restrições ao exercício de empresa por estrangeiro

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 349 Ano 50 Número 199 jul./set. 2013 LEONARDO GARCIA BARBOSA Restrições ao exercício de empresa por estrangeiro Leonardo Garcia Barbosa é Consultor Legislativo do Senado Federal. Sumário 1. Introdução. 2. Investimento nacional e investimento estrangeiro. 2.1. Critérios distintivos. 2.2. Papel do investimento estrangeiro. 2.2.1. Efeitos econômicos. 2.2.2. Efeitos sociais. 2.2.3. Efeitos políticos. 3. Empr esário individual estrangeiro. 3.1. Empresário individual mercosulino. 4. Restrições à sociedade empresária. 4.1. Participação de estrangeiro em sociedade empresária. 4.2. Autorização para funcionament o no País. 4.2.1. Delegação de competência. 4.3. Nacional ização voluntária. 5. Restrições à sociedade anônima. 5.1. Diretor residente no país. 5.2. Participação de estrangeiro em sociedade anônima. 5.3. Nacionalidade brasileira na subsidiária integral. 5.4. Nacionalidade brasileira em grupo societário. 6. Restrições setoriais. 6.1. Restrições constitucionais. 6.2. Restrições infraconstit ucionais. 7. Considerações finais. 1. Introdução A remoção de barreiras regulatórias ao investimento estrangeiro é um dos principais assuntos que podem beneficiar o Brasil na sua política externa empresarial. Ela exige negociações extremamente especializadas, quase sempre envolven do grupos de interesse. A atração do capital estran- geiro para o País e de empresários talentosos esbarra na complexidade e na desatualização da legislação, além de em outros fatores relacionados à língua e em problemas de segurança. O assunto envolve ainda a habi- lidade necessária para harmonizar regras e conceitos que são distintos em diversos países. É importante destacar que o desenvolvimento econômico se relaciona ao grau de abertura do país ao mundo. A integração econômica com a

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Restrições Ao Exercício de Empresa Por Estrangeiro

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  • 349Ano 50 Nmero 199 jul./set. 2013

    Leonardo Garcia BarBosa

    Restries ao exerccio de empresa por estrangeiro

    Leonardo Garcia Barbosa consultor Legislativo do senado Federal.

    Sumrio

    1. Introduo. 2. Investimento nacional e investimento estrangeiro. 2.1. Critrios distintivos. 2.2. Papel do investimento estrangeiro. 2.2.1. Efeitos econmicos. 2.2.2. Efeitos sociais. 2.2.3. Efeitos polticos. 3. Empresrio individual estrangeiro. 3.1. Empresrio individual mercosulino. 4. Restries sociedade empresria. 4.1. Participao de estrangeiro em sociedade empresria. 4.2. Autorizao para funcionamento no Pas. 4.2.1. Delegao de competncia. 4.3. Nacionalizao voluntria. 5. Restries sociedade annima. 5.1. Diretor residente no pas. 5.2. Participao de estrangeiro em sociedade annima. 5.3. Nacionalidade brasileira na subsidiria integral. 5.4. Nacionalidade brasileira em grupo societrio. 6. Restries setoriais. 6.1. Restries constitucionais. 6.2. Restries infraconstitucionais. 7. Consideraes finais.

    1. Introduo

    A remoo de barreiras regulatrias ao investimento estrangeiro um dos principais assuntos que podem beneficiar o Brasil na sua poltica externa empresarial. Ela exige negociaes extremamente especializadas, quase sempre envolvendo grupos de interesse. A atrao do capital estran-geiro para o Pas e de empresrios talentosos esbarra na complexidade e na desatualizao da legislao, alm de em outros fatores relacionados lngua e em problemas de segurana. O assunto envolve ainda a habi-lidade necessria para harmonizar regras e conceitos que so distintos em diversos pases.

    importante destacar que o desenvolvimento econmico se relaciona ao grau de abertura do pas ao mundo. A integrao econmica com a

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    comunidade internacional permite um maior influxo de capitais estrangeiros, fundamentais para o crescimento econmico sustentado. O aporte de capitais estrangeiros depende da per-cepo do risco pelos investidores do cenrio nacional e da reduo das barreiras entrada e sada dos investimentos.

    Estima-se que a taxa de investimento na economia poderia ser elevada com uma maior participao do Pas no comrcio internacional, representada pelo aumento da participao das exportaes e importaes no Produto Interno Bruto. A estratgia de insero do Brasil nos fluxos econmicos internacionais passa pela reduo do protecionismo, dos requisitos de nacionalidade brasileira e dos entraves buro-crticos impostos ao capital estrangeiro.

    No item 2, examinamos os critrios utili-zados para diferenciar investimento nacional e investimento estrangeiro, bem como os efeitos deste ltimo nos aspectos econmicos, sociais e polticos. No item 3, apresentamos os requisitos para o estrangeiro se registrar como empresrio individual, bem como as facilidades surgidas no mbito mercosulino. No item 4, estudamos as restries sociedade empresria que deseja empreender no Pas. No item 5, a vez das restries especficas previstas na legislao que trata da sociedade annima. No item 6, so relacionadas algumas restries setoriais e impedimentos participao estrangeira na atividade empresarial. No item 7, so expostas as consideraes finais.

    2. Investimento nacional e investimento estrangeiro

    A nacionalidade uma ligao jurdica da pessoa ao Estado a que pertence, gerando direi-tos e obrigaes e fazendo dela um membro do povo que integra o Estado do qual nacional. A ligao jurdica d-se tanto em relao pessoa

    natural quanto em relao pessoa jurdica, aplicando-se restries aos estrangeiros no extensveis aos nacionais1.

    2.1. Critrios distintivos

    As pessoas naturais adquirem a naciona-lidade pelo nascimento, de acordo com os critrios do local de nascimento ou do vnculo familiar, pela naturalizao ou pela modificao da delimitao dos Estados nacionais. Assim como a prpria nacionalidade, a residncia ou domiclio da pessoa natural um dos critrios relevantes de distino da nacionalidade para fins de proteo ao investimento estrangeiro, bem como para se exigir a constituio de re-presentante no Pas.

    As pessoas jurdicas esto sujeitas a deter-minado Estado, contando com o atributo da nacionalidade2. Entre os critrios de distino da nacionalidade da sociedade empresria, destacamos trs principais (TIBURCIO, 2011, p. 187): a) critrio da incorporao a sociedade tem a nacionalidade do pas onde constituda; b) critrio da sede a nacionalidade da socie-dade definida pelo local da sua sede social; e c) critrio do controle a sociedade tem a mesma nacionalidade da pessoa que exerce o seu controle, isto , da pessoa que detm o poder de deciso para nomear a maior parte dos administradores.

    O investimento do capital estrangeiro ocupa espao na forma de empresas transnacionais, de bancos e seguradoras e de fundos de penso, compreendendo questes relativas tecnologia

    1 Quanto s compras governamentais, por exemplo, a Lei de Licitaes prev critrio de desempate a favor da empresa brasileira (art. 3o, 2o, III, da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993).

    2 Podem ser listados sete critrios de atribuio de nacionalidade da pessoa jurdica: constituio; sede; auto-nomia da vontade; local de explorao; controle; investidor nacional e centro de deciso (REGNIER, 2003, p. 76 et seq.).

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    e ao emprego, soberania e subordinao e implicando a adoo pelo Estado brasileiro de polticas que permitam sociedade usufruir dos as-pectos positivos do investimento estrangeiro, diminuindo seus eventuais efeitos adversos (GUIMARES, 2000, p. 144). Para tanto, importante investigar o papel do investimento estrangeiro no Pas.

    2.2. Papel do investimento estrangeiro

    O investimento estrangeiro gera efeitos sobre a economia e a socie-dade, acarretando consequncias sobre o desenvolvimento do Pas e a posio brasileira no mbito internacional. A importncia do capital estrangeiro reflete-se no aumento da poupana disponvel para inves-timento, na transferncia de tecnologia, no aprendizado de diferentes mtodos empresariais, no aumento da concorrncia e na ampliao do acesso dos consumidores a produtos de origem estrangeira e ao mercado internacional. O capital estrangeiro acelera o desenvolvimento nacional com menor esforo da populao em geral, sendo importante estar atento s suas implicaes sociais e polticas.

    2.2.1. Efeitos econmicos

    O investimento na atividade produtiva provm da remunerao do capital, inclusive do capital estrangeiro. Desse modo, o lucro que propicia o investimento em uma nova unidade produtiva. Tanto a massa salarial quanto o investimento estatal so insuficientes para alavancar os investimentos necessrios ao desenvolvimento econmico. A poupana disponvel para realizar investimento pela massa de salrios baixa, dada a grande parcela da massa destinada ao consumo, apesar de uma parcela importante da poupana disponvel dos trabalhadores ser direcionada para a previdncia e alocada nos fundos de penso. O investimento por parte do Estado dificultado pelo aspecto inflacionrio, ocasionado pela utilizao da tributao como forma de alavancar investimentos estatais.

    A mitigao das regras impeditivas do investimento estrangeiro con-tribui fortemente para a diminuio do impacto das crises econmicas, intensificando os perodos de maior crescimento e de desenvolvimento no longo prazo e colaborando para o amadurecimento da economia brasileira. Alm disso, o investimento estrangeiro um meio importan-te de transferncia de tecnologia. A empresa estrangeira incorpora ao sistema econmico nacional o conhecimento cientfico e tecnolgico que domina. As unidades de pesquisa encontram-se concentradas nos pases de origem, mas cada vez mais expandem-se para os pases em desenvolvimento, colaborando para aumentar a quantidade de patentes

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    registradas no Pas. A escassez de investimentos em pesquisa no Brasil constatada pelo reduzido nmero de patentes registradas como resultado de pesquisas realizadas no Pas (GUIMARES, 2000, p. 149).

    O investimento estrangeiro contribui para aumentar a dimenso do mercado brasileiro de produtos. A diviso e a especializao do trabalho, o aumento da produtividade e a acumulao de capital so fatores que permitem a manuteno dos preos em patamares razoveis, ampliam a competio a maior nmero de empresas e incrementam o poder de compra do consumidor, que passa a ter mais opes e a adquirir produtos mais baratos e de melhor qualidade.

    O ingresso de empresas estrangeiras no Brasil diminui as barreiras entrada de novos competidores no mercado, ao criar condies de acesso aos fornecedores brasileiros, que passam a ofertar seus produtos e servios a essas empresas. Eventuais efeitos deletrios na concorrncia, pela excessiva concentrao estrutural de mercado no Pas em virtude do ingresso de empresas estrangeiras, so coibidos pelas autoridades brasi-leiras de defesa da concorrncia, a quem compete preservar as estruturas concorrenciais de mercado.

    A empresa estrangeira pode contribuir para a expanso do mercado internacional para os produtos nacionais, mediante a incorporao no processo produtivo de produtos fabricados no Pas e exportados por ela. Eventuais problemas verificados nos preos declarados no comrcio entre matriz no exterior e filial no Brasil podem ser corrigidos pelas autoridades aduaneiras, no implicando efeitos negativos para a balana comercial o ingresso da empresa estrangeira no Brasil.

    Alm disso, a liberdade de comrcio e de prestao de servios no influencia negativamente o desenvolvimento econmico desde que se atente para o equilbrio da balana de pagamentos, compensando-se um determinado setor deficitrio com outro que seja superavitrio. A existn-cia de comrcio exterior desenvolvido gera os benefcios da exportao de produtos que excedam a demanda interna e da importao de outros que faltem no Pas (SMITH, 1999, p. 372).

    O investimento estrangeiro tambm gera benefcios sociais ao pas recebedor dos recursos financeiros.

    2.2.2. Efeitos sociais

    A capacidade produtiva da sociedade depende da quantidade e da qualidade do estoque de capital e da disponibilidade da mo de obra e de recursos naturais. O processo de desenvolvimento econmico e social depende, assim, do investimento em capital fsico instalado, inclusive estrangeiro, aumentando-se a capacidade de produo pelo aumento

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    de postos de trabalho e pela participao dos salrios no resultado da produo. Alm disso, sugere-se no haver diferenas significativas nos fluxos de emprego nas empresas nacionais e estrangeiras (ESTEVES, 2010, p. 149), no acarretando custos de bem-estar aos pases que recebam investimentos externos.

    O investimento estrangeiro colabora para expandir a oferta nacional de trabalho, habili-tando e qualificando mo de obra nacional em tecnologias modernas e possibilitando uma melhoria remuneratria para os trabalhadores. O uso de tecnologia mais intensiva em capital constitui processo irreversvel de desenvolvi-mento da economia capitalista, gerando postos de trabalho em novas ocupaes. Alm disso, o preenchimento dos cargos de direo da em-presa estrangeira por executivos estrangeiros contribui para modernizar a gesto empresa-rial brasileira, que se torna mais competitiva e eficiente em razo do contato dos adminis-tradores brasileiros com formas diferentes de administrao.

    A atrao do investimento estrangeiro que gera benefcios sociais depende da estabilidade poltica e da manuteno das regras.

    2.2.3. Efeitos polticos

    As incertezas polticas, sociais e econmicas dos pases em desenvolvimento preocupam os investidores estrangeiros, que passam a buscar maior percentual de lucro no curto prazo, remetendo-o de volta ao pas de origem no menor tempo possvel.

    Assim, a discriminao do capital estran-geiro prejudica a atrao de investimentos em pases de maior risco, como o caso do Brasil. Em pases subdesenvolvidos, os detentores de capital procuram investimentos mais seguros e com retorno mais rpido. Durante a crise econmica de 2008, a bolsa brasileira caiu cerca

    de 60% do seu valor em pontos (de 73.516,81, em vinte de maio, para 29.435,11, em 27 de outubro), enquanto o ndice Dow Jones caiu aproximadamente 35% (de 14 mil para 9 mil pontos) (CATEB; PIMENTA, 2012, p. 243).

    A poltica brasileira no campo da imigrao responsvel ainda pelo estabelecimento das regras aplicveis ao estrangeiro que pretenda exercer atividade econmica no Pas.

    3. Empresrio individual estrangeiro

    Ao estrangeiro titular de visto temporrio e ao que se encontre no Brasil na condio de estrangeiro natural de pas limtrofe3, vedado estabelecer-se como empresrio ou exercer cargo ou funo de administrador, gerente ou diretor de sociedade empresria, ressalvados os casos previstos nos acordos internacionais em vigor no Pas4. Em regra, o exerccio de ativi-dade econmica empresarial pelo estrangeiro depende da obteno de um visto permanente.

    O visto permanente concedido ao estran-geiro que pretenda se fixar definitivamente no Brasil, visando a propiciar mo de obra especia-lizada ao Pas e a colaborar para o aumento da produtividade e para a obteno de tecnologia e de recursos para setores especficos5. A obten-o de visto permanente pelo estrangeiro de-pende do cumprimento das exigncias previstas nas regras de seleo de imigrantes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Imigrao6. Aps sua entrada no Pas, o estrangeiro admitido de forma permanente deve-se registrar no

    3 permitido o fornecimento de documento especial ao estrangeiro natural de pas limtrofe que exera atividade remunerada em municpio fronteirio brasileiro, conforme o art. 21, 1o, da Lei no 6.815, de 19 de agosto de 1980 (Estatuto do Estrangeiro).

    4 Art. 99 do Estatuto do Estrangeiro.5 Art. 16 do Estatuto do Estrangeiro.6 Art. 17 do Estatuto do Estrangeiro.

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    Ministrio da Justia, fornecendo-se a ele um documento de identidade7. Algumas medidas desburocratizadoras foram adotadas no mbito da integrao brasileira Amrica do Sul.

    3.1. Empresrio individual mercosulino

    A formao dos blocos econmicos ganhou importncia acentuada a partir da dcada de 90. Diversos pases tm buscado o fortalecimento de seus interesses econmicos comuns. A in-tensidade da integrao econmica, decorrente dos objetivos a serem alcanados, varia desde a implantao de uma rea de livre comrcio (eli-minao ou restrio de barreiras alfandegrias e no alfandegrias ao comrcio) at a federao ou confederao (governo nico), passando progressivamente pela unio aduaneira (uma tarifa externa comum), pelo mercado comum ou interior (livre circulao de bens, pessoas, capitais e servios), pela unio poltica (polti-cas externas e de defesa comuns) e pela unio monetria (polticas monetrias comuns). (AGUILLAR, 2012, p. 451).

    O principal bloco econmico regional do qual o Brasil participa o Mercado Comum do Sul (Mercosul), estruturado com o Tratado de Assuno, de 26 de maro de 1991. O objetivo criar um mercado comum, passando pelas etapas da rea de livre comrcio e da unio aduaneira. A inteno de criar uma rea de livre comrcio esbarra no problema da lista de ex-cees para produtos considerados sensveis.

    Alguns problemas de integrao so verifi-cados no mbito do Mercosul. As decises so sempre por consenso e no tm aplicao direta nos Estados-membros. O sistema de tomada de decises intergovernamental, no havendo espao para a supranacionalidade. O ingresso da Venezuela no bloco composto por Argentina,

    7 Art. 33 do Estatuto do Estrangeiro.

    Brasil, Paraguai e Uruguai polmico, pois seu regime democrtico questionado pelas corren-tes de pensamento ligadas liberal-democracia. Uma oportunidade de integrao do Brasil Amrica Latina pelo lado da liberal-democracia d-se com a criao da rea de Integrao Profunda do Pacfico, aliana entre Chile, Co-lmbia, Mxico e Peru, conforme a Declarao de Lima, de 28 de abril de 2011.

    No mbito do Mercosul, importante deci-so8 permite aos cidados dos Estados-partes do Mercosul (Repblica Argentina, Repblica do Paraguai e Repblica Oriental do Uruguai) e dos Estados Associados (Repblica Plurinacional da Bolvia e Repblica do Chile) que obtiverem a residncia temporria de dois anos exercer a atividade de empresrio e de titular, scio ou administrador de sociedade empresria9.

    A concesso da residncia temporria de dois anos obtida mediante a apresentao de documento que comprove a identidade e a na-cionalidade do requerente, de certido negativa de antecedentes judiciais, penais ou policiais no pas de origem, de declarao de ausncia de an-tecedentes, nacionais ou internacionais, penais ou policiais, e de comprovante do pagamento das taxas legais.

    O estrangeiro, inclusive o mercosulino, encontra ainda algumas restries ao exerccio de atividade empresria, caso queira exerc-la por meio de uma sociedade.

    4. Restries sociedade empresria

    As restries previstas na legislao sociedade empresria quanto ao critrio da nacionalidade esto relacionadas participao

    8 Deciso do Conselho do Mercado Comum no 28, de 2002.

    9 Instruo Normativa no 111, de 1o de fevereiro de 2010, do Departamento Nacional de Registro do Comrcio (DNRC).

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    de estrangeiro na sociedade, autorizao para funcionamento no Pas, transferncia da sede para o Brasil caso queira se nacionalizar e obri-gatoriedade de constituio de representante no Pas se o scio ou administrador for residente no exterior.

    4.1. Participao de estrangeiro em sociedade empresria

    O arquivamento na junta comercial de atos de sociedade empresria da qual participem estrangeiros residentes no Pas tratado por norma editada na dcada de 30 e considerada ainda em vigor pelo Departamento Nacional do Registro do Comrcio10. A junta comercial que registrar sociedade empresria da qual participe estrangeiro deve enviar ao Ministrio da Justia os dados de identificao do estrangeiro e do documento de identidade emitido no Brasil11. considerado participante da sociedade em-presria o estrangeiro que figure como scio ou administrador ou como representante de sociedade empresria estrangeira. No neces-sria a prova do visto permanente no caso de scio estrangeiro minoritrio, bastando o visto temporrio12.

    O acionista residente ou domiciliado no exterior deve constituir representante com poderes para receber citao13, assim como o conselheiro que esteja na mesma situao.

    bastante comum o exerccio da atividade empresarial de maior porte por estrangeiro mediante sua participao em sociedade em-

    10 Decreto-Lei no 341, de 17 de maro de 1938, que regula a apresentao de documentos, por estrangeiros, ao Registro do Comrcio, e d outras providncias.

    11 Caput do art. 45 do Estatuto do Estrangeiro.12 Art. 1o, 1o, da Instruo Normativa no 76, de 28 de

    dezembro de 1998, do DNRC.13 Art. 119 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976

    (Lei das Sociedades por Aes).

    presria brasileira, driblando-se a exigncia de autorizao para funcionamento no Pas.

    4.2. Autorizao para funcionamento no Pas

    O funcionamento de sociedade limitada estrangeira no Pas depende de autorizao do Poder Executivo, qualquer que seja o seu obje-to14. Quanto s sociedades annimas, o captulo que trata da sociedade annima estrangeira da antiga Lei da Sociedade por Aes15 foi mantido em vigor pela lei atual16, tambm exigindo a autorizao do Poder Executivo. importante destacar que a sociedade annima regida por lei especial, aplicando-se a ela as disposies do Cdigo Civil somente nos casos omissos17. Assim, o funcionamento da sociedade limitada estrangeira tratado no Cdigo Civil e o fun-cionamento da sociedade annima estrangeira, em lei especial.

    permitido sociedade estrangeira ser acionista de sociedade annima brasileira18. Na verdade, correto o entendimento de que no vedado sociedade estrangeira participar do capital de sociedade brasileira, independente-mente da forma societria desta (GREBLER, E., GREBLER, G., 2004, p. 410). Essa possibilidade torna de pouca utilidade o procedimento de autorizao do Poder Executivo para funcio-namento da sociedade estrangeira no Pas, haja vista que as sociedades estrangeiras preferem fundar sociedades brasileiras nas quais dete-nham quase a totalidade do capital a elas per-tencente (BUITONI, 1986, p. 27). O exerccio do poder de controle de sociedade brasileira por

    14 Art. 1.134 e segs. da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Cdigo Civil).

    15 Decreto-Lei no 2.627, de 26 de setembro de 1940.16 Art. 300 da Lei no 6.404, de 1976.17 Art. 1.089 do Cdigo Civil.18 Parte final do art. 1.134 do Cdigo Civil.

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    sociedade estrangeira no caracteriza o funcionamento desta no Brasil, de modo a ensejar a autorizao do Poder Executivo.

    Ainda no se verifica no direito empresarial internacional o livre exer-ccio da atividade empresarial por sociedades estrangeiras sem maiores formalidades, mas a abertura econmica posta em prtica a partir dos anos 90 do sculo XX reclama uma regulamentao menos burocrtica da presena da sociedade estrangeira no Pas.

    A delegao de competncia para a autorizao, em um primeiro momento, do Presidente da Repblica ao Ministro do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior e, posteriormente, ao Secretrio de Co-mrcio e Servios do mesmo Ministrio mostra uma tendncia de maior flexibilidade da legislao quanto ao ingresso de sociedades empresrias estrangeiras no Pas.

    4.2.1. Delegao de competncia

    No Governo Collor, foi delegada competncia ao Ministro da Justia para aprovar as alteraes estatutrias ou contratuais das sociedades estrangeiras em funcionamento no Brasil, permanecendo a competncia do Presidente da Repblica para aprovar os atos referentes autoriza-o inicial, nacionalizao e cassao da autorizao19. No Governo Itamar Franco, a competncia foi transferida ao Ministro da Indstria, do Comrcio e do Turismo20. No Governo Fernando Henrique Cardoso, a competncia para decidir sobre todos os atos passou para o Ministro do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior, sendo vedada a subdelegao21. No Governo Lula, permitiu-se a subdelegao de com-petncia22. Essa competncia atualmente do Secretrio de Comrcio e Servios do Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior23.

    Desse modo, a sociedade estrangeira que quiser constituir filial, sucursal, agncia ou estabelecimento no Brasil deve pedir autorizao do Poder Executivo Federal para instalao e funcionamento, mediante requerimento endereado ao Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior, protocolizado em Braslia, no Departa-mento Nacional do Registro do Comrcio24.

    19 Decreto no 99.436, de 2 de agosto de 1990.20 Decreto no 796, de 13 de abril de 1993.21 Decreto no 3.444, de 28 de abril de 2000.22 Decreto no 5.664, de 10 de janeiro de 2006.23 Portaria no 16, de 2 de fevereiro de 2006. 24 Art. 1o da Instruo Normativa no 81, de 5 de janeiro de 1999, do DNRC.

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    O procedimento de autorizao para funcionamento da sociedade estrangeira no Pas poderia ser simplificado, caso fosse prevista a com-petncia da junta comercial da unidade federativa em que se localizasse o estabelecimento para diretamente deliberar sobre a solicitao de funcionamento e sua conformidade com a legislao.

    4.3. Nacionalizao voluntria

    A nacionalizao da sociedade estrangeira autorizada a funcionar no Pas d-se mediante a transferncia de sua sede para o Brasil, aps a expedio de autorizao pelo Poder Executivo Federal. A sociedade estrangeira necessita ainda adequar seus atos constitutivos para atender os requisitos das leis brasileiras25. A redao original do art. 171 da Cons-tituio trazia a definio de empresa brasileira, mas esse dispositivo foi revogado26. A redao dizia que era empresa brasileira a constituda sob as leis brasileiras e que tivesse sua sede e administrao no Pas. A nosso ver, a nacionalidade da pessoa jurdica assunto materialmente consti-tucional, ficando uma lacuna sobre o tema na Carta com a revogao do texto do artigo.

    5. Restries sociedade annima

    As restries sociedade annima referem-se exigncia de o diretor ser residente no Pas, participao de estrangeiro como administrador ou acionista controlador, obrigatoriedade de nacio-nalidade brasileira da sociedade controladora da subsidiria integral e ao requisito de nacionalidade brasileira da sociedade controladora em grupo societrio.

    5.1. Diretor residente no Pas

    Os diretores da sociedade annima devem ser residentes no Pas27. A exigncia de residncia no Pas dos conselheiros de administrao, pre-vista na redao original da Lei das Sociedades por Aes, foi revogada28. Exige-se dos diretores a residncia no Pas porque eles esto diretamente envolvidos nos assuntos do dia a dia da companhia.

    25 Art. 1.126 do Cdigo Civil.26 Emenda Constituio no 6, de 15 de agosto de 1995.27 Art. 146 da Lei no 6.404, de 1976.28 Art. 2o da Lei no 10.194, de 14 de fevereiro de 2001.

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    5.2. Participao de estrangeiro em sociedade annima

    A junta comercial que registrar sociedade annima da qual participe estrangeiro que exera a funo de administrador, diretor ou acionista controlador deve enviar ao Ministrio da Justia os dados de identificao do estrangeiro e do documento de identidade emitido no Brasil29.

    5.3. Nacionalidade brasileira na subsidiria integral

    A sociedade subsidiria integral a sociedade annima formada por um nico scio, sendo, portanto, forma de sociedade unipessoal30. Ela importante instrumento de organizao empresarial, pois con-siderada sujeito de direitos e obrigaes prprias, respondendo perante credores com o seu patrimnio. Assim, os bens da sociedade annima controladora no so atingidos por obrigaes da sociedade subsidiria integral, a no ser que seja decretada judicialmente a desconsiderao da personalidade jurdica.

    Pode ser mais vantajoso, para uma sociedade annima, em termos de custos de transao, constituir uma sociedade subsidiria integral, muitas vezes em razo do elevado risco do empreendimento, em vez de criar uma filial que no tenha o atributo da separao patrimonial. Uma sociedade annima sediada no exterior, por exemplo, poderia optar por constituir uma subsidiria integral no Pas, para explorao de deter-minado empreendimento, caso o custo de transao fosse menor que a instalao de uma filial. Caso optasse pela constituio de uma filial, a sociedade exerceria, em seu prprio nome, conta e risco, a nova atividade empresarial e responderia com todo o seu patrimnio pelas obrigaes decorrentes do empreendimento.

    Outra vantagem da constituio de uma sociedade subsidiria integral decorre da diminuio dos custos de agncia. A ausncia de minoria societria na sociedade subsidiria integral reduz a zero os custos de transao da administrao dos conflitos com grupos minoritrios de scios (PIMENTA, 2012, p. 352).

    A legislao exige que a sociedade controladora da sociedade sub-sidiria integral seja brasileira31. No h motivos de ordem econmica para vedar a constituio de sociedade subsidiria integral por sociedade estrangeira, haja vista que os investimentos estrangeiros geram benefcios

    29 Pargrafo nico do art. 45 do Estatuto do Estrangeiro.30 A sociedade subsidiria integral est prevista nos arts. 251 a 253 da Lei no 6.404,

    de 1976.31 Art. 251 da Lei no 6.404, de 1976.

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    econmicos e sociais, conforme anteriormente destacado.

    5.4. Nacionalidade brasileira em grupo societrio

    O grupo de sociedade constitudo pela sociedade controladora e suas controladas, mediante conveno na qual se obrigam a com-binar recursos ou esforos para a realizao dos respectivos objetos ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns32.

    A lei exige que a sociedade controladora ou de comando de grupo seja brasileira. Considera--se brasileira a sociedade de comando sob o controle de pessoas naturais residentes ou domiciliadas no Brasil, de pessoas jurdicas de direito pblico interno ou de sociedade ou so-ciedades brasileiras que, direta ou indiretamen-te, estejam sob o controle das pessoas citadas33. Essa redao semelhante que estava prevista na Constituio para a definio de empresa brasileira de capital nacional e que se encontra atualmente revogada34.

    Assim como em relao exigncia de na-cionalidade brasileira da sociedade subsidiria integral, no h motivos de ordem econmica para vedar a constituio de grupo de sociedade por sociedade controladora estrangeira, haja vista que os investimentos estrangeiros geram benefcios econmicos e sociais, conforme anteriormente destacado.

    6. Restries setoriais

    A legislao em vigor prev algumas restri-es e impedimentos participao estrangeira

    32 Caput do art. 265 da Lei no 6.404, de 1976.33 Art. 265, 1o, e art. 269, VII e pargrafo nico, da

    Lei no 6.404, de 1976. 34 Emenda Constituio no 6, de 1995.

    na atividade empresarial. So previstas restri-es na assistncia sade, na navegao de cabotagem, na explorao de recursos minerais, na segurana privada, no jornalismo, no trans-porte rodovirio de carga, no transporte areo e na faixa de fronteira.

    Essas restries setoriais empresa es-trangeira conferem o monoplio do mercado interno empresa nacional, restringindo os recursos empregados nas atividades assim como a quantidade de mo de obra. O tomador do servio levado a pagar mais caro por aquilo que poderia ser ofertado mais barato pelo es-trangeiro. O prestador de servio nacional o maior beneficirio das restries setoriais.

    A diminuio das restries setoriais empresa estrangeira depende muitas vezes da observncia das regras de reciprocidade entre os pases. Assim, eventual flexibilizao das re-gras brasileiras pode servir como contraponto abertura do mercado estrangeiro. A ausncia de reciprocidade justifica a imposio de restries setoriais empresa estrangeira como forma de pressionar a diminuio das restries impostas pelos parceiros externos.

    Algumas restries so previstas de forma detalhada na Constituio, demandando, para a sua eventual flexibilizao, uma alterao constitucional.

    6.1. Restries constitucionais

    A propriedade de empresa jornalstica e de radiodifuso de sons ou de sons e imagens reservada a brasileiros natos ou naturaliza-dos h mais de dez anos, ou a pessoa jurdica constituda sob a lei brasileira e com sede no Pas35. A participao de estrangeiros ou de brasileiros naturalizados h menos de dez anos

    35 Art. 222 da Constituio, conforme a Emenda Constituio no 36, de 2002.

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    no capital social de empresas jornalsticas e de radiodifuso no poder exceder a trinta por cento do capital total e do capital votante36. As empresas jornalsticas devem apresentar s jun-tas comerciais, at o ltimo dia til de cada ano, declarao com a composio de seu capital so-cial, incluindo a nomeao dos brasileiros natos ou naturalizados h mais de dez anos titulares, direta ou indiretamente, de pelo menos setenta por cento do capital total e do capital votante.

    A restrio prevista na Constituio aplica--se somente ao rdio e televiso aberta, no abrangendo, entre outros veculos, a rede. A facilidade de disseminao da informao pela rede e a sua crescente utilizao pela populao, at mesmo substituindo a televiso, simplifica a atuao em territrio nacional de empresas jornalsticas estrangeiras. A restrio, portanto, encontra-se defasada. Ainda que se quisesse dificultar a veiculao de notcias produzidas por fontes estrangeiras, no se conseguiria faz--lo no mundo atual, pois a informao rompe as barreiras que se opem a ela caso haja uma demanda efetiva do consumidor.

    A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais de energia hidrulica somente podem ser realizados, mediante autorizao ou concesso da Unio, por brasileiro ou empresa constituda sob a lei brasileira e que tenha sua sede e administrao no Pas37. A restrio a empresa estrangeira no setor pode retardar a explorao de substn-cias minerais que correm o risco de perder o valor no futuro, em razo da substituio de matrias-primas tradicionais por outras, como decorrncia do avano tecnolgico.

    Algumas restries participao estrangei-ra no esto previstas de forma explcita e deta-

    36 Art. 2o da Lei no 10.610, de 20 de dezembro de 2002.37 1o do art. 176 da Constituio, alterado pela Emen-

    da Constituio no 6, de 1995.

    lhada na Constituio ou esto previstas somente em lei infraconstitucional. No h impedimento constitucional quanto concesso por lei de tra-tamento diferenciado s empresas nacionais em relao s empresas estrangeiras (BERCOVICI, 2011, p. 95), uma vez que a revogao do art. 171 da Constituio no produz isonomia jurdica entre capital estrangeiro e capital nacional.

    6.2. Restries infraconstitucionais

    vedada a participao direta ou indireta de empresas ou de capitais estrangeiros na assistncia sade38, salvo nos casos previstos em lei39. Essa restrio criticada quanto sua convenincia, visto que o setor de sade um setor carente de investimentos. A Constituio, contudo, permite que a restrio seja afastada por lei ordinria, flexibilizando-se o ingresso no setor de empresas estrangeiras. Admite-se ainda a participao minoritria e sem controle efetivo de estrangeiros no capital de empresas brasileiras que atuam no setor de assistncia sade (SUNDFELD; CMARA, 2008, p. 47).

    A Constituio d liberdade lei ordinria para estabelecer as condies em que o trans-porte de mercadorias na cabotagem poder ser realizado por embarcao estrangeira40. A administrao da empresa de navegao de cabotagem deve ser constituda por maioria de brasileiros natos, ou a brasileiros natos devem ser delegados todos os poderes de gerncia41. Alm disso, so considerados nacionais os na-vios que pertenam a sociedades constitudas no Brasil, desde que mais da metade do capital pertena a brasileiros natos.

    38 3o do art. 199 da Constituio.39 Art. 23 da Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990.40 Art. 178, pargrafo nico, da Constituio.41 Art. 2o do Decreto-Lei no 2.784, de 20 de novembro

    de 1940.

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    A navegao de cabotagem o transporte efetuado entre portos de um mesmo pas. Na maioria dos pases, vigora um tratamento favore-cido aos nacionais nesse tipo de navegao. De acordo com o sindicato das empresas de navegao martima, uma pesquisa mostra que 40 de 56 pases estudados restringem a cabotagem a navios nacionais (GES, 2013). Defende-se a imposio de restrio atividade estrangeira para estimular a nacional quando se trata de uma atividade necessria defesa do pas (SMITH, 1999, p. 384 et seq.). Assim, a lei sobre o transporte martimo procura assegurar aos nacionais o monoplio da participao no comrcio de cabotagem.

    A propriedade e a administrao das sociedades empresrias cujo objeto seja a prestao de servios de segurana privada a pessoas e a bens e valores so vedadas a estrangeiros42. A Constituio no cuida expressamente dos servios de segurana privada, referindo-se to so-mente aos rgos pblicos responsveis pela segurana pblica: polcia federal, polcia rodoviria federal, polcia ferroviria federal, polcias civis, polcias militares e corpos de bombeiros militares. Os nveis elevados de segurana pblica tm exigido a colaborao de instituies privadas para complementar a defesa da sociedade e de seu patrimnio (MARTINS, 2001, p. 237). A possibilidade de ingresso de empresas estrangeiras no setor poderia aumentar os investimentos em segurana e colaborar para uma maior insero brasileira na busca por novos mercados e parceiros.

    A empresa de transporte rodovirio de carga deve ter sede no Brasil43. A lei anterior sobre transporte rodovirio de carga, editada na dcada de 80, exigia que quatro quintos do capital social da sociedade empresria que explorasse a atividade deveriam pertencer a brasileiros. A associao das empresas de transporte rodovirio de carga, por ocasio da trami-tao do projeto que resultou na lei, defendia a restrio participao do capital estrangeiro no setor, sendo rebatida em seus argumentos por grupo empresarial australiano (CASTRO, 1980).

    A concesso da explorao de servios areos pblicos s possvel pessoa jurdica brasileira que tiver sede no Brasil e pelo menos quatro quintos do capital com direito a voto pertencentes a brasileiros (preva-lecendo essa limitao nos eventuais aumentos do capital social), e cuja direo esteja confiada exclusivamente a brasileiros44.

    O limite de participao do capital estrangeiro poderia ser aumen-tado, em um primeiro momento, de 20% para at 49%. Nessa direo, h um projeto de lei em tramitao na Cmara dos Deputados, aps

    42 Art. 11 da Lei no 7.102, de 20 de junho de 1983.43 Inciso I do 2o do art. 2o da Lei no 11.442, de 5 de janeiro de 2007.44 Art. 181 da Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986.

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    aprovao no Senado Federal, que tem por finalidade flexibilizar o limite, permitindo uma maior capitalizao das empresas nacionais e facilitan-do a entrada de novas empresas de transporte areo45. Argumenta-se contrariamente ideia, alegando-se que o aumento do limite favorece-ria a concentrao de mercado das empresas atualmente em atividade (RITTNER, 2013).

    H ainda restrio participao de capital estrangeiro nas empresas situadas na faixa de fronteira46. Esta compreende a faixa de at cento e oitenta quilmetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres. Ela considerada de fundamental importncia para a defesa do territrio nacional47, mas o investimento e o estabelecimento de empresas estran-geiras na faixa de fronteira deveriam ser enfocados sob o ponto de vista das contrapartidas que essas empresas pudessem oferecer sociedade brasileira (MIRANDA, 2009, p. 71).

    A concesso para o servio de televiso a cabo ser dada exclusiva-mente pessoa jurdica de direito privado que tenha como atividade principal a prestao desse servio e que tenha sede no Brasil e pelo menos cinquenta e um por cento do capital social, com direito a voto, pertencentes a brasileiros natos ou naturalizados h mais de dez anos ou a sociedade sediada no Pas e cujo controle pertena a brasileiros natos ou naturalizados h mais de dez anos48. Defende-se o enquadramento dos servios de televiso a cabo entre os servios de telecomunicaes e no entre os servios de radiodifuso de sons e imagens, razo pela qual a restrio ao investimento estrangeiro nesse caso no est fundamentada no art. 222, 1o, da Constituio (XAVIER, 2008, p. 52).

    7. Consideraes finais

    As sociedades empresrias contam com o atributo da nacionalidade, geralmente definido de acordo com os critrios da incorporao, da localizao da sede e do controle.

    O investimento estrangeiro proporcionado por sociedades em-presrias tem efeitos econmicos, sociais e polticos. Entre os efeitos econmicos, podemos citar o aumento do investimento em pesquisa, a ampliao do poder de compra do consumidor, o incremento no acesso do fornecedor nacional a clientes estrangeiros e a expanso do mercado internacional para os produtos feitos no Pas.

    45 Projeto de Lei no 184, de 2004.46 Incisos I e III do art. 3o da Lei no 6.634, de 2 de maio de 1979.47 Art. 20, 2o, da Constituio.48 Art. 7o da Lei no 8.977, de 6 de janeiro de 1995.

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    O exerccio da atividade econmica empresarial pelo estrangeiro depende da obteno de um visto permanente, mas essa exigncia foi flexibilizada no mbito sul-americano pela possibilidade de aquisio de residncia temporria por cidados mercosulinos.

    O funcionamento de sociedade empresria estrangeira no Pas depen-de da autorizao do Poder Executivo. O procedimento pouco utilizado porque as sociedades estrangeiras preferem adquirir sociedades brasileiras nas quais detenham quase a totalidade do capital a elas pertencente.

    Entre as restries aplicveis sociedade annima, est prevista na legislao a obrigatoriedade de nacionalidade brasileira da sociedade controladora da sociedade subsidiria integral e de comando de grupo societrio. No h motivos de ordem econmica no contexto atual para fundamentar essas restries.

    Algumas restries participao estrangeira na atividade empresarial esto previstas na legislao constitucional e na infraconstitucional; entre elas, as restries na assistncia sade, na navegao de cabotagem, na explorao de recursos minerais, na segurana privada, no jornalismo, no transporte rodovirio de carga, no transporte areo e na faixa de fronteira. A flexibilizao dessas restries depende da avaliao econ-mica de cada setor especfico, bem como de eventual reciprocidade dos parceiros internacionais.

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