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FACULDADE DE DIREITO DE CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM
ALLINE CHAGAS VALLI
RESPONSABILIDADE PENAL DO PSICOPATA
CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM
2018
ALLINE CHAGAS VALLI
RESPONSABILIDADE PENAL DO PSICOPATA
Monografia apresentada à Faculdade de Direito
de Cachoeiro de Itapemirim como requisito
parcial para obtenção do título de Bacharel em
Direito.
Orientador: Prof. Izaias Corrêa B Junior
CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM/ES
2018
ALLINE CHAGAS VALLI
RESPONSABILIDADE PENAL DO PSICOPATA
Monografia apresentada à Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim
como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.
Aprovada em ___ de _____________ de 2018.
Nota: _________
BANCA EXAMINADORA
Prof.
Prof.
Prof.
AGRADECIMENTOS
Que toda a glória seja dada a Deus que, por seu grandioso poder que atua em nós, é
capaz de realizar infinitamente mais do que poderíamos pedir ou imaginar. A Ele toda
a gratidão por ter me capacitado a chegar até aqui;
Agradeço aos meus amados pais, Romildo e Cida por toda dedicação e compreensão
que tiveram no decorrer desses anos;
À minha irmã Sarah pela amizade e altas risadas;
Por fim, ao meu ilustríssimo orientador, professor Dr. Izaias pela dedicação e apoio
nesse trabalho monográfico.
“Sua aparente normalidade, sua ‘máscara
de sanidade’, torna-o mais difícil de ser
reconhecido e, logicamente, mais perigoso.”
Vicente Garrido
RESUMO
O presente trabalho tem como finalidade estudar acerca dos indivíduos acometidos
pela psicopatia, elencando características inerentes a sua personalidade e ao seu
comportamento e a maneira que este é tratado pelo Direito Penal Brasileiro,
considerando os casos em que esses indivíduos cometem crimes. A princípio será
abordado a teoria do crime de acordo com doutrinadores do direito penal, sendo este
o foco principal da pesquisa. Ao após, os estudos serão relacionados à definição de
psicopatia e suas principais características, no âmbito psiquiátrico e psicológico.
Nesse contexto o trabalho versa sobre a forma como o Estado vem respondendo aos
atos criminosos cometidos por psicopatas, demonstrando que o legislador pátrio não
incorporou tal situação em nosso ordenamento jurídico, e por consequência, eles vêm
recebendo a mesma punição que criminosos comuns, ou àqueles destinados aos
inimputáveis. Por fim, o estudo abordará a inimputabilidade deste criminoso,
considerando que não existe um tipo de prisão que abrange a classe desses
indivíduos.
Sumário
RESPONSABILIDADE PENAL DO PSICOPATA ............................................................ 9
CAPÍTULO 1 – CULPABILIDADE .................................................................................. 11
1.1 - Teoria do Crime ................................................................................................... 11
1.2 – Culpabilidade ...................................................................................................... 16
1.3 – Imputabilidade e Inimputabilidade...................................................................... 20
CAPÍTULO 2 – A PSICOPATIA ....................................................................................... 25
2.1 – Conceito .................................................................................................................. 25
CAPÍTULO 3 – RESPONSABILIDADE PENAL DO PSICOPATAS ............................. 31
CAPÍTULO 4 - CONCLUSÃO ....................................................................................... 36
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 37
9
INTRODUÇÃO
É de suma importância o estudo das razões sociais, das motivações que levam o
indivíduo a delinquir, analisando sua personalidade, como a perspectiva sociocultural
em que está inserido, para aplicação da lei penal no caso concreto.
O estudo da mente criminosa foi, continuadamente, um considerável tema
abordado no Direito Penal. Como Ciência Penal, a Criminologia, derivada do
positivismo naturalista, escola liderada por Cesare Lombroso, cuida do estudo das
características psicológicas do criminoso e vítima, e das circunstâncias em que o fato
típico fora cometido.1
Por estes motivos, a Psicologia Forense, como ramo da Criminologia, definiu
conceitos e elementos relevantes para a área da Psicologia e do Direito. Surge neste
contexto, a figura importante para este cenário, o psicopata.
O presente trabalho monográfico tem por finalidade estudar a respeito da
inimputabilidade do psicopata do âmbito do Direito Penal, visto que, hodiernamente o
indivíduo acometido por esse tipo de comportamento inadequado a saber, a
psicopatia, não tem uma resposta adequada do Estado no sentido de ser punido de
forma eficaz.
Em primeiro momento o estudo se dirigirá à Teoria do Crime, tendo como foco
principal o elemento da culpabilidade. Analisar-se-á os elementos do conceito
analítico de crime, observando à priori, a imputabilidade, o que virá a ser o ponto de
questionamento, se a psicopatia pode ensejar a imputabilidade plena, reduzida ou
nula. Posteriormente, será analisado o conceito de psicopata e suas características.
A Psicopatia é o tema central deste trabalho, que busca saber como agem tais
indivíduos, e a resposta do Estado aos crimes cometidos pelos psicopatas, sendo este
1 CARVALHO, Salo de, anti manual de criminologia, página 39, 6ª edição, editora Saraiva, São Paulo, 2015.
10
estudo de grande relevância, objetivando o aprimoramento de tratamentos e a criação
de novas políticas criminais que protejam a sociedade.
Ao após, será demonstrada a forma considerada mais eficaz para que o Estado
possa punir a esses criminosos.
Dessa forma, o objetivo principal do trabalho é colocar em debate a figura do
psicopata no Judiciário Brasileiro, visto que, diante da existência destes indivíduos na
sociedade, e, pelo fato de alguns deles cometerem fatos criminosos, é de suma
importância haver um estudo interdisciplinar sobre esta realidade, com o propósito de
coibir e reduzir a prática de seus atos delituosos.
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CAPÍTULO 1 – CULPABILIDADE
1.1 - Teoria do Crime
O Direito Penal visa a proteção dos bens jurídicos essenciais, protegendo de
modo legítimo e eficaz os bens jurídicos fundamentais e indispensáveis da sociedade.
O que simboliza a proteção é a sanção. A sanção é um instrumento legítimo do Estado
para punir, punição essa que apenas se concretizará caso haja necessidade ou
indispensabilidade.
Vejamos conceito doutrinário:
Direito penal é o segmento do ordenamento jurídico que detém, a função de selecionar os comportamentos humanos mais graves e perniciosos à coletividade, capazes de colocar em risco valores fundamentais para a convivência social, e descrevê-los como infrações penais, cominando-lhes, em consequência, as respectivas sanções, além de estabelecer todas as regras complementares e gerais necessárias à sua correta e justa aplicação. (CAPEZ, 2011, p.19)2.
Com base no princípio da intervenção mínima, conhecida também como última
ratio, ou seja, como última opção de controle, o Estado tem o seu poder incriminador
limitado, preconizando que a criminalização de alguma conduta só se legitima se
construir meio necessário para prevenção de ataques contra bens jurídicos
importantes.3
O bem jurídico é considerado como um instituto quem tem grande relevância para
a sociedade, onde há um juízo de valor acerca de determinada situação social. Não
serão todos os bens jurídicos que merecerão a tutela do Direito Penal, pois como fora
estudado acima, a aplicação de sanção que cerceie a liberdade do indivíduo é
aplicada em último caso. Dessa forma, os bens merecedores da tutela penal, serão
aqueles que apresentam uma dignidade dentro da Dogmática Penal, os quais são
elencados pela Constituição Federal.
2 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, página 19, 15ª edição, editora Saraiva, São Paulo, 2011. 3 BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal, página 56, 23ª edição, editora Saraiva Jur, São Paulo, 2017.
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Considerando que o Direito é dinâmico e não imóvel, torna-se complexo conceituar
bem jurídico, pois há modificações em todo tempo na valoração desses bens de
acordo com as mudanças sociais. Por isso, há divergências entre os doutrinadores
quanto a formação de um conceito harmônico. Como esse não é o foco da pesquisa,
sigamos adiante com o conceito segundo Zaffaroni e Pierangeli (2015, p.416): “bem
jurídico penalmente tutelado é a relação de disponibilidade de um indivíduo com um
objeto, protegida pelo Estado, que revela seu interesse mediante a tipificação penal
de condutas que o afetam.”4
Dessa forma, o Direito Penal estabelece uma maneira de regular a ação do Estado,
implantando princípios que limitem o exercício do poder de punir os indivíduos que
cometeram a conduta ferindo os bens jurídicos tutelados ou que possam vir a ferir,
serão consideradas criminosas.
Posto isso, observa-se os ensinamentos de Zaffaroni e de Pierangeli, trazendo em
seu livro Manual de Direito Penal Brasileiro, o que seria Direito Penal:
Com a expressão “direito penal” se designam- conjunta ou separadamente- duas entidades diferentes: 1) o conjunto de leis penais, isto é a legislação penal; e o 2) o sistema de interpretação desta legislação, isto é, o saber do direito penal. Tendo em conta esta duplicidade, e sem pretensões de dar uma definição – e uma simples noção prévia-, podemos dizer provisoriamente que o direito penal (legislação penal) é o conjunto de leis que traduzem normas que pretendem tutelar bens jurídicos, e que determinam o alcance de sua tutela, cuja violação se chama “delito”, e aspira a que tenha como consequência uma coerção jurídica particularmente grave, que procura evitar o cometimento de novos delitos por parte do autor. No segundo sentido, direito penal (saber do direito penal) é o sistema de compreensão (ou interpretação) da legislação penal. (2015, p. 84 e 85).
Bem como demonstra Cezar Roberto Bitencourt:
O Direito Penal apresenta-se, por um lado, como um conjunto de normas jurídicas que tem por objetivo a determinação de infrações de natureza penal e suas sanções correspondentes – penas e medidas de segurança. Por outro lado, apresenta-se como um conjunto de valorações e princípios que orientam a própria aplicação e interpretação das normas penais. Esse conjunto de normas, valorações e princípios, devidamente sistematizados, tem a finalidade de tornar possível a convivência humana, ganhando
4 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERNGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral, página 416, 11ª edição, são Paulo: Revistas dos Tribunais, 2015.
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aplicação prática nos casos ocorrentes, observando rigorosos princípios de justiça. (2017, p. 38)
Diante dos ensinamentos doutrinários expostos acima, quando a violação da tutela
jurídica é violada, denomina-se crime (ou “delito” conforme a citação), se fazendo
necessária a explicação deste instituo, dentro do caso concreto quais são os
elementos indispensáveis para que se caracterize como uma infração penal.
A Lei de introdução ao Código Penal (Decreto- lei de nº 3.914/41) em seu artigo 1º,
traz o conceito legal de crime atualmente utilizado no Brasil, vejamos:
Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativamente ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.
Bitencourt, em seu livro Tratado de Direito Penal – Parte Geral (2017) aponta que
este decreto trouxe somente as características que distinguem as penalidades entre
crime e contravenção penal, diferentemente do que havia nos códigos penais de 1830
(art. 2º, § 1º) e 1890 (art. 7º), o código atual de 1940, não traz uma definição de crime,
deixando esta matéria para os doutrinadores nacionais, conceituando a teoria do
crime.
Nas palavras de Zaffaroni, a teoria do crime (ou delito) é:
A parte da ciência do direito penal que se ocupa de explicar o que é o delito em gral, isto é, quais são as características que deve ter o delito. Esta explicação não é um mero discorrer sobre o delito com interesse de pura especulação; contrariamente atende ao cumprimento de um propósito essencialmente prático, consiste em tornar mais fácil a averiguação da presença ou ausência, do delito em cada caso concreto. (2015, p. 348).
Nesse sentido, preconiza Cezar Roberto Bitencourt:
A teoria geral do delito não foi concebida como uma construção dogmática acabada, pelo contrário, é fruto de um longo processo de elaboração que acompanha a evolução epistemológica do Direito Penal e apresenta-se, ainda hoje, em desenvolvimento. O consenso francamente majoritário da doutrina no sentido de que a conduta punível pressupõe uma ação típica, antijurídica
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e culpável, além de eventuais sistemáticas do delito: tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade.5 (BITENCOURT, 2018, p.271 e 272).
Como foi visto, o nosso Código Penal não definiu expressamente o que seja crime,
deixando ao alvedrio da doutrina fazê-lo. Somente disse em sua lei de introdução (D.L
nº 3914/41, art.1º), como também já fora explanado, que ao crime é reservada uma
pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, alternativamente ou
cumulativamente com a pena de multa. Dessa maneira, o direito penal tem como
função esclarecer quais são as formas de identificar o crime, fazendo a verificação em
cada caso concreto.
Hoje, o conceito atribuído ao crime é eminentemente jurídico e feito sob três
aspectos: 1) conceito material; 2) conceito formal; 3) conceito analítico. Assim sendo:
No âmbito material, crime é considerado um fato humano que lesa ou expõe a
perigo bens jurídicos penalmente tutelados. É a conduta de desvalor significativo ao
bem jurídico tutelado pelo direito penal, exemplos destes são: a liberdade, a vida, o
patrimônio, entre outros. O conceito material do crime coloca em destaque o seu
conteúdo teleológico, a razão determinante de constituir uma conduta humana
infração penal e sujeita a uma sanção. Sabendo que é certo que sem descrição legal,
nenhum fato pode ser considerado crime.6 Da mesma forma afirma Fernando Capez
(2011, p. 134): “é aquele que busca estabelecer a essência do conceito, isto é, o
porquê de determinado fato ser considerado criminoso e outro não”.
Por sua vez, o conceito formal busca nos dizer o que é crime a partir da sua forma
(ação ou omissão), ou a forma que a lei determina o que é considerado crime. Para
essa vertente, o crime seria toda conduta que atentasse, que colidisse frontalmente
contra a lei penal editada pelo Estado. Nos dizeres de Fernando Capez (2011, p. 134):
”[...], considera-se infração penal tudo aquilo que o legislador descreve como tal,
pouco importando o seu conteúdo.” Neste caso, estamos diante do princípio da
5 BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal, página 271 e 272, 24ª edição, editora Saraiva, São Paulo, 2017.
6 JESUS, Damásio de, Direito Penal- Parte Geral, página 193, 32ª edição, editora Saraiva, São Paulo, 2011.
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legalidade, demonstrado pelo art.5º inciso II, da Constituição Federal, o qual tem a
seguinte redação: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude de lei”. Crime é, portanto, o fato proibido pela lei, que sendo violado,
existirá uma pena como resposta do Estado para tal ato.
Na verdade, os conceitos material e formal não traduzem com precisão o que seja
crime, surgindo a necessidade de outra mais analítica, apta, a pôr à mostra os
aspectos essenciais ou os elementos estruturais do conceito de crime.
De acordo com Capez (2011, p.134), o aspecto analítico de crime “é aquele que
busca, sob um prisma jurídico, estabelecer os elementos estruturais do crime.” O
conceito analítico faz análise dos elementos estruturais do crime, ou seja, uma
conduta típica, antijurídica e culpável, logo, a ausência de qualquer um desses
seguimentos torna nula a possibilidade de caracterização do crime.
Nos dizeres de Bitencourt (2017, p.287), “[...] o conceito analítico predominante
passou a definir o crime como ação típica, antijurídica e culpável”.
Esse conceito por sua vez, deve ser analisado cada seguimento separadamente,
seguindo esta ordem, como será realizado adiante.
A conduta ou fato típico, é o fato descrito abstratamente na lei como infração a uma
norma penal. Consiste em “toda ação ou omissão humana, dotada de voluntariedade
e consciência e que tenha dado causa a produção de um resultado típico” (TEORIA
do Crime, p. 2). Dessa forma, conduta é o que está descrito na norma penal, a qual
incrimina aquela decisão, ou seja, o resultado previsto (ação ou omissão) deve
encaixar-se perfeitamente ao que diz o ordenamento jurídico, não havendo
adequação entre um e outro, não será configurada esta conduta como típica.
Fernando Capez expõe que:
É a ação ou omissão humana, consciente e voluntária, dirigida a uma finalidade. Os seres humanos são entes dotador de razão e vontade. A mente processa uma série de captações sensoriais, transformadas em desejos. O pensamento, entretanto, enquanto permanecer encastelado na consciência, não representa absolutamente nada para o Direito Penal (pensiero non paga gabella; cogitationis poena nemo patitur). Somente quando a vontade se liberta do claustro psíquico que a aprisiona é que a conduta se exterioriza no mundo concreto e perceptível, por meio de um comportamento positivo, a
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ação (“um fazer”), ou de uma inatividade indevida, a omissão (“um não fazer o que era preciso”). [grifos do autor] (2011, p. 136 e 137).
Zaffaroni (2015, p 370) traz o conceito de conduta como: “o princípio nullum crimen
sine conducta é uma garantia jurídica elementar. Se fosse eliminado, o delito poderia
ser qualquer coisa, abarcando a possibilidade de penalizar o pensamento, a forma de
ser, as características pessoas etc.” Como preconiza Bitencourt (2017, p.355):
Tipicidade é a conformidade do fato praticado pelo agente com a moldura abstratamente descrita na lei penal. [...] é a correspondência ente o fato praticado pelo agente e a descrição de cada espécie de infração contida na lei penal incriminadora. Um fato para ser adjetivado de típico precisa adequar-se a um modelo descrito na lei penal, isto é, a conduta praticada pelo agente deve subsumir-se na moldura descrita na lei.
Assim, a conduta é toda ação ou omissão consciente, voluntária, que seja
exteriorizada com uma determinada finalidade que cause danos aceitáveis ou não
pela sociedade.
A antijuridicidade ou ilicitude, por sua vez, é toda conduta que vá de encontro com
a norma penal, “a antijuridicidade é a relação de contrariedade entre o fato e o
ordenamento jurídico, não basta, para a ocorrência de um crime, que o fato seja típico,
é necessário também que seja antijurídico, ou seja, contrário à lei penal. (VAZ, Daniel
Ribeiro, 2013).
Por fim, a culpabilidade é o juízo de reprovação da vontade de um indivíduo,
pertencente ao meio social, que comete o fato tipificado em lei como ilícito. Esta
característica do crime é o objeto principal deste capítulo, o qual será estudado com
mais profundidade no tópico a seguir.
1.2 – Culpabilidade
É imprescindível elucidar, ainda que suscintamente, o conceito de culpabilidade,
seus elementos e especialmente a imputabilidade penal.
Dessa forma, apregoa Greco (2015, p. 443): “Culpabilidade é o juízo de reprovação
pessoal que se realiza sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente.” Ou seja,
culpabilidade seria a possibilidade de considerar alguém culpado pela prática de uma
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infração penal. Geralmente ela é definida como um juízo de censura e reprovação
exercido sobre a pessoa que praticou o fato típico e ilícito.
Nesse sentido preconiza Damásio de Jesus (2011, p. 197): “Culpabilidade é a
reprovação da ordem jurídica em face de estar ligado o homem a um fato típico e
antijurídico”. Em outros termos leciona Bitencourt (2017, p. 446):
Com efeito, um conceito dogmático como o de culpabilidade requer, segundo a delicada função que vai realizar – fundamentar a punição estatal –, uma justificativa mais clara possível do porquê e para quê da pena. Tradicionalmente, a culpabilidade é entendida como um juízo individualizado de atribuição de responsabilidade penal, e representa uma garantia para o infrator frente aos possíveis excessos do poder punitivo estatal. Essa compreensão provém do princípio de que não há pena sem culpabilidade (nulla poena sine culpa). Nesse sentido, a culpabilidade apresenta-se como fundamento limite para a imposição de uma pena justa. Por outro lado, a culpabilidade também é entendida como um instrumento para prevenção de crimes e, sob essa ótica, o juízo de atribuição de responsabilidade penal cumpre com a função de aportar estabilidade ao sistema normativo, confirmando a obrigatoriedade do cumprimento das normas.
Vejamos um breve conceito diante dos ensinamentos de Fernando
Capez:
Quando se diz que “Fulano” foi o grande culpado pelo fracasso de sua equipe ou de sua empresa, está atribuindo-se-lhe um conceito negativo de reprovação. A culpabilidade é exatamente isso, ou seja, a possibilidade de se considerar alguém culpado pela prática de uma infração penal. (CAPEZ, 2016, p.317).
Sendo assim, no momento em que um indivíduo decide ter uma conduta criminosa,
por óbvio, causando danos a outrem, este deve ser devidamente punido por ter
praticado o fato ilícito. Ou seja, verifica-se, em primeiro lugar, se o fato é típico ou não;
em seguida, em caso afirmativo, a sua ilicitude; só a partir de então, constatada a
prática de um delito (fato típico e ilícito), é que se passa ao exame da possibilidade de
responsabilização do autor. Na culpabilidade afere-se apenas se o infrator deve ou
não responder pelo crime cometido.7
Ainda, nos dizeres de Cezar Roberto Bitencourt (2017, p.448):
7 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, página 323, 15ª edição, editora Saraiva, São Paulo, 2011.
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[...] o delito é atribuído (imputado) ao comportamento humano quando reúne determinadas características. Já analisamos os primeiros degraus de valoração: a tipicidade e a antijuridicidade. Mas não basta caracterizar uma conduta como típica e antijurídica para a atribuição de responsabilidade penal a alguém. Esses dois atributos não são suficientes para punir como pena o comportamento humano criminoso, pois para que esse juízo de valor seja completo é necessário, ainda, levar em consideração as características individuais do autor do injusto. Isso implica, consequentemente, acrescentar mais um degrau valorativo no processo de imputação, qual seja, o da culpabilidade.
Com esse entendimento, “poderemos determinar as condições da atribuição de
responsabilidade penal, isto é, de que forma e em que limites a culpabilidade funciona
como fundamento e medida da pena.” (BITENCOURT, 2017, p.448).
De acordo com a doutrina tradicional, culpabilidade é o liame subjetivo entre o autor
e o resultado. Porém, torna-se relevante enfatizar que, com o decorrer do tempo, o
conceito de culpabilidade busca adequação na atualidade, podendo existir por isso,
interpretações divergentes a esse respeito.
A fim de destacar e caracterizar os elementos da culpabilidade, assim expõe
Mirabete (2011, p.183 e 184):
Em primeiro lugar, é preciso estabelecer se o sujeito tem certo grau de capacidade psíquica que lhe permita ter consciência e vontade dentro do que se denomina autodeterminação, ou seja, se tem ele a capacidade de entender, diante de suas condições psíquicas, a antijuridicidade de sua conduta e de adequar essa conduta à sua compreensão. A essa capacidade psíquica denomina-se imputabilidade. Esta é, portanto, a condição pessoal de maturidade e sanidade mental que confere ao agente a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se segundo esse entendimento. (...) é imprescindível apurar se o sujeito poderia estruturar, em lugar da vontade antijurídica da ação praticada, outra conforme o direito, ou seja, s conhecia a ilicitude do fato ou se podia reconhecê-la. Só assim há falta ao dever imposto pelo ordenamento jurídico. Essa condição intelectual é chamada possibilidade de conhecimento da antijuridicidade do fato (ou da ilicitude do fato). Não basta, porém, a inimputabilidade. É indispensável, para juízo de reprovação, que o sujeito possa conhecer, mediante algum esforço de consciência, a antijuridicidade de sua conduta. É imprescindível apurar se o sujeito poderia estruturar, em lugar da vontade antijurídica da ação praticada, outra conforme o direito, ou seja, se conhecia a ilicitude do fato ou se podia reconhecê-la. Só assim há falta ao dever imposto pelo ordenamento jurídico. (...) é necessário também que, nas circunstâncias do fato fosse possível exigir do sujeito um comportamento diverso daquele que tomou ao praticar o fato típico e antijurídico, pois há circunstâncias ou motivos pessoais
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que tornam inexigível conduta diversa do agente. É o que se denomina exigibilidade de conduta diversa. 8
Dessa forma, extraímos da doutrina que os elementos da culpabilidade são três: a)
imputabilidade; b) potencial conhecimento da ilicitude; c) exigibilidade de conduta
adversa.
O primeiro elemento, imputabilidade, apregoa que a culpa será direcionada ao
indivíduo mentalmente sadio, que entende o que faz. A respeito deste elemento, que
será melhor detalhado no tópico a seguir, caberá a inimputabilidade como causa de
exclusão da culpabilidade, ou seja, será direcionada àquele indivíduo que não tem
condições de autodeterminação na data do crime, inteiramente incapaz de entender
o caráter ilícito do fato e por isso será isento de pena. A inimputabilidade subdivide-se
em três: a) menor de 18 anos; b) doença mental; c) embriaguez completa involuntária.
O segundo elemento da culpabilidade, potencial conhecimento da ilicitude diz que
é necessário que o agente tenha conhecimento de que está realizando um fato ilícito,
apenas assim será considerado culpável.
Por fim, o terceiro elemento, exigibilidade de conduta diversa significa dizer que é
necessário que o agente pratique conduta contrária à lei para que este seja
considerado culpável.
Considerando o supracitado, entendemos que, para existir culpabilidade faz-se
mister que estejam presentes os três elementos. Por conseguinte, afirma Masson
(2011, p. 441):
Esses elementos constitutivos da culpabilidade estão ordenados hierarquicamente, de tal modo que o segundo pressupõe o primeiro, e o terceiro os dois anteriores. De fato, se o indivíduo é inimputável, não pode ter a potencial consciência da ilicitude. E, se não tem a consciência potencial da ilicitude, não lhe pode ser exigível conduta diversa.9
8 MIRABETE, Julio Fabbrini e Renato Fabbrini, Manual de Direito Penal- Parte Geral, página 183 e 184, 27ª edição, editora Atlas, São Paulo, 2011.
9 MASSON, Cleber, Direito Penal, vol.1- Parte Geral, Esquematizado, página 441, 4ª edição, editora Método, São Paulo, 2011.
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Dessa forma, para que o infrator possa sofrer uma pena, é necessário que estejam
presente os três elementos da culpabilidade. Ou seja, havendo os três elementos, o
indivíduo poderá sofrer uma pena, previamente estabelecida pelo legislador, para seu
determinado tipo de conduta criminosa.
Sendo assim, só há culpabilidade se o sujeito, de acordo com suas condições
psíquicas, podia estruturar sua consciência e vontade de acordo com o direito se
estava em condições de poder compreender a ilicitude de sua conduta se era possível
exigir, nas circunstâncias, conduta diferente daquela do agente.
1.3 – Imputabilidade e Inimputabilidade
Imputar é atribuir a alguém a responsabilidade de alguma coisa. Imputabilidade
penal é o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser
juridicamente imputada a prática de um fato punível. A imputabilidade contém juízo
sobre a capacidade geral do autor.10
Vejamos a colocação de Bitencourt para o tema:
Imputabilidade é a capacidade ou aptidão para ser culpável, embora, convém
destacar, não se confunda com responsabilidade, que é o princípio segundo
o qual o imputável deve responder por suas ações. A imputabilidade na
orientação finalista, como explica Mir Puig, deixou de ser um pressuposto
prévio da culpabilidade e converteu-se em condição central de
reprovabilidade. [grifos do autor]. (2017, p. 466).
A falta de sanidade mental ou a falta de maturidade mental podem levar ao
reconhecimento da inimputabilidade, pela incapacidade de culpabilidade. Podem
levar, dizemos, porque a ausência da sanidade mental ou da maturidade mental
constitui um dos aspectos caracterizados da inimputabilidade, que ainda necessita de
sua consequência, isto é, do aspecto psicológico, qual seja, a capacidade de entender
ou de autodeterminar-se de acordo com esse entendimento. Nos casos em que o
10 JESUS, Damásio de, Direito Penal- Parte Geral, página 513, 32ª edição, editora Saraiva, São Paulo, 2011.
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agente padece de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou
retardado é necessário constatar a consequência psicológica desse distúrbio, pois
este é o aspecto relevante para o Direito Penal no momento de decidir se o sujeito
pode ser, ou não, punido com uma pena. 11
Analisando o exposto acima, por Bitencourt (2017, p. 485), entendemos que,
analisado o agente e identificada sua incapacidade de avaliar o que faz, no momento
do fato, este é considerado incapaz de autodeterminar-se, e por consequente, não
terá sua pena imposta da mesma forma que uma pessoa inteiramente capaz teria.
Nesse contexto, como estudaremos a seguir, e como ponto principal da
monografia, surge a figura contraditória do psicopata. Como veremos adiante, o
psicopata não possui anormalidades psíquicas, é totalmente capaz de avaliar o que
faz e tem comportamentos ilegais, por vezes, desumanos, e cada ato praticado é
inteiramente desprovido de culpa.
Para o reconhecimento da existência de incapacidade de culpabilidade é suficiente
que o agente não tenha uma das duas capacidades: de entendimento ou de
autodeterminação. É evidente que, se falta a primeira, ou seja, não tem a capacidade
de avaliar os próprios atos, de valorar sua conduta, positiva ou nativamente, em cotejo
com a ordem jurídica, o agente não sabe e não pode saber a natureza valorativa do
ato que pratica. Faltando essa capacidade, logicamente também não tem a de
autodeterminar-se, porque a capacidade de autocontrole pressupõe a capacidade de
entendimento. O indivíduo controla ou pode controlar, isto é, evita ou pode evitar
aquilo que sabe que é errado. Omite aquela conduta à qual atribui um valor negativo.
Ora, se não tiver condições de fazer essa avaliação, de valorar determinada conduta
como certa ou errada, consequentemente também não terá condições de controlar-
se, de autodeterminar-se. 12
11 BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal, página 485, 24ª edição, editora Saraiva, São Paulo, 2018.
12 BITTENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal, página 485, 24ª edição, editora Saraiva, São Paulo, 2017.
22
Como já fora estudado no tópico anterior, a culpabilidade é um juízo de reprovação
e apenas poderá ser responsabilizado o sujeito que poderia ter agido em
conformidade com a norma penal. De acordo com o mencionado, preconiza Mirabete
(2011, p.196): “(...) o homem é um ser inteligente e livre, podendo escolher entre o
bem e o mal, entre o certo e o errado e por isso a ele se pode atribuir a
responsabilidade pelos atos ilícitos que praticou”.
Considerando o supradito, a atribuição pela responsabilidade é chamada de
imputação, daí surge o termo imputabilidade, que vindo a existir, manifesta-se também
a aptidão para ser culpável.
Só será reprovável a conduta do sujeito, se este possuir certo grau de capacidade
psíquica que lhe permita compreender a antijuridicidade do fato e adequar essa
conduta a sua consciência.
O ordenamento penal brasileiro não traz uma definição específica para a
imputabilidade, logo, podemos concluir que sua definição resultará por meio de
exclusão ao determinar as causas que afasta, mediante o art. 26, caput, que vem a
ser:
Art.26 – É isento de pena o agente que, por doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou
da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento.
Diante da redação do artigo temos a terminologia “caráter ilícito” que faz menção à
consciência da ilicitude, como elemento da culpabilidade, evidenciando, ademais, que
o conceito de não imputabilidade não é meramente biológico, mas, sim, biopsicológico
(BITENCOURT, 2017, p.484).
Em vista disso, quando é mencionado o instituto da não imputabilidade, em face
das exclusões da mesma, estaremos diante do instituto da inimputabilidade, que é
caracterizado pela falta de capacidade para ser culpável. Assim sendo, a legislação
23
estabelece critérios para determinar quais os que, por serem inimputáveis, estarão
isentos de pena devido à ausência de culpabilidade. A fim de compactar os sistemas
usados para formação desses critérios, Mirabete (2011, p.196) assim expõe:
O primeiro é o sistema biológico (ou etiológico), segundo o qual aquele que
apresenta anomalia psíquica é sempre inimputável, não se indagando se
essa anomalia causou qualquer perturbação que retirou do agente a
inteligência e a vontade do momento do fato. É, evidentemente, um critério
falho, que deixa impune aquele que tem entendimento e capacidade de
determinação apesar de ser portador de doença mental, desenvolvimento
mental incompleto etc. O segundo é o sistema psicológico, em que se
verificam apenas as condições psíquicas do autor no momento do fato,
afastada qualquer preocupação a respeito da existência ou não de doença
mental ou distúrbio psíquico patológico. O terceiro critério é denominado
sistema biopsicológico (ou biopsicológico normativo ou misto), adotado pela
lei brasileira no art. 26, que combina os dois anteriores. Por ele, deve verificar-
se, em primeiro lugar, se o agente é doente mental ou tem desenvolvimento
mental incompleto ou retardado. Em caso negativo, não é inimputável. Em
caso positivo, averígua-se se era ele capaz de entender o caráter ilícito do
fato; será inimputável se não tiver essa capacidade. Tendo capacidade de
entendimento, apura-se se o agente era capaz de determinar-se de acordo
com essa consciência. Inexistente a capacidade de determinação, o agente
é inimputável.
Como Regra geral, o ordenamento brasileiro adotou o sistema biopsicológico.
Entretanto este sistema não é o único utilizado no Brasil. Devido a imaturidade, há a
exceção para as hipóteses das pessoas com idade abaixo de 18 anos, pois é
considerado que eles não possuem capacidade suficiente para a culpabilidade. Essa
exceção faz referência ao sistema biológico apenas, mediante o art. 228 da
Constituição Federal e art. 27 do Código Penal Brasileiro.
Não havendo a presença da compreensão, a culpabilidade estará ausente por não
poder exigir do agente a capacidade para entender a ilicitude; do mesmo que quando
24
não houver a capacidade de autodeterminação, a fim do não cometimento do ilícito,
também será ausente a culpabilidade. 13
Por todo exposto, entende-se que será imputável aquele que, embora portador de
doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, tenha
capacidade de entender a ilicitude de seu comportamento e de se autodeterminar.
Excluída a possibilidade de imputar ao agente a pena correspondente ao delito
praticado, seja por incapacidade total de entendimento da ilicitude, ou sua
incapacidade de autodeterminação, o agente será absolvido e aplicar-se-á medida de
segurança de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico. 14
Como observamos, vale mencionar, seguindo o questionamento principal desta
pesquisa, que os psicopatas não incluem nessa classificação de inimputáveis, pois,
conforme estudaremos a seguir, esses indivíduos não possuem nenhuma doença
mental ou desenvolvimento mental retardado, eles apenas detém uma personalidade
anormal.
13 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERNGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral, página 558, 11ª edição, são Paulo: Revistas dos Tribunais, 2015.
14 MIRABETE, Julio Fabbrini e Renato Fabbrini, Manual de Direito Penal- Parte Geral, página 198, 27ª edição, editora Atlas, São Paulo, 2011.
25
CAPÍTULO 2 – A PSICOPATIA
2.1 – Conceito
Ao ouvirmos o termo psicopata é comum assimilarmos a expressão com a imagem
de uma pessoa extremamente violenta, agressiva, com atitudes grosseiras, e tantos
outros adjetivos que fazem menção ao mal, mas, não apenas isso, muitas pessoas
imputam a psicopatia como sendo loucura.
Nesse sentido, Silvia (2008, p. 37) explana:
É importante ressaltar que o termo psicopata pode dar a falsa impressão de
que se trata de indivíduos loucos ou doentes mentais. A palavra psicopata
literalmente significa doença da mente (do grego, psyche = mente; e pathos
= doença). No entanto, em termos médico-psiquiátricos, a psicopatia não se
encaixa na visão tradicional das doenças mentais. Esses indivíduos não são
considerados loucos, nem apresentam qualquer tipo de desorientação.
Também não sofrem de delírios ou alucinações (como a esquizofrenia) e
tampouco apresentam intenso sofrimento mental (como a depressão ou
pânico, por exemplo).15
É importante frisar que as denominações de sociopatas, personalidades
antissociais, personalidades psicopáticas, personalidades dissociais, são sinônimas
da expressão psicopatas.
Embora exista muitas dúvidas por parte dos especialistas em relação ao conceito,
podemos entender que a psicopatia não se trata de uma doença mental, mas sim de
um transtorno da personalidade, dando a um psicopata atributos como desprezo, onde
não há remorso ou culpa por seus atos criminosos. Nesse sentido, Jorge Trindade
(2012, p.165) afirma em sua obra que:
A psicopatia não é um transtorno mental da mesma ordem da esquizofrenia,
do retardo ou da depressão, por exemplo. Não sem críticas, pode-se dizer
que a psicopatia não é propriamente um transtorno mental. Mais adequado
15 SILVA, Ana Beatriz Barbosa, Mentes Perigosas- o psicopata mora ao lado, página 37, editora Fontanar, Rio de Janeiro- RJ, 2008.
26
parece considerar a psicopatia como um transtorno de personalidade, pois
implica uma condição mais grave de desarmonia na formação da
personalidade.
A psicopatia não é contraída, no sentido de que alguém possa adquirir um “vírus”,
não é algo passageiro, vem de fábrica, o indivíduo nasce psicopata e assim será até
o fim de sua vida. Eles apresentam alterações comportamentais sérias, desde a
infância. Não existe nenhum tratamento para essa disfunção de personalidade, todos
foram ineficazes. Logo, entende-se que a psicopatia é uma maneira de ser
permanente.
Os psicopatas demonstram total ausência de culpa sobre os efeitos destrutivos que
suas atitudes provocam em outras pessoas. O cérebro desses indivíduos
desconhecem a consciência, que está ligada em nossa habilidade de amar,
criarvínculos afetivos, ter sentimentos nobres, proteger alguém de determinada
situação de risco.
Os psicopatas em geral são indivíduos frios, calculistas, dissimulados, mentirosos,
sedutores, inescrupulosos e que visam apenas o benefício próprio. Em outras
palavras, os psicopatas são pessoas absolutamente livres de constrangimentos ou
julgamentos morais internos e fazem o que querem, de acordo com seus impulsos
destrutivos. 16
Vale ressaltar que nós, dotados de consciência, podemos, por algum motivo,
cometer equívocos, caluniar, magoar, insultar o próximo e em casos extremos, matar
alguém sob violenta emoção. Afinal, somos influenciados pelas circunstâncias ou
pelas necessidades, embora tenhamos consciência, num estado de emoção ou fúria,
podemos perder o controle em determinado momento de nossa vida. Porém,
poderemos refletir sobre nossa atitude com um senso ético, rever nossos conceitos,
e nos arrepender. O foco da problemática é que o psicopata, objeto de pesquisa, é
16 SILVIA, Ana Beatriz Barbosa, Mentes Perigosas, o psicopata mora ao lado, p. 37, 1ª edição, editora fontanar,
Rio de Janeiro, 2008.
27
um ser de má índole por natureza, cometem suas maldades por puro prazer e
diversão, não sobra nenhum vestígio de arrependimento.
Como bem esclarece Palomba (2003, pg. 523): “Porém, todos os crimes praticados
por psicopatas sempre revelam características inusitadas exatamente o que distingue
as suas ações delituosas dos criminosos comuns.” Ou seja, via de regra, os crimes
cometidos por psicopatas, são violentos, repetitivos, ferozes, praticados com frieza,
sem nenhum remorso, com requintes de perversidade, diferente dos “criminosos
comuns”.
Ainda sob a ótica da médica Psiquiatra, Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva, (2008, p.
133), “estudos revelam que a taxa de reincidência criminal dos psicopatas é cerca de
duas vezes maior que a dos demais criminosos. E quando se trata de crimes
associados à violência, a reincidência cresce para três vezes mais.
Segundo Hare, a prevalência desses indivíduos na população carcerária gira em
torno de 20%. No entanto, essa minoria é responsável por mais de 50% dos crimes
graves cometidos quando comparados aos outros presidiários. Além disso, tudo indica
que esses números também são válidos para os psicopatas que se encontram fora do
sistema penitenciário. (Silvia, 2008, p. 130).
Ainda explana Silva (p. 131), a respeito da violência doméstica, que os estudos
realizados por Robert Hare com homens que agrediram suas espoas revelaram que
25% deles eram psicopatas.
Posto o que fora estudado até o momento, é clarividente que distinguir os
criminosos mais violentos e perigosos dos demais detentos pode trazer benefícios
tanto para o sistema penitenciário interno quanto para todos da sociedade.
Quando faz-se necessário um diagnóstico para estabelecer um quadro clínico a fim
de que a patologia seja identificada, seu reconhecimento não é nada fácil. A esse
respeito, Silva (2008, p. 161) ressalta:
É importante sublinhar que os estudos clínicos sobre a psicopatia sempre
apresentam grandes dificuldade de serem realizados. A investigação clínica
sobre a personalidade psicopática é tarefa extremamente complicada, pois
28
os testes realizados para esse fim dependem dos relatos dos avaliados.
Porém, os psicopatas não têm interesse nenhum em revelar algo significante
para os pesquisadores e tentam sempre manipular a verdade para obter
vantagens.
Dentro do estudo da neurobiologia dos psicopatas, ainda salienta a Médica
psiquiatra Silva (2008, p.161):
Pessoas sem qualquer traço psicopático revelaram intensa atividade da
amídala e do lobo frontal (sendo neste de menor intensidade), quando foram
estimuladas a se imaginarem cometendo atos imorais ou perversos. No
entanto, quando os mesmos testes foram realizados num grupo de
psicopatas criminosos, os resultados apontaram para uma resposta débil nos
mesmos circuitos.
Ainda dentro do estudo da neurociência dos psicopatas, acrescenta Trindade
(2012, p. 169):
Pesquisas recentes, sugerem, ainda, um déficit na ativação do hemisfério
esquerdo de indivíduos psicopatas, indicando que essas pessoas tendem a
cometer mais erros e a responder de forma mais lenta a tarefas apresentadas
do que indivíduos não psicopatas. Ainda não são claros, no entanto, os
mecanismos que levam a isso. A região frontal do cérebro é composta de
diversas áreas, com funções específicas, que, no entanto, não trabalham
sozinhas, sendo interdependentes. A região frontal é responsável por
diversos comportamentos associados às relações sociais, ao autocontrole,
ao julgamento, ao planejamento e ao equilíbrio entre necessidades pessoais
e necessidades sociais. Pacientes com lesões nesta região apresentam
prejuízos significativos em sua capacidade de decisão, execução de tarefas,
capacidade de planejamento para o momento presente e questões futuras.
Embora tais lesões não necessariamente estejam associadas a
comportamento violento, muitos trabalhos têm estudado a relação entre
certas áreas cerebrais- especialmente o lobo frontal- e homicídios.
Podemos concluir então, que a psicopatia é representada por duas causas
principais, uma disfunção neurobiológica e o conjunto de influências sociais e
educativas que o psicopata recebe ao longo de sua criação.
29
A fim de obter resultados precisos quanto ao reconhecimento do perfil de um
psicopata, que tenha forte tendência à reincidência, o psicólogo canadense Robert
Hare dedicou anos de sua vida profissional e reuniu características comuns de
pessoas com determinado perfil, conseguindo, por fim, montar um questionário
denominado psychopathy checklist, ou PCL. Segundo a psiquiatra Dra. Ana Beatriz,
a escala constitui no método mais fidedigno na identificação de psicopatas em
populações prisionais e é amplamente utilizada em diversos países.
A responsável pela tradução, adaptação e validação do PCL para o Brasil, foi
a psiquiatra Hilda Morana, que utilizou a escala como tese de doutorado, em 2003.
De acordo com sua experiência e técnica, afirma que a Escala Hare tem se mostrado
muito eficaz na identificação da condição de psicopatia, sendo unanimemente
considerado o instrumento mais fidedigno para identificar psicopatas, principalmente
no contexto forense, e verificar, além de comportamentos, os traços de personalidade
prototípicos de psicopatia.
Atualmente o Brasil utiliza essa metodologia para realizar o diagnóstico da
psicopatia (MORANA, 2003). Esse método em sua escala de avaliação, apresenta
como foco principal a identificação dos agentes infratores com maior possibilidade de
reincidência criminal. Vejamos os apontamentos de Hare referente à escala:
A Psychopathy checklist (Avaliação de Psicopatia) permite a discussão das
características dos psicopatas sem o menor risco de descrever simples
desvios sociais ou criminalidade ou de rotular pessoas que não têm nada em
comum a não ser o fato de terem violado a lei. Ela também fornece um quadro
detalhado das personalidade perturbadas dos psicopatas que se encontram
entre nós. (2013, p. 48).
Ressalta Jorge Trindade (2012, p. 175), sobre esta escala que “objetivando
operacionalizar o constructo psicopata, essa escala foi desenvolvida a partir das
dezesseis características que definem o perfil do psicopata de Cleckley. Dela constam
vinte itens, que são pontuados conforme a adaptação do indivíduo a determinado
traço, recorrendo a um instrumento do tipo entrevista semiestruturada.”
30
Posto isto não há que se considerar colocar um indivíduo que tem a
possibilidade de reabilitação dentro do sistema penitenciário, com pessoas que nunca
irão se arrepender pelo que fizeram e consequentemente, voltarão a cometer os
mesmos delitos. Pode ser que numa dessas, o psicopata, com seu forte instinto
predador, manipule, envolva e prejudique a reabilitação ao meio social.
Concluindo o conceito de psicopatia, e após compreendermos que não há cura;
que é um transtorno de personalidade e não uma fase de comportamento ou seja,
uma patologia momentânea, entendemos que devemos ter um cuidado maior e
observar situações de possível vulnerabilidade. Por isso, com foco no objetivo deste
trabalho monográfico, há que se considerar um tratamento de maior rigor para com
esses indivíduos, quando estes infringem as normas penais. Sendo assim, no capítulo
seguinte analisaremos a possibilidade de responsabilizar o psicopata por seus atos e
discutir a possibilidade de uma punição diferente para esses infratores.
31
CAPÍTULO 3 – RESPONSABILIDADE PENAL DO PSICOPATAS
Como fora estudado anteriormente, a matéria Penal tem a finalidade de proteger
os bens de maior importância para a manutenção e um relacionamento harmônico
entre a sociedade. Dessa forma, o Direito Penal é o ramo dentro do ordenamento
jurídico brasileiro que define o que é considerado crime, e, consequentemente, quais
penas, multas ou medidas de segurança serão aplicadas no caso concreto àqueles
indivíduos que infringiram a lei.
A partir do cometimento de um crime, o Estado deve exercer o seu direito de punir,
e o faz pela cominação de uma punição. Muito se discute acerca da pena, mas a
grande maioria dos doutrinadores acredita que esta justifica-se por sua necessidade.
(BITENCOURT, 2017).
Também como compartilhado neste trabalho o conceito analítico de crime é
compreendido como uma conduta típica, antijurídica e culpável. A conduta será
considerada típica justamente por existir um dispositivo legal proibindo-a. Será
antijurídica se for contrária a lei imposta pelo legislador, o que faz com que a conduta
seja considerada ilícita. A culpabilidade está ligada com a imputabilidade, que consiste
na capacidade do indivíduo ser considerado culpado por determinado delito e por
consequente, punido.
O questionamento essencial da pesquisa mostra-se presente neste tópico, com a
seguinte pergunta: Os psicopatas são considerados imputáveis? Qual é a pena
imposta a eles após o cometimento de crimes?
Conforme já apresentado no segundo capítulo, ainda que a palavra psicopatia
tenha sentido de “doença mental”, para os médicos psiquiatras, entre eles não há
relação, nesse sentido apregoa a psiquiatra Ana Beatriz Silva:
Os psicopatas em geral são indivíduos frios, calculistas, inescrupulosos, dissimulados, mentirosos, sedutores e que visam apenas o benefício próprio. Eles são incapazes de estabelecer vínculos afetivos ou de se colocar no lugar do outro. São desprovidos de culpa ou remorso e, muitas vezes, revelam-se agressivos e violentos. Em maior ou menor nível de gravidade e com formas diferentes de manifestarem os seus atos transgressores, os psicopatas são verdadeiros “predadores sociais”, em cujas veias e artérias corre um sangue gélido. (2008, p. 37).
32
Os psicopatas criminosos não cometem atos ilícitos por desconhecerem a lei, ou
por não conseguirem compreendê-la, agem assim por falta de empatia com o próximo,
porque seguem suas próprias regras, agindo de forma fria, calculista e meticulosa.
Estes indivíduos não apresentam qualquer tipo de desorientação, não são
considerados loucos, não sofrem delírios, alucinações ou sofrimento mental, ou seja,
não se encaixam no quadro de doenças mentais.
Destarte, não há a possibilidade de pessoas diagnosticadas com a psicopatia se
enquadrarem como doente ou com retardo mental para que seja isento de sua
responsabilidade, conforme preceitua o art. 26, caput do Código Penal, ou, conforme
seu parágrafo único, que sua pena seja reduzida, que assim despõe: “A pena pode
ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação e saúde
mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente
capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento”, em conformidade com o que já foi apresentado, o psicopata não sofre
de perturbação mental, sendo inteiramente capaz de compreender a conduta típica,
antijurídica e culpável que pratica.
Assim sendo, consideremos o posicionamento da jurisprudência do TJ – TO:
APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO QUALICADO CONSUMADO E HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. ALEGAÇÃO DE VEREDICTO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIO À PROVA DOS AUTOS. NÃO RECONHECIMENTO DA SEMI-IMPUTABILIDADE PELOS JURADOS. RÉU DIAGNOSTICADO COMO PISCOPATA. IRRELEVÂNCIA. EXISTÊNCIA DE LAUDO PSIQUIÁTRICO INDICANDO QUE O RÉU TINHA CAPACIDADES COGNITIVA E VOLITIVA PRESERVADAS. VEREDICTO DOS JURADOS AMPARADO EM PROVA CONSTANTE DOS AUTOS. VEREDICTO MANTIDO. 1. A doutrina da psiquiatria forense é uníssona no sentido de que, a despeito de padecer de um transtorno de personalidade, o psicopata é inteiramente capaz de entender o caráter ilícito de sua conduta (capacidade cognitiva). 2. Amparados em laudo psiquiátrico atestando que o réu possuía, ao tempo da infração, a capacidade de entendimento (capacidade cognitiva) e a capacidade de autodeterminar-se diante da situação (capacidade volitiva) preservadas, os jurados refutaram a tese da semi-imputabilidade, reconhecendo que o réu era imputável. 3. Não merece qualquer censura a sentença proferida pelo Presidente do Tribunal do Júri que deixou de reduzir a reprimenda pela causa prevista no art. 26, parágrafo único, do Código Penal, se o soberano conselho de sentença não afastou a tese da semi-inimputabilidade do réu. Precedentes do TJDFT. 4. Existindo duas teses contrárias e havendo plausibilidade na escolha de uma delas pelo Tribunal do Júri, não pode a Corte Estadual cassar a decisão do conselho de sentença para dizer que esta ou aquela é a melhor solução, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da soberania dos veredictos (art. 5º, XXXVIII, CF). 5. O Júri é livre para escolher a solução que lhe pareça justa, ainda que não seja melhor sob a ótica técnico-jurídica, entre as teses agitadas
33
na discussão da causa. Esse procedimento decorre do princípio da convicção íntima. 6. Pretensão recursal de cassação do julgamento improvida. ALEGAÇÃO DE VEREDICTO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIO À PROVA DOS AUTOS, PELA INEXISTÊNCIA DE PROVAS QUANTO. ÀS QUALIFICADORAS. DESCABIMENTO. PROVAS SUFICIENTES QUANTOÀ CONFIGURAÇÃO DAS QUALIFICADORAS REFERENTES AO MOTIVO TORPE E À DISSIMULAÇÃO. 1. Adequada a incidência da qualificadora do motivo torpe, em razão da existência de provas dando conta de que o crime foi praticado pelo ciúme obsessivo nutrido pelo apelante em razão do relacionamento de sua prima e ex-namorada com outrem. Precedentes. 2. Resta configurada a dissimulação quando o agente, a pretexto de falsa trégua, dissimuladamente atrai as vítimas com a finalidade de obter aproximação física com elas, viabilizando a prática dos homicídios, um tentado e o outro consumado. ALEGAÇÃO DE ERRO NA FIXAÇÃO DA PENA. PRIMEIRA FASE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. ALEGAÇÃO DE FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. DESCABIMENTO. PROCEDIMENTO DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA CORRETO. OBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ART. 59 DO CÓDIGO PENAL. FUNDAMENTAÇÃO VINCULADA E CORRETA. 1. Não há que se falar em reforma da dosimetria da pena quando referido 1/2 procedimento foi elaborado em total consonância com os artigos 59 e 68 do Código Penal, bem como com os artigos 5º, inciso XLVI; e 93, inciso IX, ambos da Constituição Federal. 2. O juiz sentenciante dispõe de discricionariedade na análise das circunstâncias judiciais e na fixação das penas, desde que o faça com estrita observância das diretrizes dos artigos 59 e 68 do Código Penal. 3. A circunstância judicial relativa à conduta social refere-se ao comportamento do agente no seio social, familiar e profissional. Revela-se por seu relacionamento no meio em que vive, tanto perante a comunidade, quanto perante sua família e seus colegas de trabalho. Assim, é suficiente para exasperação da pena-base o fato de o agente não estudar, não exercer qualquer ocupação lícita e levar vida desregrada. 4. As consequências do crime devem ser consideradas desfavoráveis ao agente quando um ente é brutal e intempestivamente retirado do seio familiar, gerando traumas e sequelas que dificilmente serão superadas. Alegar que o trauma e a sequela, carecem de maior fundamentação a justificá-las é atender a anseios demasiadamente garantistas, eis que somente a família da vítima pode dimensionar o sofrimento decorrente da perda da mesma. 5. A premeditação é elemento concreto apto a justificar a exasperação da pena base a título de circunstâncias do crime. Precedentes do STJ. 6. A circunstância judicial relativa à personalidade do agente pode ser aferida a partir do modo de agir do réu no evento delituoso. Assim, deve o juiz sentenciante avaliar a insensibilidade acentuada, a maldade, a desonestidade, a cupidez ou a perversidade demonstrada e utilizada pelo criminoso na consecução do delito, sendo dispensável, portanto, a submissão do réu a exame psiquiátrico ou psicológico para se chegar a tal conclusão. Precedentes do TJTO. 7. De acordo com a posição majoritária da doutrina e da jurisprudência, a continuidade delitiva é uma ficção jurídica, de modo que, a despeito da pluralidade de crimes, considera-se a existência de um só delito, conforme o preenchimento dos requisitos objetivos (delitos da mesma espécie, condições de tempo, lugar e modo de execução semelhantes) e, ainda, subjetivos (unidade de desígnios). Com isso, adotou-se a teoria mista ou objetivo-subjetiva. Precedentes STJ. 8. Não há que se falar em continuidade delitiva, no caso concreto, quando restou comprovado que o agente possuía desígnios autônomos. Mantido, pois, o concurso material (art.69, CP). 9. Apelação conhecida e improvida. (AP 500441764.2012.827.0000, Rel. Juíza convocada ADELINA GURAK, 5ª Turma da 1ª Câmara Criminal, julgado em 10/02/2015). 2/2
(TJ-TO - APR: 50044176420128270000, Relator: ADELINA MARIA GURAK)
34
Como asseverado, a imputabilidade que compete ao psicopata foi mantida, dentro
da apelação o pedido de diminuição de pena foi indeferido, mantendo-se a decisão do
conselho de sentença.
Isto posto, qual seria a melhor forma de aplicação da pena, considerando que o
psicopata é apontado como imputável por seus atos ilícitos? Deveria esta pena ser
aumentada?
Dispõe o ordenamento jurídico em seu artigo 75 do Código Penal, que a pena
privativa de liberdade não poderá ultrapassar o máximo de 30 (trinta) anos. Aqui
encontra-se o ponto crucial do trabalho, considerando que não existe cura para a
psicopatia e por este motivo, como estudado nos capítulos anteriores, o psicopata
torna-se reincidente, não há que se falar em máximo legal de privação de liberdade
para eles. A aplicação da pena visa a ressocialização do indivíduo ao meio social,
porém, o psicopata não muda seu jeito frio e calculista de ser, não se torna amável e
doce com o tempo, ao contrário, tenta manipular e conquistar todos ao seu redor
objetivando a diminuição de pena por bom comportamento. Quando volta ao meio
social comete os mesmos crimes com vítimas parecidas e justificam-se com a mesma
motivação.
Diz o artigo 34, caput do Código Penal que: “O condenado será submetido, no início
do cumprimento da pena, a exame criminológico de classificação para
individualização da execução”. A individualização também ocorre no momento da
execução da pena, conforme art. 5º da Lei de Execuções Penais nº 7.210/84 que
dispõe da seguinte forma: “Os condenados serão classificados segundo os seus
antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal”.
Nesse sentido observa-se a colocação Rogério Greco (2015, p. 120 e 121) ao
referido tema:
Com os estudos referentes à matéria, chegou-se paulatinamente ao ponto de vista de que a execução penal não pode ser igual para todos os presos – justamente porque nem todos são iguais, mas sumamente diferentes – e que tampouco a execução pode ser homogênea durante todo o período de seu cumprimento. Não há mais dúvida de que nem todo preso deve ser submetido ao mesmo programa de execução e que, durante a fase executória da pena, se exige um ajustamento desse programa conforme a reação observada no condenado, só assim se podendo falar em verdadeira individualização no
35
momento executivo. Individualizar a pena, na execução, consiste em dar a cada preso as oportunidades e os elementos necessários para lograr a sua reinserção social, posto que é pessoa, ser distinto. A individualização, portanto, deve aflorar técnica e cientifica, nunca improvisada, iniciando-se com a indispensável classificação dos condenados a fim de serem destinados aos programas de execução mais adequados, conforme as condições pessoais de cada um.
Hodiernamente no Brasil não existe um local apropriado para o cumprimento da
pena do psicopata, isso porque, por não ser considerado doente mental, ele fica
apenado em conjunto com criminosos comuns. Diante de tudo o que foi exposto é
evidente a necessidade de um local característico para os psicopatas, onde devem
cumprir sua pena num local que seja condizente com sua personalidade.
De acordo com o princípio da individualização da pena, que está ligado ao princípio
da proporcionalidade, expõe Greco (2015, p. 67):
O princípio da proporcionalidade exige que se faça um juízo de ponderação sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo (gravidade do fato) e o bem de que pode alguém se privado (gravidade da pena). Toda vez que, nessa relação, houver um desequilíbrio acentuado, estabelece-se, em consequência, inaceitável desproporção. O princípio da proporcionalidade rechaça, portanto, o estabelecimento de cominações legais (proporcionalidade em abstrato) e a imposição de penas (proporcionalidade em concreto) que careçam de relação valorativa com o fato cometido considerado em seu significado global. Tem, em consequência, um duplo destinatário: o poder legislativo (que tem de estabelecer penas proporcionadas, em abstrato, à gravidade do delito) e o juiz (as penas que os juízes impõe ao autor do delito têm de ser proporcionadas à sua concreta gravidade.
A pena no Brasil não pode ultrapassar os 30 anos, então cabe ao legislador
adequar a pena ao crime e ao juiz regular a valoração da pena, juntamente com as
agravantes e atenuantes, não podendo ultrapassar o máximo permitido. Como dito
acima, o grande problema encontrado em relação a esta punição e o psicopata é o
que foi tratado no decorrer desde trabalho, sobre o fato dele não assimilar a punição.
Perante o exposto é confirmada a responsabilidade penal do psicopata,
considerando que não se trata de um portador de doença mental, mas sim, de um
indivíduo totalmente consciente e com domínio completo sobre suas ações. Sendo a
norma penal infringida, a pena deve ser aplicada mediante a gravidade do crime
cometido, e não considerar a psicopatia como forma de atenuar a pena.
36
CAPÍTULO 4 - CONCLUSÃO
Ao estudar os crimes e as consequentes penas previstas dentro do Código Penal,
podemos identificar que a cada tipo de infração existente compactada neste código
refere-se ao direito inviolável de viver; de exercer seus direitos, como ter acesso a
moradia e que este acesso não seja violado; de ter liberdade sexual; de não ser
lesionado; de não ser exposto por algum tipo de calúnia e muito mais. Enfim, a junção
de valores que compõem a nossa vida dentro do meio social deve ser protegido.
É notável que o direito à vida é o mais atingido, considerando que a prevenção da
criminalidade não é eficaz. As políticas de prevenção primária, como educação,
saúde, moradia, emprego; as políticas de prevenção secundária, ou seja, a repressão
penal, tendo como objetivo de reinserir o indivíduo na sociedade e as políticas de
prevenção terciaria, conhecida como prevenção tardia, que são as campanhas de
atenção ao egresso a fim de evitar que ele torne-se reincidente, não são eficazes,
considerando o alto número de reincidentes, e o alto número de crimes contra a vida
cometidos diariamente.
Assim, a partir deste ponto, é nítida a complicação jurídica acerca do sistema
prisional que é a resposta dada pelo Estado aos crimes cometidos, principalmente
quando o preso é considerado um psicopata. Concluímos então que é necessária uma
interdisciplinaridade entre o Direito e a Psicologia Forense para que seja
diagnosticado a imputabilidade ou não de certo indivíduo.
É clarividente que a presente pesquisa não teve o objetivo de esgotar o tema,
sendo certo que a parte aqui mencionada é pequena e há muito a ser pesquisado e
lido. Pretendemos com este trabalho monográfico causar um despertamento ao
legislativo brasileiro para que inicie uma pesquisa focada, a fim de que a resposta do
Estado aos crimes cometidos por psicopatas seja melhorada.
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