jovens. O silncio sobre determinados dramas

    pessoais relacionados com a questo racial se converte em um meio de socializao

    desses jovens em um espao onde predomina uma elite branca.

    O ltimo artigo da coletnea, escrito por Neusa Gusmo e Mrcia Souza, tambm

    aborda a questo da identidade tnica e educao, porm em um contexto especfico: a

    luta pelo reconhecimento de territrios quilombolas. A reviso bibliogrfica realizada

    pelas autoras revela que os processos de construo identitria e de construo

    institucional das escolas quilombolas so essencialmente polticos. Nesse sentido, as

    autoras apresentam o conflito entre uma escola construda nos quilombos assentada nos

    valores hegemnicos da cultura urbana, brancocntrica e capitalista, e a prpria

    concepo de escola dos quilombolas as autoras no explicitam se trata-se aqui das

    lideranas ou de um sentimento generalizado na comunidade que levasse em conta os

    repertrios culturais e histricos da comunidade. A excluso da histria da comunidade

    do currculo evidenciada pela fala de um morador de quilombo: Sei que importante

    estudar em escola, mas me lembro de que quando eu estudava na escola no sabia nada

    da minha cultura (p. 232).

    Outra preocupao central do livro apresentar ao leitor brasileiro, pouco

    habituado a essa dimenso do ofcio, a aplicao da antropologia que pode vir a ser feita

    nos processos e debates educacionais. Nesse sentido, Gilmar Rocha apresenta um lado

    pouco conhecido do trabalho de Margaret Mead: suas intervenes pblicas nas

    discusses a respeito de como se deve conceber o processo educacional nas sociedades

    contemporneas e ocidentais. Na mesma poca em que Hannah Arendt discutia as

    consequncias da crise da autoridade e da educao, Mead estava preocupada com a

    construo nacional dos Estados Unidos e com o papel da educao no ps-guerra.

    Segundo Gilmar Rocha, para Mead, a educao desempenha uma importncia

    antropolgica com dupla funcionalidade: de um lado, como chave metodolgica para se

    penetrar na cultura e na personalidade de uma sociedade; do outro, como instrumento de

    engenharia social a servio da construo do carter nacional americano (p. 51).

    Nesse sentido, outra preocupao do livro responder questo: de que maneira

    a antropologia poderia mudar a viso geralmente etnocntrica do professor e dainstituio, abrindo a possibilidade de apreenso de outros sistemas de referncias

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    simblicas que no os seus prprios? Nas palavras dos organizadores do livro:

    Pesquisadores e professores, com base nesse exerccio, so sensibilizados para

    compreender outras formas de representar, praticar, classificar e organizar o cotidiano.

    Em outras palavras, o educador se reestrutura e desenvolve seus potenciais para

    apreender maneiras de sentir, fazer e pensar distintas daquelas que so prprias da sua

    formao, observando relaes sociais no cotidiano de distintos contextos de vida (p.

    18). Neusa Gusmo e Mrcia Souza sistematizam, inclusive, as propostas de uma

    educao quilombola, de acordo com a Carta de princpios da educao quilombola de

    Pernambuco, onde se valoriza uma educao: 1) que fortalea a regularizao dos

    territrios quilombolas; 2) que seja participativa na vida da comunidade; 3) que reafirme

    a histria de resistncia da comunidade, a identidade tnica, os saberes tradicionais; 4)

    onde os professores so da prpria comunidade; 5) que o currculo seja elaborado pela

    prpria comunidade.

    Um tema de (auto)reflexo que est presente em todos os artigos, ainda que no

    explicitamente, sobre a utilizao da etnografia nos estudos educacionais. Por

    etnografia, sabemos que cada antroplogo utiliza e prope determinada concepo, e que

    no h uma definio consensual a respeito dessa metodologia/teoria/escrita/ arte/etc.

    Alis, no somente a etnografia revista a contrapelo pelos autores; a autorreflexo est

    em cada filigrana do trabalho de campo, como, por exemplo, na apresentao de Tnia

    Dauster sobre o procedimento de entrevistar escritoras, onde a fico e a realidade se

    misturam, como no filme documentrio Jogo de Cena, dirigido por Eduardo Coutinho.

    Segundo Dauster: a situao de entrevista com as escritoras tem carter particularmente

    dramatrgico, por envolver ficcionistas. Mas como o pesquisador poderia controlar esse

    momento? Isso desejvel? De qualquer forma, a encenao obra dos vrios atores e

    personagens envolvidos, cada um exercendo o papel que lhe prprio e apresentando

    suapersonaou quem sabe seu personagem (p. 73). Dizer que h uma realidade por trs

    da fala do informante seria como acreditar no sonho positivista de que os dados

    encontram-se por a, a ser descobertos pelo pesquisador. Nessa coletnea, observamos

    que o material emprico sempre fruto de constantes negociaes, e os informantes, quer

    sejam adultos ou crianas, produzem imagens, representaes e valores na interao com

    o pesquisador, em um constante jogo para ver quem capaz de definir a situao.

    O campo da educao s tem a ganhar com o desenvolvimento das pesquisas

    apresentadas pelo mosaico Etnografia e educao; tambm a antropologia pode muito

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    ganhar nesse dilogo, ao se voltar pelo prisma da educao para questes essenciais aos

    desenvolvimentos tericos da disciplina, tais como: a discusso sobre a incorporao de

    tcnicas corporais nos processos educacionais de constituio da pessoa; a formao das

    identidades e das diferenas entre crianas e jovens; a especificidade da etnografia em

    contextos urbanos, dentre outros. O convite foi lanado e a esperana a de que esse

    debate consiga deslindar alguns fios do emaranhado fenmeno educacional.

    Nicolau Dela Bandera Arco Netto

    Doutorando em Antropologia SocialUniversidade de So Paulo

    Recebido em: 13/08/2012

    Aceito para publicao em: 22/08/2012