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VI Encontro Nacional da Anppas 18 a 21 de setembro de 2012 Belém - PA – Brasil _______________________________________________________
Resiliência e Vulnerabilidade de Cidades Brasileiras: Lições Aprendidas com os Desastres da Região Serrana
do Rio de Janeiro e da Zona da Mata de Pernambuco
Edinéa Alcântara de Barros e Silva
Doutora em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e pós-doutorado em resiliência de cidades e de comunidades. [email protected]
Cynthia Carneiro de Albuquerque Suassuna
Doutoranda em Desenvolvimento Urbano, UFPE, professora da Universidade Católica de Pernambuco. [email protected]
Maria de Fátima Ribeiro de Gusmão Furtado
Doutorado em Planning Studies, University College London, professora associada do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Urbano, UFPE. [email protected]
Onilda Gomes Bezerra
Doutora em Desenvolvimento Urbano, UFPE, professora substituta do Departamento de Arquitetura e Urbanismo, UFPE [email protected]
Resumo Este artigo busca discutir resiliência e vulnerabilidade urbana, tomando-se por referência os desastres ocorridos na Região Serrana do Rio de Janeiro e Zona da Mata de Pernambuco. É resultado de pesquisa exploratória, visando conhecer os meios pelos quais as cidades enfrentam desastres naturais, extraindo-se lições e propondo-se recomendações para o fortalecimento da resiliência urbana e comunitária das cidades. A investigação baseia-se em visitas aos locais dos eventos, entrevistas com o poder público e sociedade civil; observação direta; participação em audiências e manifestações públicas. A análise é de natureza comparativa, norteada pelo binômio resiliência/vulnerabilidade. Adota-se como categorias analíticas: a natureza dos eventos; atuação governamental e sociedade civil, antes, durante e depois; aporte de recursos; e implementação de ações reparadoras. Os resultados apontaram a importância da solidariedade da população, registrando-se seu protagonismo no processo, distintamente, nas três cidades: Teresópolis e Nova Friburgo destacaram-se pelo preponderante papel das redes sociais, na discussão e democratização dos problemas locais; Teresópolis destacou-se pela articulação e mobilização de grupos e vítimas de baixa renda, enquanto Nova Friburgo, o envolvimento da classe média foi maior; já Barreiros o papel de lideranças locais foi fundamental, no acolhimento aos moradores desabrigados e noutras ações, evitando perdas humanas, além da mobilização e envolvimento de municípios vizinhos e governo estadual, mediante aporte de recursos para reconstrução da cidade. Observa-se que a compreensão da resiliência urbana passa, não apenas pela gestão da vulnerabilidade ambiental do sítio urbano, mas pela capacidade de gerir recursos materiais e humanos com a participação e solidariedade da comunidade. Palavras-chave Resiliência, vulnerabilidade, desastres naturais, cidades brasileiras.
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1. Introdução
Eventos extremos ligados às mudanças climáticas são hoje uma realidade presente em todas as
regiões do Brasil. Inundações, deslizamentos, enxurradas, tempestades, ressacas e secas intensas
são exemplos de fenômenos climáticos extremos ocorridos recentemente que provocaram grandes
perdas humanas e materiais. Este artigo traz uma discussão sobre resiliência e vulnerabilidade de
cidades tomando por referência os desastres ocorridos na Região Serrana do Rio de Janeiro, em
2011, e as enchentes ocorridas na Zona da Mata de Pernambuco, em 2010.
O desastre da Região Serrana é considerado o maior desastre natural do Brasil, em número de
óbitos, mais de 900 declarados, porém com um número indeterminado de desaparecidos.
A enchente ocorrida em junho de 2010, na Zona da Mata Sul de Pernambuco, atingiu uma magnitude
nunca antes alcançada na região, com um volume grande de perdas materiais. O evento que atingiu
a cidade de Barreiros afetou 27 municípios, deixando 11 em estado de calamidade pública e 30 em
situação de emergência. O número de mortos foi de 20, de acordo com dados publicados no site da
Operação Reconstrução do Governo do Estado de Pernambuco.
Intensas precipitações pluviométricas influenciadas pelo fenômeno conhecido como "Ondas do Leste"
chegaram a 401,8mm acumulados até o dia 17/02/10, agravando-se no dia 18/02/2010 pelas
precipitações de 90mm em menos de 12 horas, ao longo da bacia do rio Una, de acordo com a
avaliação de danos do Sistema Nacional de Defesa Civil1
As características físicas, principalmente relevo e geologia, a intensidade de precipitações e a
possibilidade de previsão de ocorrência, conduziram a eventos com natureza física e danos distintos.
Os eventos da Região Serrana caracterizaram-se por deslizamentos de massas, mais precisamente
corrida de lama e detritos, enquanto que na Mata Sul de Pernambuco o evento caracterizou-se por
enxurradas ou inundações bruscas.
Os municípios analisados na Região Serrana foram Teresópolis e Nova Friburgo, de um total de sete
municípios atingidos, e na Zona da Mata Sul o município de Barreiros, por serem os locais onde as
tragédias tiveram maior magnitude, em termos de óbitos e perdas materiais. Essas duas tragédias
1Banco de Dados de Registro de Desastres, S2ID. Disponível em http://150.162.127.5:8000/ged/PE-A-
2601409-12302-100618.pdf
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ocorreram devido a níveis de precipitações pluviométricas concentrados em um curto espaço de
tempo.
Deslizamentos associados a altas precipitações são os eventos que mais causam mortes no Brasil.
Tanto para a Região Serrana, devido a sua situação na zona de convergência, quanto para a costa
nordestina do Brasil, os modelos de mudanças climáticas apontam uma tendência de maior
concentração de precipitações em menores espaços de tempo, não necessariamente com a mesma
magnitude. Portanto, a comparação dessas duas situações, em contextos e características diferentes,
poderá oferecer lições para fortalecimento da resiliência comunitária e de cidades, bem como para
conhecer, enfrentar e, se possível, corrigir suas vulnerabilidades. Este artigo traz uma análise das
diferenças e semelhanças entre os dois eventos, tendo como eixo norteador a análise do binômio
resiliência/vulnerabilidade buscando identificar as lições aprendidas no que diz respeito: i) à ação
governamental; ii) ao protagonismo da população e de instituições da sociedade civil; iii) à dimensão
ambiental como condicionantes, limitadores e facilitadores dos cenários, alternativas e soluções
encontradas.
Problemas no enfrentamento e na superação dos eventos ligados ao clima são comuns a muitas
cidades e tendem a se intensificar com as mudanças climáticas. Pretende-se, portanto, trazer ao
debate questões para que se reflita sobre soluções mais sustentáveis de convivência Sociedade-
Ambiente. Conhecer e avaliar, em maior profundidade os erros e acertos, as fraquezas e as
potencialidades dos dois eventos, poderá apontar lições e pistas para enfrentar outros desastres, a
exemplo das enchentes que ocorreram no início do ano em outros municípios do Rio de Janeiro e de
Minas Gerais.
2. Quadro Teórico: Vulnerabilidade e Resiliência
O conceito adotado para entender a vulnerabilidade das localidades analisadas, foi o do ISDR
(International Strategies for Disaster Reduction, 2004), que a define como o grau de susceptibilidade
ou incapacidade de um sistema para lidar com os efeitos adversos da mudança, inclusive a
variabilidade climática e os eventos extremos de tempo. Nos casos analisados, como foram
desastres, tratou-se de eventos extremos. Já para a vulnerabilidade comunitária, define-se
vulnerabilidade como um conjunto de condições e processos resultantes de fatores físicos,
econômicos e ambientais, que aumentam a suscetibilidade de uma comunidade frente a um
impacto·e/ou fenômeno perigoso (ISDR, 2004).
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mobilizar recursos materiais, físicos, sociopolíticos, sociocultural e psicológico para promover
segurança dos moradores e amortecer as adversidades (PLODINEC, 2009). Nesse sentido, vale
destacar a importância da resiliência comunitária nos casos tratados visto que foi através dela que os
danos humanos e materiais nas localidades investigadas foram minimizados mediante intensa reação
aos choques sofridos a partir do protagonismo individual e coletivo para remediar os impactos dos
desastres.
Segundo o Plano Nacional de Mudanças Climáticas (2008, pg. 88) muito se pode fazer na tentativa
de reduzir os impactos e aumentar a resiliência das comunidades, melhorando as condições de
adaptação às mudanças climáticas. Nesse contexto, recomenda que as ações de adaptação sejam
trabalhadas em dois níveis: (i) na construção da capacidade de adaptação: gerando informações e
condições (regulamentar, institucional e gerencial) para apoiar a adaptação, o que inclui o
conhecimento dos impactos potenciais da mudança do clima e das opções de adaptação); e (ii) na
implementação de medidas de adaptação: realizando ações que reduzam a vulnerabilidade ou que
explorem as oportunidades originadas da mudança do clima, incluindo investimentos em
infraestrutura, sistemas de gestão de riscos, promoção da informação e aumento da capacidade
institucional.
3. O Objeto Empírico
Os dois casos escolhidos para este estudo são classificados como eventos hidrológicos extremos e
casos emblemáticas de desastres extremos de enchentes e deslizamentos.
Juridicamente, a Zona Costeira brasileira tem status constitucional de patrimônio nacional, e sua
utilização é objeto de determinação legal, dentro de condições que assegurem a conservação do
meio ambiente visando a manutenção dos recursos naturais preservando-os para as presentes e
futuras gerações, e o direito a um meio “ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida” (CF,1988). Apesar do conceito de meio ambiente na constituição
enfatizar os processos naturais, do ponto de vista patrimonial, meio ambiente, atualmente, se insere
numa abordagem teórica ampliada ao contemplar, não somente as dimensões biológicas e geofísicas
do meio físico territorial, mas os processos humanos nele construídos, materiais ou imateriais.
Nessa perspectiva, quando se analisa situações de desastres decorrentes de eventos hidrológicos
extremos em zonas costeiras, não há como se deixar de lado as origens histórico-culturais da
colonização. A ocupação das áreas costeiras brasileiras e das margens dos rios foi consequência de
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uma cultura que se originou do processo histórico da colonização portuguesa. Os problemas de usos
inadequados do solo são antigos, segundo Holanda (1995, p.110)
A cidade que os portugueses construíram na América não é produto mental, não chega a contradizer o quadro da natureza, e sua silhueta se enlaça na linha da paisagem. Nenhum rigor, nenhum método, nenhuma prudência, sempre esse significativo abandono que exprime a palavra desleixo.
Cabe destacar que o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro – PNGC (versão, 1997), sobretudo,
o Plano de Ação Federal para a Zona Costeira - PAF-ZC (MMA, 2005), aprovados pela Comissão
Interministerial para os Recursos do Mar – CIRM, prevêm linhas de ações que abarcam um conjunto
de projetos visando ao planejamento e ordenamento territorial ambiental dessa faixa territorial, tendo
em vista à conservação do patrimônio natural e cultural, bem como o controle e o monitoramento dos
fenômenos e das dinâmicas e processos naturais e humanos que incidem na costa brasileira.
Coordenado pelo MMA, de acordo com o Macrodiagnóstico da Zona Costeira e Marinha do Brasil
(MMA, 2009), tais projetos buscam dar uma resposta às pressões concentradas particularmente na
costa brasileira. Ressalte-se que um dos principais fatores é a intensa e desordenada urbanização
promovendo a concentração populacional de 25% do total em apenas 7% dos municípios do Brasil,
especialmente nas 16 regiões metropolitanas.3
Observa-se que aliado ao processo histórico-cultural de ocupação, a falta de cuidado, o desvalor
acerca de normas de planejamento e organização territorial que se refletem, ainda nos dias atuais,
como fatores que não podem ser esquecidos.
Para a Zona da Mata Sul, é apresentado na Tabela 1 um histórico das enchentes a partir de 2010.
Observa-se um crescimento no número de mortos, com exceção da enchente de 2010, e também
uma tendência à ampliação da magnitude e da intensidade dos eventos, o que coincide com as
previsões das mudanças climáticas: intensificação das precipitações nas duas regiões.
3 http://www.mma.gov.br/gestao-territorial/gerenciamento-costeiro. Acesso: 13.07.2012.
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Preto, Santo Antônio de Pádua e Bom Jardim, dois mortos em cada município. Segundo a Defesa
Civil estadual, as chuvas deixaram 23.315 desalojados e 12.768 desabrigados em 15 cidades.
Tabela 2 Relatório Diário de Desastre (18/02/2011)
município ocorrência data n. de desabrigados
Vítimas fatais
n. de afetados
Teresópolis
Alagamento/escorregamento ou deslizamento
24/12/2010 0 0 3.400
Alagamento/escorregamento ou deslizamento
4/01/2010 6727 388 0
Enxurradas ou inundações bruscas
12/01/2011 187 74 50.000
Nova Friburgo
Enxurradas ou inundações bruscas
12/01/2011 789 429 0
Fonte: Departamento Geral de Defesa Civil do Rio de Janeiro Disponível em http://www.dgdec.defesacivil.rj.gov.br/modules.php?name=News&file=print&sid=260.
4. A Metodologia
A base empírica das reflexões se constituiu dos resultados de trabalhos de campo centrados na
observação direta em nove visitas aos três municípios e participação em oito eventos públicos
(audiências, manifestações públicas de prestação de contas e apresentação dos projetos e
entrevistas abertas e com roteiro). A escuta contemplou moradores e representantes de instituições
da sociedade, das prefeituras e dos governos estaduais nos eventos públicos e em entrevistas
privadas, de 16 órgãos públicos municipais e estaduais, 9 instituições da sociedade civil, que junto
com líderes e moradores, totalizam 53 pessoas.
4.1 A Análise Comparativa
A análise comparativa dos dois eventos teve como eixo norteador o binômio
resiliência/vulnerabilidade buscando identificar as lições aprendidas e as alternativas e soluções
encontradas. As categorias de análise foram: a natureza física dos dois eventos; a atuação
governamental (união, estado e município) e sua credibilidade; a atuação da sociedade civil, com
ênfase no grau de protagonismo da sociedade e da população antes, durante e depois do desastre; a
atuação dos indivíduos; o aporte de recursos (governamentais e arrecadados pela sociedade); o nível
de implementação das ações de recuperação das perdas.
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Tabela 3 Matriz de análise
Categorias de análise
Barreiros, PE Teresópolis e Nova Friburgo, RJ
A natureza física dos eventos
Semelhanças: Intensidade pluviométrica: 401,8mm até 17/02/10, 90mm (em 12h) no dia 18/02/2010 (Sistema Nacional de Defesa Civil) Diferenças: características fisiográficas: relevo, geologia, topografia, natureza física dos eventos, cheias frequentes no verão, enxurradas ou inundações bruscas, possibilidade de previsão da ocorrência pelo lapso de tempo que pode minimizar perdas e salvar vidas
Semelhanças: Intensidade pluviométrica: 300mm em horas Diferenças: características fisiográficas: relevo, geologia, topografia, natureza física dos eventos, zona de convergência – grandes intensidades de chuvas no verão (próximo a janeiro), mmisto de deslizamentos de massas (corrida de lama e detritos) e enchente
A atuação governamental
Poder local: defesa civil despreparada e inexistência de sistema de alerta. Força Nacional com grande credibilidade.
Antes: defesa civil local despreparada, inexistência de sistema de alerta e resgate de pessoas Depois: implantação de sistema precário de alerta; criação de 19 NUDECs (núcleo de defesa civil); Força Nacional com credibilidade
A atuação da sociedade civil
O padre e fiéis criaram um sistema de alerta informal, o sino da igreja, a rádio comunitária, visita às residências e abrigos
Surgem organizações locais: AVIT Apoio de instituições nacionais e internacionais: CARE do Brasil,Cruz Vermelha Redes sociais com importante papel na discussão, mobilização e democratização dos problemas locais, aglutinando moradores de diversas classes e grupos sociais
A atuação dos indivíduos
Grande solidariedade da população durante e depois do desastre: acolhimento aos desabrigados, limpeza da cidade, distribuição de alimentos e donativos, assistência aos desabrigados
Grande solidariedade da população durante e depois do desastre: limpeza da cidade, distribuição de alimentos e donativos, assistência aos desabrigados, reconhecimento dos corpos
O aporte de recursos
Criação do escritório de Reconstrução Nacional
Governamentais – mais de 10 milhões de reais
Implementação das ações de recuperação
Poder local: incapacidade de gerenciar recursos; 3 pontes ainda não foram construídas. Construídas mais de 1000 casas sobre aterro, já com erosões
Poucas obras de contenção realizadas, algumas já com erosão; pontes ainda não foram construídas; construção das casas não iniciadas, um ano depois.
As fotos a seguir evidenciam algumas das categorias analisadas.
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Região serrana do Rio de Janeiro
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Barreiros, Zona da Mata Sul de Pernambuco
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5. Resultados
5.1 O Protagonismo da Sociedade e a Ação do Estado
Nas três cidades analisadas, a solidariedade da própria população durante o desastre foi evidenciada
em diversos jornais, bem como nos depoimentos dos entrevistados. Organizações e movimentos
locais surgiram com este propósito, além de instituições nacionais e internacionais estabeleceram
residência nos municípios atingidos.
A manifestação do protagonismo da sociedade assumiu feições diferenciadas nas três cidades. Em
Teresópolis, a rede de instituições e de articulação existentes tem como pilar estruturador a
Associação de Vítimas da Tragédia de 11 de Janeiro (AVIT), que foi formada depois da tragédia e
reúne vítimas e cidadãos de classe média que atuam na mobilização de pessoas de mais baixa
renda. A Care do Brasil, junto com líderes comunitários, também fomentou a criação dos primeiros
NUDECs (Núcleo de Defesa Civil) e entregou um documento ao prefeito de Teresópolis, solicitando
sua adesão à Campanha “Construindo Cidades Resilientes: Minha cidade está se preparando”. Essa
campanha aponta uma lista das prioridades a serem assumidas por prefeitos e gestores locais,
advindas do Marco de Ação de Hyogo6 para redução de riscos de desastres, e do qual o Brasil é um
signatário.
Em Nova Friburgo, as redes sociais tiveram e ainda têm um papel preponderante na discussão e
democratização dos problemas locais, por aglutinar os moradores e principalmente por envolver
pessoas de classe média, que assumem um papel importante de articulação no mundo virtual,
evidenciando a tendência mundial nesse sentido. Muitas são as instituições criadas após o desastre
que tiveram ou tem atuação local: Grupo de Articulação Comunitária (GAM), Diálogos, Eu Luto, Care
do Brasil, Cruz Vermelha, entre outras. O movimento por cidades resilientes também estava se
formando, mas já havia sido criado um espaço virtual “Nova Friburgo em Transição (Transition
Towns)”, no facebook, onde são postados comentários sobre os problemas locais e há muita
participação da sociedade. Eles buscam seguir os princípios do movimento “Transition Towns”, em
nível mundial, que busca construir cidades resilientes.
Em Barreiros, o protagonismo de líderes locais, inclusive religiosos, como um padre da igreja católica
e grupos de fiéis, teve importante papel durante e logo depois do desastre. O sistema de alerta criado
6 Marco de Acción de Hyogo 2005-2015 - Prioridades de acción n. 5 “Fortalecer la preparación en desastres
para una respuesta eficaz a todo nível”
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informalmente: o sino da igreja, a rádio comunitária e as visitas às residências e locais de abrigo,
pouco antes do desastre; e o acolhimento dos moradores aos desabrigados, foram essenciais para
evitar as perdas humanas. A mobilização e o envolvimento de municípios vizinhos e a ação do
governo do estado também foram essenciais na recuperação da cidade, depois do desastre. Os
resultados alcançados, as obras executadas e os depoimentos dos entrevistados são indícios de que
a ação do Governo de Pernambuco no pós-desastre foi essencial na recuperação do município,
enquanto que no Rio de Janeiro o atraso na realização das obras, por dificuldades ambientais que a
própria região oferece, bem como os indícios de corrupção, que substituíram os prefeitos das duas
cidades, vulnerabiliza e descredibiliza a atuação governamental local.
Em Barreiros, a incapacidade da Prefeitura de receber recursos motivou a concentração das obras
sob o comando do governo de Pernambuco. A Operação de Reconstrução montada pelo governo
estadual irá construir mais de 4.000 casas e já conta com mais de mil construídas. A previsão de
construção de cinco barragens deverá resolver, ou pelo menos mitigar, os problemas de enchentes
da Zona da Mata Sul de Pernambuco.
No caso da Região Serrana, em 2011, foram realizados diversos treinamentos para a implantação de
sistema de alerta e um planejamento de locais de abrigo para a população. No entanto, os sistemas
de alerta implantados ainda são precários e falhos. A construção das casas ainda não havia sido
iniciada. Mesmo um ano após a tragédia, muitas das pontes ainda não foram construídas, os
tratamentos nas encostas já começam a apresentar problemas de erosão e de comprometimento de
pequenas obras localizadas. Diante do contexto, como uma população que sofreu e ainda sofre o
trauma de um desastre da magnitude do ocorrido, foi submetida à instabilidade de gestão política
com a troca de prefeitos, por suspeita de corrupção, pode acreditar e confiar nas instituições públicas,
se a ação governamental ainda continua com esse nível de resposta?
Mesmo que as soluções técnicas para a região da Zona da Mata Sul de Pernambuco sejam mais
simples e haja uma maior credibilidade da atuação pública, devido à atuação do governo estadual, as
duas regiões terão que enfrentar o grande problema, comum a quase toda cidade que é o de
consolidação de habitações e de comércio às margens dos rios, ocupando, muitas vezes a própria
calha de escoamento. O que fazer? Relocar os moradores para fora da zona de risco, marcadas em
vermelho nos modelos de simulação, pode significar relocar praticamente toda a cidade. Como
resolver isso, quando os modelos de simulação de cheias apresentam o alagamento de praticamente
toda a cidade de Barreiros para uma enchente da magnitude da ocorrida em 2010?
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Na região serrana, as cidades oferecem um clima ameno, cerca de 10º a menos do que na cidade do
Rio de Janeiro, e um ambiente belíssimo de montanhas, que faz com que alguns moradores não
queiram sair de lá, mesmo após essa tragédia. Como consolidar de forma segura, cidades que se
assentam em locais com tal vulnerabilidade ambiental? Obviamente, não se pretende encontrar
respostas a essas questões, apenas provocar uma reflexão nesse sentido, pois esses problemas são
comuns a muitas cidades consolidadas a margem de rios e podem tender a se intensificar, com os
adventos das mudanças climáticas.
6. Conclusões Reflexões e Lições Aprendidas
6.1 Ações preventivas
Sistemas de alerta antes e durante o desastre podem vir a salvar muitas vidas nos dois tipos de
tragédias e deveriam ser efetivos e gerar credibilidade e confiança na população. Não foi o que
ocorreu em Nova Friburgo, um ano depois da tragédia, e mesmo após treinamentos de gestão do
desastre. Diante da ocorrência de chuvas intensas, ao soar o alarme e a população se dirigir aos
abrigos, não encontraram abertos os locais previstos para passar a noite. Tal fato descredibiliza
bastante a ação pública e reforça o sentimento de abandono declarado por muitos dos entrevistados.
6.2 Ações de Recuperação
Agilidade na implementação das obras de reconstrução fortalece a credibilidade da ação
governamental e produz dinamização econômica que pode superar situações anteriores de
estagnação. A atuação do Governo de Pernambuco no pós-desastre foi essencial na recuperação do
município. Há quem avalie um maior dinamismo econômico e de geração de empregos depois do
desastre do que antes. Na região serrana do Rio de Janeiro, o atraso na realização das obras, por
dificuldades ambientais que a própria região oferece, vulnerabilizou e descredibilizou a atuação
governamental local. A corrupção e desvios de recursos se configuram nas maiores ameaças à
implementação das obras de reconstrução, causando sérios impactos na qualidade de vida das
pessoas e na credibilidade das instituições governamentais.
Mecanismos eficazes de controle financeiro dos gastos devem ser implementados para evitar
corrupção/desvio de recursos, pois o fato das localidades estarem em estado de emergência ou
calamidade pública facilita práticas ilícitas de aplicação de recursos.
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6.3 Ações de Adaptação Estruturais
Desastres como os provocados por inundações podem ser resolvidos por construção de barragens,
como no caso da Zona da Mata Sul de Pernambuco.
Na região serrana, a topografia extremamente acidentada potencializa a velocidade das águas, o que
somado ao (quase) afloramento do cristalino, compromete a estabilidade dessas encostas, que
mesmo cobertas de vegetação, podem deslizar devido a índices de precipitações como os que
ocorreram em janeiro de 2011. Desastres como a corrida de lama e detritos impõem soluções de
engenharia mais difíceis, caras e, muitas vezes paliativas, apenas para mitigar os impactos. Equipes
internacionais estão estudando as soluções técnicas para a região. Entre as possíveis soluções
apontam-se barragens ao longo dos rios para armazenamento e quebra da velocidade da água,
diques laterais de contenção, que venham minimizar a ocorrência de riscos de futuros acidentes com
a proporção do desastre de 2011. Mesmo que as soluções tenham caráter mitigador, lograrão êxito
no sentido de evitar os óbitos e os danos materiais e psicológicos, assim como um eficiente sistema
de alerta, inexistente na época do desastre.
Cuidado e atenção especial deve ser dado a programas de saúde pública para tratar com os traumas
pós-desastre, pelo qual passa a população vítima de desastres. No Brasil, esse aspecto é
secundarizado, enquanto em países como o Japão, possui atenção prioritária pela saúde pública.
6.4 Considerações finais sobre a resiliência das duas cidades
A Tabela 4 apresenta uma síntese com uma avaliação preliminar da resiliência das duas cidades.
Tabela 4 - Avaliação preliminar da resiliência das duas cidades
Categoria indicador
Barreiros, Zona da Mata Sul, PE Teresópolis e Nova Friburgo, Região Serrana, RJ
Natureza física do desastre
Lapso de tempo razoável (de 12 a 18h) para prevenir perdas e danos
Lapso de tempo curto (praticamente imediato), exigindo monitoramento acurado das precipitações e sistemas de alarmes efetivos para desocupar as áreas de risco com rapidez
Número de mortos e desaparecidos
20 mortos Mais de 900 mortos e mais 300 desparecidos
Impacto nos sobreviventes
Perdas materiais e sofrimento durante e depois do desastre
Grande número de mortos/desaparecidos marcou profundamente a população com forte trauma pós-desastre, com sequelas e perdas irreversíveis
Solução técnica para resolver o problema
Construção de barragens Obras de engenharia mitigadoras difíceis e caras
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Mais de 1000 casas Dificuldade de construir novas casas devido à topografia da região para seguir a legislação e normas urbanísticas e ambientais
Ação governamental
Operação de Reconstrução exitosa do Governo
A corrupção, os desvios de verbas e a morosidade para iniciar os trabalhos afetaram a credibilidade das instituições públicas, principalmente a prefeitura
Ação individual
A solidariedade contribuiu para a resiliência da cidade
Atuação exemplar de solidariedade uns com os outros, mesmo quem perdeu parentes, que contribuiu para a resiliência da cidade
A atuação da sociedade civil
Líderes locais e de municípios vizinhos (políticos, empresários, etc.) atuaram de forma decisiva para a resiliência da cidade
Criação de 19 NUDECs Instituições como Care do Brasil, Cruz Vermelha, AVIT, GAM, Diálogos, etc., contribuíram para mudar a realidade das vítimas durante o desastre e depois, prestando assistência às vitimas, como pressionando o poder público para implementar as obras.
Bases da resiliência das cidades
Solidariedade das pessoas e da sociedade Ação de líderes (o padre, o governador, empresários e líderes políticos de municípios vizinhos)
Solidariedade das pessoas e da sociedade. Ação das instituições da sociedade civil existentes e criadas, bem como as redes sociais virtuais tiveram um papel preponderante na mobilização, na democratização e discussão dos problemas locais, com destaque para Nova Friburgo, onde houve o surgimento de diversos grupos e instituições de origem virtual, mas que se materializaram em lutas e reivindicações
O nível de participação políticas coletiva
Praticamente inexistente. A mobilização da sociedade se deu mais fortemente para o desastre.
O afastamento de dois prefeitos evidencia o nível de mobilização e de fiscalização dos órgãos de controle locais.
7. Recomendações para fortalecimento da resiliência
Muito precisa ser feito para que as cidades se preparem para os desastres e para eventos extremos
futuros. Primeiramente, no âmbito do seu fortalecimento institucional, por meio da redução de suas
vulnerabilidades e aumentando a resiliência urbana e comunitária. Preventivamente, na direção de
reduzir a contribuição para o aquecimento global, através da redução das emissões de gases e da
redução do consumo dos recursos naturais.
Falhas institucionais foram responsáveis por erros inaceitáveis. A estrutura política encoraja o
fortalecimento administrativo e político no nível local, mas pode-se encontrar situações em que
facilmente possa emergir a incompetência, a corrupção, principalmente durante situações de
emergência e calamidade pública.
Dado que os desafios para o enfrentamento dos desastres sejam tão grandes e se repitam
sistematicamente, é necessária uma política nacional com grande envolvimento para controle e
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monitoramento, inclusive pelos vários atores e instituições da sociedade, incluindo, mas não se
limitando ao governo local.
Se as condições adequadas forem disponibilizadas para fortalecer a resiliência, sendo a própria
população um dos maiores recursos, a resiliência pode se consolidar. Houve atos extraordinários de
solidariedade entre indivíduos, e em alguns casos, a sociedade civil também desempenhou um papel
positivo na mobilização e organização durante e depois do desastre.
Godschalk (2003, p. 137) argumenta que os programas tradicionais de “hazard mitigation” têm
concentrado o foco em produzir sistemas físicos resistentes a desastres. No entanto, salienta que
futuros programas de redução de riscos devem também ter o foco em ensinar/preparar as
comunidades sociais da cidade e instituições a reduzir os “hazard risks” e responder de forma efetiva
aos desastres, pois eles serão os grandes responsáveis em construir e efetivar a resiliência urbana.
O autor salienta a importância das comunidades humanas como os componentes sociais e
institucionais da cidade e inclui as formais e informais: escolas, vizinhança, agências, organizações,
empresariado, “task forces”. Godschalk (ibidem) enfatiza que as comunidades atuam como o cérebro
da cidade, direcionando suas atividades, em resposta a necessidades, e aprendendo com a
experiência, pois devem possuir a capacidade de sobreviver e funcionar sob condições únicas e
extremas. E conclui que uma cidade sem comunidades resilientes será extremamente vulnerável aos
desastres.
Mas o Estado necessita prover a estrutura institucional necessária para que essas contribuições
possam ter pleno efeito, assim como o suporte na provisão de infraestrutura de liberação de recursos.
É necessário que se fomente também a consciência acerca das causas e consequências das
mudanças climáticas para a população e para o meio ambiente como um todo, considerando suas
dimensões naturais e culturais.
Agradecimentos
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), à Fundação de Amparo
à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE) e à Pró-Reitoria para Assuntos de
Pesquisa e Pós-graduação (PROPESQ) e à Pós Graduação em Desenvolvimento Urbano (MDU) e
ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo (DAU), da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE) pelo apoio ao desenvolvimento das pesquisas que subsidiaram esse artigo.
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Autoras
Edinéa Alcântara de Barros e Silva
Engenheira civil pela Universidade Federal de Pernambuco (1983), mestre em Gestão e Políticas Ambientais pela UFPE (2001), doutora em Desenvolvimento Urbano na Pós-graduação em Desenvolvimento Urbano (MDU) na UFPE e pesquisadora de pós-doutorado da CAPES em resiliência de cidades e resiliência comunitária no MDU/UFPE. Tem atuado no setor público municipal e no terceiro setor, em projetos habitacionais, de desenvolvimento urbano e gestão ambiental e em atividades de ensino, treinamento e capacitação. Fellow da Ashoka - Associação Mundial de Empreendedores Sociais Eminentes (2001), fellow do LEAD - Leadership of Environment and Development (2000), e da Ford Motor Company International Fellowship Program of the 92nd Street Y (2004), e Analista Ambiental da Prefeitura Cidade do Recife. Coordenou o Plano de Revitalização da Bacia da Lagoa Olho d'Água, Jaboatão dos Guararapes, PE, reconhecido como uma das 100 "Best Practices" para a Conferência Habitat II, em 1996, em Istambul.
Cynthia Carneiro de Albuquerque Suassuna
Possui graduação em Química Industrial pela Universidade Federal de Pernambuco (1983), graduação em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (2002). Mestrado em Gestão e Políticas Ambientais pela Universidade Federal de Pernambuco (2005). Doutoranda em desenvolvimento urbano na Universidade Federal de Pernambuco (2009). Atualmente é professora da Universidade Católica de Pernambuco. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito ambiental e Gestão ambiental.
Maria de Fátima Ribeiro de Gusmão Furtado
Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Pernambuco (1979), mestrado em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco (1982) e doutorado em Planning Studies - University College London (1996). Atualmente é professora associada do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal de Pernambuco. Coordena o Laboratório de Estudos Periurbanos (LEPUR), grupo de pesquisa credenciado pelo CNPq desde 2004. Tem experiência na área de Planejamento Urbano e Regional, com ênfase em Técnicas de Planejamento e Projeto Urbanos e Regionais, atuando principalmente nos seguintes temas: planejamento urbano, conservação urbana, gestão ambiental municipal, indicadores de sustentabilidade e resiliência urbana, áreas periurbanas e requalificação de sítios históricos.
Onilda Gomes Bezerra
Arquiteta e urbanista pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com Doutorado em Desenvolvimento Urbano e Mestrado em Geografia, ambos realizados na UFPE; Especialização em Gestão Ambiental pela Universidade Politécnica de Valência - Espanha; Especialização em Desenvolvimento Urbano e Rural pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP); professora substituta do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFPE e da Faculdade Maurício de Nassau (Recife/PE), nos cursos de Turismo e Arquitetura e Urbanismo; pesquisadora colaboradora dos Laboratórios da Paisagem e do LEPUR (Laboratório de Estudos Periurbanos), do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento da UFPE; e Técnica em Planejamento Urbano e Ambiental da Prefeitura do Recife, desde 1987. Tem experiência na área de Planejamento Urbano e Ambiental, Controle Urbano, Legislação Urbanística, Arquitetura, Urbanismo, Paisagismo, Meio Ambiente e Conservação do Patrimônio Natural e Cultural.